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“Ainda 

não comecei. 
Queria  tanto saber dizer Era uma vez​
. Ainda não  consigo. Mas  
preciso  começar  de  alguma  forma.  E  esta,   enfim,  sem   começar 
propriamente,  assim  confuso,  disperso,  monocórdio,   me  parece  um 
jeito  tão bom  ou mau quanto qualquer  outro de  começar  uma  história. 
Principalmente se for uma  história  de  dragões.” (Caio  Fernando Abreu, 
Os dragões não conhecem o paraíso) 

 
 
Eu,  eu,  eu.   Devir…  eu?  O  que  se  trata  de  eu?  Qual  a  distância  ou 
diferenciação  que  torna  o  eu,  eu,  e  você,  outro?  Que  processo  de  subjetivação 
dança em nuestros esquemas de percepção que desemboca em… mim? Alteridade, 
alter­idade,  (human)idade limite; alter ­  só me  consolido e me percebo enquanto eu 
no  limite,  na  fronteira  com  o  Outro.  Os  antropólogos  estão  dizendo  isso  há  um 
século, Reich mapeou  o  processo de alteridade psíquica­corporal do filhote humano 
em  relação  ao   mundo  que  o  cerca.  E  mais,  aos  que  não  vivenciam  de  maneira 
efetiva  o  processo,  aos  impossibilitados  de  experenciar  o  limite,  a  fronteira,  a 
linha­fuga,  resta  a  diluição  no  mundo,  no  real,  no  disreal,  no  a­real  (que,  quando 
converge­se  para  si  mesma  implode  em  fusão;  lírios  flamejantes  lânguidos  vida 
líquida  escorre   veneno  volátil  mutação  instável   da  sensação  de  si)  ­  núcleo 
psicótico,  mar  de  desrazão  interceptado  por  ilhas  inabitadas  sinestésicas  de… 
controle? de… eu? 
  Soy,  sou,  ser.  O  que  ser. Quem  ser quando  não se é. E reside nisso, enfim? 
Sistema  binário  dicotomia  “ser  ou  não  ser?”,  Hamlet  conversava  com  uma  caveira 
que, por sua vez, não queria conversar com Hamlet. 
  Essencial,  me  parece  essencial,  cru­cial não  tomar  a  alteridade como linear, 
unilateral  ­  relação entre  dois termos, eu e Outro, Hamlet e a caveira. Não, não, não 
podemos pensar nesses  termos. Alteridade é explosão,  implosão, díspare,  múltipla: 
estritamente  fusional. Mas,  se  digo  do  processo  de  diferenciação  fusional, como se 
diferencia,  então?  Como  se  altera­a­idade?  Si­nes­te­si­a  líquida,  magmática  e 
rarefeita  ao  mesmo  tempo,  viscosa:  nesse  vai­vem­sobe­desce­lado­a­lado­b­ 
lado­c­d­e,  nessa  potência existencial  que  a  vida  se  insere e se inscreve, processo 
multifacetado sem face, planeta disforme, informe a amorfia se partícula ou onda: eu 
grito AS DUAS. TODAS. NENHUMA (eu tu ele nós vós quem?). 
 
Não representar.  
SER 
estar sendo… o contínuo vir a ser… 
e NUNCA NUNCA NUNCA NUNCA 
barrar o movimento 
daquilo que é 
se tornar 
o que nunca antes foi 
 
  Era uma  oficina  de  expressão corporal que  vi  de longe por  site comunicação 
email,  essas  coisas  contemporâneazíssimas  e  pensei  ­ que  hora  para  me jogar  no 
incerto  que  hora  para  desdobrar­me  na  arte  do  corpo  no  corpo  da  arte  porque  já 
chega palavras  discursos perdidos  ao vento sul não estou aqui  para ler e interpretar 
quero viver até  a última gota de  desejo que  há  em  mim e viver com todas as forças 
tudo aquilo que também como força me pulsa  me (de)compõe me desfaz pois no fim 
de  tudo  eu  só  acredito  mesmo  é  no  tesão  de  estar  viva  e  pra  nele  acreditar,  ele 
tenho que sentir.  
Por  uma  coincidência  irremediável,  ou  um  Encontro  a  la  psicodrama,  ou  o 
que  a  vida  dá  quando  se  está  em   contato,  ou  o  acaso,  ou  o  descaso:  Caio nessa 
oficina,  projeto  de  pesquisa  parte  do  doutorado  em  teatro  de uma leoa  geminiana, 
Raquel.  Sua  proposta  era  experimentar;  os  encontros  se  dariam  em  três  partes  ­ 
meditação,  alguns  exercícios  corporais  (em  sua  maioria,   pelo  que  percebi,  da 
bioenergética)  e  composição  ­  e,  ao  final  de  cada,  deveríamos 
escrever/desenhar/rabiscar num  caderno.  Vivamos.  Façamos.  Sejamos. Fechem os 
olhos  e  entreguem  seus  corpos  ao  movimento,  sua  alma  ao  ridículo,  não  ao 
animalesco:  ao  visceralmente humano. Sejamos humanos, corpos andantes, corpos 
que  vibram,  suam,  peidam,  gritam,  olham.  Corpos  que  produzem.  Corpos  que  se 
tocam, se enchem, se transbordam.  
 
