Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ÍNDICE
5 Editorial
1. Introdução
Das 5 primitivas vilas medievais do atual Município do Sabugal, Vila
do Touro é a menos conhecida dos munícipes e dos visitantes do nosso
concelho, fundamentalmente porque o seu castelo não é um monumento
tão imponente como os outros, pois encontra-se arruinado, e nunca
alcançou um destacado estatuto militar e territorial no vale do Côa.
Contudo, a fortaleza de Vila do Touro, erguida no Alto da Pena,
constitui um local surpreendente, não só do ponto de vista natural e
paisagístico, mas também no que se refere ao seu passado histórico e
valor arqueológico. O monumento já merecia um estudo aprofundado que
incidisse nas problemáticas relativas às suas características arquitetónicas
e à sua fundação e evolução cronológica.
Este texto surge no momento certo, agora que se comemoraram
os 800 anos da atribuição de Foral à povoação, uma efeméride cumprida
no primeiro dia de dezembro de 2020, que convinha assinalar na revista
Sabucale, publicando aquilo que, neste momento, é o conhecimento
histórico que temos sobre a Vila e o seu castelo.
Muitas informações foram obtidas em resultado da investigação
desenvolvida na última década na Vila do Touro. Algumas descobertas
arqueológicas e diversos apontamentos históricos na documentação antiga
revista, foram agora reunidos nesta reflexão, trazendo algumas novidades
para o conhecimento do passado desta Vila.
As considerações aqui apresentadas merecerão revisões e acertos, à
medida que forem aparecendo outras evidências históricas e arqueológicas
no local, que descrevam esses tempos gloriosos de prosperidade do
aglomerado medieval de Vila do Touro.
2. Antes da Vila
Quando o castelo foi fundado no Alto da Pena, os seus edificadores
desconheciam que esse local elevado tinha já sido habitado dois milénios
antes. Diversos achados arqueológicos apontavam para a existência de um
31
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
32
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
3. A fundação da Vila
São poucas as informações que dispomos sobre as origens medievais de
Vila do Touro, por insuficientes intervenções arqueológicas realizadas no
núcleo urbano e, principalmente, por falta de documentação antiga, que
se perdeu. Alguns dos episódios históricos relativos à sua fundação são
narrados em documentos copiados dos originais extraviados, que suscitam
algumas dúvidas quanto à sua veracidade.
A aldeia do Touro pertencia ao termo da Guarda desde os finais do
séc. XII, altura em que a cidade foi fundada e recebeu foral de D. Sancho
I (1199), tendo a sua extrema oriental chegado à bacia do Côa, abarcando
estas terras (PMH, 510-512; Osório, 2016: 96).
Nesta região poderá ter habitado uma pequena comunidade desde a
Alta Idade Média até ao séc. XIII, de forma continuada ou não, atingindo
suficiente expressão local para a povoação ser doada pelo concelho da
Guarda aos Templários, em 1220.
Prova disso é a alusão no Foral Novo de D. Manuel I, concedido à
Vila do Touro em 15104, ao privilégio que os seus habitantes receberam de
estarem isentos do pagamento de portagens em todo o território nacional,
já antes «da era de myl et duzentos et cinquoenta et dous anos» (Fig. 3)
33
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
34
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
35
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Fig. 4 – Localização dos principais núcleos populacionais do Alto Côa, nos inícios do séc. XIII,
e do eventual termo de Caria Talaia.
36
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
37
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Por fim, o limite meridional é muito vago e distante, indo «ao termo
da cidade da Guarda no Erges» (rio que nasce na Cordilheira Central e
corre para sul, em direção ao rio Tejo), coincidindo com a demarcação
meridional do foral dessa cidade (1199) (PMH: 510-511). Essas terras
a sul da serra da Malcata encontravam-se em posse indefinida, sendo
consignadas no alfoz do concelho do Sabugal definido por D. Afonso IX de
Leão (1196-1197) (Nogueira, 1982: 18; Nogueira, 1983: 19, nota 63; Osório,
2016: 94-95) e estando igualmente afetas ao castelo de Monsanto (1165)
(Curado, 2004: 88, nota 53). Por isso, esta extrema do foral guardense é
mais uma meta de expansão territorial do que um verdadeiro domínio.
