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ARMAS E TROFÉUS

REVISTA DE HISTÓRIA, HERÁLDICA, GENEALOGIA E ARTE


Ficha Técnica

Título: ARMAS E TROFÉUS – Revista de História, Heráldica, Genealogia


e Arte – IX Série, Tomo XVIII – 2016

Director: Miguel Metelo de Seixas

Redactor: João Bernardo Galvão Teles

Edição: Instituto Português de Heráldica


Largo do Carmo – 1200 Lisboa

Impressão e Acabamentos:

ISSN: 0518-6994
Depósito Legal:
Tiragem: 300 exemplares
ARMAS E TROFÉUS
REVISTA DE HISTÓRIA, HERÁLDICA, GENEALOGIA E ARTE

ÓRGÃO E PROPRIEDADE DO INSTITUTO PORTUGUÊS DE HERÁLDICA

IX SÉRIE
TOMO XVIII
2016
Armas e Troféus
SUMÁRIO

Corpos sociais .................................................................................................. 9

Lista de Sócios ................................................................................................ 11

Maria do Rosário Barbosa Morujão, Sigillvm Portvgaliae: o corpus dos selos


portugueses a tomar forma...................................................................... 29

António de Castro Henriques e Tiago de Sousa Mendes, Ffeguras & Sinaees


IV. Os túmulos armoriados de Pombeiro de Riba-de-Vizela ...................... 35

Torsten Hiltmann, Who authored the famous Armorial Équestre de la Toison


d’Or? .................................................................................................... 69

Julia Hartmann, The Japanese Mon and the European Coats of Arms – A
Comparative Study ................................................................................ 87

Luís Ferros, Manuel Ferros e Rui do Amaral Leitão, Paço de Molelos – He-
ráldica, História e Património .............................................................. 115

Paula Moura Aranha e Pedro Colares Heringer, Análise das cunhagens do


Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves na coleção do Museu Histó-
rico Nacional ...................................................................................... 139

Duarte Vilardebó Loureiro, A heráldica dos Beatles. De Liverpool a Bucking-


ham.................................................................................................... 169

Carlos Bobone, Provérbios Genealógicos ......................................................... 221

7
ArmAs e Troféus

Augusto Ferreira do Amaral, A linhagem dos Bragançãos – parte 1 ................. 259

Álvaro Pajares, Un linaje portugués exiliado en Castilla: la trayectoria de los


Acuña y la construcción de la identidad nobiliaria en la Castilla bajo-
medieval y moderna............................................................................. 319

João Bernardo Galvão-Telles, A tentativa de legitimação de D. Jorge, filho


bastardo de D. João II: o estado da questão............................................ 365

Paulo Morais-Alexandre, Uma efabulação genealógica vicentina na Comedia


sobre a devisa da Cidade de Coimbra e a corte de Dom João III ............. 379

João Caetano de Carvalho Sameiro, «Esclarecimentos muito interessantes


dignos de se lerem…». História de uma intriga familiar da Casa de
Povolide .............................................................................................. 405

Luís Miguel Guapo Murta Gomes, A escritura de esponsais entre D. Maria-


na Rita Borges do Couto e o Dr. Joaquim de Almeida Novais, filho de
«o Lobão» ........................................................................................... 431

Miguel Gorjão-Henriques da Cunha, Reconstituição breve de uma linhagem


nobre portuguesa: Coutinho Gorjão, da Madeira ................................... 443

E. R. de Arantes e Oliveira, Contribuições de uma família portuguesa para a


formação do Brasil ............................................................................... 513

Vera Lucia Bottrel Tostes, Títulos e brasões. Legislação e normas no Império


Brasileiro ............................................................................................ 533

Produção bibliográfica dos sócios referente ao ano 2015 ............................... 549

Actas do Ano Académico 2015-2016............................................................ 557

Regulamento da revista Armas e Troféus ........................................................ 561

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CORPOS SOCIAIS

Conselho Director:  
Presidente – Miguel Metelo de Seixas
Chanceler – Lourenço Correia de Matos
Secretário da Mesa – Jorge de Brito e Abreu

Conselho Administrativo:
Secretária Geral – Leonor Calvão Borges
Tesoureiro – João António Portugal
1.ª Vogal – Maria de Lourdes Calvão Borges
2.º Vogal – Lourenço Correia de Matos
3.º Vogal – Carlos da Câmara Bobone

Conselho Fiscal:
Presidente – Rui Amaral Leitão
1.º Vogal – Segismundo Pinto
2.º Vogal – Maria Zaida de Bivar Guerra

Comissão de Análise:
Pedro Sameiro
Maria de Lourdes Calvão Borges
Lourenço Correia de Matos

Conselho Redactorial da Revista Armas e Troféus:


Miguel Metelo de Seixas (director)
João Bernardo Galvão-Telles (redactor)
Pedro Sameiro
Augusto Ferreira do Amaral
José Augusto de Sottomayor-Pizarro

9
ArmAs e Troféus

Corpo de Consultores:
Adrian Ailes (National Archives, London)
Alberto Montaner Frutos (Universidad de Zaragoza)
Alessandro Savorelli (Académie Internationale d’Héraldique)
Christian de Mérindol (Académie Internationale d’Héraldique)
Clive Cheesman (Richmond Herald, College of Arms)
Eduardo Pardo de Guevara y Valdés (Instituto Padre Sarmiento de Estudios Gallegos,
Compostela)
Faustino Menéndez Pidal de Navascués (Académie Internationale d’Héraldique)
Hervé Pinoteau (Académie Internationale d’Héraldique)
José Antonio Guillén Berrendero (Universidad Rey Juan Carlos, Madrid)
Laure Fagnart (Université de Liège)
Laurent Hablot (Ecole Pratique des Hautes Etudes, Paris)
Luisa Gentile (Archivio di Stato, Torino)
María Narbona Cárceles (Universidad de Zaragoza)
Matteo Ferrari (Université de Poitiers)
Nigel Ramsay (University College London)
Torsten Hiltmann (Universität Münster)
Werner Paravicini (Universität Kiel)

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LISTA DE SÓCIOS

PRESIDENTE DE HONRA
S.A.R. o Senhor Dom Duarte João
Duque de Bragança

SÓCIOS HONORÁRIOS

Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão


Lisboa

Don Faustino Menéndez Pidal de Navascués


Av. Améria, 56 – Madrid 2 – Espanha

Doutor Nuno Daupiás de Alcochete


Rua São Filipe Neri, 16 – 3º dto – 1250-227 Lisboa

Artur Vaz Osório da Nóbrega


Rua Santos Pousada, 1289 – 2º esq – 4000-490 Porto

Dona Maria Adelaide Cardoso de Menezes Pereira de Moraes


Casa de Caneiros – Santa Eulália de Fermentões – 4800 Guimarães

Baron Pinoteau
4 Bis Boulevard de Glatigny – F 78000 Versailles – França

11
ArmAs e Troféus

Dr. António Pedro de Sá Alves Sameiro


Av. Casal Ribeiro, 12 – 2º – 1000-092 Lisboa

SÓCIOS EFECTIVOS DE NÚMERO


por ordem de antiguidade

05 – Doutor Manuel Artur Norton


Casa de Vicente – Frades – 4830 Póvoa de Lanhoso

04 – Arq. Jorge Sebastião Mattos de Brito e Abreu


Rua do Olival, 142 – 1200-743 Lisboa
Secretário de Mesa do Conselho Director do I.P.H.

23 – Dr. Augusto Ferreira do Amaral


Travessa das Recolhidas, 10 – 1150-276 Lisboa

26 – Dr. D. Luís Manuel da Costa de Sousa de Macedo (Mesquitela)


Rua Ivens, 6 – 4º A – 1200-227 Lisboa

01 – Prof. Doutor António Costa de Albuquerque de Sousa Lara


Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Rua G – Pólo Universitário
da Ajuda – 1349 055 Lisboa

15 – Eng. António Luís Cansado de Carvalho de Mattos e Silva


Parque de Miraflores – Av. das Túlipas, 16 – 8º esq – 1495-159 Miraflores
– Algés

28 – Dona Maria Zaida Loureiro Dias de Bívar Guerra


Rua Dr. Manuel de Arriaga, 1 – 2º esq – 2775-602 Carcavelos

18 – Arq. Segismundo Manuel Peres Ramires Pinto


Rua Dona Estefânia, 124 – 3º – 1000-158 Lisboa

07 – Dr. José Krohn da Silva


Rua de Sant’Ana à Lapa, 71 – 5º dto – 1200-797 Lisboa

13 – Dr. Carlos Lourenço do Carmo da Câmara Bobone


Rua da Misericórdia, 147 – 1200-272 Lisboa

12
LisTA de sócios

08 – Dr. Francisco Luís Saraiva de Vasconcelos


Rua Dr. Mira Fernandes, 103 – Murtal – 2775-128 Parede

14 – João Diogo de Menezes e Alarcão de Carvalho Branco


Rua Sampaio e Pina, 72 – r/c – 1070-250 Lisboa

24 – Dra. Dona Maria de Lourdes Esteves Dias Calvão Borges


Rua das Praças, 80 – 2º esq – 1200-768 Lisboa

21 – Dr. Rui Alberto do Amaral Leitão


Rua Vítor Bastos, 4 – 2º dto – 1070-284 Lisboa

03 – Prof. Doutor José Augusto Pereira de Sottomayor-Pizarro


Rua Guilherme Braga, 161 – 4150-161 Porto

09 – Prof. Doutor D. Gonçalo Pinto de Mesquita da Silveira de Vasconcelos e


Sousa (Castelo Melhor)
Universidade Católica Portuguesa – Rua Diogo Botelho, 1327 – 4169-005
Porto

19 – Prof. Doutor António Manuel Reis de Bivar Weinholtz


Rua da Emenda, 37 – 2º – 1200-169 Lisboa

16 – Dr. António Luís de Torres Cordovil Pestana de Vasconcellos


Quinta de São Pedro – 7000-173 Évora

20 – Dr. Miguel Maria Telles Moniz Côrte-Real


Rua Manuel Costa e Silva, 7 – r/c A – 1750-335 Lisboa

22 – Dr. Lourenço de Figueiredo Perestrelo Correia de Matos


Rua Marquesa de Alorna, 32 – 3º dto – 1700-303 Lisboa

02 – Padre Doutor D. Gonçalo Nuno Ary Portocarrero de Almada – Visconde


de Macieira
Rua da Mata de São Mateus, 32 – 2795-237 Linda-a-Velha

06 – Prof. Eng. Eduardo Romano de Arantes e Oliveira


Rua Carlos José Barreiros, 14 – r/c – 1000-088 Lisboa

13
ArmAs e Troféus

10 – Prof. Eng. Armando Tavares da Silva


Rua Cidade de Cádis, 9 – 7º esq – 1500-156 Lisboa

25 – João Baptista de Carvalho Reis Malta


Rua Álvaro Castelões, 10 – 7050 Montemor-o-Novo

27 – Dra. Dona Leonor Faria Calvão Borges


Rua Estácio da Veiga, 6 – r/c esq – 1170-121 Lisboa

11 – Prof. Doutor Miguel Beirão de Almeida Metelo de Seixas


Rua Josefa de Óbidos, 20 – 3º – 1170-196 Lisboa

30 – Dr. Fernando M. de Abranches Tavares Correia da Silva


Rua da Penha de França 121 – 2º esq – 1170-302 Lisboa

12 – Dr. João António Pereira M. Domingues Portugal


Rua do Recife, 11 – 4º esq – 2780-034 Oeiras

17 – Prof. Doutor Martim Eduardo Corte-Real de Albuquerque


Rua da Piscina, 15 – 10º esq – 1495-151 Miraflores

29 – Dr. João Bernardo Cassola de Sousa Galvão Teles


Quinta do Casal de Santo António – 2580-511 Carregado

SÓCIOS CORRESPONDENTES

Dra. Dona Helena Corrêa de Barros Cardoso de Macedo e Menezes (Margaride)


Rua do Barão de Forrester, 787 – hab. 2 – 4050-274 Porto

Embaixador Dr. Jorge Preto


Edifício Vista Mar – Rua dos Sobreiros, 11 B – 3º dto – Costa da Guia – 2750
Cascais

D. Sebastião de Sá Coutinho de Lancastre


Estrada da Torre, 73 C – 1750-294 Lisboa

Dr. Nuno Pereira Marramaque Machado de Andrade


Rua do Pinheiro Manso, 504 – r/c dto – 4100-410 Porto

14
LisTA de sócios

Embaixador Dr. José Bouza Serrano


Rua D. Jerónimo Osório, 3 – 1º dto – 1400-119 Lisboa

Dr. José Beleza de Carvalho


Av. Ressano Garcia, 32 – 1º – 1070-237 Lisboa

Dr. João Paulo Marques Sabido da Costa


Rua Silva Carvalho, 61 – 1250-247 Lisboa

Dr. Gonçalo Soares de Albergaria e Sousa


Rua Antero de Figueiredo, 12 – 1º esq – 1700-041 Lisboa

Dr. Gonçalo de Andrade Pinheira Monjardino Nemésio


Estrada da Torre, 63 – 1º esq – 1750-294 Lisboa

Com.te Sérgio Augusto Leal Pinto Barata de Avelar Duarte


Alameda António Sérgio, 12 – 8º E - A – Miraflores – 1495-132 Algés

Dr. António Maria Morgado de Assis Louro-Rodrigues


Casa do Correio Velho – Rua do Governador – 7830 Serpa

Dr. Armando Alexandre dos Santos


Rua Alferes José Caetano, 855 – ap. 192 A – 13400-120 Piracicaba SP Brasil

Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo


Alameda das Linhas de Torres, 37 – 1º esq – 1750-139 Lisboa

Macário de Castro da Fonseca e Sousa Pereira Coutinho


Quinta das Palmeiras, 54 – 2780-145 Oeiras

Dr. Henrique Abranches Pinto Ramos da Costa


Praceta Maria Luísa Caneças, 9 – 5º esq – Damaia de Cima – 2720-367
Amadora

Dr. Manuel Maria Machado de Abranches de Soveral


Rua de São João Bosco, 15 – 72 – 4100-451 Porto

Prof. Doutor Nuno Gonçalo de Carvalho Canas Mendes


Av. Visconde de Valmor 30 – 2º dto – 1050-237 Lisboa

15
ArmAs e Troféus

António Ilídio Lima Leite Lobo


Casa da Veiga – 4730 Coucieiro

Eng. João José Cordovil Fernandes Cardoso


Rua Rosa Damasceno, 20 – 1/c. – 1900-396 Lisboa

Prof. Doutor Lívio Pereira Correia


Rua da Alegria, 1880 – hab. 34 – 4200-024 Porto

Prof. Doutor João Manuel Vaz Monteiro de Figueiroa Rego


Pç. Padre Moisés da Silva, 242 – 4-C – 2750-437 Cascais

Dr. José Carlos Lourinho Soares Machado


Travessa de São Bernardino, 4 – r/c dto – 1150-319 Lisboa

Dr. D. Pedro Miguel de Mesquita da Costa de Sousa de Macedo (Vila Franca)


Trav. de São Francisco de Borja, 5 – 2º – 1200-844 Lisboa

Luís Filipe de Lara Everard do Amaral


Rua do Guarda-Mor, 20 – 4º esq – 1200-682 Lisboa

Padre Doutor António Júlio de Faria Limpo Trigueiros, S.J.


Casa de escritores Brotéria – Rua Maestro António Taborda, 14 – 1293 Lisboa
Codex

Dra. Dona Marta Manuel Gomes dos Santos


Rua da Escola, 53 – Valongo – 3040-589 Antanhol

Prof. Doutor António José da Silva Botas Rei


Travessa de Cima, 6 – 7170-051 Redondo

Dra. Dona Ana Filipa de Sá e Serpa Gomes do Avellar


Rua da Esperança, 138 – 1º – 1200-659 Lisboa

Ten-Coronel João Manuel Patrocínio Pessoa de Amorim


Rua Assis Chateaubriand, 9 – 3º dto – 2780-197 Oeiras

16
LisTA de sócios

José António Severino da Costa Caldeira


Rua Principal 58 – Casa do Pinhal – Monte Arroio – 2705-701 S. João das
Lampas

Luís Filipe Tavares d’Abranches Correia da Silva


Rua do Sol à Graça, 44 – 1170-366 Lisboa

Doutor Miguel Maria Tavares Festas Gorjão-Henriques da Cunha


Rua António Andrade, 8 A – 1700-044 Lisboa

Dr. Duarte Francisco Léchaud Vilardebó Loureiro


Largo São Sebastião da Pedreira, 44 – 1050-205 Lisboa

Eng. Pedro Miguel do Carmo Costa


Rua do Vale do Pereiro, 17 – 2º – 1250-270 Lisboa

Alfredo Caetano Machado de Madureira e Castro


Rua Almeida e Sousa, 41 – 1º dto – 1350-008 Lisboa

Ernesto Alexandre Pires Soares Bandeira de Mello Ferreira Jordão


Casa da Alcaidaria – Rua das Matanas – Casal do Louco – São Vicente
2000-678 Santarém

Major Fernando Manuel dos Santos Barrigas de Lacerda


Rua Prof. Dr. Francisco Gomes Teixeira, 3 – 9º esq – 2795-506 Carnaxide

Dr. José Eduardo Macedo Leão


Rua de S. Caetano, 36 – r/c – 1200-829 Lisboa

Dr. Paulo José Pimenta de Castro Damásio


Av. Duque de Loulé, 77 – 6º esq – 1050-088 Lisboa

SÓCIOS CORRESPONDENTES ESTRANGEIROS

D. Carlos Tasso de Saxe-Coburgo-Gotha e Bragança


Brasil

17
ArmAs e Troféus

William Hilton Jones


28 Ingram Road – Wahrooga, N.S.W. 2076 – Austrália

Don José Maria de Solá-Morales y Rosselo


P.O. Blay 4 – Olot – Gerona – Espanha

Cecil R. Humphery-Smith
Grã-Bretanha

Janet S. Ladner
4610 Connaught Dr. – Vancouver 9 – BC – Canadá

Don Arturo Nesci di Santa Agata – Barão Nesci de Santa Agata


62 Via Giulia – 89100 Reggio – Calabria – Itália

Dalmiro da Motta Buys de Barroa


Rua Com.te Cordeiro de Faria, 27 – CEP 20271 – Rio de Janeiro RJ – Brasil

Don Fernando del Arco Garcia


Atocha, 89 – 5º dcha – Madrid 12 – Espanha

Kurt Henrik Degerman


Irjala Gard, Irjalantie 304 – FIN 03400 Vichtis – Finlândia

Dr. Paulo Fernando de Albuquerque Maranhão


Av. Epitácio Pessoa, 3100/101 – Lagoa – CEP 22471 – Rio de Janeiro RJ –
Brasil

Doña Ofélia de Bérgia y Cervantes


Pasaje de la Mora, 2 – Pzuelo de Alarcón – 28023 Madrid – Espanha

Don Iñigo de Aranzadi y de Cuervas-Mons – Marquês de la Gandara Real


Paseo de la Castellana, 203 – 28045 Madrid – Espanha

Don José António Delgado y Orellana


Plaza de San Martin, 3 F – Bajo Izqda – Sevilla 3 – Espanha

Per Nordenvall
Borjegatan 8B, 4TR. – S 752, 24 Uppsala – Suécia

18
LisTA de sócios

Luís A. Mc. Garrell Gallo


Pueyrredon, 2386 – 3º – 1119 Buenos Aires – Argentina

Dr. Jean Marc Andre Charles Corrêa de Brito


Bourgoumont, 67 – 4987 La Gleize – Bélgica

Dr. Luc Duerloo


Adrinkhovenlaan, 34 B – 2210 Bonsbeek – Bélgica

Edgar Hans Brunner


Ahornweg 2 – 3074 Muri – Suíça

Fabio Scannapieco e Ali-Capece Minutolo


Via G. Rafaelle 7 – 90139 Palermo – Itália

Luís Edgard de Andrade Furtado


Rua Visconde de Itaúna, 65 – Jardim Botânico – CEP 22460 – Rio de Janeiro
RJ – Brasil

Hans Arne Kristian Torolf Cappelen


Monolitvein, 13 – N-0375 – Oslo – Noruega

Prof. Adilson Cezar


Rua Miranda Azevedo, 147 – ap. 61 – Ed. Santa Catarina – Centro – CEP
18035-090 – Sorocaba SP – Brasil

Carlos Abílio Valente Antunes


Rua Comendador Siqueira, 435 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro RJ – Brasil

Dr. Adolfo de Salazar y Mir


Virgen de la Fuensanta, 7 – 41011 – Sevilla – Espanha

Eng. Marcelo Meira Amaral Bogaciovas


Rua Dr. Cid de Castro Pardo, 79 – Planalto Paulista – CEP 04064-040 – São
Paulo SP – Brasil

Doutor Washington Marcondes Ferreira Neto


Rua Visconde de Taunay, 111 – ap. 71 – CEP 13023-200 – Campinas SP –
Brasil

19
ArmAs e Troféus

Prof. Doutor Eduardo Pardo de Guevara y Valdés


Instituto Padre Sarmiento de Estudios Gallegos – C/ Franco nº 2 – 15702
Santiago de Compostela – Espanha

Dr. Jaime de Salazar y Acha


Monte Esquinza, 16 – 28010 Madrid – Espanha

Malcolm Stewart Howe


31 King’s Court North – 189, King’s Road – Chelsea – London SW3 5EQ

Prof. Doutor Don Alfonso de Ceballos-Escalera y Gila – Marquês de La Floresta


Calle del Chopo, 1 – 28023 Madrid – Espanha

Eng. Christovão Dias de Avila Pires Junior


Av. Nossa Senhora de Copacabana, 395 – cobertura, Copacabana – Rio de
Janeiro – Brasil

Prof. Don Guglielmo de Giovanni Centeles, Duque de Precacore


Via de Caucaso, 19 – Roma – Itália

Doutor Don Amadeo Martin Rey y Cabieses

Prof. Doutora Dona Vera Lúcia Bottrel Tostes


Rua Francisco Otaviano, 23 – bloco 2 – ap. 301 – Copacabana – CEP
22080-040 – Rio de Janeiro, RJ Brasil

Prof. Doutor José Antonio Guillén Berrendero


Calle Espino, 6 – 2º C – 28012 Madrid – Espanha

Dr. Caio César Tourinho Marques – Visconde de Tourinho


Rua Recife, 163 – Barra – São Salvador da Bahia – Brasil

SÓCIOS AGREGADOS

Simão Pedro de Vasconcelos Bacelar de Aguiã


Casa da Torre de Aguiã – 4970 Arcos de Valdevez

20
LisTA de sócios

Dr. Luís Maria Pessoa Castello Branco Cary


Largo Barreto Caldeira, 7 – 7440-022 Alter do Chão

Dr. Miguel Horta e Costa


Rua do Pinhal Bravo, 5 – Quinta da Marinha – 2750-004 Cascais

Arq. Ricardo Ivens Ferraz Jardim – Conde de Valenças


Travessa de Santo António a Santos, 21 – 2º – 1200-805 Lisboa

António Monteiro Novais Sanhudo Portocarreiro


Rua Dr. João Leal, 49 – 4630 Marco de Canavezes

Alberto Carlos Contreiras de Magalhães e Menezes Azambuja


Praceta João Beltrão 12 – 7º esq-frt – 4710 Braga

João Tomaz Perestrello Pinto Ribeiro


Rua de São Bernardo, 20 – r/c – 1200 Lisboa

Eng. Carlos António de Magalhães Ferraz do Prado de Lacerda


Estrada de Benfica, 444 – 6º C – 1500-103 Lisboa

Dr. João Pedro de Castro Oliveira Soares


Praceta Poder Local, Lt. 207 A – 11º dto – 1675-155 Pontinha

Robert F. Illing
Rua Marechal Saldanha, 454 – 4150-652 Porto

João Evangelista Fiúza de Albuquerque Cabral da Silveira


Monte da Pereira – Apartado 99 – 7000 Évora

Luís António Corrêa de Sá


Rua António Granjo, 143 – 4300-029 Porto

Embaixador Dr. Manuel Henrique de Mendonça Côrte-Real


Estrada da Marginal, 5 – 2º – São João do Estoril – 2765 Estoril

Dona Maria Antonieta Teixeira Monteiro Sanhudo Portocarreiro de Novais


Cunha Coutinho
Rua Dr. João Couto, 9 – 2º dto – 1500-235 Lisboa

21
ArmAs e Troféus

Dona Maria da Conceição da Costa Lobão de Mascarenhas


Rua Pereira e Sousa, 21 – 3º dto – 1350-240 Lisboa

Dr. João José de Lemos da Cunha Matos


Rua Combatentes 104 – 7º esq – 3030-181 Coimbra

Dr. Manuel José Serra de Sousa Cardoso


Rua Pereira Charula, 18 – 5340 Macedo de Cavaleiros

Dr. Jorge Miguel Alves Frazão de Mello-Manoel


Apartado 28 – EC Vasco da Gama – 9501-901 Ponta Delgada – São Miguel
– Açores

Dr. Francisco Sanches Osório Montanha Rebelo


Av. João Crisóstomo, 8 – 2º dto – 1000-178 Lisboa

D. Vasco Xavier Telles da Gama, Conde de Cascais


Rua das Adelas, 7 – 1200-007 Lisboa

Dr. José Augusto Perestrelo de Alarcão Troni


Av. da Liberdade, 262 – 4º dto – 1250-149 Lisboa

Eng. João Francisco Coelho da Fonseca Barata (†)

Valdemar Mota de Ornelas da Silva Gonçalves


Rua de Miragaia, 28-30 – 9700-124 Angra do Heroísmo – Terceira – Açores

Dr. Fernando de Sousa Pinto Solari Allegro de Magalhães


Rua do Alto de Vila, 289 – Foz do Douro – 4150-059 Porto

Alberto Jaime Freitas Rosa Tavares Barreto


Largo do Ribeirinho, 15 – 4450-245 Matosinhos

Dr. Miguel Martins Pinto de Resende


Casa do Pinheiro – 4690-808 Cinfães

Dr. Vítor Escudero de Campos


Rua Andrade Corvo, 21 – 5º – 1050-008 Lisboa

22
LisTA de sócios

Luís Alexandre Tavares Festas Gorjão-Henriques da Cunha


Av. Maria da Conceição, 4 – 2º dto – 2775-605 Carcavelos

Dr. Francisco Manuel Prieto de Noronha Freire de Andrade


Av. Dr. Porfírio da Silva, 290 – 1º dto, trás – 4710-255 Braga

Dra. Dona Susana Maria Meave Zileri Teixeira de Sampayo


Rua de S. Caetano, 36 r/c – 1200-829 Lisboa

Eng. Gonçalo Maria Egydio Nobre Ayres de Abreu


Avenida da República, 28 – 8º A, 1050-192 Lisboa

José Noronha Osório


Rua Marta Sampaio, 30 – 7º hab. 3 – 4250-282 Porto

Dra. Dona Maria das Dores Dias Egydio Nobre Galante de Carvalho
Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 27 – 6º – 1070-072 Lisboa

Dra. Dona Maria Madalena Dias Egydio Nobre Ayres de Abreu


Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 21 – 10º – 1070-072 Lisboa

Dra. Dona Isabel Constança Esteves de Calvão Borges


Rua das Praças, 80 – 2º esq – 1200-768 Lisboa

Dr. Fernando José Moniz Lopes


Rua Sebastião de Magalhães Lima, Torre 3 – R/C D – 3810-188 Aveiro

Dr. Nuno António Torres de Sequeira Campos


Rua de São João de Brito, 351 – 4100-454 Porto

Dr. José Cardoso de Menezes Couceiro da Costa


Casa de Margaride – 4810 Guimarães

Dr. Luís Filipe Esquível Freire de Andrade


Rua de São João de Brito, 435 – 4º esq – 4100-453 Porto

Dr. António Francisco da Franca Ribeiro


Casa de Adão-Lobo – 2550 Cadaval

23
ArmAs e Troféus

José Sesifredo Estevéns Colaço


Rua dos Lírios, 23 – 1º dto – 2725-362 Mem Martins

Luiz António Alves de Abreu Cartarío


Avenida Saraiva de Carvalho, 62 – 3080-055 Figueira da Foz

Dr. Fernando Henrique Louro da Penha Coutinho


Largo 5 de Outubro, 68 – 3º – Cova da Piedade – 2800-376 Almada

Dr. David José Fernandes da Silva


Rua Dr. Miguel Bombarda, 112 – 1º – 2600-191 Vila Franca de Xira

Dr. Augusto Victor de Sepúlveda Correia (†)

Prof. Doutor Manuel João de Azevedo Costa Calheiros Lobo


Rua António Aroso, 170 – 4150-060 Porto

Com.te António Manuel Farinha de Sena


Rua Dr. Joaquim Manso, 10 – 5º dto – 1500-241 Lisboa

José Maria Moniz Rebelo


Rua 31 de Janeiro, 7 – 4820 Fafe

D. João Eduardo de Noronha Menezes Osório


Rua da Bélgica, 356 – Lavadores – 4400 Vila Nova de Gaia

Dona Maria Manuela Blanc da Guerra de Sampaio Fernandes Alves Monteiro


Quinta do Feno – Aldeia Galega da Merceana – 2580-081 Alenquer

Dr. Luís Miguel Pereira Laforga Granjo


Praça António Nobre, Torre 5 – 10º esq – 2660-226 Santo António dos
Cavaleiros

Francisco Malafaya Oliveira Sá


Rua do Molhe, 680 – r/c – 4150-500 Porto

Dr. D. Augusto Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt de Athayde –


Conde de Albuquerque
Av. de Saboia, 1418 – r/c dto – 2765-277 Estoril

24
LisTA de sócios

Arq. António Luís Arêde Soveral Rodrigues Varella


Largo da Igreja, 1 – 7645 Vila Nova de Milfontes

Eng. Miguel Maria de Sá Paula Soares Sameiro


Rua Domingos Sequeira, 38 – 3º dto – 2765-525 S. Pedro do Estoril

Ten-Coronel Dr. António Bernardo da Cunha Horta


Rua Dona Estefânia, 197 – 5º A – 1000-155 Lisboa

Arq. José Maria Alcoforado Pereira Corte-Real


Av. Marechal Gomes da Costa, 105 – Praia da Granja – 4405-371 S. Félix da
Marinha

Mestre Jofre de Lima Monteiro Alves


Rua Marquês de Pombal, 91 – 1º A – 2735-316 Cacém

Dr. Paulo Gabriel Falcão Silva Tavares


Quinta da Preta (Abrançalha) – 2200 Abrantes

Dr. Artur Monteiro de Magalhães


Rua da Piscina, 19 – 1º dto – Miraflores – 1495-150 Algés

Dr. João Maldonado Nunes Correia


Rua Diogo Bernardes, 21 – 1º esq – 1700-128 Lisboa

Dra. Dona Rita Maria Vasconcelos Bettencourt Pacheco


Rua de Miguel Bombarda, 145 – 4050-381 Porto

Major-General José Alfredo Ferreira de Almeida


Rua do Pescador Jacinto Tavares, 4 – 2º dto Sul – 9500-341 Ponta Delgada

Coronel Pil-Av Alfredo Jorge Chaumond da Rocha Peixoto


Rua Dr. Teófilo Braga, 6 – 1º – 1200-654 Lisboa

Dr. Benito Martinez Araújo


Rua de D. Estefânia, 90 – 6º esq – 1000-158 Lisboa

Dr. Álvaro António Magalhães Ferrão Castelo-Branco


Rua César das Neves, 74 – 4º hab. 4.1 – 4200-002 Porto

25
ArmAs e Troféus

Dr. Marcos Manuel Guimarães de Sousa Guedes


Rua Alves Redol, 5 – 1º esq – 1000-029 Lisboa

Dr. D. António Vasco Metello de Seixas Borges Coutinho


Rua Saraiva de Carvalho, 27 A – 1250-241 Lisboa

Dr. Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes


Rua Rodrigues Sampaio, 158 – 4º dto – 1150-282 Lisboa

Dr. Tomás Pinto de Albuquerque


Av. António Serpa, 22 – 5º – 1050-027 Lisboa

Prof. Doutora Dona Maria do Rosário Barbosa Morujão


Rua Francisco Ferrer, 6 – 2º dto – 1500-461 Lisboa

Dra. Dona Maria da Assunção Júdice


Alameda Fernão Lopes, 29 – 19º esq – 1495-136 Algés

Dr. Anísio Miguel de Sousa BemHaja Saraiva


Rua Joaquim Ferreira Gomes, Lote 19 – 5º dto – Urbanização Quinta da
Lomba – 3030-478 Coimbra

José António Santos Gouveia


Rua Cidade de Cardiff, 52 A – 2º – 1170-095 Lisboa

Doutora Dona Maria Alice Pereira dos Santos


Campo Grande, 336 – 2º dto – 1700-097 Lisboa

Prof. Doutor Vicente de Paiva Brandão


Rua de São Bernardo, 18 – 4º esq – 1200-825 Lisboa

Capitão-de-Fragata António Manuel Gonçalves


Rua do Arsenal – 1149-001 Lisboa

Dr. Francisco Maria Teixeira Malta Romeiras


Avenida das Forças Armadas, 99 – 6º dto – 1600-077 Lisboa

Doutor Francisco Maria de Sousa Macedo Malta Romeiras


Avenida Óscar Monteiro Torres, 42 – 3º esq – 1000-219 Lisboa

26
LisTA de sócios

Davide Matias Afonso


Avenida Capitão Salgueiro Maia, 14 – 6º C – 1885-091 Moscavide

Dr. Nuno Maria de Mello e Castro Fernandes Thomaz


Rua dos Remédios à Lapa, 16 – 1200-784 Lisboa

Doutor Tiago Santos de Sousa Mendes


Rua Prof. Hernâni Cidade, 7 – 6-P – 1600-630 Lisboa

Prof. Doutor António Manuel de Melo Fernandes


Rua Porteladinha, 65 – Chão do Bispo – 3030-296 Coimbra

Dr. Dona Inês Morão Correia Matoso Ferreira


Avenida Duque d’Ávila, 2 – 5º esq – 1000-079 Lisboa

Dr. João Caetano de Sá Melo de Carvalho Sameiro


Av. Casal Ribeiro, 12 – 2º – 1000-092 Lisboa

Dr. Lourenço Saldanha da Bandeira Botelho de Sousa


Rua Padre António Vieira, 20 – r/c D – 1070-196 Lisboa

Dr. Luís Miguel Guapo Murta Gomes


Rua do Campo Alegre, 1502 – hab. 6.4 – 4150-176 Porto

Dr. Miguel de Barros Serra Cabral de Moncada


Avenida Álvares Cabral, 40 – 6º esq – 1250-018 Lisboa

Dr. Tomás Themudo Caldeira Cabral


Rua Joaquim Casimiro, 17 – r/c dto –1200-097 Lisboa

Dona Alexandra Maria Ferreira Braga de Sousa Louro Pereira de Castro


Quinta de Juste, Rua da Costa, 154 – 4710-742 Santa Lucrécia de Algeriz

Dra. Dona Isabel Filipa Theotónio Pereira Marques de Sousa


Avenida António Augusto de Aguiar, 38 – 4º – 1050-016 Lisboa

Dr. José Filipe Dias da Costa Menéndez


Rua de Palhais, 11 – Ribamar – 2640 Santo Isidoro MFR

27
ArmAs e Troféus

Doutor Miguel Nuno Santos Montez Leal


Rua Combatentes do Ultramar, 6-6 A – 2070-089 Cartaxo

Dr. Nuno Miguel Marques Barata-Figueira


Rua António Feliciano de Castilho, 14 – 1º esq – 2675-473 Odivelas

Dr. Armindo Augusto Curto Fernandes


Rua do Crucifixo, 76 – 3º – 1100-174 Lisboa

Dr. Manuel Roque de Magalhães e Menezes Ferros


Largo da Igreja, 1 – Molelos

Dr. Paulo Jorge de Oliveira Braga Pimenta da Silva


Rua da Liberdade, 108 – 2705-229 Colares

28
SIGILLVM PORTVGALIAE: O CORPUS DOS SELOS
PORTUGUESES A TOMAR FORMA

Maria do Rosário Barbosa Morujão*

Resumo: Neste artigo apresenta-se o projecto SIGILLVM PORTVGALIAE, os seus


objectivos e a forma faseada como está a ser levado a cabo para, no final, dar origem
a um catálogo completo dos selos portugueses ou que existiram em Portugal e dos quais
existem notícias durante o Antigo Regime. Na sua primeira parte, levada a cabo entre
2014 e 2015, a atenção foi focada nos selos do clero secular medieval.

Abstract: This paper presents the project SIGILLVM PORTVGALIAE, its objectives
and the different phases in which it is being carried out in order to lead, in the end, to
a complete catalogue of Portuguese seals or seals that existed in Portugal during all the
Ancient Regime. In its first stage, carried out between 2014 and 2015, the attention
was focused on the medieval secular clergy seals.

Os selos que autenticam os documentos são importantíssimas fontes


para o estudo da heráldica, mais ainda no que diz respeito ao período medieval

* Doutora em História da Idade Média pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,


onde é Professora Auxiliar. Membro integrado do Centro de História da Sociedade e da Cultura,
dessa mesma Faculdade. Membro colaborador do Centro de Estudos de História Religiosa da
Universidade Católica Portuguesa. Membro de diversos organismos científicos, entre os quais se
destacam a Commission Internationale de Diplomatique; SIGILLVM: Network for Research Seals
and Sealing: History, Art, Preservation (membro da direcção); Sociedad Española de Ciencias y
Técnicas Historiográficas; Instituto Português de Heráldica; Société Française d’Héraldique et Sigil-
lographie. Coordenadora do projecto SIGILLVM PORTVGALIAE.

29
mAriA do rosário BArBosA morujão

português, para o qual constituem muitas vezes os únicos testemunhas das armas
usadas, dada a ausência de armoriais anteriores ao século XV 1.
A preservação dos selos ao longo dos séculos, porém, foi de um modo geral
muito deficiente, e continua hoje em dia a constituir um desafio para as institui-
ções onde os documentos selados se conservam. Pequenos e frágeis, feitos maio-
ritariamente de cera, apensos a pergaminhos através de suspensões normalmente
têxteis que se desfiam com o tempo, ou gravados sobre pedaços de papel unidos
aos documentos por finas camadas de cera ou massa de farinha que com facili-
dade se despegam, a maioria deles não chegou aos nossos dias e os que lograram
sobreviver não foram, infelizmente, objecto de grande atenção ou cuidado, desde
logo no que toca ao seu acondicionamento 2.
Por outro lado, ao contrário do que sucedeu em outros países, de entre
os quais a França e a Bélgica se destacam, em Portugal não se procedeu à catalo-
gação dos selos existentes, não se fizeram campanhas de moldagem das impres-
sões conservadas, e muito menos foram estas objecto de estudo senão de modo
ocasional 3. Chegámos, assim, ao século XXI sem possuir nenhum catálogo de
selos, e as matrizes subsistentes, que se encontram em geral em colecções de
museus ou nas mãos de particulares, não estão, na sua larga maioria, identificadas.
Os estudos sigilográficos em Portugal começaram a conhecer uma verda-
deira e nova dinâmica a partir da década de 1990, começando então a compaginar-

1
Não é decerto por acaso que os selos são a primeira fonte para o estudo da heráldica medieval
portuguesa mencionada em SEIXAS, Miguel Metelo de, “Bibliografia de heráldica medieval
portuguesa”, in SEIXAS, Miguel Metelo de, ROSA, Maria de Lurdes (coord.), Estudos de
heráldica medieval, Lisboa, IEM / CLEGH / Caminhos Romanos, 2012, p. 539.
2
A este respeito, vejam-se os dados apresentados em MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa;
LIRA, Sérgio; SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa; PINTO, Pedro, “The Portuguese sigillographic
heritage: SIGILLVM, a new research project on a remarkable and mostly neglected heritage”,
in AMOÊDA, Rogério; LIRA, Sérgio; PINHEIRO, Cristina (eds.), Heritage 2014. Proceedings
of the 4th International Conference on Heritage and Sustainable Development, Barcelos, Green
Lines Institute, 2014, pp. 583-590 e MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, “The SIGILLVM
project – the Portuguese sigillographic heritage in the light of a project’s results”, in AMOÊDA,
Rogério; LIRA, Sérgio; PINHEIRO, Cristina (eds.), Heritage 2016. Proceedings of the 5th
International Conference on Heritage and Sustainable Development, vol. 1, Barcelos, Green Lines
Institute, 2016, pp. 957-965.
3
Uma panorâmica acerca da sigilografia portuguesa entre a década de 1950 e 2010 pode ser
vista em MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, “Working with medieval manuscripts and
records: Paleography, Diplomatics, Codicology and Sigillography”, in MATTOSO, José (dir.),
The Historiography of Medieval Portugal (c. 1950-2010), Lisboa, IEM, 2012, pp. 45-65. Acerca
da evolução desta ciência em outros países, leia-se a síntese apresentada por BAUDIN, Arnaud,
Emblématique et pouvoir en Champagne. Les sceaux des comtes de Champagne et de leur entourage
(fin XIe-début XIVe siècle), Langres, Éditions Dominique Guéniot, 2012, pp. 31-37.

30
SIGILLVM PORTVGALIAE: O corpus DOS SELOS PORTUGUESES A TOMAR FORMA

-se com o processo de renovação da sigilografia iniciado por Michel Pastoureau,


nos anos 80 do século passado 4. No entanto, apesar dos avanços verificados, tradu-
zidos em especial pelos estudos acerca dos selos de certas instituições 5, a obra mais
completa ao dispor dos investigadores é ainda o conhecido trabalho do Marquês
de Abrantes 6. Obra com inegável valor, a começar pelo do seu pioneirismo, não
é, contudo, um catálogo completo (apenas abrange os selos conservados em certos
fundos do Arquivo Nacional Torre do Tombo, em algumas outras instituições e
em colecções particulares, apresentados sem qualquer carácter sistemático), e apre-
senta um grande número de erros de natureza variada, além de não obedecer aos
critérios mais recentes e rigorosos preconizados para a catalogação sigilográfica 7.
Para colmatar estas falhas que podemos considerar básicas e procurar
pôr cobro à delapidação do património sigilográfico nacional, surgiu o projecto
SIGILLVM PORTVGALIAE 8, cujo objectivo último é a criação de um catálogo
sigilográfico nacional acessível livremente através da internet, respeitante a todos
os selos medievais e modernos portugueses até ao final do Antigo Regime. Desse
catálogo consta um diagnóstico acerca do estado em que se encontra cada selo,
permitindo conhecer as necessidades mais prementes no que toca à sua conser-
vação e restauro. Por outro lado, procura resgatar a memória de selos perdidos, ao
incluir aqueles de que apenas restam os liames ou os furos para os suspender, os
4
Cite-se, em especial, o trabalho fundamental e pioneiro deste autor publicado na valiosa e
muito útil colecção Typologie des sources du Moyen Âge occidental: PASTOUREAU, Michel,
“Les sceaux”, Turnhout, Brepols, 1981. Sobre os avanços da sigilografia portuguesa desde o
final da década de 1990, veja-se o trabalho da minha autoria, citado na nota anterior, assim
como GOMES, Saul António, Introdução à sigilografia portuguesa: guia de estudo, 2ª ed. revista e
ampliada, Coimbra, FLUC, 2012.
5
Merecem especial destaque os trabalhos de Saul António Gomes sobre os selos de Santa Cruz
e Alcobaça, assim como o que eu própria realizei acerca dos selos da Sé de Coimbra: GOMES,
Saul António, In limine conscriptionis: documentos, chancelaria e cultura no mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra (séculos XII a XIV), Viseu, Palimage / CHSC, 2007; Imago & auctoritas: selos
medievais da chancelaria de Santa Maria de Alcobaça, Coimbra, Palimage, 2008; MORUJÃO,
Maria do Rosário Barbosa, A Sé de Coimbra: a instituição e a chancelaria (1080-1325), Lisboa,
FCT / FCG, 2010.
6
ABRANTES, Luís Gonzaga de Lancastre e Távora, Marquês de, O estudo da sigilografia medieval
portuguesa, Lisboa, ICALP, 1983.
7
Esses critérios podem ser encontrados em Conseil international des archives, Comité
international de sigillographie,  Vocabulaire international de la sigillographie; recommandations
pour l’établissement de notices descriptives de sceaux, Roma, Ministero per i beni culturali e
ambientali / Ufficio centrale per i beni archivistici, 1990.
8
Para conhecer em pormenor este projecto, além dos artigos citados na nota 2 e da notícia publicada
na revista INVENIRE (MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, “SIGILLVM: corpus dos selos
portugueses”, in INVENIRE, Revista de Bens Culturais da Igreja, nº 11, Julho-Dezembro 2015, pp.
72-73), veja-se o seu website, no endereço http://portugal-sigillvm.net/ [Consult. 29 Out. 2016].

31
mAriA do rosário BArBosA morujão

vestígios de selos de chapa desaparecidos, e as simples referências a selos que, por


vezes, incluem a sua descrição.
Trata-se, pois, de uma iniciativa ambiciosa e de grande envergadura, pron-
tamente apoiada pelo Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade
Católica Portuguesa, e integrada na sua linha de investigação “Memória, Media-
ções e Materialidades do Religioso” 9, que, dada a sua dimensão, foi dividida em
várias fases. A primeira, com a designação de “SIGILLVM: corpus dos selos portu-
gueses. 1. Inventariação, catalogação e digitalização da sigilografia eclesiástica
secular medieval portuguesa”, mereceu o financiamento do Programa de Apoio à
Recuperação, Tratamento e Organização de Acervos Documentais da Fundação
Calouste Gulbenkian. Recebeu também o patrocínio da empresa FCo 10, que
cedeu gratuitamente para esta fase o seu sistema de inventário e de gestão de
colecções Index Rerum para fazer o catálogo dos selos; e da empresa Redinteg 11,
que forneceu apoio técnico.
Levada a cabo entre 2014 e 2015, boa parte dos resultados desta primeira
parte do projecto está já disponível online 12; muitos mais, porém, são os dados
ainda em estudo, que progressivamente serão tornados públicos.
Pretende-se, além disso, e de modo a atingir o objectivo último deste
projecto, que as pesquisas sejam alargadas a mais instituições detentoras de espé-
cimes sigilográficos, a cronologias mais recentes e a outros universos sociais e insti-
tucionais, ultrapassando, pois, o mundo do clero secular. Está previsto que as próximas
etapas contemplem ainda a Idade Média, com a inserção dos selos municipais 13 e de
reis e rainhas desse período 14. O trabalho continuará a ser feito de forma faseada,
de acordo, naturalmente, com os financiamentos que forem conseguidos.
9
Sobre as realizações do CEHR-UCP e esta linha de investigação em particular, veja-se o website
do Centro, em http://www.ft.lisboa.ucp.pt/site/custom/template/ucptpl_fac.asp?SSPAGEID=1
002&lang=1&artigoID=687 [Consult. 29 Out. 2016].
10
Informações sobre o trabalho realizado por esta empresa, nomeadamente no campo da
inventariação e catalogação patrimonial, podem colher-se no respectivo website, em http://www.
fco.pt/ [Consult. 29 Out. 2016].
11
Veja-se o trabalho no campo da digitalização que a empresa realiza no seu website, em http://
www.redinteg.com/ [Consult. 29 Out. 2016].
12
Acessível a partir do endereço web http://sigillvm.indexrerum.com/jsp/inicio.faces [Consult. 29
Out. 2016].
13
A heráldica municipal medieval portuguesa é o tema que Marta Manuel Gomes dos Santos,
membro da equipa do projecto, está a estudar para doutoramento, tendo já assegurado a cedência
dos dados acerca dos selos que usa como fontes para o catálogo SIGILLVM PORTVGALIAE
após a conclusão da sua tese.
14
Primeiras abordagens destes dois tipos de selos, que serviram de amostragem para orientar estas
novas vias para o projecto, foram já apresentadas por MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa,
“A imagem do poder no feminino: selos de rainhas portuguesas da Idade Média”, in GARCÍA-

32
SIGILLVM PORTVGALIAE: O corpus DOS SELOS PORTUGUESES A TOMAR FORMA

O contributo que este catálogo sigilográfico vem dar à ciência heráldica


é por demais evidente. No caso dos selos do clero secular português, a investi-
gação levada a cabo com base nas primeiras pesquisas efectuadas com vista a este
projecto 15 permitiu “confronter aux sources elles-mêmes nos idées préconçues
sur ce qu’ont été l’héraldique et la sigillographie médiévales portugaises” 16 no
que toca a este universo social específico. Foi possível estabelecer uma cronologia
para a introdução e difusão dos elementos heráldicos nos selos dos bispos e dos
membros dos cabidos das catedrais, assim como diversas tipologias da sua repre-
sentação no campo sigilar, e até mesmo descobrir a existência de uma heráldica
diocesana até agora desconhecida, comprovada pelo menos, por ora, na diocese
de Coimbra 17. Os novos dados entretanto recolhidos vão permitir afinar crono-
logias, confirmar ou infirmar as hipóteses apresentadas, e avançar, mais ainda, no
estudo da heráldica deste grupo.
O avançar do SIGILLVM PORTVGALIAE para novos terrenos e crono-
logias, em que os escudos de armas estão muito mais presentes nos selos, contri-
buirá, assim se espera, para o melhor conhecimento da heráldica portuguesa
e para a continuação da renovação que esta ciência tem vindo, também ela, a
conhecer nas últimas décadas.

-FERNÁNDEZ, Miguel; CERNADAS MARTÍNEZ, Silvia (coord.), Reginae Iberiae. El poder


regio femenino en los reinos medievales peninsulares, Santiago de Compostela: Universidade de
Santiago de Compostela, 2015, pp. 89-110, e “Sceau et pouvoir: l’usage du sceau par les rois
du Portugal au Moyen Âge”, in MANEUVRIER, Cristophe; CHASSEL, Jean-Luc; BLANC-
-RIEHL, Clément (eds.), Apposer sa marque: le sceau et son usage, Caen, CRAHAM (no prelo).
15
SARAIVA, Anísio Miguel; MORUJÃO, Maria do Rosário; SEIXAS, Miguel Metelo de,
“L’héraldique dans les sceaux du clergé séculier portugais (XIIIe-XVe siècles)”, in LOSKOUTOFF,
Yvan (dir.), Héraldique et Numismatique, Moyen Âge - Temps Modernes II, Le Havre, Presses
Universitaires de Rouen et du Havre, 2014, pp. 153-178.
16
Ibidem, p. 172.
17
Ibidem, pp. 165-166.

33
FFEGURAS & SINAEES IV.
OS TÚMULOS ARMORIADOS DE POMBEIRO
DE RIBA-DE-VIZELA

António de Castro Henriques*


Tiago de Sousa Mendes**

Resumo: encontram-se no Mosteiro de Pombeiro de Riba de Vizela dois imponentes


túmulos armoriados com estátuas jacentes, datados da primeira metade do Século XIV.
O facto de serem anepígrafos, juntamente com a parcimónia das fontes contemporâ-
neas, têm iludido a identificação dos tumulados. Neste artigo os autores fazem uma
revisão crítica da literatura, recorrendo predominantemente à literatura heráldica que
tem sido largamente ignorada nas abordagens anteriores aos túmulos. Concordamos

* Doutorado em História (York; 2008), é professor na Faculdade de Economia da Universidade


do Porto desde 2009. Tem como principais interesses de investigação a história fiscal e finan-
ceira e o crescimento económico no muito longo prazo. Nestes trabalhos, usa os números para
tornar inteligível o comportamento humano; nas suas investigações heráldicas, que desenvolve
em parceria com Tiago Sousa de Mendes, procura compreender as figuras através dos compor-
tamentos humanos. Em todo o caso, concorda com o Tiago quando diz que o verdadeiro prazer
é reconstituir as armas dos Briteiros, Quartelas e Fornelos.
** Licenciado em Psicologia Clinica pelo ISPA (Lisboa) e Ph.D. em Psychoanalytic Studies (Essex;
2013), reside atualmente em Houston (Texas). Desde sempre apaixonado por genealogia e heráldica,
tem-se dedicado nos últimos anos ao estudo da genealogia das famílias entre os vales do Alva e do
Cris, na Beira Alta, e ao estudo da heráldica medieval portuguesa em parceria com António de Castro
Henriques. Percorre por isso sempre que pode Mosteiros e Sés medievais em busca de alguma pedra
de armas que tenha escapado a outros heraldistas, com o objectivo secreto de descobrir armas perdidas
referentes a linhagens já extintas. Sente-se especialmente orgulhoso de ter descoberto, juntamente
com o António, as verdadeiras armas usadas pelos Briteiros, os Quartelas ou os Fornelos.

35
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

com a atribuição do maior dos túmulos a João Fernandes de Lima IV, pertencente à
família patronal por sua mãe Urraca Vasques de Soverosa. No entanto rejeitamos a
possibilidade de o menor dos túmulos pertencer ao primeiro Conde de Barcelos, João
Afonso, como defendido por quase todos os autores que abordaram o tema. De facto,
há uma clara inconsistência entre as cinco flores-de-lis esculpidas no túmulo e as armas
existentes nos dois selos conhecidos do Conde de Barcelos. Os autores apresentam por isso
uma identificação alternativa coerente com a heráldica presente no túmulo e com as
características iconográficas do jacente. Partindo do trabalho do Marquês de Abrantes,
que demonstrou que os Soverosas usavam cinco flores-de-lis, e da história do mosteiro,
identificamos o tumulado como sendo Martim Vasques de Soverosa. Este cavaleiro
morreu na batalha de Alfaiates, provavelmente lutando ao lado de seu cunhado galego
Fernando Fernandes de Lima. Assim, o túmulo foi possivelmente encomendado por
sua irmã Urraca, mãe do dito João Fernandes de Lima IV, que se encontra sepultado
no outro túmulo. Concluímos argumentando que a heráldica medieval portuguesa já
tem conquistado um conjunto suficientemente robusto de conhecimentos, que infeliz-
mente é muitas vezes ignorado por outros autores.

Abstract: two imposing tombs with armouries and funerary effigies lie at the Monas-
tery of Pombeiro. Due to the absence of inscriptions and paucity of the contemporary
sources, the identification of their original occupants has eluded many attempts by
illustrious scholars. In this article, the authors critically revise the arguments presented
so far, resorting mainly to the substantial but largely ignored heraldic literature. On one
hand, the authors agree that the larger tomb was carved for João Fernandes de Lima
IV, the son of Urraca Vasques de Soverosa, who belonged to the patronal family, rather
than the alternative hypothesis. On the other hand, the authors reject the possibility
that the smaller of these tombs had belonged to the 1st  Count of Barcelos, João Afonso,
as claimed by nearly all the scholars who tackled this issue. In fact, there is a clear
inconsistency between the five fleur-de-lis carved in the tomb and the signs found in
the two surviving seals of the Count of Barcelos. We present an alternative identifica-
tion that fits both the heraldry and the iconographical traits of the effigy. Building on
the work of the Marquis of Abrantes who claimed that the Soverosa family bore five
fleur-de-lis and on the history of the monastery, we identify the owner of the tomb as
Martim Vasques de Soverosa. This knight died childless in the battle of Alfaiates, very
likely fighting alongside his Galician brother-in-law Fernando Fernandes de Lima.
Thus, the tomb was probably commissioned by his sister Urraca, who was the mother
of the aforementioned João Fernandes de Lima IV, who rests in the other tomb. We
conclude by arguing that Portuguese heraldry has already attained a considerable body
of knowledge, which is all too often sadly overlooked by the leading authors.

36
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

Introdução 1

Ainda no século XVI, visitava-se o convento de Pombeiro de Riba de


Vizela para resolver certos tira-teimas heráldicos. Segundo o testemunho tardio
do beneditino Frei Leão de São Tomás, “quando auia alguma duvida sobre esta
matéria, a galilé de Pombeiro e armas que nela estavam serviam de juiz.” 2. Hoje, três
séculos depois de derribada a galilé, as pedras do mosteiro já não emitem sentenças
infalíveis; pelo contrário, como se verá neste artigo, suscitam dúvidas até nos mais
sábios.

Figura 1 – Mosteiro de Pombeiro de Riba-de-Vizela na atualidade. A


fachada da igreja, com as suas caraterísticas torres, já apresentava esta fei-
ção em 1629. Cerca de trinta anos antes, tinha ocorrido a demolição da
famosa galilé que se desenvolvia diante do portal. Fotografia de Tiago de
Sousa Mendes, 2016.
1
Este artigo não seria possível sem os contributos de muitos investigadores. Começamos por
agradecer a especial atenção e as várias sugestões de José Augusto de Sottomayor-Pizarro. A
mesma gratidão dedicamos às trocas de ideias mantidas com Carla Varela Fernandes e Filipe
Alves Moreira, bem como a gentileza de Miguel Augusto Sousa que nos guiou no mosteiro do
Pombeiro. Agradecemos ainda a João António Portugal por nos ter disponibilizado a bibliografia
referente às armas dos Soverosas, assim como pelas amáveis sugestões referentes a uma comuni-
cação que fez sobre heráldica no Mosteiro da Batalha. Devemos também um sentido “obrigado”
a Sérgio Avelar Duarte pela cedência e autorização para publicação das fotografias dos túmulos
da família Casal em Santarém e Alhos Vedros. Por fim, agradecemos à Direção da Torre do
Tombo a autorização para publicar a fotografia do fragmento do selo de D. João Afonso, futuro
Conde de Barcelos, de 1294.
2
SÃO TOMÁS, Frei Leão de, Benedictina Lusitana, 2, 2ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, 1974, p. 77.

37
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

Dentro da velha igreja monástica encontram-se hoje dois túmulos armo-


riados que, desde o momento da sua primeira descrição por Frei António de
Assunção de Meireles, têm suscitado hipóteses desencontradas de autores como
o Marquês de Abrantes, Manuel Real, Mário Barroca, José Mattoso e J. A. de
Sottomayor-Pizarro. Quando nos detivemos nesta questão, percebemos como a
heráldica portuguesa já adquiriu bases empíricas e críticas para resolver problemas
como este. Apesar do brilho de todos estes autores, as soluções que apresentaram
são insatisfatórias pois nenhum aproveitou devidamente os conhecimentos que
a heráldica foi acumulando nas últimas décadas. Evidenciar estes avanços colec-
tivos, e não tanto identificar novas armas, foi a principal motivação para mais um
Ffeguras & Sinaaes, o quarto.

No século XVI a entrada para o templo de


Pombeiro de Riba-de-Vizela fazia-se através de uma
galilé de três naves onde estavam enterrados
membros da família patronal. O polígrafo Manuel
de Faria de Sousa que aqui cresceu deixou-nos uma
descrição desta estrutura:

Era esta fabrica aberta por todas partes y seruia


de abrigo y de passeo, y de hazerse ali juntas para
las eleciones de Iuezes y de Mayordomos. En ella, y
dentro de la Iglesia, auia algunas arcas de piedra,
en que estauan sepultados Caualleros antigos, que
por la mayor parte eran de los Sosas, y esculpidas sus
imagenes en lo alto. Quitaronlas por parecer seruian
de estoruo, siendo ellas vn venerable adorno de aquel
Monasterio. 3

Figura 2 – Mosteiro de Pombeiro de Riba-de-Vizela. Túmulo


do lado do evangelho visto de cima. Fotografia de Tiago de
Sousa Mendes, 2016.

3
SOUSA, Manuel Faria e, “Notas”, in FILGUEIRA VALVERDE, José (Ed.), Nobiliario de Don
Pedro Conde de Barcelos..., Compostela, Colección de los Bibliófilos Gallegos, 1974, p. 44.

38
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

Este “venerável adorno” foi derribado por volta de 1600. Por essa altura, os
beneditinos de Pombeiro recuperaram a lápide sepulcral de Vasco Mendes de
Sousa (+1240) e embutiram-na nas novas estruturas 4 e, já neste século, os arqueó-
logos desenterraram do mesmo local algumas lajes tumulares, aparentemente não
armoriadas. 5 Um vislumbre deste
esplendor perdido só encontra o visi-
tante quando atravessa o portal
românico da igreja onde o esperam
dois grandes sarcófagos cujas cabe-
ceiras são ocupadas por dois grandes
escudos: o do lado do evangelho (Fig.
2 e 3) com cinco flores-de-lis em
sautor e o outro com um campo
palado (Fig. 4 e 5). Cada uma das
faces laterais do primeiro destes
túmulos apresenta a figuras de um
cavaleiro empunhando uma lança e
com um escudo liso. Uma figura
semelhante, com o escudo também
liso, aparece na face esquerda do
segundo mas no pendão encontra-se
desenhado um escudo palado (fig. 6),
Figura 3 – Escudo com cinco flores-de-lis na
No pomo da espada, assim como na
cabeceira do mesmo túmulo. Fotografia de Tiago
fivela da espada encontram-se ainda
de Sousa Mendes, 2016.
representados escudos palados.
Na ausência de inscrições,
datação segura ou de testemunhos documentais a identidade dos dois sepultados
tem motivado alguma discussão desde o momento em que foram descritos por
Frei António da Assunção Meireles nas suas Memórias de 1797. No volume 2 da
História de Portugal José Mattoso atribui o primeiro destes a D. João Afonso de
Albuquerque, o 1º Conde de Barcelos, enquanto a bibliografia recente tem atri-
buído o segundo a D. João Fernandes de Lima IV, o genro de D. João Peres de
Aboim. A secção inicial deste artigo é dedicada à revisão crítica das sucessivas

4
Na parede da igreja, do lado da epístola, vê-se ainda um túmulo trapezoidal sem nenhum sinal
ou inscrição.
5
Dizemos “aparentemente” porque apenas as podemos espreitar em 2013 quando amontoadas
numa divisão do convento, depois da sua exumação. Nestas condições apenas conseguimos ler
parte da inscrição daquela que pertenceu ao cavaleiro Vasco Gonçalves Peixoto.

39
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

tentativas de identificação dos tumulados, antes de propormos a nossa identifi-


cação.

Figura 4 – Mosteiro de Pombeiro de Riba-de-Viela. Túmulo atribuído a João Fernandes de Lima


IV. Fotografia de Tiago de Sousa Mendes, 2016.

A primeira tentativa de identificar o ocupante do túmulo com o escudo


palado pertenceu ao beneditino Frei António da Assunção Meireles. Como Frei
Leão de São Tomás afirmou que o Conde
Gomes Nunes estava soterrado junto à
galilé e que fora trasladado para dentro
da igreja, o beneditino sugeriu que esta
seria a sepultura deste magnate, o
fundador primitivo do mosteiro. Consi-
derando a heráldica, o armamento, a
história do mosteiro ou a própria exis-
tência de um jacente, a sugestão de que
este túmulo foi construído para o
fundador de inícios do século XII não
tem fundamento algum. Dois séculos

Figura 5 – Escudo palado (cinco palas) na cabe-


ceira do túmulo atribuído a João Fernandes de
Lima IV. Fotografia de Tiago de Sousa Mendes,
2016.

40
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

volvidos, o Marquês de Abrantes, considerando unicamente a heráldica, inclinou-


-se para a hipótese de o túmulo acolher um membro da família da Ribeira 6.
Nenhuma destas identificações foi debatida. José Augusto de Sottomayor-
-Pizarro inicialmente identificou as armas presentes no túmulo como sendo as
da família Lima. No seu estudo sobre a família patronal de Grijó ponderou a
possibilidade que o tumulado seria Gonçalo Mendes de Sousa III, filho de Teresa
Anes de Lima e afastado pelos irmãos da “casa” paterna 7, mas encontrou uma
hipótese com melhores fundamentos: o escudo palado sinalizava a sepultura de
João Fernandes de Lima IV. Este importante nobre, finado por volta de 1305, era
casado com D. Maria Anes de Aboim, a herdeira de D. João Peres de Portel, e
pertencia à família patronal. Há, de resto, um dado importante que só posterior-
mente foi referido por Sottomayor-Pizarro: João Fernandes de Lima IV terá sido
sepultado em Pombeiro. Esta informação provém de um nobiliário tardio mas de
boa reputação, a Pedatura Lusitana de Alão de Morais, escrita no último terço do
século XVII:

“[João Fernandes de Lima] casou com D. Maria Eanes de Aboim, viuva


de Martim Afonso Tello, e filha de D. João de Aboim Senhor de Portel,
e Marmelar e de D. Marinha Afonso de Arganil s. g. e ambos fundarão e
dotarão o Hospital de Portel, e[m] hüas Capellas no Convento de Pombeiro
onde jazem sepultados: e hoje estão desfeitas por culpa dos frades, contra
o contracto que fizeram”. 8

A existência desta capela funerária confere força à hipótese de se tratar


do próprio João Fernandes de Lima IV. Aliás, segundo Sottomayor-Pizarro, este
João Fernandes morreu entre 1287 e 1316 9, o que é perfeitamente compatível
com a datação proposta por Mário Barroca. Como tal, esta identificação acabou

6
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), “De novo o selo de D.
Constança Gil”, in Armas e Troféus, V série, tomo I, 1980, pp. 21-33.
7
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Os Patronos do Mosteiro de Grijó́ (Evolução e
Estrutura da Família Nobre. Século XI a XIV), Ponte de Lima, Ed. Carvalhos de Basto, 1995, p.
202.
8
MORAIS, Cristóvão Alão de, Pedatura Lusitana (...), vol. 1, Porto, Livr. Fernando Machado,
1954, p. 202.
9
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, “A Família Lima entre a Galiza e Portugal
(Séculos XII a XVI)” in SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de; BARROCA, Mário
Jorge (eds.) O Paço de Giela. História de um Monumento, Arcos de Valdevez, CM, 2015, pp.
15-65.

41
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

por se tornar corrente na literatura 10 sem mais atenção à proposta do Marquês


de Abrantes.
Figura 6 – Pormenor do baixo-relevo
de um cavaleiro na face lateral do tú-
mulo atribuído a João Fernandes de
Lima IV. Note-se o escudo liso do ca-
valeiro e um escudo palado (4 palas)
no pendão. Esta face do túmulo está
quase encostada à parede, dificultan-
do a sua observação. Fotografia de
Tiago de Sousa Mendes, 2016.

No entanto, as Memórias Manuscritas do Mosteiro de Pombeiro, que


extratam diversos documentos entretanto desaparecidos, dão fé do sepultamento
de Rui Vasques Ribeiro, filho de Vasco Eanes de Soalhães e de Leonor Rodrigues
Ribeiro, no mesmo espaço. Com efeito, no seu testamento em 1399 Margarida
[sic] Gonçalves de Sousa pediu para se enterrar na capela de S. Pedro no seu
moimento junto ao do seu marido Rui Vasques Ribeiro 11. A referência ao moimento
não impede que se pense neste túmulo como um jacente, mas poderia corres-
ponder a uma simples campa com tampa, eventualmente armoriada e epigra-
fada 12.
Do ponto de vista heráldico, tanto se pode atribuir o palado às famílias
Lima como Ribeiro. O uso do escudo palado pelos Limas está documentado
desde Fernando Anes de Lima I (+ a. 1266) do qual sobrou um selo de 1248,

10
PARDO  DE  GUEVARA  Y  VALDÉS, Eduardo, “Las armas de los Limia y sus derivaciones
(siglos XIII-XV)”, in e-Spania, 11 junho 2011, posto online no dia 05 julho 2011, consultado a
04 agosto 2016. URL : http://e-spania.revues.org/20540.
11
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Memorias do Mosteiro de Pombeiro Escritas por (...),
Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1942, p. 171, doc. 32.
12
Agradecemos o esclarecimento a José Augusto de Sottomayor-Pizarro que nos salientou que
as origens bastardas e camponesas de Rui Vasques pelo lado paterno se enquadravam mal com
tamanha monumentalidade.

42
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

onde estava relevado um escudo com 3 palas 13 e ainda era usado cinco gerações
volvidas: por volta de 1400 quando Fernando Anes de Lima II vem a Portugal, a
linhagem ainda conserva nas suas armas as ancestrais palas 14. A sigilografia fornece
ampla representação das armas antigas de Ribeiros, nos selos Afonso Peres da
Ribeira (fl. 1248-89) e de sua mulher Maria Raimundes de Sequeira usados em
1258, bem como do cavaleiro Pedro Afonso da Ribeira (fl. 1270-1311), filho de
ambos num instrumento de 1282 15. Note-se que todos os três selos apresentam
escudos palados, se bem que em número variável de palas (4, 3 e 5, por ordem de
menção), o que torna o número de palas do túmulo (v. Fig. 6) pouco importante.
No túmulo, mandado fazer por João Mendes de Vasconcelos em 1418 para albergar
o corpo de seu pai Rui Vasques Ribeiro II (bisneto do anteriormente referido Rui
Vasques Ribeiro enterrado em Pombeiro) na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos
encontramos as armas dos Ribeiros, partidas com as dos Vasconcelos, possivel-
mente com a policromia original: em campo de vermelho, quatro palas de ouro 16.

Figura 7 – Pormenor do túmulo


quatrocentista de Rui Vasques Ribei-
ro. Escudo partido de Vasconcelos e
de Ribeiro (com 4 palas). Se a poli-
cromia for a original, os Ribeiros já
no século XV usavam o campo ver-
melho com palas de ouro. Fotografia
de Tiago de Sousa Mendes, 2008.

13
PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, Op. cit.
14
Vide Pedra de armas com palas reaproveitada no aparelho manuelino, identificado por Mário
Barroca. BARROCA, Mário Jorge, “O Paço de Giela: Um «Palimpsesto» Arquitectónico”, in
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de; BARROCA, Mário Jorge (eds.), Op. cit., pp.
170-1. Vide ainda o túmulo atribuído a este Lima na igreja de Fiães, com um escudo com 3 palas
e referido por PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, Op. cit.
15
Catalogados como exemplares 208, 209 e 266. ABRANTES, Marquês de, O Estudo da
Sigilografia Medieval Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983, pp. 198-9 e
223.
16
Desde o Livro do Armeiro-Mor que as famílias Ribeiro e Lima apresentam os mesmos metais e
esmaltes, sendo que o mais antigo exemplar policromado de qualquer destas famílias é o túmulo
de Figueiró dos Vinhos (v. Fig. 7), sendo que não há certeza da data da policromia, podendo
resultar de repintes posteriores.

43
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

Ou seja, tanto Rui Vasques Ribeiro (fl. 1336-55) como João Fernandes de
Lima IV (fl. 1288-1310) se fizeram enterrar em Pombeiro e tinham uma ligação
à família patronal. O segundo descendia dos Sousãos e, como tal, era membro da
família patronal. Com efeito, o seu avô Fernando Eanes de Lima (+1264) casara-
-se com Teresa Anes da Maia, filha de Guiomar Mendes de Sousa, filha por sua vez
do Conde D. Mendo Gonçalves, o Sousão. A relação de Rui Vasques Ribeiro com
Pombeiro é menos evidente já que nada liga os Ribeiros ao mosteiro 17, mas este
cavaleiro casara-se em segundas núpcias com Maria (ou Margarida) Gonçalves de
Sousa. Não obstante a sua varonia ser Briteiros, esta dama era trineta do Conde D.
Mendo, o Sousão, por via de outra filha de Guiomar Mendes de Sousa chamada
Elvira Anes da Maia. Nem a heráldica, uma vez que ambas as linhagens usavam
um palado, nem as informações históricas, uma vez que tanto Rui Vasques
Ribeiro quanto João Fernandes de Lima estariam enterrados em Pombeiro, favo-
recem claramente uma das hipóteses. Neste cenário, a preferência da literatura
pelos Limas é justificada apenas pelo juízo emitido por Mário Barroca quanto à
cronologia do monumento, uma vez que a data de óbito de Rui Vasques Ribeiro
é posterior à datação atribuída ao monumento, início do seculo XIV. Claro parece
ser que este túmulo não pertenceria tanto à galilé, mas sim às capelas funerárias
lavradas na igreja.
O ocupante do túmulo armoriado com as flores-de-lis teve igualmente
atribuições bastante diferentes, sendo que nos últimos anos a atribuição a D. João
Afonso de Albuquerque, 1º Conde de Barcelos, tem sido largamente consen-
sual 18. Parece-nos que José Mattoso teve um papel determinante a este respeito,
quando numa extensa legenda da fotografia do túmulo publicada na sua História
de Portugal em 1993 aborda as anteriores propostas do Marquês de Abrantes, que
atribuía o túmulo a João Gil de Soverosa, referindo no entanto que a proposta de
Manuel Real e Mário Barroca de que este seria o túmulo do Conde de Barcelos
lhe parecia a mais adequada. Cita para isso dois argumentos “[O Conde de
Barcelos] usava as mesmas armas e a tipologia do jacente aponta para a segunda
17
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
Estratégias (1279-1325), Porto, Universidade Moderna, 1999, vol. 2, pp. 79-120 e 221-30.
18
MATTOSO, José, “1096-1325”, in MATTOSO, José (ed.), História de Portugal. II: A Monarquia
Feudal (1096-1480), Lisboa, Estampa, 1993; FERNANDES, Carla Varela, “Vida, fama e morte.
Reflexões sobre a colecção de escultura gótica”, in ARNAUD, José Morais; FERNANDES, Carla
Varela (coord.), Construindo a Memória. As colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa,
Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2005, pp. 300-55; SOTTOMAYOR-PIZARRO,
José Augusto de, Aristocracia e Mosteiros na Rota do Românico, Lousada, Centro de Estudos
do Românico e do Território, 2014; RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas funerárias e
espaços religiosos associados da rota do românico, Lousada, Centro de Estudos do Românico e do
Território, 2014.

44
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

época” 19, ou seja o início do século XIV. Começaremos a nossa revisão crítica
destas atribuições analisando o argumento heráldico.

Figura 8 – Fragmento de selo de D.


João Afonso, Senhor de Albuquerque,
pendente de um documento datado
de 1294. Ainda são visíveis 2 das flo-
res-de-lis, que circundavam o escudo
central pleno de Meneses, onde se di-
visava um carbúnculo, de acordo com
o selo existente no arquivo Distrital de
Braga. Cabido da Sé de Coimbra, 2.a In-
corporação, mç. 86, n.o 3992. PT/TT/
CSC/2M086/3992. “Imagem cedida
pelo ANTT”.

Um dos mais sólidos dados adquiridos pelos estudos de heráldica nas


últimas décadas foi estabelecer que as armas dos Soverosas eram cinco flores-de-lis
em sautor. Esta identificação foi uma conquista coletiva de uma falange de traba-
lhos publicados na revista Armas e Troféus sobre esta família e a sua armaria 20.
Com efeito, ao complementar o trabalho de J. Cordeiro de Sousa sobre o 2º
Conde de Barcelos, Eugénio da Cunha e Freitas desafiou os heraldistas a identi-
ficar as armas referidas numa descrição do selo de D. Constança Gil [de Riba de
Vizela], mulher de João Gil de Soverosa: “...no meyoo tinha hum scudete mayor com

19
MATTOSO, José, Op. cit., p. 176.
20
SOUSA, J. M. Cordeiro de, “Contenda entre Afonso Saches e o Conde Dom Martim Gil”,
in Armas e Troféus, II série, tomo VI, n. 3, 1965, pp. 251-9; FREITAS, Eugénio de Andrea da
Cunha e, “O Conde D. Martim Gil. Quem era? Quando morreu?” in Armas e Troféus, II série,
tomo VI, n. 3, 1965, pp. 260-9; MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, “El sello
de Doña Constança Gil”, in Armas e Troféus, II série, tomo VII-1, 1966, pp. 3-5; SÃO PAYO,
Marquês de, “O selo de D. Constança Gil”, in Armas e Troféus, II série, tomo VI, n. 3, 1965, pp.
270-1; ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33.