“entre meu ser e seu ser a linha limite se rompe” 
 
  Nessa  oficina,  em  meio  e  junto  a  tantos  outros   processos  da  vida  que  me 
põem  em  questão  para  que  eu resista;  re­exista;  pude (me) pôr a prova e  explorar 
campos  outros,  linhas  outras,  devires  outros.  Porque,  de  todo  modo,  voltava  a 
questão  (difusa  e)  central:  ser,  não  representar.  QUEBRAR  O TEATRO.  Não mais 
interpretação  psicanalítica  do  fantasma;  experimentação  antipsicanalítica  do 
programa  (Deleuze­Guatarri,  1996,  p.  12).  Estar  na  vida  pelo  prisma  da 
transformação e da mudança, não o da permanência. Estar em contato, pra Reich; o 
Encontro,  pra Moreno;  aqui e agora, pra Pearls; grounding, pra Lowen; devir, campo 
de imanência,  plano  intensivo, corpo sem órgãos, para Deleuze e Guatarri ­ mais do 
que arcabouço  teórico­intelectual­chato, mais  do que explorar novas  epistemis, criar 
pela  destruição  novas  ontologias  poéticas,  poiesis  outras,  reinventar­se  pela 
degeneração  do  que  constitui  o   Eu.   Transformar­se  (para  acessar  o  Outro)  e  se 
(des)incorporar na amorfia. Por quais meios? Pela experimentação. Pelo tesão. Pelo 
amor.  Pela  agonia.  Pela  vida  que  pulsa.  Pelo  desejo.  Se  botar  em  questão,  estar 
constantemente  a  beira  do  abismo:  como  quem,  cansado  da  certeza   do  chão,  se 
põe á prova na incerteza do voo. 
  
COM A TRAÇÃO SE EXPAN DE TESÃO 
 
  A  metáfora  gera  a  linguagem,  e  não  o   contrário.  O  caminho  indireto,  o 
descaminho, abre espaço  para  os  múltiplos caminhos, o fluxo rizomático dos signos 
­  aqui,  palavras   ­  que  ora  desembocam  em  fonemas  articulados  carregados  de  
significância  no  terreno  da  representação,  ora  escorrem  em  grunhidos,  cuspes 
intercalados  de  bile,  “​
regime de  signos material­semiótico  selvagem”. E  aqui reside 
uma  correlação  interessante  com  os  sistemas  autopoiéticos,  ou  o  pólo esquizo  do 
delírio,  as forças  ativas  da singularização, Aion: tempo do devir; em contraste com o 
sistema  de  socialização,  o  pólo  paranoico,  as  forças  reativas  de  padronização, 
homogenização,  Cronos:  tempo  do  dever.  Quando  se  abre  espaço para quebrar a 
homogeneidade,  para  desterritorializar  o  terreno  da  representação,  abrir  os 
caminhos  múltiplos  de  brilho  (e  obviação  incrustada  em  si  na  luz,  diria  um  bruxo 
aliado), quebrar­o­teatro​
: aí, buraco no que sei­que­já­sou, flutuar no vácuo da fenda 
ininterrupta  do assistemático de si, de  nós: “sejam, vivam, façam; não force a barra, 
espera vir,  não  sai  levantando se movendo  à  toa, espera que venha de dentro de ti, 
faz  emergir  da  vibração subatômica que  te constroi o paralelo por onde  te traçaras 
nesses  caminhos  outros,  possibilidades  outras,   espera  em  silêncio  inquieto  o  que 
pode vir  da  destruição  enquanto Tu  ­ a criação de um outro (des)alguém: ela”. Grito 
G.H.:  “Minha  pergunta,  se  havia,  não  era:  ‘que  sou’,  mas  ‘entre  quais  sou’.” 
(Lispector, p. 27).  
 