No Livro das Escrituras da Ordem de Cristo, do séc. XVI, encontra-
se outra descrição do termo de Vila do Touro, copiada de algum original
perdido: «per capud de Cornudela, deinde ad pinal, et per cacumina
montis aqua vertente ad Sagaizales, deinde ad portam de Sagaizalibus,
et per riparium donec intrat in bovem, et per aquam bovis donec cadit in
Colam et deinde ad sursum»14 (Fig. 5).
Neste caso, a descrição geográfica desenrola-se de oeste para leste,
ao contrário do sentido sinistrorso do texto do foral e, além disso, inclui
duas novas referências geográficas: Pinal que corresponde à atual povoação
do Espinhal (Águas Belas), a nordeste de São Cornélio, e a Portela de
Sargaçainhos, que poderá coincidir com o caminho velho que fica ao cimo
de Vale Mourisco, onde existia, há muitos anos, a Quinta da Portela. Neste
texto ignora-se o limite meridional do termo municipal da Vila.
Durante o período de formação da fronteira portuguesa, os limites
concelhios descritos nos documentos medievais eram ambíguos, pouco
consensuais e demasiado extensos. Foi o que aconteceu em Vila do Touro,
que nunca conseguiu exercer um verdadeiro domínio nas terras abarcadas
a sul, no diploma de D. Pedro Alvites. O limite máximo terá ficado pelo
vale do Arrebentão (Meimão), apenas durante 10 anos (Fig. 5), fixando-se
posteriormente na ribeira da Paiã (os Sargaçais), quando Sortelha passou
a ter o domínio sobre esses lugares (1229), travando o desejo expansionista
dos Templários, para sul (Vargas, 2001: 34; Batista, 2002: 111 e 116; Osório,
2012: 46). A meados do séc. XIII, o território de Vila do Touro já estava
reduzido apenas a 52 km2, menos de metade do que inicialmente estava
previsto no documento do Mestre da Ordem.
Compreensivelmente, nos séculos
seguintes, verificaram-se diversas
contendas na definição das estremas
com Sortelha e, em 1508, houve
necessidade de fazer uma delimitação
mais rigorosa do seu limite meridional,
com marcos e cruzes nos penedos,
conforme a descrição registada em
documento do Tombo da Vila: «o termo
da sobredita vila do Touro começa-se
na ribeira de Côa na foz da ribeira de Fig. 6 – Marca cruciforme do termo de
Vila do Touro gravada num penedo.
sargaçais; e vai-se por ela acima até
38
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
5. O castelo
Para defender a população e promover o estatuto estratégico-militar da
Vila, foi planificada e financiada a construção de um castelo no Alto da
Pena ou Pena Alta. O cume desse relevo, com o vértice geodésico de 830
m de altitude, é marcado por uma crista granítica de grão fino, cuja dureza
resistiu à erosão, sendo um espaço exíguo e pouco aplanado (Fig. 7), mas
do qual se obtém um controlo excecional da paisagem envolvente.
A construção militar é hoje uma pálida imagem do projeto inicial e
encontra-se reduzida a dois panos de muralhas, de paramentos aprumados e
encavalitados entre as penedias, sobranceiros ao casario. Um troço delimita
a vertente nordeste do relevo e o outro fecha o lado meridional e ocidental do
morro (Fig. 8). Apresenta traçado curvilíneo, serpenteando as encostas do
cume rochoso e adaptando-se aos acidentes do terreno (Osório, 2016: 97).
O acesso principal ao castelo fazia-se pelo lado sul, onde se encontra
a única porta do reduto, com arco ogival, de 2,75 m de abertura, com
impostas salientes molduradas, aos 2,20 m de altura, e a ombreira direita
parcialmente esculpida na rocha (Fig. 9).
As escavações realizadas na entrada do castelo não revelaram
qualquer pavimento, talvez retirado posteriormente, embora se tenha
identificado lateralmente, a cota de soleira rasgada na rocha granítica,
totalizando 4 m de altura ao centro do arco. Na rampa íngreme da entrada
do castelo arranca uma calçada de acesso ao interior, de percurso sinuoso.