45
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

cynquo froles e polos escudetes das rodas tynha cruzes pequenas per meyo” 21. O desafio
foi respondido pelo Marquês de São Paio no mesmo ano. Sem identificar a
linhagem, associou as cynquo froles a D. João Afonso de Albuquerque, 1º Conde
de Barcelos cujo selo, aposto a um documento de 1303 e conservado no Arquivo
Distrital de Braga 22, trazia ao centro um escudo com um carbúnculo adossado de
cinco rodas incompletas cada uma carregando uma flor-de-lis. Menéndez-Pidal,
profundo conhecedor da heráldica do país vizinho, demonstrou no número
seguinte das Armas e Troféus que as flores provinham dos Soverosas, já que nenhum
outro avô de D. João Afonso tinha como sinais as flores-de-lis. Aliás, os Soverosas
eram o denominador comum a outras duas manifestações heráldicas: a) as quatro
flores-de-lis postas em torno do escudo com o leão à maneira de “memórias herál-
dicas” no selo de Dona Sancha Afonso, filha ilegítima de Afonso IX de Leão
havida em Dona Teresa Gil de Soverosa; b) as flores-de-lis acrescentadas com que
D. Constança Gil de Soverosa ladeou as armas do marido 23. Esta cadeia de
estudos demonstrou com grande robustez que a linhagem de Soverosa tinha por
armas cinco flores-de-lis. Mais recentemente, Sottomayor-Pizarro confirmou esta
tese ao descobrir a descrição do selo de Martim Anes de Soverosa “Tio”, o último
varão da linhagem. “Seelada nas costas do seelo de don Martim Anes no qual
seelo avia no meogo huum scudo e V froles figuradas in el” 24. A esta tela pacien-
temente urdida por tão eminentes autores não temos mais fios a juntar senão duas
outras ocorrências das armas dos Soverosas e uma hipótese mais aventurosa: a)

21
A descrição foi recolhida por João Pedro Ribeiro de um documento de Tarouquela, igualmente
consultado por Sottomayor-Pizarro e datado de 1292.
22
Valemo-nos da fotografia do selo que está na capa da dissertação de doutoramento de José
Augusto de Sottomayor-Pizarro entregue à Universidade do Porto. Apesar dos nossos esforços
junto do Arquivo Distrital de Braga, não foi possível encontrar este documento. Na fotografia
apresentada por Faustino Menéndez-Pidal o motivo do escudo não é muito perceptível mas não
se trata seguramente de um escudo liso, como as armas tradicionais dos Meneses. Na Sigilografia
Medieval Portuguesa, o selo é descrito como sendo constituído por um carbúnculo, motivo que
Faustino Menéndez-Pidal atribui as armas primitivas dos Meneses. Sobra ainda um fragmento
de uma impressão do mesmo selo em 1294 mas o escudo central não tem qualquer leitura,
observando-se apenas os vestígios de duas flores-de-lis (Figura 8).
23
MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, Op. cit., pp. 3-5.
24
Compare-se com a descrição do selo da sua mãe Constança Gil: “selo feito em cruz de roda e em
cada uma das rodas tinhas escudetes senhos e no meogoo tinha hum scudete mayor e com cynquo froles
e polos escudetes das rodas tynha cruzes pequenas per meyo e deredor do selo tinha letras que dezião
«seello de Dona Constança Gil»” (TT, MST 76 (AD 1292). (Lisboa, 9 de Março, 1287; REPAS,
Luís, Quando a nobreza traja de branco: a comunidade cisterciense de Arouca durante o abadessado de
D. Luca Rodrigues (1286-1299), Leiria, Magno, 2003, doc. 16). SOTTOMAYOR-PIZARRO,
José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 2,
p. 219.

46
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

outra descrição do selo de Martim Anes “Tio” igual à recolhida por Pizarro
(seelado nas costas do verdadeyro seelo de don Martim Anes assi como scrito era a redor
desse seelo no meyo do qual seelo era hua figura d’escudo no qual escudo eram flores
figuradas; Lisboa, 9 de Março, AD1287) 25; b) a arca tumular que se encontra ora
no claustro de Arouca que se trata certamente de uma mulher casada com um
Soverosa 26. Podemos ainda sugerir que houve transmissão das armas dos Sove-
rosas por via da vassalidade. Esta hipótese explica o uso das flores-de-lis ainda no
século XIII por duas famílias da órbita dos Soverosas: os Casal e os Gosende.

Figura 9 – Lápide Sepulcral de Sancha Garcia do Casal no Museu de São João de Alporão em
Santarém. Note-se no escudo central com as cinco flores-de-lis em sautor, e nos escudos com as
mesmas armas localizados em cada canto. Fotografia do Comandante Sérgio Avelar Duarte, a
quem agradecemos a autorização de publicação.

25
REPAS, Luís, Op. cit., doc. 17.
26
Esta arca tumular anepígrafa contém dois escudos (um com cinco flores-de-lis em sautor e outro
com um faixado ondeado). O indivíduo sepultado é muito possivelmente uma mulher que
assim exibia o escudo da sua linhagem e o da família em que se casou. É provável que se trate de
Aldonça Eanes da Maia, porque é a única dama casada com Soverosa que se pode relacionar com
o mosteiro de Arouca. No entanto, a bibliografia existente não fornece explicação para o escudo
ondeado.

47
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

A dita peça está presente no fragmento do túmulo de Rui Garcia do Casal


e na lápide armoriada alusiva a sua irmã Sancha em 1346 (figura 9) 27. Ora, o pai
de ambos, Garcia Martins do Casal, foi o mordomo de D.
Martim Anes de Soverosa 28. A flor-de-lis que Aires Nunes
de Gosende transmitiu à sua filha D. Berengária, segundo
sugerimos num trabalho recente, derivava dos sinais de D.
Martim Gil de Soverosa, “o Bom”. Aires Nunes parece ter
seguido este rico-homem enquanto viveu 29. À semelhança
de alguns exemplos estrangeiros, é certamente admissível
que Aires Nunes portasse nas suas armas a peça identifica-
dora do seu senhor. Existem ainda dois outros escudos
medievais contendo cinco flores-de-lis em sautor, um em
Silves e outro em Beja, mas desconhecemos a existência de
qualquer ligação dos tumulados com os Soverosas 30.

Figura 10 – Pormenor do fragmento do Túmulo de Rui Garcia do casal


no Museu de São João de Alporão. Fotografia do Comandante Sérgio
Avelar Duarte, a quem agradecemos a autorização de publicação.

27
BARROCA, Mário Jorge, Epigrafia medieval portuguesa (862-1422), vol. 2, tomo 2, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2000, pp. 1666-71.
28
De notar também que os esmaltes nas armas de Casal se encontram invertidos relativamente
às dos Soverosas, o que confere ainda mais probabilidade a uma transmissão por via da relação
vassálica. Já de inícios do XVI existe a capela de Fernão do Casal na igreja Matriz de Alhos
Vedros, apesar de nesta o escudo policromado apresentar num campo vermelho cinco flores-
-de-lis de ouro. A invulgaridade desta representação pode sugerir que este ramo usava as armas
com as cores aproximadas às dos Albuquerque. Talvez este ramo tivesse as suas armas com estas
cores, ou que em alguma campanha de repintura na igreja as mesmas foram aproximadas das
armas dos Albuquerque, possivelmente por desconhecimento.
29
Em 1240, uma doação de Aires Nunes à Sé do Porto foi selada com o selo de D. Martim Gil
de Soverosa (SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas.
Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 2, p. 211). Este dado é indicativo de que nessa
data Aires Nunes ainda não possuía selo próprio e, possivelmente, tendo em data posterior
adotado os mesmos elementos presentes no selo de D. Martim Gil para as suas armas. Como
Martim Gil, Aires Nunes esteve também exilado de Portugal em 1249 para só emergir nos
documentos portugueses em 1265, ou seja depois da morte de Martim Gil no seu exílio
castelhano (MENDES, Tiago de Sousa; HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees
III – A Heráldica do Mosteiro de Almoster”, in Armas e Troféus, n. 32, 2015, p. 99).
30
Em Beja, na Ermida de Santo Estevão, está o túmulo do cavaleiro Estevão Vasques datado
de finais do XIII, com um escudo com cinco flores-de-lis. Na Sé de Silves, no pavimento da

48
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

Muitos anos depois, o Marquês de Abrantes passou pela heráldica dos Sove-
rosas enquanto estudava as armas dos Riba-de-Vizela. 31 O Marquês não só corro-
borou a identificação de Menéndez-Pidal como ainda elencou mais três mani-
festações heráldicas relativas à linhagem que nos ocupa: o selo de Teresa Martins
de Albuquerque (uma elaborada composição em que intervinham uma lisonja
com as armas do marido, três flores de lis e três leões) 32; o fecho de abóboda da
capela-mor do mosteiro de Vila do Conde (com um escudo de azul, com cinco
flores-de-lis em ouro) fundado em 1314 por Teresa Martins de Albuquerque e
por Afonso Sanches, filho de D. Dinis (Fig. 11) 33; por fim, o túmulo armoriado
de Pombeiro. O Marquês de Abrantes identificou a linhagem mas não foi tão
incisivo a identificar o individuo concreto que ali jazia. Como o Conde D. Pedro
mencionou o enterro em Pombeiro de D. Gil Vasques de Soverosa (fl. 1205-40),
o Marquês de Abrantes sugeriu que o túmulo em causa podia ser deste rico-
-homem, o ascendente de todos os Soverosas cujas armas se conhecem. Em nota
de rodapé, porém, o Marquês de Abrantes sugeriu também uma atribuição alter-
nativa: poderia pertencer o jacente a D. João Gil, um dos filhos de Gil Vasques.
A causa para esta hesitação era o facto de o jacente se apresentar sem barba, o que
sugeria um cavaleiro mais jovem. Em todo o caso, um Soverosa 34.

capela-mor, encontra-se uma laje tumular danificada em que ainda se vislumbra um escudo que
teria cinco flores-de-lis, mas onde hoje já só se conseguem ver 3. Não há qualquer inscrição neste
túmulo (vide LIMA, João Paulo Abreu e, “Ensaio de um método para o estudo da heráldica
medieval portuguesa. Dois túmulos armoriados da cidade de Beja e outro da sé patriarcal de
Lisboa dos séculos XIII e XIV”, in Tabardo, n. 3, 2005, pp. 199-222).
31
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33;
BARROCA, Mário Jorge, Epigrafia medieval portuguesa (862-1422).
32
Vide reprodução in MATTOSO, José, Op. cit., p. 162.
33
O fecho de abóboda da capela-mor deste mosteiro encontra-se um escudo azul de tipo francês
com cinco flores-de-lis de ouro. Os esmaltes e a forma do escudo sugerem um trabalho
muito posterior ao da fundação do mosteiro. Podemos supor que esta policromia foi aplicada
aquando da reforma da capela dos fundadores em 1611, assinalado por uma lápide ainda
existente, enquanto o fecho de abóboda pode ser atribuído às campanhas de 1514, altura em
que se lavraram os jacentes dos fundadores. O escudo vermelho com uma flor-de-lis passou à
posteridade esquartelado nas armas dos Albuquerques e dos Meneses de Cantanhede (Fig. 12).
34
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33. A
propósito deste tema João António Portugal em comunicação recente em 15 de Janeiro de
2014 sugere que na realidade no selo de D. Constança Gil, ao redor do escudo não estavam
lóbulos carregados de escudetes com cruzes páteas como sugeriu o Marquês de Abrantes, mas
apenas um escudete em cada lóbulo, o que seria mais adequado face ao termo senhos. Ver nota
de rodapé infra. Queremos deixar aqui o nosso agradecimento a João António Portugal por esta
informação.

49
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

Figura 11 – Fecho de abóboda na Capela-


mor do Mosteiro de Santa Clara de Vila do
Conde. Armas com cinco flores-de-lis atri-
buíveis a D. Teresa Martins. Fotografia de
Tiago de Sousa Mendes, 2006.

A interpretação do Marquês de Abrantes foi preterida em favor de outra,


porventura mais tentadora. Seguindo uma sugestão feita por Manuel Luís Real
ainda em 1978, segundo Mário Barroca o túmulo de Pombeiro pertenceria afinal
a D. João Afonso de Albuquerque, o 1º Conde de Barcelos. Oriundo de um ramo
secundário da linhagem dos senhores de Meneses, este rico-homem começou por
ser um dos mais importantes na Corte de Castela-Leão até ao seu exílio. Na corte
portuguesa, a sua importância não foi menor já que obteve o título condal, uma
distinção que o guindou acima de todos os ricos-homens portugueses. É certo
que este nobre foi sepultado em Pombeiro. No seu testamento de 1304, ele deixou
explícita a sua escolha para última morada: “mando o meu corpo soterrar en o
moesteyro de Pombeyro” 35. O testamento não acrescenta qualquer pormenor
quanto à sua última morada mas podemos supor que se tratava de uma capela
funerária. Em 1316, a sua filha Teresa Martins deu aos monges bentos o padroado
da igreja de S. Mamede de Cepães para sustentar um capelão para a sua “capela” 36.
A heráldica pesou menos nesta tese mas o uso dos cinco flores-de-lis pelos seus
descendentes (o Albuquerque “antigo” e as armas dos Meneses de Cantanhede)
dava a entender que esta identificação era segura e assim passou dos domínios da
especialidade para as obras de referência.

35
Documento transcrito em SOUSA, J. M. Cordeiro de, “Duas inscrições portuguesas em
Espanha : (a questão da data das lápidas do castelo de Albuquerque)”, in O Arqueólogo Português,
2ª série, vol. 2, 1953, pp. 261-82.
36
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Op. cit., p. 171, doc. 32. Não conhecemos qualquer
testemunho relativamente a este túmulo (que poderia ou não ser um sarcófago ou uma campa).

50
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

A identificação de Mário Barroca foi reforçada com novos argumentos por


José Augusto de Sottomayor-Pizarro. Como referido, este historiador confirmou
com novos dados que as cinco flores-de-lis eram de facto as armas dos Soverosas.
No entanto, entendeu que o
Conde D. João Afonso passou a
usar estas armas que eram as da
linhagem materna: “(…) fica
também provado, quanto a nós,
que o escudo com cinco lises, osten-
tado por um dos túmulos do
mosteiro de Pombeiro, será o do 1
Conde de Barcelos, único represen-
tante dos de Soverosa por morte de
seu primo Martim Anes, sem filhos,
pelo que aquele deverá ter assumido
as armas da linhagem materna que Figura 12 – Túmulo de D. Fernando de Meneses, Se-
passara a chefiar – o que não se nhor de Cantanhede em Vila do Conde. Escudo com
passava com os Teles [Meneses]– e armas de Albuquerques, sobreposto com um escudete
que transmitiu a sua filha e herdeira dos Meneses, da sua varonia. Fotografia de Tiago de
do senhorio de Albuquerque” 37. Por Sousa Mendes, 2006.
outras palavras, a extinção das
linhas masculinas dos Soverosas
levaria o varão Meneses a assumir
a sua “representação” e transmi-
tiria à sua filha mais velha 38 junto

Figura 13 – Pormenor do Túmulo de D.


João Fernandes de Lima IV. Fotografia de
Tiago de Sousa Mendes, 2016.

37
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
Estratégias (1279-1325), vol. 2, p. 219.
38
Como nos foi esclarecido pessoalmente por José Augusto de Sottomayor-Pizarro, Teresa era
a mais velha das irmãs. Mesmo ficando o título de conde para Martim Gil, casado com a
secundogénita Violante, pode-se dizer que as partilhas definidas por D. Dinis prejudicaram
este rico-homem em favor do cunhado, o bastardo Afonso Sanches. É de referir que os Teles
portugueses nunca usam o apelido Meneses em Portugal até à extinção do ramo dos senhores de
Meneses em Castela. Apenas aí começam a fazer uso do apelido Meneses. Mais uma vez devemos
este informe à gentileza de José Augusto de Sottomayor-Pizarro.

51
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

com o seu senhorio. Ficava assim explicado o uso das cinco flores-de-lis pelos
Albuquerque e a identidade do tumulado de Pombeiro de Riba de Vizela. Esta
identificação tem sido aceite na subsequente literatura 39.
A justificação apresentada por Sottomayor-Pizarro é plausível. Não
obstante a preferência pela transmissão varonil dos signos heráldicos verificável
no século XIII, não faltariam boas razões, designadamente as patrimoniais, para
adotar armas maternas. Vem a propósito o caso dos Pimentel que sucederem
na honra de Resende por extinção da linha masculina e adotaram as armas e
o apelido epónimos 40. Já empregámos argumentos semelhantes para o caso de
linhagens como os Briteiros ou os Barretos na primeira metade do século XIV 41.
No caso concreto, há que reconhecer que a linhagem materna pesava: a filha de
João Afonso ficou conhecida como Teresa Martins, o nome da avó Soverosa, em
contravenção da regra do patronímico. Apesar do casamento de Teresa Martins
com um bastardo de D. Dinis, a descendência continuou a usar as armas do
Soverosa que assim transitaram até ao seu neto, combinadas com os símbolos de
Portugal 42. Menos convincentes nos parecem os conceitos de “representação” ou
de “chefia” aplicados a estes séculos 43. Considerações mais concretas e demons-
tráveis como a sucessão em honras, em morgados ou mesmo em cargos parecem
ser os factores determinantes nas mudanças da armaria.
No entanto, há duas ordens de razão que nos levam a rejeitar a atribuição
do túmulo ao Conde D. João Afonso. Em primeiro lugar está a existência de duas
impressões sigilares feita com a mesma matriz em instrumentos de 1294 e 1303.

39
RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas funerárias e espaços religiosos associados da rota do
românico, Lousada, Centro de Estudos do Românico e do Território, 2014; FERNANDES,
Carla Varela, Op. cit., p. 300-55.
40
MENDES, Tiago de Sousa e HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees I - As Armas
Antigas dos Pimentéis”, in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n. 3, 2009, pp. 225-35.
41
HENRIQUES, António Castro e MENDES, Tiago de Sousa, “Ffeguras & Sinaees II - As Armas
dos Briteiros,”, in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n. 7, 2012, pp. 41-51; MENDES,
Tiago de Sousa e HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees III – A Heráldica do
Mosteiro de Almoster”, pp. 79-100.
42
É de referir que, nas partilhas realizadas por D. Dinis em 1312, couberam a Afonso Sanches e
sua mulher Teresa Martins os bens em Soverosa, assim como os bens que eram de avoenga de
Dom Gil Vasques [de Soverosa]. Vide documento transcrito em SOUSA, J. M. Cordeiro de, Op.
cit., pp. 251-9.
43
Recentemente José Augusto de Sottomayor-Pizarro argumentou que o conceito de chefia de
linhagem só é verdadeiramente aplicável a partir do século XIV, mais concretamente a partir
do estabelecimento dos morgadios, sistema esse que, de resto argumenta este autor, só adquire
visibilidade no século XV. Vide SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, “A Chefia da
Linhagem aristocrática (Sécs. XII-XIV). Reflexões em torno de uma prática idealizada”, in Studia
Zamorensia, vol. XII, 2013, pp. 27-40.

52
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

Os motivos heráldicos estão ainda reconhecíveis: o centro do selo é ocupado por


um escudo com o carbúnculo dos Meneses, com as flores-de-lis assumindo o

Figura 14 – Por-
menor do mesmo
túmulo, vendo-se
na bainha da espa-
da um escudo com
quatro palas. Fo-
tografia de Tiago
de Sousa Mendes,
2016.

papel de “memórias heráldicas” na expressão consagrada pelo Marquês de


Abrantes. Ora, à data do primeiro documento, D. João Afonso ainda não era o
“representante” ou “chefe” dos Soverosas, já que Martim Eanes ainda vivia
(morreria em Agosto de 1295) e estava até casado com D. Vataça e por isso haveria
ainda a possibilidade (mesmo que remota) de descendência legítima. A morte de
Martim Eanes “Tio” e a suposta representação dos Soverosas por parte de D. João
Afonso não implicou qualquer alteração nos seus sinais. Tendo por sinais o
carbúnculo dos Meneses, é incompreensível que se fizesse sepultar com as armas
plenas da família materna, sem sequer uma diferença alusiva à sua varonia ilustre.
Não se pode, por conseguinte, dizer que o Conde se fazia representar heral-
dicamente com o escudo das flores-de-lis da linhagem materna. Os seus netos
Albuquerques e Meneses senhores de Cantanhede (ver Fig. 12) usaram as flores
dos Soverosas mas, como fica claro, esta a adoção destes sinais não se pode retro-
projetar para o Conde D. João Afonso. É bastante provável que tenha sido a sua
filha Teresa Martins, herdeira do senhorio de Albuquerque bem como dos bens
de avoenga que foram de D. Gil Vasques [de Soverosa] (Sousa 1965), a assumir as
flores-de-lis já depois de viúva 44. Podemos aventurar que o “Albuquerque Antigo”
do Livro do Armeiro-Mor corresponda às armas do seu filho D. João Afonso, o

44
A forma do escudo que fecha de abóbada da capela dos fundadores Vila do Conde não parece
ser de inícios do século XIV. Poderá dever-se à restauração da capela em 1514, data dos novos
jacentes, ou de inícios do século XVII quando houve novas obras.

53
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

do Ataúde e que os descendentes deste, todos ilegítimos, as conservaram embora


com diferenças. É ainda de referir que as memórias heráldicas permitem repre-
sentar várias linhagens no mesmo selo mas deixando-as em plano subalterno face
às armas figuradas no escudo. Como tal, da presença de flores-de-lis no selo a
desempenhar o papel de memórias heráldicas não se deduz que estas peças fossem
gravadas no túmulo; pelo contrário.
O segundo argumento contra a identificação do jazente com o Conde D.
João Afonso brota da iconografia dos dois túmulos. Embora nenhum esteja
datado, eles obedecem a modelos semelhantes e, portanto, é legítimo compará-
-los. Os dois moimentos diferem desde logo no tamanho: o túmulo da nave Norte,
o atribuído ao conde, é menor em todas as dimensões (comprimento, altura e

Figura 15 – Túmulo atribuído a Martim Vasques de Soverosa (+1286), vendo-se uma de duas fi-
guras com cavaleiros. Fotografia de Tiago de Sousa Mendes, 2016.

largura). Esta superioridade no tamanho do túmulo do escudo palado é acompa-


nhada de sinais de inequívoca superioridade no estatuto. Ora, à data da sua morte
João Afonso de Albuquerque era o único conde no reino, estava casado com uma
bastarda do rei de Castela, e tinha um filha casada com o alferes-mor de D. Dinis
e outra prometida a um filho natural do mesmo rei. O seu estatuto era superior

54
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

ao de qualquer outro nobre do reino. Ora, a comparação dos dois túmulos sugere
precisamente o contrário. O jacente do túmulo da nave Sul, de forte compleição,
repousa numa postura hierática e solene com a espada firmemente segura. O
pomo da espada e o fim da bainha ostentam escudos com as palas da linhagem.
O cavaleiro esculpido na face esquerda exibe um escudo palado no pendão e na
própria gualdrapa. As próprias vestes, mais cuidadas, e com um manto destacam-
-se das vestes atribuídas ao Conde de Barcelos, comprometedoramente confun-
didas com “a cogula d’uma Freira Beneditina” por Frei António da Assunção
Meireles. O Lima ou Ribeiro, sobretudo, exibe uma venerável barba, enquanto
que o jazente do primeiro túmulo apresenta o rosto pelado e a sua posição é
menos solene, quase casual ou até displicente. Seguindo as reflexões de Carla
Varela Fernandes, não estamos perante a imagem da “boa morte”, preparada no
decurso de uma longa existência mas sim da imagem de uma vida bruscamente
interrompida 45. Não é crível que o mais destacado membro da Corte de D. Dinis
se fizesse representar dessa forma.

II

Como a Parte I deixou claro, a heráldica oferece um ponto de partida


sólido: a arca tumular do lado da epístola foi ocupada por um varão de uma das
principais famílias patronais, os Soverosa. O monumento e o seu estilo excluem a
possibilidade de se tratar de D. Gil Vasques de Soverosa I (fl. 1207-40) que, como
afirma o Livro de Linhagens do Conde, foi enterrado em Pombeiro. A datação
sugerida por Mário Jorge Barroca bem como outros elementos 46 aproximam o
jacente da geração dos seus netos ou, quando muito, dos seus filhos mais novos.

45
FERNANDES, Carla Varela, Op. cit., p. 311.
46
Os argumentos estilísticos são difíceis de manejar, devido à escassez de materiais comparáveis
bem datados. Em todo o caso, encontram-se semelhanças nas vestes e na forma com o túmulo
de Rodrigo Sanches que, de acordo com o aturado estudo de Mário Barroca, data forçosamente
da década de 1260. Com o túmulo de Grijó os de Pombeiro partilham o formato trapezoidal
que é também o da arca tumular da rainha D. Mafalda (+1256), que se encontra hoje na igreja
do convento de Arouca. Os equipamentos militares figurados, designadamente as gualdrapas,
os pendões e os elmos estariam perfeitamente à vontade nas mesnadas das iluminuras que
acompanham o manuscrito do Escorial das Cantigas de Santa Maria (cantigas 63 e 181). Estas
iluminuras são datáveis de 1284. Nestes túmulos é também visível a ausência de motivos
ornamentais, como acontece com túmulos de meados do século XIV, os de D. Gonçalo Pereira,
de Balsemão, de João Gordo, de Fernão Sanches, além da total ausência de motivos religiosos.

55
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

A documentação sobre a maior parte das linhas descendentes de Gil Vasques


é escassa 47. No último quartel do século XIII, terminus a quo do túmulo, viviam
três netos varões (Gil e Martim Vasques bem como Martim Eanes “Tio”) e um
bisneto (Martim Gil II). Quanto aos filhos, não se conhecem datas certas de morte
mas é provável que Manrique e João, dois dos filhos mais novos, tenham morrido
entre 1285 e 1289, anos em que os respetivos patrimónios foram partilhados.
Vasco Gil documenta-se pela última vez em 1258 e em 1277 já não devia estar
vivo, uma vez que a sua mulher surge na documentação sem a sua companhia.
Martim e Fernão Gil já tinham morrido em 1258 e 1247 respetivamente
e nada se sabe de Gonçalo Gil que só está documentado em 1247. Destes sete
varões conhece-se a última morada de três. Os ossos de D. Martim Anes “Tio”
foram depostos num sepultura com jacente em S. Francisco, onde possivelmente

Figura 16 – Pormenor do túmulo atribuído a Martim Vasques de Soverosa. Fotografia de Tiago de


Sousa Mendes, 2016.

47
A genealogia, as datas e outras informações sobre esta família foram retiradas de SOTTOMAYOR-
-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-
1325), vol. 2, pp. 210-20.

56
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

jaziam os restos mortais de seu pai 48. O seu primo Gil Vasques desceu à terra no
mosteiro de Salzedas depois da sua morte na Lide de Gouveia em 1277 (Pizarro
2, 214). Deste modo, os plausíveis tumulados cingem-se a quatro: Manrique Gil,
Vasco Gil, Martim Vasques e Martim Gil II.
A nossa proposta é que o moimento foi criado para receber o corpo de
Martim Vasques de Soverosa (+1286). De entre os quatro possíveis Soverosas, só
este é compatível com a iconografia e só este tem uma relação próxima com uma
linhagem que usa o escudo palado: os Limas. Comecemos pela questão familiar:
Martim Vasques foi cunhado de D. Fernão Fernandes de Lima, casado com a
sua irmã Sancha Vasques, e como tal era tio de D. João Fernandes de Lima IV.
À partida, faria mais sentido que a arca tumular encerrasse o seu cunhado. Esta
identificação é compatível com a heráldica e com a iconografia mas é difícil de
conciliar com os dados biográficos relativos a Fernão Fernandes 49. Como tal,
corroboramos a identificação de J. A. de Sottomayor-Pizarro do cavaleiro do
escudo palado com João Fernandes de Lima IV.

48
É possível que esta sepultura se encontre hoje no Museu do Carmo numa arca que apresenta
uma estátua jacente sendo que ao redor da mesma encontram-se vários escudetes lisos,
semelhantes aos que se encontram no túmulo do bastardo régio Fernão Sanches, conservado no
mesmo museu. O facto de se tratar de escudos (atualmente) lisos impede a confirmação desta
hipótese mas, considerando a possibilidade de pinturas, também não a invalidam. Segundo
Carla Varela Fernandes este túmulo tem várias semelhanças estilísticas com o de Fernão Sanches.
FERNANDES, Carla Varela, Op. cit., p. 309.
49
No entanto, é evidente que os conhecimentos empíricos sobre estas duas famílias não são muito
seguros; em particular, é difícil concatenar o Fernão Fernandes de Lima documental com o
Fernão Fernandes de Lima genealógico. O primeiro confirma diplomas régios castelhanos entre
1295 e 1312 e, ao confirmar o instrumento do Tratado de Alcanices, apresenta-se como pai de
João Fernandes de Lima que confirmou o mesmo acordo pelo lado de Portugal. João Fernandes
frequentou a corte de D. Dinis entre 1297 e 1310 e, como referido, fez-se sepultar em Pombeiro.
Ora, este Fernão Fernandes da corte castelhana que floresceu em 1295-1312 parece pertencer a
uma geração posterior ao dos Livros de Linhagens. Sancha Vasques de Soverosa a sua mulher era
irmã de Gil Vasques que, ao morrer em 1277, tinha idade suficiente para deixar três filhos. Há,
aliás, um grande hiato de três décadas entre a morte do seu pai, Fernão Eanes de Lima, ocorrida
antes de 1266, e o seu protagonismo na corte castelhana. Com efeito, poderão haver dois
indivíduos com o nome “Fernão Fernandes de Lima”, o primeiro casado com Sancha Vasques
de Soverosa e o segundo (o filho deste casamento) casado com Maria Fernandes de Gondiães.
Outra possibilidade é entroncar o Fernão Fernandes de Lima casado com Sancha Vasques num
certo Fernão Gil da Galiza documentado entre Novembro de 1255 e Julho de 1261 na corte
afonsina por Leontina Ventura (VENTURA, Leontina, A nobreza de corte de Afonso III. Tese de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1992, vol. 2, p.
664).

57
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

Figura 17 – Pormenor do túmulo que atribuímos a Martim Vasques de Soverosa, com a figura de
um cavaleiro com um escudo liso. À partida poderia considerar-se este escudo como representan-
do as armas dos Meneses, mas no túmulo de D. João Fernandes de Lima IV encontra-se o mesmo
escudo liso no pormenor da figura de cavaleiro que apresenta o escudo dos Limas no pendão. No-
te-se que no selo do 1º Conde de Barcelos o escudo de Meneses tem um carbúnculo. Fotografia
de Tiago de Sousa Mendes, 2016.

A iconografia do jacente e da própria arca adequam-se perfeitamente à


memória que este obscuro cavaleiro deixou. O que se sabe de Martim Vasques é
o que vem mencionado no Livro Velho de Linhagens: um filho [de Vasco Gil de
Soverosa e Fruilhe Fernandes de Riba de Vizela] houve nome Martim Vasques, que
matarom em Alfaiates, e nom houve filhos (LV1O10) 50. A notícia do sacrifício deste
cavaleiro sem descendência merece confiança porque, segundo J. Mattoso e
Joseph Piel, é contemporâneo da redação do Livro Velho. Não só Martim Vasques
perdeu a vida em combate como não teve filhos, dados que se enquadram bem no
seu jacente, como as circunstâncias da sua morte o ligam ainda mais à família do
seu cunhado. Com efeito, o recontro de Alfaiates opôs dois partidos no contexto
de uma luta dinástica em Castela. Com a morte de Afonso X, a coroa de Castela

50
Este relato é aceite por Sottomayor-Pizarro. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de,
Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias, vol. 2, p. 2215.

58
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

e Leão foi disputada entre Sancho IV e o infante Afonso de Lacerda. Ora, entre
os partidários de Sancho contava-se Fernão Fernandes de Lima, cunhado do
Soverosa. Aliás, a parcialidade dos Limas dificilmente seria outra, já que Sancho
IV era casado com a infanta Maria de Molina que, sendo neta de Maria Eanes de
Lima, era prima segunda de Fernão Fernandes. 51 Desta forma, Martim Vasques
de Soverosa morreu a defender uma causa que interessava ao cunhado. 52

Figura 18 – Pormenor do cavaleiro com escu-


do liso no túmulo que atribuímos a Martim
Vasques de Soverosa. Fotografia de Soraia de
Sousa Mendes, 2016.

Neste sentido, é bastante aceitável pensar que Sancha Vasques preparou


a última morada do seu irmão que morrera combatendo ao lado do marido,
no mosteiro de que eram naturais. O paralelismo com a situação de Rodrigo
Sanches, o filho ilegítimo de Sancho I morto também solteiro na Lide de Gaia
em 1246 e enterrado pela irmã uns vinte anos depois, é evidente. O atual túmulo

51
GAIBROIS DE BALLESTEROS, Mercedes, Historia del Reinado de Sancho IV, Sevilha, s.n.,
1922-28, p. 29.
52
“estaria ao serviço dos Lara, então exilado em Portugal, contra hostes castelhanas infiéis (sic) a
Sancho IV de Castela. Assim sendo Martim Vasques estaria ao serviço dos Lara, como sucedera a
outros cavaleiros portugueses, por exemplo F. S. de Barbudo”. Sobre Alfaiates, há uma referência
no volume V da Monarquia Lusitana, V (pp. 122-3). KRUS, Luís. A concepção nobiliárquica do
espaço ibérico: geografia dos livros de linhagens medievais portugueses (1280-1380), Lisboa, F. C.
Gulbenkian, 1994, p. 68 (nota 52). Para contexto, GAIBROIS DE BALLESTEROS, Mercedes,
Op. cit., pp. 173-4.

59
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

de Rodrigo Sanches resultou de uma intervenção da sua irmã D. Constança


que, qual Antígona de Entre-Douro-e-Minho, mandou construir um impo-
nente monumento quase vinte anos depois da sua morte 53. Tal como Martim
Vasques, e ao contrário dos outros túmulos do século XIV Rodrigo Sanches não
apresenta a longa barba que sinalizava a sua condição parental. Pelo contrário, a
falta de barba denotava a sua condição de juvens, ou seja de um cavaleiro ainda
sem casa. É como juvens que a Lide de Alfaiates condenou Martim Vasques de
Soverosa a passar a outro mundo e terá sido assim que o fizeram representar 54.
É muito claro o contraste com a farta barba dos jacentes trecentistas: Fernão
Redondo, em Santarém (+1324), Fernão Gonçalves Cogominho, em S. Francisco
de Évora (+1326), Fernão Sanches, no Museu do Carmo (+c. 1329), João Gordo
na Sé do Porto (c.1333), Lopo Fernandes Pacheco, na Sé de Lisboa, (+1349),
Conde D. Pedro em S. João de Tarouca (+1354), Vasco Esteves de Gatuz em
Estremoz (+1363) e ainda outros como os de Domingos Joanes em Oliveira do
Hospital, Bartolomeu Joanes na Sé de Lisboa, Gomes Martins em Monsaraz ou
Júlio Geraldes em Vila Boa do Bispo. Se exceptuarmos os prelados, como D.
Gonçalo Pereira, somente no século XV surgiram os primeiros jacentes de leigos
sem barba, casos de letrados como o Dr. João das Regras em São Domingos de
Benfica, ou o Dr. Martim do Sem e o Dr. João do Sem, ambos hoje em São João
do Alporão em Santarém, e dos reis D. João I e D. Duarte.
Ao finalizar, interessa referir que os dois jacentes dificilmente constituem
vestígios da galilé. Foram antes retirados das capelas funerárias que eram um
outro grande ornamento do templo. Antes ainda das descrições de Faria e Sousa
ou de Frei Leão de São Tomás, temos uma curta nota na Geographia de Entre
Douro e Minho do Doutor João de Barros, obra de 1549. Falando de Pombeiro,
este autor ignora a galilé para se centrar nas capelas do templo: “jazem alli muitos
fidalgos (...) desde a era de Mil e cento para diante è o templo. He de tres naues e
de muito boas capellas (...)” 55.
Ora, a história do monumento favorece a hipótese de se tratar de arcas
tumulares expostas nas capelas do templo. Nos inícios do século XX, quando
a fotografia enfim os descobriu, os túmulos estavam no exterior, fincados

53
BARROCA, Mário Jorge, “As quatro faces de Rodrigo Sanches”, in Portvgalia, Nova Série, vol.
34, 2013, pp. 151-89.
54
A contemplação do jacente suscitou a mesma ideia no espírito de Frei António da Assunção
Meireles que entendeu que aquela figura representava um “mancebo ouzádo que na verdura dos
anos, quando ainda lhe não despontava a barba, manejava armas”. MEIRELLES, Frei António da
Assunção, Op. cit., p. 71.
55
ROSAS, Lúcia (coord.), Monografia do Mosteiro de Pombeiro, Lousada, Rota do Românico, p.
285.

60
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

aos torreões seiscentistas 56. Era precisamente aqui que os vira Fr. António da
Assunção Meireles cem anos antes: “debaixo do pórtico à entrada principal da
igreja (...) encostados à face interior de cada torre” tinham sido “mudados de
dentro da Igreja para fora dela pelo capricho não sei de que prelado” 57. Este teste-
munho aproxima estes dois túmulos das capelas funerárias fundadas na igreja. A
igreja apresenta hoje seis capelas, das quais duas são absidais. Estas, dedicadas a
S. Brás e à Nossa Senhora da Assunção, mantêm a fábrica românica bem visível,
enquanto as outras foram remodeladas nas campanhas rococó do século XVIII.
Os informes recolhidos nas Memórias Manuscritas dão a entender que a capela
de S. Brás esteve ocupada pelo Abade Martim Peres 58. Não há certeza quanto
à família deste abade mas um instrumento de 1294 alude às imagine stelle que
se viam no seu selo enquanto prior 59, o que ainda mais o afasta dos Soverosas
ou Limas. Já nas capelas abertas nas naves laterais conhecemos os moradores de
duas capelas: as ossadas de Gonçalo Gonçalves Peixoto, raçoeiro de S. Gens de
Montelongo, cónego de Guimarães e abade de Unhão, fundador do morgadio
de Pousada em 1302, aguardavam o Juízo Final na capela de Nossa Senhora da
Piedade 60, enquanto na capela de São Pedro ficava o moimento de Rui Vasques
Ribeiro. Duas das três restantes, acolhiam as capelas do Conde de Barcelos e de
D. João Fernandes de Lima com D. Marinha Afonso de Aboim. Como tal, posto
que a estrutura das naves românicas foi respeitada pelas obras setecentista 61, falta
apenas saber os moradores de uma única capela. Mais uma vez, ficamos na dúvida
se o corpo de Martim Vasques se associou à capela do seu sobrinho ou a uma
hipotética capela planeada pela sua irmã para o seu cunhado.

Conclusão

As páginas anteriores reúnem argumentos suficientes para considerar que


a arca tumular com as flores-de-lis não pertenceu ao 1º Conde de Barcelos. Estas
armas são incongruentes com os selos usados por este magnate entre 1294 e

56
Vide Imagens in VASCONCELOS, António de, A Arte Românica em Portugal, Lisboa, D.
Quixote, 1992 [1918], pp. 105-10; ERASUN CORTÉS, Ricardo, “A fundição de sinos no
mosteiro de Pombeiro”, in Oppidum, n. especial, 2008, p. 142.
57
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Op. cit., p. 71.
58
Idem, p. 71.
59
ANTT, Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães, Documentos particulares, mç. 15,
27.
60
MEIRELLES, Op. cit., p. 22 e 72.
61
ROSAS, Lúcia (coord.), Op. cit., p. 287.

61
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES

1304 e a iconografia do jacente é quase inconciliável com esta figura. A heráldica


indica que estamos perante a última morada de um Soverosa, uma das famílias
patronais do mosteiro. De entre as poucas alternativas possíveis, há uma que é
perfeitamente coerente com a iconografia: Martim Vasques, morto na Lide de
Alfaiates em 1286. A atribuição a Martim Vasques, por sua vez, sugere que o
segundo túmulo pertence a um membro da família Lima e não a Rui Vasques
Ribeiro. Com efeito, Sancha Vasques, a irmã de Martim Vasques, foi a mulher
e a mãe dos dois membros mais destacados desta linhagem: Fernão Fernandes
e João Fernandes de Lima. À partida, podemos pensar que Martim Vasques foi
sepultado com o seu cunhado por cuja causa lutou em Alfaiates. No entanto, não
há indícios de este magnate da corte castelhana se ter enterrado em Pombeiro,
ao contrário de João Fernandes de Lima IV que aqui fundou uma capela. Como
tal, a atribuição pela literatura do túmulo palado a João Fernandes de Lima IV
permanece a melhor hipótese.
Este trabalho confirma que o contributo empírico da Heráldica é válido
e, em certas questões, pode ser fundamental. De facto, apesar da elasticidade das
suas manifestações e da sua sensibilidade aos destinos concretos de cada família,
a heráldica oferecia às famílias portuguesas do século XIII uma linguagem com
regras identificáveis. Uma aplicação cega de princípios rigidamente definidos a
heráldica portuguesa coeva não era. No entanto, estamos longe de um cenário
de anarquia ou de arbitrariedade. Neste sentido, não é possível considerar que
apenas por certos símbolos heráldicos estarem presentes, sob a forma de memórias
heráldicas, num selo que estas poderiam ser assumidas em pleno num túmulo.
A secundarização de armas em memórias heráldicas, face a um escudo principal,
fazia parte da linguagem da heráldica trecentista e quatrocentista. O Conde de
Barcelos manteve o carbúnculo da linhagem paterna, enquanto a sua filha (ou
seus netos) assumiram as flores-de-lis dos velhos Soverosas, cujos bens recebem
e são confirmados pelas partilhas de 1312. Não são decisões necessárias mas são
inteligíveis 62.

62
Cumpre aqui reagir à opinião de Jorge Rodrigues que se refere à transição entre os século XIII
e XIV como uma “fase de heráldica não fixada” (RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas
funerárias e espaços religiosos associados da rota do românico, Lousada, Centro de Estudos do
Românico e do Território, 2014, p. 75). Se a heráldica não adquirira ainda a rigidez estabelecida
nos regimentos manuelinos, no século XIII o uso de sinais não deixava de ser determinado por
princípios. Os nossos trabalhos têm sugerido que a escolha dos elementos heráldicos é inteligível
considerando a herança de honras (MENDES, Tiago de Sousa; HENRIQUES, António Castro,
“Ffeguras & Sinaees I - As Armas Antigas dos Pimentéis”, pp. 225-35), o exercício de tenências
(HENRIQUES, António Castro e MENDES, Tiago de Sousa, “Ffeguras & Sinaees II - As Armas
dos Briteiros”, pp. 41-51) ou mesmo a participação na hoste do concelho (Idem, “Coerências

62
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela

Ao falar-se de Pombeiro, cumpre deixar uma nota final para a sua impor-
tância no domínio da heráldica. A importância heráldica de Pombeiro terá residido
na coexistência de várias famílias e, como tal, de várias armarias. Esta variedade
seria bem visível nas capelas encomendadas por diferentes famílias (isto deixando
de lado a espinhosa questão da galilé). Ao contrário dos panteões quatrocen-
tistas e quinhentistas, marcadamente agnáticos (Coutinhos em Salzedas, Silvas
em Tentúgal, Lemos na Trofa, Castros na Covilhã ou Almeidas em Abrantes), o
critério para a sepultura em Pombeiro é o da família patronal. Assim, as ossadas
de “muitos fidalgos” (Limas, Soverosas, Meneses, Ribeiros, Ervilhões, Peixotos,
Sousas, Briteiros...) aguardavam juntas pelo Juízo Final, desafiando os juízos, falí-
veis, dos vivos.

Documentos Manuscritos

“Instrumento pelo qual D. João Afonso, Senhor de Albuquerque reconhece que


recebeu do seu tio Martim Anes 500 libras de dinheiros portugueses em emprés-
timo e que lhe entregou em penhor os seus bens em Cerva, Atei e Sapiãos”, 1294,
ANTT, Cabido da Sé de Coimbra, 2.a Incorporação, mç. 86, n.º 3992.

“Instrumento pelo qual Afonso Peres, reitor da igreja de Santa Eulália de Palmeira,
escamba com Francisco Peres, monge de Pombeiro, uma vinha em Fonte Boa por
outra vinha”, 1294, ANTT, Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães,
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67
WHO AUTHORED THE FAMOUS ARMORIAL ÉQUESTRE
DE LA TOISON D’OR?

Torsten Hiltmann*

Abstract: the difficulties in establishing the authorship of medieval armorials have


been discussed more than once in the past. This paper focuses on an oft-cited and
particularly difficult case: the Armorial Équestre de la Toison d’or. Some unfounded
assumptions have been made on its authorship since the end of the 19th century, which
have come to dominate the literature. It is generally accepted that this manuscript
would have been made by Jean Lefevre, Toison d’or King of Arms, maybe with the
assistance of some other heralds. It is not the intention of this paper to exclude Jean
Lefevre as the potential author. Its purpose is to emphasise the necessity of both clear
evidence and a certain openness for alternatives answers. The paper demonstrates that
studied in this way, the questions of who created the Armorial Équestre de la Toison
d’or and exactly how it was made remain pertinent. It is argued that it is necessary to
keep all possibilities in mind and not too hastily opt for one solution since the answer
to these questions have a major influence not only on the way we read and interpret
this manuscript but, in the end, also on our understanding of medieval heraldry and
its place in medieval culture and society altogether.

The difficulties in establishing the authorship of medieval armorials have


been discussed more than once in the past. 1 A particularly difficult and oft-cited

* Assistant professor at Westfälische Wilhelms – Universität Münster, “Die Performanz der


Wappen“ (Dilthey Fellowship), funded by Volkswagen Foundation. I would like to thank
Marcus Meer and Jamie Becket (both University of Durham) for their help in matters of
language.

69
TorsTen HiLTmAnn

case is the Armorial Équestre de la Toison d’or, which I would like to discuss in
more detail in this essay. Some unfounded assumptions have been made on the
authorship of this well-known armorial which have come to dominate the liter-
ature. It is generally accepted in heraldic circles that this manuscript would have
been made by Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms, maybe with the assistance
of some other heralds. However, the questions of who created the manuscript and
exactly how it was made remain pertinent. The answer to these questions have an
important influence not only on the way we read and interpret this manuscript
but, in the end, also on our understanding of medieval heraldry and its place in
medieval culture and society.
The intention of this paper is not to exclude Jean Lefèvre or any other
herald as the potential author. Its purpose is to emphasise the necessity of both
clear evidence and a certain openness for alternatives answers. In this case, the
attribution of authorship has been very quickly made, solely based on plausibility.
Once the presumption is made, it becomes exclusive, leaving no space for any
other possibilities. I will not argue, that one should rule out the authorship of a
certain herald for this armorial. What I will argue is that any presumption made
on the authorship needs to be proved by evidence. Otherwise it is just a simple
presumption. And too easily, also in scientific literature, presumptions become
facts by the mere virtue of repetition. But this doesn’t make them more true.

Sometimes, as scholars, we have to come to terms with uncertainties. The


more we keep an open mind, the more likely we are to be receptive towards new
finds and discoveries that may help to resolve these old uncertainties, eventually.
So, the goal of this paper is not to provide a definitive answer, but to plead for a
more critical view on the question of authorship of medieval armorials.

1
See on this subject: HILTMANN, Torsten, “La paternité littéraire des hérauts d’armes et les
textes héraldiques. Héraut Sicile et le Blason des couleurs en armes”, in ROSA, Maria de Lurdes;
SEIXAS, Miguel Metelo de (coord.), Estudos de Heráldica Medieval, Lisboa, 2012, pp. 59-83.
For the discussion on the Armorial Equestre, see for instance: CLEMMENSEN, Steen, “Show
me a coat-of-arms: The Lyncenich armorial.”, in: Heraldica nova. Medieval Heraldry in social
and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 5. Nov. 2016 [Consult. 10. Fev. 2017],
Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/5145. On the medieval armorials as such, see
Elmar Hofman’s forthcoming PhD thesis, which he is preparing at the University of Münster,
studying medieval armorials as a historical phenomenon.

70
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

The Armorial Équestre

The Armorial Équestre, today held at the Bibliothèque de l’Arsenal at Paris,


is one of the most famous medieval armorials. 2 Besides several folios depicting
coats of arms—about 950 altogether—it also features 79 full-page representa-
tions of mounted knights in armour that are lavishly decorated with their coats
of arms. Among these knights, we find the Holy Roman Emperor, various kings
and princes and 34 knights who can be identified as those admitted to the famous
Order of the Golden Fleece in the first four years of its existence (1430-1433).
It was the latter fact that led to the widespread belief that this armorial had been
made for the founder of the order, Philip the Good, Duke of Burgundy, or for
the order itself. For this reason the name Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms,
appears time and time again. He is supposed to have compiled the armorial with
the help of heralds, even if there is no concrete evidence for that assumption.
While this sums up the current scholarly consensus concerning the Armorial
Équestre, it seems necessary to question how historians first arrived at this conclu-
sion, and whether this interpretation is, in fact, accurate.

The Attribution of Authorship by Lorédan Larchey

The attribution of the Armorial Équestre to Jean Lefèvre goes back to


the first edition of the extant manuscript (BnF, Arsenal, ms. 4790) by Lorédan
Larchey at the end of the nineteenth century. 3 In the introduction, Larchey
states that neither the name of the author is mentioned in the manuscript, nor
is there any evidence as to the author or the circumstances of its production.
Yet, inexplicably, the fact that part of this manuscript features the first knights
of the Order of the Golden Fleece is sufficient for Larchey to conclude that this
manuscript must have been closely linked to the order and, considering the
dates of these coats of arms, in particular to its founder, Philip the Good, Duke
of Burgundy. 4

2
Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55009806h [Consult. 10. Fev. 2017].
3
LARCHEY, Lorédan (ed.), Ancien armorial équestre de la Toison d’or et de l’Europe au XV e siècle,
fac-similé contenant 942 écus, 74 figures équestres, en 114 planches chromotypographiées d’après le
ms 4790 de la bibliothèque de l’Arsenal, Paris, Berger-Levrault, 1890, p. IX. Disponível também
em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k503935j [Consult. 10. Fev. 2017].
4
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., pp. IX-X.

71
TorsTen HiLTmAnn

The Comparison with the Armorial Berry

In a second step, Larchey compares this manuscript to the Armorial Berry


(Paris, BnF, fr. 4985) which was composed by Berry, King of Arms, at about
the same time and shared, according to Larchey, some of its features with the
Armorial Équestre. 5 Larchey concluded that the two armorials followed the same
method and shared the same purpose since they featured the same ensemble of
persons: a parade of European princes and kings on horseback, dressed in cere-
monial costumes and preceding their respective noble followers. To be exact,
Larchey only speaks about princes and the nobility, not about knights of any
particular chivalric order. He does not compare the content of the two manus-
cripts and therefore overlooks, for example, the fact that the Berry armorial does
not include full-page representations of foreign princes. Yet Larchey concludes:
‘L’analogie paraît trop complète pour que l’auteur du manuscrit de l’Arsenal ne
soit pas un roi d’armes de Bourgogne’. 6
For Larchey, the answer to the question of authorship is clear; since the
Armorial Berry was made by the Berry king of arms and also held full page minia-
tures, the Armorial Équestre must be authored by a Burgundian king of arms.
Once this conclusion has been drawn, Larchey is quick to narrow down the list
of possible candidates to Jean Lefèvre, seigneur de Saint-Rémy, called Toison d’or,
who was the king of arms of the Order of the Golden Fleece, and who, as Larchey
(wrongly) assumed, served the Duke of Burgundy in the office of herald Charo-
lais at the same time. 7

The Wrong Track: Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms

Lorédan Larchey explains that considering the preeminent position of


Jean Lefèvre, his relationship to the duke, and his ’double office’, he assumed

5
See, on this manuscript, HOFMAN, Elmar, “The material of the Berry armorial”, in Heraldica
nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 25. Mai.
2016 [Consult. 10. Fev. 2017], Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/4590. The
Armorial was edited by BOOS, Emmanuel de, Armorial de Gilles Le Bouvier, héraut Berry,
Paris, 1995. Disponível também em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b85285803 [Consult.
10. Fev. 2017].
6
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. IX.
7
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. IX. As a matter of fact, Jean Lefèvre de Saint-Rémy served
first, until 1431, as herald Charolais, before he became Toison d’or, King of Arms. As Toison
d’or, King of Arms, he was the principal herald at the court of the Duke of Burgundy.

72
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

Lefèvre to be the author of the armorial ‘dès le début’. 8 The further Larchey
followed down this line of thought, he admits, the more evidence he found
to corroborate this assumption. For instance that all knights of the order that
were depicted in the armorial had been appointed before Jean Lefèvre left
office.
Furthermore, Larchey observes that of the knights of the first three
promotions of the order that feature in the armorial, two are missing. While
they are depicted in an official manuscript from the seventeenth century, they
are absent in the Armorial Equestre. This would make sense as the first of the
two died before he could receive the collier of the order, while the second
was cast out of the order because he had fled the battlefield and failed to
explain this dishonourable behaviour during the next chapter of the order.
Jean Lefèvre was evidently well aware of these incidents, since he refers to
them in his chronicle. 9

The Usual Suspects—Heralds

While Larchey is willing to admit that the statutes of the Order of the
Golden Fleece concerning the offices of the order do not mention any particular
obligation for Toison d’or, King of Arms, to create an armorial, he still argues
that this would not matter since, in the Middle Ages, each and every herald had
armorials, which they eagerly shared with each other. 10
Larchey explicitly refers to a treatise on the office of Montjoie, which
mentions the oath of the King of Arms of France that obliged him to keep a
register of the nobility of the kingdoms and their coats of arms. There is, however,
a fundamental flaw in this interpretation of Montjoie’s oath, namely that it
reflects an idealised concept of the office rather than reality. 11 Similarly flawed
is Larchey’s reference to another armorial allegedly authored by a herald, and

8
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. X.
9
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. X.
10
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. XI. For a more precise assessment of the relation between
heralds and heraldry see my forthcoming article “No need for heralds. The Place of Heraldry
and Heraldic Knowledge in Medieval and Early Modern Society”.
11
On this treatise and particularly on the oath, see HILTMANN, Torsten, Spätmittelalterliche
Heroldskompendien. Referenzen adeliger Wissenskultur in Zeiten gesellschaftlichen Wandels
(Frankreich und Burgund, 15. Jahrhundert), München, 2011, pp. 262-281. Disponível também
em http://www.perspectivia.net/publikationen/phs/hiltmann_heroldskompendien [Consult.
10. Fev. 2017].

73
TorsTen HiLTmAnn

in whose title Larchey could read: Recueil des armes des roys, pairs et seigneurs de
France et autre roys et seigneurs de pluiseurs pays fait par Secille herault, mareschal
d’armes de Hainault, demeurant en la bonne ville de Mons, pris en partie dans le
Recueil de Vermandois, herault du noble roy Charles de France, faict en l’an m iiijc
vingt cinq. 12
Yet the oldest copy of this armorial dates from the seventeenth century,
and the title on its frontispiece—in the case of this copy—does not quite corres-
pond to its actual contents, since the description of the coats of arms of the
French king refers to Jean du Tillet, a historical and legal scholar of the sixteenth
century. 13 Besides, there is no other mention of a herald in this manuscript so far.
This source is therefore not a convincing argument for a herald’s innate obligation
either.
In essence, from the start Lorédan Larchey’s train of thought boils down
to heralds being ‘the usual suspects’ for the creation of armorials. Obviously, he
considered heralds to be the natural authors of armorials, since, as he seems to
be convinced, they would have been the professionals in all matters pertaining
to heraldry - an idea that can be found in almost every introduction to heraldry,
and which is still quite widespread among heraldists today. 14 Even if there was a
certain relationship between heralds and heraldry at the end of the Middle Ages,
and Lorédan Larchey certainly takes the pain to prove it by a whole string of
evidence, they were far from being the only ones interested in coats of arms and
dealing with heraldry itself. 15
Lorédan Larchey even goes further by assuming that every herald must
have had his armorial and that kings of arms were obliged to keep registers
of coats of arms of their area of office. It is true that in at least the second
half of the 15th century we see heralds instructed to compile such lists. They
were not only to include coats of arms, but most of all the names and titles of
noblemen, in order to accumulate knowledge about the nobility of the land and
its associated dignities, which, as a matter of fact, was the foremost expertise of

12
Paris, Bibliothèque nationale de France [hereafter BnF], fr. 4366, fol. 1r. Lorédan Larchey himself
cites Paris, BnF, Arsenal, 5257, fol. 370, a manuscript from the 18th century in the former
collection of Du Cange. For more examples of such doubtful attributions see HILTMANN,
Torsten, “La paternité littéraire” (ob. cit.), pp. 77-81.
13
Paris, Bibliothèque nationale de France, fr. 4366, fol. 1r: … reduitz a trois fleurs de Lys par
Charles sixiesme selon Jehan du Tillet. Disponível também em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
btv1b90595466/f3.item.r=4366 [Consult. 10. Fev. 2017].
14
See, only to cite the latest example, SCHEIBELREITER, Georg, Wappen im Mittelalter,
Darmstadt, 2014, pp. 131-152.
15
See HILTMANN, Torsten, No need for heralds (ob. cit.).

74
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

heralds. 16 But there is almost no evidence that such registers have actually ever
been executed. 17
What is more important here is that Lorédan Larchey never took into
consideration any alternative to his first assumption. Since this manuscript must
have a link to Burgundy and the Order of the Golden Fleece, as suggested by the
depictions of the knights of the order, Larchey concludes, it must have been made
by a Burgundian herald with the closest possible links to the order, namely Toison
d’or, King of Arms.
But there is no evidence whatsoever in the manuscript itself. His attribu-
tion of authorship is a mere assumption based on his idea of the office of heralds
and some observations in the face of the manuscript’s contents.

From Assumption to Facts

Concerning the question of authorship, Larchey’s argument is based on


alleged similarities between the Armorial Équestre and the Armorial Berry. But
if one takes a closer look, there are also quite remarkable differences between
the two manuscripts, for instance, the way in which the princes and nobles are
depicted, or, as mentioned earlier, the exact contents of the two armorials. Most
importantly, however, the Armorial Berry is introduced by a text written by herald
Berry himself, in which he claims authorship and explains his intentions behind
the work. Nothing like this can be found in the Armorial Equestre. There is neither

16
Montjoie King of Arms had to swear to visit the different marches of arms of the kingdom in
order to gather information about the nobility of the kingdom and make a book for each march
to register “leurs noms, et surnoms, les cris de leurs armes et leurs blasons et timbres naturelz”
(Wrocław, BU, Akc. 1994/249, p. 108) when asked by the king to do so. It was primarily
important for the heralds to know and to recognise the different knights and noblemen, as they
were the foremost experts, observers and publicists of the nobility and their noble deeds. Thus,
heraldry was often of interest to them, but only as a means to an end.
17
See for instance the Armorial Berry, which contains particular persons in particular regions, or
the Armorial de Revel, which indeed gives an overview of the noblemen and their coats of arms
in a given region. However, there is no mention that they produced their armorials, which took
a very different shape as well, on the instruction of their masters. The only official evidence is a
letter of appointment in 1487 for Gilbert Chauveau, herald Bourbon of the Duke of Bourbon,
who is appointed marshall of arms of France and instructed to collect the coats of arms of the
noblemen of France, the Dauphiné, the Provence and the other territories of the French king
into a book (Paris, BnF, Clairambault, 902, fol. 30r–32r). There is no evidence of a book of such
kind.

75
TorsTen HiLTmAnn

a reference to the author nor to its contents; all one is left with are pictures and
their accompanying labels.
The problem notwithstanding that Larchey’s attribution relied on
persuasive plausibility rather than solid evidence, by means of pure repetition
this assumption became fact. Hence, the belief that the Armorial Équestre was
authored by Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms, found its way into many
studies and has become part of accepted knowledge on the topic. 18
This belief has been further substantiated in the form of the second edition
of the armorial by Michel Pastoureau and Michel Popoff. This edition is preceded
by a larger study on the manuscript, analysing the style of its decoration, its
dating, the circumstances of its productions etc. When it comes to the question
of authorship, the editors, referring to Larchey’s argument, leave no place for any
doubt:

[P]eut-on imaginer qu’un tel recueil, représentant en grande tenue héral-


dique les chevaliers des quatre premières promotions et ne commettant
aucune erreur dans la composition des armoiries dont certaines sont pour-
tant fort complexes et d’autres, très récemment adoptées et attribuées – ait
été réalisé par un héraut ou un peintre étranger à l’ordre ? Non, bien sûr. 19

Could they imagine that such an impressive collection, representing the


first knights of the Order of the Golden Fleece in such perfect manner, had been
made by a herald or painter without connection to the order? ‘Of course not’.
Here, a lack of actual evidence is replaced by the authority of a strong conviction.
At no point is the attribution to a herald questioned. While Larchey was at least
trying to prove his hypothesis (which he was then too eager to accept as fact),
there are no such attempts in the second edition of the Armorial Equestre. Again,
anything relating to heraldry had to be the work of heralds. Since heraldry was
omnipresent at the court of Burgundy, one needed the competence and care of
the heralds. 20 And while Larchey still ruminated on the fact that there was no

18
Just to cite one example, but an influential one, see: “Certains hérauts, cependant, comme
Jean de Saint-Rémy, Toison d’or, l’auteur du fameux armorial équestre (TO), nous ont laissé
de précieux mémoires.” (GALBREATH, Donald Lindsay; JÉQUIER, Léon, Manuel du blason,
Lausanne 1977, p. 63). Here, the alleged authorship of the Armorial Équestre is even used to
introduce and to describe Jean Lefèvre, who was, by marriage, also seigneur de Saint-Rémy.
19
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), Grand armorial équestre de la Toison d’or, 2
vol., Saint-Jorioz, 2001, t. 2, p. 37.
20
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 38.

76
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

mention of the production of armorials in the oath of Toison d’or’s, Popoff and
Pastoureau conclude:

Il [Toison d’or] était chargé de veiller au respect du droit héraldique,


des règles du blason, d’établir l’armorial de l’ordre, de faire peindre les
panneaux aux armes des chevaliers lors de la tenue de chaque chapitre, de
veiller à ce que ceux de la Sainte-Chapelle de Dijon – siège de l’ordre –
soient exposés en permanence au-dessus des stalles du chœur. 21

According to the editors, Toison d’or was commissioned to oversee the use
of heraldry and the adherence to the laws of arms as well as to establish the ‘Armo-
rial of the Order’. This is presented as an established fact, despite an apparent
lack of evidence for any of these claims. In the statutes, no such heraldic duties
are defined; Toison d’or is supposed to act as the messenger of the order, and to
inform the greffier of the order about the feats of arms of its knights so that they
can put them on record. 22
In the face of the size of the armorial, Popoff and Pastoureau are further-
more led to assume that such a piece cannot have been authored by a single
person alone, which is why they conclude that Toison d’or must have had help
from a team of heralds and painters. While Toison d’or must have had some sort
of supervision of the project, the editors propose, the heralds had to gather the
information, record the blazons (which are not contained in the manuscript),
and draw the sketches. One or two painters then carried out the final work. 23
However, the authors do not provide any evidence to back this assumption, but
only speculative convictions.
Moreover, they also attempt to narrow down the date of the production of
the manuscript. Since it contains only the coats of arms of the knights admitted
to the order between 1430 and 1433, but not those who joined next, in 1440
and afterwards, it must have been done between 1433 and 1440 when the heralds
21
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 39.
22
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), Die Protokollbücher des Ordens vom Goldenen Vlies, vol. 1: Herzog
Philipp der Gute 1430–1467, Ostfildern, 2002, pp. 209, 211. See also the report made by Jean
Lefèvre in 1468 about chapters of the Order from 1431 onwards, where he mentions the names
of the participants of the different chapters and those who died in between them. Sometimes
he also adds how the new members were introduced by him, took the oath and received the
collar of the Order. But there are no mentions of any heraldic obligations of his office, see
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit. pp. 141-156. For the activities of Jean Lefèvre, Toison d’or
King of Arms, see also the recent PhD thesis by Alexandre GROSJEAN, Toison d’or et sa plume.
La «chronique» de Jean Lefèvre de Saint-Rémy (1408-1436), Turnhout, 2017.
23
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 37-38.

77
TorsTen HiLTmAnn

had time to update their notes and compile an armorial, since there were no new
knights admitted to the order. 24 As luck would have it, in 1435 the great congress
of Arras took place, which would have offered the chance to encounter and record
many noblemen and their coats of arms from abroad. The particular presence
of some Polish coats of arms in the armorial, which were already mentioned by
Larchey, may be explained this way. Finally, creating an armorial on the occasion
of an important event would not be unprecedented since there are other armo-
rials whose origins lay in similar gatherings, for example the Armorial of the Peace
of Arras 25 or the Armorial Richental for the Council of Constance. 26
Still, this explanation is only plausible to a certain extent. As a matter of
fact, Popoff and Pastoureau themselves stated earlier in their writing that many
parts of the Armorial Équestre were copies taken from other manuscripts, partially
dating to at least in the 1420s, possibly going back to the 1370s and 1380s. 27
Furthermore the Armorial Équestre does not mention the congress at Arras at
all, unlike other armorials such as the Armorial Richental, which is closely linked
to the corresponding chronicle of this event 28. But this armorial was rather the
result of ‘armchair scholarship’ than ‘field work’ during the Concile.
The same is, to some extent, true for the so called Armorial of the Peace of
Arras as well. It contains the coats of arms of the participants of the conference
at Arras, but it also includes lists of English noblemen who, in fact, could not
have participated in the congress. As Steen Clemmensen has shown, the coats of
arms given there go, for the most part, back to the end of the 14th century. More
importantly, the English part of the Armorial Équestre is a mere copy of this part
of the Armorial of the Peace of Arras. 29 Finally, concerning the Scottish section of

24
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 32.
25
CLEMMENSEN, Steen, Armorial de la Paix d’Arras. A roll of arms of the participants of the Peace
Conference at Arras 1435, Copenhagen, 2006. Disponível também em http://www.armorial.dk/
arras/Armorial_Paix-de-Arras.pdf [Consult. 10. Fev. 2017].
26
CLEMMENSEN, Steen, Arms and people in Ulrich Richental’s Chronik des Konzils zu Konstanz
1414-1418. Introduction and edition, Farum, 2011. Disponível também em http://www.
armorial.dk/german/Richental.pdf [Consult. 10. Fev. 2017].
See also the series of Blogposts on [Em linha], Heraldica nova, [Consult. 10. Fev. 2017],
Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/tag/richental.
27
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 23, 24.
28
RADDATZ, Tina, „[Project:] Die Welt zu Gast in Konstanz? Ein Vergleich der
Wappenhandschriften von Ulrich Richentals Chronik des Konstanzer Konzils“, in Heraldica
nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 26. Jan.
2015 [Consult. 10. Fev. 2017], Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/2543.
29
CLEMMENSEN, Steen, “The English in the Golden Fleece Group of Armorials”, in Coat of
Arms 3rd series, 2 (2006), pp. 11-44, pp. 11-12.

78
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

the Armorial Équestre, Colin Campbell has shown that it also includes the coats
of arms of the Earl of Avandale, a title created for James Douglas of Balvany in
1437. 30 So the quite convincingly expressed idea that this armorial should have
been made during the congress of Arras, where heralds could gather information
and do some ‘fieldwork’, does not hold.
Another fundamental assumption which has been made concerns the
initial attribution of the production of the Armorial Équestre to the Order of
the Golden Fleece. In the presentation of the Armorial in its second edition, it
is taken for granted that the origin of this armorial lays with the Order and that
the manuscript must thus have been part of the Order’s archive. This leads Popoff
and Pastoureau to ponder how the armorial had left the archives of the Order
and came to be in the possession of the Bibliothèque de l’Arsenal 31. The more
interesting question, however, is why the manuscript should have been part of the
archive of the Order of the Golden Fleece in the first place.

Questioning the Consensus

In conclusion, the current scholarly consensus has it that the Armorial


Équestre was produced under the auspices of the Order of the Golden Fleece,
and was authored by heralds, Jean Lefèvre and a team of heralds and painters
to be precise, on the occasion of the congress of Arras in the second half of year
1435 (which, as we have seen, cannot be true). If one is to look at the manuscript
itself, however, there is no proof for any of this. The entire argument is based on
assumptions: because the armorial deals with heraldry it must have been authored
by heralds, and because it features knights of the Order of the Golden Fleece
appointed between 1430 and 1433, it must originate from this order, more speci-
fically from its principal herald. None of the armorial’s editors, neither Larchey
nor Popoff and Pastoureau, ever considered alternatives.
As a matter of fact, the Armorial Équestre was not necessarily made by
heralds. As I demonstrate in a different paper, heralds were by no means the only
ones who had the necessary competence to write about heraldry or to produce a
larger collections of coats of arms (like Konrad Grünenberg, André de Rineck,
Gallus Öhem and others). 32 Similarly they were not responsible for overseeing an

30
CAMPBELL, Colin, “Scottish arms in the Armorial Equestre”, in Coat of Arms 12:86 (1971),
pp. 58-68, p. 60.
31
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, p. 20.
32
HILTMANN, Torsten, “No need for heralds” (ob. cit.).

79
TorsTen HiLTmAnn

adherence to heraldic rules, nor did they have any right to exercise authority over
heraldic expressions. Indeed, the hitherto taken-for-granted relationship between
heralds and heraldry has to be reassessed, something which eventually allows us
to acknowledge heraldry’s importance within much a broader part of medieval
society. It remains true, of course, that heralds were skilled specialists in heraldry.
Yet they had no monopoly on heraldry. This was also underlined by the results
of the conference ’Heraldic Artists and Painters’, held in Poitiers in April 2014,
which demonstrated that heralds were in fact quite absent in the production of
heraldic works of art and similar kinds of heraldic representations 33. Heraldic
painters were not just executing the instructions of heralds—they were perfectly
able to produce heraldic artwork all by themselves.
Furthermore, the manuscript is not necessarily closely linked to the Order
of the Golden Fleece either. So far, the most scholarly attention has been attracted
by the depictions of knights of the order. While they are, of course, a major and
striking feature of this armorial, this must not deter from the fact that aside
from these 34 knights (plus 13 sketches, indicating the intention to continue this
register) there are also 45 drawings executed to the same high standard which
depict dignitaries who did not belong to the Order of the Golden Fleece, namely
the emperor, the prince-electors, the 12 pairs de France, and other European kings
and princes. In addition, at least in the manuscript’s current state, it contains a
huge number of coats of arms of noblemen linked to these full-page depictions
of princes.
If the Armorial Équestre were an armorial particular to the Order of the
Golden Fleece, one has to wonder, why is most of the manuscript dedicated
to dignitaries and persons that were not part of the order? Why are representa-
tions of France (the king and the 12 pairs de France, a rather abstract representa-
tion of the kingdom of France 34) and the Empire (emperor and prince-electors)
so prominently displayed in this manuscript, as well as the shields of Austrian,
English, Scottish and even Polish nobility? It is not at all absurd to search for the
author outside the ranks of the Order. After all, the famous Armorial Grünenberg,
for instance, was made by a member of the urban elite of the city of Constance,

33
The results will be published in HILTMANN, Torsten; HABLOT, Laurent (coord.), Heraldic
Artists and Painters in the Middle Ages, Ostfildern, 2017 (forthcoming).
34
Some of the titles represented here no longer existed in the 15th century. See HILTMANN,
Torsten, “Potentialities and Limitations of Medieval Armorials as Historical Source. The
Representation of Hierarchy and Princely Rank in Late Medieval Collections of Arms in France
and Germany”, in HUTHWELKER, Thorsten; PELTZER, Jörg; WEMHÖNER, Maximilian
(coord.), Princely Rank in late Medieval Europe, Ostfildern, 2011, pp. 159-200, pp. 181-183.

80
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

and celebrated the nobility of the surrounding region even though Grünenberg
himself was not part of it. 35
If the Armorial Équestre were the official armorial of the order, one could
ask further, considering the exquisite miniatures, why was this manuscript written
on paper and not vellum?
Most importantly, however, why is there no explicit reference to the Order
of the Golden Fleece? Would one not expect to see, for example, the statutes of
the Order on such a manuscript? As a matter of fact, there are manuscripts featu-
ring the statutes and the coats of arms of the knights of the Order. One of them
was edited by Arthur Dinaux in 1842, which back then was in the possession
of a certain Laure d’Assignies. 36 It contains the statutes of the Order, a list of
the knights admitted to the Order (whether as a textual list or as an armorial is
unfortunately not mentioned in the description), a treatise on nobility by Diego
de Valera translated into French by Hugues de Salve, and an armorial of the
noblemen of Hainault, Flanders, Artois and Cambrésis. Here we have a manus-
cript containing the coats of arms of the very first knights of the Order of the
Golden Fleece as well as the statutes of the order, but also other sections which
seem to suggest that this was a collection reflecting certain personal interests.
There is another manuscript that contains some kind of armorial and the
statutes of the Order of the Golden Fleece. But this manuscript, KB 76 E 10 in
the Royal Library in The Hague, in comparison, has the appearance of an official
document 37. Written on vellum, it contains full-page portraits of all the knights
of the Order in the Order’s habit, accompanied by their respective coats of arms
in the upper right or left corner. The manuscript begins with the statutes of the

35
On the Armorial Grünenberg see CLEMMENSEN, Steen, Conrad Grünenberg’s Wappenbuch.
Introduction and edition, [Em linha], 2009, Disponível em www.armorial.dk/german/
Grunenberg.pdf, [Consult. 10. Fev. 2017]; ROLKER, Christoph, “Konrad Grünenbergs
Wappenbuch: acta et agenda”, in Zeitschrift für die Geschichte des Oberrheins 162 (2014), pp.
191–207. See as well the very complete series of Blogposts on [Em linha] Heraldica nova,
Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/tag/konrad-grunemberg [Consult. 10. Fev.
2017].
36
DINAUX, Arthur (ed.), “Les blasons et cris d’armes des chevaliers des comtés de Flandre,
Hainaut, Artois et Cambrésis vers l’an 1500”, in Archives historiques et littéraires du Nord de
la France et du Midi de la Belgique IV (1842), pp. 5-26. Unfortunately, I could not find any
information about the current whereabouts of this manuscript.
37
For a description of the manuscript see: KORTEWEG, Anne S., “Un présent offert au chapitre
de 1473: le livre des Statuts avec armorial, La Haye, KB, Hs 76 E 10”, in L’ordre de la Toison
d’or, de Philippe le Bon à Philippe le Beau (1430-1505). Idéal ou reflet d‘une société?, Bruxelles,
1996, pp. 50-55. For images of the miniatures of this manuscript see [Em linha], Disponível em
http://manuscripts.kb.nl/show/images/76+E+10 [Consult. 10. Fev. 2017].