Quem eu sou  
do que já fui e 
não serei? 
Quem eu sou  
que eu  não achava que fosse 
até começar a ser? 
Quem eu sou 
depois de ser 
tudo que já fui um dia 
e tudo o que não serei? 
 
  De  um  conto  de  Caio  Fernando  Abreu titulado  “Uma  história  de borboletas”, 
acerca  de  enlouquecer,  de  retirar  gentilmente  as  borboletas  do  cabelo,  roxa,  azul, 
amarela,  preta;  me  presenteei  com  a  caricatura,  mais  minha  que  do  conto,  de  um 
possível  processo,  talvez  mais  paranoico  do  que  esquizo.  Primeiro,  as  borboletas 
mais  leves, dóceis,  as  que,  a  cada batida  de  asas, um novo  voo  se  alça.  Voo  esse 
que  reside  no  descobrimento  primeiro,  no  deslumbramento  de  uma  criança  que 
observa  e  brinca  com  o  mundo  simultaneamente;  que  acolhe,  escuta, abraça;  que 
tenra,  plena.   Depois,  borboleta  preta,  viscosa,  ácida,  voa  em  peso:  dor,  angústia, 
dilacera  a  carne,  debaixo  das  unhas,  (meu)  sangue  humano,  vísceras  do  lado  de 
fora,  escuro  agonizante  (a  máxima  sanidade   nos  faz  loucos).  Terceiro  momento: 
nada.  Vazio  que  vagueia  por  órgãos  sem  corpo.  Diluição  desatenta pós­catarse, o 
vácuo  me  faz  e  expulsa  tudo  que  fui  em  mim.  Olhos  que  não  veem,  que  não 
brilham;  vida  que  se  esvai  e  que  não  passa  pelas  infinitesimais  combinações 
eclodidas,  explosivas,  do  viver  a  vida,  do  estar  na  vida.  Mais  do  que a ausência; 
não­estar­presente quando se faz necessária a presença.  
 
(escuro­)irretratável­(da­)alma­em­desalento 
se desintegra  
em movimento 
 
  (O  continuum  looping  da  experiência.)  As  borboletas  e  seus três  tempos de 
delírio  (ora  esquizo,  ora  paranoico):  de  amor  lúcido,  surto  gritante  e  vida  esvaída. 
Quem  eu  sou  sendo­os?  Quem  deixo  de   ser  para  que  esses  outros  ​
possam 
desabrochar  livremente,  como  uma  borboleta  que,  gentilmente,  com  a  ponta  dos 
dedos, tiro pelos cabelos?  
  Há  algo que  deixo ali para os outros que experienciam essa dobra conjunto a 
mim; há  algo que eles me deixam enquanto experienciam aquela dobra junto a mim. 
O  que  vai,  o  que  fica,  o  que  sai,  o  que  entra,  o  que  vem,  o  que  vai. 
vem­vai­vem­vai…  Mar,  (a)mar  é  de  maré,  maré   que  vem  sobe  desce  pega  leva 
não  há  mar em abraços rasos​
traz.  [​ ]. Profundo, quero as profundezas desse oceano 
que  minha  percepção  denuncia  líquido,  mas  sinto  que  é  mais  do  que  um  estado 
físico  tangível,  mais  do  que  experimentos  categóricos  decodificadores  podem 
arriscar­se  dizer  sobre.  Afinal,  do  quanto  saberia  da  liquidez,  do  quanto  me 
permitiria  das  sensações  oceânicas,  estratosféricas,  se  não  fossem  as  tentativas 
trôpegas,  bêbadas,  que  a  cada  momento  buscam  experienciar  o  que  me  grita 
sentimento, sensação, convulsão,  emoção? Recipiente cheio que  transborda a cada 
vez  que  uma  gota  periga  enchê­lo  na   medida  certa.  Desvio,  transgressão, 
reinvenção. 
 