39
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
40
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
(Luís e Lajes, 1979: 74) e outros foram reutilizados nas casas e nos muros
de propriedade das imediações, indiciando que a construção seria mais
imponente.
Estes muros velhos, enegrecidos pelo tempo, revelam a sua antiga
robustez militar. E embora se encontrem desguarnecidos de ameias,
perduram ainda duas escadarias embutidas na própria muralha, para acesso
ao primitivo adarve: uma junto à entrada e outra na vertente norte (Fig. 10).
A sudoeste do recinto, descortina-se ainda uma seteira retangular na face
externa da muralha (Fig. 8), já completamente entulhada do lado interior.
Fig. 9 – Três imagens da porta de arco ogival do castelo de Vila do Touro, em momentos
diferentes da preservação do monumento.
41
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
42
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
esta Vila que perduraram até hoje. Esta situação gerou o desagrado do
concelho da Guarda, porque os habitantes de Vila do Touro deixaram
de ir à cidade cumprir os deveres de colaboração na vigilância e
manutenção do respetivo castelo e no pagamento de impostos de
rendimento municipal (Rêpas, 2008: 141), daí a queixa que chegou às
Cortes em 1395: «Qaumdo vem guerra vão-se todos ao Sabugall. E
toda esta guerra esteverom alla e nom querem aquy vir velar nem
roldar nem querem pagar em finta nem em talha ho que he comtra
direito estarem em nosso termo e nom usarem comnosco como usam
os lugares do termo desta cidade no que recebemos com agravo»17
(Coelho e Rêpas, 2006: 102-103). Apesar de ter pertencido sempre à
Guarda, a Vila isentou-se de todos os serviços e tributos concelhios,
alegando pertencer à Ordem de Cristo, e por isso, nas Inquirições são
apresentadas de novo as mesmas queixas: «N’este logar pagavam e
faziam em todollas outras cousas como faziam [os] de Germello, mas
desde então nada d’isso fazem»18 (Castro, 1902: 34, nota 1).
43
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
44
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Fig. 12 – Vista aérea da planta do edifício exumado no sector VIII (imagem drone
de David Ferro).
45
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
46
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
6. Os espaços de culto
Na povoação de Vila do Touro existem hoje quatro igrejas e uma capela,
mas apenas duas recuam seguramente ao período medieval. Pela mesma
altura da doação de Touro aos Templários, o bispo da Guarda e o seu cabido
concederam uma igreja no lugar de Cabeça do Touro à dita Ordem, em 30
de novembro de 1220 (GAV: 504, n.º 1208)19.
Mais tarde, na divisão das rendas do Bispado da Guarda, de 1260,
vem mencionada uma igreja em Taurus e, depois, em 1321, a igreja de
Tauro é indicada como sendo já da Ordem de Cristo, pois com a extinção da
Ordem do Templo, em 1319, passou para a sua tutela. Seguramente que esta
constante menção a uma igreja se aplica à atual igreja matriz de orago de
N.ª Sr.ª da Assunção, que primitivamente teria outra devoção desconhecida.
A Igreja da Senhora do Mercado, situada a poucos metros da entrada
do castelo, é outra possibilidade. O templo é bastante antigo e tem sido
47
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
48
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
49
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Correia, no início do séc. XX, elas eram conhecidas então como pias de
curtumes (1946: 284). Verificando-se que se apresentam, ainda hoje,
rebocadas a cal por dentro e que possuem dois inusitados buracos de
poste no espaço intermédio (Fig. 18), temos de concordar que não são
sepulturas escavadas na rocha, como as que se encontram com frequência
pelas Beiras (Tente e Lourenço, 1998; Martin Viso, 2007), mas uns meros
tanques de provável utilização artesanal no tratamento de peles e couros,
dos quais temos um interessante paralelo em Sortelha, também fora de
portas (Osório, 2012: 122-123).