81
TorsTen HiLTmAnn

Order, the first folio of which is lavishly decorated with a bordure featuring the
devise of the Order, while the initial letter ’P’ contains the coats of arms of the
Duke of Burgundy surrounded by the collar of the Order. The folio on the oppo-
site side is decorated with a miniature representing a chapter of the order.
This manuscript was officially presented to Charles the Bold, Duke of
Burgundy and sovereign of the Order of the Golden Fleece, at the order’s chapter
in 1473. The minute book of the order registers for the session on 4 May 1473
runs as follows:

Item, en ce chappitre presenta ledit Thoison d’or, roy d’armes, a mondit


seigneur le souverain et a messeigneurs les chevaliers de l’ordre illec presens
ung livre nouveau contenant tout au long les status et ordonnances dudit
ordre, escript en parchemin et curieusement et bien enluminé, a tout la
representacion en pointture des personnaiges et blasons des armes de feu et
tresnoble memoire monseigneur le duc Phelippe, premier fondateur, chief
et souverain, et de tous messeigneurs les chevaliers freres d’icellui ordre,
qui a ladite premiere institucion dudit ordre y furent nommez, ordonnez
et instituez, et de ceulx qui depuis y ont esté appellez, esleuz et accom-
paignez successivement jusques a present, tant vivans que deffuncts, tous
en l’habit dudit ordre. Lequel livre a esté receu bien aggreablement par
mondit seigneur et par le chappitre. 38

The minutes of the chapter record a precise description of this manuscript


and of its features (scrivened and painted on vellum, lavish decorations), and of
its contents (the statutes and portraits of all knights of the order since its founda-
tion). It seems thus convincing that the manuscript referred to is manuscript KB
76 E 10 from Den Hague.
What is more, this manuscript of the statutes and the portraits and coats of
arms of the members of the Order, in this case, was indeed presented by Toison
d’or, King of Arms, who was at that time Gilles Gobet 39. He is also represented
within the manuscript on fol. 38v, at the beginning of the sequence of portraits,
presenting this book to Charles the Bold 40. Here, we thus find a herald respon-

38
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), Die Protokollbücher des Ordens vom Goldenen Vlies, vol. 3: Das
Ordensfest 1473 in Valenciennes unter Herzog Karl dem Kühnen, Ostfildern, 2009, p. 61.
39
Before he followed Jean Lefèvre in the office of Toison d’Or, King of Arms, in 1468, he served
the duke of Burgundy first as persevant and later on as herald under the name Fusil and was a
kind of assistant to Jean Lefèvre, Toison d'Or King of Arms.
40
For an image of this manuscript see [Em linha], Disponível em http://manuscripts.kb.nl/show/
images_text/76+E+10 [Consult. 10. Fev. 2017], here fol. 38v.

82
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

sible for a register of all the members of the Order and their coats of arms, which
is officially presented to the Order’s sovereign and explicitly mentioned in the
Order’s minutes.
What is not mentioned in these minutes or other material relating to the
Order’s chapters is any other armorial. It may be tempting to assume that, in
order to compile the manuscript Giles Gobet offered to Charles the Bold, the
compiler of this manuscript used the Armorial Équestre as a source. However,
this seems unlikely in the face of the complaints Gobet’s manuscript caused. 41
When the duke and the knights examined the manuscript, they noticed that it
also contained the portraits of two knights who had been cast out of the Order,
a blunder that had to be rectified. One of the disgraced knights was Jean de
Neufchâtel, who was not represented in the Armorial Equestre.

What We Actually Know

In order to arrive at a more convincing assessment of the Armorial Equestre’s


authorship, it seems important to focus on what is actually known about it. The
manuscript itself contains no text and no explanation as to its author, when it
was made, or under what circumstances. All we are left with is the codicological
evidence and the depictions it contains.
Concerning the dating, the watermarks hint at the time the paper used for
the armorial may have been made. They may refer to Flanders and the Nether-
lands, and suggest the 1430s and 1440s as terminus post quem. 42 Other pages
containing sketches of knights that were appointed to the order between 1440
and 1446, however, may be of a more recent date. 43 Pastoureau and Popoff
propose—with a big question mark—the beginning of the sixteenth century.
Yet it is also debatable whether the manuscript as it exists today accords
with its original conception. It was apparently bound and rebound several times,
when it may also have suffered some losses. Thus, we simply do not know what
the armorial looked like when it was originally produced, and we do not even

41
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit., p. 61.
42
For the watermarks of this manuscript and its coherence, see MÉRINDOL, Christian de,
“Le Grand armorial équestre de la Toison d’Or, le Petit armorial équestre, l’armorial équestre,
l’armorial Gaignières”, in COCKSHAW, Pierre; VAN DEN BERGEN-PANTENS, Christiane
(coord.), L’ordre de la Toison d’or, de Philippe le Bon à Philippe le Beau (1430-1505): idéal ou reflet
d’une société?, Bruxelles, 1996, pp. 56-61, p. 56.
43
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 16-17.

83
TorsTen HiLTmAnn

know if it was produced as a coherent whole in the first place. 44 Apparently there
are two pages in the British Library which may originally have been part of this
manuscript 45, although this needs to be checked more carefully since this infor-
mation is based, for the moment, on an assumption made by Anthony Richard
Wagner. 46
But there seem to be more manuscripts and parts of manuscripts that were
made by the same writers and painters or at least by the same workshop. There is,
for instance, the manuscript BL Add Ms 11542 in the British Library in London,
which contains the Armorial of the Peace of Arras, already mentioned above, which
seems to have served as a source for the Armorial Équestre, executed in a very
similar style and hand. There is also the so called Petit Armorial Équestre 47, which
contains 47 mounted knights (and women), among others the Nine Worthies
and their female counterparts. Whether this manuscript was actually made by
the same workshop still needs to be ascertained. A more thorough codicological
and art historical study of the different manuscripts may give us more insight into
the relationships between the different manuscripts and their content, and thus
perhaps also into the circumstances under which the Armorial Équestre may have
been produced.
In order to find out more about the content of the manuscript and where
its information was taken from, one could examine the relations between this
manuscript and other armorials, as Steen Clemmensen is currently doing 48 or
compare it with the Armorial Gaignières (a 17th c. copy with at least similar
content) and the content of the Petit Armorial Équestre as Christian de Mérindol
has done. 49 That it actually was the result of ‘fieldwork’ during the congress at
Arras appears rather unlikely, as has been shown above.
Concerning the depictions of the knights of the Order of the Golden
Fleece in particular, one could ask how else this information might have been
gathered. Because, there were other possible models. On the one hand, there
were copies of the coats of arms of the members installed above the stalls of every

44
At least the watermarks seem to suggest so, following MÉRINDOL, Christian de, ob., cit., p.
56.
45
London, British Library, Add. 45133, fos. 175r, 177r.
46
WAGNER, Richard A., A Catalogue of English Medieval Rolls of Arms, p. 96: “Part of a French
Roll, 175, 177 (in the same hand, I think, as Toison d’or and the foreign roll in Brit. Mus. Ms.
Add. 11542)”.
47
Paris, BnF, Clairambaut 132, f. 237-283. For an illustration [Em linha], Disponível em http://
expositions.bnf.fr/arthur/grand/049.htm [Consult. 10. Fev. 2017].
48
See for instance CLEMMENSEN, Steen, ob. cit.
49
MÉRINDOL, Christian de, ob. cit.

84
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?

church were the order’s annual chapter was held. 50 On the other hand, still more
pertinent for our question, there was a permanent armorial of the Order held in
the Sainte Chapelle in Dijon as the order’s headquarter. 51 There, plates with the
coats of arms of the current members were suspended and displayed in the choir.
The first series of the coats of arms of current members of the Order was executed
in 1433 by the painter Hue de Boulogne for the chapter held at this very loca-
tion. 52 During this chapter, the members of the Order decided to also have the
coats of arms of the four members already deceased painted and, for their part,
displayed in the nave of the church 53. This armorial of the current and deceased
members of the Order at the Sainte Chapelle in Dijon was kept up to date until
1456 and it was, in this case, the responsibility of the treasurer of the Order (and
his deputy) to do so 54. So whoever wanted to have an exact template for the coats
of arms of the first members of the Order of the Golden Fleece could find it in
this chapel as well.
To conclude: for the moment, we have to admit that without any more
information we cannot say how, why and by whom the Armorial Équestre was
truly made. This means acknowledging that there is no proof as to the authorship
of this armorial. It might have been Toison d’or alone, it might have been Toison
d’or and an entire team of heralds, but it might also have been someone else enti-
rely. We should keep all those possibilities in mind and not too hastily opt for one
solution, in order to keep an open mind for a better understanding of medieval
heraldic culture and things which may yet be discovered in the field.

50
For this series of heraldic representations of the members of the Order of the Golden Fleece
see the ongoing PhD project by Marjolijn Kruip (Radboud University Nijmegen): KRUIP,
Marjolijn, “Heraldry, politics and art: The Order of the Golden Fleece”, in Heraldica nova.
Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 13. Abr. 2016
[Consul. 10. Fev. 2016], Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/4488.
51
The possibility of a link between the armorial and the chapel was already pointed out by
MÉRINDOL, Christian de, ob. cit., p. 61, who did not pursue the thought any further. The
idea, mentioned in this article, that the depictions in the armorial are directly linked to an actual
tournament can surely be dismissed, considering the representation of some of the pairs de
France, foreign kings and the recently-born Charles the Bold.
52
GRUBEN, Françoise de, Les chapitres de la Toison d’or à l’époque bourguignonne (1430-1477),
Leuven, 1997, p. 64.
53
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit., p. 46. If one compares this to the list given by MÉRINDOL,
Christian de, ob. cit., pp. 58-59, the question becomes more complicated. On the one hand, the
knights of the Order are represented in the armorial the very way one could expect them to be
seated in the choir: the latest members at the ends, i.e. at the very beginning and at the end of the
list, with the duke as the sovereign in the middle, as if the painter had gone around the choir. On
the other hand, the dead are depicted amidst the current members, in their very own places.
54
GRUBEN, Françoise de, ob. cit., p. 65.

85
THE JAPANESE MON AND THE EUROPEAN COATS OF
ARMS – A COMPARATIVE STUDY

Julia Hartmann*

Abstract: do the Japanese mon provide an equivalent to the European coats of arms?
This article seeks to discover the commonalities and differences between the two (sign)
systems. Firstly, their form, content, tincture and blazon will be compared. Secondly,
emphasis will be put on cultural and social significance and the function and use of
mon. Much like the origin of the coats of arms, the emergence of mon is similarly
difficult to trace back. Other important questions might arise: Can we apply heraldic
terms to the system of Japanese mon? Can we speak of “Japanese coats of arms” or

* Julia E. Hartmann was born in Germany in 1992. During her schooling, she completed a
six-month exchange at the Yamashiro High School in Kyōto (Japan) and chose Japanese as a
subject in high school in Germany later on. She currently studies History and English Studies at
the University of Münster (Westfälische Wilhelms-Universität Münster, Germany). In 2014/15
she studied Classics and History at the University of Durham (UK) for one academic year.
Since 2014 Hartmann has acquainted herself with the topic of the Japanese mon. So far, she has
published three articles on the subject matter on the scholarly blog Heraldica Nova, focussing
especially on the form and the origin of mon**. She is associated to the research project “Die
Performanz der Wappen” (coats of arms in practice), directed by Torsten Hiltmann at the Univer-
sity of Münster.
** HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon – The Aim to Capture the Moment of Perfection”,
Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives (blog on Hypoth-
eses.org), published: 30/09/2014, Internet: https://heraldica.hypotheses.org/1501.
“The Japanese Mon – An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (I): Form,
Content, Tincture and Blazon”, Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-histor-
ical perspectives (blog on Hypotheses.org), published: 02/02/2015, Internet: https://heraldica.
hypotheses.org/2456.

87
juLiA HArTmAnn

“Japanese heraldry”? Both systems emerged independently, i.e. without influencing


each other. Perhaps, the Japanese mon can provide an intercultural perspective on the
European coats of arms from which heraldic studies might benefit.

I. Introduction

The Japanese aim for perfection can be perceived in every aspect of their
culture, especially regarding arts: the art of creating a kimono, 1 ikebana 2 or the
mere arrangement of a zen garden 3 mirror this strive towards perfection and
aesthetics. This sophistication has also been employed for the creation of mon.
Like their counterpart, the European coats of arms, they are still ubiquitous today:
you can discover them on every temple, shrine or restaurant, even on kimono.
At first glance they do not seem to have much in common. Not only their
form is quite different since a coat of arms (mostly) appears in the shape of a
shield, the mon – on the other hand – is presented in a (mostly) circular shape.
Also the images used for the content seem very different at first sight. As one pays
closer attention to what exactly some mon display, similarities can be drawn to the
images of the coats of arms. For example, plants, animals, elements of nature like
a mountain, or stars and the moon are displayed in both systems. Naturally, the
way in which they are depicted is different, but in quite a few cases mon and coats
of arms share images. Regarding the way of depiction, the mon can probably be
best compared to the plainer and earlier coats of arms.
The kanji 4 紋 (= mon) signifies “pattern” and can be translated with “family
crest”, 5 but it is rather an umbrella term; 家紋 (kamon) means “family crest”, it
is a term which especially refers to “family”, the meaning of the first kanji (家

“The Japanese Mon – An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (II): The Emer-
gence of Mon”, Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives (blog on
Hypotheses.org), published: 21/12/2016, Internet: https://heraldica.hypotheses.org/5212.
1
The traditional Japanese garment. All the Japanese terms in this article have been placed in italics
and transcribed into roman letters. Also note that there is no distinction between singular and
plural in Japanese grammar.
2
The art of flower arranging.
3
I am thinking of the rock garden of the Ryōan-ji or the Ginkaku-ji, both famous temples in
Kyōto.
4
Kanji are Chinese characters employed in the Japanese writing system.
5
http://jisho.org/search/%E7%B4%8B (03/10/16); LANGE, Rudolf, “Japanische Wappen”,
Mittheilungen des Seminars für Orientalische Sprachen an der Königlichen Friedrich Wilhelms-
Universität zu Berlin, vol. 6,1 (1903), pp. 63-281; see pp. 66-67.

88
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

 = “house”, “home”, “family”, ). 6 When comparing mon with coats of arms,


the issue of terms such as “coat of arms” or “Wappen” and “heraldry” inevitably
arises. I have chosen to employ the Japanese term whenever referring to the mon;
of course, it is important to reflect on the terms before imposing them on a
system of a different culture and to discuss whether there is such a thing as “Japa-
nese heraldry” or “Japanese coats of arms” or “japanische Wappen” and whether
we should apply such terms to the mon.
Literature in German and English on this topic is a desideratum. The most
influential studies still are Rudolf Lange’s “Japanische Wappen” and Ströhl’s Japa-
nisches Wappenbuch (at least edited and supplemented with additions and amend-
ments and newly published in 2006), both published at the beginning of the 20th
century. 7 The newest publication is the book by Stephen Turnbull on Samurai
Heraldry, in the fifth edition from 2009. Unfortunately, this one comes without
any annotations and no bibliography. 8 This is quite frustrating and it is evident
that this field of study is in dire need of further research.
The aim of this paper is to compare both mon and coats of arms and try
to identify their similarities and differences. Do the Japanese mon provide an
equivalent to the European coats of arms? Until the 16th century, when Euro-
peans first entered the island, there has been no European influence on the emer-
gence of mon. Thus, the Japanese system of mon has developed independently
of (or from) the coats of arms, but nevertheless simultaneously. 9 This makes the
possible commonalities they might share even more important and significant to
the genesis of such sign systems in general, possibly also providing an intercul-
tural perspective for a better understanding of the European coats of arms. For
this, rules of mon and their significance and function for Japanese society will be
examined.

6
http://jisho.org/word/%E5%AE%B6%E7%B4%8B (03/10/16); LANGE, “Japanische Wappen”,
p. 67.
7
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 63-281 and STRÖHL, Hugo G., Japanisches Wappenbuch.
Nihon Monchō, Wien, Verlag Anton Schroll & Co., 1906, re-edited and commented by
Wolfgang Ettig (Monographien zur Kunst- und Kulturgeschichte Japans, vol. 4), Treisberg,
Tengu-Publishing, 2006. There are some publications in French as well: see e.g. BOULY DE
LESDAIN, Louis, “Les armoiries japonaises”, Annuaire du Conseil Héraldique de France, 1905,
pp. 225-235 (re-edited in Études héraldiques, Paris, Le Léopard d’Or, 1978, vol. I, pp. 87-97);
LE JUGE DE SEGRAIS, René, “Nihon no moncho ou le blason japonais”, Emblèmes, Totems,
Blasons, Paris, Musée Guimet, 1964, pp. 145-154 and more recently MARILLIER, Bernard,
Mon – héraldique japonaise, Puiseaux, Pardès, 2000.
8
TURNBULL, Stephen, Samurai Heraldry, Oxford, Osprey Publishing, 2009.
9
According to LANGE, “Japanische Wappen”, p. 63, the system arose without any influence of
China.

89
juLiA HArTmAnn

II. Form, Content, Tincture and Blazon of the Mon 10

The Japanese mon is a plain pattern, consisting of one to two or some-


times more figures. 11 However, this plainness, the special composition of the
components, the dedication for detail and the delicate realization contribute to
its sophistication and precious design. In comparison to the coats of arms, one
can see that mon are less prestigious. Contrasting the coats of arms which became
more complex, marshalled and lavish with time, the mon became plainer and
the use of many complex compositions declined. Even so, mon never display too
many different images at the same time. Thus, the most similarities can be found
in the earliest, less decorated and marshalled coats of arms. 12 Simultaneously, „[a]
s in Europe, the relatively few early designs expanded into a large number of diffe-
rent devices“. 13 Although the mon is rather plain and simple at first glance, the
various possibilities of combinations (by pairing different figures or employing
a fusion of different elements) make it complex. Its special structure and the
tendency to symmetry and strive for perfection make it unique and, for us, even
exotic, but also pleasing to the eye. 14
The mon is mostly displayed in a circular shape, not on a shield like its
European counterpart. It can either be depicted within a framing ring (thick or
thin), or stand on its own i.e. the image alone, for example a crane (tsuru, see
figures 1-2); 15 shapes and frames like squares, hexagons and octagons can also
appear, but their occurrence is rather rare. Unlike the coat of arms, the mon
stands on its own, meaning without any helmet, coronet or crest. 16
There is a vast amount of images and figures that has been utilized as
components for the creation of mon. Whereas in heraldry we distinguish between
“ordinaries” and “charges”, this differentiation of image types can be applied to

10
This chapter is based on a previous article of mine: HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon
– An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (I): Form, Content, Tincture and
Blazon”.
11
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74.
12
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 75.
13
SPIEGEL, Paul M., “Japanese Heraldry. A Study of Mon”, Coat of Arms, vol. 9 (1966-1967),
pp. 128-138, 166-176, 204-208; see p. 131.
14
Cf. STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 33–42.
15
Taken from MORIMOTO, Yūya, Nihon no kamon daijiten, Tokyo, Nihon jitsugyō shuppansha,
2014. The crane itself can form a circular shape.
16
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74-75; SCHEIBELREITER, Georg, Heraldik, Wien –
München, Oldenbourg, 2006, p. 32. There is, however, a device which reminds me of the
European crest: the matoi. For further information cf. the chapter on “Cultural and Social
Significance & Functions and Usage”.

90
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

the mon to some extent as well, since they depict both geometrical figures and
images of plants, animals, elements of nature and objects. 17 Even though these
images appear different in style at first sight, when we have a closer look at

Figure 1: Crane (Taken from Figure 2: Triple crane (Taken from


MORIMOTO, p. 144) MORIMOTO, p. 145)

the mon we can see that many of them are depicted with same or (rather) similar
figures as coats of arms. Immediately, one can recognise another common feature:
much like their European counterpart, the images of the mon are not depicted in
a natural but a stylized way, more precisely in a typical Japanese way which can
still be observed in Japanese arts today. 18
The charges can be subdivided into four main thematic categories. The
plants constitute the first and most common category of charges. The chrysan-
themum (kiku, see figure 3) might be the most famous mon since it is the impe-
rial mon, but there are many other different flowers, blossoms and plants of which
I will list the most important ones: the popular cherry blossom (sakura, figure 4),
the plum blossom (ume, see figures 23 a-d), 19 the paulownia (kiri, figure 5), the

17
BOUDREAU, Claire, L’Héritage symbolique des hérauts d’armes. Dictionnaire encyclopédique de
l’enseignement du blason ancien (XIVe – XVIe siècles) (préface de Michel Pastoureau), Paris, Le
Léopard d’Or, 2006; BRAULT, Gerard J., Early Blazon, Woodbridge, The Boydell Press, 1972;
cf. STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 33-42.
18
See also LANGE, “Japanische Wappen”, p. 75.
19
Cf. chapter “Legends: The Example of Sugawara no Michizane”.

91
juLiA HArTmAnn

hollyhock (aoi, figure 6) and leaves of maple (momiji, figure 7), ivy (tsuta), and
bamboo (take), but also trees or branches of them (e.g. cedar, pine: figure 8). 20

Figure 3: Chrysanthemum (imperial mon) Figure 4: Cherry blossom (Taken from


(Taken from MORIMOTO, p. 66) MORIMOTO, p. 80)

Animals, the second category, are not as frequently used as in European


heraldry. Yet birds can be found quite frequently; the crane, for example, is a very
important charge on the mon. 21 So are other birds like wild geese (kari, figure
9) or sparrows (suzume). 22 Besides birds, animals like turtles (kame, figure 10),
butterflies (chō, figure 11), horses (uma, figure 12), rabbits (usagi, figure 13) etc.
are depicted as well. Lions do exist but since they are Chinese lions their appear-
ance differs greatly from the European depictions of lions. Another possibility is,
as in Europe, the application of parts of animals: feathers (e.g. of a falcon, taka no
ha: figure 14), dragon scales (ryō no uroko), antlers etc. can be found. 23 Mythical
creatures exist as well, e.g. the dragon (tatsu, figure 15) and the phoenix (hō). 24
Humans, however, are not displayed on mon, nor are their body parts. 25

20
See these figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 73-128; see also pp. 36-37; LANGE,
“Japanische Wappen”, pp. 122-124.
21
Maybe a differentiation into mammals might be worth considering.
22
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, see figures on pp. 60-66.
23
Cf. figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 36-37, 59-66, 69; LANGE, “Japanische
Wappen”, pp. 120-121.
24
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 119-120; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 23, 33.
25
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76.

92
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

The third big category comprises elements of nature. Waves (nami, figure
16) are frequently depicted, so are mountains (yama). Another similarity to the

Figure 5: Paulownia (imperial mon) (Taken Figure 6: Hollyhock (Taken from


from MORIMOTO, p. 71) MORIMOTO, p. 41)

coats of arms are celestial bodies like stars (hoshi, figure 17), the moon (getsu,
figure 17) and the sun (hi), or even lightning (inazuma) or a variation of them
like the crescent (hangetsu), which for that matter looks like its European coun-
terpart. Stars on the other hand are not serrated but depicted as circles. 26
Objects, the last category, can be further divided into subgroups: arma-
ment, tools, elements of architecture and other objects. The category of armament
can also be found in European charges, though once again the style of depic-
tion is quite different due to cultural developments. The images mostly consist of
arrows (ya, figure 18), helmets (kabuto, figure 19), etc. Tools, another similarity to
the European charges, include hammers (tsuchi), axes (ono) and so on. The most
prominent element of architecture is the torii (“gate”, figure 20). 27 Other objects
range from drums to fans (ōgi, figure 21) or clothing, like hats. Another common
image are kanji which can either signify a specific word or a number. 28 There can
be found some similarities between the European “ordinaries” and the geomet-
rical figures depicted on the mon too. 29 They range from squares to circles, rings
26
Cf. the figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 139-153; LANGE, “Japanische
Wappen”, pp. 124-125.
27
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p. 164.
28
See STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, figures on pp. 174-180.
29
However, without marshalling; see STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, figures on pp. 181-193.

93
juLiA HArTmAnn

and bars (see e.g. figure 22). Initially, the circle around the content was not as
common. This convention rather developed with time. 30
Whereas in Europe colours are used to distinguish between different coats
of arms, tincture is not particularly important for the Japanese mon. 31 Mon are

Figure 7: Maple (Taken from Figure 8: Pine (Taken from MORIMOTO,


MORIMOTO, p. 118) p. 113)

mostly depicted in one light colour upon a dark background or vice versa. 32
There are, however, interesting ways of how to achieve a variety of mon without
using different colours. The first one is, as already established, the combination of
two or more elements, which offers a vast amount of combinations (see figures 23
a-d for the various depictions of the plum blossom). Marshalling and cadency, as
they appear in European heraldry for distinction, do not exist. 33 However, a
distinction is created by a very unique fusion of elements (see figure 24), 34 which
30
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 77, 83.
31
Interestingly, there is some regional variation: Lange (“Japanische Wappen”, p. 71) writes of very
colourful mon (consisting of five colours), a phenomenon which is said to have existed already
in the first half of the 15th century. However, this was not a widespread practice.
32
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 72.
33
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76; Spiegel (“Japanese Heraldry”, p. 167) is right in his
conclusion that, “[a]s the mon represented the whole family, there was not the problem of
developing distinguishing marks for each member of the family”. However, “distinguishing
marks” were necessary for differentiating between different branches of one family.
34
STRÖHL, Hugo G., “Imitationsfiguren der japanischen Heraldik”, Mitteilungen des Seminars
für Orientalische Sprache an der Königlichen Friedrich-Wilhelms-Universität zu Berlin, vol. 13
(1910), pp. 1-17; p. 3.

94
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

Ströhl calls “imitation figure” or “Imitationsfigur”. 35 One element is used to


compose a different one. An interesting example of creating an animal through a
plant is the “hollyhock crane” (aoitsuru, figure 24,1). In this case the crane is
created out of the hollyhock. This is very unique and cannot be found with its

Figure 9: Wild goose (Taken from Figure 10: Turtle (Taken from
MORIMOTO, p. 135) MORIMOTO, p. 134)

European counterpart. Furthermore, it offers even more possible new combina-


tions and there seem to be no limits of differentiation.
Compared to European heraldry there is no heraldic terminology for
blazoning.  Mon  are described with everyday Japanese which can lead to inac-
curacy: the “blazon” can stand for more than one mon and vice versa. Thus, you
always have to look at the mon itself in order to understand the blazon correctly. 36

III. The Different Kinds of Mon

There are various kinds of mon with different terms but I will try to
confine myself to the most important ones. 37 Besides the mon and the kamon
(“family crest”), there can be found a so-called kaemon (替え紋), an “informal

35
Cf. STRÖHL, “Imitationsfiguren der japanischen Heraldik”, pp. 1-17.
36
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 64 and 130.
37
For further kinds of mon see LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 69-71.

95
juLiA HArTmAnn

family crest” or more precisely an “auxiliary crest”. 38 A mon was rather that of
a family, not the individual. Spiegel gives a plausible reason for this: “In Japan,
the primary social unit was the family, not the individual”. 39 Like the European
coats of arms, mon were hereditary and passed on from generation to generation
within a family. 40 However, unlike in some of the European countries, in Japan
there were no methodical alterations made for the different members of a family,
no cadencies. Alterations of a given mon are only known for family branches, not
their individual members: a branch of a main family would either use the same
mon as the main family or a slightly modified version of it. 41
Families with different names could bear the same mon. This was either
due to a change of names (but sharing the same ancestor), or a bestowal of mon

Figure 11: Butterfly (Taken from Figure 12: Horse (Taken from
MORIMOTO, p. 142) MORIMOTO, p. 131)

(e.g. through a feudal lord). Furthermore, a family could take on a new mon in
order to avoid confusion with another family’s mon or in celebration of a special

38
For the translation see http://jisho.org/search/%E3%81%8B%E3%81%88%E3%82%82%
E3%82%93 (03/10/16). Lange (“Japanische Wappen”) calls it “Wechselwappen”, p. 69.
39
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 167.
40
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74.
41
On this issue cf. MENÉNDEZ PIDAL, Faustino, Los emblemas heráldicos, Sevilla, Real
Maestranza de Caballería, 2014; see also SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 136, 167, 204–205
and LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 67-68.

96
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

occasion. This was, however, a rather seldom phenomenon because families were
afraid a change of mon could bring misfortune upon them. 42
Families could bear one or even several kaemon (“auxiliary crests”). These
could either be a variation of the initial kamon (“family crest”) or a completely

Figure 13: Rabbit (Taken from Figure 14: Falcon feathers (Taken from
MORIMOTO, p. 131) MORIMOTO, p. 139)

new mon. Another possibility for a kaemon was the kamon of the wife’s family that
she brought into the new family once she married. This might seem to be a very
confusing system, but these kaemon were used for informal occasions (like the
translation already suggests). Furthermore, they were very convenient for travel-
ling incognito. 43 One more kind of mon worth mentioning might be mon which
did not refer to a specific family but could be used by anyone. People who could
not afford a traditional garment for a special purpose (e.g. funeral) could borrow
the appropriate haori (mantle). These “everyone’s mon” were displayed on such
garments. 44
In contrast to Europe, in Japan (at least during medieval times) there were
no regional or city coats of arms. The Japanese national flag, a red sun (displayed
as a circle; hi no maru) on a white background, only emerged with Western influ-
ence in the 19th century. However, the symbol has existed much longer. 45
42
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 68 and 85.
43
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 69.
44
See further in LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 70-71.
45
The flag was adopted in 1870, the symbol can be traced back to the 12th century. See SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, pp. 132 and 205; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74, 108 and 111.

97
juLiA HArTmAnn

Mon that are affixed to a Buddhist temple (o.tera) or a Shintō shrine (jinja)
are associated with their respective gods that are worshipped, not the buildings
themselves. They are called shinmon (神紋), translated into English as “shrine

Figure 15: Dragon (Taken from Figure 16: Wave (Taken from
MORIMOTO, p. 148) MORIMOTO, p. 29)

crest” or “shrine emblem”; the first kanji means “god” (a better translation might
be the German “Gotteswappen”, i.e. “a god’s mon”). 46 These mon were assigned
to the gods by the people, maybe comparable to the shield of the Trinity (scutum
fidei). 47
Yet another point of comparison is worth mentioning: the canting arms.
The infamous and powerful family Fujiwara bore a fuji, the “wisteria” or “wisteria
sinensis”, as their mon. Another example is the mon of the family Torii. Torii
means “gate” (or rather the traditional Japanese Shintō gate; see figure 20), which
in turn was the content of their mon. 48 Moreover, there was also the possibility to
display kanji on a mon in order to refer to the family name. 49

46
http://jisho.org/search/%E7%A5%9E%E7%B4%8B (03/10/16).
47
DENNYS, Rodney, The Heraldic Imagination, London, Barrie & Jenkins, 1975, pp. 89-112;
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 132; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74 and 99.
48
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 20-21; LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76.
49
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 76-78.

98
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

IV. The Bestowal of Mon

How could one acquire a mon for the family? The process of bestowing a
mon is also similar to the one in Europe: the emperor or a shōgun or daimyō
(feudal lord) could award their loyal subjects for special merits. 50 A feudal lord
could either confer his own mon or create an entirely new one for this purpose.
The unauthorized bearing of a feudal lord’s or shōgun’s mon could be punished by
death. 51 Another possibility to acquire a new mon was a marriage alliance. In
addition, the victor of a battle could take the mon of his defeated enemy. 52 Family
branches could take the main family’s mon, modify it and thus gain their own
mon. The yet simplest solution was creating one’s own mon. Most ancestors chose
this way and left them for future generations of the family. There are quite a few
legends on how and for what reason a family acquired their mon. 53

Figure 17: Moon and star (Taken from Figure 18: Arrows (Taken from
MORIMOTO, p. 27) MORIMOTO, p. 207)

50
HABLOT, Laurent, Affinités héraldiques. Concessions, augmentations et partages d’armoiries en
Europe au Moyen Age. Thèse d’habilitation inédite, École pratique des hautes études, Paris, 2015.
51
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 90 and 107, see also the chapter on „Rules, Laws and
‘Heralds’”.
52
It is questionable whether this was a way to acquire a mon or only an ideal conception; SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, p. 131.
53
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 70, 83, 87, 89-90; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 136.

99
juLiA HArTmAnn

Reasons for choosing a certain mon could either be religious or symbolic.


Animals like the crane (tsuru, figures 1-2) or the turtle (kame, figure 10) and trees
like the pine tree (matsu, figure 8) stand for longevity. 54 Certain plants that are
connected to the deity of a temple or shrine were chosen specifically for their
symbolic meaning to create the mon. Moreover, it was possible to choose a mon
for commemoration, e.g. a victorious battle by displaying an arrow (ya, figure
18). 55 Such stories and reasons were especially fruitful for the creation of legends.

V. Legends: The Example of Sugawara no Michizane

Since this has all been rather theoretical and descriptive so far, the afore-
mentioned aspects shall be demonstrated by an example of a shinmon (a god’s

Figure 19: Helmet (Taken from Figure 20: Gate (Taken from
MORIMOTO, p. 167) MORIMOTO, p. 225)

mon) to illustrate a specific mon and its attribution to a god and also in order to
present to you the topic of legends of mon.
The Kitano Tenmangū (北野天満宮; see figures 25 a-d) in Kyōto is a very
old shrine famous for the worship of the deified Sugawara no Michizane (in 986

54
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 170.
55
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 170.

100
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

as Tenjin). Although this is not the only shrine where Tenjin is revered, 56 this one
leaves a special impression. It is especially impressive during the plum blossom
season (February – March), which is a few weeks earlier than the famous sakura

Figure 21: Fan (Taken from MORIMOTO, Figure 22: Two bars in a circle (Taken from
p. 158) MORIMOTO, p. 253)

(cherry blossom, March – April) season. During these few weeks, the shrine is
crowded with Japanese people visiting, commemorating Michizane and admiring
the hundreds of plum trees with their delicate blossoms. This is an important
annual event for them.
Sugawara no Michizane (菅原道真; 845–903; see figure 26 57) is not only
of interest to Japanese scholars because he was posthumously deified as the god
(kami) Tenjin – the historical figure is equally intriguing. The list of professions
is long: “Michizane was a poet, scholar, teacher, diplomat, provincial governor,
and minister of state”. 58
Due to rivalling nobles (members of the powerful Fujiwara family) he lost
his high-rank position as a minister at court, being accused of treason and was
punished with exile at Kyūshū (Dazaifu). His enemies at that time thought the

56
BORGEN, Robert, Sugawara no Michizane and the Early Heian Court, Honolulu, University of
Hawaii Press, 1994, p. 2; together with the Dazaifu Tenmangū (Kyūshū), these two are the most
renowned.
57
Taken from “Sugawara Michizane”.  Encyclopædia Britannica. Encyclopædia Britannica Online.
Encyclopædia Britannica Inc., 2016. Web. 06 Nov. 2016, Internet: https://www.britannica.
com/biography/Sugawara-Michizane.
58
BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 2.

101
juLiA HArTmAnn

catastrophes (death, drought, etc.) that occurred at the capital a few years later
after his death, were caused by Michizane’s ghost as an act of revenge. In order to

a b

c d

Figure 23 a-d: Various depictions of the plum blossom (Taken from MORIMOTO, pp. 48-51)

102
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

conciliate with his revenge ghost, Michizane was pardoned and raised in rank.
Later on, he was even deified and worshipped as a god, the patron of learning and
literature. 59 In 947, the shrine Kitano Tenmangū was dedicated to him. 60

Figure 24: Ströhl’s “Imitationsfiguren”: The Example of the crane (Taken from STRÖHL
1910, p. 3)
59
BORGEN, Sugawara no Michizane, pp. 2-3, 8, 17, 308; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p.
21.
60
BORGEN, Sugawara no Michizane, pp. 308-309.

103
juLiA HArTmAnn

Michizane loved the plum blossom and in the years in exile he wrote his famous
poem:

Figure 25 a-d: Kitano Tenmangū, Kyōto (my own photos)

104
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

“When the east wind blows,


Let it send your fragrance,
Oh plum blossoms.

105
juLiA HArTmAnn

Although your master is gone,


Do not forget the spring.” 61

According to one of the legends that arose with time, the plum tree from
Michizane’s garden (figure 27) flew to him, following him into exile as a response
to this poem. A descendant plum tree of the one in the story supposedly still
exists today at the Dazaifu Tenmangū, one of the shrines where Tenjin is revered. 62
Because of Michizane’s love of the plain
plum blossom, the mon umebachi (ume means
“plum”, bachi signifies “pot”; see figure 28) was
posthumously attributed to him. It is a further
geometrical stylization of the already stylized
ume. It is, however, highly unlikely that he bore
this mon as kamon during his lifetime and there
is no evidence which could support this. 63 The
image of the ume blossom was presumably used
as a pattern in the early Nara period (8th century)
and it is assumed that Michizane used this pattern
on objects of his possession. 64 As a shinmon for
Tenjin, however, the umebachi can be dated back
to the Kamakura period (1185–1333). During
this period, nobles and warriors took this mon
Figure 26: Sugawara no for remembrance and reverence and possibly
Michizane the Sugawara family employed this mon as their
kamon and the ume as such with its different vari-
eties was increasingly used. 65 During the late Muromachi period (1333–1573)
Tenjin’s name appears on the flag of a daimyō, as one of the gods of the religious
invocation presented on the flag, displayed together with the daimyō’s mon. 66
When paying closer attention, the mon referring to Michizane can be
discovered many times at the Kitano Tenmangū shrine. It is displayed on the

61
Quote taken from BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 290.
62
BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 291.
63
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 79; ŌKUMA, Miyoshi, Nihon no kamon jiten. Yurai to
kaisetsu, Tokyo, Kinensha, 2015, p. 99; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p. 21, note 5; p. 53,
and on p. 154 see fig. 285. According to Lange, this mon is seen as one of the first mon but he
recognizes that this is highly unlikely, due to the aforementioned aspects.
64
ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 99.
65
ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 99.
66
TURNBULL, Samurai Heraldry, p. 18.

106
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

lanterns (figures 25 a and c, left lantern), the roofs (figure 25 d, affixed to the roof
in gold), and even curtains (figure 25 b, on the curtains attached to the gate).

VI. Cultural and Social Significance & Functions and Usage

Significance, function and use of mon are similar to that of the European
coats of arms. Both serve as a symbol of identification as well as a possessive
symbol and as a means for distinction, more precisely to distinguish oneself from

Figure 27: Sugawara no Michizane and his plum tree (Taken from BORGEN, pp. 292-293)

another family. Additionally, a mon can be a symbol of power. However, in Japan


there is a huge difference regarding individuals: family was (and still is) more
important than the individual. In some European countries (e.g. England, France
etc.), on the one hand, family and belonging were important but, on the other
hand, the individual was equally recognised by cadency, using different heraldic
marks such as a label, a martlet or a crescent to create an individual arms for every
family member (or member of a dynasty; even the women). 67 In Japan, family
and ancestral worship were (and still are) of great importance. The mon hence also

67
However, this is the case for classical heraldic areas like France, England or Germany; but it
is not true for marginal areas like Italy, Spain, Portugal, Poland, where all the members of a

107
juLiA HArTmAnn

represented a symbol of belonging and descent. 68 “The mon […] could be regar-
ded as a symbol of family continuity and a connection with one’s ancestors from

Figure 28: Plain plum blossom (Taken


from MORIMOTO, p. 50)

whom one inherited the mon and of


whom it was a symbolic representation.” 69
This aspect, however, is also true for
European dynasties and their arms and
the connection to their forebears.
Function and usage of mon were
as numerous in Japan as in Europe where
they were displayed on seals, coins,
buildings (e.g. castle gates), tombs, and
many other objects of belonging. 70 Both
cultures share the function of their
symbol for military purposes, more Figure 29: Sashimono (Taken from
precisely for the purpose of identifica- SPIEGEL, p. 174)

family could use exactly the same arms, as a way to express their belonging to that family. Cf.
MENÉNDEZ PIDAL, Los emblemas heráldicos, pp. 265-335.
68
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 138.
69
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 138.
70
HILTMANN, Torsten, “L’héraldique dans l’espace domestique. Perspectives historiques sur les
armoiries et le décor héraldique dans l’espace profane (espace germanique, XIIIe-XVIe siècle)”,
Le Moyen Age (forthcoming).

108
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

tion. The mon developed, unlike the coat of arms, separately from the shield (and
its shape). 71 Whereas in Europe coats of arms were shown on amour and shield,
in Japan mon were displayed on body amour or helmet. Further items decorated
with mon were e.g. banners. These were attached to the back of the amour, thus
achieving a good visibility of the mon (see the sashimono, figure 29). 72 The 16th
century brought forth an interesting appearance of mon, comparable in shape and
appearance to the “crest” of European heraldic achievements, called matoi (figure
30). At this time mon were displayed three-dimensionally, constructed out of
gold, silver or another metal, the only difference being that it was not attached to
a helmet but a stick. This was the mon of the commandant. 73

Figure 30: Matoi (Taken from STRÖHL 2006, p. 47)

71
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 73.
72
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 166, 172; SCHEIBELREITER, Heraldik, pp. 24, 133-137.
73
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 111; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 176.

109
juLiA HArTmAnn

With the end of the Muromachi period (1333–1573) mon were increas-
ingly born on the ceremonial gowns of warriors (and eventually on their civil
clothes). The mon was attached to various fixed positions of such a gown, either
by means of dyeing or painting the silk (cloth), or by weaving the mon in or
embroidering it, respectively. Only during the Edo period (1603–1868) mon
were born by the whole population, also on clothes. 74
Apart from armour and garment, mon were displayed on numerous other
objects as well such as lanterns, carriages and other possessive items, but also
buildings, i.e. castles, temples and shrines, and in later Edo (1603–1868) times
on the warehouses and ship sails of merchants. At this time, in addition to the
purpose of indicating possession, the function of mon also became increasingly
decorative and they were spreading throughout Japan, as the coats of arms in
Europe. 75
Aside from certain cultural and customary differences regarding mon and
coats of arms, it becomes clear that the significance of the mon as a symbol and its
function as a medium for communication of all the aforementioned aspects was
equally vital to Japanese society as the coat of arms for Europe. Then again, why
are we missing an institutionalization of this system of mon?

VII. Rules, Laws and “Heralds”

Fixed rules and an institutionalization of heraldry did not exist in Japan


and neither did tournaments. 76 Thus, heralds in the sense of being specialists in
the recognition and interpretation of coats of arms did not exist either. Some
parallels can be drawn, however, between the European herald and the daimyō’s
servant. This servant travelled with his lord and was a specialist in reading mon.
This was vital because he had to be able to always tell his lord who exactly the
opposite lord was. For this purpose, these servants kept notes on families and the
most important information about them, together with drawings of their mon. 77
As shortly mentioned before, the unauthorized bearing of a lord’s mon was
punishable by death. This punishment could be extended to the whole family,
according to Rudolph Lange. 78 A few decrees and regulations can be found after
74
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 172-173 and LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 63, 72.
75
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 75; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 132-133, 175-176;
SCHEIBELREITER, Heraldik, pp. 133-137.
76
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 166-167.
77
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
78
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 90 and 107.

110
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

all, but only regarding the prohibited usage of the imperial or shōgun’s or daimyō’s
mon or another family’s mon.
First (written) laws for the usage of mon can be dated as early as the
Muromachi period (1333–1573), concerning the unauthorized bearing of
another family’s mon. In 1595 especially the mon of the imperial family (chry-
santhemum and paulownia) was prohibited. 79 The Tokugawa shōgun (during the
Edo period, 1603–1868) issued decrees to protect their mon (triple-hollyhock)
from unlawful bearing as well. 80 A violation of these decrees could lead to execu-
tions, as described by Lange for the year 1722. 81 This was also the case for the
mon of a daimyō (feudal lord). Lange gives evidence of a man who was punished
by death alongside his family (wife and child) for bearing the mon of the lord
Date Masamune (1567–1636) without permission. 82
Besides the decrees mentioned above, there was a different law passed in
1642 by the shōgun Tokugawa Iemitsu (徳川家光). He ruled that both daimyō
and samurai should use their kamon and kaemon in order to distinguish their
family from others bearing the same mon. Moreover, the mon passed down to the
next generation was not to be altered. 83 Aside from these rules, “there appears to
have been no further official regulation of the use of mon”. 84 Spiegel assumes that
there have been rules, which were not fixed, but accepted and followed by society:
“The general absence of regulatory legislation does not mean that there were no
established usages as to the bearing of mon”. 85

VIII. The emergence of Mon 86

The origin of mon is the issue of this last chapter because all other aspects
mentioned before have to be taken into account. The question of the emergence

79
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 133. It would be interesting to know whether there were
orally passed-down rules before the Muromachi period in the different regions while there were
no fixed, written laws.
80
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 133-134.
81
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 97: “Ein Rōnin Namens Yamana Sanai (山名佐内) hat
auf Kleidern das Malvenwappen aufsticken lassen und überdies verschiedene Gegenstände
betrügerischer Weise an sich gebracht. Deshalb ist er [...] mit dem Tode bestraft worden”.
82
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 90 and 107.
83
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
84
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
85
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
86
This chapter is based on a previous article of mine: HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon –
An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (II): The Emergence of Mon”.

111
juLiA HArTmAnn

of mon is similarly difficult to solve as that of the European coats of arms and one
has to rely on quite a few assumptions as to how, why and when the mon emerged.
The main problem is: we do not have reliable sources and therefore a lot of legends
have arisen. However, according to some early writers, one of the plausible and
accepted theories is the following one: the mon may have developed out of the
patterns worn on clothes (kimono) by the nobility at the court of Kyōto during
the Heian period (794–1185). 87 Another possible influence are the patterns on
lacquered palanquins (oxen carts) used by the nobles. Especially patterns

Figure 31: Section of the Heiji Monogatari Emaki, displaying the Heiji Rebellion (1160).
This is presumably the earliest finding of mon. See the mon (nine stars) on the cart. (Taken
from TURNBULL, p. 4)

displaying flowers or other plants were very popular even before the emergence of
the mon. 88 However, it is difficult to establish the moment when these patterns
“assumed a symbolic function and became hereditary”. 89 Their emergence and
87
The problem with this theory is that, according to the Japanese writers, mon were displayed only
later on the clothes, maybe even as late as the end of the 14th century. See LANGE, “Japanische
Wappen”, p. 79.
88
TURNBULL, Samurai Heraldry, pp. 6-7; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 78-79; SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, p. 129.
89
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.

112
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy

development as symbolic signs have been dated by some scholars as early as 900
AD. 90 This date, however, is based on the assumption that Michizane’s ume was
the first mon, which is highly debatable. According to Rudolf Lange the symbolic
function and the symbols’ belonging to certain families did not occur until the
11th century. 91
The social change that occurred between the Heian period (794–1185)
and the Kamakura period (1185–1333), 92 the beginning of the feudal era, also
had an impact on the emergence of mon. The development of the mon at the court
of Kyōto was “interrupted” by this change. 93 Warriors were increasingly drawn
to court; they were needed by the court nobles to assist them in their conflicts.
Their struggle for power and the development of the warrior class coincided; the
warriors were in need of a sign of identification in order to be able to distinguish
between friend and foe on the field. 94 Accordingly, the process of emergence
accelerated. 95 Warriors increasingly used individual signs to set themselves apart
from other warriors. By the end of the 13th century the warriors’ use of indi-
vidual symbols had spread and mon were born among the whole warrior class
throughout Japan. 96 These causes of emergence show that there are two streams
of origin, namely the court nobles (more decorated and adorned patterns) and
the warriors (less “artful” patterns due to the military context). However, it is still
debatable whether the symbolic and hereditary function arose with or before the
rise of the warrior class.
But when did the “family mon”, the kamon, develop? The term kamon
emerged in literary texts since the middle of the 11th century. But it is not possible
to identify when the mon obtained its meaning as kamon and was inherited by
future generations. During the Kamakura period (1185–1333), certain mon were
connected to certain warrior families – in the beginning only the most powerful
ones. 97 In the Muromachi period (1333–1573), families increasingly started to
distinguish between the mainline of a family and the different branch lines – a
cause of civil war, where relatives of one family fought each other. 98 Eventu-

90
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
91
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 78-79.
92
HAMMITZSCH, Horst (ed.), Japan-Handbuch. Land und Leute, Kultur- und Geistesleben,
Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1990, see pp. 285-288.
93
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
94
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
95
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409; ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 20.
96
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 129 and 131; HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409.
97
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
98
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.

113
juLiA HArTmAnn

ally, the military purpose started to decline and the civil use of mon increasingly
predominated. Warriors started displaying their mon on ceremonial gowns (and
eventually civil clothes). 99 First fragments of rolls of arms and evidence of mon
in literary texts have survived from this time. 100
Only since the Edo period (1603–1868), a time of peace in which the mili-
tary purpose of mon had no significance anymore, individual mon were used by
all people of society. 101 Like in Europe, there were no laws which determined who
was allowed to wear a mon. In the beginning only nobles, officials and warriors
bore them. Moreover, they too were a sign of patronage and bestowing benefits.
Thus, officials or servants wore the mon of their lords. This, however, changed
with the ending of the feudal era. 102

IX. Conclusion

The comparison of the Japanese mon and the European coats of arms has
shown that although both have their origin in different cultures, these systems
have developed similarly and almost simultaneously. This is especially fascinating
since they developed without influencing each other during this process. There
are various similarities: their function as hereditary symbols of identification and
distinction and the parallels of usage. Furthermore, they emerged and evolved
in similar historical contexts (nobility – warriors). Both were of great impor-
tance and significance for the respective society and indispensable as a medium
of communication. It is especially remarkable that phenomena like canting arms
or the Japanese version of the crest (matoi) developed alongside independently.
Taking into account all the similarities and all the differences which necessarily
root in the differences of these two cultures, we could speak of mon as “Japanese
coats of arms” indeed, but with caution – and maybe even of “Japanese heraldry”.
This very diverse and promising topic is, however, still in need of further, deeper
research. Furthermore, it might open a whole new point of view, an intercultural
perspective so to speak, on the study of European heraldry.

99
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
100
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409.
101
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
102
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 84.

114
PAÇO DE MOLELOS – HERÁLDICA, HISTÓRIA E
PATRIMÓNIO

Luís Ferros (1936-2012)*


Manuel Ferros**
Rui do Amaral Leitão***

Resumo: este estudo incide sobre o património heráldico do concelho de Tondela,


distrito de Viseu. Projeto da autoria de Luís Ferros (1936-2012), Manuel Ferros e
Rui do Amaral Leitão, iniciado em 2010 e com publicação prevista para este ano de
2017. Escolhemos para publicação nesta revista o exemplo do Paço de Molelos por ser
uma das casas mais emblemáticas e antigas do Vale de Besteiros.

Abstract: this study focuses on the heraldic patrimony of the county of Tondela. Project
by Luis Ferros (1936-2012), Manuel Ferros and Rui do Amaral Leitão, started in
2010 and with publication scheduled for this year 2017. We have chosen to publish in

* Membro da Associação dos Arqueólogos Portugueses, do Instituto Português de Heráldica, da


Sociedade de Geografia de Lisboa, da Academia Portuguesa de Ex-Líbris, sócio fundador da
Academia de Letras e Artes de Cascais. Autor de diversas obras nos campos da genealogia e
heráldica.
** Licenciado em História pela Universidade Lusíada de Lisboa. Membro do Centro de Estudos
Pré-históricos da Beira Alta e do Instituto Português de Heráldica.
*** Sócio efetivo de número do Instituto Português de Heráldica, académico correspondente da
Academia Nacional de Belas Artes, sócio efetivo da Sociedade de Geografia de Lisboa, do
Grémio Literário, da Academia Portuguesa de Ex-Libris e da Associação Portuguesa de Genea-
logia da qual é Vice-Presidente da Direção.

115
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

this magazine the example of the Paço de Molelos because it is one of the most emble-
matic and ancient houses of the Besteiros Valley.

Introdução

A Heráldica como realidade social, como ciência (ciência heroica como


lhe chamou Colombière) ou como arte tem sido estudada e teorizada segundo
variados ângulos de abordagem criando-se assim um vastíssimo mosaico de infor-
mação a que falta a grande síntese integradora. Referindo-nos só a Portugal,
encontramos cultores da História da Heráldica, do Direito Heráldico, da Semió-
tica Heráldica, da estrutura político-administrativa do Cartório da Nobreza com
seus Reis de Armas, Arautos e Passavantes havendo ainda quem, cotejando o vasto
material informativo ainda existente apesar da destruição irreparável causada pelo
terramoto de 1755, identifica erros e incoerências na praxis heráldica, face a uma
teoria que se quereria rigorosa e transparente.
Importa ter presente que a componente científica, que se costuma designar
por Armaria define normas rigorosas, pelo menos em teoria, para a construção
dos signos/sinais que preenchem o escudo. Até ao século XVII esses signos eram
descritos numa linguagem escorreita e objetiva. Posteriormente passou a utilizar-se
uma linguagem mais gongórica cuja certificação está ainda por fazer, sendo esta
umas das maiores lacunas da Heráldica moderna. Por outro lado, a Heráldica
propriamente dita assume a leitura artís-
tica das regras da Armaria abrindo um
enorme domínio interpretativo que se
liga à Estética e que obrigatoriamente
deveria ser estudado na História da Arte.
Desta dialética entre a norma e a imagi-
nação resulta uma das mais cativantes
perspetivas dos estudos heráldicos. Onde
não poderão faltar os erros por omissão e
falta de informação, patentes por
exemplo em muitas peças armoriadas da
Companhia das Índias. As chamadas
pedras de armas, brasão de armas lavrado
em pedra, refletem muitas vezes as
modas e os gostos da época e assumem
os estilos artísticos mais relevantes. Por
exemplo o brasão dos Almadas, prove-

116
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

dores da Casa da Índia, no Largo do Conde Barão em Lisboa é tipicamente


manuelino. Também em Lisboa, encontramos a chancela rocaille na heráldica do
palácio dos Condes de Barbacena, no Campo de Santa Clara e marcas impressivas
do estilo Império no brasão no palácio Regaleira no Largo de São Domingos. O
estilo barroco é claramente assumido no magnífico brasão pleno de Bandeiras, no
Paço de Fráguas, concelho de Tondela. Este breve esboço do mundo heráldico
permite concluir que são inúmeros os graus de liberdade ao dispor do investi-
gador ou do estudioso, para produzir obra de qualidade neste domínio.
O saudoso Luiz de Paiva Raposo Ferros, um dos mais proeminentes Acadé-
micos de Número do Instituto Português de Heráldica propôs uma nova abor-
dagem, transversal e integradora, para o desenvolvimento de estudos heráldicos.
Partindo de um território bem definido, no caso o concelho de Tondela, iniciou
o registo e inventariação de todas as peças heráldicas aí existentes, procedendo à
sua leitura sintética mas rigorosa. Parte depois para a identificação da razão de ser
do espécime em análise, socorrendo-se da História e da Genealogia, e finalmente
estuda a articulação com a envolvente patrimonial, averiguando a sua adequação
ou conflito com essa envolvente. O seu passamento interrompeu o labor iniciado,
agora concluído pelos autores, o que deu lugar à obra Concelho de Tondela - Herál-
dica, História e Património que irá ser dada à estampa brevemente. Dela constam
55 fichas de inventário heráldico, complementadas por alguns textos de investi-
gação e de divulgação.
É uma dessas fichas, a do Paço de Molelos, que apresentamos a seguir.

117
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

Molelos - Paço
Paço de Molelos
GPS: N: 40.345160, O: - 8.060854

Heráldica I
Localização: Na fachada principal do paço,
ao centro, junto à cornija.
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Cartela em forma de escudo,
e nesta, um escudo sob elmo e
timbre, ornado de paquife.
Escudo: Armas plenas, com uma
merleta por diferença.
I - Esteves.
Timbre - Esteves (mutilado).
Material: Granito.
Época: Séc. XVI (C.B.A. de 31 de
agosto de 1542 em nome de
Henrique da Veiga, nº II na
genealogia).

Heráldica II
Localização: Na fachada do paço, sobre o
pórtico.
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Escudo de fantasia em cartela
de volutas, sob elmo e timbre.
Escudo: Partido.
I - Vieira (mal representado,
cinco em vez de seis vieiras 4);
II - Silva.
Timbre - Vieiras (mutilado).
Material: Calcário.
Época: Séc. XVII.
Notas: De Martim de Távora e Noro-
nha.

4
D. Pedro Vieira da Silva, pai do referido Martim, usou, nas suas armas, as cinco vieiras em vez
de seis.

118
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

Heráldica III
Localização: Inexistente, ficava no portão
nascente da quinta(*).
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Escudo sob coronel de conde
e timbre.
Escudo: Partido.
I - Magalhães;
II - Tovar.
Timbre - Magalhães.
Material: Granito.
Época: Séc. XIX.
(*) Este pórtico foi demolido num acidente
de viação nos finais do Séc. XX. Fica a
imagem do mesmo, que se encontra pintada
nos espaldares dos bancos do oratório da
casa, e nos dois bancos que foram retirados
da capela do morgado na igreja paroquial de
Molelos, a mando do pároco atual. Um dos
bancos, que tinha sido retirado para o coro
da igreja, foi recuperado para o oratório da
casa, sendo desconhecido o paradeiro do
segundo. Este brasão também se encontrava
pintado no teto de maceira do salão de
entrada, hoje inexistente.

Notas
Arquitetura civil habitacional,
edifício de planta em “L” na origem, sendo
atualmente em forma de “H” depois de
sucessivas transformações e ampliações.
Fachadas em alvenaria e cantaria de granito,
rebocadas e pintadas de branco, excetuando
alguns paramentos que abrem para o Pátio
dos Porcos e jardim, em cantaria de granito
aparente, flanqueadas por cunhais apilastrados de ordem toscana colossal e rema-
tadas em friso e cornija, sendo todos os vãos de perfil retilíneo e emoldurados a
cantaria de granito. Fachada principal, virada a NE, bastante ampla, rasgada regu-
larmente por vãos retilíneos e ostentando, sobre o portal principal, uma pedra de

119
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

armas, havendo outra ao centro da fachada, junto à cornija. A fachada posterior é


marcada por alpendre e varanda, sustentados por pilares e colunas da ordem
toscana.

De referência obrigatória é o jardim da casa, pela coleção de árvores


exóticas centenárias, de tamanho monumental, onde se salientam duas Magnólia
grandiflora (magnólia branca), um Liriodendron tulipifera (tulipeiro da Virgínia),
um Taxodium distichum (cedro dos pântanos), um Cupressus atlantica (cedro do
Atlas), para além de diversas árvores de médio porte onde se destaca a coleção
de cameleiras (Camelia japonica). As árvores de grande porte são referenciadas
na obra “Árvores Monumentais de Portugal, do Engº Ernesto Góis (Portucel,
1984). É um jardim seiscentista na sua origem, mas sofreu grandes alterações no
séc. XIX, sendo hoje um bom exemplo de um jardim romântico, onde não falta
o espelho de água circular e a casa de fresco. A Norte do Jardim, encontram-se
as ruínas de um centenário lagar de azeite, que se movia com a água que nasce
no Tojal Mau, e se encontra canalizada até à quinta, alguns quilómetros abaixo,
desde tempos imemoriais, em regadio particular.
Como núcleo central do lugar de Molelos, a casa do Paço poderá esconder
na sua origem um passado muito anterior ao que nos é relatado pelas poucas

120
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

fontes conhecidas. Muito perto do Paço, encontramos o lugar da Silvã, que era o
nome dado ao lugar reservado a floresta junto de uma villae romana. Em algumas
paredes da casa são ainda visíveis pedras que terão feito parte de fustes de colunas
e um silhar almofadado.
Até ao final da idade média não conseguimos obter quaisquer fontes
escritas. Sabemos que em 1101, a igreja e terras de Molelos foram oferecidas
ao mosteiro de Lorvão pelo presbítero Ermígio, e que as mesmas teriam sido
tomadas aos mouros por presúria pelos seus pais, Truquesindo e Araguntes.
Pelas Inquirições de 1258 sabe-se que a maior parte das terras estava sob
domínio dos milites Estevão Dias e Gonçalo de Sá.
A 8 de maio de 1284, D. Dinis passou uma carta de foro de um “quinhão
de Monte que chamam Salgueira que iaz em termo da aldeia de Mollelos em Terras
de Besteiros, a Savaschão Perez de Molelos e a Maria Perez sua molher e todos seus
sucessores”.
A 28 de fevereiro de 1288, D. Dinis deu nova carta de foro de um casal
em Molelos e este, por existir em publica forma no Arquivo da Casa de Molelos,
deverá ser o casal que dá origem ao Paço de Molelos. Diz a carta de foro o seguinte:

“Carta de aforamento do herdamento de Molelos que deu el rei D.


Dinis a Salvador Domingues, pelo foro que nela se declarava.
D. Dinis, pela graça de Deus rei de Portugal e do Algarve a todos aqueles que
esta carta virem faço a saber; Que eu dou e outorgo aforo pera todo sempre a
Salvador Domingues e a sa mulher e a todos seus sucessores o meu herda-
mento de Malelos que e no julgado de Beesteyros; pera tal preito e sa condiçom
que ele meta hy do seu herdamento que valha catorze Libras e fazerem en o
dito herdamento cabeça de Casal e povrarem no e lavrarem no e darem en de a
mim e a todos meus sucessores cada ano compridamente o quarto do pam e do
vino e linho e por dereytura huma spadoa de porco de xii costas e dous capoens
e xx ovos e huma teiga de trigo e por Eyradiga huum quarteyro e eles não devem
vender nem dar nem doar nem alhear em nenhuma guysa o dito herdamento
nem parte dele a ordem nem aabde nem a prior nem a clerigo nem a cavaleiro
nem a dona nem a scudeyro nem a nenhuma pessoa rreligiosa. Se nom aa tal
pessoa que faça a mim e a todos meus successores cada ano o dito foro. Em
testemonyo da qual cousa desende a eles esta minha carta. Dada em Lixboa
xxviii dias de Fevereyro. El Rey o mandou pelo Chanceler. Domingos Peres a
fez. Era MCCCXXV” 5.

5
Chancelaria de D. Dinis - liv. 1, fl. 222.

121
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

Anos mais tarde, a 23 de dezembro de 1293, temos nova carta de foro


passada por D. Dinis, a Bartolomeu Savaschaes, sua mulher e sucessores, de um
casal em Molelinhos, chamado os “Cubos” 6. Pelo patronímico, talvez se trate de
um filho de Savaschão Peres que recebera a carta de foro em 1284, já referida.
A 21 de maio de 1384, o rei D. João I faz a doação das terras de Besteiros,
Vouzela, Lafões e outras, a Martim Vasques da Cunha, senhor do castelo de
Linhares, etc. Esta doação incluía quatro casais em Molelos, que o dito Martim
Vasques da Cunha escambou por uma quinta em Parada, no termo de São João de
Areias (hoje no termo de Santa Comba Dão), com Martim Fernandes, morador
em Molelos e sobrinho de D. Gil Alma, o famoso bispo do Porto que mediante a
promessa de 3.000 libras, feita por D. João I, desistiu de toda a soberania exercida
até à data sobre a referida cidade, e que foi depois, bispo de Coimbra. Este bispo
legou em 1415 todos os seus bens para instituir uma capela no mosteiro de S.
Domingos em Lisboa, que, depois de desavenças 7 entre os herdeiros administra-
dores, que eram os seus primos João e Lopo Alma, e os monges do convento, caiu
na administração dos senhores de Molelos, aos quais se manteve vinculada até à
extinção dos morgados.
Porque Martim Vasques da Cunha tomou o partido de Castela e perdeu
os seus bens em Portugal, Martim Fernandes de Molelos, pediu confirmação real
deste escambo, e esta foi-lhe passada a 29 de agosto de 1397. Devido à morte
de D. João I, e a subida ao trono de D. Duarte, e de acordo com as ordena-
ções, voltou Martim Fernandes a pedir nova confirmação do escambo, que lhe foi
passada em Santarém a 9 de abril de1434. Curto foi o reinado de D. Duarte, por
isso, logo em 1438 é passada nova carta de confirmação, feita em Torres Novas
a 30 de novembro, dada por D. Afonso V com autoridade da rainha, sua mãe e
tutora, e com o acordo do infante D. Pedro, seu tio. Depois disto, ainda foram
requeridas várias certidões da confirmação deste escambo pela sucessivas gerações
da família que habitaram o Paço de Molelos, como se pode confirmar no arquivo
da casa.
Manuel Abranches de Soveral 8 levanta a hipótese deste Martim Fernandes
ser tio paterno de Filipa Nunes de Gouveia, e esta, neta de Fernão Nunes Cardoso,

6
Chancelaria de D. Dinis - liv. 2, fl. 69.
7
DURÃES, Margarida e Ana Maria Rodrigues - “Família Igreja e Estado - A salvação da
alma e o conflito de interesses entre os poderes”, in: JORNADAS SOBRE FORMAS DE
ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO DOS PODERES NA EUROPA DO SUL (SÉCULOS
XIII-XVIII), 1, Lisboa, 1988 - Arqueologia do Estado : actas. Lisboa: História & Crítica, [1989].
p. 817-836.
8
SOVERAL, Manuel Abranches - Ascendências Visienses. Ensaio genealógico sobre a nobreza de
Viseu. Séculos XIV a XVII, Porto, 2004, vol. 1, p. 58.

122
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

fidalgo da casa do infante D. Henrique, senhor da torre do Quintal, em Besteiros,


onde viveu, e das honras do Telhado, de Real, Molelos, Botulho, Nandufe, Casta-
nheira, Stª Ovaia, Casais de Vila Verde (Valverde?), etc. Filipa Nunes casou com
Henrique Esteves, e é neste casal que se iniciará a genealogia e, provavelmente, é
ele o responsável pela construção do núcleo da casa que ostenta na sua fachada
Oeste um bonito exemplar de janela manuelina, flanqueada por porta de quina
biselada, e serão do filho deste casal as armas de Esteves da Veiga, com uma
merleta por diferença (brasão em Heráldica I).
No Tombo do Morgado de Molelos, organizado entre 1651 e 1659, surge-
nos a curiosa informação de que, a essa data existiria ainda, anexada à casa, a ruína
de uma torre.
Transcrição da descrição da casa e quinta no Tombo do Morgado:

“umas casas sobradadas que partem do nascente com a rua pública e igreja e
adro dela, e do norte e poente com casas térreas do mesmo morgado, e do sul
com pátio e terreiro dele. têm estas casas uma sala grande com repartimentos de
taipa e tabuada que nela fazem quatro casas, e para a parte do poente tem uma
cozinha e uma câmara e outra antecâmara todos grandes, e a sala e câmara
bem forradas e por baixo lojas adega e tulhas e estrebarias, tem de comprido
de nascente a poente vinte e cinco varas, e de norte a sul entrando uma casa
térrea que fica à banda do norte, encostada a estas, e à entrada do pátio, o
alicerce de uma torre que à banda do sul esteve e que ainda há parte
das paredes e pedra lavrada, tem 23 varas para a banda da rua, tem
o pátio à banda do sul e poente pardieiros e alicerces de casas que o cercavam,
e o mesmo tem do poente, os quais alicerces partem todos com terras pomar e
oliveiras do dito morgado. a quinta a que chamam do paço, que parte do norte
e do poente com as casas e pátio acima, a qual toda está circuitada de parede,
tem dentro em si coisa de cento e cinquenta oliveiras e dez ou doze laranjeiras,
e uma vinha que levará quarenta homens de cava, anda bem granjeada, e
dentro da parede tem carvalhos e castanheiros, terras de monte e de pão, que
tudo levará de semeadura trinta alqueires de pão, parte do nascente com o
caminho que vai da igreja para Tondela, e do poente com o caminho que vai
para o porto da barra, do norte com o ribeiro que vai do lugar, e do sul parte
com terras do mesmo morgado”.

Assim, temos o Paço de Molelos, juntamente com a torre do Telhado, em


Quintal de Castelões, a Quinta do Sameiro, no Campo de Besteiros e o antigo
Paço de Barrô, em Santiago de Besteiros, como as domus fortis (casa-torre) conhe-

123
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

cidas no antigo concelho de Besteiros e das quais não existem quaisquer vestígios
materiais.
No salão de entrada do Paço de Molelos, foram descobertos nos anos 80 do
séc. XX, três nichos emparedados que correspondiam a antigas portas. Duas delas
ficam na mesma parede, em cujo seguimento se encontra a janela manuelina já
referida. A peça de torça de uma delas é feita de madeira, e tem também a quina
biselada no seguimento das ombreiras, a outra porta abre-se sob um arco de volta
perfeita, feito em tijolo “romano”, que assenta em ombreiras também de quina
biselada. Ao fundo do salão, a Sul, encontra-se a terceira porta, de aspeto mais
rude, também aberta sob um arco de volta perfeita, igualmente em tijolo, que
sugere poder ter sido a entrada no 2º piso da referida torre.
Desde os finais do séc. XV e até finais do séc. XVI, a casa foi sendo habi-
tada por Henrique Esteves, pelo seu filho, que viveu em Aveiro até à morte do pai,
e pelo seu neto, conforme diversa documentação confirma.
Em 1577, Maria da Veiga, a única herdeira de Henrique Esteves da Veiga,
2º morgado de Molelos, casa em Lisboa com Sancho de Tovar. Porque os Tovares
tinham grande parte dos seus bens na zona de Lisboa e sul do Tejo, pouco tempo
terão passado no Paço de Molelos, tendo as gerações seguintes optado por fazer
vida em Lisboa.
Alguns anos a seguir à Restauração, em 1651, a herdeira da casa, Ana de
Tovar, ainda menor de idade e já órfã de pai e mãe, estava recolhida, junto com
suas irmãs, no convento de Santos. O seu tutor era Gaspar Faria de Severim 9, que
por ter notícia dos abusos e roubos que sofriam os bens do morgado por parte dos
seus procuradores e outros, mandou confirmar os bens e organizar o Tombo do
Morgado de Molelos, empresa que só viria a estar finalizada oito anos mais tarde.
Coincidência ou não, este Gaspar Faria de Severim foi Secretário de Estado
de D. João IV ao mesmo tempo que D. Pedro Vieira da Silva, futuro bispo de
Leiria, e foi com um filho deste último que casou a morgada de Molelos, a já refe-
rida Ana de Tovar. Por sua vez, a filha desta irá casar com o tio, também filho de
D. Pedro Vieira da Silva. Terá sido, provavelmente, Martim de Távora e Noronha
o responsável pelas obras na fachada principal que a transformaram no que hoje
conhecemos e o detentor do brasão que se sobrepõe ao pórtico principal. A sua
presença em Molelos comprova-se pelo grande número de assentos paroquiais
onde figura como testemunha.
Por essa altura, a casa teria pouco mais do que a dimensão da fachada
principal e do núcleo manuelino. Durante o séc. XVIII foram compradas diversas

9
Comendador de Moura na ordem de Avis, secretário das mercês de D. João IV, conselheiro de
Estado de D. Afonso VI, poeta, genealogista, etc.

124
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

casas que eram contíguas ao Paço e o mesmo foi sendo sucessivamente aumen-
tado até à planta que hoje conhecemos. Foi último morgado de Molelos o Dr.
António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque, que morreu no seu Paço
de Molelos a 3 de maio de 1920.
De 1920 a 1970 a casa foi utilizada com muito pouca regularidade, o que
levou a uma forte degradação do edifício. A partir desta época a casa passou a
ter ocupação sazonal, tendo inicialmente passado por pequenas recuperações de
estruturas, e algumas intervenções ao nível da cobertura.
Nos anos 80 do século passado, a pedido da então chamada Comissão de
Moradores de Molelinhos, foi doada uma faixa de terreno da quinta, junto ao
caminho que seguia da igreja para Molelinhos, de forma a que se construísse a
atual estrada do cruzeiro.
No final da década de 1990 foram detetadas fissuras no imóvel que amea-
çavam o desmoronamento de toda a fachada principal.
Como resposta às intervenções urgentes que a casa necessitava, foi deci-
dido pelos proprietários, em negociação com a Junta de Freguesia de Molelos,
lotear uma parcela de terreno a Sul da quinta. Do negócio referido, ficou deci-
dido que a Junta de Freguesia de Molelos assumiria todas as despesas inerentes ao
processo de loteamento, e obras de infraestruturas, e que em troca receberia dos
proprietários, os “Passais” 10, cerca de 40.000m2 de terreno agrícola junto à igreja
de Molelos. Assim dizia o acordo, mas, e embora os “Passais” tenham ficado de
facto para a Junta de Freguesia de Molelos, as obras de loteamento viriam a ser
inauguradas anos mais tarde pelo presidente da Câmara Municipal de Tondela,
como tendo sido uma requalificação do local, e não um processo de loteamento
particular, pago com 4 hectares de terreno, conforme placa que hoje se pode ver
no local. Coisas da política…
Em 1998 a casa passou a ser permanentemente habitada, e no ano de 2000
fizeram-se as obras de restauro e consolidação da estrutura das fachadas, cobertura
rebocos e pintura. Foi um projeto executado pela empresa S.T.A.P., com o apoio
técnico da Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, mas totalmente
custeada pelos proprietários, que para o efeito, lotearam uma faixa da quinta,
a Sul, conforme anteriormente se referiu. Nos últimos anos tem sido privile-
giado o restauro dos espaços interiores, tendo já sido recuperada toda a ala Este,
e muito recentemente, o oratório da casa. A quinta encontra-se certificada para
a produção em modo biológico, sendo os principais produtos o mirtilo, desde
2001, e o cogumelo shiitake em 2014.

10
Uma parcela destes Passais já tinha sido doada à Paróquia de Molelos, alguns anos antes, para a
construção do Centro Social de Molelos, junto à igreja.

