GF 607 Representações e Linguagens no Ensino de Geografia
Profa. Tânia Seneme do Canto
Júlio Deziró de Oliveira Santos RA 177383
Análise e discussão da produção de filme
A produção do filme “rivers & roads - Um ensaio sobre representações
cartográficas” foi uma investigação muito produtiva e prazerosa, que serviu não apenas para o exercício de aplicações de linguagens cartográficas, mas também como reflexão para a minha própria história como estudante e professor de geografia. A produção serve como “vídeo clipe” da música Rivers & Roads da banda The Head and The Heart, de 2010. Existe uma narrativa de viagem de um personagem (eu no caso) de uma cidade para outra (no caso Valinhos e São José dos Campos), ao mesmo tempo que representações cartográficas são mostradas em com o desenvolvimento da filmagem. Além das filmagens do personagem, são utilizadas: um mapa de memória desenhado a mão; trechos do percurso no Google Street View; imagens do Google Earth do trajeto; e uma colagem de imagens com diversas fotos das paisagens das cidades no qual o trecho ocorre. E o tema principal do vídeo é a memória da paisagem, em um processo bastante pessoal. O percurso tem uma grande importância na minha vida, pelo menos desde o ano de 1999, e se tornou mais presente no ano de 2004. Em 1999 o meu pai se muda de São José dos Campos, onde eu, ele e toda a nossa família morava, para Barão Geraldo para cursar Artes Plásticas na Unicamp, e o trajeto se torna presente na minha vida em duas perspectivas, a primeira como um trajeto efetivamente, feito nos momentos de férias, em uma espécie de aventura. O segundo, na forma de ausência, a distância, significativa em horas, que separavam eu e meus irmãos do meu pai. Essa relação mudou drasticamente quando nós passamos a morar com meu pai, agora na cidade de Valinhos. Era um percurso agora que me separava da minha mãe, antigos amigos, avós e demais parentes. Eu não tinha qualquer família fora de São José dos Campos. A minha relação com o percurso se tornou marcado por tempos muito fixos e constante do cotidiano. A cada quinze dias, saíamos às 17:00 de Valinhos, chegando por voltas das 19:00 em São José dos Campos, e no domingo, saímos às 19:00 para estarmos de volta em casa mais ou menos às 21:00. Uma dinâmica que durou sem modificações até 2011, ou seja, 7 anos. Em 2011, essa relação mudou um pouco uma vez que agora eu morava em São Carlos, começando a fazer faculdade, o que agora colocou um novo nível de complexidade no caminho, mas ainda assim, o trajeto entre Valinhos e São José dos Campos sempre foi, e ainda é presente na minha vida. Mas foi em 2011 que eu conheci a música Rivers & Roads, através do seriado How I Met Your Mother. A música rapidamente ganhou lugar no meu cotidiano, ouvindo-a no celular durante os diversos, e sempre presentes, trajetos em rodovias. A letra da música é simples, e tenho a impressão que dei a ela mais profundidade e sentidos que ela realmente tem. Mas trechos como “Daqui a um ano teremos todos ido/ Todos os nossos amigos irão se mudar” ou “Tenho falado sobre como as coisas mudam/ E minha família vive em um estado diferente” e “Rios e estradas que me levam até você”, me familiarizaram com uma história onde paisagens nos conectam com as pessoas. A minha relação com essas paisagens que eu tanto conhecia se complexificou quando eu entrei no curso de geografia. Entender “os processos por de trás das paisagens”, mais do que um exercício, virou um olhar para o mundo. Assim, as estradas que eu tanto percorri na minha vida rapidamente, ganharam uma explicação sobre as redes que conectam os lugares. Experiências com lugares específicos dos percursos também se modificaram, e eu me tornei relativamente mais sensível a paisagem, e agora que dirigia pelas rodovias, pelos próprios relevos também. “Saindo de Valinhos eu subo, depois eu desço até as represas, daí sobe bastante, daí desce até chegar em São José dos Campos” rapidamente virou um recorte de relevo mental. E esse por sua vez, era explicado por se dar praticamente toda “em cima” do afloramento basáltico atlântico, aumentava de altitude conforme saímos da área de influência da depressão periférica paulista, encontrava as variações do terreno decorrentes do intemperismo das regiões, o que incluía as represas, e por fim diminui altitude ao adentrar no graben que forma o Vale do Paraíba. Fica perceptível o conhecimento e sentimento que eu desenvolvi pela região do trajeto, o que o levou instantaneamente a ser o tema do trabalho quando surgiu a proposta de produção do vídeo. A música surgiu imediatamente como ponto de partida para trabalhar o tema e, portanto, foi a “força motriz” para o desenvolvimento do roteiro: “Trajeto São José dos Campos–Valinhos, Estradas e Rios”. Inicialmente, o que surgiu em minha mente foi uma imagem forte entre mapas, com somente as rodovias do trajeto (basicamente Rod. Dom Pedro I e Rod. Dutra) e os rios se formando ao longo da música. Contudo, com o desenvolvimento das discussões em aula, essa ideia acabou se modificando bastante, quase que descartada. A primeira é porque era brutalmente literal, eram estradas e rios, com uma música falando “estradas e rios”. A segunda, mais