No passado existiam igualmente, em redor da Vila, inúmeras
lagariças abertas na rocha, empregues fundamentalmente na produção
de vinho, ficando nas proximidades dos terrenos cultivados. Temos uma
lagariça rupestre no Vale das Vinhas (Fig. 19) (Correia, 1946: 284), duas
outras no lugar da Mansaperra e ainda outra nas proximidades da aldeia
da Abitureira. Estas estruturas rupestres são geralmente recuadas ao
período medieval, e provam a antiga tradição de produção vitivinícola que
perdurou alguns séculos, entrando depois em decadência e abandono,
sobretudo com o surgimento da praga da vinha.
50
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
51
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
8. A rede viária
A criação de uma nova sede municipal, como cabeça de um território, obrigou
à abertura de uma ampla rede viária com a região envolvente. Vila do Touro
passou a ser ponto de irradiação de novos percursos de comunicação com as
aldeias do seu termo e com os castelos vizinhos. Para maior eficácia defensiva
conjunta, existiam vias de contacto rápido e direto com a Guarda, Castelo
Mendo, Jarmelo, Sortelha e, depois do Tratado de Alcanizes (1297), também
com o Sabugal, Alfaiates e Vilar Maior.
A conexão viária do castelo templário de Vila do Touro à Vila de
Sortelha, a sudoeste, estaria já definida a meados do séc. XIII. Ambas as
fortificações faziam parte da linha defensiva fronteiriça concebida pela
coroa portuguesa para o controlo da faixa poente do rio Côa, travando
o domínio leonês das fortificações do Sabugal e de Caria Talaia (Osório,
2010: 73-74).
O percurso é fácil de traçar pelos sítios da Malhada e da Mansaperra,
depois pela Portela de Vale Mourisco (onde perdura até uma alminha junto
ao caminho), seguindo pelo Espinhal até à aldeia do Dirão da Rua (que
já existia em 1527: Collaço, 1923: 103). O seu topónimo atesta a origem
essencialmente viária desse aglomerado de casas, precisamente no ponto
de passagem do caminho (Osório, 2012: 76), onde até poderia ter existido
uma estalagem.
O traçado continua para oeste, até Sortelha, contornando a vertente
meridional do monte de São Cornélio. Aí perduram vários troços de
calçada que assinalam a passagem desse itinerário medieval (ver Vargas,
2001: 31 e Marques, 2001: 64). A calçada encontra-se mal conservada e
em perigo, reduzida atualmente a poucas centenas de metros de extensão
(Osório, 2012: 75).
A norte de Vila do Touro, a poucos 300 m da vertente do castelo,
perduram igualmente os restos de uma calçada em direção a norte,
estabelecendo ligação com os concelhos de Castelo Mendo e de Pinhel. É
um testemunho arqueológico recuado à Idade Média, embora com naturais
52
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
9. Epílogo
Vila do Touro foi um município medieval que ganhou algum vigor durante
o século XIII, mas com o tempo foi perdendo dinamismo e destaque no
panorama regional, recebendo novamente atenção régia no séc. XVI, altura
em que já pertencia à Ordem de Cristo, quando o seu foral foi renovado e
os seus privilégios confirmados por D. Manuel I, em 1510, cinco anos antes
do Sabugal e de Alfaiates, mas sem atingir o fulgor dos tempos em que os
Templários eram os seus senhores.
Desse novo alento económico e social da Vila perduram ainda
alguns testemunhos artísticos, para além do pelourinho, entre os quais se
destaca, naturalmente, o grande número de edifícios com portas e janelas
com molduras de estilo manuelino existentes na Rua Direita e em alguns
arruamentos colaterais, um sinal de bem-estar e de abastança generalizado
(Soromenho, 2008: 163).
Por essa altura, o núcleo urbano já se tinha gradualmente deslocado
das portas do castelo para o adro da igreja matriz, ao longo do eixo viário
53
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Notas
54
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
Bibliografia
55
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
56
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
57
SABUCALE - Revista do Museu do Sabugal, 12 (2021)
____
(*) Arqueólogo. Gabinete de Arqueologia e Museologia do Município do
Sabugal e Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património
da Universidade de Coimbra.
58