125
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

Genealogia

Ramo I

I - Henrique Esteves, f. em Molelos a 2 ou 3 de setembro de 1523, senhor das


honras de Molelos, Nandufe, Botulho, Mata, Real e Castanheira por casamento.
Administrador da Capela de Santa Justa, em Coimbra, Cavaleiro Fidalgo da Casa
Real, Fidalgo de Carta de Armas 11, e do Conselho de D. Afonso V, que lhe fez

11
Existe alguma polémica em relação a esta Carta de Brasão de Armas. No suplemento de “Brasões
Inéditos”, Sousa Machado faz uma curta referência a esta carta, informando apenas que foi
passada a 25 de maio de 1509, em nome de Henrique Esteves, morador em Besteiros, filho de
João Esteves e neto de Leonardo Esteves. Em 1995, o Sr. Barão de São Roque, publicou nesta
revista (VI Série - Tomo VI - 1995), a transcrição de uma cópia notarial, passada em Aveiro,
em 1737, de uma certidão, pedida em 22 de setembro de 1509, por Vasco Henriques, filho de
Henrique Esteves. Segundo o mesmo autor, trata-se de uma C.B.A. falsa, embora “centenária”.
A principal razão invocada prende-se com a diplomática do documento, argumentando que as
expressões usadas não correspondem às utilizadas na época, apontando também, sem grandes
desenvolvimentos, a questão das armas atribuídas serem dos Fazendas e não as dos Esteves.
Nesta mesma revista, no número seguinte (VII Série - Tomo I - 1996), o autor João António
Portugal veio opor-se a esta tese, argumentando que se conhecem outras cartas de armas do
mesmo período, tidas como verdadeiras, onde os textos são semelhantes. Não nos cabendo a nós
a análise formal do documento, e reconhecendo a falta de autoridade para nos pronunciarmos
acerca da sua autenticidade, podemos no entanto afirmar que há de facto algo que não bate
certo, principalmente no que respeita às armas atribuídas, as dos Fazendas. São várias, e algumas
muito discutíveis, as ascendências prováveis de Henrique Esteves, pelo que se torna um caminho
arriscado tentar encontrar nele uma ascendência de Fazendas que justificasse a atribuição dessas
mesmas armas, até porque se há um aspecto em que os genealogistas parecem concordar, é
que seu pai se chamava João Esteves e este era filho de um Leonardo Esteves. Também as
C.B.A.’s dos seus descendentes conhecidas, tal como esta que tratamos, os referem como sendo
da linhagem e geração dos Esteves. Por outro lado, se a Henrique Esteves foram atribuídas armas
de Fazendas, porque é que nenhum dos seus descendentes as usou? Este filho Vasco Henriques,
que pediu a certidão e que curiosamente não é citado no testamento de Henrique Esteves, teve
um filho chamado Manuel Henriques Barreto, a quem foi atribuída C.B.A. em 13 de fevereiro
de 1540, com um esquartelado de Esteves e Barretos e timbre de Esteves. Da descendência
de outro filho de Vasco Henriques, de seu nome Francisco Henriques Barreto de Quadros,
conhecemos a pedra de armas da Quinta de Cacía, Aveiro, onde encontramos as mesmas armas
de Esteves no timbre e no primeiro quartel, seguindo-se as armas de Henriques, Rangeis e
Quadros, juntamente com a data 1683. Outro filho de Henrique Esteves, logo, irmão de Vasco
Henriques, foi Henrique da Veiga, 1º morgado de Molelos, a quem foram atribuídas em 31
de agosto de 1542 armas plenas de Esteves com uma merleta preta por diferença. Também foi
filho de Henrique Esteves, Fernão Nunes Esteves da Veiga, que herdou a Honra de Nandufe.
Dele não se conhecem armas, mas seu neto, que nasceu Diogo Esteves da Veiga e morreu Diogo
Esteves da Veiga e Nápoles, teve Carta de Brasão de Armas passada a 20 de maio de 1637 para

126
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

mercê de uma tença anual de 10.000 reais brancos, a serem pagos a partir de
janeiro de 1476 12.
Nas palavras de Felgueiras Gayo: “porque deixando os serviços que lhe fez
neste reino, e em África, o serviu mais de um ano na guerra de Castela quando foi
da Excelente Srª com mais de 50 homens à sua custa de pé e 22 de cavalo aos quais
chamou o dito rei serviços de eterna memória por ser um grande gasto que fez na dita
guerra, e lhe mandou o rei pagar estando na batalha do Toro um cento de libras da
moeda antiga que ainda se lhe devia do casamento de seu avô Leonardo Esteves em a
cidade de Samora”.
Instituiu a Capela do Espírito Santo no Convento de Orgens em Viseu,
ao qual doou um cálice dourado e galhetas de prata, e onde foi sepultado 13. Em
11 de abril de 1506, doou ao convento de Jesus de Aveiro, onde sua filha Joana
Henriques professou, umas casas na Rua Direita, as quais “herão sobradadas, com
seu exido e posso e limoeyro e larangeiras, que partião com chão do dito convento”,
com condição de não as poderem vender. No Séc. XVIII estavam aforadas a João
António Rangel.
Instituiu a capela e morgado de Molelos em nome de seu filho segundo,
Henrique da Veiga, por testamento de mão comum com a sua mulher, feito em
Molelos a 16 de maio de 1520. Neste testamento 14 o casal instituiu também o
morgado de Nandufe, no seu filho primogénito, Fernão Nunes.
Henrique Esteves era Filho de João Esteves, fidalgo que viveu em Besteiros,
grande letrado, do conselho de el-Rei D. João I, que lhe fez mercê de muitas
terras, entre elas a da Veiga de Santa Maria, que depois perdeu por ter tomado o
partido do infante D. Pedro na batalha de Alfarrobeira (foi deste senhorio que
lhe veio o apelido “Veiga”). Era neto paterno de Leonardo Esteves, legitimado
pelo seu pai, João Esteves, a 23 de março de 1448, conforme consta na folha 119
da Chancelaria de D. Afonso V, em legitimação passada por Afonso Fernandes

Veigas (de Nápoles) facto que não nos ajuda para o caso que estamos a tratar e que em si só dava
um artigo.
12
Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 7, fl. 104.
13
A capela do Espírito Santo ficava do lado do evangelho, contudo, com a reedificação do séc. XVII,
a capela foi trasladada de lugar, passando para a zona da nave, no lado do evangelho, tendo-se
perdido parte do epitáfio gótico da sepultura, a pedra de armas e a cruz, que foi reutilizada no
remate da empena da igreja. Os herdeiros do fundador abandonaram-na, passando a ser reparada
pelos frades, mas perante o declínio do culto do Espírito Santo, frei Marcos transformou-a em
portaria, no ano de 1693 (monumentos.pt).
14
Aparece mencionada no testamento uma Marinha Fernandes, que os autores não conseguem
entroncar na família. Transc.: “assim mandara dizer o dito administrador em cada um ano por dia
dos santos, três missas pela alma de Marinha Fernandes, porque esta quinta é obrigada toda, uma
cantada e duas rezadas”.

127
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

Trigo 15. Casou com Filipa Nunes, f. a 9 de fevereiro de 1531 16, irmã de Lopo
Fernandes de Azevedo 17. Esta fez um codicilo ao testamento de mão comum com
seu marido, em Molelos, a 7 de fevereiro de 1525, em que, além do mais, manda
que a sepultem na capela-mor da igreja de Molelos, à qual deixa também “uma
cruz de três marcos de prata.” e que se “mande dizer um trintário em São João de
Nandufe”. Deixa a sua terça disponível a seu filho Henrique com a “condição que
lhe mande alevantar, à Igreja de São Pedro, todo um covado, e por dentro a mandará
rebocar de cal, e que mande ladrilhar a dita capela de tijolo vermelho da terra, e mais,
que lhe mandem dizer em toda a sua vida dele, dito Henrique da Veiga, uma missa
em cada dia dos finados com um responso sob sua sepultura”. Era filha de Fernão
Nunes Cardoso, Fidalgo da Casa Real, senhor da Torre do Quintal, onde viveu,
e das honras do Telhado, de Real, Molelos, Botulho, Nandufe, Castanheira, Stª
Ovaia, Casais de Vila Verde, etc. e de sua 2ª mulher Leonor de Azevedo.
Filhos:

II - 1 - Fernão Nunes Esteves da Veiga 18. Fidalgo Cavaleiro da Casa Real,


senhor da honra de Nandufe, contador-mor da rainha D. Leonor e seu
embaixador em Castela 19. É referido no testamento dos pais como sendo
o filho mais velho. Deixam-lhe a Capela de Santa Justa, em Coimbra e,
no codicilo de sua mãe, esta deixa-lhe o lugar de Nandufe “se ele quiser
tomar em sua sorte o casal de Nandufe, se preferir as Vassadas de Paradela,
então Nandufe ficará para o irmão Henrique”. Casou com Brígida de
Horta, nascida em Alenquer, Triana, dama da Rainha D. Leonor, filha
de Martim da Horta, Fidalgo da Casa de D. Afonso V, senhor da Quinta
da Requeixada em Alenquer, e de sua mulher Catarina Gonçalves Mala-
faia. Com geração no morgado de Nandufe.
II - 2 - Henrique da Veiga, que segue.

15
A.N.T.T. - Genealogias manuscritas, Genealogias de Pombal, 21F, 46 - TTº Veigas.
16
NÁPOLES, João Carlos Metello - “Linhagem dos Nápoles”, in: Revista Beira Alta, 2009.
17
Juiz ordinário do Concelho de Besteiros (conforme refere no codicilo do dito testamento),
Escudeiro fidalgo da Casa do Rei D. Manuel, Corregedor-mor das comarcas da Beira e Riba-Coa
(1511-17), presidente do Senado da Câmara de Viseu (1511-17) e fidalgo das Casas de Dom
João II e Dom Manuel I. Instituiu o morgadio de S. Sebastião de Besteiros.
18
Dá-se a separação das Honras de Nandufe e Molelos, seguindo o morgado de Nandufe na
descendência de Fernão Esteves da Veiga, e o de Molelos na de Henrique da Veiga.
19
MAIA, Luís da Gama Ribeiro Rangel de Quadros e - Genealogias de famílias nobres aveirenses,
Oficinas Gráficas de Coimbra, Aveiro, 1957.

128
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

II - 2 - Henrique da Veiga, f. c. 1565, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, e de cota


de armas 20. 1º Administrador do Morgado de Molelos, ao qual anexou bens. A
12 de agosto de 1523, recebeu de D. Manuel I uma provisão de 49$952 réis por
parte de seu casamento 21.
Fez testamento de mão comum com sua mulher, em Aveiro, a 16 de
julho de 1561, escrito por António Henriques, fidalgo da Casa Real, sobrinho dos
testadores, lavrado em Aveiro a 18 de julho de 1561 e aberto em Molelos a 13 de
março de 1565. Casou, antes de 1523, com Beatriz Henriques, filha de Diogo
Henriques e de Catarina Correia e neta do Henrique Dias Flamengo, e irmã de
Manuel Henriques Correia, que foi testemunha do seu testamento, e de Violante
Henriques a quem deixa uns vestidos. É mencionada no codicilo de sua sogra que
lhe deixa uma mantilha com a obrigação de ela a obradar todos os Domingos
durante um ano depois de sua morte. Morreu a 12 ou 13 de março de 1565 em
Molelos, sobrevivendo-lhe o marido.
Filho:

III - Henrique Esteves da Veiga. Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, senhor da


honra de Molelos e Botulho, 2º Administrador do Morgado de Molelos, doutor
em leis pela Universidade de Coimbra, Desembargador 22 da Casa da Supli-
cação 23, Contador-mor dos Contos do Reino e Casa 24, feitor das casas da Mina
e Índia 25 e provedor das ditas casas tendo sido o sucessor do Dr. João de Barros
na casa da Índia. Representante de Aveiro nas Cortes de Almeirim 26. Durante a
sua vida são conhecidas diversas intervenções, sabemos que em 1564 percorreu as
suas comarcas para estabelecer com as respetivas câmaras municipais os célebres
contratos de encabeçamento das sisas 27, do mesmo ano, há notícia de ter sido ele
a dar ordem à câmara de Guimarães para esta “reunir o povo e os da governança,
a fim de informarem o pedido da mesma Câmara para ser elevado de 16$000 reis

20
Certidão original passada pelo Real Arquivo da Torre do Tombo a 30 de janeiro de 1804,
existente no arquivo da casa.
21
A.N.T.T. - Corpo Cronológico, Parte II, mç. 109, nº 121.
22
Exerceu no Desembargo do Paço e fez exame em Lisboa a 23 de abril de 1550 perante quatro
desembargadores, tendo sido aprovado por todos. Foi despachado para a Guarda em 8 de julho
de 1550.
23
C.R. de 18 de março de 1564.
24
A.R. c/ força de carta de 15 de maio de 1566.
25
C.R. de 17 de janeiro de 1568.
26
A.D.A. - Arquivo do Districto de Aveiro, nº 163, Aveiro, C.M.A., 1975.
27
“III Jornadas de Estudo - Norte de Portugal - Aquitânia”, in: Actas, Pub. da Univ. do Porto,
1996, p. 401.

129
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

para 20$000 reis o ordenado do recebedor das sisas” 28. Fez testamento em Lisboa,
no Paço da Ribeira, aos 8 de agosto de 1575, escrito por seu primo António
Henriques, e aprovado no mesmo dia. Manda que seja sepultado na Capela do
Bispo de Coimbra, D. Gil Alma, no Mosteiro de S. Domingos de Lisboa de que
é administrador, caso não haja litígio sobre a sua posse. Havendo, que seja enter-
rado na Sé de Lisboa, na sepultura de seu sogro, o Licenciado Jorge Afonso (pai
da 2ª mulher). Casou 1ª vez 29 com Leonor de Ortiz, filha de Fernão de Ortiz de
Vilhegas, fidalgo da casa do rei D. João III, chantre da Sé de Viseu e abade de São
Salvador de Castelões. Foi ele que mandou construir a Casa do Miradouro em
Viseu 30. Era sobrinho de D. Diogo de Ortiz de Vilhegas 31. Casou segunda vez
com Violante do Quintal 32, filha do Licenciado Jorge Afonso. Morreu em Lisboa,
na Sé, aos 20 de agosto de 1589. Fez testamento nomeando testamenteiros o
Bispo da Guarda e Tristão de Azevedo. Está sepultada na Sé de Lisboa junto ao
coro 33. Não houve filhos deste 2º casamento.
Filha:

IV - Maria da Veiga, herdou toda a casa de seus pais. Casou em Lisboa, na


Sé, a 4 de novembro de 1577, com Sancho de Tovar e Silva, 3º morgado de
Molelos, por casamento, Copeiro-mor de D. Sebastião a quem também serviu
como Monteiro-mor e com quem foi para batalha de Alcácer Quibir, onde foi

28
FARIA, Lopes João - Efemérides Vimaranenses : 18 de Setembro - em http://pedraformosa.blogspt.
com/2007/09/efemerides-vimarenenses-18desetembro.html.
29
SOUSA, D. António Caetano de - História Genealógica da Casa Real - vol XII, p. 340.
30
A Casa do Miradouro em Viseu foi mandada construir na 1ª metade do séc. XVI por D.
Fernando Ortiz de Vilhegas. Herdou-a sua filha, D. Leonor Ortiz, e ficou na descendência desta
até 1750, quando foi comprada por Luís António de Almeida, Tesoureiro-mor, que procedeu a
grandes remodelações e ampliações e colocou lá o seu brasão com as armas plenas de Almeidas.
Passando pela posse da família dos morgados de Torredeita, foi vendida ao advogado Dr. Ribas
de Sousa, acabando por ser comprada pelo Senado da Câmara de Viseu em 1982, para lá ser
instalada a sede da então criada, Região Turística do Dão-Lafões (in: ALVES, Alexandre - “Notas
e Comentários”, Revista Beira Alta, XLII, vol. 2, 1983).
31
Foi o primeiro bispo de Ceuta, Capelão-mor e testamenteiro de D. João II, bispo do Algarve e
depois de Viseu, grande matemático. Sagrou a Sé de Viseu em Julho de 1516 e a reedificou de
novo. Tomou por armas uma estrela. Morreu em Almeirim em 1519 e está sepultado em Santa
Maria da Serra.
32
Violante do Quintal instituiu um morgado que deixou à neta do seu marido, Violante de
Vilhena (nº VIII - 2) que casou com Henrique Jaques de Magalhães, com obrigação de este
morgado sempre andar em fêmeas que se deveriam chamar Violante.
33
PRESTAGE e AZEVEDO, Edgar e Pedro - Registo da freguesia da Sé desde 1563 até 1610,
Coimbra, 1927, Imprensa da Universidade, 2º vol, p. 340.

130
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

ferido e feito cativo, sendo depois remido, já viúvo de D. Maria de Sousa 34 sua
1ª mulher. Na batalha de Alcântara foi capitão de cavalos por D. António prior
do Crato. Era filho de Pedro de Tovar 35 e sua mulher Brites de Vilhena ou da
Silva, a quem o mesmo matou, “por uma simples desconfiança” 36. Neto paterno de
Sancho de Tovar, 6º senhor de Cevico e de Boca de Huérgano, Capitão de Sofala
e comandante de uma das naus da armada de Pedro Álvares Cabral que viajou
pela primeira vez ao Brasil em 1500.
Filho:

V - Pedro de Tovar, nasceu em Lisboa, Madalena, onde foi batizado a 9 de


agosto de 1579. Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, 4º administrador do morgado
de Molelos, senhor da honra de Molelos e Botulho, senhor da casa do Mira-
douro em Viseu por sucessão de sua mãe, cavaleiro professo na Ordem de Cristo
e nela Comendador de S. Maria da Nave, no termo do Sabugal, que sua mulher
arrendou em 11 de dezembro de 1625 por 540$000 cruzados 37. Herdou de seu
avô, Pedro de Tovar, a casa nobre dos Tovares, em Lisboa, por detrás da igreja da
Misericórdia, hoje Conceição Velha, que no dizer de Alão de Morais, valia cerca
de 30$000 cruzados e que os seus descendentes venderam à Misericórdia. Na
esquina que o edifício fazia, da Rua da Misericórdia para a rua, então chamada,
de Sancho de Tovar, havia uma pedra que, diz o mesmo Alão de Morais, mostrava
“no primeiro lugar do escudo das armas” as dos Tovar. Por Alvará, com força de
carta, de 6 de março de 1622 38, teve mercê de 300$000 cruzados de entreteni-
mento dados os seus serviços e ao “bom modo como se dispôs a ir continuar este
ano de seiscentos e vinte e dois à Índia, hey por bem de lhe fazer mercê que enquanto
servir naquelas partes, e não for provido de cargo que tenha ordenado, vença soldo e
moradia, e irá este ano às ditas partes para esta mercê haver efeito, e as mais que pelos
mesmos respeitos lhe fiz” 39. Foi para a Índia na armada do Conde da Vidigueira
que partiu naquele ano, tendo previamente passado, em 17 de março de 1622,
uma procuração a sua mulher. Casou com D. Ana Manuel de Gusmão que

34
Filha de João Rodrigues de Sequeira, o da “Banda de Além”.
35
Depois de viúvo de D. Maria da Veiga, casou em terceiras núpcias com D. Isabel de Castro, filha
de Cristóvão de Melo e de D. Luísa de Barros.
36
HENRIQUES, Nuno Gorjão e Miguel Gorjão Henriques - Gorjão Henriques, sl, 2006, vol. 1,
p. 555.
37
A.N.T.T. - Índex das notas de vários Tabeliães, Tomo I, fl. 41.
38
A.P.M. – “Documentos de Família” in: Códice facticio do Arquivo do Paço de Molelos, fls. 74 -
certidão passada pela Torre do Tombo e extraída do Liv. 38 da Chancelaria de Filipe III, fl. 259
vº.
39
A.N.T.T. - Índex das Notas de Vários Tabeliães - Tomo I, p. 41.

131
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

nasceu em local e data que ignoramos, e morreu depois de 1637, dado que ainda
vivia no estado de viúva e era tutora de seus filhos, quando prorrogou o contrato
de arrendamento de umas lojas de que era senhoria. Morava então em Lisboa, à
Misericórdia, na casa que havia sido de seu marido 40. Era filha de Afonso Carcome
e Figueiroa e sua mulher D. Luísa de Vargas, neta paterna de Diego de Cárcamo y
Angulo e de Mencia de Figueroa, e materna de Pedro Vargas e Sancha Ponce de Leão.
Filho:

VI - Diogo de Tovar, herdou toda a casa de seus pais, 5º morgado de Molelos,


comendador de Stª Maria da Nave da Ordem de Cristo, foi capitão de uma nau
chamada Oliveira, que queimou por ordem do governador da Índia, para não cair
em mãos dos holandeses que se achavam com uma armada de 14 barcos. Casou
com Mecia de Sousa, filha de Lourenço Pantoja de Almeida e de sua 1ª mulher,
Mecia de Sousa.
Filha:

VII - D. Ana de Tovar, 6ª Administradora do Morgado de Molelos, senhora das


honras de Molelos e Botulho, e da casa do Miradouro em Viseu. Passou a meno-
ridade no convento de Santos, sendo seu tutor Gaspar de Faria Severim, que
mandou organizar o 1º Tombo do Morgado de Molelos, tendo ela 8 anos. Casou
com Martim de Távora e Noronha, secretário de estado de D. João V e D. Pedro
II, filho de D. Pedro Vieira da Silva secretário de estado de D. João IV e Bispo de
Leiria depois de viúvo, e de sua mulher D. Leonor de Távora.
Filha:

VIII - Leonor Catarina de Tovar e Noronha, b. a 9 de abril de 1647, herdou


toda a casa de seus pais, casou com o seu tio paterno, Jerónimo Vieira da Silva,
f. Lisboa, Pena, a 31 de março de 1733. Moço Fidalgo da Casa Real, com alvará
de 9 de abril de 1696, 7º administrador do morgado de Molelos, por casamento,
comendador na Ordem de Cristo, capitão de cavalos.
Filho:

IX - Diogo Vieira da Silva de Tovar, n. em 1668 e f. em 1742 no Paço de


Molelos, foi senhor das honras de Molelos e Botulho, 8º morgado de Molelos,
senhor dos morgados dos Tovares e da Quinta de Manjoins em Stº Antão do
Tojal, comendador dos prestimónios de Stª Maria da Ermida do Paiva e Baltar.

40
Idem - ibidem, Tomo 3º, p. 129.

132
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

Casou com Catarina Vicência da Silva, filha de Manuel Giz natural de Sacavém
no termo de Lisboa.
Filho:

X - Jerónimo Vieira da Silva de Tovar, n. na quinta de Molelos em 6 de outubro


de 1737, e f. a 30 de julho de 1818. Herdou toda a casa de seus pais, 9º morgado
de Molelos, Fidalgo da Casa Real, Governador Militar dos concelhos de Sabu-
gosa e Besteiros na Guerra Peninsular em que prestou muitos serviços. Casou
a 15 de agosto de 1772, na casa da Ínsua, Penalva do Castelo, com Margarida
Josefa de Melo Albuquerque e Menezes, n. a 22 de março de 1743 e f. a 21 de
julho de 1825. Filha de Francisco de Albuquerque de Castro, Fidalgo da Casa Real,
comendador da Ordem de Cristo e Mestre de Campo do Termo de Auxiliares de
Viseu, senhor da Casa da Ínsua em Penalva do Castelo, e de sua mulher, D. Isabel
Antónia de Melo Cáceres.
Filhos:

XI - 1 - Francisco de Paula Vieira da Silva Tovar, que segue.


XI - 2 - Josefa Margarida Vieira de Tovar e Albuquerque, onde recairá o
Ramo II.
XI - 3 - António Vieira de Tovar de Albuquerque, que segue porque casa
com a sua sobrinha D. Maria Carlota Vieira (nº XII abaixo citado).

XI - Francisco de Paula Vieira da Silva Tovar, filho primogénito, n. a 8 de


fevereiro de 1774, primeiro barão e primeiro visconde de Molelos. Senhor das
Honras de Molelos e Botulho, 10º morgado de Molelos, Moço Fidalgo com exer-
cício no Paço 41, do Conselho de Sua Majestade, comendador das Ordens de São
Tiago e da Torre e Espada. Condecorado com a Cruz de Campo nº 3 da Guerra
Peninsular, deputado às cortes de 1821 e 1822, Ajudante General do Exército de
Observação na Guerra da Restauração contra os franceses, Secretário Militar do
Infante D. Miguel, Comandante em Chefe do Exército em 1823, Governador
das Armas da Beira e Brigadeiro do Exército. Sucedeu nos senhorios e casa de
seu pai a 30 de julho de 1818. A derrota do exército absolutista e a convenção
de Evoramonte foram o final da sua carreira militar e política, tendo falecido na
sua casa da Folhadosa a 7 de dezembro de 1852. Casou a 22 de abril de 1792
com Maria Maxima de Magalhães Pinto Boto de Castelo Branco, nascida em
1773 e falecida a 24 outubro de 1834, filha de Inácio de Magalhães Pinto de Sousa
Castelo Branco, senhor dos Morgados de Folhadosa e São Romão, que faleceu a 4

41
Alvará de 14-11-1779.

133
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

de abril de 1801, e de sua mulher e prima D. Clara Maria Pinto Boto, falecida a
27 de março de 1801.
Filha:

XII - Maria Carlota Vieira de Tovar Magalhães Pinto, viscondessa de Molelos,


herdou toda a casa de seus avós, uma vez que seu pai morreu antes do seu avô.
Casou com o seu tio António Vieira de Tovar e Albuquerque, que n. a 15 de
maio de 1786 e f. a 14 junho de 1838. 11º Morgado de Molelos por casamento,
Moço Fidalgo da Casa Real, com exercício no Paço, Juiz de Fora de Braga de
1807 a 1812, corregedor da Comarca de Braga de 1812 a 1816, desembargador
da Relação do Porto em 1820, desembargador da Casa da Suplicação em 1823,
comendador da Ordem de Santiago, deputado às cortes em 1826. Era filho de
Jerónimo Vieira da Silva de Tovar (nº X acima citado).
Filho:

XIII - Dr. António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque, n. a 19 de


agosto de 1838, em Molelos, onde f. a 3 de maio de 1920. 12º e último morgado
de Molelos, de onde foi feito 2º visconde 42 por autorização de D. Miguel no
exílio, que nessa situação lhe fez mercê de conde do mesmo titulo 43, senhor das
honras de Molelos e Botulho, em Tondela, e da Folhadosa e S. Romão, em Seia.
Bacharel em Direito, sucedeu em toda a casa de seus pais. Casou, a 7 de dezembro
de 1861, em Santa Maria Maior Barcelos com Mecia dos Prazeres Perfeito de
Magalhães e Menezes, senhora das casas de Corredoura e Azenha em Cambres,
Lamego, filha de José de Magalhães e Menezes de Víllas-Boas Sampaio de Barbosa, ao
qual D. Miguel, igualmente no exílio, fez mercê de título de conde de Alvelos 44,
senhor da casa de Alvelos, em Amarante, da casa-solar de Vilas Boas, em Airó, no
termo de Barcelos, Moço Fidalgo com exercício no Paço, comendador das ordens
de Cristo e da Torre e Espada e deputado às cortes pelo Partido Legitimista em
1854, e de sua mulher, Ana Adelaide Perfeito Pereira Pinto Rebelo Pinheiro de
Aragão Sarzedo.
Devido à morte precoce da sua única filha Maria dos Prazeres, António
Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque nomeou, em testamento, seu universal
herdeiro, a seu primo e afilhado, António Barata de Tovar Pereira Coutinho.
Contudo, devido à morte do António Barata em vida do visconde, este fez um

42
Embora sem efetividade oficial deste título.
43
Carta de 23 de setembro de 1851, igualmente sem efetividade oficial durante o período de
monarquia constitucional.
44
Sem efetividade oficial durante o período de monarquia constitucional.

134
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

codicilo em que nomeava universal herdeira a única filha de António Barata,


Maria Barata de Tovar Pereira Coutinho (Ramo II, abaixo), também sua afilhada,
legando ao filho desta, o seu também afilhado, António de Assis de Tovar Maga-
lhães e Menezes, os bens dos vínculos da Batalha e dos Vieiras, e da Capela de D.
Gil Alma.
Filha:

XIV - Maria dos Prazeres, n. a 25-11-1865 e f. criança a 24 de fevereiro de 1869.


Está sepultada na capela do morgado na Igreja Paroquial de Molelos.

Ramo II

II - I - Maria Barata Tovar Pereira Coutinho, n. na Quinta da Espertina, Alme-


dina, Coimbra a 16 de fevereiro de 1890 e faleceu em Trouxemil, Coimbra a 2
de novembro de 1968. 13ª senhora do Paço de Molelos. Era 3ª neta de Jerónimo
Vieira da Silva Tovar, nº X acima. Casou em Coimbra, Trouxemil a 20 de abril
de 1912 com António de Assis Teixeira de Magalhães e Menezes, n. no Porto,
Bonfim a 13 de setembro de 1886, e falecido em Coimbra, Sé Velha, a 1 de
dezembro de 1931. 2º Conde de Felgueiras, Cônsul da Alemanha em Coimbra,
licenciado em direito pela Universidade de Coimbra, filho do Doutor António de
Assis Teixeira de Magalhães, n. em Santa Eulália, Margaride, Felgueiras a 21 de
julho de 1850, e f. em Coimbra a 19 de abril de 1914. 1º conde de Felgueiras 45,
lente catedrático da universidade de Coimbra, e de sua mulher Mariana Porfíria
Ribeiro Carneiro, nascida no Brasil, Rio de Janeiro, a 19 de agosto de 1866, e f.
em Trouxemil, Coimbra, a 11 agosto de 1935.
Casou segunda vez com António de Meireles Coutinho Garrido, natural
de Coimbra, advogado e conservador do registo predial na mesma cidade. Sem
geração deste matrimónio.
Filho:

II - II - António de Assis Tovar de Magalhães e Menezes, n. em Coimbra,


Trouxemil, a 3 de junho de 1913, e f. em Lisboa em 26 de setembro de 1970.
Representante do título de conde de Felgueiras, 14º senhor do Paço de Molelos,
em Tondela. C. em Lisboa, nos Anjos, a 8 de dezembro de 1938, com Maria
Eduarda Hipólito Sarmento, n. em Abrantes, São João Baptista, a 1 de agosto de
1914, e que f. em Lisboa a 11 novembro de 1996. Foi a responsável pela receção

45
Título criado por D. Carlos I, rei de Portugal por decreto de 3 de agosto de 1907 a favor de
António de Assis Teixeira de Magalhães, 1º conde de Felgueiras.

135
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

aos reis de Inglaterra, no Palácio de Queluz, em 1956 e, pelos serviços prestados,


foi feita Dama da Royal Victorian Order pela rainha Isabel II de Inglaterra, inspe-
tora da pousadas de Portugal pelo S.N.I., era filha de Eduardo Fialho da Silva
Sarmento e de Maria Manuela Anes de Oliveira Hipólito, neta materna do General
Abel Hipólito, que nasceu em Viseu, em 1860 e faleceu em Lisboa em 1929,
General - Knight Commander da Ordem do Banho em Inglaterra, Sir na Grã-
-Bretanha, Grã-cruz da Ordem da Torre e Espada, agraciado com a Cruz-Medalla
de la Solidariedad, do Panamá, foi militar de mérito do Exército Português, tendo
cooperado na instauração do regime republicano em 1910. Comandante Geral de
artilharia do Corpo Expedicionário Português, em França, na Iª Grande Guerra.
Na fase final da sua vida desempenhou funções enquanto Ministro do Interior e
como comandante da Academia Militar (1919-1928).
Filha:

II - III - Maria Manuela Sarmento de Magalhães e Menezes, n. em Lisboa, São


João da Pedreira a 27 de outubro de 1940, 3ª condessa de Felgueiras 46, 15ª senhora
do Paço de Molelos em Tondela, Dama da Ordem Equestre do Santo Sepulcro
de Jerusalém, irmã da Confraria da Rainha Santa Isabel, em Coimbra. Casou em
Sintra, São Martinho, a 12 de maio de 1969 com Luís António Gaia de Paiva
Raposo Ferros, n. em Lisboa, São Jorge de Arroios a 29 de janeiro de 1936, e
f. em Lisboa a 26 de janeiro de 2012. 3º Conde de Felgueiras por casamento 47,
membro da Associação dos Arqueólogos Portugueses, do Instituto Português de
Heráldica, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Academia Portuguesa de
Ex-Líbris, sócio fundador da Academia de Letras e Artes de Cascais, Comen-
dador de Graça com placa, da S. M. Ordem Constantiniana de São Jorge de
Nápoles e Vice-presidente da direção da Associação dos Cavaleiros Portugueses da
Ordem Constantiniana de São Jorge de Nápoles, Cavaleiro da Ordem Equestre
do Santo Sepulcro de Jerusalém, e da Ordem de São Maurício e São Lazaro da
Casa de Saboia. Exerceu a sua atividade profissional como técnico do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Filho de António de Paiva Raposo Ferros, que n. a 5
de fevereiro de 1911, e f. em Cascais, São João do Estoril, a 15 de março de 1997;
ator de teatro e cinema, iniciou a sua carreira teatral fazendo teatro amador no
Grupo Dramático do Clube Estefânia; em 1935, descoberto por Leitão de Barros,
foi convidado para ser um dos protagonistas do filme As Pupilas do Sr. Reitor,
fazendo o papel de Daniel das Dornas; o seu talento e a sua dedicação fizeram

46
Por alvará do Conselho de Nobreza de 16 de outubro de 1973.
47
Por alvará do Conselho de Nobreza de 28 de novembro de 1987.

136
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio

com que, quer o cinema, quer o teatro, não mais o deixassem de chamar 48; passou
pelas maiores companhias de teatro das décadas de quarenta e cinquenta, como a
companhia Rey-Colaço/Robles Monteiro 49; foi agraciado pelo Presidente da Repú-
blica 50 com a comenda da Ordem Militar de São Tiago de Espada, a 10 de junho
de 1995; e de Maria Luísa Perry Vidal Gaya, que nasceu em Lisboa, Coração de
Jesus, a 24 de outubro de 1906 e faleceu em Cascais, São João do Estoril, a 26 de
fevereiro de 2000.
Filhos:

II - IV - 1 - António Joaquim de Gaia de Magalhães e Menezes Ferros, n.


em Lisboa a 12 de julho de 1970, funcionário da Câmara Municipal
de Lisboa, casou em Carcavelos, Cascais, a 17 de novembro de 1998
com Luísa Augusta Pinto Lino, n. a 13 de julho de 1973, em São
Julião da Barra, Oeiras, filha de Fernando Lino Fernandes Pinto, e de
Maria Júlia Mourato Mariano.
Filha:
II - IV - 1 - 1 - Leonor Pinto de Magalhães e Menezes Ferros, n.
em Lisboa, a 26 de novembro de 2004.
II - IV - 2 - Pedro de Tovar de Magalhães e Menezes Ferros, n. em Lisboa,
São Jorge de Arroios, a 22 de agosto de 1971, licenciado em direito,
advogado em Lisboa. Casou em Colares, Sintra, a 22 de maio de
2004 com Maria Francisca Sanches de Baena da Bandeira Ennes,
filha de João Manuel Balançuella de Saldanha da Bandeira Ennes, n.
em Lisboa, S. Sebastião da Pedreira a 7 de abril de 1945, e de sua
mulher, Maria da Graça de Valsassina Sanches de Baena, 3ª viscon-
dessa de Sanches de Baena, que n. a 13 de outubro de 1947.
Filhos:
II - IV - 2 - 1 - Luís Roque Ennes de Magalhães e Menezes Ferros,
n. a 8 de março de 2005.

48
Filmografia de Paiva Raposo: 1935 - As Pupilas do Senhor Reitor, Leitão de Barros; 1940 - Pão
Nosso, Armando de Miranda; 1946 - Camões, Leitão de Barros; 1946 - A Mantilha de Beatriz,
Eduardo Garcia Maroto; 1947 - Aqui Portugal, Armando de Miranda; 1949 - A Morgadinha
dos Canaviais, Caetano Bonucci; 1959 - O Primo Basílio, António Lopes Ribeiro; 1959 - O
Passarinho da Ribeira, Augusto Fraga; 1962 - Um Dia de Vida, Augusto Fraga; 1987 - O Desejado
- As Montanhas da Lua, Paulo Rocha.
49
Participou em centenas de peças, tais como: Um Marido Ideal e É Preciso Viver ambas em 1946;
Outono em Flor e Espada de Fogo ambas em 1949; Nau Catrineta em 1951; A Ceia dos Cardeais
em 1952; A hora da Fantasia em 1954; As Árvores Morrem de Pé em 1965, entre muitas outras.
50
Dr. Mário Soares.

137
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO

II - IV - 2 - 2 - Maria da Graça Ennes de Magalhães e Menezes


Ferros, n. a 31 de dezembro de 2007.
II - IV - 2 - 3 - Maria do Carmo Ennes de Magalhães e Menezes
Ferros, n. a 27 de abril de 2009.
II - IV - 2 - 4 - Ana Ennes de Magalhães e Menezes Ferros, n. a 6
de agosto de 2013.
II - IV - 3 - Manuel Roque de Magalhães e Menezes Ferros, n. em Lisboa,
São Jorge de Arroios, a 5 de janeiro de 1973, licenciado em História
pela Universidade Lusíada de Lisboa, empresário agrícola, atual
morador no Paço de Molelos.

138
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE
PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES NA COLEÇÃO DO
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

Paula Moura Aranha*


Pedro Colares Heringer**

Resumo: as moedas são excelentes fontes para a compreensão de um determinado


período histórico, pois carregam consigo um valioso conjunto de informações acerca
de aspectos econômicos, políticos e culturais do corpo social que as gerou e consumiu.
Neste artigo, os autores analisam um conjunto de moedas do período do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), presentes na Coleção de Numismática do
Museu Histórico Nacional, sob o ponto de vista do objeto enquanto fonte documental.
Através da consulta a catálogos especializados, levantamento de acervo em reserva
técnica e análise de atributos instrínsecos e extrínsecos do material selecionado, e com
base nos conceitos de cultura material e musealização, pretendeu-se entender o signifi-
cado e o contexto da simbologia presente na numária desse Reino Unido.

Abstract: coins are excellent sources for understanding a particular historical period
because they carry a rich set of information about economical, political and cultural
aspects of the society that generated and consumed them. In this article, the authors
analyze a set of coins of the United Kingdom of Portugal, Brazil and Algarves period
(1815-1822), present in the Numismatic Collection of the National History Museum,

* Museóloga, mestre em História e atua no Setor de Numismática do Museu Histórico Nacional.


** Museólogo, mestre em Arqueologia e atua no Setor de Numismática do Museu Histórico
Nacional.

139
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

from the point of view of the object as a documentary source. Through consultation
with specialized catalogs, collection survey in storage, analysis of the intrinsic and
extrinsic attributes of the selected material, and based on the concepts of material
culture and musealization, we sought to understand the meaning and the context of
the simbolic aspects present in the coins of this United Kingdom.

Introdução 1

Neste trabalho analisaremos a imagética do Reino Unido de Portugal, Brasil


e Algarves utilizada na produção monetária da época, com intuito de reunirmos
exemplos do que o poder real intencionava transmitir à sociedade neste contexto
histórico específico. Para tanto, foram selecionados exemplares pertencentes às
coleções de moedas portuguesas e brasileiras do acervo de numismática do Museu
Histórico Nacional, localizado no Rio de Janeiro, Brasil.
Acreditamos que este ensaio possa ajudar o leitor a conhecer um pouco
melhor esse período histórico tão importante para o desenrolar dos aconteci-
mentos que, menos de uma década mais tarde, levariam o Brasil à sua indepen-
dência. Entendendo a moeda como uma eficiente plataforma de controle social
e afirmação do poder real, o estudo das mensagens contidas na produção mone-
tária, através da análise dos elementos imagéticos que nela constam, nos ajudam
a entender o que, para o Estado, deveria ser considerado como o conjunto de
símbolos oficiais do período e seu significado.

A Coleção de Numismática do Museu Histórico Nacional

A Coleção de Numismática do Museu Histórico Nacional é a maior do


gênero existente na América Latina e uma das mais importantes do mundo.
Atualmente está distribuída em diversas tipologias: moedas, valores impressos,
medalhas, ordens honoríficas, filatelia e sigilografia, contabilizando mais de cento
e quarenta e cinco mil objetos. O núcleo original desta coleção foi formado a
partir de 1880, na Biblioteca Nacional, e transferido, em 1923, para o recém-
-fundado Museu Histórico Nacional. A este núcleo agregou-se inúmeras e
valiosas doações tanto de instituições, como Casa da Moeda, Arquivo Nacional,
Museu Nacional e Museu da Marinha, quanto feita por particulares, como Pedro

1
Uma versão deste artigo foi publicada, com pequenas alterações, na revista brasileira Tempo
Amazônico.

140
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

Massena, Guilherme Guinle, Eugênio Vergara Caffarelli, entre muitos outros.


Dentre as doações feitas por particulares, destaca-se aquela realizada pelo cole-
cionador português, Comendador Antônio Pedro de Andrade, que, devido à
qualidade, volume e antiguidade dos objetos – dentre eles moedas e medalhas
brasileiras e estrangeiras, principalmente portuguesas, assim como exemplares da
Antiguidade, como moedas gregas e romanas – é considerada por muitos como
a mais importante doação particular já feita ao Setor de Numismática do Museu
Histórico Nacional.
Destacam-se no acervo do museu três núcleos de grande importância: a
Coleção de moedas do Brasil – desde o período colonial até o meio circulante atual
– incluindo moedas comemorativas, provas de cunho e ensaios; coleção de moedas
de Portugal e colônias, que conta com cunhagens desde Afonso I até a república,
além das colônias portuguesas da Ásia e África; e por último, a coleção de moedas
da Antiguidade, desde a criação da moeda metálica até o império bizantino.

A moeda como fonte documental

A moeda é fundamental para a dinâmica das sociedades urbanizadas e


pode ser entendida como um objeto de grande valor patrimonial devido às infor-
mações obtidas através da análise de seus atributos intrínsecos e extrínsecos. Deve
ser considerada como um documento primário. Justamente por sua capacidade
de permanecer quase completamente inalterada frente à ação do tempo, graças à
natureza durável do seu material, ela nos possibilita o contato com uma realidade
passada tornando-se importante suporte informacional de caráter histórico, artís-
tico, geográfico e econômico acerca do corpo social que a gerou e consumiu. Nela
podemos ver imagens e legendas escolhidas pelos governantes de sua época que
chegaram até os nossos dias mantendo seu caráter original, possibilitando a iden-
tificação de sua data e local de produção. Toda moeda possui informações sobre a
língua, a forma de governo, a cultura e a situação econômica, que nos ajudam a
entender o tempo de sua criação, emissão e circulação. Por tratar-se de um item
cotidiano, usado como forma de medida e valoração de atividades comerciais,
que, por sua vez, são relações elementares da vida urbana, a moeda, para além de
sua função primeira, pode ser entendida como um dispositivo informacional do
Estado, pois:

“na antiguidade constituía o único suporte móvel para fazer propaganda e


enviar mensagens de maneira rápida à população que estava perto e à que

141
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

estava longe, posto que a moeda, por seu valor intrínseco, era querida em
qualquer âmbito” (GARCÍA-BELLIDO, 1992, p. 237 – tradução nossa).

Neste sentido, feitos, faces, expressões e palavras de afirmação eram trans-


mitidas à população de modo geral colaborando para a afirmação da identidade
de um grupo e o consequente reconhecimento da figura de autoridade que os
regula e representa.
Cada vez mais observamos o diálogo da História com a Arqueologia,
através dos estudos de cultura material, como um olhar alternativo à tradição da
documentação textual, pois “a tendência das ciências humanas tem sido privile-
giar a multiplicação de objetos, de abordagens e, consequentemente, de fontes de
informação” (FUNARI, 2003, p. 25). A perspectiva histórica tradicional tem sua
metodologia limitada pela tipologia de fontes escritas comumente utilizadas, que
tendem a relatar pontos de vista específicos e carregados de subjetividade acerca
de um determinado assunto.

“A documentação clássica, escrita ou visual, pode englobar amplos sectores


da cultura material, mas só dá deles uma imagem reflectida, subjectiva e já
interpretada, necessitando, portanto, de certa prudência. Com o próprio
material, que se pode tocar, examinar e interpretar sem o perigo de erro
devido à subjectividade da documentação.” (BUCAILLE ; PESEZ, 1989, 
p.  11).

Portanto, a análise de outras fontes documentais, através da perspectiva


dos estudos de cultura material, pode servir como metodologia de pesquisa para
que seja possível almejar outra forma de compreensão sobre o passado.
De acordo com Ulpiano Menezes, “o que importa é se temos elementos
suficientes para compor, instaurar, definir um sistema documental, que é produ-
zido pela operação de conhecimento do historiador (...) um sistema orgânico,
passível de leitura” (MENESES, 1983, p. 109). Deste modo, as cunhagens
podem ser interpretadas como instrumentos passíveis de análise multidisciplinar
visando o entendimento de diferentes esferas de um determinado contexto histórico
de modo a nos permitir inferir padrões de comportamento social e econômico.
Munidos com este pensamento, encontramos no estudo da imagética contida nas
moedas portuguesas e brasileiras do período compreendido entre 1815 e 1822,
um meio paralelo de estudo da ideologia de Estado durante o contexto de exis-
tência do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves.

142
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

O meio circulante do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves

As primeiras cunhagens portuguesas foram feitas no reinado de D. Afonso


I (1128-1185) e a partir de então as moedas passariam a ser um dos atributos
indispensáveis da soberania. A partir da publicação das Ordenações Afonsinas,
no século XV, foi assegurado o direito régio exclusivo da cunhagem, conside-
rando falsas as moedas feitas sem ordenação do governante. Já no Brasil, eram
encontradas diferentes moedas em seu território até a inauguração da primeira
Casa da Moeda da Bahia, em 1694, criada com a finalidade da emissão da moeda
provincial e regida pelo mesmo regime monetário da Casa da Moeda de Lisboa.
No século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Brasil,
D. João, ainda como Príncipe Regente, alterou as relações existentes entre as
duas regiões, elevando o Brasil à mesma categoria de Reino e criando o Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Não trataremos dos detalhes desta ação, mas
deixamos claro que este feito modificou não apenas a vida cotidiana no Brasil,
mas de um modo geral, de todo o novo reino, pois reconheceu a importância do
Brasil como um centro de suas decisões políticas. No ano seguinte à elevação, o
Príncipe Regente deixou clara sua intenção de oficializar simbolicamente a união
dos Reinos através da Carta de Lei emitida em 13 de maio de 1816, em que foram
criadas as armas ao Reino do Brasil incorporando-as ao escudo real existente ante-
riormente, formando assim o as Armas de Portugal, Brasil e Algarves:

(...) Faço saber aos que a presente carta lei virem, que tendo sido servido
unir os meus Reinos de Portugal Brazil e Algarves, para que juntos consti-
tuissem, como effectivamente constituem um só e mesmo Reino, é regular
e consequente o incorporar em um sí Escudo Real as Armas de todos os
tres Reinos (...) e occorrendo que para este effeito o meu Reino do Brazil
ainda não tam Armas que caracterisem a bem merecida preeminencia a
que me aprouve exaltal-o: Hei por bem, e me praz ordenar o seguinte.
I. Que o Reino do Brazil tenha por Armas uma esphera armillar de ouro
em campo azul.
II. Que o escudo real Portugues, incripto na dita esphera armillar de ouro
em campo azul, com uma Corôa sobreposta, fique sendo de hoje em diante
as armas do Reino Unido de Portugal e do Brazil e Algarves, e das mais
partes integrantes da minha Monarchia.
III. Que estas novas armas sejam por conseguinte as que uniformemente
se hajam de empregar em todos os estandartes, bandeiras, sellos reaes e

143
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

cunhos de moedas, assim como em tudo mais em que até agora se tenha
feito uso das armas precedentes [...]. 2

Em Portugal, os tipos monetários passam por alterações assim que D. João


VI é aclamado rei, em 1818. Na cunhagem brasileira, a legenda com o título
“Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”, substitui a anterior em uma emissão
especial de 1816, formada por somente cinco moedas (20, 40, 960, 4.000 e 6.400
réis). No entanto, seria apenas em 1818 que se padronizariam as emissões com a
imagética estabelecida para o novo Reino, que permaneceriam assim até a inde-
pendência do Brasil, em 1822. Para demonstrar a utilização destes elementos,
escolhemos exemplares representantes das três casas que emitiram moedas neste
período em território brasileiro: Casa da Moeda da Bahia, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, além disso, ainda selecionamos exemplares portugueses emitidos pela casa
da moeda de Lisboa.
Tanto no Brasil quanto em Portugal, a unidade básica de valor era o “real”,
com o plural “reais”, comumente chamado de “réis”. O “real” entrou em vigor
em Portugal substituindo o “dinheiro” no início do século XV. Foi estabelecido
no Brasil, ainda no período de dominação portuguesa, com sua denominação
alterada definitivamente para “réis”.
No período do Reino Unido, os metais escolhidos para a produção mone-
tária seguiam o padrão dos metais utilizados nas cunhagens mundiais. O ouro,
metal abundante no Brasil no século XVIII e responsável pelo período de riqueza
para Portugal, foi utilizado nas moedas de maiores valores. A prata foi outro metal
importante nos períodos anteriores em todo o mundo e com grande circulação no
Brasil, graças as moedas de colônias espanholas que entravam no território brasi-
leiro devido ao comércio. O cobre e o bronze, utilizados em moedas de menor
valor, tornaram-se extremamente necessários para o comércio local e transações
rotineiras, pois não havia uma maneira do comércio se manter apenas com as
moedas de grandes valores.
A produção de moedas em Portugal possuía um padrão de valores dife-
renciado daquele utilizado em território brasileiro. O quadro abaixo apresenta os
valores praticados no Brasil e em Portugal durante o período em questão, assim
como os metais associados às moedas.

2
PORTUGAL, Carta de Lei de 13 de maio de 1816.

144
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

Brasil Portugal

Moedas de Ouro Moedas de Ouro

• 6.400 réis (Peça) réis • 6.400 réis (Peça)


• 4.000 réis • 3.200 réis (Meia Peça)
• 1.600 réis (Escudo)
• 1.200 réis (Quartinho)
• 800 réis (Meio Escudo)
• 480 réis (Cruzado Novo – Pinto)

Moedas de Prata Moedas de Prata

• 960 réis (3 Patacas) • 480 réis (Cruzado Novo)


• 640 réis (2 Patacas) • 240 réis (12 Vinténs)
• 320 réis (Pataca) • 120 réis (6 Vinténs)
• 160 réis • 100 réis (Tostão)
• 80 réis • 60 réis (3 Vinténs)
• 50 réis (Meio Tostão)

Moedas de Cobre e Bronze Moedas de Cobre e Bronze

• 80 réis (LXXX) • 40 réis (Pataco)*


• 75 réis, • 10 réis (X)
• 40 réis (XL) • 5 réis (V)
• 37 ½ réis, • 3 réis (III)
• 20 réis (XX)
• 10 réis (X)

* Dentre as moedas listadas, a de 40 réis, o “Pataco”, é a única feita de bronze.

Quadro 1 - Valores das amoedações utilizadas durante o período do Reino Unido

Metodologia de seleção do acervo

A seleção dos exemplares constantes deste trabalho de pesquisa seguiu as


seguintes etapas metodológicas: consulta à referência bibliográfica; consulta ao
inventário do Setor de Numismática do Museu Histórico Nacional; checagem

145
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

das peças do acervo; documentação fotográfica das peças selecionadas e realização


de ficha descritiva das mesmas.
Em primeiro lugar foi feita uma consulta aos catálogos numismáticos com
o intuito de levantar todos os tipos monetários que circularam no Brasil e em
Portugal durante o período compreendido entre 1815 e 1822, quando ambos
faziam parte do contexto político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Após o levantamento bibliográfico, procedeu-se à consulta ao inventário
de acervo do Setor de Numismática do MHN com objetivo de verificar se havia
exemplares dos tipos monetários reconhecidos nas consultas aos catálogos.
Uma vez levantadas as peças do período citado constantes no inventário do
Setor, iniciou-se a conferência dos itens selecionados com o objetivo de escolher,
dentre às duplicatas, aquelas em melhor estado de conservação para facilitar os
trabalhos de fotografia e descrição das moedas.
As moedas em melhor estado de conservação foram higienizadas, foto-
grafadas e posteriormente agrupadas por material e data. Como algumas séries
mantiveram-se praticamente inalteradas durante o período de duração do Reino
Unido, optou-se por não repetir fotografias de exemplares que, apesar de apre-
sentarem datas diferentes, utilizaram modelo de cunho muito similar, conhe-
cidas como variantes. Para cada um dos exemplares selecionados foi feita uma
ficha contendo as fotografias, descrição do anverso e reverso, o valor da moeda,
seu peso e diâmetro, bem como a indicação de seu material constituinte.

Análise das moedas

Após a análise das moedas selecionadas notamos a predominância de três


elementos imagéticos: a Cruz, as Armas do Reino e a Esfera Armilar. Ainda perce-
bemos a alteração da legenda, em que o nome “Brasil” foi inserido onde antes
apareciam apenas Portugal e Algarves. Pode-se perceber, ainda, a mudança na
titulação de D. João, que figurava anteriormente como Príncipe Regente e é apre-
sentado na nova legenda como Rei D. João VI.
O uso da Cruz de Cristo deveu-se à forte atuação da Ordem de Cristo durante
o período da expansão portuguesa. Em reconhecimento às ações da Ordem, D.
Duarte ordenou que as armadas levassem estandartes com as Armas Reais sobre a
Cruz de Cristo em suas velas, deste modo, essa cruz tornou-se um símbolo sagrado
dos navegantes de Portugal. Assim, quando os portugueses chegaram ao que seria
o território do Brasil, trouxeram consigo uma bandeira branca com a imagem da
Cruz de Cristo vermelha em seu centro e, ao pisarem em terra firme, nomearam as
terras recém-descobertas Terra de Vera Cruz, ou Terra de Santa Cruz.

146
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

A Cruz de Cristo, portanto, está associada ao território brasileiro desde


o primeiro momento da chegada dos portugueses e viria a figurar na emissão
nacional desde o fim do século XVII, nas primeiras cunhagens da Casa da Moeda
da Bahia, em 1695. Durante o período de existência do Reino Unido, este
símbolo figura no reverso das moedas de 60(Ar), 120(Ar), 240(Ar), 480(Ar), 480
(Au) e 1200(Au) réis. Nas moedas cunhadas em solo brasileiro, a Cruz de Cristo
está presente no reverso de todas as nossas moedas de prata (80, 160, 320, 640
e 960 réis) posicionada sob as armas do Reino Unido (escudo português sobre
esfera armilar, encimado por coroa real). As moedas de 50 e 100 réis – cunhadas
em Portugal – mantiveram os campos do anverso e reverso com a mesma estru-
tura desde 1688, portanto, as amoedações deste valor utilizam um modelo de
cruz diferente, a cruz de São Jorge. Este modelo de cruz pode ser visto também
nas moedas brasileiras de 4.000 réis.
A esfera armilar, originalmente, foi um instrumento de astronomia ampla-
mente utilizado nas navegações. Trata-se de um complexo sistema de ilustração
do movimento dos astros em que as armilas – aros de metal que formam a esfera –
indicam importantes marcos referenciais como os trópicos e o Equador. O início
da utilização deste instrumento como símbolo remonta aos tempos do reinado de
D. Manuel I, que o adotou como empresa ou emblema pessoal. O rei utilizava
a esfera armilar em todos os meios possíveis de divulgação, como cartas, mapas,
artes, arquitetura, entre outros. Os sucessores de D. Manuel mantiveram o uso
da esfera que, por ter sido empregada intensamente, acabou por tornar-se um
símbolo nacional de Portugal. Alguns domínios ultramarinos portugueses foram
marcados com este elemento e no Brasil não foi diferente. Podemos confirmar
este uso observando a primeira série de moedas cunhadas sob ordem de D. Pedro
II de Portugal, entre 1695 e 1702, na Casa da Moeda da Bahia, onde a esfera
armilar é representada sobre uma cruz de Cristo nos reversos de todas as moedas
produzidas em prata. O mesmo aconteceu em grande parte da produção mone-
tária de colônias portuguesas do Oriente.
Como já mencionado, as Armas do Reino Unido de Portugal Brasil
e Algarves foram criadas logo após a elevação do Brasil à categoria de reino.
Formou-se por união das Armas do reino de Portugal e Algarves com as recém-
criadas Armas do Brasil, que tomaram a forma de “uma esfera armilar de ouro
em um campo azul”, conforme apontado anteriormente através do trecho da
Carta de Lei de 13 de maio de 1816. As Armas do novo reino ficaram, portanto,
identificadas por um escudo com 5 escudetes no campo (representação original
de Portugal) e 7 castelos na bordadura (representando o território de Algarves),
sobre uma esfera armilar, encimados por uma coroa real fechada.

147
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

Para obtermos uma melhor compreensão sobre as mensagens transmitidas


pelo poder real através das moedas é preciso voltar nossa atenção para além dos
símbolos ali constantes e mapearmos, ainda, as inscrições contidas nas legendas.
Dentre as trinta e uma moedas que compõe nosso universo de pesquisa, existem
somente cinco variações do texto contido nas legendas, conforme podemos
observar no quadro abaixo:

Inscrição conforme Inscrição sem Significado


moeda abreviações
JOANNES SEXTUS DEI
“JOANNES. VI. D. G. D. João sexto, por graça
GRATIA PORTUGALIÆ
PORTUG.BRASIL. ET. de Deus, Rei de Portugal e
BRASILIÆ ET
ALGARB. REX” 3 do Brasil e Algarves
ALGARBIORUM REX
“IN HOC SIGNO IN HOC SIGNO
Por este sinal vencerás
VINCES” VINCES
“SUBQ SIGN NATA SUBQUO SIGNO Sob esse sinal nasceu e
STAB” NATA STABILI permanecerá
“PECUNIA. TOTUM PECUNIA TOTUM O dinheiro circula pelo
CIRCUMIT. ORBEM” CIRCUMIT ORBEM mundo todo
Utilidade pública
“UTILITATI PUBLICÆ” UTILITATI PUBLICÆ

Quadro 2 - Legendas e significados presentes no meio circulante do Reino Unido

Em primeiro lugar, podemos observar que a inscrição “JOANNES


SEXTUS DEI GRATIA PORTUGALIÆ BRASILIÆ ET ALGARBIORUM
REX” está presente no anverso de praticamente 4 todas as moedas do período estu-
dado. A face principal das moedas da época cumpria o papel de informar aos cida-
dãos que “JOANNES SEXTUS” (D. João VI), por “DEI GRATIA” (por graça
de Deus), era o “REX” (Rei) dos territórios de “PORTUGALIÆ BRASILIÆ ET
ALGARBIORUM” (Portugal, Brasil e Algarves). Em outras palavras, nas práticas
comerciais cotidianas todos os usuários da moeda – ferramenta criada e regulada
pelo Estado – eram constantemente lembrados da figura da autoridade real, da
extensão de seus domínios e de sua associação com o poder divino. Associação
esta, que pode ter suas raízes traçadas até a idade média, e que tem, no século
XVII, através das teorias do direito divino de Bodin e Bussoet e da figura de Luís
XIV, o “Rei Sol” francês, seu exemplo mais conhecido.
3
As moedas analisadas apresentam breves alterações no modo de abreviação desta legenda.
4
Com excessão do Cruzado Novo (Pinto) português.

148
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

A inscrição “IN HOC SIGNO VINCES”, presente na grande maioria das


moedas cunhadas em Portugal no período, tem o papel de fortalecer a conexão
entre o poder real e a religião. O signo ao qual a inscrição – cuja tradução é: “Por
este sinal vencerás” – se refere é a Cruz de Cristo, que segundo a tradição teria
aparecido, em sonho, ao imperador romano Constantino I, no início do século
quarto, na noite anterior à sua vitória sobre Magêncio na disputa pelo controle
do império romano do ocidente, no episódio que ficou conhecido como Batalha
da Ponte Mílvia. É interessante notar que a cruz, referência divina, figura somente
nas moedas de prata e ouro, o que torna possível inferirmos que o cobre, por ser
um metal de valor inferior, não fosse considerado material digno de carregar o
símbolo máximo do catolicismo.
A inscrição “SUBQUO SIGNO NATA STABILI” está presente no reverso
da série de moedas de prata conhecidas como “Patacas”. O signo ao qual a inscrição
– cuja tradução é: “Sob esse sinal nasceu e permanecerá” – se refere é a Cruz de Cristo
sobreposta por uma esfera armilar e escudo de armas de Portugal. Antes da criação
do reino unido, as primeiras moedas fabricadas em solo brasileiro – a mando da
coroa portuguesa – na casa da moeda da Bahia, em 1695, carregavam em seu reverso
somente a Cruz de Cristo sobreposta por esfera armilar acompanhadas da mesma
legenda. O sinal, ao qual às inscrições dizem respeito, é o conjunto composto, origi-
nalmente, pela cruz e pela esfera, e tem seu significado diretamente relacionado ao
conteúdo simbólico desses dois elementos conforme nos aponta SEIXAS:

A moeda provincial de prata, cunhada na oficina monetária da Baía entre


1695 e 1702, abrangia seis espécies, cujos valores de circulação eram de
640, 320, 160, 80, 40 e 20 réis. No reverso de todas estas espécies, figurava
um tipo uniforme, tendo uma cruz de Cristo (comum à moeda da Metró-
pole) sotoposta a uma esfera armilar, cantonada pela legenda “SVBQ.
SIGN. NATA. STAB.”. A legenda remete, num complexo jogo de pala-
vras, para o nascimento do Brasil sob o signo da cruz (tanto pela intro-
dução do Cristianismo como pelo próprio topónimo fundacional) e da
esfera armilar (tomada portanto como símbolo dos reinados de D.Manuel
I e, talvez, de D. João III). 5

Dentre todas as amoedações analisadas do período do Reino Unido de


Portugal, Brasil e Algarves, apenas a moeda portuguesa de 40 réis, conhecida
como “Pataco”, apresenta uma legenda única, cujo uso não se repete em nenhum

5
SEIXAS, Miguel Metelo. As Armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Olisipo,
Lisboa, II série, n.º 14, p. 110-127, 2001, p. 116.

149
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

outro valor: “UTILITATI PUBLICÆ”. Estas palavras, que podem ser traduzidas
como “utilidade pública” ou “para utilidade pública”, tem relação direta com o
propósito de criação da moeda. Esta pesada moeda de bronze foi um recurso
utilizado desde 1811, pelo Estado português, para sanar problemas econômicos
de ordens variadas.
As amoedações com valores de 10, 20, 37 ½, 40, 75 e 80 réis, cunhadas em
cobre, a partir de 1818 no Brasil, apresentavam no reverso a legenda: “PECUNIA
TOTUM CIRCUMIT ORBEM”, que pode ser traduzida como “o dinheiro
circula pelo mundo todo”. Por possuírem menor valor comercial, essas moedas
eram, certamente, as mais vistas pela grande maioria da população. Não há uma
explicação definitiva para a seleção dos dizeres destes valores, mas a questão da
circulação do dinheiro pode, entretanto, ser associada à intenção do Estado sob
duas óticas diferentes: a primeira diz respeito à afirmação frente aos súditos acerca
da grandiosidade dos domínios da Coroa que, à época, espalhavam-se por 4
continentes; em segundo lugar, a legenda em questão pode ser encarada como
uma orientação para a dinamização da economia através da circulação da moeda,
haja visto que em diferentes ocasiões tanto a capital quanto as colônias passaram
por dificuldades devido à escassez de meio circulante.
Uma questão que foge ao teor das legendas, mas é de importante
compreensão para o pesquisador que se depara com as moedas produzidas em
território Português, durante o período em questão, é o acréscimo percentual dos
seus valores. Algumas amoedações da época – como mostra o quadro abaixo –
apresentavam valores diferentes dos praticados.

Valor constante na moeda Valor praticado


“XXXX” 50 réis
“LXXX” 100 réis
“200” 240 réis
“400” (prata) 480 réis
“400” (ouro) 480 réis
“1000” 1200 réis

Quadro 3 - Conversão de valores das moedas cunhadas em Portugal

Essa diferença, entre o que consta na moeda e seu valor de mercado, deve-se
a uma legislação expedida pelo Rei Pedro II de Portugal mais de um século antes
de nosso período de estudo. Em 4 de agosto de 1688, o então rei português
levantou em 20% o valor das moedas de prata e ouro correntes do reinado. O
objetivo desta mudança conta no próprio conteúdo da lei:

150
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

“desejando dar remedio aos damnos, que actualmente padecem meus


vassallos na reducção das moedas de prata cerceadas, & nas de ouro
das fabricas antiguas, que mandei correr a pezo, emquanto senaõ redu-
ziaõ[...]” 6

Não cabe aqui discutir as questões econômicas que levaram à criação


da supracitada legislação que alterou o valor corrente das moedas 7, tampouco
discutir os motivos de sua longa vigência. Cabe-nos tentar minimizar a confusão
causada, em consequência da mesma, no momento de apreciação das moedas.

Considerações finais

Em um contexto em que a grande maioria da população era analfabeta


e os domínios vastos, distantes e, portanto, habitados por grupos com referen-
ciais culturais totalmente distintas, os símbolos adotados pelo Estado certamente
tiveram papel de destaque na afirmação do Poder Real e na configuração de um
sentimento – ainda que frágil – de unidade entre os territórios. Neste sentido,
a moeda, talvez o mais cotidiano dos itens da vida urbana, tornou-se o veículo
ideal para a comunicação da ideologia da Coroa, ou pelo menos, para impor o
reconhecimento de seu poder a seus súditos às vezes tão distantes.
Encarar a moeda – especialmente as anteriores ao século XX – como um
simples instrumento destinado a facilitar a troca comercial é, portanto, observar
um mero aspecto utilitário do objeto, frente ao amplo leque de informações ali
dispostas. Uma análise histórica orientada a problematização do objeto – no caso,
as moedas – como fonte documental nos permite perceber características cruciais
do contexto sociopolítico do Reino Unido, tais como: a proximidade entre o
estado e a Igreja, a necessidade de difusão da imagem do regente, a escassez das
cunhagens e a afirmação dos domínios territoriais.
Aliar documento e objeto, forma e uso, contexto e informação, de modo a
construir um discurso baseado em evidências e o mais distante possível da subjeti-
vidade, assim como tornar este produto acessível e palatável para o público geral,
é um compromisso que deve estar sempre regendo as atividades das instituições
de cultura e aqueles que ali prestam serviços.
O período histórico do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves já
foi amplamente estudado e debatido com base nas fontes historiográficas tradi-

6
PORTUGAL, Lei monetária de 4 de agosto de 1688.
7
Para melhor compreensão destes aspectos, consultar LIMA, 2005.

151
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

cionais. Porém, acreditamos que ainda há muito a muito a ser construído – ou


desconstruído – sobre esse momento de nossa história. Nesse capítulo, intencio-
namos encarar a moeda como fonte primária de informação de modo a fornecer
dados que julgamos ser de grande importância para futuras pesquisas.

Referências

BUCAILLE, Richard ; PESEZ, Jean-Marie, “Cultura material”, in Enciclopédia


Einaudi, vol. 16, Lisboa, IN-CM, (1989), pp. 11-47

BRUNO, Maria Cristina Oliveira, “Museologia: algumas ideias para a sua orga-
nização disciplinar”, Cadernos de Sociomuseologia. Lisboa, ULHT, nº 9, (1996),
pp. 9-33.

CURY, Marília Xavier, Exposição: concepção, montagem e avaliação, São Paulo,


Annablume, 2005.

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François, Conceitos-chave de Museologia. São


Paulo, Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus / Pinacoteca do
Estado de São Paulo, 2013.

FUNARI, Pedro Paulo, “Os historiadores e a cultura material”, in PINSKY, Carla


Bassanezi. Fontes Históricas, São Paulo, Contexto, 2010, pp. 81-110.

GARCÍA-BELLIDO, Maria Paz, “La moneda, libro en imágenes de la ciudad”,


in OLMOS, Romera,  La sociedad ibérica a través de la imagen, Madrid, Minis-
terio de Cultura, 1992, pp. 237-249.

GUARNIERI, Waldisa Russio Camargo, “Conceito de cultura e sua inter-relação


com o patrimônio cultural e a preservação”, Cadernos Museológicos, n. 3, (1990),
pp. 7-12.

LIMA, Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira, “A lei de cunhagem de 4


de agosto de 1688 e a emissão de moeda provincial no Brasil (1695-1702): um
episódio da história monetária do Brasil”, Revista de Economia Contemporânea, n.
9(2), (2005), pp. 385-410.

152
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

LOUREIRO, Maria Lucia de Niemeyer Matheus;  LOUREIRO, José


Mauro Matheus, “Documento e musealização: entretecendo conceitos”,
MIDAS [Online], 1, (2013), actual. 1 Jan. 2013 [Consult. 10 Jul. 2015], Dispo-
nível em: URL: http://midas.revues.org/78. 

MENESES, Ulpiano Bezerra de, “A exposição museológica: reflexões sobre


pontos críticos na prática contemporânea”, Ciências em Museus, n. 4, (1992), pp.
103-120.

NASCIMENTO, Rosana,  “O objeto museal como objeto de conhecimento”,


Cadernos de sociomuseologia. v. 11, nº 11, (1998), pp. 21-35.

SEIXAS, Miguel Metelo, “As Armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e


Algarves”, Olisipo, II série, n.º 14, (2001), pp. 110-127.

SOUSA, Rita Martins de, Moeda e Estado: políticas monetárias e determinantes da


procura (1688-1797), Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade
Técnica de Lisboa, Lisboa, Iseg, 2001.

153
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1805-1817, Casa da Moeda do Rio - Ouro


Anverso 6400 Réis 1816 Ouro Ø32,14mm Peso 14,34g
Anverso: Reverso:
No campo Busto do Escudo nacional português encimado
Príncipe Regente D. por Coroa Real
João VI, orientado à di-
reita, orlado pela legen-
da JOANNES. D. G.
PORT. BRAS. ET. ALG.
P. REGENS, e letra mo-
netária “R”.
Reverso
* Série especial com
inclusão do Brasil na
legenda

1818-1824, Casa da Moeda de Lisboa - Ouro


Anverso 6400 Réis 1819 Ouro Ø31,5mm Peso 14,34g
Anverso: Reverso:
No campo Busto do No campo, Brasão do Reino Unido de
Príncipe Regente D. Portugal, Brasil e Algarves, encimado
João VI, orientado à pela Coroa Real, ladeado por ramos de
direita, orlado pela le- café e tabaco entrelaçados nas extremi-
genda JOANNES. VI. dades inferiores.
D. G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.
Reverso

154
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1805-1817, Casa da Moeda do Rio de Janeiro - Ouro


Anverso 4000 Réis 1816 Ouro Ø35,01mm Peso 8,06g
Anverso: Reverso:
No campo, escudo na- No campo, cruz grega vazada envolta
cional português enci- por caderna de crescentes entrelaça-
mado por Coroa Real das. Na orla, o ano, 1816, ladeador
e ladeado, à esquerda, por florões, e a legenda PRINCEPS.
pelo valor 4000 entre REGENS. ANNO
pontos e, à direita, por
três florões entre pon-
Reverso tos. Na orla, a legen-
da JOANNES. D. G.
PORT. BRAS. ET. ALG

* Série especial com


inclusão do Brasil na
legenda

1818-1822, Reino Unido, Casa da Moeda do Rio de Janeiro - Ouro


Anverso 4000 Réis 1819 Ouro Ø27mm Peso 8,06g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão do No campo, cruz grega vazada envolta
Reino Unido de Por- por caderna de crescentes entrelaça-
tugal, Brasil e Algarves, das. Na orla, o ano, 1819, ladeado
encimado pela Coroa por florões, e a legenda JOANNES.
Real, ladeado por ra- VI.D.G.PORT.BRAS.ET.ALG.REX
mos de café e tabaco
que se cruzam nas ex-
tremidades inferiores
Reverso
sobre o valor 4000.

155
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1818-1821, Quartinho, Reino Unido, Casa da Moeda de lisboa - Ouro


Anverso 1200 Réis 1819 Ouro Ø18mm Peso 2,69g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão do No campo, Cruz de Jerusalém com
Reino Unido de Por- florões nas angulações. Na orla, o ano,
tugal, Brasil e Algarves, 1819, ladeado por florões, e a legenda
encimado pela Coroa IN.HOC.SIGNO.VINCES
Real que dividem a dis-
posição do valor, 1000,
de modo que os dois
primeiros algarismos
Reverso estejam à esquerda das
armas e da coroa e os
dois últimos, à direi-
ta. Na orla a inscrição
JOANNES. VI. D. G.
PORT. BRASIL. ET.
ALG. REX.

1818-1821, ½ Escudo, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Ouro


Anverso 800 Réis 1818 Ouro Ø17mm Peso 1,79g
Anverso: Reverso:
No campo, busto lau- No campo, Brasão do Reino Unido de
reado de D. João VI, Portugal, Brasil e Algarves, encimado
orientado à direita. pela Coroa Real, ladeado por ramos de
Na legenda a inscrição café e tabaco que se cruzam nas extremi-
JOANNES. VI. D. G. dades inferiores.
PORT. BRASIL. ET.
ALG. REX.

Reverso

156
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1818, 1819 e 1821, Escudo, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Ouro
Anverso 1600 Réis 1821 Ouro Ø20mm Peso3,58g
Anverso: Reverso:
No campo, busto lau- No campo, Brasão do Reino Unido de
reado de D. João VI, Portugal, Brasil e Algarves, encimado
orientado à direita. pela Coroa Real, ladeado por ramos de
Na legenda a inscrição café e tabaco que se cruzam nas extremi-
JOANNES. VI. D. G. dades inferiores.
PORT. BRASIL. ET.
ALG. REX.

Reverso

1818-1821, Cruzado Novo (Pinto), Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa


- Ouro
Anverso 480 Réis 1821 Ouro Ø14mm Peso 1,07g
Anverso: Reverso:
No campo, a inscrição No campo, Cruz de Jerusalém com
JOAN VI, encimada florões nas angulações. Na orla, o ano,
por Coroa Real e ladea- 1821, ladeado por florões, e a legenda
da por ramos de louro IN.HOC.SIGNO.VINCES
que se cruzam na ex-
tremidade inferior. No
exergo, abaixo dos ra-
Reverso mos, o valor, “400”.

157
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

S/D, Meio Tostão, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Prata


Anverso 50 réis S/D Prata Ø17mm Peso 1,53g
Anverso: Reverso:
No campo, o valor No campo, cruz grega com florões nas
XXXX, encimado angulações. Na orla, um florão entre
por Coroa Real e dois pontos na parte superior e a legenda IN
florões posicionados HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
na altura do diadema. vras separadas por florões.
Um florão entre pontos
abaixo do valor. Na orla
Reverso a inscrição JOANNES.
VI. D. G. PORT.
BRASIL. ET. ALG.
REX.

S/D, Três Vinténs, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Prata


Anverso 60 Réis S/D Prata Ø18mm Peso 1,84g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão do No campo, Cruz de Jerusalém com
Reino Unido de Por- florões nas angulações. Na orla, três
tugal, Brasil e Algarves, florões na parte superior e a legenda IN
encimado pela Coroa HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
Real. Na orla a inscri- vras separadas por florões.
ção JOANNES. VI.
Reverso D. G. PORT. BRASIL.
ET. ALG. REX.

158
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

S/D, Tostão, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Prata


Anverso 100 réis S/D Prata Ø22mm Peso 3,06g
Anverso: Reverso:
No campo, o valor No campo, cruz grega com florões nas
LXXX, encimado por angulações. Na orla, um florão entre
Coroa Real e dois pontos na parte superior e a legenda IN
florões posicionados HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
na altura do diadema. vras separadas por florões.
Um florão entre pontos
Reverso abaixo do valor. Na orla
a inscrição JOANNES.
VI. D. G. PORT.
BRASIL. ET. ALG.
REX.

S/D, Seis Vinténs, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Prata


Anverso 120 Réis S/D Prata Ø23,5mm Peso 3,67g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão do No campo, Cruz de Jerusalém com
Reino Unido de Por- florões nas angulações. Na orla, três
tugal, Brasil e Algarves, florões na parte superior e a legenda IN
encimado pela Coroa HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
Real. Na orla a inscri- vras separadas por florões.
ção JOANNES. VI.
D. G. PORT. BRASIL.
Reverso ET. ALG. REX.

159
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1818, 1820 e 1821, 12 Vinténs, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa -


Prata
Anverso 240 Réis 1818 Prata Ø29,5mm Peso 7,34g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão No campo, Cruz de Jerusalém com
do Reino Unido de florões nas angulações. Na orla, três
Portugal, Brasil e Al- florões na parte superior e a legenda IN
garves, encimado pela HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
Coroa Real e ladeado, vras separadas por florões.
à esquerda, pelo valor,
200, entre florões e, à
Reverso direita, pela data, 1818,
também entre florões.
Na orla a inscrição
JOANNES. VI. D. G.
PORTUG. BRASIL.
ET. ALGARB. REX.

1818-1825, Cruzado Novo, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Prata


Anverso 480 Réis 1820 Prata Ø35mm Peso 14,68g
Anverso: Reverso:
No campo, Brasão No campo, Cruz de Jerusalém com
do Reino Unido de florões nas angulações. Na orla, três
Portugal, Brasil e Al- florões na parte superior e a legenda IN
garves, encimado pela HOC SIGNO VINCES, sendo as pala-
Coroa Real e ladeado, vras separadas por florões.
à esquerda, pelo valor,
400, entre florões e, à
Reverso direita, pela data, 1820,
também entre florões.
Na orla a inscrição
JOANNES. VI. D. G.
PORTUG. BRASIL.
ET. ALGARB. REX.

