O protagonismo masculino de viver a história (ou; porque Terry Crews entendeu
algumas coisas melhor que Aleister Crowley)
A história ocidental é contada por homens e para homens. Nós homens, acreditamos que estamos destinados a vivê-la, a realizar o progresso histórico e impulsionar a roda para frente, em direção ao futuro. É nosso destino e nosso dever. Criamos em nossas cabeças uma narrativa débil que somos protagonistas, e que todo o resto deve servir para que realizemos nossa missão, incluindo as mulheres. Pensamos que as mulheres não protagonizam a história, são coadjuvantes, são ferramentas, embora essenciais e de extrema importância, mais ainda veículos da vontade masculina. Elas devem prover nossos filhos, nosso prazer sexual, nos alimentar e nos cuidar, fazendo todo o trabalho medíocre e não reconhecido, sem o qual não poderíamos alçar voo em direção aos sonhos. Não é novidade para ninguém que nossas religiões monoteístas são extremamente eficientes em reproduzir essa dominação de gênero. De uma maneira que eu julgo perversa, a moral cristã cercou essa dominação de discursos de amor e cuidado, naturalizando "aptidões" dos sexos, soterrando qualquer sonho de protagonismo de uma mulher com imensa culpa. O que se expressa na questionamento cotidiano: "Nossa, mas você vai trabalhar? Viajar? E seus filhos, não vai ter? Não vai cuidar deles?" e por aí vai... Avançando nas dimensões de religiosidade, mito e simbologia, me chama muito a atenção como a dimensão masculina é tratada nos termos "sol/céu/ativo" e o feminino como "lua/terra/passivo". Nos espaços mais hegemônicos ou mais obscuros da espiritualidade, reproduzimos a papel de um homem ativo em moldar o mundo, e a mulher receptáculo de tal ação. E onde Aleister Crowley entra nessa história? Bem, Crowley é o ocultista mais importante do século XX, seus impactos vão muito mais além do que um bando de malucos tentando conversar com seres sobrenaturais. Seus trabalhos dizem a respeito de uma nova espiritualidade, condenando o pensamento ocidental cristão. Eu pessoalmente, reconheço influência de sua obra no movimento da contra cultura que se seguiu na segunda metade do século XX, e pautou muito da liberação moral e sexual que vivemos hoje (mesmo que indiretamente). Para nós brasileiros, o maior contato com suas ideias está nas músicas de Raul Seixas, especialmente Sociedade Alternativa. Ao passo que ideias de liberação moral e sexual são fortes na obra de Crowley, provenientes da máxima "Faz o que tu queres", acaba obviamente por lidar com o papel da mulher, e sua posição era clara; a posição cristã de pudor e virgindade era opressora e ultrajante, devendo-se tomar o papel da prostituta. Obviamente que termo "prostituta" é muito abrangente, para além do teor pejorativa que contém em nossa sociedade, diz a respeito de uma liberação sexual ampla. O fato que essa "liberação sexual ampla" é extremamente problemática, tanto no contexto do Crowley, quanto hoje em dia. Olhando para a simbologia mística/ocultista, essa liberação é trabalhado pelos homens apenas como uma troca de papeis, ainda dizendo as mulheres qual função elas devem exercer. No repertório simbólico em questão, temos a criação da "Mulher Escarlate", forte, enérgica, sexualmente ativa, a qual "todo o poder é dado", mas ela não é protagonista da história, é um instrumento de poder, uma ferramenta a qual homens desejam em se apoiar. Isso nos permeia até hoje em nossas rodas sociais, de homens "desconstruídos" e progressistas, na máxima constante que nos deparamos de "Como assim você não quer transar comigo? Você não é desconstruída de verdade, está cheia de pudor". O que se seguiu depois disso, no fim do século XX, saindo do escopo simbólico e olhando de maneira mais geral na sociedade é desastroso. Quando a capacidade de homens de prover sustento a seus lares foi diminuída, e/ou a rigidez do matrimônio começou a ruir, as mulheres foram convidadas a entrar em massa no mercado de trabalho (o que se reproduziu em algumas classes sociais, ao passo que algumas mulheres, especialmente negras, nunca puderam conhecer o "privilégio" de não trabalhar), e nós homens mostramos nosso capacidade de sermos grandíssimos filhos da puta. Se o sustento da casa via salário passou a ser dividido, a reprodução da vida não foi. Quantas mulheres, casadas ou solteiras, nós conhecemos que se submetiam a jornadas duplas ou triplas de trabalho? Eu sinceramente não conheço uma mulher que seja mãe que não tenha passado por isso. E quantos homens em mesma situação? Raríssimos casos, afinal, não seríamos atrapalhados de viver a nossa missão e realização pessoal esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque. O fato é que as coisas estão mudando. Não porque somos homens legais e decidimos dividir o palco com outros seres humanos. As mulheres é que não aceitam mais ficarem nos bastidores da história, estão fartas e revoltadas. É necessário repensar nossa postura mimada e infantil, acreditamos que somos os protagonistas da história e as mulheres devem nos dar suporte, o que simplesmente é falso. Para além de deixar de ser um escroto misógino (o que já é justificativa suficiente) eu acredito que essa mudança seja importante para que possamos estar ao lado de mulheres incríveis que fazem feitos incríveis, sejam nossas mães, irmãs, amigas ou conjugues. Muito do que eu pensei aqui veio lendo/ouvindo as últimas declarações de Terry Crews no painel "Women in the World". Não que nosso querido Julius tenha falado algo novo e revolucionário, mas a mensagem é clara como água: "Nós homens, entendemos mulheres como algo subumano", é direito, sem "porém", sem "mas nem todo homem", sem retirar a própria responsabilidade. Permite reconhecer que estamos sentados em cima de séculos de estruturas sociais e simbólicas que nos fazem olhar para as mulheres em nossa vida e demandar que sirvam aos nossos interesses. Seja objetificando seus corpos sexualmente ou sobrecarregando-as com as tarefas de reprodução da vida. Diga- se de passagem, eu sou fã dos posicionamentos de Terry Crews desde suas falas sobre pornografia, que me impulsionaram muito a pensar nessa outro assunto. Nas palavras do próprio Crews o homem precisa ser "desprogramado". Precisamos nos vigiar a todo momento, devemos nos perguntar se estamos dividindo espaços, ou apenas atribuindo papéis que nos satisfaçam. Retomando minha crítica a Crowley, acredito que a liberação sexual seja a nossa maior armadilha, afinal queremos mulheres empoderadas e donas dos próprios corpos, ou apenas mulheres que transem mais e com "menos frescuras"? Não digo isso com objetivo de revelar uma grande verdade escondida, aliás, muitas feministas podem achar esse texto um tanto simplista e entediante. Mas acredito que nós homens precisamos a aprender a colocar essas questões para fora, materializando nossos privilégios e assumindo responsabilidades, como fez o próprio Crews. PS: Tenho a noção que a problemática de desumanização de pessoas é um debate que se estende muito, e tem muita profundidade em questões raciais e de classe, mas que pessoalmente fico devendo, mas a intenção de lidar com essas abordagens existe. Referências que com certeza moldaram meu pensamento sobre o assunto: Yathaze. Terry Crews: Homens Não Veem Mulheres como "Totalmente humanas". Texto no Medium. Alanna Vagianos. Terry Crews sobre masculinidade tóxica: 'Os homens precisam ser desprogramados'. Huffpost Brasil. Kenneth Grant - Renascer da Magia. Editora Penumbra Podcast Magickando. Episódio n.14 Podcast Mundo Freak Confidencial. Episódio n.93 Podcast Mamilos. TODOS