importante, foi pensar que a linguagem cartográfica não poderia ser fim, mas o meio para discutir algum tema. Entendendo melhor onde se poderia chegar com a produção do filme, a cartografia deveria servir para contar uma história, que se desenvolve através das memórias que eu criei sobre uma determinada paisagem. Memória sobre a paisagem, foi esse o tema central que eu descobri que a produção deveria ter. Partindo para a formulação do roteiro e storyboard, o entendimento era que encontraria diferentes maneiras de representação dessas memorias da paisagem, e que me levariam a então explorar as linguagens cartográficas. A primeira delas, e que se tornou central era o mapa de memória. Foi a primeira imagem que eu produzi para o vídeo, pois queria que ela não estivesse “contaminada” com as outras, e fosse a mais baseada possível na minha memória. Mas também não estava “isenta” de mapas, uma vez que o hábito de observar mapas da região, principalmente para dirigir no trajeto, sempre foi muito comum para mim. Dois aspectos são “principais” no mapa de memória, o contorno do trajeto, e os “pontos de interesse”. Foi interessante perceber, que as direções do trajeto estão mais ligadas com as características do relevo e as relações das rodovias entre si, do que com os pontos cardeais. Em relação aos “pontos de interesse”, foram concebidos a partir da perspectiva de alguém que utiliza o trajeto, mais do que pontos famosos ou algo do tipo, os pontos traçados têm serventia a viagem, ou serve de marcadores de tempo do trajeto, a exemplo dos pedágios. Em seguida foram feitos os percursos em Google Street View. Eles surgiram como uma alternativa de sanar a necessidade de representar movimentos dentro do trajeto, que não poderiam ser feitos na situação da produção. Acabou também auxiliando em entender uma face importante da memória da paisagem discutida que é aquela intermediada pelos aplicativos de mapas. A utilização de imagens do Google Earth surgiu com a finalidade de representar, mais do que o trajeto em uma escala menor e em panorama geral, analisar as diferentes “texturas” que eram geradas através das relações de relevo e ocupação. Uma coisa que como descrito anteriormente, era sentido através das mudanças de altitudes e percursos ao longo das rodovias, e que muito importante na composição da imagética analisada. E por fim, um mapa de fotos, que segue com fotos retiradas na internet dos municípios nos quais o trajeto se passa. É importante notar que as imagens não necessariamente coincidem com os das rodovias. A preocupação maior era montar um mosaico que exprimisse as diferentes paisagens, independente do lugar, e transmitissem a noção de percurso a partir de suas mudanças. O vídeo assim foi montado a partir das linguagens utilizadas, com inserção de filmagens do personagem (no caso eu), afim de explicitar melhor a narrativa do percurso. Intercalados de maneiras a se adequar ao desenvolvimento da música. Como produto final, acredito que o vídeo serviu em seu propósito para a investigação do tema da memória da paisagem. Acredito que a análise da paisagem se dá com a investigação dos diversos fatores que a compõe. Assim, acredito que o vídeo consegue explicitar que se trata de uma paisagem formada através da relação contínua e íntima de um sujeito com determinado espaço. As disparidades entre as representações, em especial o mapa conceitual e o mapa de fotos, servem para demonstrar as características que o espaço sofre quando ocupa a memória, que poderiam ser chamadas de ‘distorções”, mas não acredito que sejam necessariamente o caso. Com o desenvolvimento da disciplina, foi possível observar como a representação cartográfica não necessariamente necessita ficar restrita as regras desta linguagem. Em diferentes contextos e usos, não só pode, mas como deve se alterar a fim de cumprir novas necessidades de onde está inserida. Um exemplo prático presente no vídeo. O trecho que diz a respeito da Rod. Dutra no mapa de memória é proporcionalmente muito maior. Mas não seria possível interpretá-la de outra maneira, ela é do tamanho proporcional ao espaço que ocupa na memória, dada a sua importância no trajeto e, portanto, nas lembranças que a constituem. Por fim, é importante a constituição do vídeo em seu âmbito mais pessoal. Tratar de um trajeto, de memórias tão presentes, se tornou em primeiro momento uma armadilha que precisou ser contornada ao longo do desenvolvimento do filme. Diversos aspectos da memória foram trazidos à tona com a produção do vídeo, que necessitavam de diferentes abordagens na produção. Muitas ideias surgiram, e a maioria delas não era boa o suficiente para entrar no vídeo. Acho que o processo de produção, em muito está relacionado com o corte de ideias supérfluas, no sentido de entender quais são uteis para compor a narrativa que se está construindo. Mais do que servir a narrativa, uma preocupação importante foi entender como eu poderia desenvolver essa narrativa, de um ponto de visto que demonstrasse as preocupações que um professor de geografia deveria ter. Acredito que ter encontrado nas representações um meio de exprimir o tema de paisagem e memória, tenha sido o caminho para isso.