160
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1818-1822, Patacas, Casa da Moeda do Rio, Prata


Anverso 960 Réis 1818 Prata Ø40mm Peso26,80g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 960, No campo, cruz pátea sobreposta por es-
encimado por coroa fera armilar e escudo de portugal (armas
real arrematada de cruz do Reino Unido de Portugal, Brasil e
latina singela, ladeado Algarves). Apresenta a legenda “SUBQ.
por dois ramos frutifi- SIGN. NATA. STAB.” com as expres-
cados de louro que se sões posicionadas entre os braços da cruz
cruzam na parte infe-
rior. Abaixo do valor
Reverso
constam a data, 1818, e
a letra “R”, que remete
à casa da moeda do Rio
de Janeiro, ladeada por
dois florões. Legenda:
JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

1818-1822, Patacas, Casa da Moeda do Rio, Prata


Anverso 640 Réis 1818 Prata Ø37mm Peso 17,92g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 640, No campo, cruz pátea sobreposta por es-
encimado por coroa fera armilar e escudo de portugal. Apre-
real arrematada de cruz senta a legenda “SUBQ. SIGN. NATA.
latina singela, ladeado STAB.” com as expressões posicionadas
por dois ramos frutifi- entre os braços da cruz
cados de louro que se
cruzam na parte infe-
rior. Abaixo do valor
Reverso constam a data, 1818, e
a letra “R”, que remete
à casa da moeda do Rio
de Janeiro, ladeada por
dois florões. Legenda:
JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

161
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1818-1822, Patacas, Casa da Moeda do Rio, Prata


Anverso 320 Réis 1819 Prata Ø31mm Peso 8,96g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 320, No campo, cruz pátea sobreposta por es-
encimado por coroa fera armilar e escudo de portugal. Apre-
real arrematada de cruz senta a legenda “SUBQ. SIGN. NATA.
latina singela, ladeado STAB.” com as expressões posicionadas
por dois ramos frutifi- entre os braços da cruz
cados de louro que se
cruzam na parte infe-
Reverso rior. Abaixo do valor
constam a data, 1818, e
a letra “R”, que remete
à casa da moeda do Rio
de Janeiro, ladeada por
dois florões. Legenda:
JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

1818-1822, Patacas, Casa da Moeda do Rio, Prata


Anverso 160 Réis 1818 Prata Ø25mm Peso 4,48g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 160, No campo, cruz pátea sobreposta por es-
encimado por coroa fera armilar e escudo de portugal. Apre-
real arrematada de cruz senta a legenda “SUBQ. SIGN. NATA.
latina singela, ladeado STAB.” com as expressões posicionadas
por dois ramos frutifi- entre os braços da cruz
cados de louro que se
cruzam na parte infe-
rior. Abaixo do valor
Reverso constam a data, 1818, e
a letra “R”, que remete
à casa da moeda do Rio
de Janeiro, ladeada por
dois florões. Legenda:
JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

162
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1818-1822, Patacas, Casa da Moeda do Rio, Prata


Anverso 80 Réis 1818 Prata Ø20mm Peso 2,24g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 80, No campo, cruz pátea sobreposta por es-
encimado por coroa fera armilar e escudo de portugal. Apre-
real arrematada de cruz senta a legenda “SUBQ. SIGN. NATA.
latina singela, ladeado STAB.” com as expressões posicionadas
por dois ramos frutifi- entre os braços da cruz
cados de louro que se
cruzam na parte infe-
Reverso rior. Abaixo do valor
constam a data, 1818, e
a letra “R”, que remete
à casa da moeda do Rio
de Janeiro, ladeada por
dois florões. Legenda:
JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

1820-1823, Casa da Moeda da Bahia, Cobre


Anverso 80 Réis 1820 Cobre Ø41mm Peso 28,68g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, No campo, as armas do Reino Unido
LXXX, encimado por de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
coroa real. Abaixo do senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
valor constam a data, CIRCUMIT. ORBEM”
1820, ladeada por
florões, e a letra “B”,
que remete à casa da
moeda da Bahia, la-
Reverso deada por dois pontos.
O valor, a data e a letra
monetária encontram-
se envoltos por colar
de pérolas cuja parte
superior é sobreposta
pela coroa real. Legen-
da: JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

163
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1818, 1819 e 1821, Casa da Moeda de Minas Gerais, Cobre


Anverso 37,5 Réis 1819 Cobre Ø30mm Peso 7,17g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 37 No campo, as armas do Reino Unido
e 1/2 , ladeado por de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
florões e encimado por senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
coroa real. Abaixo do CIRCUMIT. ORBEM”
valor constam a data,
1819, e a letra “M”, que * Reverso Invertido
remete à casa da moeda
Reverso de Minas Gerais, ambos
entre pontos. O valor, a
data e a letra monetária
encontram-se envoltos
por colar de pérolas
cuja parte superior é so-
breposta pela coroa real.
Legenda: JOANNES.
VI. D. G. PORT.
BRAS. ET. ALG. REX.

1818, 1819 e 1821, Casa da Moeda de Minas Gerais, Cobre


Anverso 75 Réis 1819 Cobre Ø35mm Peso 14,34g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, 75, No campo, as armas do Reino Unido
ladeado por florões e de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
encimado por coroa senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
real. Abaixo do valor CIRCUMIT. ORBEM”
constam a data, 1819,
ladeada por florões, e a
letra “M”, que remete à
Reverso casa da moeda de Minas
Gerais, entre pontos. O
valor, a data e a letra
monetária encontram-
se envoltos por colar
de pérolas cuja parte
superior é sobreposta
pela coroa real. Legen-
da: JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

164
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1818-1822, Casa da Moeda do Rio de Janeiro, Cobre


Anverso 10 Réis 1818 Cobre Ø25mm Peso 3,58g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, X, No campo, as armas do Reino Unido
ladeado por florões e de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
encimado por coroa senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
real. Abaixo do valor CIRCUMIT. ORBEM”
constam a data, 1818,
ladeada por florões, e a
letra “M”, que remete à
Reverso casa da moeda de Minas
Gerais, entre pontos. O
valor, a data e a letra
monetária encontram-
se envoltos por colar
de pérolas cuja parte
superior é sobreposta
pela coroa real. Legen-
da: JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

1818-1822, Casa da Moeda do Rio de Janeiro, Cobre


Anverso XL Réis 1818 Cobre Ø35mm Peso 14,34g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, XL, No campo, as armas do Reino Unido
ladeado e entremeado de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
por florões e encimado senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
por coroa real. Abai- CIRCUMIT. ORBEM”
xo do valor constam
a data, 1818, ladeada
por florões, e a letra
“R”, que remete à casa
Reverso da moeda do Rio de
Janeiro, entre pontos.
O valor, a data e a letra
monetária encontram-
se envoltos por colar
de pérolas cuja parte
superior é sobreposta
pela coroa real. Legen-
da: JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

165
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1818-1822, Casa da Moeda do Rio de Janeiro, Cobre


Anverso XX Réis 1818 Cobre Ø30mm Peso 7,17g
Anverso: Reverso:
No campo o valor, XX, No campo, as armas do Reino Unido
ladeado e entremeado de Portugal, Brasil e Algarves. Apre-
por florões e encimado senta a legenda “PECUNIA. TOTUM.
por coroa real. Abaixo CIRCUMIT. ORBEM”
do valor constam a data,
1818, e a letra “R”, que
remete à casa da moe-
Reverso da do Rio de Janeiro,
com ponto à esquerda.
O valor, a data e a letra
monetária encontram-
se envoltos por colar
de pérolas cuja parte
superior é sobreposta
pela coroa real. Legen-
da: JOANNES. VI. D.
G. PORT. BRAS. ET.
ALG. REX.

1818, Casa da Moeda de Lisboa, Cobre


Anverso III Réis 1818 Cobre Ø25mm Peso 4,30g
Anverso: Reverso:
No campo, as armas do No campo o valor, III, encimado por
Reino Unido de Por- florão, e a data 1818, arrematada por
tugal, Brasil e Algarves florão, ambos entre ramos de louro
encimada por Coroa entrelaçados na extremidade inferior.
Real. Apresenta a legen- Na orla a legenda “✤PORTUGALIÆ.
da “JOANNES.VI.DEI. BRASILIÆ.ET.ALGARB.REX”
Reverso GRATIA”

166
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...

1818, 1819,1820, 1823 e 1824, Casa da Moeda de Lisboa, Cobre


Anverso V Réis 1820 Cobre Ø30mm Peso 5,7g
Anverso: Reverso:
No campo, as armas do No campo o valor, V, e a data 1820 -
Reino Unido de Por- sendo os dois primeiro algarismos posi-
tugal, Brasil e Algarves cionados à esquerda do valor e os dois
encimada por Coroa últimos, à direita -, entre ramos de louro
Real. Apresenta a legen- entrelaçados na extremidade inferior.
da “JOANNES.VI.DEI. Na orla a legenda “✤PORTUGALIÆ.
GRATIA” BRASILIÆ.ET.ALGARB.REX”
Reverso

1818, 1819,1820, 1822, 1823 e 1824 Casa da Moeda de Lisboa, Cobre


Anverso X Réis 1819 Cobre Ø35mm Peso 12g
Anverso: Reverso:
No campo, as armas do No campo o valor, X, e a data 1819 -
Reino Unido de Por- sendo os dois primeiro algarismos posi-
tugal, Brasil e Algarves cionados à esquerda do valor e os dois
encimada por Coroa últimos, à direita -, entre ramos de louro
Real. Apresenta a legen- entrelaçados na extremidade inferior.
da “JOANNES.VI.DEI. Na orla a legenda “✤PORTUGALIÆ.
GRATIA” BRASILIÆ.ET.ALGARB.REX”
Reverso

167
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER

1819-1825, Pataco, Casa da Moeda de Lisboa, Bronze


Anverso 40 Réis 1820 Bronze Ø36mm Peso 38,40 g
Anverso: Reverso:
No campo, busto lau- No campo, as armas do Reino Unido
reado de D. João VI, de Portugal, Brasil e Algarves encima-
orientado à direita. No da por Coroa Real. No exergo, o valor,
exergo, a data, 1820. 40. Na orla, a inscrição “UTILITATI
Na orla, a inscrição PUBLICAE”
J OA N N E S . V I . D . G .
Reverso PORT. BR. ET. ALG. R.

168
A HERÁLDICA DOS BEATLES.
DE LIVERPOOL A BUCKINGHAM

Duarte Vilardebó Loureiro*

Resumo: este artigo começa por contar o início da história dos famosos Beatles, desde
a sua cidade natal, Liverpool, passando pela decadente Hamburgo, e mostrando a
sua ascenção prodigiosa até ao lançamento do primeiro single. Na segunda parte, indi-
vidualmente, descreve a origem de cada um dos membros da banda e o lugar onde
viveram. Numa terceira parte, com base na publicação inglesa Burke’s (1938), faz-se
uma pequena abordagem à Ordem do Império Britânico e aos Cavaleiros Bacharel para
enquadrar o momento em que os FAB 4 de Liverpool são agraciados como Membros do
Império Britânico. A parte final do trabalho descreve uma análise crítica sobre os brasões
de armas concedidos a Sir Paul McCartney e a Sir George Martin, produtor da banda.

Abstract: this article starts at the beginning of the story of the famous Beatles, from their
hometown, Liverpool, through decadent Hamburg, and showing their prodigious rise
until the release of their first single. In the second part it describes the origin of each of
the members of the band individually and the places they lived. In a third part, based
on the english publication Burke’s (1938), an extract from is made to the Order of the
British Empire and to the Knights Bachelor to frame the moment in which the FAB 4
of Liverpool are graced as Members of the British Empire. The final part of the work
describes a critical analysis of the coat of arms given to Sir Paul McCartney and Sir
George Martin, the band’s producer.

* Licenciado em Design de Comunicação, pós-graduado em História da Arte, na área do Patri-


mónio e Restauro, e Mestre em Ensino das Artes. Especialista em desenho heráldico. Professor
da cadeira de Desenho de Representação. Membro da Associação dos Arqueólogos Portugueses
e da Sociedade Portuguesa de Autores. Sócio Correspondente do Instituto Português de Herál-
dica. Músico e membro da banda Discovers.

169
duArTe viLArdeBó Loureiro

“The Beatles were so big that’s it’s hard for people not alive at the time to realize
just how big they were... They were huge!”

Mick Jagger (1995) 1

1. O início

Em Março de 1957, John Lennon, com 16 anos de idade, formou uma


banda musical de estilo skiffle 2 com vários amigos da sua escola, 3 a Quarry Bank
School, 4 em Liverpool, dando-lhe o nome de “The Quarry Men”. Como qual-
1
N. do A. - Vocalista da banda The Rolling Stones.
2
A palavra skiffle - termo calão que se pode traduzir para “improvisado” - foi determinado para
descrever o jazz de improviso ouvido nas casas dos pretos americanos na década de 1920. O
género de música skiffle era principalmente espiritual, folk-blues e canções populares do séc. XIX,
tocado em qualquer suporte musical que estivesse à mão, normalmente guitarra acústica ou
banjo, com a secção rítmica mantida em instrumentos como como a tábua-de-lavar (washboard
- uma superfície de zinco ondulado geralmente tocado com dedais nos dedos) e um contrabaixo
rudimentar feito de uma só corda num cabo de vassoura. Esta foi a forma aproveitada por bandas
de jazz britânicos à procura de maneiras de fazer-se soar mais “autêntico”. O single “Rock Island
Line”, de 1955, de Lonnie Donegan, o “rei do Skiffle”, foi um enorme sucesso e criou uma euforia
à volta do estilo skiffle entre os adolescentes da pós-guerra, estimulados pela energia e acessibilidade
da música. Foi com esse espírito que qualquer um poderia pegar nesses instrumentos básicos e
aprender algumas canções. Este estilo musical moveu John Lennon a formar a sua banda “The
Quarrymen” e a actuar ao vivo em pouco tempo. [Trad. e adaptação do Autor] In INGHAM,
Chris, The Rough Guide to The Beatles, London, Rough Guides Ltd, 2003, p. 4.
3
Inicialmente, a banda dos Quarry Men era formada por John Lennon e Eric Griffiths (guitarras),
Pete Shotton (washboard), Ivan Vaughan (baixo) e Colin Hanton (bateria). Vaughan foi substituído
logo a seguir por Len Garry. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1,
New York, Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, pp. 109-110.
4
A escola foi fundada como Quarry Bank High School em 1921, na Harthill Road, rua
perpendicular à morada de John Lennon na Menlove Ave. John entrou para a escola em
Setembro de 1952 e foi aqui que, paradoxalmente, por ser um aluno rebelde e anarquista, com
comportamentos duvidosos e faltas de aproveitamento escolar, começou a demonstrar a sua
criatividade ao preencher cadernos com histórias bastante originais, com grande sentido de
humor e hilariantes, cheias de poemas, desenhos e cartoons. Isto demonstrava bastante o seu
senso de humor. Estes trabalhos foram a base para os seus aclamados livros, In His Own Write
e A Spaniard in the Works. Lennon saiu da escola a 24 de Julho de 1957, depois de ter falhado
o exame O Level na sua matéria preferida, Arte. A partir de 1985, a escola passou a chamar-se
Calderstones School e já tinha sido incorporado em 1967 a Calder High School para raparigas. In
JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide, Liverpool, Liverpool History Press,
2014, pp. 62-63.
5
N. do A. - A grafia do nome da banda varia entre Quarrymen e Quarry Men. Não há a certeza
se foi John Lennon ou o seu amigo Pete Shotton que criou o nome para a banda, apesar dos

170
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

quer outra banda, o objectivo principal de John é actuar ao vivo para o maior
número de pessoas. E para isso, qualquer lugar serve! Até no meio da rua, se for
preciso, ou em festas de amigos. E foi esse o
desejo de John!
O dia 6 de Julho, desse ano de 1957,
vai alterar para sempre o rumo da História da
música popular. Os Quarry Men actuaram
na festa da Igreja Paroquial de St. Peter, em
Woolton, e para assistir ao concerto, Ivan
Vaughan levou um amigo do Liverpool
Institute para ir vê-los tocar. No final, fez
questão de apresentar a John o seu amigo:
Paul McCartney! No início, John foi frio
no trato como sempre, mas passado pouco
tempo, quando Paul mostrou que sabia
tocar bem e até afinar uma guitarra, este
jovem rapaz de quinze anos foi convidado
para entrar para a banda. E tinha outra coisa
em comum com Lennon: também gostava
de compôr. E a dupla estava formada!
Pela primeira vez, no dia 7 de Agosto, 6
os Quarry Men tocaram no Cavern Club, Fig. 1 - Programa da festa da Igreja de St.
Peter. (Rep. / Col. do Autor)
em Liverpool. Paul McCartney não esteve
presente por estar num acampa-
mento de Verão dos escuteiros. O
Cavern era uma antiga adega que
tinha sido usada durante a
segunda Guerra Mundial como
abrigo. O bar, situado no número
10 da Mathew Street, abriu as
suas portas em Janeiro de 1957,
pela mão de Alan Sytner, que
tinha planeado fazer um local
semelhante ao “Le Caveau Fran-
çais”, um clube de jazz parisiense, Fig. 2 - Cartão de Visita dos Quarry Men. (Rep. / Col.
do Autor)
biógrafos darem a autoria ao primeiro. Aqui neste trabalho, decidimos adoptar a grafia usada no
cartão de visita da banda.
6
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 14-15.

171
duArTe viLArdeBó Loureiro

mas rapidamente rendeu-se à emergência das bandas de skiffle. Nestas catacumbas


sombrias, tocaram cerca de 274 vezes, tendo sido a primeira vez como Beatles, a 9
de Fevereiro de 1961. O Cavern Club, situado no City Center de Liverpool, é consi-
derado o bar mais famoso do mundo hoje em dia. 7 O clube foi demolido em 1973
para ser construído um parque de estacionamento. Em 1984, o antigo jogador de
futebol, Tommy Smith, reconstruiu o espaço usando uma parte do local original e
a maioria dos tijolos da antiga Cavern. Em 1989 voltou a fechar para pouco tempo
depois abrir novamente as suas portas, em 1991, com novos proprietários que se
encontram a gerir o clube até aos dias de hoje. 8
Pete Shotton já tinha saído da banda dando o lugar a Paul McCartney.
Nesta altura, no Verão de 1957, a banda era constituída por John Lennon, Eric
Griffiths, Paul McCartney, Len Garry e Colin Hanton. Rod Davis, o membro da
banda que tocava banjo, não participou nestas jornadas porque estava ausente de
férias com a família. 9 Os dias de Rod nos Quarry Men tinham também chegado
ao fim.
Os Quarry Men continuaram regularmente com as suas actuações ao vivo
em vários lugares. No final das férias, John entra para o Liverpool College of Art! 10
A 6 de Fevereiro de 1958, 11 McCartney convidou um outro amigo, que
estudava também no Liverpool Institute, 12 para se juntar aos Quarry Men: George
7
JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide, Liverpool, Liverpool History Press,
2014, pp. 42-46.
8
BURROWS, Terry, Treasures of The Beatles - Experience the swinging sixties of the Fab Four,
London, Carlton Books Limited, 2009, p. 9.
9
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 138-140.
10
O Liverpool College of Art fica situado na Hope Street e faz esquina com a Mount Street, onde
fica localizado o Liverpool Institute. É um edifício construído no final do século XIX. Foi aqui
que Lennon conheceu Stuart Sutcliffe e a sua futura mulher, Cynthia Powel. O Institute foi
integrado na Liverpool John Moores University. In JONES, Ron, “The Beatles’ Liverpool - The
Complete Guide”, Liverpool, Liverpool History Press, 2014, pp. 31-33.
Em 2012, foi adquirido pelo LIPA, The Liverpool Institute for Performing Arts, o qual tem
como fundador e mecenas principal, Paul McCartney. In LIPA - The Liverpool Institute For
Performing Arts, “The History of our Buildings”. Disponível em https://www.lipa.ac.uk/
content/AboutUs/HistoryHeritage/BuildingHistory.aspx [Consult. 30 Out. 2016].
11
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 16.
12
O Liverpool Institute, ou “Innie”, como era conhecido, escola por onde passou Paul McCartney
e George Harrison, está sediado num edifício situado na Mount Street, ao lado do College
of Art. Paul entrou em 1954 e George entrou no ano a seguir. Estiveram aqui até à sua nova
aventura em Hamburgo, em 1960. O facto das duas escolas estarem ao lado uma da outra, o
Liverpool Institute e o College of Art, tornava mais fácil John e Stu, Paul e George, ensaiarem
para a banda. Depois ter encerrado as suas portas em 1985, o Instituto teve um novo rumo
quando Paul anunciou que iria convertê-lo numa escola tipo “School of Fame”, ou seja, a

172
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Harrison. No andar de cima de um autocarro, Paul pediu a George que mostrasse a


John as suas habilidades. Lennon ficou impressionado com a interpretação perfeita
de George ao tocar a música “Raunchy”, 13 a country-western de Bill Justis. 14 Com
esta entrada a banda fez um grande progresso. O grupo era agora formado por
John, Paul e George nas guitarras, Colin na bateria e John “Duff” Lowe no piano.
Com esta formação, 15 os Quarry Men fizeram a sua primeira gravação em
Julho desse ano, no quarto dos fundos de uma casa em Kensington que pertencia
a um velho senhor chamado Percy Phillips. A gravação foi realizada em formato de
acetato com duas músicas: “That’ll Be the Day”, de Buddy Holly, e “In Spite of All
the Danger”, uma composição prematura de McCartney, mas também co-credi-
tada por Harrison, pelo seu contributo no solo de guitarra. 16 17
Pouco tempo depois, Duff e Hanton deixam os Quarry Men.
Entretanto, o grupo esteve sem grandes actividades. George começou a
tocar com outras bandas, em particular com Les Stewart Quartet. Este quarteto foi
contratado para tocar na inauguração do Casbah Coffee Club, do qual era proprie-
tária Mrs Mona Best. No dia do evento, a banda desmantelou-se e um dos seus

criação do Liverpool Institute for Performing Arts (LIPA) em 1995. Paul McCartney continua
intensamente ligado ao LIPA, comparecendo todos os anos à entrega de diplomas e também
dando aulas ao seus estudantes. In JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide,
Liverpool, Liverpool History Press, 2014, pp. 28-31.
13
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 45-49.
14
INGHAM, Chris, The Rough Guide to The Beatles, London, Rough Guide Limited, 2003, p. 6.
15
Mark Lewisohn escreve no “The Complete Beatles Chronicle”, na página 13, que os Quarrymen
estavam todos na sessão com a excepção da participação de Colin Hanton e que este não estava
presente nesta sessão de gravação em Kensington, Liverpool, no Verão de 1958. Mas segundo
as próprias palavras de Paul McCartney numa entrevista a Lewisohn, para além de John, Paul e
George, estavam presentes Colin Hanton na bateria e Duff Lowe no piano, este último amigo
da escola de McCartney. Mas nesta mesma entrevista McCartney também se engana ao afirmar
que é ele que está na voz principal. Na verdade é Lennon e Macca está apenas nas harmonias.
Nos áudios desta sessão, pode-se ouvir perfeitamente a bateria como parte do conjunto. A
música “In Spite of All The Danger” foi baseada na música “Tryin’ to Get to You”, do primeiro
álbum editado no Reino Unido por Elvis Presley. In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles
recording sessions - The Official Story of The Beatles Abbey Road Years, Introductory interview with
Paul McCartney, London, EMI Records Limited, 1988, pp. 6-7.
16
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 176-179.
17
ROBERTSON, John, The Art & Music of John Lennon, London-New York-Sidney, Omnibus
Press, 1990, p. 4. (Nota do Autor: John Robertson é o pseudónimo de um distinto jornalista
musical britânico. Existem fortes indícios para que Robertson seja na realidade Peter Doggett,
jornalista e colaborador das revistas Record Collector, Mojo, Q e GQ, com um extenso trabalho
escrito sobre os Beatles.)

173
duArTe viLArdeBó Loureiro

membros, Ken Brown, perguntou a Harrison se tinha alguma solução para resolver
o problema. George chamou John e Paul e, juntamente com Brown, actuaram no
Casbah durante seis semanas, todos os sábados, até ao dia 10 de Outubro de 1959.
Devido a confusões com pagamentos, John, Paul e George foram-se embora
e deixaram de tocar no bar e com Ken. Após estas semanas, com alguma experiência
e confiança, os Quarry Men inscreveram-se para participar, em Manchester, no
concurso de talentos de Carroll Levis, mas re-baptizam temporariamente o nome
da banda para Johnny and The Moondogs. Por causa de algumas eventualidades,
a meio da participação, tiveram que voltar para Liverpool principalmente por não
terem dinheiro onde passar a noite. 18 O ano de 1959 acaba numa dissipação nebu-
losa sem muitas expectativas para o futuro próximo da banda.
Começa agora uma nova fase... e um novo ano de 1960!
Em Janeiro do novo ano, John traz o seu amigo íntimo e colega no Art
College, para a banda. Stuart “Stu” Sutcliffe, um artista original e brilhante, de 19
anos de idade, não tinha qualquer ambição nem talento musical. Após ter ganho
algum dinheiro com os seus quadros na Bienal John Moores Exhibition, uma
exposição na célebre Walker Art Gallery, em Liverpool, John conseguiu convencê-
-lo a “investir” essa quantia num baixo eléctrico, um Höfner President.
Liverpool é uma cidade portuária onde chegava facilmente bastante merca-
doria vinda dos Estados Unidos através dos navios mercantes. Para os jovens
rapazes daquela época, o principal era obter discos de música vinda do outro
lado do Atlântico, como Elvis Presley, Eddie Cochran, Bill Haley, etc. Um desses
artistas que John Lennon admirava bastante era Buddy Holly and The Crickets.
Influenciado pela nome Crickets (grilos, em português), surgiu-lhe a ideia de
Besouros (Beetles, em inglês), e resolveu fazer um trocadilho com o termo musical
Beat. 19 Numa entrevista para o jornal Mersey Beat, 20 John Lennon afirma que o

18
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 12-13.
19
ERWING, John, The Beatles, London, Carlton Books, 1994, p. 18.
20
Mersey Beat, publicação musical que se editou entre meados de 1961 e o final 1964. Mersey
Beat é também a designação genérica para o pop/rock originário das centenas de conjuntos
musicais, provenientes da região de Merseyside, com Liverpool à cabeça, do final da década
de 50 e início de 60, do séc. XX. Saber qual surgiu primeiro, é o mistério, mas uma coisa
é certa, a ligação é umbilical. Em 1961 Liverpool era um viveiro de conjuntos de rock’n’rol,
embora não passassem de êxitos locais, tirando algumas excepções, como Billy Fury, que teve
êxito a nível nacional. Perante este cenário, Bill Harry, que era amigo de muitos dos músicos da
época, tendo sido colega de escola de John Lennon, ou de elementos dos Rory Storm and The
Hurricanes, Derry and Seniors ou dos Cass and The Cassnovas, verdadeiras estrelas da região
de Merseyside, tinha pretensões a jornalista, começou a registar tudo o que ia acompanhando.
Desde concertos a alterações nas formações ou curiosidades sobre o meio musical de Liverpool,
do qual era testemunha privilegiada. A ideia de editar um jornal sobre a musica local, surgiu

174
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

nome Beatles surgiu-lhe numa visão, em que um homem em cima de uma torta
em chamas (flaming pie) 21 lhe disse: “A partir de hoje vocês vão chamar-se Beatles,
com um A!” 22 23
Segundo Hunter Davies, não há certeza de quem foi ao certo o “autor” do
nome The Beatles. Mas pensamos que não é bem assim! Paul e George recordam
que foi John que um certo dia veio com a ideia. E Lennon ainda chegou a pensar
em Crickets, o que provocou o riso em McCartney por já existir uma banda com
esse nome. 24 John e Stu viviam no mesmo apartamento no número 9, da Gambier
Terrace, em Liverpool. 25 E sabe-se que foi no seu apartamento que numa noite o
nome surgiu. Stuart Sutcliffe ainda sugeriu que fosse Beatals, mas Paul e George prefe-
riram a versão de Lennon. Foi aqui que nasceu o nome da banda: THE BEATLES!

depois de ver goradas as tentativas de publicar os seus artigos no “Liverpool Echo” ou no “Daily
Mail”, jornais generalistas que não davam qualquer importância à emergente cultura juvenil
ligada ao rock n rol. As publicações nacionais, “Melody Maker” ou “New Musical Express”,
apenas publicavam sobre os grupos que atingiam o estrelato nacional, pelo que também não
eram alternativa para os artigos de Bill Harry. Tendo arranjado um financiador, avançou então
com a publicação quinzenal do “Mersey Beat”, dedicado ao fenómeno musical local, e tendo
beneficiado também do crescimento deste, essencialmente através de bandas como Gerry and
The Pacemakers, Searchers e, acima de todos, The Beatles, com os quais sempre teve relações
muito próximas. Através da já referida amizade com Lennon, este escreveu vários artigos para
o “Mersey Beat” nos primeiros anos. Mas também através de Brian Epstein, futuro empresário
dos Beatles e proprietário de uma das maiores lojas de Discos de Liverpool, que mantinha uma
coluna na publicação, falando sobre os novos lançamentos discográficos de então. Esta ligação
era tão forte, que alguns dos concorrentes locais dos Beatles, chegaram a apelidar, a publicação,
de “Mersey Beatles”, aludindo a alegados favorecimentos na divulgação do trabalho dos Fab
Four, em detrimento de outros conjuntos da região. (texto do meu amigo Paulo Bastos, músico
e especialista em assuntos sobre a British Invasion)
21
Por curiosidade, Flaming Pie é o nome do 10º disco a solo de Paul McCartney editado em
1997. Este álbum saiu a seguir à “Beatles Anthology” (1995), e por influência, o título foi
inspirado no célebre sonho que Lennon teve sobre o nome da banda. In ROBINSON, John, An
affectionate remembrance of Fab time past, “The Ultimate Music Guide - Paul McCartney”, Issue
#10, London, UNCUT Magazine - Time Inc., 2014, p. 86.
22
ERWING, John, “The Beatles”, London, Carlton Books, 1994, p. 11.
23
Numa entrevista em 1964, John Lennon disse: “I was looking for a name like the Crickets that
meant two things, and from Crickets I got to Beetles. And I changed it to B-E-A because it didn’t
mean two things on its own as B-double-E. So I changed the E to A and it meant two things - when
you said it people thought of crawly things, and when you read it, it was beat music.” (entrevista a
Jim Steck, KRLA-AM, Los Angeles, a 26 de Agosto de 1964)
24
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 69.
25
JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide, Liverpool, Liverpool History Press,
2014, pp. 33-34.

175
duArTe viLArdeBó Loureiro

Mas como o nome não era apreciado pelas pessoas fora da banda e, por
sugestão de Brian Cassar (dos Cass and The Cassanovas), foram aconselhados
a alterar o nome para Long John and The Silver Beetles, porque estava na moda
bandas com nomes extensos. Como John Lennon recusou a ser apelidado de Long
John, resolveram alterar só para The Silver Beetles. Assim, partir de Abril de 1960,
os Quarry Men voltaram a actuar, mas agora como The Silver Beetles!
Durante o mês de Maio, os americanos Eddie Cochran e Gene Vincent
foram cabeças de cartaz no Liverpool Empire, promovido pelo famoso empresário
londrino da época, Larry Parnes. Nesta altura, os Silver Beetles estavam a ser agen-
ciados por Allan Willams, o qual geria o bar Jacaranda, entre outros. Allan conse-
guiu arranjar uma parceria Parnes-Williams para um espectáculo de uma só noite
no Liverpool Stadium, na Bixteth Street, onde figuravam para além de Cochran e
Vincent, Davy Jones, The Viscounts, Colin Green and The Beat Boys (incluindo
Georgie Fame), Peter Wynne, e várias bandas de Liverpool, tais como Cass and
The Cassanovas e Rory Storm and The Hurricanes, esta última tendo como bate-
rista Richard “Ritchie” Starkey.
Parnes estava impressionado com o poder dos Merseyside rock and rollers e
começou a perceber que havia muitos artistas com talento em Liverpool, mas a
maior parte com falta de banda de suporte.
Infelizmente, antes do concerto, a 17 de Abril, com destino ao aeroporto
de Londres, vindos de um concerto em Bristol, Eddie Cochran e Gene Vincent
tiveram um desastre de carro que resultou na morte do primeiro e ferimentos
graves em Vincent. Larry Parnes não quis cancelar o concerto, contratou entre
outros, mais algumas bandas de Liverpool, como Gerry and The Pacemakers.
Mas todo este movimento entre Parnes e Williams teve bons resultados
para o lado de John, Paul, George e Stu. Como a banda estava incompleta, Allan
Williams tinha assegurado como baterista, Tommy Moore, de 36 anos de idade.
Numa das viagens que fizeram, houve um pequeno acidente de viação, levando
Moore a desistir da carreira de músico e a regressar à sua antiga profissão. No dia
14 de Maio, foram actuar em Seaford, Liverpool, e num pequeno cartaz aparecem
como The Silver Beats. Logo a seguir, a 21 desse mês, aparece entre outras bandas,
Johnny Gentle and his Group. Claro que “his Group” eram os Silver Beetles, que
companharam como banda de suporte o cantor pop Johnny Gentle na sua tourné
pela Escócia. Em outras participações, aparecem designados como Johnny Gentle
and the Silver Beetles. 26
Através de Allan, os Silver Beatles, agora com um “A”, actuaram num club
ilegal de strip que lhe pertencia assim como, várias vezes, no Jacaranda, que [ainda]

26
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 18-27.

176
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

fica no número 23 da Slater Street. O grupo adquiriu um novo baterista, Norman


Chapman. Mas este não ficou muito tempo porque teve que ir cumprir o serviço
militar para o Quénia e Kuwait. 27
Allan Williams começou a fazer contactos entre outra cidade portuária:
Hamburg. Estes contactos incluíam várias bandas de Liverpool. A principal
ligação foi com Bruno Koschmider, proprietário do clube nocturno Kaiserke-
ller, que assim como outros bares (Star-Club, Top Ten e Indra), ficava na zona
mais decadente de Hamburgo, chamada Reeperbahn, rua conhecida pela sua vida
nocturna e zona da red-light. Relutante pela falta de baterista, Williams acabou
por decidir enviar os Silver Beatles para Hamburgo. Mas primeiro tinham que
encontrar um baterista para a banda. Os 4 guitarristas decidem fazer uma visita
ao Casbash Coffee Club. Há meses que não iam lá e como estavam à procura de
sítios para tocar, foram tentar a sorte. Como banda residente, encontrava-se lá os
Blackjacks, cujo o guitarrista era Ken Brown, o mesmo que haviam descartado
meses antes, ainda como formação dos Quarry Men. Na bateria estava um rapaz
de 18 anos, Randolph Peter Best, mais conhecido como Pete, o filho da dona do
bar, Mona Best. Como os Blackjacks estavam a desmoronar-se como banda, Pete
Best viu nos Silver Beatles a sua oportunidade para continuar a tocar bateria profis-
sionalmente. E no dia 12 de Agosto, Best foi admitido como membro da banda e
com Hamburgo à vista! 28
Foi em Hamburgo que, de facto, os Beatles ganharam experiência. E alguns
autores afirmam, em sentido figurado, que foi em Hamburgo que tudo começou
para os Silver Beatles, ou seja, para os Beatles. Em relação a isso, John Lennon
afirmou: “I might have been born in Liverpool, but I grew up in Hamburg”. 29
Ringo Starr disse numa entrevista para o documentário Beatles Anthology,
de 1995, que conheceu os Beatles “quando as duas bandas estavam a tocar em
Hamburgo, na Alemanha, mas já os tinha visto em Liverpool, mas eles nessa altura,
não eram mais do que uma pequena banda, a tentar formar-se. De facto, eles não eram
banda nenhuma”. 30
A 16 de Agosto de 1960 partem, do porto de Harwich, de ferry para a
Holanda para depois seguirem caminho para Hamburgo na van (carrinha) 31
que pertencia a Allan Williams. Agora, os Silver Beatles foram re-baptizados de
simplesmente “The Beatles”. Chegaram no dia 17 de Agosto a Hamburgo e, nessa
27
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 20-21.
28
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 22.
29
THE BEATLES, The Beatles Anthology, London, Apple Corps Ltd., 2000, p. 45. Tradução: “Eu
posso ter nascido em Liverpool, mas cresci em Hamburgo”.
30
THE BEATLES, The Beatles Anthology, London, Apple Corps Ltd., 2000, p. 48.
31
O modelo do furgão que pertencia a Williams era um Austin van 152.

177
duArTe viLArdeBó Loureiro

noite, começaram logo a tocar no Indra Club. E aí, tocaram 48 noites até ao dia
3 de Outubro. No dia a seguir, a partir do dia 4, actuaram mais 58 noites no The
Kaiserkeller, na mesma rua que o anterior, até ao dia 30 de Novembro. Neste
último, costumavam tocar alternado com os Rory Storm and The Hurricanes.
As condições de alojamento não eram as melhores em Hamburgo. E às vezes
as coisas não corriam da melhor maneira e, quando os Beatles estavam deprimidos,
a pensar que o grupo não iria a lado algum, John Lennon costumava dizer: 32

- Where are we going, Fellas?


- To the Top Johnny! - responderam os outros.
- Where’s that, Fellas?
- To the toppermost of the poppermost!
- Right!

A 15 de Outubro, os Beatles fizeram mais uma gravação amadora. Enquanto


Allan Willams estava em Hamburgo, foi buscar dois elementos dos Hurricane, o
baterista Ritchie Starkey (aka Ringo Starr) e o vocalista e baixista, Walter Eymond,
para gravarem num pequeno estúdio, o Akustik, situado na rua Kirchenallee, por
detrás da Estação Central de comboios. Pete Best não estava presente e, excluindo
Eymond, esta foi a primeira vez que John, Paul, George e Ringo estavam juntos.
Gravaram num disco de 78 rpm uma versão de Summertime da autoria de George
Gershwin. 33
A nível de espectáculos, a vida para os Beatles estava a correr sobre rodas
em Hamburgo. E Koschmider queria prolongar os espectáculos e também propôs
ao grupo irem para Berlin durante um mês. Mas em Outubro, outro clube abriu
perto do Kaiserkeller, o Top Ten. O seu dono, Peter Eckhorn, queria intencional-
mente prejudicar Bruno Koschmider e para isso contratou o seu chefe da segu-
rança e Tony Sheridan and The Jets, um cantor e guitarrista inglês que tinha vários
discos editados. Os Beatles saíam durante os intervalos no Kaiserkeller, para irem
fazer jams 34 com Sheridan ao Top Ten. Quando as notícias chegaram aos ouvidos
de Koschmider, antecipou um mês o contrato que tinha com os Beatles, porque
havia uma cláusula que declarava que não podiam tocar num raio de 40 km do bar
sem a autorização do dono.
32
THE BEATLES, The Beatles Anthology, London, Apple Corps Ltd., 2000, p. 68.
33
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 23.
34
N. do A. - Jam, em termos musicais, significa juntar um grupo de músicos convidados para tocar
de forma improvisada, sem antes terem ensaiado para isso. É frequente acontecer nos clubes
ou bares onde, depois da actuação dos músicos, estes convidam amigos a subir ao palco para
tocarem juntos com a banda.

178
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Para agravar a situação, George tinha menos que 18 anos e, segundo as leis
germânicas daquela altura, não podia estar num bar nocturno depois da meia-
-noite. 35 Harrison foi deportado e em pouco mais de 24 horas estava de novo em
casa, mas sem dinheiro. Entretanto, para concluir calendário, os Beatles tocaram
o mínimo indispensável no Kaiserkeller, preferindo antes irem socializar e tocar a
sua música para o Top Ten. Peter Eckhorn ofereceu aos 4 uns beliches no sótão do
seu bar. Não era um hotel de 5 estrelas, mas comparado com os alojamentos ante-
riores, era um verdadeiro luxo. Por causa de uns incidentes, Paul e Pete foram presos
e também deportados pela polícia de Hamburgo. Antes de serem deportados, os
Beatles negociaram com Peter Eckhorn o agendamento de um mês no Top Ten
Club para Abril. Allan Williams não tinha conhecimento destes acordos...
A Paul e Pete, seguiu-se John. A polícia alemã já andava no encalço de
Lennon que voluntariamente regressou de comboio na manhã de 10 de Dezembro
com destino a Inglaterra. Apesar de Stuart estar também a ser seguido pela polícia,
este conseguiu esconder-se na casa de uma amiga por quem se tinha apaixonado,
Astrid Kirchherr. 36 Sutcliffe só regressou a Liverpool no final de Fevereiro. 37
Em Dezembro regressaram a casa. Voltaram a actuar no Casbah, o bar de
Mona Best, que os recebera com cartazes a anunciar o “Return of the Fabulous
Beatles!”, desenhados por Neil Aspinal. 38 Na ausência de Stuart, durante umas
quatro actuações, este foi substituído no baixo por Chas Newby. 39 Durante este
período, os Beatles actuaram, para além do Casbah, em vários lugares, entre eles,
Cassnova Club e Jacaranda. Allan Williams agendou para a banda na véspera de

35
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 24.
36
Astrid Kircherr (1938, Hamburgo), é uma fotógrafa e artista alemã que teve um papel de
relevo na vida e na imagem dos Beatles. As fotografias mais emblemáticas da banda da fase de
Hamburgo são de sua autoria. Foi namorada de Stuart Sutcliffe até à sua prematura morte. In
BLACK, Johnny, Scaling The Toppermost, Issue #9, London, MOJO - Special Edition - John
Lennon, Winter 2000, p. 25.
37
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 25.
38
Neil Aspinall é, para além de amigo chegado dos Beatles, considerado o seu braço-direito. Colega
de escola de Paul e George e amigo de Pete, começou por ser o motorista e road manager da
banda. Mais tarde viria a ser o executivo da Apple Corps, empresa dos Beatles. In LEWISOHN,
Mark, I’m with the band, Issue #24, London, MOJO - The Music Magazine, Special Collectors
Edition, November 1995, pp. 40-41.
39
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 24-25.
Os Beatles estavam periodicamente sem baixista porque Stuart continuava em Hamburgo e,
Pete Best, começou por sugerir Ken Brown, antigo membro dos Blackjacks, para substituir
Stuart. Como Brown estava a viver em Londres e havia alguns conflitos entre eles, declinou a
oferta e tiveram que tentar outro ex-membro da antiga banda de Pete, o guitarrista Chas Newby,
o qual aceitou ajudar a banda. Newby tem duas particularidades em comum com Paul: nasceu
a 18 de Junho e também era canhoto.

179
duArTe viLArdeBó Loureiro

Natal no Grosvenor Ballroom, em Wallasey, e também para o dia 27 de Dezembro


no Town Hall Ballroom, em Litheland. Nesta altura, com toda a experiência das
centenas de horas a tocar em Hamburgo, os Beatles já tinham aquilo que se pode
chamar um poço de energia, criando uma inexplicável e sem precedente inquie-
tação entre os adolescentes encantados pela sua energia e carisma. A Beatlemania
estava a nascer! 40
O ano de 1961 começa com o mesmo problema de sempre. Com o regresso
à escola por parte de Newby, os Beatles voltavam a ficar sem baixista outra vez.
Para além de não saberem ao certo quando Stu estaria de volta, ele não era músico!
Por isso, tinham que procurar dentro da banda alguém que tomasse o lugar. John
tentou persuadir George a trocar a guitarra pelo baixo. Este recusou de imediato.
Ficou a sobrar Paul, que trocou a guitarra ritmo e o piano. Adaptou a sua guitarra
Rosetti modelo Solid 7 para baixo eléctrico com apenas três cordas roubadas a um
piano. 41
Através de Mona Best e de Bob
Wooler, a 9 de Fevereiro, os Beatles, agora
como Beatles, fizeram a sua estréia na
Cavern Club, na Mathew Street, no Centro
de Liverpool, na sessão da hora de almoço. 42
A seguir ao seu debut na Cavern, os
Beatles prepararam a sua segunda viagem a
Hamburgo. Nesta altura, George já tinha
completado os seus 18 anos em Fevereiro.
Contaram com a ajuda de Mona Best que
intercedeu junto das autoridades alemãs
através de muitas cartas prometendo um
bom comportamento por parte dos “seus
rapazes”. E desta vez, eles tinham alguns
aliados: Stuart que tinha voltado para
Hamburgo a meio de Março tendo sido
admitido na State College of Art; Astrid,
Fig. 3 - Cavern Club em 1995. (Fotogra-
que continuava com o romance com Stu; e
fia do Autor)
Peter Eckhorn, o dono do Top Ten Club. 43
40
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 25.
41
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 30.
42
Até Agosto de 1963, os Beatles tocaram cerca de 260 vezes na Cavern Club. Para eles, a Cavern
era a sua segunda casa e, em Liverpool, os dois nomes eram sinónimos. In LEWISOHN, Mark,
The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 31.
43
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 31-32.

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A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

No final de Março, os 4 rapazes apanham o comboio na Lime Street Station,


numa longa viagem de comboio e de barco a caminho de Hamburgo. Allan
Williams ficou furioso com o facto
deles terem feito este contrato no
Top Ten nas suas costas e, mais
tarde, a 20 de Abril, escreveu-lhes
uma carta a ameaçar processá-los.
Mas tudo acabou por dissipar-se...
Os Beatles estavam contentes
por estar de volta a Hamburgo e,
desta vez, já tinham um pequeno
grupo da elite artística da cidade que
os seguia sempre para ir vê-los tocar.
Stuart tinha saído do grupo definiti-
vamente, mas ele e Astrid iam quase
todas as noites ao clube, muitas vezes
acompanhados por Klaus Voor-
mann 44 e Jürgen Vollmer 45. Foi
nesta altura que, ao verem o corte
de cabelo de Stuart feito por Astrid,
apareceu o corte de cabelo estilo
Beatle. 46 Todos aderiram ao estilo, Fig. 4 - Reprodução da capa do jornal de música
excepto Pete Best. Mersey Beat em postal. (Col. do Autor)
44
Klaus Voormann (1939, Berlin) é um artista gráfico, músico e produtor musical. Foi namorado
de Astrid antes de Stu. Era membro, como baixista, da banda inglesa, Manfred Mann. Foi o
autor da capa do disco Revolver (1966) e das três capas da The Beatles Anthology (1995). Também
foi membro do grupo Plastic Ono Band, com Lennon. Em estúdio, para além das gravações
do triplo álbum de George Harrison, All Things Must Past, participou em diversos LP’s de
Lennon, Harrison e Starr. Entre outros artistas como Lou Reed, Carly Simon, James Taylor, etc.
In LEWISOHN, Mark, I’m with the band, Issue #24, London, MOJO - The Music Magazine,
Special Collectors Edition, November 1995, pp. 40-41.
45
Jürgen Vollmer (1939, Hamburgo) era mais um dos seguidores dos Beatles em Hamburgo
que pertencia, tal como Astrid e Voormann, ao grupo dos Exis (existencialistas). Foi Vollmer
que tirou a famosa fotografia de Lennon que mais tarde viria a ser capa do seu album Rock ‘n’
Roll (1975). In WINGATE, Johathan, The Beatles in Hamburg, 1961, Issue #387, London,
RECORD COLLECTOR - The Beatles in Hamburg - The Inside Story, April 2011, pp.
60-67.
46
Para comemorar os seus 21 anos, John convidou Paul a ir com ele a Paris. Numa carta, Stuart
disse a Lennon que estaria também por essa altura em Paris o seu amigo em comum, Jürgen
Vollmer. E foi nessa viagem que este conseguiu finalmente convencer John e Paul a mudar o
penteado que depois ficou mundialmente conhecido como Beatle-haircut.

181
duArTe viLArdeBó Loureiro

Paul McCartney comprou nesta segunda viagem a Hamburgo, um baixo


eléctrico. E foi na loja da Steinway & Sons que encontrou o baixo ideal. Era simé-
trico, leve e barato. O famoso baixo Höfner 500/1, com a forma de violino e de
corpo oco, tornou-se numa das imagens de marca dos Beatles. 47
O ponto alto dos Beatles em Hamburgo deu-se quando surgiu a oportu-
nidade de voltarem às sessões de gravação. Tony Sheridan tinha contrato contrato
discográfico com a Deutsche Grammophon, através da sua label Polydor. Nesse
mesmo mês de Abril, Alfred Schacht, director da Aberbach Music Publishing, foi
ao Top Ten para falar com Sheridan e ficou a conhecer os Beatles, tendo ficado
impressionado com a ligação musical que havia entre ele e a banda de Liverpool.
E assim, depois de ter falado com Berthold Kaempfert, regente de orquestra e
compositor alemão, admitiu a possibilidade de gravarem juntos para a Polydor, o
que se veio a concretizar mais tarde. 48
No final de Junho, os Beatles apoiaram Tony Sheridan e gravaram “Ain’t
She Sweet” (Milton Ager-Jack Yellen), com Lennon como voz principal, e “Cry
For A Shadow” (Harrison-Lennon) 49, um instrumental no qual Sheridan não
participa. Em Agosto, já estando em Liverpool, a Polydor edita duas outras
músicas gravadas: “My Bonnie”, com arranjos de Tony Sheridan, e “The Saints
(When The Saints go Marching In)”, creditado como Tony Sheridan and The Beat
Brothers.
Os Beatles estavam no auge... pelo menos ao nível de uma banda local. E
outro momento que marca a história dos Fab Four, é a entrada de Brian Epstein,
o seu futuro empresário, em cena. No dia 9 de Novembro, os Beatles estavam
a actuar à hora do almoço na Cavern Club. Epstein, de 27 anos, era gerente da
maior loja de música de Liverpool, a NEMS (North End Music Stores), proprie-
dade de sua família. Brian foi atraído à Cavern depois de um miúdo de 18 anos,
Raymond Jones, ter perguntado se havia uma cópia do single “My Bonnie” na sua
loja. Depois de presenciar a performance dos Beatles no palco da Cavern. A seguir
a assistir sua actuação no clube, Brian Epstein foi ao pequeno camarim onde
estavam os quatro para os conhecer. Em Dezembro, Brian e os Beatles marcaram
uma reunião nos escritórios da NEMS. E foi nessa altura que assinaram um
contrato com Brian!

47
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 444-445.
48
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 33.
49
“Cry For A Shadow” (Harrison-Lennon) foi editado como single em 1964, tendo como Lado
B, “Why” (Crompton-Sheridan). O single está em nome dos Beatles, mas “Why” está creditado
como Tony Sheridan and The Beat Brothers.

182
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Na sequência de uma conversa com Tony Barrow, representante em Liver-


pool da Decca Records, conseguiu uma audição para os Beatles em Londres com
o seu director de A&R (Artists and Repertoire), Dick Rowe, para o primeiro dia
do ano. 50
Esta data, dia 1 de Janeiro de 1962, ficou registada na História da música
como The Decca Audition. Mike Smith, o A&R da Decca que tinha ido ver os
Beatles no dia 13 de Dezembro, também iria supervisionar a audição. Nessa
sessão, os Beatles gravaram 15 músicas. 51 No final da audição, Smith despachou
os Beatles porque iria fazer outra com Brian Poole And The Tremeloes, uma
banda de Barking, Essex. Mas a audição com os 4 rapazes de Liverpool tinha
corrido bem e agora era só esperar por uma resposta. 52
No dia 5 de Janeiro, foi editado em no Reino Unido o single, agora com o
nome correcto da banda, “My Bonnie”, de Tony Sheridan And The Beatles.
No princípio do mês de Fevereiro, receberam uma resposta que não estavam
à espera por parte da Decca: foram rejeitados! O motivo da resposta negativa
prendeu-se com o facto de os Beatles terem na sua óptica um som muito apro-
ximado dos Shadows, além de que “as bandas com guitarras não teriam futuro”! 53
Esta rejeição por parte de Dick Rowe é considerada como “o maior erro na
história da indústria discográfica”, tendo sido a pior decisão alguma vez tomada
por um A&R. Dick Rowe terá como presságio sobre si gravado o seguinte epíteto:
The Man Who Turned Down The Beatles! 54

50
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 36-37.
51
As músicas gravadas foram: “Besame Mucho” (Velasquez-Shaftel), “Hello Little Girl” (Lennon-
McCartney), “The Sheik of Araby” (Smith-Snyder-Wheeler), “September In The Rain” (Dubin-
Warren), “Three Cool Cats” (Leiber-Stoller), “Love Of The Loved” (Lennon-McCartney),
“Menphis Tennessee” (Berry), “Till There Was You” (Willson), “Crying, Waiting, Hoping”
(Holly), “Like Dreamers Do” (Lennon-McCartney), “Money” (Gordy-Bradford), “Searchin’”
(Leiber-Stoller), “Sure To Fall” (Perkins-Cantrell-Claunch), “To Know Her Is To Love Her
(Spector) e “Take Good Care Of My Baby” (Goffin-King). In ROBERTSON, John, The
Complete Guide To The Music Of The Beatles, London-New York-Sidney, Omnibus Press, 1994,
p. 129.
52
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 52.
53
Numa visita que Brian Epstein fez aos escritórios da Decca, em Londres, Dick Rowe e Sidney
Arthur Beecher-Stevens insistiram que “The Beatles won’t go, Mr. Epstein. We Know this things.
You have a good record business in Liverpool, why not stick to that?” Epstein ripostou de imediato:
“You must be out of your minds, these boys are going to explode. I am completely confident that one
day they will be bigger than Elvis Presley!” In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle,
London, Pyramid Books, 1993, p. 53.
54
BEAUMONT, Mark, The World’s Greatest Rejects, Beatles Anniversary Issue, London, NME -
The Beatles - The Inside Story of The Audition That Nearly Destroyed Them, 31 December
2011, pp. 10-41.

183
duArTe viLArdeBó Loureiro

Nessa mesma viagem a Londres e através de uma subsidiária da EMI


Records, Brian conseguiu obter o contacto do director de A&R da Parlophone 55,
George Martin. Ao encontrar-se com Martin, Brian Epstein mostrou-lhe algumas
músicas as quais não surpreenderam George Martin, mas despertaram-lhe curio-
sidade.
Entretanto, Brian Epstein arranjou um contrato para os Beatles voltarem
a Hamburgo para tocar no já conhecido Top Ten Club mas, desta vez, tiveram a
comodidade de ir de avião. Estavam agendadas entre o dia 13 e 31 de Maio. À
sua espera no aeroporto de Hamburgo, estava Astrid Kirchherr, com uma notícia
perturbadora. Stuart Sutcliffe, promissor artista, antigo baixista da banda e
melhor amigo de Lennon, morreu com apenas 21 anos de idade, de uma hemor-
ragia cerebral.
Brian Epstein voltou a encontrar-se com George Martin em Londres. Este,
ao contrário do que era o procedimento normal, ofereceu a Brian um contrato
para a sua banda sem sequer os ouvir. Brian enviou um telegrama para os rapazes
com a mensagem: “Congratulations boys. EMI request recording session. Please
rehearse new material.” No dia 6 de Junho, os Beatles foram aos estúdios da EMI,
sediados na Abbey Road, para assinar o contrato. George Martin ficou impres-
sionado com o irreverente sentido de humor de John, Paul e George, mas ficou
pouco convencido com as potencialidades de Pete Best e tornou isso bastante
claro a Epstein. 56
Após o regresso de Hamburgo, os Beatles deram 62 concertos e fizeram
mais duas sessões de gravações, uma para a EMI e outra para a BBC. Mas ainda
iria haver mais uma mudança para que o puzzle estivesse composto! Há já algum
tempo que havia um certo desagrado de John, Paul e George em relação a Pete
Best. Por exemplo, Best nunca foi informado acerca da resposta negativa da
Decca. No dia 14 de Agosto, John e Paul indagaram Richard Starkey, conhecido
entre os amigos por Ritchie e por Ringo Starr em palco, se estaria interessado em
juntar-se aos Beatles. Já havia uma grande empatia entre John, Paul, George com
Ringo. E já tinham no passado gravado uma música juntos com Walter Eymond
em que Ringo tinha substituído Best quando este esteve doente. 57

55
A Parlophone é uma label da EMI Records que naquela altura tinha um baixo orçamento,
poucos artistas de sucesso e pouco prestígio. In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles
Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 53.
56
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 56-58.
57
Mesmo George Harrison estava com vontade de ver Best fora da banda e foi falar com os pais de
Ringo para saber se podia abordá-lo acerca da hipótese de se juntar aos Beatles. In LEWISOHN,
Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 58.

184
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Esta fase foi uma mancha na história dos Beatles. Pete Best esteve com eles
durante dois anos e, no final, foi Brian Epstein que deu a infeliz notícia a Best no
dia 16 de Agosto. Não merecia esta falta de coragem por parte dos seus band-
-mates. Quando se soube desta notícia em Liverpool, os fãs de Best ficaram irri-
tados ao ponto de destruírem o carro novo
de Brian e de este precisar de andar com
seguranças durante alguns dias na Mathew
Street.
No dia 4 de Setembro, John, Paul,
George and Ringo apanharam um avião
para Londres para gravar uma segunda
sessão. Gravaram duas músicas: “Love Me
Do”, de Lennon e McCartney, e “How
Do You Do It”, de Mitch Murray. George
Martin não ficou satisfeito com o take de
“Love Me Do”. Para o dia 11 de Setembro,
Martin chamou o músico de estúdio, Andy Fig. 5 - Single Love Me Do / P. S. I Love You
White, para gravar “Love Me Do”. Nesta (Parlophone 45-R 4949). (Col. do Autor)

Fig. 6 - Os Beatles: John, Paul, George e Ringo. (Desenho do Autor)

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versão, Ringo tocou apenas pandeireta. A versão de White aparece no primeiro


LP da banda, Please, Please Me. No single “Love Me Do”/”P.S. I Love You” é a
versão de Ringo na bateria. 58
O single “Love Me Do” atingiu a posição #17, no Top 50 britânico.
O resto... o resto é História!

2. As origens e raízes familiares dos Beatles

2.1 - John Lennon, MBE 59

John Winston Lennon, nasceu no dia 9 de Outubro de 1940, em Liver-


pool, durante o Blitz, na segunda Guerra Mundial. John é filho de Alfred “Fred”
Lennon e de Julia “Judy” Elizabeth Stanley. Alfred tinha sido criado num orfa-
nato. Ele foi internado em 1921, porque o seu pai, John “Jack” Lennon morreu
quando tinha apenas 9 anos. 60
Jack Lennon († 1921, Toxteth, Liverpool) passou a maior parte da sua vida
na América como cantor profissional. Fez parte do grupo Kentucky Minstrels. 61
Depois do seu segundo casamento, Jack foi viver com Mary “Polly” Maguire,
protestante, com quem alegadamente casou em 1915. Nesta época, os casa-
mentos mistos não eram bem vistos ou mesmo autorizados. Tiveram sete filhos
que morreram em criança e mais outros sete, entre eles, Alfred Lennon. 62
Jack é filho de James Lennon (n. 1829, Down - † 13.2.1907), natural do
Condado de Down, província de Ulster, oriundo de uma família católica. Este foi
o primeiro dos Lennon a emigrar para Liverpool, 63 juntamente com a sua mulher
Jane McConville (n. 1831, Down - †1869, Liverpool). Casaram em 1849, na

58
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 58-59.
59
N. do A. - Apesar de ter devolvido as insígnias de MBE, penso que John Lennon não perdeu o
estatuto.
60
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 5.
61
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 5.
62
Jack Lennon e Mary “Polly” Maguire aparecem como casados no registo do seu primeiro filho,
John Lennon, primeiro do nome. Mas de facto não eram por ter havido impedimento devido a
ele ser católico e ela protestante. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years,
vol. 1, New York, Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, pp. 21-22.
63
Cerca de meio milhão de irlandeses emigrou para Liverpool durante os anos de 1845 e 1854. In
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 21.

186
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Scotland Road, no bairro improvisado para os imigrantes católicos, mesmo no


coração de Liverpool. Deste casamento nasceram entre seis e oitos filhos. 64
Fred Lennon deixou o orfanato com 15 anos, e tornou-se moço-de-recados.
A seguir a este curto emprego, foi trabalhar para os navios como carregador de
malas e empregado de mesa. Foi pouco tempo depois que Fred começou a sair
com Julia, na altura com 15 anos de idade. 65
A família materna de Lennon, na sua maioria protestante, passou a Liver-
pool através do seu bisavô
William Henry Stanley (n.
1848, Birmingham), por
volta do ano de 1868. 66 Ele
e a sua mulher Eliza Jane
Gildea (n. 1849, Omagh -
† 1916, Liverpool), natural
do Condado de Tyrone,
Ulster, na Irlanda, fixaram-
-se em Everton, a Norte de
Liverpool. O seu terceiro
filho, George Ernest Stanley
(n. 1874, Liverpool - †
1949, Liverpool), foi mari-
nheiro mercante e, em
1898, foi viver com Annie
Jane Millward (n. 1873,
Chester - 1941, Liverpool),
filha de John Dumbry Mill-
ward e de Mary Elizabeth
Morris, naturais do País de
Gales. Devido ao mesmo
problema que houvera
Fig. 7 - Casa onde viveu John Lennon em Menlove Avenue
com o Jack Lennon e Polly
- Mendips. (Fotografia do Autor)
Maguire, o casamento de

64
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 21-22.
65
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 6.
66
Seu pai, outro William Henry Stanley (1814-1902), era natural de Londres foi casado com
Susannah Sarah New, natural de Parramatta, New South Wales, arredores de Sidney, Austrália.

187
duArTe viLArdeBó Loureiro

George Ernest e Annie Jane não se pôde efectuar por impedimento de serem
católicos e protestantes. 67
Desta relação nasceram duas das pessoas mais importantes na vida de John
Lennon: a sua mãe Julia Elizabeth (12.3.1914, Liverpool - 15.7.1958, Liverpool)
e a sua tia Mimi, Mary Elizabeth (24.4.1903, Liverpool - 6.12.1991, Poole).
Fred Lennon e Julia Stanley casaram a 3 de Dezembro de 1938, no
Mount Pleasant Register Office, às 10 horas da manhã. A família Stanley não
ficou muito contente com este casamento, principalmente a sua irmã Mimi. No
Verão de 1940, Julia descobre que está grávida. Ninguém sabe onde está Fred.
John Winston Lennon nasce no Maternity Hospital, na Oxford Street. Chama-se
Winston em homenagem a Winston Churchill.
Por volta dos seus quatro anos, a sua mãe foi viver com outra pessoa, 68 e
John passou a viver entre a casa da mãe e de a casa da tia Mimi e do tio George,
em Woolton. Entretanto, Fred Lennon foi buscar o seu filho a Woolton e levou-o
para Blackpool. Mas quando estava de partida para a Nova Zelândia, Julia foi
buscar John. Esta foi a última vez que Fred Lennon viu o filho até ele se tornar
famoso em meados dos anos sessenta. 69
John voltou para Liverpool, mas não foi viver com a sua mãe, Julia. Em
vez disso, foi viver definitivamente para a casa de sua tia Mimi e de seu tio George
Smith. Quando estava com sua mãe, esta ensinou-o a tocar banjo que tinha
aprendido com o seu pai, o avô de John.
O número 251 da Menlove Avenue, em Woolton, era conhecido como
Mendips. A casa geminada, com as suas janelas art nouveau, onde Lennon viveu
até à sua adolescência, ficava situada nos subúrbios de Liverpool, num sítio onde
viviam médicos e advogados, como disse Lennon, numa entrevista. 70 Comparado
com os outros Beatles, de facto Lennon era o que vivia numa situação melhor.
Julia Stanley passava cada vez mais tempo em casa de sua irmã Mimi. A
sua relação com John estava cada vez mais próxima e tinham muitas coisas em

67
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 22-23.
68
Ainda casada com Alfred Lennon, Julia teve uma relação amorosa com um soldado galês que se
chamava Taffy Williams de quem teve uma filha, em 1945, que deu para adopção. Em 1964,
quando John Lennon teve conhecimento desta irmã, tentou encontrá-la, mas sem êxito. Esta
sua imã, Victoria Elizabeth, nunca chegou a conhecer John. Um ano depois do nascimento de
Victoria, Julia começou a sair com John Dykins. Desta relação nasceram mais duas filhas: Julia
(1947) e Jacqueline (1949).
69
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 8-9.
70
“MENDIPS - Woolton, Liverpool”, The National Trust, 2014.

188
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

comum para partilhar. 71 Numa dessas visitas, e quando saía às 21h40 foi atrope-
lada ao atravessar a Menlove Avenue, por um polícia que estava fora-de-serviço. 72
Morreu no dia 15 de Julho de 1958. Foi um momento de grande perda para John
que, três anos antes, tinha visto morrer o seu tio George com quem tinha uma
enorme afinidade. 73
_______________

Entre os vários álbuns que


John Lennon lançou após o fim dos
Beatles, há um que nos desperta
mais atenção para a nossa matéria.
O interesse de John pela origem
do seu apelido e pelas suas origens.
Há sempre um momento na vida
em que esse interesse é despertado
pela curiosidade de descobrir mais
sobre nós. O álbum “Wall and
Bridges”, 74 em que a capa é uma
reprodução de três desenhos do
tempo de escola quando tinha 11
anos, tem um booklet com as letras
das canções e, na contra-capa,
aparece um extrato do texto do
livro de Edward Maclysaght, com Fig. 8 - Booklet do Álbum Wall and Bridges (Ap-
a definição do apelido “O’Lennon, ple, PCTC 253). (Col. do Autor)
Linnane, Leonard, (Linnegar;
MacAlinion).” 75
_______________

71
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 52.
72
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 53.
73
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 180-185.
74
LENNON, John, Walls And Bridges, United Kingdom, PCTC 253, EMI Records Limited -
Apple Record, 1974.
75
MACLYSAGHT, Edward, Irish Families, Their Names, Arms and Origens, Dublin, Allen Figgis
and Company Limited, 1972.

189
duArTe viLArdeBó Loureiro

No dia 8 de Dezembro de 1980, vindos dos estúdios The Record Plant,


John e Yoko chegavam a casa por volta das 22h50m. Quando saíram do carro, à
frente do Dakota Building, um sujeito de 25 anos chama: “Mr. Lennon!” Já com
a arma de calibre .38 na mão, dispara à queima roupa quatro tiros sobre John
Lennon. Foi levado para o Hospital Roosevelt e veio a morrer devido à perda de
sangue. John deixou dois filhos, John Charles Julian Lennon (8.4.1963, Liver-
pool) e Sean Taro Ono Lennon (9.10.1975, Nova Iorque). 76

2.2 - Paul McCartney, MBE, Kt

James (IV) Paul McCartney nasceu a 18 de Junho de 1942, numa ala privada
do Hospital de Walton, em Liverpool. A sua família pertencia à classe trabalhadora
comum e nesta altura estava-se no auge da guerra, mas Paul teve esse privilégio uma
vez que a sua mãe tinha sido enfermeira encarregada da maternidade. E foi-lhe
dado um tratamento especial quando o seu primeiro filho estava para nascer. Mary
Patricia tinha largado o hospital no ano anterior e para se tornar parteira. 77
Paul é filho de James (III) “Jim” McCartney (n. 7.7.1902, Liverpool - †
18.3.1976, Liverpool), que estava ausente no seu nascimento devido ao seu trabalho
como bombeiro voluntário durante a segunda Guerra Mundial, e de Mary Patricia
Mohan (Mohin) (n. 29.9.1909, Liverpool - † 31.10.1956, Liverpool). Deste casa-
mento, houve mais um filho, Peter Michael (n. 7.1.1944, Liverpool) 78. Apesar de
ambos serem baptizados na fé Católica por causa da sua mãe, o pai passou de protes-
tante a agnóstico. 79 Mary Patricia é filha de Owen Mohin (n. 19.1.1880, Mona-
ghan, Irlanda) e de Mary Theresa Danher (n. 1.4.1877, Liverpool). Tanto o lado
paterno como materno são originais da Irlanda e ambos os ramos são católicos. 80
James (III) McCartney trabalhou no comércio do algodão. Naquela altura era
um trabalho para a vida. Com 28 anos ganhava £250 81 por ano. Não era um grande

76
MAYER, Allan J., AGREST, Susan, YOUNG, Jacob, Death of a Beatle, in “John Lennon 1940-
1980”, Number 51, New York, Newsweek Inc - The Washington Post, December 22, 1980, pp.
15-26.
77
N. do A. - Em inglês Health Visitor ou Midwives.
78
N. do A. - Michael “Mike” McCartney é fotógrafo e, nos anos sessenta, fez parte de uma banda
chamada “Scaffold”, com o pseudónimo Mike McGear, para não haver nenhum vínculo ou
influência do irmão Paul.
79
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 23.
80
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 26.
81
Em 1930, o valor de £1, comparável com o valor da libra em 2013, era de £43,46. Por isso,
Jim McCartney ganhava o equivalente a £10,865 por ano. In LEWISOHN, Mark, Tune In

190
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

salário, mas ainda assim razoável. Jim era novo demais para ter lutado na primeira
Guerra Mundial e demasiado velho para a segunda. Quando o comércio do algodão
foi encerrado por causa da guerra, McCartney foi mandado para a Napiers, uma
empresa de engenharia de máquinas. James and Mary casaram em 1941. Durante o
dia continuava a trabalhar na Napiers e à noite como bombeiro voluntário. 82
James (III) é filho de Joseph “Joe” McCartney 83 (n. 23.11.1866, Liver-
pool) e de Margaret Florence “Florrie” Clegg (n. 2.6.1874, Liverpool), cuja a
família era oriunda de Onchan, na Ilha
de Man, que se estabeleceu em Everton.
O avô paterno de Florrie chama-se
Robert Clegg e era oficial de justiça 84.
Esta família vivia em plena harmonia
musical e Jim gostava de tocar piano.
Por volta de 1916, os McCartney
compraram um piano em segunda-
-mão numa loja perto deles de nome
NEMS 85. Em 1919, Jim McCartney
começou a tocar em público e formou
uma banda de jazz chamada “Jim
Mac’s Band”.
Joe é filho de James (II) McCar-
tney que veio para Liverpool na altura
da Grande Fome, na Irlanda (1845-
1849), com os seus pais, Jeremiah
“James” McCartney e Ann Tate,
natural da Escócia. Em 1864, James Fig. 9 - Famine Memorial, em Dublin, da autoria
McCartney casou em Liverpool com de Rowan Gillespie. (Fotografia do Autor)

- The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype - Penguin Random House
Company, 2013, pp. 5-6.
82
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 23.
83
Joseph “Joe” McCartney tocava a sua enorme tuba na banda de metais do seu trabalho, do estilo
de música north-country, em festas de igrejas e nos coretos dos parques. Foi o primeiro da família
a actuar em público. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New
York, Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, p. 25.
84
Robert Clegg tinha como profissão coroner, que traduzido para o português quer dizer “oficial de
justiça que investiga os casos de morte violenta ou por acidente”, ou seja, o equivalente a médico
legista. In Dicionário Inglês - Português, Porto, Porto Editora Lda, 1992, p. 159.
85
N. do A. Nesta altura a NEMS ainda não pertencia à família Epstein.

191
duArTe viLArdeBó Loureiro

Elizabeth Williams (n. 1844, Birkrnhead, Merseyside), e foram viver para a


Scotland Road.
Não existe um consenso dos genealogistas em relação à origem da família
dos McCartney. A única certeza é que não são ingleses. Mas há a possibilidade da
origem ter começado na Escócia, pertencendo ao clã Mackintosh, seguindo de
uma migração para a Irlanda durante a época em que passaram de católicos para
protestantes. 86

A família de Jim e
de Mary foram viver em
1947 para uma parte da
cidade chamada Speke,
a Sul de Liverpool.
Em 1955, mudaram-
-se para o número 20
da Forthlin Road, casa
que hoje pertence ao
National Trust. Fica a
cerca de 22 minutos a
pé (1,1 milhas = 1770
metros) de Mendips, a
casa de Lennon. 87

_______________

Paul McCar-
tney casou a primeira
vez, a 12 de Março de
1969, 88 com Linda
Louise Eastman (n.
24.9.1941, Nova Iorque
- † 17.4.1998, Arizona),
Fig. 10 - Casa onde viveu Paul McCartney, em Forthlin Road. filha de Leopold Vail
(Fotografia do Autor) Epstein, imigrante russo

86
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 24-27.
87
“20 FORTHLIN ROAD - Allerton, Liverpool”, The National Trust, 2015.
88
COLEMAN, Ray, McCartney - Yesterday & Today, London, Boxtree Limited, 1995, p. 119.

192
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

judeu e advogado de boa reputação que mais tarde alterou o nome para Lee
Eastman, e de Louise Sara Lindner, também de uma abastada família judia alemã.
Deste casamento nasceram Mary Anna (n. 28.8.1969, Londres) 89, Stella Nina,
OBE (n. 13.9.1971, Londres) 90 e James (V) Louis (n. 12.9.1977, Londres) 91.

2.3 - George Harrison, MBE

George Harrison nasceu


a 25 de Fevereiro de 1943, 92 no
número 12 da Arnold Grove,
Wavertree, Liverpool. É o mais
novo de quatro filhos de Harry e
Louise Harrison.
Harold “Harry” Hargreaves
Harrison (n. 28.5.1909, Liverpool)
era um homem magro, pensa-
tivo, preciso e resolvido. Deixou a
escola aos 14 anos de idade e foi
trabalhar para uma firma de calan-
dras. A sua vontade era alistar-se
na marinha, mas foi impedido
pela sua mãe, Jane Thompson,
porque o seu pai, Henry “Harry”
Harrison (n. 21.1.1882, Liver-
pool) tinha sido morto em Mons,
na Bélgica, durante a primeira
Guerra Mundial. Mas concordou
Fig. 11 - Casa onde viveu George Harrison, em
em deixá-lo ir para a marinha
Arnold Grove. (Hoje em dia não é fácil ir ao local
mercante, onde trabalhou entre
para tirar fotografias porque os moradores são
1926 e 1936 como criado de bordo
hostis.)
ou camareiro na companhia White
Star Line.

89
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 133.
90
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, pp. 141-142.
91
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, pp. 186-187.
92
George Harrison foi registado no dia seguinte e no certificado de baptismo como tendo nascido
a 25 de Fevereiro de 1943. Em 1990, George decidiu anunciar que afinal tinha nascido a 24
desse mês. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York,
Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, pp. 34 e 805.

193
duArTe viLArdeBó Loureiro

Entretanto, em 1929, Harold conheceu Louise Anne French (n. 3.1911,


Liverpool - † 1970), filha de John French 93 (n. 1870, County Wexford, Irlanda),
encarregado da New Brighton Tower, e de Louise Woollam (nat. de Liverpool),
e casaram-se a 20 de Maio de 1930, não na igreja, mas no Registo Civil de
Brownlow Hill, porque ela era católica e ele não. Foram viver para a Arnold Grove
logo a seguir ao casamento e viveram nessa casa durante dezoito anos. 94 Fica a
50 minutos a pé (2,5 milhas = 4023 metros) de casa de Lennon e a 1 hora (3,3
milhas = 5310 metros) de casa de Paul.
O ramo paterno de George, os Harrison, são uma família protestante
originária de Liverpool. Henry “Harry” Harrison é filho de Edward Harrison (n.
13.1.1848, Liverpool), que foi pedreiro de cantaria de vários edifícios públicos, e
de Elizabeth Hargreaves (nat. de Manchester), e neto paterno de Robert Harrison
(n. 9.10.1816, West Derby, Liverpool) e de Jane Shepherd (nat. de Litherland,
Liverpool). Casou em 1902, com Jane Thompson, de quem o pai era escocês e a
mãe natural da Ilha de Man. 95

_______________

George Harrison casou a primeira vez a 21 de Janeiro de 1966, 96 com


Pattie Boyd (n. 1944, Somerset), de quem não teve filhos. Pattie é uma modelo
inglesa que participou no filme Help!. Divorciaram-se em 1977. Casou a segunda
vez, a 2 de Setembro de 1978, com Olivia Trinidad Arias (n. 18.5.1948, Cidade
do México), de quem teve um filho, Dhani (n. 1.8.1978, Windsor). 97 Harrison
morreu a 29 de Novembro de 2001, em Los Angeles, vítima de cancro. Foi
cremado e as suas cinzas foram deitadas nos rios Ganges e Jamuna, na Índia,
numa cerimónia privada de acordo com a tradição hindu.