sobrenatureza mágica da existência 
 
  Dois  jogos  tarôs  nesse  meio  tempo,  no primeiro,  jogo  piramidal  onde o topo 
diz  respeito  às  influências  do  futuro­imediato;  no  segundo,  apenas  tirar  uma,  duas 
cartas.  Ambos  ­  como  o  tarô  insiste  em  fazer,  na  verdade,  a  via mesma  em  que  o 
tarô  acontece   ­  escancaram  sinais  que  urram  em  meu  rosto:  O  Imperador,  quinto 
arcano  maior,  autoridade  de  si,  orientação,  autonomia  reforçada  pela  
responsabilidade  intrínseca  percebida,  enfim,  de  traçar  seu  próprio  (des)caminho. 
No  segundo jogo, seguido dele,  carta de paus, fogo, representado por um ser alado 
que  flecha  ­  para  atirar  fogo,  ao  menos  você  deve  focar  onde  está   flechando. 
Flechar  onde,  flechar  como?  Onde  atirar,  no  que  acertar,  o  que  quero  e  preciso 
matar  em  mim  com uma flecha  em chamas? O  que tenho de  deixar  para  renascer, 
pra reiniciar um ciclo elíptico infitésimo oblíquo longínquo??????!?!??!?!?!??!?!?! 
O  espelho,  devo destruir  o espelho  em  que me  miro, que me vejo, que tenho 
desenhado  tudo o que esperam e não esperam de mim, onde vou me situando e me 
encaixando na imagem moldada por  outros  que operam em mim através de mim. (é 
que narciso acha feio o que não é espelho) Matar Narciso. Matar Édipo. Matar Zeus, 
O  Imperador,  enquanto  Deus  se  suicida  cheirando  pó  na  esquina   de  prostituição 
numa grande cidade globalizada. 
 
alguma coisa acontece no meu coração... 
 
 
não precisa 
nem de 
meio­ser 
parao universo inteiro 
virar outro 
 
 
 
 
 
 
 
desvio dobra transvio desencaminho  
biopoder biopotência 
o poder de afetar e ser afetado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 “Detalhadamente não sendo, eu me provava que ­ que eu era.” (Lispector, p.31) 
 
 
a  constancia  de  se  fazer pessoa  oq  vc  bota  p  dentro  e  oq  vc  bota  p  fora constante 
cosmologicac transofmraçao iminente 
 
 

cinema falado homens conversando na praia 
 
 
 
 
“Começou  no  palco,  começou  no  laboratório  de  interpretação…  A  gente   fazia 
laboratório  de  interpretação  pra  libertar  das  couraças,  libertar  dos  clichês  que  a 
gente  recebia   na  educação  europeia  burguesa  da  gente,  pequeno  burguesa  (...) 
então  no laboratório  pra trazer  o  primitivo,  pra  quebrar,  quebrar, quebrar,  quebrar  a 
careta,  quebrar  a  careta, quebrar  o falso,  quebrar  o  teatro, QUEBRAR O  TEATRO, 
QUEBRAR  O TEATRO, QUEBRAR O TEATRO, e deixar nascer o corpo livre o ato.” 
(22” Evoé) 
 
zé  celso  sobre  artaud  “ele  trabalha  o  corpo  em  permanente  mutação”  (0:40 
https://www.youtube.com/watch?v=9fPBFAwuyEI​

 
“Enquanto  no  polo  esquizo  predominam  forças  ativas,  de  singularização,  no  polo 
paranoico  se  impõem  as  forças  reativas,  de  homogeneização.  Enquanto  num 
vive­se  em  Aion,  o  tempo  do  devir,  no  outro  reina   Cronos,  o  tempo  do  dever.” 
(MARQUITO, p. 26) 
 
"Os  ​
autopoiesis  systems  produzem  seres  únicos,  já  que  nenhuma  história  de 
encontros  com  os outros seres (humanos ou não) é idêntica. A socialização, por sua 
vez, tem como objetivo formar seres padronizados." PIRES, p. 145  
 
Assim,  “o  vivo  está  diretamente  ligado  aos  fenômenos  individuais  do  átomo” 
(Deleuze­Guattari),  que  mantém  sua  individualidade  até  chegar  ao  organismo 
microscópico.  Nesse  nível,  como  se  vê,  o  “organismo”  não  é  uma  unidade,  uma 
representação:  é  uma  multiplicidade  infinita,  “uma  dança  de  energia,  um  processo 
vibratório  de  criação  e  destruição”  (Capra,  1995,  p.  185).  A  dança  das  partículas 
subatômicas.  No  plano  do  infinitamente  pequeno  não  há  exterior   e  interior:  meu 
corpo vai até as estrelas!” (p. 25 ma ra qui to) 
minha vida é mais um atomo que se animou 
BIBLIOGRAFIA 
http://www.laymert.com.br/yanomami/ 
MIL PLATOS VOL 3 
VIDA VOL 19 
A QUEDA DO CÉU 
CONVERSAS MÁGICAS DA EXISTÊNCIA 
TRÊS ESQUIZOS LITERÁRIOS 
A PAIXÃO SEGUNDO G.H. 
PEDRAS DE CALCUTÁ 
OS DRAGÕES NÃO CONHECEM O PARAÍSO 
 

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