93
O apelido French em irlandês, escreve-se Ffrench. In DAVIES, Hunter, The Beatles - The
authorized biography, London, William Heinemann Lda, 1968, p. 38.
94
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 37-39.
95
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 27-29.
96
SULLIVAN, Robert, All Things Must Pass, “TIME - George Harrison 1943-2001”, New York,
Time Inc., December 10, 2001, pp. 73.
97
JONES, Allan (Editor), 1943-2001 GEORGE - The full story of an extraordinary life, Take #57,
London, UNCUT Magazine - Time Inc., February 2002, pp. 38-61.

194
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

2.4 - Ringo Starr, MBE

Richard Starkey nasceu a 7 de Julho de 1940, no número 9 de Madryn


Street, em Liverpool. O apelido da família deveria ser Parkin, se o seu avô não
tivesse decidido mudá-lo. Quando a mãe desse seu avô parterno, John “Johnny”
Parkin Starkey, começou a viver ilegitimamente com mr. Starkey, e para evitar
más-línguas, alterou o nome de casado Parkin para Starkey e, o avô paterno de
Ringo, também fez o mesmo. Isto causou alguma confusão quando Ringo quis
a certa altura traçar o seu ramo familiar. O apelido Starkey é originário das Ilhas
Shetland.
A mãe Ringo, Elsie Gleave (n. 19.10.1914, Toxteth Park, Liverpool),
casou a 24 de Outubro de 1936, em St. Silas, Toxteth, com o seu pai, Richard
“Ritchie” Henry Parkin Starkey (n. 1.10.1913). 98 Conheceram-se quando traba-
lhavam ambos na mesma padaria. A seguir ao casamento, os Starkey, com os avós
paternos, foram viver para o Dingle 99. Depois de Scotland Road, o Dingle é o
sítio mais duro de Liverpool. Situa-se no centro, não muito longe das Docas. 100
Logo a seguir ao nascimento de Ringo, ainda a sua mãe estava em recobro,
começou a ouvir as sirenes de aviso de guerra. O bombardeamento a Liverpool
tinha começado! As casas do Dingle ainda não tinham abrigo e os ataques aéreos
começaram a fazer estragos na cidade. 101
Quando Ringo foi baptizado, no meio da classe operária, é tradição dar
sempre ao primeiro filho o nome do pai. Também eram ambos tratados pela sua
alcunha, “Ritchie”.
Richard Starkey é filho de John “Johnny” Parkin Starkey (n. 1890,
Toxteth Park), fabricante de caldeiras, e de Annie Bower (n. 22.4.1889, Toxteth
Park). 102 Neto paterno de John Parkin, perfurador-operário e marinheiro empre-
gado no navio-farol Formby. 103 Este era filho de outro John Parkin, marinheiro,
que nasceu por volta de 1823, em Hull, que fica na costa oposta a Liverpool, e lá
98
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 30.
99
N. do A. - Dingle é uma área perto do centro da cidade e faz fronteira com o Toxteth Park e
Aigburth. O seu nome significa “Vale arborizado”. Em Tune In de Mark Lewisohn, na página
29, está bem explicado o ambiente social que se vivia no Dingle.
100
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 147-148.
101
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 148.
102
Casaram a 31 de Julho de 1910, na Igreja de St. Matthew, em Toxteth Park.
103
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 29-30.

195
duArTe viLArdeBó Loureiro

casou e foram os primeiros a estabelecer-se no Dingle, Liverpool. Neto materno


de Alfred Bower (nat. de Liverpool) e de Margaret Ellen Parr. 104
Aos três anos de idade, os seus pais separaram-se. Desde então, excepto em
três ocasiões a seguir, Ringo nunca mais viu o seu pai. Ringo e sua mãe conti-
nuaram durante um tempo a viver na Madryn Street, mas a renda tornou-se
demasiado dispendiosa e mudaram-se para a rua “ao virar da esquina”, para uma
pequena casa no número 10, da Admiral Grove.
Por volta de 1860, os Gleave já moravam no Dingle e são uma família de
protestantes. Elsie é filha de John Gleave (n. 11.4.1891, Toxteth Park), fabricante
de caldeiras, e de Catherine Martha Johnson (n. 25.4.1891, Toxteth Park). 105
Neta paterna de William Gleave,
também fabricante de caldeiras, e de
Mary Kate Conroy. Neta materna
de Andrew Johnson (n. 2.1.1852),
marinheiro, e de Mary Elizabeth
Cunningham, ambos naturais do
Dingle. 106 Andrew Johnson é filho
de Peter Johnson, pescador, natural
de Orkeney, Ilha de Shetland. Mary
Elizabeth é filha de James Cunnin-
gham, jardineiro, natural de Mayo,
Irlanda. 107
Quando Ringo tinha por
volta de 11 anos de idade, a sua
mãe conheceu um pintor e artesão
da Câmara Municipal, Harry
Arthur Graves (n. 1913, Romford,
Londres). A 17 de Abril de 1953,
Fig. 12 - Casa onde viveu Ringo Starr, em Admi- Harry e Elsie casaram. Ringo teve
ral Grove. (Fotografia do Autor) uma relação excepcional com o seu
padrasto. 108
_______________
104
Casaram a 10 de Novembro de 1873, na Igreja de St. Michael, Walton-on-the-Hill.
105
Casaram a 12 de Abril de 1914, na Igreja de St. Matthew, em Toxteth Park.
106
Casaram a 14 de Abril de 1875, na Igreja de St. Thomas, Liverpool.
107
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 30.
108
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 56-57.

196
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Ringo Starr casou a primeira vez a 11 de Fevereiro de 1965, em Londres, 109


com Maureen Cox (n. 4.8.1946, Liverpool - † 30.12.1994, Seattle, Washington),
de quem teve três filhos: Zak (n. 13.9.1965, Hospital Queen Charlotte,
Londres) 110, Jason (n. 19.8.1967, Hospital Queen Charlotte, Londres) 111 e Lee
Parkin (n. 17.11.1970, Hospital Queen Charlotte, Londres) 112. Casou a segunda
vez, a 27 de Abril de 1981, em Marylebone, com a atriz Barbara Bach 113 (n.
27.8.1947, Nova Iorque). 114

3. Ordem de Cavalaria Britânica

3.1 - Ordem do Império Britânico - Order of The British Empire (OBE) 115

A “The Most Excellent Order of the British Empire” está inserida nas British
Orders of Knighthood e foi instituída, no reinado de Rei George V (1865-1936),
a 4 de Junho de 1917. Esta Ordem de Cavalaria (British Order of Knighthood)
compreende o Soberano, o Grão-Mestre e cinco classes 116 respectivamente desig-
nadas:

1) GBE - Cavaleiros da Grã-Cruz e Damas da Grã-Cruz (Knights Grand


Cross and Dames Grand Cross);
2) KBE e DBE - Cavaleiros Comandantes e Damas Comandantes (Knights
Commanders and Dames Commanders);
3) CBE - Comandantes (Commanders);
4) OBE - Oficiais (Officers);
5) MBE - Membros (Members).

Cada classe tem ainda duas sub-divisões em que a primeira é denominada


Militar e a segunda Civil, em que cada uma dessas divisões estão compostas
109
CLAYSON, Alan, Ringo Starr, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 141.
110
CLAYSON, Alan, Ringo Starr, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 144.
111
CLAYSON, Alan, Ringo Starr, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 166.
112
CLAYSON, Alan, Ringo Starr, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 196.
113
N. do A. - O apelido de Barbara Bach é originalmente Goldbach.
114
CLAYSON, Alan, Ringo Starr, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 304.
115
BURKE, Sir Bernard , C.B., LL.D. (Ulster King of Arms 1852-1892), Burke’s Genealogical and
Heraldic History of the Peerage Baronetage and Knightage - Prival Council, and Order of Precedence,
Coronation Honours (96th) Edition, London, Shaw Publishing Co., Ltd. - Burke’s Peerage
Limited, 1938, pp. 3062-3070.
116
Os dois graus mais altos da OBE é que conferem o título de Sir.

197
duArTe viLArdeBó Loureiro

parcialmente em Membros Ordinários e Membros Honorários. O Rei e os seus


sucessores serão sempre os Soberanos da Ordem e quem o Rei ou o Príncipe Real
nomear será o Grão-Mestre da Ordem. A posição da Ordem está imediatamente
depois à Ordem Real Victoriana (Royal Victorian Order).
A placa dos Cavaleiros Grã-
-Cruz e Damas Grã-Cruz são
compostos por prata lascada com
raios de oito pontas, com um meda-
lhão de ouro ao centro suportando
a efígies de Suas Majestade o Rei
George V e a Rainha Mary, com
uma bordadura de vermelho, com a
seguinte divisa: “FOR GOD AND
THE EMPIRE”, com letras em ouro.
O colar é de prata dourada,
composta por seis medalhões com
as armas reais e seis medalhões com
o monograma, de Sua Magestade o
Rei George V, postos alternadamente
e ligados por cabos. No centro, está
a coroa imperial entre dois leões o
qual têm suspenso a o distintivo da
Ordem.
O distintivo dos Cavaleiros
Militares e Civis e Damas Grã-Cruz
consistem numa cruz patonce 117
esmaltada de pérola, orlado de ouro
e com um medalhão ao centro, como
está na placa da Ordem, encimado
pela coroa imperial de ouro, tudo
suspenso numa faixa rose-pink 118 file-
tada de pearl-grey 119.
Fig. 13 - Insígnia de Membro da Ordem do Im- O manto dos Cavaleiros Grã-
pério Britânico. (Desenho do Autor) -Cruzes e das Damas Grã-Cruzes é

117
N. do A. - A cruz denominada de “patonce”, que provavelmente deriva do francês “potencé”, é
uma mistura entre a cruz floretada florida e a cruz pateada entre curvas.
118
N. do A. - Rose-pink é um cor-de-rosa tipo salmão.
119
N. do A. - Penso que “pearl grey” significará prata.

198
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

de cetim rose-pink, forrado de seda pearl-grey e preso com o cordão de seda do


mesmo, com duas borlas rose-pink e prata atadas. No lado sinistro do manto está
representado a placa de Primeira Classe da Ordem.
A medalha ou insígnia da Ordem, para homens ou mulheres, é uma
medalha circular de prata, tendo no anverso a representação de Britannia, e em
orla a seguinte divisa: “FOR GOD AND THE EMPIRE”, sobre o exergo, a
seguinte inscrição: “FOR GALLANTRY” ou “FOR MERITORIOUS
SERVICE”. E no reverso da medalha, o monograma Real e Imperial, com a
inscrição: “INSTITUTED BY KING GEORGE V”. A medalha é usada no lado
esquerdo, à sinistra, pendente
numa fita rose-pink filetada de
pearl-grey.
Cavaleiros Grã-Cruz e
Damas Grã-Cruz têm o direito
de ostentar suportes às suas
armas e, os Cavaleiros Grã-Cruz,
Damas Grã-Cruz, Cavaleiros
Comandantes, Damas Coman-
dantes e Comandantes, têm o
direito de circundar o seu brasão
de armas com uma faixa circular
(circlet) e a divisa da Ordem e
ter pendente no escudo a fita e
o distintivo ou insígnia. Oficiais
e Membros podem também ter
pendentes a representação da
fita e distintivo, ou insígnia, na
parte de baixo do seu brasão de
armas.
Os Oficiais da Ordem são
os prelados, Rei de Armas, escri-
vães, Secretários e os Gentlemen
Usher of the Purple Rod.
A Ordem é atribuída a
todos os que tiveram relevância Fig. 14 - Insígnia de Comandante da Ordem do Impé-
na vida pública britânica, de rio Britânico. (Desenho do Autor)
maneira a recompensar as suas
contribuições pessoais para as Artes e Ciências, trabalhos com organizações de
caridade e assistência social e de serviços de cariz público.

199
duArTe viLArdeBó Loureiro

3.2 - Cavaleiros Bacharel 120 - Knights Bachelor (Kt) 121

Teve lugar na Primavera de 1908, um encontro informal de Cavaleiros


Bacharel na Câmara dos Comuns, com o objectivo de analisar os procedimentos
dos Walter Trustees de Edinburgh - enquanto detentores do ofício de Usher of the
White Rod - em que exigiam o pagamento de honorários aos titulares de honras.
Foi então decidido formar uma
sociedade de Cavaleiros que rejei-
tasse aquela prática e contestasse
os seus direitos na matéria.
Os objectivos da Socie-
dade, formalmente constituída
a 27 de Abril de 1908, que
mereceu a aprovação da Chan-
celaria Central da Ordem de
Cavalaria (Central Chancery
of the Order of Knighthood),
situada no Palácio de St. James,
e contou com a colaboração do
College of Arms, são de preservar
e manter os arquivos, que datam
do século XIII, defender os esta-
tutos dos Cavaleiros, manter os
seus direitos de precedência e,
em geral, proteger os interesses
dos Cavaleiros Bacharel (Knights
Bachelor). Em 1912, Sua Majes-
tade o Rei George V, determinou
Fig. 15 - Insígnia de Knight Bachelor. (Desenho do que a sociedade fosse doravante
Autor) designada por “The Imperial
Society of Knights Bachelor.”
No ano de 1902, uma
mudança radical foi realizada no procedimento relacionado com as promoções
de Honra. A Chancelaria Central da Ordem de Cavalaria - instituída por Sua
120
Ou Cavaleiro Celibatário.
121
BURKE, Sir Bernard , C.B., LL.D. (Ulster King of Arms 1852-1892), Burke’s Genealogical and
Heraldic History of the Peerage Baronetage and Knightage - Prival Council, and Order of Precedence,
Coronation Honours (96th) Edition, London, Shaw Publishing Co., Ltd. - Burke’s Peerage
Limited, 1938, pp. 3074-3075.

200
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Majestade o Rei Edward VII nesse ano - passa a superintender a todos os proce-
dimentos relacionados com promoções e cerimonial, com algumas excepções.
Uma dessas excepções diz respeito aos Cavaleiros Bacharel e determinadas ques-
tões com si relacionadas, que permanecem sob a tutela do Ministério do Interior
(Home Office).
O Ministério do Interior, no entanto, outorgou um reconhecimento oficial
à Sociedade, e, nessa conformidade, remete à Sociedade uma notificação oficial da
nomeação de todos os Cavaleiros Bacharel.
Para muitos, constituirá sem dúvida uma surpresa saber que desde o dia 28
de dezembro de 1902 até à formação da Sociedade, não existia uma lista oficial ou
registo de Cavaleiros Bacharel, pelo que a primeira tarefa da Sociedade consistiu
em suprir essa lacuna.
Na Idade Média os Arautos faziam anotações ocasionais das honras dos cava-
leiros, mas tais documentos, embora conhecidos, são considerados incompletos. No
século XVII, o Registo de Nobreza (Register of Knighthood) foi instituído pelo Rei
James o Primeiro. Este registo está preservado no College of Arms, e estende-se até o
ano de 1902, mas não representa em si mesmo, nem se assume, como um registo
completo de todos as investiduras de cavaleiros durante esse período.
Existia a forte preocupação entre Cavaleiros Bacharel de criar e manter
actualizada uma lista devidamente autenticada e oficialmente reconhecida de
Cavaleiros (Roll of Knights); esse dever de manter um arquivo permanente, a
Sociedade assumiu como seu. Além da sua própria lista de Cavaleiros, a Sociedade
estabeleceu procedimentos com vista a registar no College of Arms cada cavaleiro
devidamente autenticado.
Por Alvará Régio, datado de 21 de Abril de 1926, Sua Majestade concedeu
autorização para uso pelos Cavaleiro Bacharel de um crachá (placa), a ser usado
no lado esquerdo do casaco ou outra roupa exterior. O emblema (insígnia), mede
aproximadamente três polegadas (76,20mm) de comprimento e 2 polegadas
(50,80mm) de largura, encontrando-se descrito no Alvará da seguinte forma:
sobre um medalhão oval de vermelho, com uma bordadura ornada de floreado,
uma espada (cross-hilted sword) com cinto e bainha com alças para cima, entre
duas esporas, com as suas rosetas para cima, o conjunto rodeado pelo cinto da
espada, tudo de ouro.
A honra de Cavaleiro Bacharel é uma dignidade concedida através de
Alvará Régio a um indivíduo, mas este não pertence a nenhuma das estruturadas
Ordens de Cavalaria e é o grau mais baixo da classificação das várias ordens britâ-
nicas.

201
duArTe viLArdeBó Loureiro

4. Os cinco Beatles - As Mercês Honoríficas e as Ordens Britânicas

4.1 - Membros do Império Britânico - Members of The British Empire (MBE)

Os Beatles tinham acabado de conquistar a América. A Beatlemania estava


espalhada pelo mundo inteiro. Eles actuavam como embaixadores naturais do
velho Reino Unido. A 12 de Junho de 1965 era anunciado que os Beatles iriam
receber MBE pelos serviços prestados à Grã Bretanha.
O Daily Mirror
publicava nesse mesmo
dia, com grande surpresa,
que os Beatles iriam
ser homenageados pela
sua Rainha. O jornal
fez umas apreciações
negativas em relação ao
background dos Beatles,
nomeadamente no que
respeita à classe social de
origem dos quatro, da
Fig. 16 - Os Beatles no Palácio de Buckingham com as insígnias profissão dos pais e deles
de MBE. (Col. do Autor) mesmos. E insinuou que
a honra foi dada por
recomendação de Harold Wilson, primeiro ministro britânico na altura, com um
brilho nos olhos. Alguns leitores escreveram para o jornal a mostrar o seu apoio
e outros a criticar de maneira veemente com afirmações do tipo “The inclusion of
the Beatles in the Honours List is the sickest joke of the century.” ou “MBEs for the
Beatles? Jesus wept.”. 122
John Lennon estava um pouco relutante em receber a honra, mas Brian
Epstein conseguiu persuadi-lo a aceitar dizendo-lhe que seria bom para a imagem
dos Beatles. Brian estava convicto que também ele receberia uma honra, como
compensação do seu trabalho com os Beatles, mas tal não veio a suceder. Ele
considerou esta rejeição uma afronta pessoal, motivada pela circunstância de ser
judeu e homossexual. 123 Não podemos esquecer que Brian Epstein é o grande

122
ROGERS; Ken (Executive Editor), The Beatles Hello... Godbye, Daily Mirror, London, Trinity
Mirror, s/d, pp. 52-53.
123
The Story of The Beatles, Second Edition, Bournemouth, Imagine Publishing Ltd, 2016, pp.
78-81.

202
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

responsável pela fama e ascenção dos Beatles. O título de Quinto Beatle pertence-
-lhe com justa causa!
A 18 de Junho de 1965 foi anunciado no jornal de música, New Music
Express (NME), que os Fab Four receberam a dignidade outorgada por S. M. a
Rainha Elizabeth II, que achou por bem fazer-lhes Membros do Império Britâ-
nico 124 (MBE), caso sem precedentes na história do show business mundial. A
investidura irá ser realizada no Palácio de Buckingham. 125 Houve protestos em
Buckingham e chegaram a ser devolvidas medalhas na sequência do anúncio de
que os Beatles iriam receber tal distinção. 126
Paul acabara de chegar ao aeroporto de Londres, vindo de Portugal.
A 26 de Outubro, os Beatles foram receber as insígnias relativas ao MBE,
“The Most Junior of the Orders of the British Empire”. Os quatro ficaram comple-
tamente surpreendidos. 127 A cerimónia de investidura realizou-se no Palácio de
Buckingham, estando no exterior do palácio mais de 4000 fãs, seguras por um
cordão policial, a gritar: “Long Live The Queen! Long Live The Beatles!”
À volta deste acontecimento, criou-se o boato na imprensa inglesa que os
Beatles teriam fumado marijuana nas casas-de-banho do Palácio de Buckingham
antes de receber as honrarias da mão de S. M. a Rainha, na sala do Grande Trono
(Great Throne Room). Os próprios Beatles vieram desmentir este boato várias
vezes ao longo dos anos. 128

4.2 - Lennon devolveu o seu MBE como protesto

A 25 de Novembro de 1969, John Lennon pediu ao seu motorista, Les


Anthony, para ir a casa de sua Aunt Mimi buscar o estojo com a medalha de
MBE. Com a medalha de volta às suas mãos, Lennon escreveu uma carta à Sua
Majestade a Rainha, a devolver a insígnia, manifestando a sua contestação contra o
envolvimento da Grã-Bretanha no conflito do Biafra e também no apoio dado aos

124
Em inglês, Members of the British Empire.
125
NME Originals, UNCUT presents The Beatles 1962-1970, Volume 1, Issue #1, London, s/d, pp.
70-71.
126
NME Originals, Volume 1, Issue #10, London, s/d, p. 32.
127
SANDALL, Robert, Joint Honours, in “1000 Days That Shook The World - The Psychedelic
Beatles - April 1, 1965 to December 26, 1967”, London, MOJO - Special Limited Edition,
Number 29384 of a limited edition of 90,000, pp. 20 e 26-27.
128
SUTHERLAND, Steve (Editor), John Lennon, Volume 1, Issue #10, London, NME Originals,
s/d, p. 32.

203
duArTe viLArdeBó Loureiro

Estados Unidos da America na guerra do Vietnam. Foi dada uma cópia ao Primeiro
Ministro, Harold Wilson, que tinha recomendado a nomeação dos Beatles. 129
Numa entrevista, Lennon alegou que os Beatles tinham recebido o título
na qualidade de propagarem a Paz e não a Guerra. Ao contrário de McCartney,
que sempre teve orgulho de ter recebido tal honra, Lennon nunca lhe deu grande
importância. Este acto de Lennon teve ecos no parlamento britânico e, Tony
Benn, então Ministro da Tecnologia, aproveitou para se pronunciar: “The Beatles
have done more for the Royal Family by accepting MBEs than the Royal Family has
done for The Beatles by giving them.” O Primeiro Ministro considerou o compor-
tamento de Lennon ingénuo e a imprensa ridicularizou a sua atitude declarando
que a piada na carta acima referida sobre Cold Turkey era mais um sinal do seu
monstruoso ego. Posteriormente, Lennon lamentou ter incluído esta piada.
Um comunicado foi feito por parte do Palácio de Buckingham: “The
first MBEs to be returned were from people protesting that Mr. Lennon was given
the award in the first place.” Mas houve quem achasse que o devolução iria ter
impacto positivo como um protesto de Paz. Ringo Starr comentou acerca deste
assunto: “The MBE was awarded to John for peaceful efforts and it was returned as a
peaceful effort. That seems to be a full circle.”
John tinha produzido o single “Give Peace A Chance” e, em Dezembro de
1969, deu início à sua campanha de protesto a favor da paz, colocando em 11
cidades espalhadas pelo mundo gigantes cartazes com a afirmação: “War Is Over
- If You Want It”. 130

4.3 - Sir Paul McCartney, MBE, Kt

Em Março de 1997, 131 Paul McCartney volta, 32 anos depois, ao Palácio


de Buckingham para receber o título de Sir, ou seja, para lhe ser conferido o grau
de Knight Bachelor.

129
“To Her Majesty the Queen / 25th November 1969 / Your Majesty, / I am returning this MBE
in protest against / Britain’s involvement in the Nigeria - Biafra / thing, against our support of
America in / Vietnam and against Cold Turkey slipping down the / charts. / With Love / John
Lennon / John Lennon of Bag”, in DAVIES, Hunter (Edited and with an introdution by), The
John Lennon Letters, London, Orion Publishing Group Ltd, 2012, p. 168.
130
LEIGH, Spencer, Return To Sender, in “1000 Days Of Revolution - The Beatles’ Final Years- Jan
1, 1968 to Sept 27, 1970”, London, MOJO - Special Limited Edition, Number 50375 of a
limited edition of 95,000, pp. 120-121.
131
COLLINS, Andrew, Meet The New P.M., in “Meet... The Beatle!”, #129, London, Q Magazine,
June 2007, pp. 108-114.

204
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

O “Knighthood” de McCartney foi anunciado na lista de honra a 1 de


Janeiro de 1997 - a imprensa antecipou a notícia no dia anterior. A cerimónia
oficial ocorreu a 11 de Março desse ano, no Palácio de Buckingham. Paul fez-se
acompanhar pelos filhos Mary, Stella e James. A sua mulher, Linda, já estava
bastante doente e não o pôde acompanhar. Logo depois da cerimónia solene com
a Rainha Elizabeth, Stella afirmou: “It was just like the end of a wonderful film with
the Queen placing the sword on Dad’s shoulders. I will never forget that moment.” 132
Em Julho de 2001, foi-lhe concedido um brasão de armas hereditário pelo College
of Arms.

4.4 - Sir George Martin, CBE, Kt

Tal como Brian Epstein, houve outros elementos próximos dos Beatles em
que se justificaria conferir o título de “Quinto Beatle”. Sir George Henry Martin
é uma dessas pessoas! 133 A sua experiência musical veio a influenciar os arranjos e
o som dos 4 de Liverpool.
Martin tocava oboé e, com apenas 24 anos, foi-lhe oferecido um trabalho
a tempo inteiro como assistente na Parlophone Records. Hoje em dia, é conside-
rado o produtor mais famoso do mundo! 134
George Martin nasceu a 3 de Janeiro de 1926, em Highbury, Londres.
O seu pai era serralheiro e, segundo Martin, foi “quem fez todos os móveis em sua
casa e era uma pessoa bastante criativa.” Durante a depressão nos anos 30, antes da
segunda Grande Guerra, o seu pai ficou sem trabalho e acabou vendendo jornais
em Cheapside, na City of London. Nesta altura viviam com bastantes dificuldades
económicas! A mãe de George Martin era enfermeira, mas para ajudar a aumentar
os rendimentos familiares, fazia serviços extras de limpeza e trabalho-a-dias.

132
SOUNES, Howard, FAB : An Intimate Life of Paul McCartney, Cambridge (Massachusetts), Da
Capo Press, 2010, pp. 470-471.
133
BICKNELL, Arwen, Fith Beatles, in “The Beatles - Celebrating 50 Years of Beatlemania in
America”, Irvine (California), I-5 Publishing, LLC, 2014, pp. 70-77.
São também considerados 5th Beatle, as seguintes pessoas: Neil Aspinall (1941, País de Gales
- 2008, Nova Iorque) - Road manager a assistente pessoal dos Beatles e, mais tarde, director da
Apple Corps; Pete Best (1941, Madras, Índia Britânica) - Baterista dos Beatles de 1960 a 1962;
Stuart Sutcliffe (1940, Edinburgo - 1962, Hamburgo) - Artista plástico e Baixista dos Beatles
de 1960 a 1961; Brian Epstein (1934, Liverpool - 1967, Londres) - Empresário dos Beatles
desde 1961 até à sua morte.
134
IRVIN, Jim (Interview by); FALLON, Andy (Portrait by), Sir George Martin, in “Mojo Sgt.
Pepper Anniversary Edition - The Beatles”, Issue #160, London, EMAP Performance Ltd,
March 2007, pp. 36-40.

205
duArTe viLArdeBó Loureiro

A música apareceu-lhe de forma natural e foi num piano oferecido por um


tio, que começou a tirar algumas melodias.
Aos 15 anos estava a dirigir a banda de dança da escola, the Four Tune
Tellers. Apesar de estarem a gerar proveitos monetários, George Martin teve que
interromper o projecto para ingressar na marinha com dezassete anos. Ainda
durante a segunda Guerra Mundial, serviu na Fleet Air Arm e, nessa altura, trocou
correspondência com o professor de música Sidney Harrison. Martin foi desmo-
bilizado com 21 anos e o professor ajudou-o a entrar na Guildhall School of
Music, como aluno de composição com o estatuto de antigo combatente. Através
de Sidney, foi chamado por Oscar Preuss, na EMI, para trabalhar junto dele, no
número 3 da Abbey Road, em St. John’s Wood. E atravessou pela primeira vez as
portas, daquele que viria a ser conhecida como Abbey Road Studios, em 1950.
Quando Oscar Preuss se reformou, Martin ficou a gerir a Parlophone. 135 George
Martin ocupava os cargos de director da Parlophone, A&R e chefe de produção.
E graças a George Martin ter apostado nos Beatles, a Parlophone tornou-se numa
das maiores etiquetas da história discográfica.
Em 1988, foi condecorado por Sua Majestade a Rainha com o grau de
Commander of the British Empire (CBE), pelos bons serviços prestados na indús-
tria musical. Em 1996, foi investido com o título de Knight Bachelor. E, em
Março de 2004, foi-lhe concedido um brasão de armas hereditário pelo College
of Arms.
Martin foi casado a primeira vez com Sheena Chisholm, de quem tem dois
filhos, Gregory Paul Martin, escritor, produtor e actor, e Alexis Martin. Casou a
segunda vez com Judy Lockhart Smith, de quem teve também dois filhos, Lucy
Martin e Giles Martin, produtor musical.
George Martin continuou a trabalhar, juntamente com o seu filho Giles
Martin, até ao fim da sua vida. Morreu no dia 8 de Março de 2016, na sua casa
em Wiltshire, com noventa anos de idade. A sua morte foi anunciada por Ringo
Starr através das redes sociais.

135
O propósito de convidar Martin, com apenas 29 anos, a gerir a label Parlophone, foi um
“presente envenenado”. Na realidade, a administração da EMI tinha a intenção de fechar a
Parlophone. Como o próprio George Martin referiu numa entrevista: “It was: this brash young
man, bit of a maverick, he’s cheap, he’d love to do it, he’s that kind of idiot, if he fails we were going
to shut it down anyway.” In IRVIN, Jim (Interview by); FALLON, Andy (Portrait by), Sir George
Martin, in “Mojo Sgt. Pepper Anniversary Edition - The Beatles”, Issue #160, London, EMAP
Performance Ltd, March 2007, p. 38.

206
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

5. A herádica no mundo musical 136

5.1 - Armas novas de Sir Paul McCartney, MBE, Kt

O responsável pela concessão das armas de Sir Paul McCartney foi Hubert
Chesshyre, Rei de Armas Clarenceux. As armas foram concedidas a 18 de Julho
de 2001, 137 por Peter Gwynn-Jones, Garter Principal King of Arms, e Hubert
Chesshyre, Clarenceux
Kings of Arms.

Fig. 17 - Brasão de Armas de Sir Paul McCartney. (Desenho do


Autor)

136
N. do A. - Esta informação sobre o brasão de armas de Sir George Martin e de Sir Paul McCartney
foi obtida através do College of Arms, em Londres, com o apoio de John Allen-Petrie, MSc, Arauto
Rouge Croix, e de Mark Scott, MA, Assitente de Pesquisa para o Arauto Rouge Croix.
137
A Carta de Brasão foi passada a 18 de Junho de 2001, no 59º aniversário de Paul McCartney.

207
duArTe viLArdeBó Loureiro

“Arms: Or between two Flaunches fracted


fesswise two Roundels Sable over all six Guitar
strings palewise-throughout counterchanged.
Crest: Upon a helm with a Wreath Or and Sable
A Liver Bird calling Sable supporting with the
dexter claws a Guitar Or stringed sable.
Motto: ECCE COR MEUM (Behold My
Heart)” 138

Sir Paul McCartney não teve a insígnia de Cavaleiro pintada na Carta de


Brasão de Armas (Letters Patent).

5.1.1 - Algumas considerações sobre o brasão de armas de Sir Paul McCartney

As armas representam uma guitarra


clássica que também aparece no timbre
por cima do elmo e refere-se à sua carreira
musical. Nessa representação, no escudo,
estão também seis cordas completando a
imagem da guitarra. Na nossa opinião, em
vez das seis cordas, deveriam estar apenas
quatro e, no timbre, deveria estar represen-
tado uma guitarra baixo. Apesar de Paul
McCartney ter começado a sua carreira
como guitarrista, com os Beatles sempre
tocou como instrumento a guitarra baixo
e o Höfner Violin Bass tornou-se na sua
imagem de marca. 139
Em alguns sites, onde se discutiu as
Fig. 18 - Guitarra baixo Höfner Violin armas de Sir Paul, há quem afirme que as
Bass. (Col. do Autor) quatro partes divididas do flanqueado de

138
Tradução: Escudo: de ouro, flanqueado de negro com uma burela firmada nos flancos de ouro;
duas arruelas de negro postas em pala e sobre elas, seis cordas de guitarra em pala atravessantes,
entrecambadas. Elmo: de prata, aberto, guarnecido de ouro, forrado de vermelho. Paquife e
virol: de ouro e negro. Timbre: Um corvo-marinho de negro, segurando com a garra dextra
uma guitarra clássica de ouro encordoado de negro. Listel: branco, forrado de vermelho, com a
seguinte divisa a negro: “Ecce Cor Meum”.
139
N. do A. - O autor deste trabalho é também músico e toca guitarra regularmente numa banda
chamada Discovers.

208
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

negro representam os quatro Beatles. Por parte do College of Arms, nada foi refe-
rido a esse respeito. Aliás, nada nas armas de McCartney faz alusão aos Beatles.
No timbre está representado o liver bird, o símbolo de Liverpool, terra
natal de Sir Paul e dos restantes Beatles. Desde a idade média que aparece um
pássaro representando Liverpool. Em 1668, o Conde de Derby deu à cidade um
bastão onde estava gravado com um leaver, a primeira referência conhecida com
o nome liver bird. Em 1797, o College of Arms concedeu um brasão oficial à
cidade de Liverpool em que retrata o pássaro em destaque. Actualmente, o College
of Arms refere-se ao pássaro como sendo um cormorão (em inglês: great cormorant
ou apenas cormorant), tendo um raminho de laver, um tipo de alga, no bico,
resultando assim que a denominação do pássaro vem dessa alga.
O cormorão, ou seja, corvo-
-marinho de negro (Phalacrocorax
carbo), é um pássaro de grande
dimensão, com o pescoço comprido
e grosso. A plumagem é negra, com
reflexos azulados e verdes, asas pretas
e escamosas com matizes cor de
bronze. É uma ave que está presente
todo o ano na zona de Liverpool,
mas reproduzem principalmente no
Báltico e depois migra. 140
A divisa, “Ecce Cor Meum”,
que em inglês significa “Behold My
Heart” (Eis o meu coração), foi inspi-
rado pela inscrição numa estátua
de Jesus Cristo existente na Igreja
de Santo Inácio em Nova Iorque.
Portanto, refere-se ao Sagrado
Coração de Jesus. Após a concessão
deste brasão de armas em 2001,
Sir Paul adoptou “Ecce Cor Meum” Fig. 19 - Pilarete numa praça de Liverpool com
como sua divisa. o símbolo da cidade, o Cormorão ou Corvo Ma-
Em 2006, Paul McCartney rinho. (Fotografia do Autor)
lançou um CD com este título, “Ecce

140
SVENSSON, Lars (Texto e Mapas), MULLARNEY, Killian e ZETTERSTRÖM, Dan
(Ilustrações e Legendas), Guia das Aves - O guia de campo das aves de Portugal e da Europa, Porto,
Assírio & Alvim - Porto Editora, Lda, 2014, pp. 78-79.

209
duArTe viLArdeBó Loureiro

Cor Meum”, gravado nos estúdios da Abbey Road, através da EMI Classics. É um
oratorio em 4 movimentos, produzido por John Fraser. Foi fonte de inspiração a
sua mulher, Linda McCartney.

Fig. 20 - CD (EMI Classics / MPL Comunications Lda - Limited Edition - 0946 3704232 8 -
2006) com o título Ecce Cor Meum, de Paul McCartney. (Col. Luís Pinheiro de Almeida)

No que diz respeito ao elmo, os cavaleiros (knights) e os baronets devem


usar nas suas armas um elmo fechado de prata (ou aço liso = plain steel), com o
visor aberto. 141 No caso de Sir Paul, foi-lhe concedido o título de Knight Bachelor
em 1997.

5.2 - Armas novas de Sir George Martin, CBE, Kt

O responsável pela concessão das armas de Sir George Martin foi Henry
Paston-Bedingfeld, Arauto de York. 142 As armas foram concedidas a 15 de Março
de 2004, por Peter Gwynn-Jones, Garter Principal King of Arms, e Hubert Ches-
shyre, Clarenceux Kings of Arms.

“Arms: Azure on a Fess nebuly Argent between


three stag beetles Or five Barrulets Sable.
Crest: Upon a helm with a Wreath Argent and
Azure A House Martin proper holding under

141
SLATER, Stephen, The Illustrated Book of Heraldry, London, Hermes House - Anness Publishing
Ltd, 2005, p.63.
142
O cargo de Arauto (Herald of Arms) é um oficial de amas que está entre o Arauto Assitente ou
Passavante (Pursuivant) e o Rei de Armas (King of Arms). Henry Paston-Bedingfeld tinha nesta
altura o título de “York Herald of Arms” e, mais tarde, foi-lhe dado o título de Sir e o cargo de
Rei de Armas de Norroy e Ulster.

210
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

the sinister wing a Recorder in bend sinister


mouthepiece downward.
Badge: A Zebra statant proper supporting with
the dexter foreleg over the shoulder an Abbot’s
Crozier Or.
Motto: AMORE SOLUM OPUS EST” 143

Fig. 21 - Brasão de Armas de Sir


George Martin. (Desenho do
Autor)

143
Tradução: Escudo: de azul, faixa nublada de prata carregada de cinco filetes de negro, entre
três besouros de ouro. Sob o escudo, um listel circular de vermelho, perfilado de ouro, com a
divisa da Ordem do Império Britânico do mesmo: “FOR GOD AND THE EMPIRE”. Elmo:
de prata forrado de vermelho. Paquife e virol de prata e azul. Timbre: Uma andorinha-de-casa
(ou andorinha-dos-beirais) de sua cor, segurando sob a asa sinistra uma flauta, com o bocal para
baixo, de ouro. Listel: branco, forrado de vermelho, com a seguinte divisa a negro: “Amore
Solum Opus Est”. Pendentes: à dextra, insígnia de Cavaleiro Bacharel (Knight Bachelor) e, à
sinistra, a insígnia da Ordem do Império Britânico (Most Excellent Order of the British Empire).
Empresa: Uma zebra de sua cor segurando com a pata dianteira dextra um báculo de ouro.

211
duArTe viLArdeBó Loureiro

5.2.1 - Algumas considerações sobre o brasão de armas de Sir George Martin

Ao contrário das armas anteriores, Sir George tem representado nas suas
armas as insígnias de Kinght Bachelor e de Commander of the British Empire (CBE)
pendentes no escudo, pintadas na carta patente. E sob o escudo, o listel circular
com a divisa da Ordem do Império Britânico: For God and the Empire.
No escudo, os escaravelhos (beetles) referem-se à famosa banda pop-rock
de qual George Martin foi produtor. Os Beatles eram quatro elementos e no
escudo estão representados apenas três escaravelhos. A opção escolhida pode ter
sido esta porque a Heráldica vive de equilíbrio e simetria e, o autor do desenho,
considerado que a representação de quatro peças teria quebrado a harmonia do
desenho. Ou os escaravelhos no chefe estão a representar, em plural, os Beatles e o
escaravelho em ponta o próprio armigerado, como o quinto beatle.
Ainda no escudo, as cinco linhas horizontais representam o pentagrama
(pauta) musical e a faixa nublada representa a criatividade.
O timbre, também ele falante, refere-se ao próprio apelido de Sir George
Martin. O pássaro representado no timbre é um House-Martin, ou seja, uma
Andorinha dos Beirais (Delichon urbicum). É um pássaro de pequenas dimensões
que se reproduz em vilas, quintas, cidades e em todo o tipo de áreas abertas, com
forte atracção por habitações. É um pássaro sociável com os humanos, contrói o
seu ninho de lama nos beirais, vigas de pontes ou mesmo em ferry-boats. Encontra-
-se por toda a Europa. É frequente ver as Andorinhas dos Beirais em grande
número, empoleiradas lado-a-lado em fios telefónicos (pauta de música). 144 No
timbre, o House-Martin, na sua asa à sinistra, segura uma flauta, em inglês recorder,
que representa a carreira de produtor musical de Martin.

Fig. 22 - O álbum Abbey


Road (Apple PCS 7088 -
1969) e a empresa de Sir
George Martin. (Col. e
desenho do Autor)

144
SVENSSON, Lars (Texto e Mapas), MULLARNEY, Killian e ZETTERSTRÖM, Dan
(Ilustrações e Legendas), Guia das Aves - O guia de campo das aves de Portugal e da Europa, Porto,
Assírio & Alvim - Porto Editora, Lda, 2014, pp. 260-261.

212
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

O emblema (empresa) refere-se a um dos mais famosos momentos dos


Beatles. A capa do álbum em que a banda apareceu atravessando a passadeira
(zebra) em frente aos estú-
dios da Abbey Road que,
fazendo a sua tradução, signi-
fica a rua da Abadia, e daí o
báculo.
A divisa usada por Sir
George Martin, Amore Solum
Opus Est, significa em inglês
“All You Need Is Love”, uma
das mais conhecidas músicas
dos Beatles realizada, em
1967, apenas em formato
single (7” 45 rpm). 145 Foi
a primeira vez que George
Martin aparece creditado
na label de um 7” single dos
Beatles. 146
Este é um bom
exemplo de armas falantes.
Ao interpretar este brasão,
desde o timbre até às peças
que estão no escudo, é fácil
perceber a quem pertence Fig. 23 - The Abbey Road Studios, em Londres. (Fotogra-
fia do Autor)
145
“All You Need Is Love / Baby You’re A Rich Man” (Lennon-McCartney), Made In Gt. Britain,
Parlophone R 5620, Nothern Songs, 7 de Julho de 1967. In MAUS, Christoph, Beatles Worldwide
II, An anthology of originals Singles & EP - releases in 58 countries 19661-1973, Hamburg, Music
Book Publishing, 2005, p. 59.
146
“All You Need Is Love” é uma música escrita e composta por John Lennon e creditada como
Lennon-McCartney. Começou a ser gravada no Estúdio 1, da Olympic Sound Studios, em
Londres, a 14 de Junho de 1967, e foi concluída nos estúdios da Abbey Road. Culminou no
programa internacional de televisão ao vivo, Our World, que foi transmitido através da BBC, no
dia 25 de Junho, para 25 países e assistido por mais de 400 milhões de pessoas. Foi a primeira
vez que um programa de televisão era transmitido via satélite. A transmissão tomou a forma de
uma festa e estavam presentes no estúdio Mick Jagger, Marianne Faithfull, Keith Richards, Keith
Moon, Eric Clapton, Pattie Harrison, Jane Asher, Mike McCartney, Graham Nash, Gary Leeds
e Hunter Davies. In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles recording sessions - The Official
Story of The Beatles Abbey Road Years, Introductory interview with Paul McCartney, London,
EMI Records Limited, 1988, pp. 116-121.

213
duArTe viLArdeBó Loureiro

estas armas, a sua profissão, mercês e título. Peças como o House-Martin com o
recorder, a zebra com o báculo ou os besouros, conduzem-nos para múltiplos
significados e símbolos que
nos transportam directa-
mente para o estúdio 2 da
Abbey Road na companhia
de Sir George Martin e dos
quatro fabulosos de Liver-
pool.

6. Conclusão

Quando eu tinha cerca


de 8 ou 9 anos, o meu irmão
mais velho veio mostrar-me
um LP e disse-me: “Esta é
a melhor banda de todos os
tempos!” Agarrei o disco e
fiquei vidrado nele. Creio Fig. 24 - Single 45 rpm All You Need Is Love / Baby, You’re
que era a colectânea “The A Rich Man (Parlophone R 5620 - 1967). (Col. do Autor)
Beatles 1967-1970 (Blue
Album)”, editado em 1973.
Este momento marcou-me para sempre e desde então acho de facto os Beatles a
melhor banda de todos os tempos! Se houve alguém que deve estar no podium,
esse alguém são os Beatles. Eles não só mudaram o ruma da história da música,
como influenciaram todas as áreas da cultura popular. 147
Para além do grande sucesso e da quantidade de #1 no top musical, os
Beatles não foram apenas um bom produto, mas sim quatro fabulosos génios que
trabalhavam juntos. Como os próprios diziam, os quatro formam o quadrado
perfeito. É interessante ouvir as “lições” do maestro Leonard Bernstein nos seus
programas de televisão, na CBS, em que refere várias vezes a criatividade e a
genialidade de John, Paul, George e Ringo.

147
“The Beatles were in a different stratosphere, a different planet to rest of us. All I know is when I heard
‘Love Me Do’ on the radio, I remember walking down the street and knowing my life was going to be
completely different now the Beatles were in it.” (Justin Hayward, membro dos Moody Blues)

214
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

O disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band 148 é considerado o melhor
álbum de todos os tempos pela New Musical Express em 1974, Rock and Roll Hall
of Fame 149 e pela revista Rolling Stone 150. Esteve quinze semanas em primeiro
lugar nos Tops. 151 Com a realização de Sgt. Peppers, houve uma segunda viragem
no rumo da História da Música. 152 153
Na revista Q, John Lennon (#1) e Paul McCartney (#2) foram consi-
derados os maiores artistas do século XX. Ringo Starr (#26), foi considerado
“provavelmente” o melhor baterista do mundo, e George Harrison (#36) também
figurou naquela classificação. 154 A nível vocal, John Lennon (#4) e Paul McCar-
tney (#13) ficaram entre os quinze primeiros lugares na revista Mojo. 155
Existe alguma relação com Portugal e pelo menos três dos Beatles passaram
por Terras Lusas. A primeira vez foi em 1964, quando Paul McCartney e Ringo
Starr ficaram uma noite em Lisboa, a caminho das Ilhas Virgens. Em 1965 e
1968, Paul esteve por duas vezes de férias no Algarve, onde escreveu parte da
música Yesterday. E nessa segunda vez, em Dezembro de 1968, Paul encontrava-se
num bar de hotel e onde foi convidado para fazer uma jam com a banda de serviço
nessa noite. Na brincadeira, Paul escreveu a música Penina, em homenagem a esse
Hotel, que depois “ofereceu” à banda Jotta Herre, que mais tarde gravou num EP.
George Harrison também esteve de férias no Algarve no princípio dos anos
70. Como apaixonado por F1 que era, veio ao autódromo do Estoril, em 1996,
assistir ao Grande Prémio de Portugal.
Em Outubro de 1995, Sir George Martin dirigiu a Orquestra Clássica do
Porto, no Coliseu dos Recreios, onde foram interpretadas canções dos Beatles.

148
THE BEATLES, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Made in Gt. Britain, Parlophone, PMC
7027, 1967.
149
pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_200_álbuns_definitivos_no_Rock_and_Roll_Hall_of_Fame
[Consult. 13 Nov. 2016].
150
pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_500_melhores_álbuns_de_sempre_da_revista_Rolling_Stone
[Consult. 13 Nov. 2016].
151
pt.wikipedia.org/wiki/Álbuns_número_um_na_Billboard_200_em_1967 [Consult. 13 Nov.
2016].
152
HARRIS, John, The Day the World turned Day-Glo, Issue #160, London, MOJO - Sgt. Pepper
Anniversary Edition, March 2007, pp. 72-77.
153
IRVIN, Jim, The Big bang!, Issue #160, London, MOJO - Sgt. Pepper Anniversary Edition,
March 2007, pp. 78-80.
154
PEMBERTON, Andy (Editor), 100 Greatest Stars Of The 20th Century, #155, London, Q
Magazine, EMAP Metro Ltd, August, 1999, pp. 43-71.
155
SNOW, Mat (Editor), 100 Greatest Singers Of All Time, Issue #59, London, MOJO - Collectors
Edition, October 1998, pp. 46-89.

215
duArTe viLArdeBó Loureiro

Ringo Starr foi o primeiro beatle a dar um concerto em Lisboa, na altura


da Expo 98. Em 2004, Paul McCartney actuou pela primeira vez em Portugal, no
Parque da Bela Vista, um dia antes da abertura oficial do “Rock In Rio Lisboa”. 156
Em relação a brasões de armas concedidos a personalidades da área da
música, outras duas estrelas do rock obtiveram armas pelo College of Arms: Sir
Elton John, em que aparecem os esmaltes com as cores do clube de futebol do
qual é patrono e, no chefe, um teclado representando o instrumento musical
pelo qual é conhecido; e Sir Cliff Richard que tem representado no chefe umas
sombras, que fazem referência à sua banda de suporte os Shadows.
Mais duas curiosidades sobre John Lennon. O monumento em home-
nagem a Lennon, que está no jardim Strawberry Fields, no Central Park, em
Nova Iorque, é feito com calçada portuguesa, de formato circular e com a palavra
IMAGINE no centro. E na música Sun King, do álbum Abbey Road, 157 John
Lennon diz: Obrigado!
Quem agradece somos nós. Muito obrigado aos fab 4 de Liverpool! 158

156
ALMEIDA, Luís Pinheiro de; LAGE, Teresa, Beatles em Portugal, Lisboa, Documenta,
Novembro de 2012, pp. 35, 39, 63-80, 141.
157
THE BEATLES, Abbey Road, Mfd. in U.K., Apple Records, PCS 7088, 1969, side 2, Sun King
(Lennon-McCartney), Northern Songs.
158
Quero agradecer a preciosa colaboração dos meus Amigos Paulo Bastos, pelo seu vasto
conhecimento acerca da British Invasion, Pedro de Freitas Branco, da qual posso sempre contar
com a sua vasta “enciclopédia” musical, Luís Pinheiro de Almeida, pela ajuda e disponibilidade
de material, Teresa Lage e Paulo Marques, pela inspiração e partilha por este gosto comum.
E também quero agradecer ao meu primo e Amigo Lourenço Botelho de Sousa pelo apoio e
revisão do texto e ao meu filho Joe pela ajuda na tradução em inglês. À Sofia, Luísa, Joe e Quico.

216
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Árvore de Costados de John Lennon

Patrick Lennon, James McCo- William Henry Susannah Thomas Mill- Jane Williams,
n. 1800, Down, nville. C.c. Stanley, n. Sarah New, ward, n. 1788, n. 1806, Nant-
Ulster, Irlanda. Bridget. 1814, Londres. n. 6.1.1828, Flintshire, País glyn, País de
Agricultor. C.c. † 10.9.1902, Austrália. de Gales. † Gales. † 1887,
Elizabeth. Austrália. 1882, Denbigh- Denbighshire,
shire, País de País de Gales.
Gales.

James Lennon, Jane McCon- William Eliza Jane John Dumbry Mary Elizabeth
n. 1829, Down. ville, n. 1831, Henry Stanley, Gildea, n. Millward, n. Morris, n.
† 13.2.1907, Down, Ulster. n. 1848, 1849, Omagh, 26.5.1838, 14.3.1851,
Toxteth Park, † 1869, Liver- Birmingham, Tyrone, Irlanda. Bridgend, País Bridgend, País
Liverpool. pool. West Midlands. † 1916. Filha de Gales. de Gales. Filha
Armazenista † 21.9.1904. de Charles de William
de Tóneis. C. Gildea. Morris e de
29.4.1849, Ann Roberts.
Capela de St.
António, Liver-
pool.

John “Jack” Lennon. Mary “Polly” George Ernest Annie Jane Millward,
† 3.8.1921, Toxteth Maguire. † Stanley, n. n. 1873, Chester. †
Park, Liverpool. 30.1.1949, Liverpool. 22.8.1874, Liver- 1941, Liverpool.
Irmão do Padre pool. Marinheiro
William Lennon. Mercante. Proprie-
Escriturário. Casou a tário de uma quinta
1915, em Everton. em Woolton. † 1949,
Liverpool.

Alfred “Fred” Julia “Judy” Elis-


Lennon, n. abeth Stanley, n.
14.12.1912, Liver- 12.3.1914, Liver-
pool. † 1.4.1976, pool. † 15.7.1958,
Brighton. Marinheiro Liverpool.
Mercante. Casou a
3.12.1938, Mount
Pleasant, Liverpool.

John Winston Ono Lennon,


MBE, n. 9.10.1940, Liverpool
Maternity Hospital. † 8.12.1980,
Roosevelt Hospital, Nova Iorque.

217
duArTe viLArdeBó Loureiro

Árvore de Costados de Paul McCartney

Jeremiah George Robert Thomas Michael Michael John Danher. John Baines,
“James” Williams. Clegg. Claque, n. Mohan. McGough. nat. de
McCartney, C.c. Eliza Oficial 1790, Ilha Worcester.
n. 1816. † Whitfield. de Justiça de Man. (McGeogh - C.c. Eliza-
1846. C.c. (Coroner). C.c. Esther - McGeough) beth Cook,
Ann Tate, Kneen, n. nat. de
nat. da 10.5.1792, Dudley.
Escócia. Ilha de Man.

James Elizabeth Paul Clegg, Jane Claque, Owen Mary John Danher, Jane Baines,
McCartney, Williams, n. 1817, Ilha n. 1834, St. Mohan, nat. McGough, nat. da n. 13.5.1848,
n. 1843, n. 1844, de Man. Ann, Ilha de Monaghan, nat. Irlanda. Dudley, West
Irlanda. Birkenhead, Man. Irlanda. † Monaghan. Midlands.
Merseyside, 18.1.1903,
Liverpool. Monaghan.

Joseph “Joe” McCartney, n. Margaret “Florrie” Florence Owen Mohin (Mohan), Mary Theresa Danher, n.
23.11.1866, Liverpool. Casou Clegg, n. 2.6.1874, Liverpool. n. 19.1.1880, Ballybay, 1.4.1877, Toxteth Park,
a 17.5.1896, Kensington, † 1944, Liverpool. Monaghan, Irlanda. Carvoeiro. Liverpool.
Liverpool. C. 24.4.1905, na Igreja Cató-
lica de St. Charles.

James “Jim” McCartney, n. Mary Patricia Mohan, n.


7.7.1902, Everton, Liverpool. 29.9.1909, Liverpool. †
† 18.3.1976, Liverpool. 31.10.1956, Liverpool.
Bombeiro Voluntário durante Parteira.
a II Grande Guerra. Músico.
Trabalhou no Comércio de
Algodão. Casou a 15.4.1941,
Gillmoss, Liverpool.

Sir James Paul McCartney,


MBE, Kt, n. 18.6.1942,
Walton Hospital, Liverpool.

218
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm

Árvore de Costados de George Harrison

Robert Jane Shep- Roger Ann


Harrison, n. herd. nat. Woollam. Swallow, n.
9.10.1816, Litherland, 13.3.1811,
Liverpool. Merseyside, Denbigh-
Filho de Liverpool. shire, País de
Anthony Gales.
Harrison e
de Elizabeth
Orrett.

Edward Elizabeth James N…, nat. James Darby Ellen John Jane Daniels.
Harrison, n. Hargreaves. Thompson, da Ilha de Ffrench, Whelan, Woollam,
31.1.1848, Filha de John nat. da Man. n. 1825, n. 1831. † nat. de
Liverpool. Hargreaves. Escócia. Irlanda. † 1906. Shropshire,
Casou em 1906. West
1868. Midlands.
Jardineiro e
agricultor.

Henry Harrison, n. 21.1.1882, Jane Thompson. John French, n. 1870, County Louise Woollam, nat. de
Liverpool. Wexford, Irlanda. Liverpool.
Casou em 1902.

Harold Hargreaves Harrison, Louise Anne French, n.


n. 28.5.1909, Merseyside, 3.1910, Liverpool. † 1970,
Liverpool. Comissário de Liverpool. Assistente de loja.
Bordo da White Star Line e,
depois, Condutor de Auto-
carros. Casou em 1930.

George Harrison, MBE,


n. 25.2.1943, Wavertree,
Liverpool. † 29.11.2001, Los
Angeles.

219
duArTe viLArdeBó Loureiro

Árvore de Costados de Ringo Starr

John Parkin, N…, nat. de David Bower. Joseph Catherine Peter James
n. 1823, Hull, East Parr, nat. Rodenhurst, Johnson, n. Cunningham,
Hull. Yorkshire. de Neston, n. 1813, 20.5.1824, nat. de Mayo,
Foram viver Cheshire. Oswesty, Orkney & Irlanda. Jardi-
para o Dingle Shropshire. Shetland, neiro.
em 1862. Ilhas do
Norte,
Escócia.
Pescador. C.c.
Phiilias Tait.

John Parkin, N… Alfred Bower, Margaret William Mary Kate Andrew Mary
n. 1865, nat. de Ellen Parr. Gleave. Conroy. Johnson, n. Elizabeth
Liverpool. (teve uma Liverpool. 2.1.1852, Cunningham,
Perfurador- segunda Latoeiro. Caldeireiro. Dingle. Mari- nat. de
-Operário e relação Casou a nheiro. Casou Liverpool ou
marinheiro com Henry 10.11.1873, a 14.4.1875, Irlanda.
empregado Starkey, St. Michael’s St. Thomas,
no navio-farol de quem Walton-on- Liverpool.
“Formby”. adoptou o -the-Hill.
apelido)

John Alfred Parkin Starkey, n. Annie Bower, n. 22.4.1889, John Gleave, n. 11.4.1891, Catherine Martha Johnson,
1890, Toxteth Park, Liverpool. Toxteth Park, Liverpool. Casou Toxteth Park, Liverpool. n. 21.4.1891, Toxteth Park,
Caldeireiro e pintor da Câmara a 31.7.1910, na Igreja de St. Caldeireiro. Casou a 12.4.1914, Liverpool.
de Liverpool. Matthews, Liverpool. St. Matthews, Toxteth Park,
Liverpool.

Richard Henry Parkin Starkey, Elsie Gleave, n. 19.10.1914,


n. 1.10.1913, Liverpool. Toxteth Park, Liverpool.
Pasteleiro-Padeiro. Casou a Pasteleira-Padeira.
24.10.1936, St. Silas, Toxteth,
Liverpool.

Richard Starkey, MBE, n.


7.7.1940, Dingle, Liverpool.

220
PROVÉRBIOS GENEALÓGICOS

Carlos Bobone*

Resumo: neste artigo propusemo-nos reunir um “corpus” dos provérbios portugueses


com significado genealógico, assinalando a mais antiga fonte escrita em que cada um
é mencionado. O trabalho de recolha impôs a necessidade de definir o que se entende
por provérbios com mensagem genealógica. Foram postos de lado aqueles que se referem
apenas às relações de parentesco num plano pessoal, e deu-se a atenção àqueles que
apresentam as relações de família como fonte de obrigações, privilégios, reputação ou
reconhecimento social.
Além daqueles provérbios cujo conteúdo genealógico é manifesto, dado que se referem
explicitamente aos temas tradicionais estudados pela genealogia, recolhemos também
aqueles que, pela sua quantidade e insistência numa mensagem, revelam um propósito
de afirmação ou negação do papel da linhagem na antiga sociedade portuguesa.

* Carlos Lourenço do Carmo da Camara Bobone – Nascido em Lisboa a 10.8.1962. Alfarrabista.


Trabalhos publicados: Apelidos em Portugal, in “Raizes e Memórias”, nº 3, Lisboa, 1988; O
Futuro dos Nossos Avós. Lisboa, Livraria Bizantina, 1992; História da Família Ferreira Pinto Basto.
Lisboa, Livraria Bizantina, 1997; Lendas Familiares, separata de “Armas e Troféus”, Lisboa, 1998;
A Irmã e as Filhas da Marquesa de Alorna. Porto, Universidade Moderna, 2001; Os Direitos Portu-
gueses à coroa de Inglaterra e a política internacional no século XVI, in “Raizes e Memórias”, nº 18,
Lisboa, 2002; O Núcleo Familiar de Alcipe, in “Fronteira – Cadernos Culturais da Fundação das
Casas de Fronteira e Alorna”, Lisboa, Edições Colibri, 2003; A Quinta de Fôja do Século XI ao
século XXI. Lisboa, Edições Inapa, 2005; A Repressão da Imprensa na Primeira República. Lisboa,
2010; Cento e oitenta anos de História. Da Associação Mercantil Lisbonense à Câmara de Comércio
e Indústria Portuguesa. Lisboa, Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, 2015. Em cola-
boração com Manuel de Lancastre Bobone: Genealogia dos Condes de Bobone. Lisboa, Livraria
Bizantina, 1996.

221
cArLos BoBone

Abstract: in this article we tried to collect a corpus of the portuguese proverbs wich
have a genealogical meaning, and to fix the oldest written source in wich each one
is mentioned. The work of recollection has imposed the need to define what is meant
when we speak of proverbs with a genealogical message. Those proverbs refered to the
personal side of the family relations have been put aside, and we have privileged the
ones presenting the parenthood relations as sources of obligations, privileges, reputation
or social status.
Besides those proverbs having a clear genealogical meaning, since they are explicitly
refered to the traditional matters studied by the genealogical science, we have also
collected those that reveal, through their quantity and through the insistence on a
single message, the intention of stating or denying the importance of lineage in the
portuguese society of the “ancien regime”.

Ditados velhos são evangelhos

Não deverá vasculhar longamente em velhos arquivos empoeirados quem


se proponha mostrar quão profunda e entranhada foi a penetração da genealogia
em todos os estratos da antiga sociedade portuguesa. O investigador que volva a
sua atenção para este domínio encontra um vasto campo de observação, que vai
desde as mais vistosas produções da arte heráldica, esplêndidas manifestações da
prosápia genealógica, passando por uma fértil e precoce literatura nobiliárquica,
até aos discretos mas sumarentos ditados que os prospectores de sobrevivências
etnológicas recolhem por despovoadas aldeias.
É destes últimos que a atenção dos genealogistas anda um pouco arredada,
privando-os de uma fonte que os poderia introduzir no âmago do Portugal Velho,
sem o aparato grandiloquente nem as convenções fantasiosas dos cartapácios
nobiliários.
O propósito que ditou este trabalho foi o de reunir um “corpus” dos
ditados portugueses com significado genealógico, apontando, para cada um deles,
a mais antiga fonte escrita em que é mencionado e as transfigurações que sofreu
no decorrer dos tempos. Trabalho que se anunciava simples e meramente reco-
lector, revelou, no entanto, desde a consulta das primeiras fontes, que a recolha
não poderia avançar sem um trabalho crítico e teórico de definição de contornos:
O que é que se deve incluir ou excluir em semelhante recolha? Ou por outra: o
que é ou não é um ditado com mensagem genealógica?
Para além daqueles cuja aptidão para semelhante colheita não admite
dúvida, por constar dos clássicos domínios da genealogia – sentenças, rifões,
ditados ou anexins que falam de linhagem, parentesco, sangue, heranças, nobreza,

222
provérBios GeneALóGicos

fidalguia e cavalaria, nomes e apelidos -, há uma infinidade de outros provér-


bios cujo significado se pode aproximar de forma vaga ou imprecisa de uma
mensagem genealógica. Há aqueles que só depois de agrupados com outros do
mesmo tema, interpretados e escrutinados na sua evolução histórica, revelam o
fundo genealógico que possuem. Além disso, é preciso pôr de parte os muitos
ditados que, tendo por tema uma relação de parentesco, não passam da esfera
da relação entre duas pessoas. Existe uma infinidade de provérbios sobre pais e
filhos, mães e filhas, irmãos e irmãs, sogros e genros ou noras, cunhados e primos,
mas na sua maior parte o valor destes ditados não se estende para a esfera mais
ampla da linhagem e do parentesco. São meros conselhos sobre atitudes que se
devem tomar numa relação pessoal. Só aqueles rifões que sugerem ou negam a
transmissão de qualidades de uma geração a outra ou a criação de obrigações
específicas dentro do parentesco próximo, têm um alcance mais amplo e merecem
a inclusão num apanhado de sentenças genealógicas. Um dos raros exemplos de
ditados sobre relações pessoais a que se pode dar um significado genealógico mais
amplo é este: “pelo marido senhora e pelo marido vassoura” – ditado que afirma
de forma eloquente uma regra jurídica e um dos caracteres essenciais da antiga
sociedade portuguesa: a mulher segue a condição do marido.
Não esqueçamos ainda que uma recolha de provérbios desta natureza
deve incluir também aqueles provérbios que apresentam um carácter – real ou
aparente - anti-genealógico. Esta distinção é tanto mais necessária quanto abrange
grande parte daqueles ditados cujo teor se debruça mais pronunciadamente sobre
a genealogia. Desde os cancioneiros medievais até aos modernos inquéritos etno-
gráficos, encontramos sempre grande número de sentenças que parecem negar ou
desvalorizar o papel da ascendência, da linhagem ou do sangue na formação do
carácter e do valor individual. Daí a sua feição aparentemente anti-genealógica e
anti-nobiliárquica, que levou alguns historiadores da literatura a verem nos rifões
o manifesto ideológico das classes oprimidas, transbordantes de sanha contra os
privilégios de nascimento. Esses provérbios têm lugar destacado nesta recolha,
antes de mais, porque são o claro sinal do lugar que a genealogia ocupou na socie-
dade portuguesa dos séculos passados. Se as mentes espirituosas do século XVII
apuraram sete ou oito fórmulas concisas e eloquentes para manifestarem o seu
desdém pelas longas linhagens, não nos custa adivinhar que se chocava então, a
cada passo, com instituições ou ideias que pressupunham a precedência conferida
ao sangue ilustre. Além disso, o que num primeiro olhar se manifesta hostil aos
conceitos genealógicos e nobiliárquicos, toma feição diferente depois de estu-
dado pelo prisma da sua evolução. Nem sempre o facto de chamarmos a atenção
para as manchas que existem em todas as linhagens nos põe num campo anti-
-genealógico ou anti-nobiliárquico. O efeito que se visa pode ser o de um olhar

223
cArLos BoBone

mais realista, mas nem por isso menos respeitador. Note-se que não pretendo
confundir genealogia com nobiliarquia, mas quando se nega a importância do
sangue, da linhagem, da filiação, aquilo que se atinge é o conceito de nobreza
hereditária. Quando se diz que todos somos filhos de Adão ou que todo o sangue é
vermelho, nega-se o valor das distinções de nascimento. A nobreza é a única classe
social que viveu sempre acompanhada de viva discussão em torno da sua razão
de existir, por isso é também a mais afectada pelo choque de conceitos opostos
que se manifestam no rifoneiro tradicional, e que reflectem velhos debates. Desde
a antiguidade clássica ficaram na literatura europeia multiplicados vestígios das
opiniões antagónicas que se confrontaram sobre o valor que se devia reconhecer
ou negar à ascendência ilustre. Alguns argumentos, de tão usados, já causavam
náusea. Nas obras de Francisco de Morais damos de caras com o diálogo entre
um fidalgo e um escudeiro, que se atacam mutuamente sobre os méritos das
respectivas ordens. A certa altura o escudeiro pergunta: mas afinal o que é isso da
nobreza? E o fidalgo replica, agastado: “responder-vos-ei, desde que me não digais
que todos descendemos de Adão, que tão baixos sois que este é um couto a que
logo vos acolheis” 1. Já não havia paciência que suportasse estribilhos tão gastos.
Para além do seu significado explícito, os ditados que afirmam ou negam
o valor da linhagem introduzem-nos numa sociedade onde as origens familiares
gozam de alta reputação, e se a sabedoria anónima se exerceu repetidamente contra
tal escala de valores, fê-lo para dissipar ou acautelar um pouco da larga aceitação
que lhes era conferida. O verdadeiro sentido dos ditados que recolhemos não é
hostil à genealogia, mas sim aos desvarios da prosápia genealógica, que adulteram
o significado da distinção das linhagens. Este espírito revela-se quando enqua-
dramos os provérbios no meio em que nasceram e na sua evolução histórica.
O que nos leva a tratar outro ponto prévio: Até que ponto pode ir o nosso
conhecimento da evolução histórica dos adágios portugueses?
Naturalmente, não é possível localizar com precisão a data de nascimento
de nenhum deles. O que se pode fixar é a data em que começam a ser mencio-
nados nas fontes escritas, e as alterações que sofrem ao longo dos séculos, o que
nos traz sempre num certo atraso em relação ao percurso oral das sentenças, pois
quando uma delas chega ao papel, alcançou já o estatuto de sabedoria antiga.
O primeiro livro de provérbios que se publicou em Portugal foi a obra do
Padre António Delicado, “Adágios Portugueses reduzidos a lugares comuns”, que
saiu à luz no ano de 1651. No entanto, o conhecimento que podemos alcançar
dos ditados antigos recua alguns séculos, graças à riqueza da nossa literatura. Dos
provérbios correntes em finais da Idade Média, temos notícia pela colheita que

1
Obras de Francisco de Morais, Lisboa, 1852.

224
provérBios GeneALóGicos

fez Teófilo Braga nos cancioneiros medievais, no “Leal Conselheiro”, no livro


da “Virtuosa Benfeitoria” e noutras fontes literárias. Esta recolha, publicada na
“Revista Lusitana” em 1915, é ainda hoje usada pelos medievalistas, e foi aqui
que o professor José Mattoso fundamentou o seu opúsculo “O Essencial sobre os
Provérbios Medievais Portugueses”. No século XVI o teatro de António Ribeiro
Chiado, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Gil Vicente, está recheado de expres-
sões proverbiais. Uma das convenções do teatro deste período é que as figuras
populares se exprimem por meio de rifões, anexins ou ditados, o que faz de
algumas peças do nosso teatro verdadeiros catálogos de provérbios. Neste aspecto,
merecem realce as comédias de Jorge Ferreira de Vasconcelos, e em especial a
“Comédia Eufrosina”, que põe em cena centenas de ditados antigos. Entrando
na centúria seguinte publica-se em 1621, em Espanha, o livro de Rifões do
licenciado Hernan Nuñez, professor da Universidade de Salamanca. Nesta obra
encontram-se centenas de provérbios a que o autor atribui origem portuguesa (El
portugués, indica-se a seguir a cada um deles). Em 1651 é dado à estampa o livro
do padre António Delicado, e ainda no mesmo século circula em manuscrito a
“Feira de Anexins” de D. Francisco Manuel de Melo, que será publicada em finais
do século XIX. A “Prosódia” do padre Bento Pereira tem a sua primeira edição
em 1669, incluindo no final uma extensa lista de ditados portugueses, com a
correspondência de cada um em expressões latinas. Esta obra teve, no espaço
de 100 anos, 10 edições, que foram acrescentando novos ditados, sempre com a
correspondência que a erudição da época encontrou em frases de autores latinos.
Este esforço de comparação serve-nos muitas vezes para apurar a interpretação
de sentenças com significado pouco claro. Na primeira metade do século XVIII
o Padre Rafael Bluteau , no seu “Vocabulário Português e Latino”, coligiu largas
dezenas de ditados. Pela mesma época temos o teatro de inspiração popular de
António José da Silva, que abunda em expressões proverbiais, e desde finais desta
centúria tornam-se frequentes as colecções de provérbios publicadas em livro. O
século XVIII é aquele em que a tradição literária dos Provérbios postos em cena
conhece uma certa voga no nosso teatro. Desde Gil Vicente já se conhecia entre
nós esse processo dramático, estreado com a “Farsa de Inês Pereira”, que glosa
o provérbio “mais quero asno que me leve, do que cavalo que me derrube” 2.
Este processo dramático consiste, segundo Teófilo Braga, em “pôr em acção um
anexim ou rifão popular, tomado como assumpto para interpretação ou para
comprovação, servindo ele próprio de conclusão moral”, e pelas décadas de
1750 a 1780 cultivaram-no com bom acolhimento os escritores Manuel José de

2
BRAGA, Theophilo, Historia do Theatro Portuguez. A Baixa Comedia e a Opera. Seculo XVIII,
Porto, Imprensa Portugueza Editora, 1871.

225
cArLos BoBone

Paiva, conhecido pelo pseudónimo Silvestre Silveiro da Silveira e Silva e Matusio


Matoso da Mata.
Por volta de 1880 começam a publicar-se revistas de etnografia e mono-
grafias regionais, que incluem ditados recolhidos na tradição oral do interior do
país. Este método vem abrir uma nova época no nosso conhecimento da litera-
tura proverbial pois, se até meados do século XIX os ditados antigos são dados a
conhecer por fontes literárias e cortesãs, embora inspiradas na linguagem popular,
nos últimos 130 anos as fontes consultadas são predominantemente rurais e
provincianas. Esta diferença explica uma certa evolução no carácter dos ditados
que chegaram ao nosso conhecimento desde então. Nos séculos anteriores, os
ditados reflectem uma sociedade rica em distinções sociais. Falam-nos de ricos-
-homens e fidalgos, de escudeiros e vilões, de cavaleiros e de foros de nobreza.
Desde o século XIX até aos nossos dias perde-se um pouco dessa variedade,
e o que fica na memória colectiva são duas personagens que representam, no
adagiário, os dois pólos da antiga sociedade portuguesa: o fidalgo e o vilão. Estes
dois tipos sociais, por vezes postos em confronto – “mais vale fidalgo morto que
vilão vivo” – contribuiram poderosamente para a imagem dos tempos de antanho
guardada na imaginação colectiva. São personagens que a linguagem popular não
esquece, e a sua extinção na ordem jurídica portuguesa não lhes atenuou as cores,
trouxe-lhes até novos atributos, que enriqueceram continuamente a memória de
tão famosos figurinos.
A mesma sorte não tiveram outras distinções sociais características da
antiga sociedade portuguesa, como a oposição entre nobre e peão, mais caracte-
rística da sociedade regida pelas “Ordenações” do que o confronto do fidalgo com
o vilão. A verdade é que a memória dos tempos em que as leis davam diferente
tratamento ao cavaleiro e ao peão desvaneceu-se, e o próprio nome do peão caiu
no esquecimento, a tal ponto que um ditado sobre ele sofreu a mais completa
desfiguração:
Inveja traz o peão à limpeza, e o nobre a mais nobreza (1651) - Ou
seja, o peão tem inveja dos que andam limpos, e o nobre de quem o excede em
nobreza. Este ditado sofreu tratos de polé nas mãos dos copistas, porque lida com
um conceito que caiu em desuso – o peão como figura antagónica do nobre – e
também porque a sua forma de dizer caiu em desuso – trazer inveja a uma coisa,
diz-se hoje ter inveja de uma coisa. Aparece, no século XIX, com o pião trans-
formado em pão: inveja tem o pão à limpeza, e o nobre a mais nobreza (1841).
Poderia pensar-se que foi uma gralha tipográfica, mas o provérbio aparece arru-
mado entre os que falam de pão, por isso o erro foi do compilador, que inter-
pretou mal o que leu noutras recolhas. No século XX sofre nova transformação,

226
provérBios GeneALóGicos

que lhe dá um carácter absurdo: “A inveja traz o peão à limpeza e ao nobre mais
nobreza”. Aqui se revela a total incompreensão do sentido original da sentença.
Não se pode dizer que os provérbios sejam o manifesto ideológico de uma
classe, pois não só os apanhamos empenhados na defesa de todas as opiniões e
das suas opostas, como neles encontramos ditos mordazes sobre cada um dos
estratos sociais, dando voz aos rancores e aos preconceitos de cada “estado” sobre
os outros. Todas as ordens da sociedade antiga saem beliscadas, mas se for preciso
apontar a grande vítima, aquele que sofre os mais duros tratos, salta à vista que
é o vilão quem alcança a palma do martírio. Dele só se diz mal: ele é aquele em
quem não se pode confiar, pois quem fia de vilão é parvo de antemão; aquele que
não pára de pedir, ao vilão dá-se o pé e toma a mão, e de quem não se espera
gratidão: quanto se faz ao vilão, tudo é maldição; quando a sorte lhe sorri, renega
os amigos e os parentes: quando o vilão é rico, não tem parente nem amigo, embora
não consiga esconder a sua origem: se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na
mão. Através dos provérbios podemos acompanhar a degradação do conceito de
vilão. No século XVI este nome ainda é associado a uma classe e a certas profis-
sões, como na “parvoíce” do Chiado que desaconselha o deixar-se uma cesta de
merenda nas mãos do barqueiro, porque “quem fia de vilão é parvo de antemão”.
Aqui a profissão do barqueiro classifica-o na categoria de vilão. Ao longo dos
séculos XVI e XVII os rifoneiros vão desfiando os incontáveis defeitos do vilão,
e em meados do século XVII aparece-nos um provérbio que dá a nova definição
desta malfadada figura: “não é vilão o da vila, senão o que faz vilanias”.
O primeiro livro de provérbios em língua portuguesa é, como vimos, o do
padre António Delicado, que foi dado à estampa em 1651. Nesta obra aparecem
já largas centenas de provérbios, agrupados por temas, e dentro deles, por ordem
alfabética. Aqueles que nos interessam encontram-se, pela maior parte, reunidos
sob a mesma epígrafe: Honra. Debaixo deste motivo encontramos sentenças
sobre linhagens, fidalgos, nomes e sobrenomes, parentescos; sobre preeminência
social e o lugar de cada um, e ainda sobre a honra pessoal – aquela que todo o
homem pode ganhar ou perder. O critério com se agruparam estes ditados pode
merecer reservas, mas elucida-nos sobre a classe temática em que, no século XVII,
se incluíam as sentenças sobre matéria genealógica. O conceito que preside ao
conjunto – a honra – aparece-nos, assim, entronizado como o valor essencial da
genealogia. A honra significando o prestígio moral que se conquista, se deixa em
património aos descendentes e se acrescenta a cada geração, é o bem que o homem
honesto mais cobiça – quem com sua honra não sonha vem-lhe de ter pouca
vergonha, diz um ditado que encontramos desde o século XVI – e mantê-la
ilesa é preocupação de quem se quer furtar a enxovalhos – quem com sua honra
não tem conta não teme afronta - diz-nos outro ditado de sabor quinhentista.

227
cArLos BoBone

Repare-se que a honra é uma coisa com que se sonha, não está imediatamente ao
alcance de qualquer um, pois não se confunde com a simples integridade moral.
A honra tal como é entendida no Portugal antigo, nasce do valor individual, mas
alimenta-se do reconhecimento público, dá esplendor às famílias e constitui o
património genealógico por excelência. É a soma das acções valorosas acumuladas
em sucessivas gerações que faz a grandeza de uma estirpe. Por isso, tudo o que
diz respeito às famílias pode ser incluído no tema da honra: nome, sucessão de
gerações, herança, fidalguia, parentesco, precedências, ascensão social, tudo se
encaminha ao mesmo fim – a honra, que se conquista geração a geração: “barba
a barba honra se cata”.
Num primeiro relance de olhos sobre os provérbios que recolheu o Padre
António Delicado (1651), a perspectiva surge desanimadora, quando reparamos
que, na sua maior parte, exprimem desdém pelo esplendor do sangue herdado.
Mas não nos devemos iludir com esta amostra do espírito de quinhentos e seis-
centos. A verdade é que tão altivas demonstrações de desafecto ao nome herdado
convivem com as mais rigorosas expressões de fidelidade à ordem social assente
em distinções de nascimento. Na mesma atmosfera, e às vezes pela mesma voz
ou pela mesma pena que fustiga a prosápia genealógica, encontramos a defesa
das barreiras sociais e o ataque feroz a quem as queira galgar. Esta característica
aparentemente contraditória da mentalidade portuguesa encontra-se também
disseminada por toda a literatura quinhentista inspirada na linguagem popular.
As “Parvoíces” do poeta Chiado castigam repetidamente as manifesta-
ções da vaidade genealógica: “Fidalgo que manda cadeira de estado à igreja
– parvoíce”; “Quem conta proezas em sepultura – parvoíce”; “Quem compra
pedra de muito preço para trazer em anel – parvoíce”; “o que gaba geração
– parvoíce”; “o que é perdido por honra e antes quer ir a pé embuçado que
em besta de albarda – parvoíce”. Mas é o mesmo Chiado que se mostra agas-
tado com quem não respeita a hierarquia social: “o que se senta onde sabe que
o mandarão levantar – parvoíce”. A sua mordacidade não poupa o vilão, e
parecem-lhe particularmente parvos o fidalgo que convive com “vilão ruim”, o
“homem branco perdido por negra”, ou o homem honrado que conversa com
mancebos vadios. Por sua vez, o escudeiro Gregório Afonso, que pôs em verso
uma longa lista das coisas que “renegava”, também não se absteve de lançar as suas
farpas contra tudo o que ultrajava a ordem hierárquica em vigor: “arrenego das
façanhas / feitas por quem pouco val” … “renego de quem presume / e mostra
mais do que he”… “arrenego dos que negam / parentes e natureza”… “renego
do cavaleiro / que nam tem bem de comer”… “renego dos que sassentam /

228
provérBios GeneALóGicos

onde nam devem estar” … “renego de gentil dama / que quer bem a homem
vil”… “arrenego dos vilãos / postos em alguma honra” 3.
Do mesmo modo, nas “Sentenças de D. Francisco de Portugal”, encon-
tramos pensamentos destinados a refrear o orgulho genealógico: “o que está na
pessoa se deve estimar: tudo o mais é da fortuna” … “os velhos são quem eles são,
não os honram seus pais”… “para conhecer quem cada um é não há diferença
de estados”. Mas não se pense que ele daí retire o menosprezo dos pergaminhos de
família, pois “Grã soberba é de quem ousa / desdenhar da honra antiga”.
A sabedoria vertida nos provérbios foi ao longo dos séculos acolhida com a
veneração que se reserva a um tesouro de bom senso apurado pelo tempo. Embora
não se colha nela uma filosofia coerente, raros foram os que ousaram contestar
tão vetustas sentenças. Os únicos adversários da sua incontestada sabedoria foram
outros provérbios que proferiam sentenças contrárias. “Ditados velhos são evan-
gelhos”, é uma frase que exprime a larga aceitação da sabedoria popular, quase
elevada aos altares. Mas no meio de tanto acatamento, também se manifestaram
vozes contrárias à submissão geral com que eram recebidas frases proverbiais por
vezes desprovidas de fundamento racional. Na primeira década do século XVIII
a sabedoria popular encontrou o seu carrasco na pessoa de Frei Bento Espínola,
frade bernardo com ambições enciclopédicas, que publicou uma vasta obra em
12 tomos, a “Escola Decurial”, onde oferece ao leitor uma visão crítica de quase
todos os assuntos que ocupavam então a mente humana, da Alquimia à Heráldica,
e da Bruxaria à Origem dos Apelidos. Sem sombra de modéstia e desconhecendo
os limites das suas capacidades críticas, não se deixa atemorizar pelo prestígio das
teses consagradas, contra as quais investe com desassombro. Numa obra de grande
fôlego e erudição, mistura conceitos acertados com grandes asneiras, fazendo juz
à fama de grandes asneirentos que no século XVIII se estendeu a todos os frades
bernardos, dando origem a uma colectâneas onde se reuniam as verdadeiras ou
fantasiosas “bernardices” 4. Num dos últimos tomos da sua “Escola Decurial”,
Frei Bento Espínola arremete impetuosamente contra os ditados populares e o
crédito de que gozavam. Insurgindo-se contra a veneração que os rodeava, contra
a autoridade que lhes era atribuída, logo abaixo dos evangelhos, pois corria entre
o povo que “ditados velhos são evangelhos”, propunha-se dar o antídoto contra
tão pernicioso prestígio num apanhado de notas críticas com que submeteu às
razões do seu bom senso quatro dezenas de sentenças emanadas da voz do povo.

3
Arrenegos que fez Gregoryo affonso criado do bispo Devora, in “Cancioneiro Geral de Garcia de
Resende”, tomo IV, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1915.
4
No século XIX publicaram-se as “Bernardices do Século”, as “Novas Bernardices” e as “Bernardices
vulgarizadas às principais classes da sociedade”.

229
cArLos BoBone

Entre os ditados que sujeitou a exame e contestou, encontram-se três que versam
matéria genealógica: “Bem haja quem com os seus se parece”, “Quem não
mente não vem de boa gente”, e “Quem não sabe do avô não sabe do bem”.
As objecções aos dois primeiros não se afastam muito do senso comum: “Bem
haja quem com os bons se parece … e não com os seus se forem maus, ingratos,
invejosos, enredadores, ladrões, desonestos, más línguas, etc.” … “Quem mente
não vem de boa gente: que a boa gente não he mentirosa, porque é muito mau
o mentir: qual é o demo, tal é a mentira”. O terceiro, no entanto, foi objecto de
uma crítica desconcertante. Contra a sentença que incita cada um a conhecer
a história dos seus maiores, Frei Bento replica: “Quem sabe do avô, não sabe
do bom – pois sabe de um mecânico, que pode ser o haja sido, e outras cousas
peyores” (1707). Nesta destemperada investida contra o conhecimento dos ante-
passados, dá voz à bem conhecida aversão aos avós mecânicos, sentimento com
fundas raízes e corrente ainda hoje entre os genealogistas.
Para além destes reparos sobre a matéria dos provérbios genealógicos, cada
um dos temas em que os dividimos merece também um punhado de observações
prévias.

Parentesco

A abrir este tema apresenta-se-nos um ditado com vetustas raízes, que mergu-
lham no fundo da idade média: mais perto estão dentes que parentes. A versão
castelhana é mais explícita: Mas caros tengo mis dientes que mis parientes (Marquês
de Santillana), ou seja, tenho mais amor aos meus dentes que aos meus parentes. O
professor José Mattoso, no seu opúsculo sobre os provérbios medievais 5, dá grande
importância a este provérbio, vendo nele o testemunho de “uma fase de transfor-
mação da estrutura do parentesco”, e uma contestação dos deveres de solidariedade
familiar: “Põem-se em causa os primitivos deveres de solidariedade familiar, para
lhes antepor os interesses imediatos, a subsistência, aqui metaforicamente designada
pelos dentes” 6. Neste ponto, discordo do ilustre medievalista. Em primeiro lugar,

5
MATTOSO, José, O essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses, Lisboa, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, s.d.
6
“Noutro provérbio, já citado, põe-se em causa o respeito devido aos parentes: “Primeiro são
dentes que parentes”(D. Francisco Manuel de Melo e Marquês de Santillana). Trata-se, é
evidente, de um dito que testemunha uma fase de transformação da estrutura do parentesco.
Põem-se em causa os primitivos deveres de solidariedade familiar, para lhes antepor os interesses
imediatos, a subsistência, aqui metaforicamente designada pelos dentes. Note-se, porém, que a
frase não contesta propriamente o princípio da solidariedade familiar, mas apenas o seu carácter

230
provérBios GeneALóGicos

porque um provérbio só por si não transmite o espírito de uma época ou de uma


classe. É raro o provérbio que não tenha o seu oposto, e por vezes encontramos
na mesma recolha uma afirmação e a sua negativa. Depois, porque o conteúdo
do provérbio parece mais adequado a casos particulares, em que uma pessoa se
justifica perante a censura geral, o que mostra, não o enfraquecimento ou a contes-
tação dos deveres de solidariedade familiar, mas antes a sua persistência. Como
notou o professor Mattoso, o ditado não nega esses deveres, apenas lhes sobrepõe
interesses mais prementes. Finalmente, porque a história deste ditado mostra que
ele conservou até ao século XX uma notável vitalidade, figurando em quase todas
as colectâneas de provérbios, tanto nas de carácter literário como nas de carácter
popular, com variantes que lhe enriquecem o significado. No século XVII Encon-
tramo-lo na “Prosódia” do Padre Bento Pereira e na “Feira de Anexins” de D. Fran-
cisco Manuel de Melo. No século XVIII em duas peças de António José da Silva, o
Judeu, com formulações opostas: Primeiro estão dentes que parentes (Precipicio
de Faetonte), mas por outra Primeiro estão parentes do que dentes (Labyrinto de
Creta) . No século XX em várias recolhas nas freguesias rurais do Norte ao Sul do
país. Em 1902, no Alentejo, aparece numa forma tão concisa quão brutal: parentes
são os meus dentes. Verifica-se, pois, que este provérbio, se nasceu numa fase de
contestação do sistema de parentesco medieval, conservou até aos nossos tempos
todo o seu poder de justificação para aqueles que, apertados pelas circunstâncias
pessoais, se viram obrigados a secundarizar os deveres com sua a parentela.

Sangue

Os ditados que tratam o tema do sangue – em sentido genealógico – não


são muitos, mas merecem a nossa atenção, porque no seu reduzido número
conseguem reflectir toda a variedade de opiniões e atitudes a respeito da herança
genética de cada um, e do peso que tem esta na vida colectiva. São provérbios que
afirmam, negam ou avisam. Temos os que afirmam a igualdade de todo o sangue
e os que, pelo contrário, gabam o valor do “bom sangue”. Temos os que nos põem
de sobreaviso contra o sangue misturado e os que proclamam a força indestrutível
das obrigações impostas pelo sangue.
Neste capítulo devemos destacar, pela antiguidade e pela riqueza de signifi-
cado, a sentença “O sangue não se roga”, ou “o sangue nunca se roga” (1621).
Este ditado é uma das mais vigorosas afirmações dos deveres de solidariedade que

absoluto”. MATTOSO, José, O essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses, Lisboa,


Imprensa Nacional – Casa da Moeda, s.d.

231
cArLos BoBone

a linhagem impõe. Por isso merece que dediquemos alguma atenção ao seu signi-
ficado, e às circunstâncias em que costumava ser invocado.
Encontramo-lo, no século XVI, num dos “contos e histórias de proveito e
exemplo”, de Gonçalo Fernandes Trancoso, e é invocado a propósito da história
de um homem rico com dois filhos, um dos quais é deserdado pelo pai, ficando
na miséria. Mais tarde pede ao irmão que lhe dê umas casas inacabadas, e este,
“vendo a necessidade de seu irmão, e como dizem, porque o sangue não se roga,
entregou-lhe as casas, e fez-lhe delas sua carta de doação livre e desembargada”.
Aqui encontramos claramente definido o valor do ditado, embora dentro de laços
de sangue muito próximos. Mas podemos encontrá-lo a exercer a sua influência
num campo de parentesco muito mais alargado. A “História de São Domingos”,
de Frei Luís de Sousa, chama à colação este provérbio, dando-lhe um significado
nitidamente linhagístico. Falando da muito ilustre casa dos Meneses, marqueses
de Vila Real, e da sua régia ascendência, acentua a benignidade que estes titulares
sempre dedicaram a todos os religiosos regulares, “porém aos de S. Domingos
com mais particular inclinação e favor. Aqui cabe bem o que diz o Proverbio
Portuguez, que o sangue não se roga pois sabemos que pollo que tem de tantos
Reis participão do illustrissimo de nosso Sancto Patriarcha” 7. Isto é, os marqueses
de Vila Real, tendo sangue de tantas famílias reais, também tinham o de S.
Domingos de Gusmão, e daí lhes vinha uma natural inclinação para protegerem
os dominicanos, pois “o sangue não se roga”. Fica assim bem expresso o signi-
ficado deste provérbio: aos do mesmo sangue não é preciso rogar para se obter
protecção, pois ela é ditada pela própria natureza.

Fidalguia

A fidalguia é um tema largamente tratado no nosso adagiário. O fidalgo é


uma figura do Portugal velho que não caiu no esquecimento, conservando sempre
um lugar de primeiro plano na “sabedoria popular”. Nem sempre bem tratado,
tem razão para se queixar da crueza com que se vê por vezes reduzido ao ridículo.
Neste ponto, convém salientar a diferença que se nota dispondo os ditados por
ordem cronológica. Até ao século XVIII, o fidalgo conserva um saldo favorável
no adagiário português, mas à medida que se aproximam os nossos tempos, a sua
cotação vai-se degradando. Note-se que em mais de quarenta provérbios sobre
fidalgos, uma grande parte, mais de metade, só aparece nos livros dos séculos XIX

7
História de S. Domingos particular do reino e conquistas de Portugal, Por Fr. Luis de Cacegas refor-
mada ... por Fr. Luis de Sousa, vol. III, Lisboa, Typ. Do Panorama, 1866.

232
provérBios GeneALóGicos

e XX. Significará isto que foram concebidos nos nossos dias? Parece mais provável
que as suas origens sejam remotas, mas a sua difusão se tenha confinado a meios
rurais, longe dos meios literários, sendo postos a descoberto pela pesquisa de
campo dos etnólogos.
Como quer que seja, nos séculos XVI, XVII e XVIII, encontramos uma
imagem do fidalgo que lhe é, geralmente, favorável. Associa-se a fidalguia a rari-
dade, abundância, honra, dignidade. “Fidalguia sem divisa não se divisa”,
diz-nos a “Feira de anexins” de D. Francisco Manuel de Melo. E este ditado,
com um cheirinho heráldico, pode significar, em sentido estrito, que cada família
nobre tem a sua divisa. Mas num sentido mais amplo e com maior força moral,
se admitirmos que a divisa heráldica encerra uma filosofia de vida ou um propó-
sito orientador das acções de cada um, propósito que se supõe nobre e generoso,
concluiremos que o teor deste ditado impõe uma critério de exigência moral
para a nobreza. “Fidalguia sem divisa não se divisa” significaria, assim, que
a condição de fidalgo só toma sentido quando acompanhada de um princípio
orientador que dirija e nobilite a acção de cada membro de uma linhagem.
Já nos séculos XVI e XVII encontramos o tema do fidalgo pobre, que
no correr dos tempos vai ganhando espaço no adagiário. Desde os cancioneiros
medievais, sempre foi esse um tema dilecto da sátira literária em Portugal. Mas
mesmo assim, é-lhe conferida, a esta pobreza, alguma aura de dignidade, que
transparece no ditado: “fidalgo, antes roto que remendado”. Aqui, a superiori-
dade do roto sobre o remendado só pode ser entendida no sentido da supremacia
espiritual do que é genuíno e original, embora decaído. O roto só pode sobrepor-
-se ao remendado quando se reconhece que o mais puro, aquilo que não tem
misturas, é o que mais vale.
Nos séculos XIX e XX passa para segundo plano essa imagem da fidalguia,
e o que vem ao de cima, em multiplicados exemplos, é o fidalgo da triste figura,
não o da Côrte, nem o do solar provinciano, mas o que se encontra reduzido à
condição vil, conservando no entanto intacta toda a sua presunção, invocando
constantemente os seus pergaminhos para se esquivar aos trabalhos pesados. É
este mesquinho carácter que dá o tom predominante aos adágios sobre fidal-
guia: insiste-se com ferocidade no doloroso paradoxo que forma o fidalgo sem
dinheiro, a fidalguia sem comedoria, o fidalgo gastador, preguiçoso, pretensioso e
pelintra. São muitas as comparações que se lhe dão: castelo sem ameias, gaita que
não assobia, alforge sem merenda, em suma, objecto que não cumpre o seu papel.
E finalmente, chega um ditado em forma de veredicto, que o destitui da sua tão
prezada fidalguia: “fidalgo sem pão é vilão”.
Depois de passarmos os olhos pelos ditados cujo conteúdo genealógico é
mais evidente, passamos àqueles cuja ligação à genealogia exige uma interpretação

233
cArLos BoBone

de conjunto, pois o seu significado explícito nem sempre nos fala de linhagens ou
parentescos, mas transmite-nos, quando eles são observados no seu alinhamento,
uma mensagem com claro sentido genealógico. São aqueles muitos ditados que
afirmam ou negam a importância das origens, os que reprovam os casamentos
desiguais, os que aconselham cada um a cingir-se ao seu lugar ou a dar-se com os
seus iguais, e os que afirmam ser impossível esconder as origens. Estas categorias
de provérbios formam um circuito que, na sua conjugação completa, nos dá o
retrato de uma sociedade altamente hierarquizada, onde as ascensões repentinas
são mal vistas e onde se ridicularizam os que esquecem o seu lugar ou as suas
origens, onde casamento por amor é sinónimo de aliança desigual e por conse-
guinte vivamente desaconselhado. É neste ambiente ideológico que a genealogia
ganha um papel de primeiro plano, pois o lugar de cada um é ditado em grande
medida pelo seu nascimento, pela ilustração dos seus maiores. Por muito que se
prezem as qualidades individuais, toma-se por assente que o valor de cada um
deve vir coroar a obra que os seus antecessores já construíram, ou preparar o
terreno para os descendentes fazerem crescer a obra começada.

Influência das Origens

Um dos temas mais profusamente versados no rifoneiro português, é o da


“influência das origens”. Já em finais do século XIX o erudito investigador Xavier
da Cunha, querendo extrair dos provérbios uma “filosofia popular”, publicou a
sua recolha de ditados agrupando-os pela ideia que transmitiam, e não, como era
costume, segundo a ordem do seu conteúdo material. Nessa obra, os provérbios
incluídos sob a rubrica “influência das origens”, agrupando algumas dezenas de
sentenças que anteriormente andavam dispersas pelos temas da vida quotidiana,
revelam que esta é uma das mais frequentes mensagens transmitidas pela cultura
popular. Sob formas muito variadas, escolhendo os mais prosaicos materiais,
afirmou-se repetidamente, de geração em geração, nas mais diversas paragens e
nas mais diferentes circunstâncias, esta verdade vaga, que em regra “do bom sai o
bom e do mau sai o mau”. Não significa isto uma caução de todas as distinções
nobiliárquicas que desde as “Ordenações Afonsinas” ganharam lugar preponde-
rante no ordenamento político e jurídico do Reino, e é lícito duvidar de que
alguma lição genealógica se possa extrair de fórmulas tão pouco explícitas como
“de tal acha tal racha”, “de bom vinho bom vinagre”, ou “quem quer ter um
bom cão de caça procure-lhe a raça” . Alguns destes ditados poderiam ser literal-
mente interpretados, como conselhos práticos destinados a caçadores, madeireiros
ou vinhateiros. Mas na maior parte dos casos a interpretação literal é da mais vácua

234
provérBios GeneALóGicos

evidência, e por isso não corresponde a nenhuma sabedoria apurada pelos séculos.
E proclamar verdades evidentes não é o espírito dos provérbios. Aquilo que os
caracteriza é o partir de verdades evidentes para, por comparação, sugerir as que
o não são. Em geral o objectivo que se pretende atingir é o das relações humanas.
E nesse domínio, se há matéria que sempre se alimentou de comparações suges-
tivas, foi a dos caracteres hereditários. Antes da descoberta das leis de Mendel, as
convicções correntes sobre a transmissão de virtudes e defeitos de pais para filhos,
eram tão vivas quão imprecisas. Desde a mais remota antiguidade os observadores
da natureza perceberam que as qualidades dos pais se transmitiam muitas vezes aos
filhos, mas de forma aparentemente caprichosa, contando frequentes excepções,
aberrações e desconcertantes inversões. Quando um filho herdava as virtudes do
pai dizia-se que “de tal pai tal filho se esperava” (Camões, falando de D. Afonso
Henriques, Lusíadas, canto III), mas quando o filho se mostrava em tudo contrário
ao pai, comentava-se filosoficamente o desconcerto da natureza (Camões, falando
de D. Fernando: “do justo e duro Pedro nasce o brando / vede da natureza o
desconcerto / remisso e sem cuidado algum Fernando”, Lusíadas, canto III). Para
fugir às incertezas desta matéria, tão melindrosa nas relações sociais, não havia pois
melhores argumentos que as comparações sugestivas. Até aos finais do século XIX
procuraram-se várias fórmulas que definissem a herança genética transmitida de
pais a filhos, mas raramente se passou destas associações de ideias que encontramos
nos provérbios, e de que o exemplo clássico é a antiga sentença: “de boa árvore
bom fruto”. Quando muito, a sabedoria dos povos podia encarar provisórias
violações da lei da natureza, confiando que no desfiar das gerações a normalidade
se recompunha. O abade de Baçal recolheu em Trás os Montes um ditado onde se
fixa o grau mais complexo a que este pensamento genético pode ascender:
Se o filho do mau é bô, lá vem o neto que sai ao avô (1948), de onde se
conclui que se a natureza pode abrir de vez em quando uma excepção, o desfiar
do tempo e das gerações traz de volta a ordem natural Mas mesmo este raciocínio
apresenta um carácter de excepção, pois onde as sentenças tradicionais encontram
o seu poiso natural é nos inúmeros ditos que glosam o tema definido no nosso
clássico exemplo. Amparados em várias razões podemos tomar esta vetusta frase,
“de boa árvore bom fruto”, por padrão das sentenças genéticas. Antes de mais,
porque toda a linguagem da genealogia se inspira no reino vegetal: as famílias
têm raízes, troncos e ramos, são de boa ou de má cepa, formam estirpes (tronco
ou cepa), frutificam, criam ramificações, têm a sua árvore genealógica. Mas ainda
mais forte razão a favor dele, tem este provérbio a sua autoridade evangélica. Tanto
em São Lucas como em São Mateus, encontramos esta afirmação: “de boa àrvore
bom fruto”, embora nos evangelhos a frase tenha um significado espiritual, pois
aqui os frutos são os nossos actos e a àrvore o nosso coração. Os moralistas da

235
cArLos BoBone

Idade Média, invocando a autoridade dos evangelhos, deram-lhe uma conotação


claramente genealógica. No poema inglês “Piers Plowman” diz-se, a certo passo,
que uma das personagens aí figuradas “é um filho do mal e parece-se com o pai,
pois tal pai tal filho, da boa àrvore bom fruto”, citando em latim estes dois provér-
bios que desde então andaram frequentemente associados. Também na filosofia
escolástica encontramos a mesma interpretação do velho provérbio. Num livro de
Santo Alberto Magno sobre a Virgem Maria, logo de entrada o filósofo interroga-
-se: para quê falar dos seus ascendentes, se as virtudes de Nossa Senhora se sobre-
põem a tudo o mais? E segue logo a resposta: porque da boa árvore bom fruto,
e por isso importa saber de que árvore nasceu a Rainha do Céu. Outras citações
poderíamos colher para verificarmos a decidida evolução desta sentença rumo a
um conteúdo claramente genealógico. Nem todos os nossos ditados tiveram esta
ilustre carreira literária, mas mesmo aqueles que se nos apresentam com uma
feição mais utilitária e sem laços aparentes com a geração humana, foram em
séculos anteriores equiparados às sentenças que versam sobre filiação ou criação
de seres humanos. Podemos ver uma prova disso nas equivalências entre sentenças
latinas e portuguesas, estabelecidas nas sucessivas edições da “Prosodia” do padre
Bento Pereira. O ditado “de tal madeiro tal acha” corresponde, no entender do
erudito latinista, a “os fortes são criados pelos fortes”. E a sentença “de tal acha
tal racha” é por ele equiparada a “de mau corvo mau ovo”. Esta última, por seu
lado, anda a par de “nunca de mau pai bom filho”. Daqui se apura a propensão
deste tipo de provérbios para tirarem das circunstâncias mais comezinhas e mate-
riais da vida, ilações que se apliquem às relações humanas. Por vezes surgem-nos
sentenças que fazem a ligação directa do mundo material para o social: “a acha
sai à racha, Maria a sua tia” (1943). Assim se vai revelando a dimensão genealó-
gica deste conjunto de provérbios, agrupado sob a denominação “influência das
origens”.
Devemos notar que se a mensagem destes provérbios não passa, por regra,
do vago conceito de que do bom sai o bom e do mau sai o mau, há uma reduzida
classe de sentenças que vai mais longe, afirmando que os filhos herdam as compe-
tências específicas dos pais – filho de peixe sabe nadar, filho de gato apanha
rato -, ou mesmo as da sua estirpe – cão de boa raça, se não caça hoje, amanhã
caça. Tal princípio seria decerto bem acolhido na antiga sociedade portuguesa,
em que profissões, ofícios e cargos públicos se transmitiam por via hereditária.
Claro que, como no domínio dos provérbios não há tese que deixe de ser
negada, também encontramos sentenças que negam a importância das origens,
afirmando que muitas vezes do bom nasce o mau e vice-versa. Mas a desproporção
entre as duas afirmações contrárias salta à vista. O predomínio da corrente favo-
rável às distinções de nascimento não permite dúvidas. Esse predomínio torna-se

236
provérBios GeneALóGicos

ainda mais claro quando nos debruçamos sobre as outras categorias de ditados
que completam o circuito genealógico.

Cada um em seu lugar

São inúmeros os provérbios que aconselham a estrita separação das classes,


criticando asperamente os que não sabem pôr-se no seu lugar, e proclamando que
o lugar próprio de cada pessoa é junto dos seus iguais. Porque “os dedos da mão
não são iguais”, o que equivale a dizer que “nem todos podemos tudo” (non
omnia possumus omnes). O fundamento da vida social é a hierarquia. Tanto para
assuntos sérios como para folguedos, tanto para casar como para compadrar, junte-
-se cada um aos seus iguais. Casar por amor atrai trabalhos e desgraças, pois “quem
casa por amores sempre vive em dolores”. E para quem não saiba interpretar
estes assizados conselhos, para quem ignore qual é o lugar que lhe compete, há um
punhado de provérbios que explicam de modo mais específico que o lugar de cada
um é aquele em que nasceu, e a exercer o ofício para o qual foi preparado. “O boi
nasceu para o arado e o muar para o carro”. Para completar o circuito da impor-
tância da genealogia, segundo as sentenças que brotaram da famosa sabedoria do
povo, juntemos-lhe os ditados que manifestam a impossibilidade de esconder as
origens. Estes profetizam a fatal denúncia de quem procura fazer-se passar pelo
que não é. Aquele que ambiciona subir além do lugar onde nasceu está condenado
a denunciar-se, a ser publicamente desmascarado, pois se presume que só com
fingimento e desonestidade pode alguém procurar sair do meio em que nasceu.
Os ditados que negam a influência das origens são em pequena quantidade,
e por vezes limitam-se a lembrar que há excepções à regra: “de ruim ninho às
vezes sai bom passarinho”. Outras vezes os provérbios que se mostram cépticos
quanto ao valor das origens, sofrem mutações que lhes alteram por completo o
significado. “O que o berço dá, a tumba o tira”, é uma poderosa afirmação da
nulidade dos bens terrenos e de todas as distinções que a sociedade confere ao ser
humano durante a sua curta passagem pela terra. Mas com um pequeno acres-
cento nasce nova sentença, que nos diz “o que o berço dá só a tumba o tira”, e
aqui o acento é posto na duração: aquilo que se recebe no berço, conserva-se por
toda a vida, e só se perde na hora da morte.
Nesta categoria devemos dar especial atenção a duas sentenças que se
encontram nas comédias de Jorge Ferreira de Vasconcelos, porque nos intro-
duzem directamente nas categorias hierárquicas da antiga sociedade portuguesa:
No foro em que se homem põe, nesse o tem (1561), Isto é, devemos
respeitar cada um segundo o foro a que subiu por si mesmo. Afirma-se aqui a

237
cArLos BoBone

primazia do estatuto social conquistado sobre o herdado. Quando falamos do


foro em que se o homem põe, subentende-se a comparação com o foro herdado,
que aqui se pretende rebaixar. É inesperado para o genealogista dos nossos dias,
que se habituou a ver nos foros de Fidalgo-Escudeiro, Fidalgo-Cavaleiro ou
Moço-Fidalgo o distintivo da nobreza hereditária, verificar que na linguagem do
século XVI o foro é tomado como o símbolo do estatuto que se conquista, o
meio pelo qual as pessoas são “acrescentadas” no seu estatuto social. O fidalgo
herda o foro de seu pai e avô paterno, mas pode pôr-se, por assinalados serviços,
num foro mais elevado. Deste modo, o foro, embora se transmita hereditaria-
mente, também pode ser tomado pelo oposto do privilégio de nascimento. É isso
o que nos diz, numa fórmula notável pela concisão, outro ditado que se encontra
nas obras do mesmo autor quinhentista:
Não é pelo ovo, senão pelo foro (1616). Aqui está a distinção ganha
pelo mérito de cada um a opôr-se à distinção herdada. É uma forma de ver que
marca um momento, os meados do século XVI, em que a sociedade portuguesa
ainda não tinha completado o seu movimento aristocratizante. Cem anos mais
tarde seria um ditado mal acolhido, pelo menos em ambientes cortesãos. Por isso
encontramos o mesmo ditado, na segunda metade do século XVII, completa-
mente desfigurado: de foro nem hum ovo (1651, 1669 – nec solvas unum pro
vectigalibus ovum - não pagues nem um ovo de foro, ou de imposto). Neste caso,
é provável que a desfiguração se deva, em parte, ao desejo de encontrar um corres-
pondente latino com o mesmo teor.
Depois de termos percorrido os provérbios que se debruçam sobre a
“influência das origens” e os seus corolários, estamos em condições de nos pronun-
ciarmos sobre a sociedade que os produziu. É evidente que a sabedoria vertida
nestes ditados não é a de um ambiente sofisticado e cortesão, mas sim a que brota
em meios rurais e com pequena extensão. Aqui não se distingue com rigor a linha
de ascendência de cada um nem a maior ou menor ilustração dos seus quatro
costados, mas apenas se vem de boa gente, de uma cepa conhecida e digna de
confiança. São meios com horizontes estreitos, em que se preza a prudência como
a sabedoria por excelência. Nesta sociedade prosaica e realista joga-se pelo seguro,
pois “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, “mais vale um toma
que dois te darei”, e “o dia de amanhã ninguém o viu”. Cultiva-se aqui uma
filosofia que reprova os altos voos e as grandes ambições, preferindo o pouco e o
garantido. Não faltam os ditados que condenam o sonho, a audácia, a poesia ou
a ambição em qualquer das suas formas. Nesta atmosfera de prudência, evitar o
desconhecido torna-se uma necessidade primordial, e por isso se aconselha insis-
tentemente que se meçam as pessoas pelas suas raizes. Daqui nasce a proliferação
de sentenças que recomendam a atenção às origens familiares de cada um.

238
provérBios GeneALóGicos

O retrato que se obtém agrupando todos estes provérbios é o de uma socie-


dade em que a genealogia, tanto nos seus desenvolvimentos mais sofisticados e
prestigiosos como nas suas noções mais rudimentares, está presente em todos os
passos da vida material, espiritual e social.

Rol dos Provérbios Genealógicos

Linhagem

Em linhagens longas, Alcaides e pregoeiros (1621, 1651).

Em longa geração há Conde e há ladrão (1651 e 1841)

Não há geração sem rameira ou ladrão (1651). Esta sentença agrava-se no século
seguinte:

Não há geração sem rameira e ladrão (1750)

Nem rio sem vau, nem geração sem mau (1621, 1651 e 1841)

Quem com seus avós se honra, consigo traz desonra (1651)

Deixemos pais e avós, e por nós sejamos bons – nostra nos virtute decet non
sanguine
Niti (o que nos fica bem é a nossa virtude, e não o resplendor do sangue) (1669
e 1841)

Quem sua geração gaba, coisa alheia louva (1651 e 1841)

De barba a barba honra se cata (1651)

Barba a barba honra se cata 8 (1669)

Quem não sabe do avô não sabe do bem (1707)

8
1669 equipara-o ao ditado latino “Urget praesentia”, que se pode pôr a par do francês “noblesse
oblige”.

239
cArLos BoBone

Com bom traje se esconde ruim linhagem (1978)

Se queres boa neta, procura-lhe a teta 9 (1927)

Ascensão e queda das linhagens

Bons costumes e muito dinheiro farão a meu filho cavaleiro (1669) 10. No século
XVIII deixa-se cair o requisito dos bons costumes, e a abundância monetária
torna-se a condição única de acesso à cavalaria:

O muito dinheiro fará a teu filho cavaleiro (1669, 1750)

Outro provérbio do século XVII admite a ascensão social em pouco tempo, e não
se embaraça com explicações:
ontem vaqueiro, hoje cavaleiro (1651)

A cabo de cem anos os reis são vilões, e a cabo de cento e seis, os vilões são reis
(1621, Hernan Nuñez, em espanhol). Esta sentença aparece entre os séculos XVII
e XIX com variantes, umas vezes com o número cento e seis(1621, 1841), outras
com o número cento e dez (1651). O que prevaleceu no fim foi o número cento
e seis porque rima com reis, mas o que é de notar é que em qualquer das versões,
a decadência vem mais depressa do que a ascensão.

Pai, galego; filhos, fidalgos; netos, ladrões (1902ª, 1945, 1978, 2005)

De pai vilão, filho fidalgo, neto ladrão (1978)

Pai rico, filho nobre, neto pobre (1945, 1978, 1997, 2005)

Pai rico, filho pobre, neto ladrão (2005)

Pai fazendeiro, filho doutor, neto pescador (1936, 1997, 2005)

Pai juntão, filho lambão, neto ladrão (1997, 2005)

9
O compilador deste ditado, Padre Firmino Martins, esclarece o significado: “isto é, inquire da
geração da pessoa a quem te queres unir.
10
Costumbres, y dineros hazen hijos cavalleros (1621).

240
provérBios GeneALóGicos

Ontem Vaqueiro, hoje cavaleiro (1945)

Sangue

Todo o sangue é vermelho (1669, 1841 e 1873)

Bom sangue não mente (1936, 1963, 1978)

Sangue não é àgua – Sugere que sendo o sangue um líquido espesso, ao contrário
da àgua que não tem espessura, o primeiro, por onde correr, há de deixar os seus
vestígios.

Sangue nobre não afronta a quem lhe obedece, antes aceita toda a desculpa (1619)

Do sangue misturado e do moço refalsado me livre Deus (1841 e 1873)

O sangue não se roga, ou o sangue nunca se roga (1621)

Filho bastardo, ou muito bom, ou muito velhaco (1651)

O Filho bastardo, e mula, cada dia fazem uma (1651, 1978)

O sangue puxa ao sangue (1997)

O sangue se herda e o vício se pega (1936, 1997)

Parentesco

Nem moço, parente, nem rogado tenhas por criado. Este provérbio encontra-se
nas obras do poeta Chiado, e figura como antítese de uma das parvoíces que ele
condena: “Quem tem em casa parente por criado – parvoíce”(Chiado).

A fiuza de parentes cata que merendes (1561, 1618, 1841, 1936) 11.

Quem pobreza tem, dos parentes é desdém (1651, 1841, 1936)

11
Em 1945 temos: em viúva de parentes, busca que merendes.

241
cArLos BoBone

Avarento rico não tem parente nem amigo (1561, 1651, 1669 e 1987)

Quando o vilão está rico, não tem parente nem amigo (1841)

Bom é ter pai e mãe; mas comer e beber rapa tudo (1669)

Mas caros tengo mis dientes que mis parientes (Marquês de Santillana)

Primeiro estão dentes que parentes (1669 e 1841)

Mais perto estão dentes, que parentes (1750, 1929, 1936)

Parentes, são os meus dentes (1902 / 1904)

Mais quero para meus dentes, que para meus parentes (1936)

Com mal, e com bem, aos teus te atém (1669, 1936)

Nem sapateiro sem dentes, nem escudeiro sem parentes (1750 e 1841)

Renego de contas com parentes e de dívidas de ausentes (1651, 1750)

Quem ama a Beltrão ama a seu irmão = qui me amat meos diliget (1750)

Quem sinal tem sobre os dentes, honra é de seus parentes (1841)

Não digas mal d´El Rei, nem entre dentes, porque em toda a parte tem parentes
(1841)

Cento de vida, cento de renda, e cem léguas de parentes (1841, 1936)

Dor de parente, dor de dente (1841)

Aonde há filhos, nem parentes nem amigos (1841)

A lidação faz o parentesco (1902 / 1904)

A faca dos parentes não tem fio (1936)

242
provérBios GeneALóGicos

Amigo diligente é melhor que parente (1936)

Mais vale um bom amigo, que honrados parentes (1936)

De lá venham as pedras, de onde estão os nossos (1936)

Quanto mais prima, mais se lhe arrima (1936)

Vinho quente, não o bebas nem o dês a teu parente (1956)

Trastes velhos e parentes, poucos e ausentes (1963)

Entre ricos e pobres não há parentesco (1936)

Do indigente, ninguém é parente (1963)

O opulento tem, de parentes um cento (1936)

O opulento, de primos tem mais de cento (1988)

Nobreza

O que mata a outro a fiusa de conde


Parvoíce
Rifão: se matares, matar-te-ão, e matarão a quem te matar, se te o conde poder
livrar(Chiado).

O que se preza de andar de noite com alcaide


Parvoíce
Rifão: Quem anda de noite com o alcaide ou meirinho ou é beleguim ou amigo
do vinho(Chiado).

Serve senhor nobre inda que pobre (Ulysipo). Este provérbio do século XVI,
enriquece-se nos séculos seguintes com uma justificação. No século XIX tem esta
forma: Serve ao nobre ainda que pobre, que tempo virá que to pagará (1841 e
1873)

Inveja traz o peão à limpeza, e o nobre a mais nobreza (Delicado).

243
cArLos BoBone

Amor e senhoria não quer companhia (1669)

A pobreza não é vileza, nem a riqueza nobreza (1948)

Fidalguia

Homem não Fidalgo que consente sua mulher aprenda a ler, ou é já cornudo ou
anda para o ser. (Chiado)

A laranja e o fidalgo, o que quiser; a lima e ao vilão, o que tiver (1621)

Fidalgo, antes roto que remendado (1651, 1841, 1999)

Fidalgo pobre, antes roto que remendado (1945, 1997, 1999)

Fidalgo arruinado, antes roto que remendado (2005)

O fidalgo e o galgo e o taleigo de sal, junto do fogo os hão de achar (1651, 1841,
1945, 1999)

A mulher de fidalgo, pouco dinheiro, grande trançado (1651)

Comida de fidalgos, pouca em mantens alvos (1669)

Fidalguia sem divisa, não se divisa (Melo)

Nem ruim letrado, nem ruim fidalgo, nem ruim galgo (1841)

Fidalgo como El Rei, dinheiro nem tanto (1841, 1945, 1997)

Andar a pago, não pago, não é obra de fidalgo (1621, 1651 e 1841) 12

Andar a pago, não pago, não é obrar de fidalgo (1873)

O fidalgo, e o nabo, ralo (1841, 1945)

O fidalgo e o nabo, raro (1873)


12
Andar à pago me non pago no es de hombre hidalgo (1621).

244
provérBios GeneALóGicos

Ganhá-lo como um preto, gastá-lo como um fidalgo (1929)

Todo o ganho é fidalgo (1929)

Palácio caiado, fidalgo casado (1945, 1963, 1997)

O que engorda o fidalgo, emagrece a bolsa (1963)

O rei faz fidalgos, mas não dá fidalguia (1978)

Todos os Fidalgos são primos (1978)

Senhoria sem comedoria, é gaita que não assobia (1987)

Fidalguia sem comedoria, é gaita que não assobia (1941, 1945, 1988, 1997, 2005)

Fidalgo sem renda é alforge sem merenda (1945, 1988, 1997, 2005)

Fidalgos sem renda, o diabo que os entenda (1997, 2005)

Fidalgos sem renda, Deus os entenda (2005)

Fidalguia sem dinheiro vai pelo ribeiro (1941)

Fidalgo sem dinheiro, castelo sem ameias (1945, 1988, 1997, 2005)

Fidalgo sem pão é vilão (1945, 1988, 1997, 1999, 2005)

Fidalgos de meia-tigela trazem a honra na ponta do nariz (1945, 1988, 1997,


2005)

Fidalgos e galgos, coçá-los e deixá-los (1945, 1988, 1997)

Mais vale fidalgo morto que vilão vivo (1988, 1999)

Mercador fidalgo, nunca o verás medrado (1873, 1988, 1999)

Porta de Fidalgos, mijadeiro de cães (1988, 1999)

245
cArLos BoBone

Fidalgo da Beira não arroja cadeira (2005)

Fidalgo que tem um galgo, já tem algo (2005)

Fidalgos e cães de caça é tudo da mesma raça (2005)

Fidalgos, galgos e pardais, são três castas de animais (2005)

Fidalgos vadios, cães raivosos e vento noroeste, não há pior peste (1999)

Fidalgos vadios, cães raivosos e vento nordeste, não há pior peste (2005)

Cavalaria

Qual ric´omem, tal cavalo (Cancioneiro da Vaticana, nº 1082, D. Afonso Lopes


de Baião).

Antes o mar por vizinho que o cavaleiro mesquinho (1561)

Antes forno por vizinho que cavaleiro mesquinho (1621)

Cavaleiro da Pageada, vem de fora e caga em casa (1621)

Bons costumes e muito dinheiro farão a meu filho cavaleiro (1669)

O muito dinheiro fará a teu filho cavaleiro (1750)

Almocreve cavaleiro, não ganha dinheiro (1873)

Nomes e Apelidos

Não há homem sem nome, nem nome sem sobrenome (1651)

Também João Vaz tem besta =também a formiga tem catarro (1669 e 1750)

Ainda que João Vaz tem besta, não deixam de lhe apontar à testa (1841)

246
provérBios GeneALóGicos

Muitos Pedreannes há na terra (1669, 1750)

Não sabeis quanto vai de Pedro a Pedro (Eufrosina)

Muito vai de Pedro a Pedro (1651, 1669)

Ou César ou João Fernandes – equivalente da famosa divisa de César Bórgia


“aut Caesar aut nihil” (ou César ou nada), tem na nossa língua outras formula-
ções: ou bem tudo, ou bem nada (1669 – dá-lhe por equivalente o “aut caesar
aut nihil”) e “ou comer com trombetas ou morrer enforcado” (1669 – dá-lhe
por equivalente “aut totum obtinere aut totum amittere) e ainda “ou tudo ou
nada” (1669 – dá-lhe por equivalentes “aut rex aut asinum” e “aut Caesar aut
nihil”)

Falai no Mendes, à porta o tendes (1945)

Ainda no Porto não havia cães, e já havia Homens em Atães (1978)

Os Albuquerques de Fornos de Algodres são como os patacos, cunhados de ambos


os lados (1978)

No Alentejo, por onde quer que andes, sempre encontrarás porcos, potes e
Fernandes (1978)

De Amarais, viúvas com corais e viagens a pé, libera nos domine (1978)

Os Azenhas em Guimarães. Em Felgueiras os de Simães (1978)

Magalhães, esfola gatos, mata cães (1978)

Nem de Silva bom bocado, nem de escasso bom dado (1978)

Se fores a Seia e o não saibas, livra-te de Melos, Motas e Saraivas. Mas, quer
queiras quer não queiras, estarás metido com Oliveiras (1941)

Se fores a Seia que não saibas, livra-te de Mota Veigas, Melos e Casais (1978)

Meneses sem Dom, Melo com ele, caga neles (1978)

247
cArLos BoBone

Mendonça, pé de porco, mão de onça (1978)

Cabrais, Abranches e Amarais, é o que na Beira há mais.

Melos, Motas e muletas escreve-se tudo com as mesmas letras 13 (1941)

Heranças

Lágrimas de herdeiros, risos secretos (1651, 1669 e 1987)

Lágrimas de herdeiros, sorrisos sorrateiros (1936)

Quem bem paga, herdeiro é do alheio (1618)

Casa de pai, vinha de avó (1651)

Quem não herda, não medra (1651)

O que em vida não fizeres, de teus herdeiros não esperes (1669)

Os pecados dos nossos avós, fazem-nos eles e pagamo-los nós (1956)

Pagamos nós o que fazem nossos avós (1936)

A teu filho, bom nome e bom ofício (1841) 14

Compra a quem herdou, que não sabe o que custou (1936)

De filhos e herdeiros, campos cheios (1936)

Faz teu filho herdeiro onde a neve pegar em Janeiro (1936)

Morte do rico, desavença de herdeiros (1936)

Fazenda alheia não faz herdeiros (1963)

13
Mulher, mula e moleta, tudo se escreve com a mesma letra (1948).
14
A tu hijo, buen nombre, y oficio (1621).

248
provérBios GeneALóGicos

Fazenda herdada é menos estimada (1963)

Influência das origens

Judeu morreu meu pai, judeu quero morrer (Ulysipo)

Quem não mente não vem de boa gente (Gil Vicente, I, 343). Este provérbio foi
corrigido nos séculos seguintes, ganhando em conteúdo moral: quem mente não
vem de boa gente (1669), quem não se sente não é de boa gente (1956)

Não erra quem aos seus semelha (1651)

De tal àrvore tal fruito (1561)

Mercurio não se faz de todo o pau (1561)

Qual o pai, tal o filho; qual o filho, tal o pai (1651)

Quem quer é, a seu pai parece (1651)

Tais fomos nós, tais sereis vós (1651 – incluído no capítulo “filhos”)

De tal madeiro tal acha – Fortes creantur fortibus (os fortes são criados pelos
fortes) (1669)

De tal acha tal racha – Mali corvi malum ovum (do mau corvo mau ovo) (1669)

A acha sai à racha, Maria a sua tia (1943)

Nunca de corvo bom ovo – Nunquam ex malo patre bonus filius (1669)

Nunca de má árvore bom fruto (1669).

Nunca de rabo de porco bom virote (1651 e 1669 – vide quem torto nasce, tarde
se endireita).

De bom vinho bom vinagre (1841)

249
cArLos BoBone

Quem sai aos seus, não degenera (1902)

Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita (1902)

De bom madeiro, boa acha (1902)

Sai a acha ao madeiro (1902)

De tal acha, tal racha (1902)

De bom vinho, bom vinagre (1902)

De boa casa, boa brasa (1902)

De grande rio, grande peixe (1902)

De ruim, nunca bom bocado (1902)

De má mata, nunca boa caça (1902)

De mau corvo, mau ovo (1902, 1948)

Nunca de corvo, bom ovo (1902)

De rabo de porco, nunca bom virote (1561 e 1902)

Nunca de ruim árvore, bom fruto (1902)

De ruim árvore nunca bom fruto (1948)

Do bom logo, bom fogo (1902)

De ruim pano, nunca bom saio (1902)

De mau ninho, não crieis passarinho (1902)

Quanto chupa a abelha, mel torna; e quanto a aranha, peçonha (1902)

Quem abrolhos semeia, espinhos colhe (1902)

250
provérBios GeneALóGicos

Tal é o demo como sua mãe (1902)

Cada um colhe segundo semeia (1902)

Ainda que vistais a mona de seda, mona se quêda (1902)

Filho de peixe sabe nadar (1902)

Quem sai aos seus, não degenera (1929)

Filho de gato apanha rato (1929)

Filho de peixe sabe nadar (1929)

De pai mau, filho bô; lá virá neto que sai ao avô (1936)

De tal gente tal semente (1936)

Diz-me quem são teus pais, dir-te-ei a quem sais (1936)

De mau grão, nunca bom pão (1936)

Das águias não nascem pombas (1963)

Quem quer ter um bom cão de caça, pergunte-lhe a raça (1929)

Qual é a Maria, tal filha cria (1948)

Cão de boa raça, se não caça hoje, amanhã caça (1963)

Cão de boa raça, até à morte caça (1999)

Cão de raça, caça (1999)

Mulher e cachorro de caça, escolhe-se pela raça (1999)

251
cArLos BoBone

Se queres boa neta, procura-lhe a teta (1927) 15

Filho de burro ... não sai cavalo (1987)

O que o berço dá, só a tumba o tira (1987)

Negando a influência das origens

No foro em que se homem põe, nesse o tem (1561).

Não é pelo ovo, senão pelo foro (1616).

Não com quem naces, senão com quem paces (1561, 1621)

Todos somos filhos de Adão, só a vida nos diferença (1651, 1841)

De pai santo, filho diabo (1651, 1841 e 1987)

De ruim ninho sai bom passarinho (1651)

Às vezes, de ruim ninho voa longe o passarinho (1936)

De ruim ninho, às vezes sai bom passarinho (1963)

Cada um em seu lugar

O que se senta onde sabe que o mandarão levantar


Parvoíce
Rifão: Assenta-te em teu lugar, e não te mandarão levantar 16(Chiado, 1651).

Bem disse o bom senso antigo


Que não são iguais os dedos (Sá de Miranda)

15
O compilador deste provérbio, padre Firmino Martins, esclarece o seu significado:“isto é,
inquire da geração da pessoa a quem te queres unir”(1927).
16
“renego dos que se assentam / onde não devem estar”, nos “arrenegos de Gregório
Afonso”, incluídos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.

252
provérBios GeneALóGicos

Os dedos da mão não são iguais 17.

Cágado, para que queres luvas? (Regateiras)

O sapateiro não julga mais que os sapatos (1561)

Cada um fala do que trata (1669)

Cada um faz como quem é (1669).

Cada um folga com o seu igual (1669).

Com teu amo não jogues as peras (1669)

Cada qual com seu igual (1669)

Cágado, para que queres luvas? (Regateiras)

Cágado para que queres botas, se tens as pernas tortas? (1669)

Sopa de mel não se fez para boca de asno (1669)

Tais com tais (1750)

Cada qual com seu igual, ou cada ovelha com sua parelha (1750)

A ovelha busca a sua parelha (1948)

Cada qual em seu oficio (1750, 1841)

Lê com lê, e crê com crê, cada um com os de sua relê (1750)

O boi nasceu para o arado, e o muar para o carro (1902ª)

17
Dá-lhe por equivalente latino “non omnia possumus omnes” – nem todos podemos tudo.

253
cArLos BoBone

Contra os Casamentos por Amor, ou desiguais

Por amor que não convem nasce muito mal e pouco bem (1561)

Quem casa por amores sempre vive em dolores (1561)

Que quem casa por amores


Não vos he nega dolores (Gil Vicente, I, 111)

Quem casa por amores, maus dias, noites piores (1651)

Por afeição te casaste, a trabalhos te entregaste (1651)

Casar e compadrar, cada um com seu igual 18 (1651)

Se queres bem casar, casa com teu igual (1669, 1750)

É impossível esconder as origens

O filho do asno uma hora no dia orneja (1561 e 1902)

O que não vem de seu natural não se finge muito tempo (1561)

Cada um fala como quem é (1669)

Ainda que vistais a mona de seda, mona se quêda (1902)

Dá-lhe ofício ao vilão, conhecê-lo hás (1651)

Se queres conhecer o vilão, põe-lhe a vara na mão (1750 e 1929)

Não sirvas a quem serve nem peças a quem pede (1561)

Não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu (1841)

Ainda que mude de pele a raposa, seu natural nunca despoja (1936)

18
Casar, y compadrar, cada cual con su ygual (1621).

254
provérBios GeneALóGicos

Bibliografia
Mattoso - José Mattoso, o essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses.
Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, sem data.

1549 - Poesias e sentenças de D. Francisco de Portugal, 1º Conde de Vimioso


(c. 1485 / 1549). Lisboa, Comissão Nacional para as comemorações dos desco-
brimentos portugueses, 1999 (a 1ª edição das “Sentenças de D. Francisco de
Portugal” é de Lisboa, Jorge Rodrigues Impressor, 1605).

Chiado -Obras do Poeta Chiado. Colligidas, anotadas e prefaciadas por Alberto


Pimentel. Lisboa: Empreza Litteraria de Lisboa, 1899.

1555 – Jorge Ferreira de Vasconcelos, Comedia Eufrosina. Coimbra, 1555.

1561 – Comédia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos. Conforme a edição


de 1561. Publicada por ordem da Academia das Sciências de Lisboa por Audrey
F. G. Bell.

1618 – Jorge Ferreira de Vasconcelos, Comedia Ulysipo. Lisboa, Pedro Craes-


beck, 1618.

1619 – Comedia Aulegrafia. Feita por Jorge Ferreira de Vasconcelos. Lisboa,


Pedro Craesbeck, 1619.

Regateiras - Auto das Regateiras de Lisboa, composto por hum frade Loyo filho
de uma dellas. Lisboa, Academia das Sciencias de Lisboa, 1919 (o original é do
século XVI ou XVII)

1621 – Hernan Nuñez, Refranes o Proverbios en romance. Lerida, Luys Manescal,


1621.

1651 - António Delicado, Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Comuns.


Lisboa, na officina de Domingos Lopes Rosa, 1651

Delicado - António Delicado, Adágios Portugueses. Nova edição revista e prefa-


ciada por Luis Chaves. Lisboa, Livraria Universal, 1924.

1669 – P. Bento Pereira, Prosodia in Vocabularium Trilingue. Lisboa, António


Craesbeck de Melo, 1669.

255
cArLos BoBone

1707 – D. Frei Fradique Espinola, Monge de São Bernardo, Primeira Parte do


Appendix, e Undecima da Escola Decurial. Lisboa, na Officina de Manoel &
Joseph Lopes Ferreira. 1707.

1750 – P. Bento Pereira, Prosodia in Vocabularium Trilingue, edição de 1750


(10ª edição). Eborae, Ex Typographiae Academiae, Anno domini MDCCL.

1841 – Adagios, proverbios, rifãos, e anexins da lingua portuguesa. Tirados dos


melhores autores nacionaes, e recopilados por ordem alfabetica. Por F. R. I. L. E. L.

1873 - Grande Diccionario Portuguez, ou Thesouro da Lingua Portuguesa, pelo


Dr. Fr. Domingos Vieira. Porto, Ernesto Chardron e Bartolomeu de Moraes,
1873.

1902 - Philosophia Popular em Proverbios. Lisboa, Companhia Nacional Editora


/ Bibliotheca do Povo e das Escolas, 1902.

1902a - A. Tomás Pires, Provérbios e Dictos, in “A Tradição”, Revista mensal


d´ethnografia portugueza.

1902 / 1904 - M. Dias Nunes, Proverbios & Dictos, in “A Tradição”, Revista


mensal d´ethnographia portuguesa. 1902 / 1904.

1914 – Teófilo Braga, Adagiário Português (coligido das fontes escritas), in


Revista Lusitana, Vols. XVII e XVIII, 1914 / 1915.

1927 - Pe. Firmino A. Martins, Folklore do Concelho de Vinhais (1927). 2ª


edição, Camara Municipal de Vinhais, 1987.

1929 - Estanco Louro, O Livro de Alportel. Monografia de uma freguesia rural


– concelho. Lisboa, 1929.

1936 – Major Jaime Rebelo Hespanha, Dicionário de Máximas, Adágios e


Provérbios. Lisboa, Procural Editora, 1936.

1941 – José Leite de Vasconcelos (1858 – 1941), Etnografia Portuguesa. Tentame


de Sistematização. Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1988.

1943 – Maria do Céu Novais Faria, Passagem de Nomes de pessoas a nomes


comuns em Português. Coimbra, Faculdade de Letras, 1943.

256
provérBios GeneALóGicos

1945 – Pedro Chaves, Rifoneiro Português. Segunda edição. Porto, Editorial


Domingos Barreira, 1945.

1948 – Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, Memórias Arqueológico-Histó-


ricas do Distrito de Bragança. Tomo XI. Porto, 1948.

1956- Manuel Joaquim Delgado, a Etnografia e o folclore no Baixo Alentejo.


Beja, Assembleia Distrital, 1985 (reproduz a edição de 1956).

1963 - Fernando de Castro Pires de Lima, Adagiário Português. Lisboa, FNAT /


Gabinete de Etnografia, 1963.

1978 – Manuel Artur Norton, Rifoneiro Nobiliárquico. Separata de “Minia”, 2ª


Série, Ano I, nº 1, 1978.

1987 – Carlos Vale, A Freguesia de Santa Maria de Gulpilhares. Vila Nova de


Gaia, 1987.

1988 – Nova Recolha de Provérbios portugueses e outros lugares comuns. Coor-


denação de Manuel João Gomes. Lisboa, Fernando Ribeiro de Mello / Edições
Afrodite, 1988.

1997 – José Pedro Machado, O Grande Livro dos Provérbios. Lisboa, Círculo de
Leitores, 1997.

1999 – José Ricardo Marques da Costa, O Livro dos Provérbios Portugueses.


Lisboa, Editorial Presença, 1999.

2005 – Salvador Parente, O Livro dos Provérbios. Lisboa, Círculo de Leitores,


2005.

257
A LINHAGEM DOS BRAGANÇÃOS – PARTE I

Augusto Ferreira do Amaral*

Resumo: prosseguindo a genealogia das grandes linhagens da época da fundação do


reino de Portugal, e a consulta de documentos coetâneos até agora não considerados,
aborda-se a dos “Bragançãos” que, na versão tradicional, tem padecido de alguns erros
e falhas de certa importância. Saliente-se a inverosimilhança da versão que dá D.
Fernão Mendes, o “Bravo”, como neto de Afonso VI. Saliente-se também a probabili-
dade de o célebre meirinho-mor de D. Afonso III, D. Nuno Martins de Chacim, ser
um Braganção por varonia legítima, a quem cabia a chefia da linhagem.

Abstract: continuing criticism about the genealogy of the great lineages from the
time of Portugal´s foundation as a kingdom, and the consultation of coeval docu-
ments not having been taken in account up to now, the author approachs that of
“Bragançãos” which, in the traditional vision, has being troubled with some errors
and somewhat important faults. Among them, it can be pointed out the inverisi-
militude of the version that indicates D. Fernão Mendes, o “Bravo”, as an Alfonse
VIIth´s grandson. It can also be pointed out the probability of the famous D. Afonso
IIIrd´s “meirinho-mor”, D. Nuno Martins de Chacim, being, by legitimate male
line, a “Braganção”, to whom chieftaincy of lineage belonged.

* Sócio correspondente da Academia Portuguesa da História e sócio efectivo de número do Insti-


tuto Português de Heráldica.

259
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Esta foi durante muitos séculos uma linhagem mal conhecida, não obstante
as notícias dadas pelos nobiliários medievais e por frei António Brandão. Estu-
dada, já nos nossos dias, por Almeida Fernandes 1 e por José Mattoso 2, constituiu
o tema único duma obra genealógica por Soares Machado 3 e veio a ser tratada e
avaliada no seu papel histórico por Sottomayor Pizarro 4. Não obstante, creio útil
uma revisão.

§ 1º - *Alão

A exposição genealógica desta estirpe poderia iniciar-se com um hipotético


*Alão.
Porém, ele é omisso nos documentos coevos. Nem consta directamente
dos nobiliários medievais, mas sim tão só um “Mendo Alão”, com quem encetarei
da linhagem.
Soares Machado 5 deduz a existência dum *Alão pai. porque interpreta o
segundo nome de Mendo Alão como um patronímico. E sugere mesmo que o
nome Alão do dito Mendo tivesse a forma ou fosse equivalente a *Alani, isto é,
a um “filho de Alão”. Mas não existe, ao que julgo, fonte primária que abone tal
forma. Por isso me permito entender que o nome de Alão, para o pai de Mendo
Alão, é meramente hipotético.
Outro problema será o de saber o significado desse elemento Alão.
É plausível que tal assinalasse a sua remota ascendência alana. Efectiva-
mente, admite-se que a maior parte dos topónimos e antropónimos europeus
com a forma Alan ou próxima, datáveis do séc. V e dos que imediatamente se
seguiram, designassem uma proveniência directa ou indirecta do povo “bárbaro”

1
FERNANDES, A. de Almeida, “Território e política portucalenses (séculos VI-XII)”, O Tripeiro,
Porto, 4ª série, ano XII (1972), pp. 229-254, e “Guimarães, 24 de Junho de 1128”, Revista de
Guimarães, vol. LXXXVIII (1978), p. 78.
2
MATTOSO, José, Ricos-Homens Infanções e Cavaleiros, Guimarães & C.ia, Editores, Lisboa,
1982, pp. 65-68.
3
MACHADO, José Carlos Soares, Os Bragançãos, Lisboa, Associação Portuguesa de Genealogia,
2004.
4
PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
estratégias (1279-1325), Porto, Universidade Moderna do Porto, 1999, vol. I, pp. 227-252,
e “O regime senhorial na fronteira do Nordeste português. Alto Douro e Riba Côa (séculos
XI-XIII)”, Hispania, Revista Española de Historia, Madrid, vol. LXVII, nº 227 (2007), pp.
849-880.
5
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 35.

260
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

chamado Alanos 6 com origem no norte do Cáucaso central, junto desta cordi-
lheira 7, invasor do continente europeu a partir de fins do séc. IV d.C.
Esses topónimos e antropónimos acham-se desde a alta Idade Média
em diversas regiões da Europa 8, com destaque para a Armorica (Bretanha) e a
Normandia. 9
Soares Machado, na esteira de Luiz de S. Payo, admite que Alão fosse da
família dos condes de Nantes e que daí se tivesse deslocado para o norte da Penín-
sula Ibérica, para participar nas operações de guerra da reconquista 10.
A hipótese é no entanto demasiado especulativa para poder ser tida por
consistente, no actual estado do conhecimento.
Além disso, só escassos topónimos transmontanos parecem vagamente
susceptíveis de candidatar-se a uma origem alana, tanto mais quanto se desco-
nhece quase tudo da língua que os Alanos falavam quando invadiram a Europa.
Entre esses topónimos figura Sambade, cujo étimo tem sido considerado obscuro
e que se aproxima de Sambida, comandante dos Alanos, a quem o imperador de
Roma Valentiniano III, em 440, entregou terras junto de Valence, na Gália 11.
Mas é pouco, quase nada.
É ainda de notar que em 1032 vivia um certo Alon presbítero, que
confirmou documento de doação, entre particulares, de vinhas situadas nos arre-
dores de León 12.

6
KEATS-ROHAN, K. S. B., “’Billichildis’. Problèmes et possibilities d’une etude de l’onomastique
et de la parenté de la France du nord-ouest”, Onomastique et parenté dans l’Occident medieval (ed.
K. S. B. Keats-Rohan et C. Settipani), Oxford, Prosopographica et Genealogica, 2000, p. 58.
7
Onde existia, ainda na Idade Média, a Alania da qual falam algumas fontes, conforme
OGNIBENE, Paolo, Alani. I: “La riscoperta”; il nome; l’Alania medioevale, Mimesis, Milano –
Udine, 2012, p. 66.
8
LE CALLOC’H, Bernard, Des Asiatiques en Hongrie. Khazars, Kabars et Alains, Paris,
L’Harmattan, 2013, p. 38.
9
BACHRACH, Bernard, A history of the Alans in the West, Minneapolis, University of Minnesota,
1973, pp. 77-99, e LEBEDYNSKY, Iaroslav, Sur les traces des Alains et Sarmates en Gaule, Paris,
L’Harmattan, 2011, pp. 138 e 221.
10
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 44
11
ALEMANY, Agustí, Sources of the Alans, Brill, Leiden – Boston – Köln, 2000, pp, 119 e 168;
é de notar contudo que o nome Smbat era frequente entre reis e príncipes arménios da alta
Idade Média (ver ARTSRUNI, Thomas, History of the House of Artsrunik, Detroit, Wayne State
University Press, 1985, p. ex., pp. 293 e 345), além do que houve mistura, nessa época, de
nomes alanos e arménios, como é o caso dum Alan Artsruni (ibidem, p. 134).
12
CAVERO DOMÍNGUEZ, Gregório, e MARTÍN LÓPEZ, Encarnación, Colección Documental
de la Catedral de Astorga, I (646-1126), León, Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro»,
pp. 230-231.

261
AuGusTo ferreirA do AmArAL

E houve um bispo de Astorga chamado Alo ou Alone, o “gramático”.


Exerceu aquele munus entre 1122 e 1131, ano em que morreu 13. Atribuem-lhe
alguns a autoria da História Silense. 14 Parece ter sido o mesmo “Donpno Alo
de Palençia” que figura como confirmante numa doação da rainha Urraca em
1115 15. Mas em nenhuma fonte achei informação sobre a sua família 16.
Seriam estes “Alões” da estirpe dos Bragançãos? Não ouso propor uma
resposta.

§ 2º - Mendo Alão

É o primeiro desta linhagem que consta de fonte medieval; porém mais de


três séculos posterior 17. Nos documentos seus contemporâneos não o encontrei.
Sobre o seu nome de baptismo Mendo, não pode haver dúvidas, tendo em
conta o patronímico do filho, documentado. Contudo, já não estou em condi-
ções de garantir a outra parte, Alão ou Alani(s), quer fosse alcunha, quer étnico,
quer de patronímico.
Segundo a opinião até há pouco corrente entre os medievalistas, Mendo
Alão teria sido senhor das terras de Bragança e fundador do mosteiro de Castro
de Avelãs. Mas tais factos não se abonam em documentos, pelo que os não tomo
como provados.
Tudo aponta – reconheço - para que os Bragançãos hajam sido patronos
deste cenóbio 18. Quase dois séculos depois, «num documento de 1199, aparecem
13
FLÓREZ, Enrique, España Sagrada, Guadarrama, Editorial Revista Agustiniana, tomo XVI,
Madrid, 2005, pp. 195-198; este bispo de Astorga confirmou documentos régios em 1129-
03-25 e em 1130-02-22, como se vê em LUCAS ÁLVAREZ, Manuel, La documentación del
Tumbo A de la Catedral de Santiago de Compostela, León, Centro de Estudios y Investigación
«San Isidoro», 1997, pp. 248 e 257.
14
CASARIEGO, Jesús Evaristo, Crónicas de los Reinos de Asturias y León, León. Editorial Everest,
!985, p. 108, PÉREZ DE URBEL, Justo, Historia Silense, Madrid, 1959, p. 84, e QUINTANA
PRIETO, Augusto, “Sampiro, Alon y Arnaldo, três obispos de Astorga, cronistas del Reino de
León”, León Medieval. Doce Estudios, León, Colegio Universitario de León, 1978, pp. 64-64.
15
RUIZ ALBI, Irene, La Reina Doña Urraca (1109-1126). Cancillería y Colección Diplomática,
León, Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro», 2003, pp. 457-458.
16
Consultados RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro, Episcopologio Asturicense, tomo II, Astorga, 1907,
pp. 188-192, e FLÓREZ. Enrique, ob. cit.
17
“Livro de Linhagens de Deão”, Portugaliae Monumenta Histórica. Nova Série, vol. I, Livros Velhos
de Linhagens, por PIEL, Joseph, e MATTOSO, José, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa,
1980, p. 23, p. 161.
18
BARROCA, Mário, “O túmulo de D. Nuno Martins de Chacim, no mosteiro de Castro de Avelãs”,
Revista da Faculdade de Letras: História, Porto, Universidade do Porto, 13, 1996, pp. 607-608.

262
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

vários membros dessa família, que ao tempo eram padroeiros do mosteiro» 19. E
isso inculca que um antepassado comum deles o haja fundado, ou pelo menos
que o tenha dotado com importantes bens fundiários.
Mas não considero provado que a fundação do mosteiro houvesse sido
anterior ao séc. XII 20, como tradicionalmente se pretendia. E não sei de notícia
documental que se lhe refira, portuguesa, leonesa ou galega, mais antiga do que
29 de julho de 1145 – data de uma doação de herdades que ao mosteiro fez D.
Afonso Henriques 21.
Mais. É mesmo questionável que antes de Fernando Mendes Braganção e
de um de seus irmãos, esta estirpe tivesse sido designada como de Bragança. E nem
o pai nem o avô deste, como se verá, aparecem identificados em escrito contem-
porâneo, como tenentes de Bragança; o avô aparece como tenens, mas de Chaves.
Não consta portanto abonação documental contemporânea deste Mendo
Alão, nem de seu casamento, nem das terras que tivesse, nomeadamente as de
Bragança.
Os fundamentos destes dados são exclusivamente os três livros medievais
de linhagens portugueses. E estes, sem embargo de ainda hoje serem conside-
rados uma fundamental base de informação para aquela época, são, sobretudo
o chamado Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, fontes bastante inquinadas
e enganadoras, merecendo uma leitura crítica sistemática e um crivo apertado,
mormente quanto a factos passados em séculos anteriores. Como observa Salazar
y Acha, «estos nobiliarios son tanto más veraces cuanto más cercanos están al
autor, tanto en el espacio como en el tiempo» 22.
Segundo o Livro Velho,

«dom Alam, que foi clérigo filho d’algo e filhou a filha d’el rei de Armenia
quando foi em oração a Santiago, e foi sa hospeda em Sam Salvador de
Crasto de Avelãas, e filhou-a com seu linhagem e enviou as companhas
suas para sa terra, e ficou ele com ela, e fege nela dous filhos donde vieram
os linhagens dos Bragançãos».

19
OLIVEIRA, Carlos Prada de Oliveira, “O mosteiro beneditino de São Salvador de Castro de
Avelãs no povoamento da região bragançana”, Brigantia, vol. XI, nºs 1-2, Bragança, 1991, p. 35.
20
BORGES, José Cardoso, Descripsão topográfica da Cid.e de Bragança, manuscrito, B.N.L.,
Colecção Pombalina, nº 248, fls. 84-85v.
21
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, por AZEVEDO, Rui Pinto de, vol. I,
tomo I, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1958, p. 259; certo documento datado de
1144, relativo a uma doação pelo mesmo rei, não deve ser levado em conta, pois é considerado
falso.
22
SALAZAR y ACHA, Jaime de, Manual de Genealogía Española, Madrid, 2006, p. 154.

263
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Tanto o Livro do Deão, como o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro


começam assim o título dos Bragançãos:

«Dom Mendo Alão de Bargança filhou por força uma filha d’el rei
d’Armenia que ia em romaria a Santiago» 23.

Dúvidas fortes se põem à veracidade desta “estória”. Uma delas é que, como
o dito “Alão” não atingiu sequer as décadas finais do séc. XI, não poderia dar
hospedagem à suposta princesa em Castro de Avelãs se, como parece provável, este
mosteiro só foi construído no séc. XII. Além do que se não vê como este cenóbio,
a existir já no séc. XI, fosse incluído num itinerário arménio para Santiago.
Soares Machado, contudo, aceita no essencial a versão do Livro Velho. E
sugere que essa princesa fosse filha do rei de Van 24. Baseia-se, para tanto, em
Binayan Carmona 25, encurtando porém, com isso, por razões cronológicas, uma
geração.
Qualquer das hipóteses está longe de poder passar disso – simples hipótese
- tanto mais quanto não vejo vestígios antroponímicos arménios na descendência
de “Mendo Alão”.
Segundo os nobiliários medievais, de Mendo Alão foram filhos Fernando
Mendes e Ouroana Mendes.

§ 3º - Ouroana Mendes

Esta teria casado, com geração, com Fafe Sarracines, rico-homem, que,
segundo a mesma fonte, foi morto «com grão peça de cavaleiros» no combate
entre Garcia II da Galiza e Sancho II de Castela 26. O combate, no qual por banda
do rei de Castela terá combatido Ruy Díaz, o “Cid”, que segundo jograis tardios

23
“Livro Velho de Linhagens”, Portugaliae Monumenta Histórica. Nova Série, vol. I, Livros Velhos
de Linhagens, por PIEL, Joseph, e MATTOSO, José, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa,
1980, p. 23; “Livro de Linhagens do Deão” cit., p. 161; e Portugaliae Monumenta Histórica.
Nova Série, Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, vol. II, tomo I, por MATTOSO, José, Lisboa,
Academia das Ciências de Lisboa, 1980, p. 451.
24
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 55.
25
BINAYAN CARMONA, Narciso, “Una princesa armenia en Compostela en el siglo XI:
su genealogía”, Estudios Genealogicos, Heraldicos y Nobiliarios en honor de Vicente de Cadenas
y Vicent, con motivo del XXV aniversario de la Revista Hidalguía, Madrid, 1978, tomo I, pp.
131-153.
26
“Livro de Linhagens do Deão”, cit., p. 186.

264
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

«había librado a Sancho [de Castela] de las manos de los caballeros gallegos» 27,
travou-se em Santarém, em fins de abril, princípios de maio de 1071 28, e nele foi
aprisionado o dito rei da Galiza.
Mas a existência desta filha de Mendo Alão e o seu casamento com Fafe
Sarracines assentam apenas na indicação fornecida pelos livros de linhagens.
É pouco, para se considerarem seguros tais dados. Tanto mais quanto houve,
algumas gerações após, um Godinho Fafes, também dos de Lanhoso, que casou
com uma Ouroana Mendes (da linhagem de Ribadouro e não da de Bragança) 29,
nomes que não são dos mais frequentes. Simples coincidência ou confusão de
nomes e gerações?
De qualquer forma, não excluo reservas quanto à mencionada informação
dada pelos nobiliários medievais. Vendo-a pelo preço por que eles a vendem.

§ 4º - Fernando Mendes

Esta personagem não está muito bem identificada.

1 - Almeida Fernandes considerou hipótese mais provável a de que perten-


cesse à família de Odoário, presor de Chaves na reconquista 30. Mas quem foi este
presor ?
Uma alternativa é a de que fosse Odoário, bispo de Braga e de Lugo que,
vindo «de partibus Spanie» (isto é, da zona da Península Ibérica ocupada pelos
muçulmanos), algum tempo depois da ocupação, para a sé deserta e despovoada,
a edificou e povoou de servos da igreja, tendo-a e mantendo-a no seu direito até
a sua morte 31, a qual ocorreu em 786 32.

27
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón, La España del Cid, 5ª edição, Madrid, 1956, vol. I, p. 170.
28
PORTELA SILVA, Ermelindo, Garcia II de Galicia. El Rey y el reino (1065-1090), Burgos,
2001, pp. 122-123.
29
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, edição
de LOPES, Filipa, e SILVA, Maria João Oliveira e, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa,
2015, p. 295.
30
FERNANDES, A. de Almeida, “Território e Políticas Portugalenses ... etc.” cit., ano XI, nº 11
(1971), p. 342.
31
SOARES, Torquato de Sousa, “Um testemunho sobre a presúria do bispo Odoário de Lugo no
território Bracarense”, Revista Portuguesa de História, Coimbra, Universidade de Coimbra, tomo
I, 1941, pp. 153 e 159.
32
DAVID, Pierre, Études historiques sur la Galice et le Portugal, Lisboa, Institut Français au
Portugal, 1947, p. 133.

265
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Outra alternativa é a de que fosse o povoador de Chaves por volta de 872,


isto é, mais de um século depois daqueles acontecimentos. Este vem referido num
documento de 982 de Santiago de Compostela onde se lê que naquele ano a terra
de Chaves foi dada a povoar pelo rei Afonso III das Astúrias ao «ilustríssimo varão
e digno guerreiro» Odoário 33.
O fundamento para a hipótese de enquadrar a estirpe de Fernando Mendes
num destes “Odoários” cinge-se porém apenas ao facto de aquele haver exercido a
tenência da terra de Chaves no séc. XI e, segundo parece, a título mais ou menos
hereditário. Isto faria supor que sucedeu a um ascendente naquela tenência.
Tal fundamento, embora lógico, é especulativo, por isso que não sei de
qualquer testemunho escrito da época apontando para aquele entronque de
Fernando Mendes.
E a verdade é que entre a tenência de Odoário e a de Fernando Mendes
passaram cerca de dois séculos, período consideravelmente longo, durante o
qual difícil seria que se tivesse mantido a sucessão hereditária dentro da mesma
estirpe. Além do mais, é de supor que as vicissitudes por que passou o território
onde Chaves se situa afastam a probabilidade duma estável posse e governação
dessa terra. Pense-se por exemplo nas rebeliões dos magnates galaico-portugueses
contra Ramiro III e a favor de Bermudo II em 981, contra este em 986 34, nas
devastações pelo exército muçulmano de Almansor, talvez em 988 e 999 35, e na
retomada da posse pelos cristãos, pouco tempo depois.
Por outro lado, não é fácil situar aquele Odoário vir illustrissimo. Não há
qualquer indicação documentada de que fosse da família do bispo com o mesmo
nome.
Também não parece provável, que fosse irmão de Afonso III das Astúrias e
filhos ambos de Ordonho I. Sánchez-Albornoz entendeu que não 36. Na verdade

33
LÓPEZ FERREIRO, Antonio, Historia de la Santa A. M. Eglesia de Santiago de Compostela,
Santiago de Compostela, 1900, vol. II, Apendices, pp. 176-186, e SÁNCHEZ-ALBORNOZ,
Claudio, El Reino de Asturias, Oviedo, Instituto de Estudios Asturianos, tomo III, 1975, p. 434,
e Estudios sobre Galicia en la temprana Edad Media, La Coruña, Fundación «Pedro Barrié de la
Maza», 1981, pp. 170 e nota 50, 176,177 e 192-193.
34
PÉREZ DE URBEL, Justo, “Los primeiros siglos de la Reconquista (Años 711-1038)“, Historia
de España Menéndez Pidal, 6ª edição (dir. José María Jover Zampra), Madrid, Espasa Calpe,
tomo VI, 1992, pp. 156-159.
35
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio, La España Musulmana, 7ª edição, Madrid, Espasa Calpe,
tomo I, 1986, p. 496, MESTRE CAMPI, Jesús, e SABATÉ, Flocel, Atlas de la «Reconquista»,
Barcelona, Ediciones Península, 1998, p. 21, SÉNAC, Philippe, Al-Mansur. Il flagello dell’anno
mile, trad. italiana, Roma, Salerno Editrice, p. 117, e ECHEVARRÍA ARSUAGA, Ana,
Almanzor. Un califa en la sombra, Madrid, Sílex Ediciones 2011, pp. 155-157.
36
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio, El Reino … etc. cit., tomo III, p. 21.

266
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

a crónica de Sampiro menciona a existência de um irmão do rei com tal nome


– Odoário. Mas ela próprias noticia que, tendo ele apoiado um seu outro irmão
Froila numa rebelião contra Afonso III, foram os rebeldes mandados cegar por
este 37. Por outro lado, não há notícia documental de ter tido descendência. Daí
a improbabilidade de que o povoador de Chaves fosse filho do rei Ordonho.
Mas, mesmo se o fosse, afigura-se pouco verosímil que dele tivesse provindo o
Fernando Mendes em questão.

2 - O que pode afirmar-se, sim, é que Fernando Mendes governou a terra


de Chaves, no reinado de Afonso VI. Tal é declarado em três documentos: um de
1072-08-25, no qual ele é mencionado como princeps ipsius terre 38; outro, com
a mesma data, como aquele qui illa terra imperavit 39; e outro, de 1086-02-23,
como mandante Flavias 40.
Todos estes documentos são particulares. Os dois primeiros levantam
problemas, porque neles é dito «regnante Adefonso rege in sede Legionense»
[ou «Legione»], quando se sabe que, em 25 de agosto de 1072, Afonso VI se
achava refugiado em Toledo, desapossado que fora, em janeiro desse ano, do reino
de Leão, por seu irmão Sancho II. Este só morreu em princípios de outubro
seguinte, assassinado quando cercava Zamora, onde lhe resistia sua irmã Urraca.
E Afonso logo que foi informado, imediatamente pôs termo ao seu desterro reen-
contrando-se com essa sua irmã em Zamora, em fins desse mês ou princípios de
novembro 41.
Mas talvez o anacronismo possa explicar-se por terem decorrido apenas 7
meses desde a destituição de Afonso VI, que estava exilado, e não aprisionado. Tal
destituição não estaria ainda consagrada de jure e sabe-se que não fora bem aceite
por muitos notáveis, quer civis quer eclesiásticos, do reino de Leão 42.
Quanto ao uso da palavra princeps como qualificativo de Fernando Mendes
no mencionado documento, acrescido da menção de que imperavit naquela terra
de Chaves, pareceria à primeira vista inculcar que ele pertencesse a uma família

37
PÉREZ DE URBEL, Justo, Sampiro. Su Cronica y la Monarquía Leonesa en el siglo X, Madrid,
Escuela de Estudios Medievales, 1952, p. 280.
38
Liber Fidei, publicado por COSTA, Avelino de Jesus da, tomo II, Braga, 1978, p. 40.
39
ibidem, p. 86.
40
ibidem, p. 90.
41
MÍNGUEZ, José María, Alfonso VI, Hondarribia, Editorial Nerea, 2000, p. 49, MENÉNDEZ
PIDAL, Ramón, La España del Cid, 5ª edição, Madrid, Espasa Calpe, 1956, vol. I, pp. 189-191,
e REILLY, Bernard F., El reino de León y Castilla bajo el Rey Alfonso VI. 1065-1109, tradução
espanhola, Salamanca, 1989, pp. 83 e 88.
42
REILLY, ob. cit., pp. 80-82.

267
AuGusTo ferreirA do AmArAL

real ou soberana. Mas há que aprofundar o valor semântico dum qualificativo


deste tipo, reportando-o às circunstâncias de lugar e de tempo. E a conclusão é a
de que tal termo não é decisivo para situar Fernando Mendes num plano clara-
mente superior ao de tenens ou mandante de terras. Denota, sim, uma dignidade
não inferior a estas 43, sem prejuízo de a expressão princeps terrae, no reino de
Leão, naquela época, poder ter um significado próprio 44.
É natural que fosse ele o Fredenandus que confirmou um documento pelo
qual foram declaradas a favor do bispo de Braga D. Pedro, herdades em Rio Mau,
concelho de Chaves, em 1074-06-01 45.
Conforme sugeriu Pizarro, Fernando Mendes «ter-se-á mantido à frente
da tenência flaviense, até que em 1084 surge a governá-la o conde Rodrigo
Vasques» 46. E logo acrescenta o mesmo autor 47: «A razão desta ausência poderá
estar no facto de ter acompanhado Afonso VI na campanha que culminou com a

43
RIBEIRO, João Pedro, Dissertações Chronologicas e Criticas, tomo I, Lisboa, 1860, pp. 62-63,
parecia admitir que houvesse uma ordem ascendente nos títulos de infans, princeps, rex, usados
em documentos por D. Afonso Henriques, contudo AZEVEDO, Rui de, “Período de formação
territorial”, História da Expansão Portuguesa no Mundo, vol. I, p. 8, nota 1, esclareceu que o
termo princeps não é uma alusão à estirpe régia, mas sim «corresponde apenas à sua alta função
directiva», PIMENTA, Alfredo, Notas de diplomática, Lisboa, 1939, pp. 7-9, mostrou que nem
tinha necessariamente esse significado, e ERDMANN, Carl, “A adopção do título de rei por
D. Afonso Henriques”, Congresso do Mundo Português. Publicações, II vol. Lisboa, 1940, p. 58,
confirmou que os títulos de princeps e infans «se não deveriam interpretar como implicando
categoria superior e inferior»; ver, sobre o significado da palavra princeps, TORRES SEVILLA
Quiñones de León, Margarita, Linajes nobiliarios de León y Castilla, León, 1999, pp. 35-36,
BARTON, Simon, The aristocracy in twelfth-century León and Castille, Cambridge, 1997, p.
30, MATTOSO, José, Ricos-homens, … etc. cit., p. 90, VENTURA, Leontina, “A nobreza – da
guerra à corte”, Nova História de Portugal (dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), vol.
III, Lisboa, 1996, p. 206, e COELHO, Maria Helena da Cruz, e HOMEM, Armando Luís de
Carvalho, Nova História de Portugal, cit., “O quadro institucional”, vol. III, pp. 547 e 549.
44
Há que registar o esclarecimento de Inés Calderón: «El princeps terrae tenía atribuiciones jurídico-
administrativas, y solía poseer un importante património en la tierra que gobernaba; además de
tener un gran poder, delegado del rey, sobre su circunscripción. El término además tenía una
fuerte connotación militar. Se empleó en escasas ocasiones, aunque sempre para denominar
a algunos de los poderosos dignitários que constituían el círculo más próximo al monarca»,
CALDERÓN MEDINA, Inés, ‘Cum magnatibus regni mei’ La nobleza y la monarquía leonesas
durante dos reinados de Fernando II y Alfonso IX (1157-1230), Madrid, 2011, p. 253.
45
Liber Fidei, cit., tomo III, p. 119.
46
PIZARRO, Sottomayor, “O regime senhorial na fronteira do Nordeste … etc.”, cit., p 853.
47
No que aderiu à hipótese de FERNANDES, A. de Almeida, “Território e Política Portugalenses
... etc.”, nº 11 (1971), cit., nota 11, p. 345.

268
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

conquista de Toledo (1085), uma vez que num documento de 23 de Fevereiro de


1086 é de novo citado como “mandante de Chaves”» 48.
Em 18 de dezembro desse ano aparece um Fredenandus Menindiz a
confirmar a decisão solene de Afonso VI e de sua irmã Urraca, de restaurarem a
catedral da cidade de Toledo. Contudo o lugar dele, nesse documento, é o último
dos confirmantes, na 5ª coluna 49.

3 - No nosso país tem-se dito, ao que creio com base apenas num dos
nobiliários medievais, que teria casado com uma filha bastarda do rei Afonso VI,
de Leão. Aceitaram-no Almeida Fernandes, o Marquês de São Payo, Mattoso,
Pizarro, Luiz de São Payo e Soares Machado 50.
Mas é de impugnar essa suposta aliança matrimonial, que os autores espa-
nhóis aliás nunca mencionam. Ela não é referida, que eu saiba, em documento
algum anterior ao séc. XIV, quer das chancelarias régias, quer dos arquivos ecle-
siásticos. E nenhuma das crónicas medievais conhecidas alude a tal matrimónio,
nem aponta indício de que uma filha do imperador Afonso VI pudesse ter casado
com Fernando Mendes.
O suposto casamento haveria de ter sido celebrado não depois de 1080 51,
uma vez que, conforme expõe Soares Machado, o filho de ambos, Mendo
Fernandes, não terá casado depois de 1100 52. Ora, se Fernando Mendes fosse já
em 1086 genro de Afonso VI, certamente não figuraria no aludido documento
no último lugar dos confirmantes, depois de doze bispos, seis condes, três altos
dignitários régios e onze confirmantes sem qualificativo. A menos que não fosse
ele o Fredenandus Menindiz que confirmou o documento. Mas então ficaria por
explicar a razão por que, sendo à data (por mera hipótese, claro) o único genro
do rei, nem ele nem a mulher figuraram em acto tão solene, no qual outorgou a
infanta irmã do monarca.
Também é de estranhar que Fernando Mendes não tivesse ascendido por
essa época à dignidade de conde, geralmente atribuída aos nobres que casavam
com infantas.
A fonte mais próxima que fala em tal casamento é o Livro do Deão que
foi escrito mais de dois séculos e meio depois, entre 1337 e 1343 53. E ainda

48
Liber Fidei, cit., tomo II, p. 90.
49
GAMBRA, Andrés, Alfonso VI. Cancillería, Curia e Imperio, León, Centro de Estudios e
Investigación «San Isidoro», vol. II, 1998, p. 229.
50
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 61-63.
51
ibidem, p. 62.
52
ibidem, p. 77.
53
MATTOSO, José, Naquele Tempo, Círculo dos Leitores, 2009, p. 274.

269
AuGusTo ferreirA do AmArAL

que aceitando, com Pizarro, que o autor do Livro do Deão houvesse colhido tal
informação na parte perdida do Livro Velho, de qualquer forma, este último terá
sido redigido entre 1284 e 1290 54, ou seja, decorridos cerca de dois séculos sobre
o hipotético casamento e muito depois do óbito de todos os bisnetos de Afonso
VI.
De resto, nem o dito Livro do Deão fornece sequer informação sobre o
nome ou qualquer circunstância relativa a uma tal filha de tão destacado monarca.
A hipótese será aliás, cronologicamente, pouco menos que impossível se
tiver razão Jaime de Salazar quando propõe a revisão da data de nascimento de
Afonso VI para 1047 55. É que, se o nascimento do suposto neto de Afonso VI,
Mendo Fernandes (de Bragança), filho do Fernando Mendes em causa, ocorreu
não depois de 1080, como considero acertado, então aquele rei teria sido avô com
33 anos de idade, ou menos, o que é bastante inverosímil. Nessa hipótese, não
poderia ter gerado a suposta filha depois de 1065, ou seja, com mais de 18 anos.
E, mesmo assim, seria preciso que a filha tivesse casado e consumado o casamento
com 14 anos.
Acresce ainda o seguinte: se o casamento entre Fernando Mendes e a hipo-
tética filha de Afonso VI se tivesse efectuado, o neto deles – Fernando Mendes,
o “Bravo” - não poderia ter casado, como casou, com uma irmã de D. Afonso
Henriques, sem uma difícil dispensa papal, pelo impedimento da consanguini-
dade, já que seria um conúbio entre primos co-irmãos e o Concílio de Roma de
1059 interditara o casamento entre parentes até o 7º grau, impedimento que só
no Concílio de Latrão de 1215 veio a ser reduzido para o 4º grau 56.
Fernando Mendes não era portanto genro de Afonso VI.
54
ibidem, p. 273.
55
SALAZAR y ACHA, Jaime de, “Política matrimonial de Alfonso VI de Castilla”, in Anales de la
Real Academia Matritense de Heráldica y Genealogía, vol. II, Madrid, 1992-1993, pp. 302-305;
porém esta hipótese está longe de ser considerada consagrada; e será inaceitável se dermos crédito
(e não sei de razões para dão dá-lo) ao documento datado de 24 de abril de 1043 (publicado em
Colección Documental del Monasterio de San Andrés de Espinareda 1043-1428, por JIMÉNEZ
SUÁREZ, María Jesús, León, 2005, pp. 69/70), no qual se refere ter Fernando I concedido
privilégios à igreja de San Andrés de Espinareda, sendo já nascidos cinco filhos, entre os quais
um, pelo menos (Garcia), era mais novo do que Afonso VI, e nascido antes de 1041, segundo
autores como MENÉNDEZ PIDAL, Ramón, La España del Cid, Madrid, 1956, vol. II, p.
707, MIRANDA CALVO, José, La reconquista de Toledo por Alfonso VI, Toledo, 1980, p. 33,
ESTEPA DÍEZ, Carlos, El reinado de Alfonso VI, Madrid, 1985, p. 17, REILLY, El reino …
Alfonso VI … etc. cit., p. 35, e LINAGE CONDE, Antonio, Alfonso VI, el Rey Hispano y Europeo
1065-1109, Burgos, 1994, p. 26.
56
SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, e PIZARRO, José Augusto Sotto Mayor, “A família – estruturas
de parentesco e casamento”, in (dir. José Mattoso) História de Vida Privada em Portugal. A Idade
Média, Lisboa, 2010, p. 128.

270
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Não obstante, a notícia em causa, dada pelo Livro do Deão, talvez tivesse
um certo fundo de verdade. Como adiante direi, poderia ter sido adulterada pela
confusão entre ele e um presumível filho.

4 - Apurei numerosas referências documentais, para a época em questão, a


um ou vários nobres leoneses com o nome Fernando Mendes.
Será que todas essas menções dizem respeito à mesma pessoa?
A forma diversa em que aparece o patronímico não parece impedi-lo.
São claramente variantes do mesmo nome, como era frequente naqueles tempos
suceder na onomástica.
Já os dois longos hiatos das menções dão mais que pensar. Com efeito,
entre a última de 1072 e as de 1086, e entre estas e a primeira de 1112, há respec-
tivamente 14 e 25 anos em que nenhuma referência documental achei, relativa a
um Fernando Mendes.
Por outro lado, há a extensão por mais de 45 anos da intervenção em docu-
mentos duma personagem com tal nome.
Contudo, essas distâncias cronológicas, constituindo embora algum emba-
raço para a aceitação da tese de que se trata da mesma pessoa, não são suficientes
para impedi-la.
Não descortino razão que impeça qualquer destes Fernandos Mendes de ser
a mesma pessoa que os demais.
Se todos são compagináveis com o mesmo quadro geográfico, crono-
lógico e social, por que não seguir um velho aforismo jurídico usado para a
interpretação da lei escrita, ubi lex [aqui eu diria *scriptum] non distinguit, non
distinguetur?
Houve quem propusesse outra identificação para Fernando Mendes, pelo
menos para o da fase final deste elenco de suas referências documentais. Foi o
autor anónimo duma história genealógica da Casa Sousa. Nessa obra, da segunda
metade do séc, XVIII, declarada como «copilada de un manuscrito muy antiguo,
y corregida y añadida hasta de presente», sustentou o autor o ponto de vista de
que «El Conde Don Fernan Mendez, de quien se habló en el num. 117, parece
también hijo de Don Men Viegas de Sousa, aunque por no tener de ello certeza
lo ponemos despues de todos los demás» 57.
Tal hipótese é no entanto inaceitável.
Desde logo porque não consta de qualquer fonte antiga a menção de um
filho de Mendo Viegas de Sousa chamado Fernando.

57
Descripcion genealogica y historial de la ilustre Casa de Sousa, Madrid, Imprenta Francisco Xavier
Garcia, 1770, p. 83.

271
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Acresce que Mendo Viegas nunca ascendeu à dignidade de conde, nem


sequer na época em que seu suposto filho Fernando como tal é referido e em que
ele ainda era vivo. Não há explicação possível para essa hipotética ascensão dum
filho em vida do pai, tanto mais quanto tal não acontecera com os filhos conhe-
cidos e documentados, que foram, não obstante, da mais elevada nobreza de D.
Afonso Henriques.
E, além de tudo o mais, a cronologia torna a hipótese inverosímil. Com
efeito, Mendo Viegas de Sousa teve o seu apogeu no final do séc. XI e nas primeiras
décadas do séc. XII. Em 1120 ainda figura na corte de D. Teresa 58 e, no entanto,
já havia então morrido o seu hipotético filho Fernando Mendes. Este decerto
nascera antes de 1060 - quando não seu filho Fernando Fernandes não estaria já
a confirmar documentos do rei de Leão em 1100, como adiante se verá. Assim,
Mendo Viegas de Sousa, para poder ser o pai desse Fernando Mendes, haveria de
ter nascido antes de 1040. Ora tal idade não acerta com a da sua actividade na
segunda década do séc. XII.
Fernando Mendes não era portanto filho de Mendo Viegas de Sousa.
Devia, até, com toda a probabilidade, ser mais velho do que este.

5 - Aquele foi, sem dúvida, figura da alta nobreza da cúria de Afonso VI


e de sua filha a rainha Urraca, tendo confirmado documentos régios entre, pelo
menos 1086 e 1118.
Era mandante de Chaves (que possivelmente incluía então a terra de
Bragança) desde antes de agosto de 1072 e mantinha tal tenência em feve-
reiro de 1086. Em dezembro desse ano confirmou, embora no último lugar
dos confirmantes, uma importante doação à sé de Toledo por Afonso VI e por
sua irmã Urraca. Falecido este rei (em 1109), apareceu Fernando Mendes a
confirmar, em março de 1112, um documento do conde D. Henrique, o que
faz presumir que fosse partidário deste, pelo menos enquanto D. Henrique foi
conde de Astorga 59.
Depois da morte do conde, nesse mesmo ano, terá passado para a confiança
da rainha D. Urraca, filha sucessora de Afonso VI. O lugar que ocupou, ao
confirmar documentos régios de Leão ao longo de alguns anos até princípios de
1118, foi ascendendo, decerto em correspondência com a sua ascensão na corte.

58
FERNANDES, A. de Almeida, “Guimarães … etc.” cit., p. 70.
59
Que o foi, por breve tempo, como se vê em REILLY, The kingdom … Urraca, cit., pp. 78 e 333.

272
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Pelo menos em agosto de 1117 era tenens de Zamora 60 e de Toro. É de


admitir a hipótese de ter atingido a dignidade de conde, mas já no termo da sua
vida. Tal hipótese poderá ser considerada documentada, desde que se confirme ser
ele o pai de Fernando Fernandes, como a seguir proponho.
É provável que haja morrido ainda em 1118 ou pouco depois. O certo é
que já não aparece a confirmar um documento de dezembro desse ano, do arce-
bispo de Braga, relativo ao território entre os rios Tua e Esla 61.

6 - Quanto ao casamento de Fernando Mendes, e uma vez mais no pressu-


posto de que o Fernando Fernandes, a seguir tratado, foi seu filho, pode propor-
-se que tivesse sido, não com uma imaginária e nebulosa filha de Afonso VI, mas
sim com Aldonça Gomes, filha dos condes de Carrión. como a seguir melhor se
verá 62.
É consensual entre os genealógicos que Fernando Mendes foi pai dum
Mendo Fernandes, de quem adiante tratarei.
Mas eu arrisco a hipótese de que houvesse um outro filho, não sei se primo-
génito, personagem destacada no reino de Leão daquela época, também chamado
Fernando, que passo a estudar.

§ 5º - conde Fernando Fernandes

1 - Desde já advirto que a filiação que proponho para este Fernando


Fernandes, ou seja, a sugestão de que fosse filho do acima referido Fernando
Mendes, é hipótese distante da certeza. Não aposto tudo nela. Sem embargo,
considero-a plausível; e a verdade é que não achei até agora razão forte que irre-
fragavelmente a afaste.
Não a vejo proposta por medievalista algum das últimas décadas. No
entanto não é plena novidade. Já foi afirmada por Luís Gonzaga de Azevedo
em 1940 63. Desconheço porém os trilhos do raciocínio deste notável historiador

60
É de assinalar que Zamora fora dada em honra por D. Urraca a sua meia-irmã, D. Teresa
(Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 43), pelo que a tenência de
Fernando Mendes, nesta data, inculca a confiança simultânea de ambas as irmãs.
61
Liber Fidei cit., tomo III, 1990, p. 7.
62
SENRA GABRIEL y Galán, José L., “Mio Cid es de Bivar e nos de los Condes de Carrión.
Los Banu-Gómez de Carrión a la luz de sus epitáfios”, Quintana, Santiago de Compostela,
Universidade de Santiago de Compostela, nº 5, 2006, p. 251.
63
AZEVEDO, Luís Gonzaga de, História de Portugal, Lisboa, Edições “Bíblion”, vol. 3º, 1940, p.
108.

273
AuGusTo ferreirA do AmArAL

para chegar a tal afirmação, e não vejo razões para considerá-los seguros, tanto
mais quanto ele, logo no trecho em que afirma que Fernão Fernandes era filho de
Fernão Mendes, chama a este “o Braganção”, que creio nunca ter sido seu qualifi-
cativo, e confunde-o com o seu neto homónimo, Fernão Mendes (“o Bravo”, esse
sim, “Braganção”), que foi quem confirmou em 1124 uma doação de D. Teresa
ao arcebispo de Braga.
Equacionemos o problema.
Sabe-se pela crónica de D. Pelaio e por outras, posteriores, que Afonso VI
teve duas filhas da sua concubina Ximena Munionis 64. Uma, a mais nova, foi a
nossa rainha D. Teresa, mulher do conde D. Henrique. A outra filha foi D. Elvira,
que nasceu provavelmente em 1079 65, casou com o conde Raimundo de Tolosa
(«Xemenam Munionis, ex qua genuit Geloiram, uxorem comitis Raimundi
Tolosani») 66, e o acompanhou na sua ida para a Terra Santa ao comando dum
exército de cruzados 67. Tendo este Raimundo morrido em 1105, de doença,
durante o assédio de Tripoli 68, a infanta resolveu deixar Jerusalém e voltou para
a península Ibérica, onde já se encontrava em 1115. Cerca de dois anos depois,
por julho de 1117, passou a segundas núpcias com Fernando Fernandes, figura
importante da corte de D. Urraca, às vezes qualificado como conde 69, que veio
a falecer entre setembro de 1125 e julho de 1129, provavelmente, com mais
precisão, em 1126 70.

2 - Barton, que localizou bem, no essencial, este Fernando Fernandes, não


consegue apontar a sua filiação 71. Fornece dados indiscutíveis, como a menção do
seu casamento com a dita infanta D. Elvira Afonso, o elenco dos filhos de ambos
64
Crónica del Obispo Don Pelayo, ed. SÁNCHEZ ALONSO, B., Madrid, Imprenta de los
Sucesores de Hernando, 1924, pp. 86-87, “Crónica del Obispo de Oviedo Don Pelayo”,
Crónicas de los Reinos de Asturias y León, ed. CASRIEGO, Jesús E., León, Editorial Everest,
1985, pp. 180-181, e QUINTANA PRIETO, Augusto, “Jimena Muñiz, madre de Doña Teresa
de Portugal”, Revista Portuguesa de História, Coimbra, Universidade de Coimbra, tomo XII,
1969, p. 233.
65
QUINTANA PRIETO, ob. cit., p. 249, e “La Infanta Doña Elvira, hija de Alfonso VI y de
Jimena Muñiz”, Temas Bercianos, tomo III, Ponferrada, 1984, p. 292.
66
España Sagrada, cit., tomo XIV, p. 2004; ver também SALAZAR y ACHA, “Politica matrimonial
… etc.” cit., pp. 310-316, e CANAL SÁNCHEZ-PAGÍN, José María, “La Infanta doña Elvira”,
Archivos Leoneses, ano XXXIII, 66, León, 1979, pp. 272-279.
67
QUINTANA PRIETO, Temas Bercianos, cit., tomo III, p. 297.
68
ibidem, p. 328, CANAL, ob. cit., p. 273.
69
REILLY, Bernard F., The kingdom of León-Castilla under king Alfonso VII. 1126-1157,
Philadelphia, University of Pennsylvania, 1998.
70
SALAZAR y ACHA, “Politica matrimonial … etc.” cit., p. 333.
71
BARTON, ob. cit., pp. 236-237.

274
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

(Diogo, Garcia e Teresa), a primeira menção conhecida do título de conde em


1119, as tenências de Bolaños, Campos, Malgrat, Salnelas e Toro, e o patronato
dum mosteiro de Cluny.
Põe-se então o problema do entronque linhagístico deste Fernando
Fernandes.

3 - Canal Sánchez, que parece não ter dado com um documento de 8 de


julho de 1117 adiante analisado, apenas levou em conta as menções documentais
em que foram identificados os filhos da infanta e de seu segundo marido, as quais
indicavam para este o nome próprio Fernando, mas se ficavam por aí. E por isso
arriscou identificá-lo como o conde Fernando Peres de Trava, o célebre magnate
galego derrotado pelos portugueses na batalha de S. Mamede 72.

4 - Quintana Prieto contestou tal identificação, com base na «cronologia


portuguesa». Mas apresentou uma alternativa igualmente errada, que também
não levou em conta o referido documento de 1117. Foi-lhe sugerida por um
documento apenas conhecido em resumo tardio, decerto pouco fiável. Dele cons-
tava uma

«donación a favor de la iglesia de Astorga y de suo bispo don Alón, hecha


por el cônsul malgradense, don Fernando, por sí y por sus hijos y su mujer
la infanta doña Elvira, madre de éstos».

A data constante desse documento foi

«nonas maii era quadragessima et vicena, addita centena, preterita millena».

O primeiro confirmante do documento era «Monio Pelagii mayordomo


del rey». Para Quintana Prieto a data da doação seria 7 de maio de 1130. E o “don
Fernando” nela mencionado seria Fernando Rodrigues de Malgrat, que aparece
frequentemente em documentos de época e que foi incumbido pelo rei Fernando
II de Leão de povoar Benavente, o novo nome de Malgrat 73.
Tal identificação é inaceitável.

4.1 - Desde logo pelo ano que lhe é atribuído, o qual não pode ser 1130.
Com efeito, a palavra vicena, que nessa forma, será talvez um erro de

72
CANAL, ob. cit., p. 276.
73
QUINTANA PRIETO, Temas Bercianos, cit., tomo III, p. 344.

275
AuGusTo ferreirA do AmArAL

cópia, correspondendo no original a uncena ou vincena. Conforme


se trate de um ou do outro caso, a era declarada (que é de César)
terá sido 1151 ou 1160, isto é, ano 1113 ou 1122 do nascimento
de Cristo. Tal ano tem de caber no reinado de Urraca (o qual, como
se sabe, terminou com o seu falecimento em 1126) pois os confir-
mantes são todos característicos dos documentos exarados nesse
reinado. A isso não obsta a menção de «Monio Pelagii mayordomo
del rey», pois o “rei” pode ser Afonso Raimundes, que como rex era
tratado em vida de sua mãe. Pelo contrário, aquele nome (Monio
Pais) não figura na lista dos mordomos de Afonso VII depois da sua
coroação, já falecida a rainha Urraca 74, intitulado já frequentemente
de imperador.
4.2 - Por outro lado, não consta que Fernando Rodrigues de Malgrat
tenha sido conde, pelo menos antes dos anos sessenta do século XII.
4.3 - Igualmente não consta que haja sido tenens de Malgrat, mas sim
de Gralia. Entre meados de 1129 e princípios de 1141 o tenens de
Malgrat foi Osório Martins. E este, ao que creio, seria o genro de
Fernando Fernandes, pelo que poderá, até, ter sucedido directa-
mente ao sogro nessa tenência. Depois, entre 1146 e 1162, o tenens
de Melgrat foi o conde Ponce de Cabrera 75.
4.4 - Acresce o seguinte. Se Fernando Rodrigues houvesse casado segunda
vez, como quer Quintana Prieto, esse segundo matrimónio nunca
teria sido celebrado antes de 1158, pois em finais de setembro de
1157 a infanta (que em tal hipótese seria sua primeira mulher) ainda
era viva. Teríamos pois um Fernando Rodrigues de Malgrat a casar
de novo e a procriar vários filhos com mais de 60 anos, o que é muito
duvidosamente compatível com as realidades da época.
4.5 - Que o segundo marido da infanta Elvira se não chamava Fernando
Peres nem Fernando Rodrigues, mas sim Fernando Fernandes, disse-o
definitivamente Barton 76.

5 - Recentemente Senra Gabriel veio apresentar e sustentar nova hipó-


tese 77.
74
REILLY, The Kingdom … Alfonso VII … etc. cit., pp. 162-163.
75
ibidem, p. 174, e FERNÁNDEZ XESTA y Vázquez, Ernesto, Un magnate catalán en la Corte de
Alfonso VII, Madrid, Prensa y Ediciones Iberoamericanas, 1999, p. 90.
76
BARTON, Simon, The aristocracy in twelfth-century León and Castille, Cambridge, University
Press, 1997, pp. 236-237 e 241.
77
SENRA GABRIEL, ob. cit., pp. 233-267.

276
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Verificou que no mosteiro cluniacense de S. Zoilo de Carrión de los


Condes, perto de Palencia, entre as várias inscrições tumulares figura uma, com
os seguintes dizeres (versão não epigráfica):

«pulvis in haec tumulantur et ossa consulis illustris Fernandi Malgra-


diensis … positus letetur in arce polorum quo gaudet Zoilus felix et turma
bonorum centis uncena sexta decima quarta era». 78

Por aqui se vê que o Fernando, “cônsul” de Melgrado, morreu na era de


César de 1164, que corresponde ao ano 1126 da actual era. Não chegou sequer,
provavelmente, ao reinado de Afonso VII, que se iniciou nesse ano, pelo que
nunca poderia ter atingido o de Fernando II. Não pode por isso ser o mencio-
nado Fernando Rodrigues de Melgrado, incumbido por este último rei de povoar
Benavente.
O que é seguro é que o Fernando Fernandes, casado em 1117 com a infanta
D. Elvira, viúva do conde de Tolosa, foi o “Fernando Melgradiense” tumulado em
1126 em S. Zoilo de Carrión de los Condes.
Senra Gabriel, identificando-o assim com o Fernando Fernandes marido
da infanta D. Elvira, anteriormente condessa de Tolosa; e pressupondo – e bem
– que o praenomen de seu pai seria Fernando; sugere que ele fosse filho dum
Fernando Citiz. Mais propõe que aquele Fernando Fernandes haja sido o segundo
marido de Aldonça Gomes. Esta, como Senra Gabriel demonstrou, era filha dos
condes de Carrión, Gomes Dias e Teresa Pais (bisneta de Bermudo II rei de Leão)
e terá casado também com Monio Fernandes, dono do mosteiro de S. Salvador
de Villaverde, no vale de Vidriales (Benavente).
Efectivamente, em 17 de agosto de 1087, a «comitissa Eslonza, una cum
filiis meis Ferrando Ferrandez et Elbira Monioz» vendeu um terreno próximo de
Muñeca. Os discrepantes patronímicos dos filhos indicam que a dita condessa foi
casada duas vezes: uma com um Fernando e outra com um Monio 79.
O Monio foi o conde Monio Fernandes, como sem margem para dúvidas
se alcança duma escritura de maio de 1112 pela qual a condessa Aldonça, que
se identifica como filha do conde Gomes Dias, faz doação, juntamente com a
sua filha, Elvira Munhós, do mosteiro de Vilaverde, em Val de Vidriales, diocese
de Astorga. Afirma que este havia sido perdido por longo tempo por decisão do

78
ibidem, p. 250.
79
RUIZ ASENCIO, José Manuel, RUIZ ALBI, Irene, e HERRERO JIMÉNEZ, Mauricio,
Colección Documental del Monasterio de San Román de Entrepeñas (940-1608), León, Centro de
Estudios e Investigación «San Isidoro», 2000, pp. 54 e 55.

277
AuGusTo ferreirA do AmArAL

imperador Afonso VI, mas que a rainha Urraca, quando subiu ao trono, reexa-
minado o assunto, lho restituíra, a ela e à sua dita filha. Figura, a confirmar a
doação, um Fernando Fernandes que é decerto o outro filho dela, Aldonça, e que
obviamente não participou na doação porque era filho de outro pai.
A ira régia em que tombara o conde Monio Fernandes é referida por Afonso
VI na doação, que fizera, em 25 de janeiro de 1100, do dito mosteiro, à abadia de
Sahagún, conforme um trecho para o qual proponho a seguinte tradução:

«E o mosteiro assim desse modo e a vila na qual está situado ficam no vale
de Vidriales, o qual me veio parar, pela norma consuetudinária do país,
da sucessão ao conde Monio Fernandes, relegado em exílio da sua pátria
por causa da sua soberba; o qual eu dera à minha diletíssima mulher a
rainha Berta em sua vida; pela morte dela dou-o, para vestimenta, comida
e bebida em S. Fagundo [Sahagún], onde o seu corpo está tumulado, dos
monges servidores a Deus, para remédio da minha alma e da dela.» 80.

O Fernando, o outro marido da condessa Aldonça Gomes, seria o pai do


Fernando Fernandes, marido da infanta Elvira.
Os corpos dos pais e dos filhos de D. Aldonça Gomes acham-se tumulados
na igreja de San Zoilo de Carrión. Fernando Fernandes terá morrido em 1126,
como acima disse.
O patronímico proposto por Senra Gabriel para o pai de Fernando
Fernandes é Citiz.
Há referência a um Fernando Cides como confirmante de um documento
eclesiástico particular de 1095-02-06 do arquivo da catedral de León 81. E também
o pai dum certo Fernando Fernandes que seria *Fernando Citiz, se o copista do
documento tivesse errado ao chamar Romano a este 82. Mas em nenhum dos casos
aparenta corresponder, social nem geograficamente, à personagem em análise.

80
O texto em latim é como segue, «Et sic monasterium quomodo et illa uilla in qua est positum
iacent in Ualle de Uidriales, quod michi accidit per consuetudinem patrie ex successione comitis
Monnini Fernandiz, a patria exilio propter superbiam suam religati; quod in uita sua dederam
diletissime uxori mee Berte regine, ad cuius mortem do illud ad uestimentorum, cibi et potus
monachorum in Sancto Facundo, ubi corpus eius tumulatum est, Deo seruientium, pro remedio
anime mee ac sue.», segundo GAMBRA, ob. cit., p. 404 (ver também BERNARD, Auguste, e
BRUEL, Alexandre, Recueil des Chartes de l’Abbaye de Cluny, tomo 5º, Paris, 1894, p. 84).
81
RUIZ ASENCIO, José Manuel, Colección Documental del Archivo de la Catedral de León (775-
1230), León, Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro», vol. IV, 1990, p. 597.
82
AYALA MARTÍNEZ, Libro de privilegios, cit., pp. 145-146.

278
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

O que pode dar-se como provado é que Fernando Fernandes de que venho
tratando foi filho de um Fernando (que ele, o filho, qualifica como conde), e de D.
Aldonça Gomes; e neto materno dos condes de Carrión. Casou com a infanta D.
Elvira Afonso, foi efectivamente tenens de Malgrado na fase final da vida e veio a
morrer no mesmo ano que a rainha D. Urraca - 1126.

6 - Margarita Torres Sevilla acrescenta que ele foi um «conde galego» 83;
e não será menos certeiro o qualificativo dado por Reilly - «Leonese noble» 84.
Bishko, baseado na cronologia e na posterior conexão com Toro, sugere que ele
foi o mesmo que entre 1108 e 1112 estava ao serviço do conde D. Henrique de
Portucale, mandando em Lamego em 1111, e que, falecido este último em 1112,
desapareceu dos documentos portugueses 85.
E pode admitir-se, sem forçar nem distorcer, que as referências documen-
tais a Fernando Fernandes com que deparei dizem respeito à mesma pessoa.
Mas quem era, então, este Fernando Fernandes?

7 - Na acima referida doação de 8 de julho de 1117, com a sua mulher


a infanta D. Elvira, de uma quarta parte do mosteiro de Ferreira de Pantón
(«monasterio de Ferreries, quod est positum in Gallecia, in terra de Lemes, juxta
Pantonem»), declarou que ela era efectuada

«pro anima mea et pro anima patris mei Fernandi comitis et anima uxoris
meae predicte infantae, et pro animabus omnium aviorum et parentum
meorum» (pela minha alma e pela alma de meu pai Fernando conde e pela
alma da dita infanta minha mulher, e pelas almas de todos os meus avós
e parentes).

Especificou que o bem doado lhe provinha

«de hereditate mea propria, quam habeo de patre meo et de avibus meis»
(da herdade minha própria, a qual tenho de meu pai e de meus avós).

E acrescentou que o objecto da doação era


83
TORRES SEVILLA, Margarita, Linajes nobiliarios en León y Castilla. Siglos IX-XIII, Salamanca,
Junta de Castilla y León, 1999, p. 129.
84
REILLY, The Kingdom … Alfonso VII … etc. cit., p. 142.
85
BISHKO, Charles Julian, Spanish and Portuguese monastic History 600-1300, reimpressão,
1984, nº XI, “The Cluniac priories of Galicia and Portugal: their acquisition and administration
1075-ca.1230”, p. 324, Internet, The library of Iberian resources online.

279
AuGusTo ferreirA do AmArAL

«totam quartam partem meam integram, sicut mihi competit inter meos
heredes, id est casas ecclesias, víneas, terras populatas et non populatas, tota-
mque hereditatem per ubicunque eam invenire potuerint» (toda a minha
quarta parte integral, como me corresponde entre meus consanguíneos
colaterais, ou seja as casas, igrejas, vinhas, terras povoadas e não-povoadas
e toda a herdade que em qualquer lugar para ela possam vir a ser obtidas).

Fica assim a saber-se que Fernando Fernandes era filho de um conde


Fernando, que o pai e os avós haviam sido donos do mosteiro de Ferreira de
Pantón, e que a quota-parte que deste coube a Fernando foi um quarto, entre as
quotas-partes de irmãos e/ou primos e/ou tios e/ou sobrinhos.
As fontes relativas às origens daquele mosteiro não nos ajudam porém a
identificar quem eram os seus donos. Linage Conde 86, Freire Camaniel 87, Yañez
Neira 88, e Hipólito de Sá 89, também não apontam qualquer notícia consistente
sobre a sua fundação. O primeiro menciona apenas uma Ueniuerta não identifi-
cada, doadora em 924.
Entre os documentos mais antigos que foram publicados como pertinentes
ao mosteiro, não descortinei indicações precisas sobre a ascendência de Fernando
Fernandes 90.
Pantón é um município da província galega de Lugo, vizinho, a oeste,
de Monforte de Lemos. Em linha recta dista cerca de 85 km de Chaves. Não é
portanto, por aí, inverosímil que o mesmo Fernando Mendes fosse senhor (na
totalidade ou numa quota-parte) do mosteiro de Ferreira de Pantón e que tal
propriedade houvesse provindo de seus pais ou de seus sogros.
É communis oppinio entre os medievalistas, que a “terra de Lemos” foi
concedida por Afonso VI, antes de 1104, ao conde Froila Dias 91, uma vez que

86
LINAGE CONDE, Antonio, Los orígenes del monacato benedictino en la Península Ibérica, León,
Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro», 1973, vol. III, p. 184.
87
FREIRE CAMANIEL, José, El monacato gallego en la Alta Edad Media, A Coruña, Fundación
Pedro Barrie de la Maza, 1998, vol. II, pp. 720-721.
88
YÁÑEZ NEIRA, Damián, El monasterio cisterciense de Ferreira de Pantón, Lugo, Consellería de
Educación e Cultura, 1985, p. 3.
89
SÁ BRAVO, Hipolito de, El monacato en Galicia, La Coruña, 1972, pp. 438-439.
90
FERNÁNDEZ DE VIANA y Vieites, José Ignacio, Colección Diplomática del Monasterio de
Santa María de Ferreira de Pantón, Lugo, 1994, pp. 22-26.
91
CANAL SÁNCHEZ, J. M., “El conde leonés Don Fruela Díaz y su esposa, la navarra Doña
Estefanía Sánchez”, Principe de Viana, revista editada pelo Governo de Navarra, Pamplona, ano
47, nº 177, 1986, p. 39, PARDO DE GUEVARA y Valdés, Eduardo, Los Señores de Galicia, A
Coruña, 2000, vol. I, p. 50, TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 161.

280
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

numa doação feita nesse ano, é referenciado o mesmo prócere como tenens de
Lemos e de Sarriá.
Contudo esta notícia não subsiste em documento mais antigo do que uma
versão de 1613, pelo que não será totalmente segura 92. De qualquer modo, o
mais que ela indica é que nessa data o referido conde usufruía então da tenência
de Lemos. Como não há notícia de que essa tenência fosse anterior e como os
bens, que se sabe possuía então, eram muitos distantes de tal território, é lícito
admitir que ele só pouco antes, isto é, em inícios do séc. XII, haja sido encarre-
gado desse poder, que de resto seria mais ad imperandum do que ad possidendum.
Não há pois razões para partir do princípio de que a igreja do mosteiro de
Pantón pertencesse ao dito Froila Dias.
Por outro lado, ele não teve, que se saiba, qualquer irmão nem filho
chamado Fernando. Apenas um tio irmão de seu pai foi Fernando Peres, mas este
não teve filho conhecido com o dito nome Fernando e mais dificilmente poderia
ser o pai do Fernando Fernandes de quem estamos a tratar, pois morreu antes de
1067 93.
O senhorio de Monforte de Lemos por Froila Dias em 1104 não contradiz,
portanto, a hipótese, que proponho, de o pai do conde Fernando Fernandes
ser Fernando Mendes, tenens de Chaves e avô paterno de Fernando Mendes
Braganção, o “Bravo”. É compatível com o senhorio duma parte do mosteiro
de Ferreira de Pantón, em 1117, por Fernando Fernandes, marido da infanta D.
Elvira, provinda do pai dele - Fernando Mendes, segundo sugiro.

8 - Se constasse da documentação subsistente nos arquivos algum Fernando


Fernandes situado no ocidente hispânico em tempo de Afonso VI, com seme-
lhante ou maior posição social do que o referido nos documentos elencados no
anexo II, poderia esse ser preferível ao filho de Fernando Mendes como sendo
o conde nos documentos em que é mencionado juntamente com sua mulher, a
infanta D. Elvira. Mas tal não acontece. No rastreio que fiz, nenhum Fernando
filho doutro Fernando, que não o Mendes, achei em melhores condições para
marido dela.

8.1 - Dir-se-á, contra, que Fernando Mendes não poderia ser o pai do
conde Fernando Fernandes casado com D. Elvira porque, na doação
acima mencionada de julho de 1117, ele declara fazê-la pela alma

92
O que talvez explique que BARTON (ob. cit., p. 245) a não haja incluído nos senhorios ou
tenências que menciona, relativos ao conde Froila Díaz.
93
TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 147, 148 e 161.

281
AuGusTo ferreirA do AmArAL

de seu pai. Declara também que a parte que doava lhe provinha de
seu pai e avós. Ora nesse ano e em princípio do seguinte, Fernando
Mendes ainda era vivo, pois confirmou documentos régios, como
acima se viu.
Não creio porém que o sentido dessas duas declarações
implique necessariamente que o pai, à data, já tivesse morrido.
No mesmo documento ele próprio declara fazer a doação
também pela sua própria alma e pela de sua mulher. E ambos eram
vivos.
Era aliás frequente naquelas circunstâncias de tempo e de
lugar, que as doações para benefício da alma fossem também por
intenção de pessoas vivas, do tipo pro remedio anime mee et parentum
meorum tam vivorum quam defunctorum 94.
Por outro lado, quanto à parte que lhe pertencia no bem
doado, não é obrigatório que lhe tivesse ido parar às mãos mortis
causa. Bem podia ter-lhe sido doada ou trocada em vida por seu pai.
Deste modo, a hipótese não é invalidada pelo conteúdo do
documento de Julho de 1117; não é incompatível com ele.
8.2 - Além disso há razões para preferir a identificação do pai de Fernando
Fernandes como o Fernando Mendes avô paterno do homónimo
braganção.

8.2.1 - Por um lado, há a acima referida tradição, registada pelo


autor do Livro do Deão, com base provável no Livro Velho, de
que um Braganção anterior a Fernão Mendes, o “Bravo”, já
fora casado com uma bastarda de Afonso VI (ainda que essa
fonte identifique como o Fernando Mendes, o “velho”, filho
de Mendo Alão).
8.2.2 - Por outro lado, Fernando Mendes era mandante de Toro em
5 de agosto de 1117, como acima se viu. Ora o Fernando
Fernandes que casou com a infanta estava ligado a Toro 95 e
é mesmo designado Fernan Fenrandez de Toro num docu-
mento régio de 1116, que localiza no espaço diversos dos
confirmantes para que se distingam na sua identificação,
como se vê no anexo II.

94
CALDERÓN MEDINA, ob. cit., p. 63.
95
REILLY, The Kingdom … Urraca, … etc. cit., pp. 297-298.

282
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

8.2.3 - E em 1115, na acta do concílio de Oviedo, aparece, represen-


tando os campos de Zamora e de Toro, um comes Fernandus
Fernandi 96, menção que tem relevância, ainda que se ques-
tione fortemente a autenticidade deste documento.
8.2.4 - Acresce que em vários actos régios em que figura como
confirmante o Fernando Fernandes provável marido de
D. Elvira, intervém também aquele Fernando Mendes, na
mesma função de confirmante, logo antes ou logo depois.
Isto pode por si só inculcar que entre os dois havia proximi-
dade geográfica e talvez também de parentesco (neste caso
de pai e filho), como há outros exemplos 97.
8.2.5 - Não choca, por isso, na falta de uma alternativa melhor,
considerar o conde Fernando Fernandes, genro de Afonso
VI, filho do Fernando Mendes, acima tratado, e tio paterno
de Fernão Mendes, o “Bravo”.

9 - A uma tal identificação não se opõem os argumentos que atrás apre-


sentei contra a versão tradicional portuguesa, que considerava Fernando Mendes
genro de Afonso VI.
Na verdade, nenhum dos óbices cronológicos que apontei para Fernando
Mendes se aplica a um filho dele.

10 - Uma outra objecção à identificação, que venho propondo, do marido


da infanta D. Elvira, seria o de que não existe indicação alguma de ligação desse
conde Fernando Fernandes a Bragança, nem à autonomia portucalense.
É porém fraco argumento. Basta verificar que o mesmo se passara também,
em grande parte, com Fernando Mendes, o “velho”, que em território português
só está referenciado documentalmente como “mandante de Chaves” em 1072 e
1086.
Os homens desta linhagem só começaram a evidenciar oposição a Leão e a
Galiza quando se aliaram a D. Afonso Henriques, o que, com os irmãos Fernando
Mendes, o “Bravo”, Rodrigo Mendes, Nuno Mendes e Mendo [Mendes] de

96
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, Lisboa, Academia das Ciências de
Lisboa, vol. I, 1864, p. 141, b).
97
Veja-se DAVID, Henrique, e PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor, “Nobres Portugueses
em Leão e Castela (Século XIII)”, Revista de História, vol. VII, Porto, 1986-1987, pp. 142-143.

283
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Bragança, aconteceu possivelmente pouco antes ou mesmo depois da batalha de


S. Mamede (1128) 98.
Houve outros membros desta linhagem contemporâneos daqueles, que
nunca optaram pela independência do reino português. Aliás é de lembrar que
diversos descendentes do próprio Fernão Mendes, o “Bravo”, vieram a oscilar na
fidelidade entre Portugal e Leão, tanto no séc. XII como no XIII, tendo alguns
passado mesmo definitivamente para o reino vizinho.
Não espanta portanto que um irmão do pai desse Fernão Mendes, até
porque provavelmente morreu antes de 1128, nunca tivesse mostrado inclinação
para a independência do território português face a Leão.

11 - Outro argumento contra a identificação que venho propondo reside


na aparente inexplicabilidade dos nomes próprios dos dois filhos varões conhe-
cidos deste matrimónio de Fernando Fernandes com D. Elvira.
Tais nomes são Garcia e Diogo. Pelos usos da época, era natural que pelo
menos um deles fosse baptizado com um praenomen já usado na linha paterna,
mais frequentemente o do avô paterno. Ora, no caso, nenhum dos nomes
Fernando e Mendo aparece; e por outro lado os nomes Garcia e Diogo não são
conhecidos na estirpe do senhor de Chaves Fernando Mendes.
Mas pode haver uma explicação se, como tudo indica, Fernando Fernandes
foi filho de D. Aldonça Gomes, dos condes de Carrión. É que D. Aldonça tinha
um avô Diogo e um irmão Garcia.

12 - Suscita-se outro argumento contra a minha proposta, este ponderoso.


Vimos já acima que Aldonça Gomes, ao fazer uma doação em 1087,
se refere a dois filhos – Fernando Fernandes e Elvira Moniz - com pais dife-
rentes. Se a ordem por que eles aí são mencionados fosse uma ordem cronoló-
gica, Aldonça Gomes não poderia ter casado com Fernando Mendes, o Velho, de
quem tratámos acima, já que este viveu até a segunda década do séc. XII e a filha
dela, Elvira Moniz, que não poderia ter nascido antes de esse primeiro marido da
mãe ter morrido, já era nascida em 17 de agosto de 1087, data daquela escritura
de doação. Nesse caso, Fernando Fernandes não poderia ter sido filho do citado
Fernando Mendes que nesse ano de 1087 teria de ter já morrido.
Mas a ordem por que foram referidos os filhos podia ser por género, com
precedência do masculino sobre o feminino, como era frequente nos documentos
medievais. Assim, o pai da Elvira Moniz poderia ter sido o primeiro marido de

98
Ver MATTOSO, José, Portugal medieval – novas interpretações, Lisboa, Imprensa Nacional /
Casa da Moeda, 1984, p. 27 e nota 50, e FERNANDES, A. de Almeida, “Do Porto ... etc.” cit.

284
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Aldonça Gomes, e Fernando Mendes o segundo. Nesse caso, o conde Monio


Fernandes é que haveria de ter morrido algum tempo antes de 1087. Mas nunca
depois de 1085. Isto porque mesmo no caso de Fernando Fernandes ainda não ter
um ano em agosto de 1087, quando sua mãe o invocou na venda supracitada, a
soma do período da sua gestação com o da turbatio sanguinis, (decerto observado
após a morte do primeiro marido e antes de voltar a casar) não seria inferior a
vinte meses, o que vem a dar 1085.
Será que assim foi?
Na mencionada doação de 1100, Afonso VI não dá indicações sobre a
ocasião em que Monio Fernandes foi exilado e menos ainda sobre a data em que
morreu. E este conde não figura na chancelaria de Afonso VI depois de 1068.
As únicas menções de um Monio Fernandes na chancelaria de Afonso VI (se
não contarmos o citado trecho de 1100 que se reporta a um passado não datado),
são:

a) - 1067-07-24, confirmando (como Munio Fredenandis) um documento


de Afonso VI 99;
b) - 1067-09-03, mencionado um comite Monnio Fernandiz que recebera
herdades por doação de Bermudo III, e era avô paterno de um Nuno
Peres que, por sua vez, tinha vendido herdades a um homem que
pouco antes daquela data disputava o seu direito com o bispo de
Leão 100;
c) - 1068-11-22, confirmando (como Monio Fernandiz) um documento
de Afonso VI 101;
d) - 1085-02-22, confirmando (como Munio Fernandiç) um documento
de Afonso VI 102 (existindo outra versão suspeita, da mesma data 103).

O da alínea b) muito duvidosamente seria o mesmo que confirmou os


demais documentos nem o que casou com D. Aldonça Gomes.
Em termos cronológicos tal hipótese é inaceitável.
Com efeito, Bermudo III reinou entre 1028 e 1037. Por isso, aquele conde
Monio Fernandes, beneficiário duma sua doação, decerto não nasceu depois da
primeira década do séc. XI, o que é dificilmente compaginável com um casa-

99
GAMBRA, ob. cit., p. 5.
100
ibidem, pp. 6-7.
101
ibidem, p. 16.
102
ibidem, p. 208.
103
ibidem, p. 214.

285
AuGusTo ferreirA do AmArAL

mento com D. Aldonça, que não nasceu depois de 1058 e seria uns 40 anos mais
nova do que ele.
As outras referências ao nome Monio Fernandes parecem dizer respeito a
um mesmo membro da cúria régia. Mas é de notar que de nenhuma delas consta
qualquer indicação de que tivesse dignidade condal. Subsiste por isso alguma
dúvida sobre se foi ele quem casou com D. Aldonça.
Mas, mesmo sendo-o, como parece mais provável, a verdade é que o mais
tardio documento em que ele interveio datou de 22 de fevereiro de 1085. Fica-
se, por conseguinte, com a impressão de que o seu tempo foi anterior ao do
Fernando Mendes de quem tenho vindo a tratar como o outro marido de D.
Aldonça.
De qualquer maneira é necessário ponderar o seguinte.
Entre março e dezembro de 1085 haveria Monio Fernandes de ter incor-
rido na ira régia, ter-se exilado e ter morrido, para que D. Aldonça pudesse ter
casado em 1086 e ter gerado o seu filho do novo matrimónio (hipoteticamente
com Fernando Mendes) antes de agosto de 1087. Convenhamos em que é um
período muito curto para que tudo isso houvesse acontecido. Não é impossível,
mas dá que pensar.
O que pareceria mais inverosímil é que Fernando Fernandes tivesse
nascido pouco depois de 1085. Com efeito, ele aparece a confirmar diplomas
régios já em 1100 104, portanto com o máximo de 14 anos, idade pouco própria
para fazê-lo.
A menos que o Monio Fernandes de 1085 fosse outro, que não o conde
que desposara D. Aldonça Gomes e dela tivera a citada Elvira Munhós. E é perti-
nente essa dúvida, pois numa das versões do documento régio de 1085, posto
que suspeita, o nome dele surge como simples testemunha e não como confir-
mante 105, e na própria versão, aceite pelo editor atrás citado (a qual, aliás, provém
unicamente de cópias dos sécs. XIII e XIV), apesar de confirmar, aparece em
penúltimo lugar dos confirmantes, depois de 36 leigos, entre os quais quatro
condes - o que parece pouco apropriado para quem possuísse então a dignidade
condal.
Estas últimas considerações não são contudo decisivas para excluir a
possibilidade de o “conde exilado” 106 Monio Fernandes, marido de D. Aldonça
Gomes, ter morrido depois de agosto de 1085.

104
ibidem, p. 413.
105
ibidem, p. 214.
106
Ver GAMBRA, ob. cit., p. 404.

286
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

13 - No entanto, permaneço com dúvidas acerca da proposta de filiação do


conde Fernando Fernandes na estirpe de Bragança. Entre o impossível, o possível,
o provável e o seguro, mantenho-me no provável.

14 - Para Salazar y Acha a morte deste conde Fernando Fernandes ocorreu


entre setembro de 1125 e julho de 1129 107; e para Reilly antes de 1133 108. Mas
hoje, depois do já citado estudo de Senra Gabriel, é possível maior precisão: foi
em 1126.
Casou, talvez entre julho e setembro de 1116 109, com a infanta D. Elvira,
que terá nascido entre 1075 e 1079 110, foi (apesar de mulher) tenens da Ribera,
conforme documentos entre outubro de 1137 e junho de 1156 111, e fez testa-
mento em 1157-04-16 112. Era filha ilegítima de Afonso VI e de sua concubina
Ximena Munhós e, portanto, irmã inteira da nossa D. Teresa.

15 - Barton sugeriu que Fernando Fernandes se tivesse separado de D.


Elvira e casado de novo com uma Sancha Gonçalves, cuja origem não conseguiu
apurar 113. Creio que, nesse particular errou. Se bem que haja indícios de que o
seu casamento com a infanta não durou até a morte dele, não há provas de que
ele tivesse casado de novo.
O professor britânico baseou-se numa escritura de 16 de abril de 1121, em
que um conde D. Fernando deu arras a sua mulher Sancha Gonçalves. Para ele
tratar-se-ia do Fernando Fernandes e duma nova mulher, cuja ascendência não
descobriu.
Ora, manifestamente, aquele “conde Fernando” é D. Fernando Peres de
Trava, bem conhecido da história do nascimento de Portugal.
Na verdade, foi naquele mesmo ano de 1121, que este deixou a mulher
para se deslocar para o condado portugalense, a fim de apoiar e conviver com
D. Teresa, viúva havia nove anos do conde D. Henrique. Tinha sido nomeado
cônsul e dominante de Coimbra e Portucale em 24 de janeiro. E já aqui se encon-
trava, porque figura a assinar um documento, em novembro do mesmo ano de

107
SALAZAR y ACHA, “Politica matrimonial … etc.” cit., p. 333.
108
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc. cit., p. 142.
109
Dado que Fernando Fernandes confirma, em lugar subalterno, um documento de 17 de junho
desse ano e já como conde, em 15 de outubro.
110
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., p. 273.
111
QUINTANA PRIETO, Augusto, Tumbo Viejo de San Pedro de Montes, León, Centro de
Estudios e Investigación “San Isidoro”, 1971, pp. 248 e 267.
112
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 286-287.
113
BARTON, ob. cit., p. 236, nota 4.

287
AuGusTo ferreirA do AmArAL

1121 114. Sancha Gonçalves, a mulher legítima de Fernando Peres de Trava, era
filha do conde asturiano Gonçalo Pais (da linhagem dos Ordonhes das Astúrias),
de sangue real, e da condessa Maior Munhoz 115. As arras seriam decerto uma
compensação pelo divórcio, que se impunha talvez por uma mistura de razões de
Estado com a ambição do Trava.

16 - Fernando Fernandes e a infanta D. Elvira tiveram três filhos 116, a


saber:

- Garcia Fernandes, que morreu entre 1134 e 1136, num dia 16 de julho,
ao que parece sem geração 117;
- Diogo Fernandes, que é mencionado em documentos entre 9 de março
de 1144 e 3 de março de 1159 como tenens de Ribera 118, confirmou
uma doação de sua mãe em 1150-04-29 119, e morreu num dia 1 de
julho, depois de 1150 120;
- Teresa Fernandes, que morreu depois de 1163-04-09, tendo casado em
janeiro de 1141 com o conde Osório Martins, filho do conde Martim
Flaínes e de sua mulher Sancha Fernandes. Deixaram descendência 121.

§ 6º - Mendo Fernandes

Foi atrás referido como filho de Fernando Mendes. Se era irmão do conde
Fernando Fernandes, que acabei de estudar, não é despropositado supor que fosse
o mais velho, em razão dos praenomines de um e doutro.
Pode ser o Menendo (ou Menendus) Fernandiz que figurou como um dos
confirmantes, em 1097-04-14, da doação dum mosteiro, pelo rei Afonso VI à
igreja de Santa María de Leão 122, e da doação, pelo mesmo rei, do burgo de

114
LÓPEZ SANGIL, ob. cit., p. 84.
115
TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 112.
116
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 276, e BARTON, Simon, ob. cit., p. 236.
117
ibidem.
118
QUINTANA PRIETO, Tumbo Viejo … etc. cit., pp. 261, 262, 264 e 266.
119
ibidem, p. 273.
120
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 276.
121
BARTON, ob. cit., p. 271, e CALDERÓN MEDINA, ob. cit., p. 163.
122
GAMBRA, ob. cit., p. 364.

288
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Travadela (a norte de Sanabria), à igreja de Santiago de Compostela, em 1103-


02-10 123.
Mas várias alusões documentais portuguesas a um Mendo Fernandes,
destacado apoiante de Afonso Henriques desde a primeira hora, em 1128, 1129
e entre 1137 e 1139 124, são relativas a outra personagem - Mendo Fernandes de
Marnel, cunhado de Soeiro Mendes, o “Grosso” 125.
Ignoro a existência de documento coevo que indique que era sua a tenência
de Bragança 126. Pizarro admite que pudesse ter sucedido a seu pai como gover-
nador dessa terra, se é que não tinha morrido em vida dele 127.
Segundo o Livro do Deão e o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, este
Mendo Fernandes casou com D. Sancha Viegas de Baião, filha de D. Egas
Gondesendes de Baião, mordomo da “rainha” D. Teresa de Portucale. Não sei de
confirmação documental de tal dado; mas do mesmo modo não enxergo motivo
para pô-lo em crise.
Conhecem-se-lhe cinco filhos, ao que parece legítimos: Fernando, que
adiante será tratado, Mendo, Rodrigo, Urraca e Nuno.

§ 7º - Mendo de Bragança

A existência deste Mendo, filho de outro Mendo, que normalmente deveria


ser conhecido como *Mendo Mendes de Bragança, não é isenta de dúvidas. Mas
foi sugerida e bem fundamentada por Soares Machado, para desfazer a confusão,
feita por alguns autores, com Mendo Fernandes, que afinal era seu pai, filho de
Fernando Mendes 128, e pelo facto de não poder ser neto de Fernando Mendes, o
“Bravo” 129.
Pelo elenco de documentos consultados se vê que foi alferes de D. Afonso
Henriques entre 1134 e 1148 nessa qualidade tendo confirmado vários documentos.

123
ibidem, p. 444, e LUCAS ÁLVAREZ, Manuel, La documentación … etc. cit., p 197.
124
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., pp. 117, 189 e 520.
125
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, série Reis de Portugal, Círculo dos Leitores, 2006, p.p.
41 e 44; ver também SOARES, Delfim Bismarck, na sua notável obra A Terra de Vouga nos
séculos IX e XV. Território e Nobreza, Aveiro, 2008, pp. 184, 186 e 187; e Documentos Medievais
Portugueses. Documentos régios, cit., tomo I, pp. 62, 110, 189, e tomo II, p. 520.
126
MATTOSO, José, Ricos-homens … etc. cit., p. 66, no entanto, atribui-lhe tal governo.
127
PIZARRO, Sottomayor, “A família … etc.” cit., pp.853-854.
128
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 82-85.
129
ibidem, p. 84, e nota 94.

289
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Ao que parece, depois deste último ano e antes da segunda metade de 1152
passou ao serviço do rei de Leão, onde confirmou documentos e recebeu a quali-
dade de alferes não depois de 1153. Logo após a morte de Afonso VII, o filho e
sucessor Fernando II, escolheu-o para o mesmo cargo em 21 de agosto de 1157 130.
Em março de 1159 ainda confirmou um documento como alferes do rei
leonês. Mas em 23 de maio seguinte, já esse cargo era exercido por outro 131.
Inés Calderón acrescenta outras menções em documentos leoneses, das
quais a última é de 12 de maio de 1161 132.
Vê-se, portanto, que esta personagem nunca foi nomeada pelo patroní-
mico 133, ao contrário do que nos nossos dias tem sido escrito 134.
Nem mesmo numa confirmação de julho de 1146 (ou 1147). Não parece
estar nela escrito um patronímico. Mas mesmo que estivesse, não seria decerto
Fernandi.
Entre o Menendus e o Bargantia, aparece a estranha palavra fintandi. Nela
talvez tenha José Mattoso visto uma corruptela de Fernandi, o que explicaria que
o insigne mestre haja geralmente designado o alferes de D. Afonso Henriques
com o nome Mendo Fernandes de Bragança. Desconheço em que outro docu-
mento com o patronímico Fernandes possa ter-se baseado.
Que a palavra em causa seja uma má leitura do original, parece inquestio-
nável, pois fintandi não aparece em mais documento medieval algum, que eu saiba.
Além disso, tenha-se em conta que Rui de Azevedo manifestou sérias
dúvidas sobre a própria autenticidade do documento 135.
Por outro lado, este apenas é conhecido através de duas cópias, dos sécs.
XVII e XVIII, as quais contêm «erros comuns» e «algumas palavras muito
deturpadas» 136.
Na cópia portuguesa a menção em questão é lida por Reuter 137 como
Menendus furtandi Bragantiae alferes; e na cópia francesa a leitura feita pelo editor
do documento foi Menendus … Burguncia Alterei, sem conseguir portanto,
sequer, ler a palavra que se segue a Menendus.

130
ibidem, pp. 21-22.
131
ibidem, p. 185.
132
CALDERÓN MEDINA, ob cit., p. 205.
133
ibidem, p. 203.
134
MATTOSO, José, Ricos-Homens … etc. cit., p. 67, e VENTURA, Leontina, A Nobreza de Corte
… etc. cit., vol. I, p. 339, nota 2.
135
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., vol. I., tomo II, p. 703.
136
ibidem, p. 702.
137
REUTER, Abiah Elisabeth, Chancelarias medievais portuguesas, vol. I, Coimbra, 1938.

290
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Donde, é evidente que a palavra fintandi (segundo a leitura de Rui de


Azevedo) não oferece qualquer confiança para que, com base nela, se conjecture
tratar-se duma deturpação de Fernandi. De resto, se pudesse suportar qualquer
correcção meramente conjectural (por se pressupor uma erro de cópia), por que
não para o gerúndio de algum verbo parecido; ou mesmo para o patronímico
Menendi ?
Não se justifica, pois, que se tire deste documento indicação de que o
nome de Mendo de Bragança fosse Mendo Fernandes de Bragança.
Para explicar a exclusão do patronímico nas referências documentais acima
apontadas para esta personagem, sugere Soares Machado que tal poderia dever-
-se à tendência para dispensar um patronímico semelhante ao praenomen, ou seja
Menendi (Mendes). E é uma possível explicação.
Mendo de Bragança casou, segundo o Livro Velho, com D. Gontinha Soares
da Maia, filha de D. Soeiro Mendes da Maia, o “Bom” 138. Essa informação é omissa
no Livro do Deão e no Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Soares Machado
dá-lhe crédito pois, em matéria de genealogia dos Bragançãos, o Livro Velho se apre-
senta geralmente mais credível do que os outros dois, apreciação à qual adiro.
No entanto, no caso presente, a descendência apontada pelo Livro Velho é muito
duvidosa, sendo difícil de explicar o praenomen do filho varão (Ponce). Com efeito,
não encontro qualquer notícia que permita supor uma aliança matrimonial com uma
dona da família de algum dos dois próceres do rei de Leão que tinham tal praenomen,
ambos catalães de origem: os condes Ponce de Cabrera e Ponce de Minerva 139.

§ 8º - Rodrigo Mendes de Bragança

Confirmou documentos de D. Afonso Henriques em 3 de janeiro de


1130 e em 2 de novembro de 1132, como “dominus Sene” (senhor de Seia) 141.
140

Por carta de 26 de março de 1135, D. Afonso Henriques deu-lhe, a ele,

«strenuo et dilecto militi quem cordis mei totis visceribus a fixum teneo»,
«pro amore cordis mei et pro servitio quod michi fecisti et facies»,

138
Segundo o “Livro Velho de Linhagens”, cit., pp. 55 e 58, que aponta também a descendência.
139
BARTON, ob. cit., pp. 284 e 286.
140
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., tomo I, p. 129.
141
ibidem, p. 151.

291
AuGusTo ferreirA do AmArAL

as duas vilas de Figueirolas, junto ao rio Maçãs em Aliste 142. Terá participado na
batalha de Ourique, indo na vanguarda com o rei 143.
Participou com seus irmãos Fernando e Nuno na batalha de Ourique,
acompanhando na vanguarda D. Afonso Henriques. É o que diz frei António
Brandão, que vai mesmo ao ponto de pormenorizar:

«Os fidalgos que acompanharaõ a el Rey Dõ Afonso Henriques na


vaõguarda saõ os nomeados abaixo conforme a memoria de Santa Cruz
que nos veio â mão. Fernão Mendez de Bragança, Ruy Mendez, & Nuno
Mendez seus irmãos … etc.» 144.

Neste particular, pelo menos, a fonte, posto que hoje desconhecida, salvo
pela dita referência daquele seguro historiador alcobacense, merece bom crédito 145.
Um documento supostamente de 29 de dezembro de 1144, relativo a um
alegado couto do mosteiro de Castro de Avelãs, com a sua confirmação, não
conta, pois é manifestamente falso 146.
Segundo o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, travou um combate com
seu irmão Fernando, tendo sido cegado e depois morto. Se assim foi, tal ocorreu
depois da primavera ou do verão de 1139, data da dita batalha de Ourique 147.
Não consta que tenha deixado descendência.

142
ibidem, tomo II, Lisboa, 1962, pp. 788 e 789, e ALFONSO Antón, ob. cit., p. 293, e
MOURINHO, António Maria, “Acção e influência dos monges de S. Bernardo no Nordeste-
Transmontano (ss. XII-XVI), partindo de Santa Maria de Moreruela, em Leão”, Brigantia, vol.
XXII, nº 3/4, Bragança, 2002.
143
Segundo BRANDÃO, frei António, Terceira Parte da Monarchia Lusitana, Lisboa, 1632, p.
123, que se baseou, segundo diz, numa «memoria de Santa Cruz que nos veio á mão»; sobre a
credibilidade de frei António Brandão ver, além do mais, BASTO, Artur Magalhães, “As fontes
de Frei António Brandão”, introdução à Crónica de D. Afonso Henriques de Rei António Brandão,
Porto, Livraria Civilização, 1945, p. XII, e SERRÃO, Joaquim Veríssimo, A historiografia
portuguesa, Lisboa, Editorial Verbo, vol. II, 1973, p. 58.
144
BRANDÃO, frei António, loc. cit.
145
VEIGA, A. Botelho da Costa, “Investigação sobre combatentes d’Ourique em documentos
medievais”, separata da Nação Portuguesa, Série V, tomo I, Lisboa, 1928.
146
ibidem, p. 257.
147
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, Rio de Mouro, Círculo dos Leitores, série Reis de
Portugal, 2006, p. 118.

292
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

§ 9º - D. Nuno Mendes de Caria

Participou com seus irmãos Fernando e Rodrigo na batalha de Ourique,


acompanhando na vanguarda D. Afonso Henriques 148.
Almeida Fernandes abriu caminho para o conhecimento da sua descen-
dência com base em documentos 149, já que os livros de linhagens estão nesse parti-
cular longe de coincidir. Mattoso e Soares Machado também se ocuparam deles.
Parece indubitável que D. Nuno Mendes de Caria casou com D. Dordia
Mendes de Ribadouro, filha de Mendo Moniz de Ribadouro e de D. Gontinha
Mendes. E que tiveram pelo menos dois filhos, Mendo Nunes Gago, Sancho
Nunes, e duas filhas, Teresa Nunes 150, e outra, que pode ser identificada com
Urraca Nunes, casada com D. Paio Moniz de Cabreira, pais de Maria Pais, a
“Ribeirinha”, concubina de D. Sancho I 151.
O Mendo Nunes foi certamente o que, com esse nome, outorgou em 1199
a carta de filiação do mosteiro de Couto de Avelãs 152, como bem observa Soares
Machado 153.
Sobre o Sancho Nunes poderia suscitar-se a hipótese de ter sido ele
o fundador da estirpe de Barbosa, que pelos genealogistas veio a ser chamado
Sancho Nunes de Barbosa, já que a honra de Barbosa teve origem em bens dos
Ribadouros. E a identificação, que tem sido preferida pelos genealogistas, do D.
Sancho Nunes de Barbosa com D. Sancho Nunes de Celanova, que casou com
uma irmã de D. Afonso Henriques, não pode cronologicamente ser admitida,
pois este último morreu cerca de 1130 154.
Porém, tal hipótese parece inadmissível, uma vez que, segundo documento
credível, o referido D. Sancho Nunes de Barbosa casou com D. Teresa Mendes,

148
BRANDÃO, frei António, ob. cit., p. 123.
149
FERNANDES, A. de Almeida, Livro das Doações de Tarouca, I/2, Braga, 1992, pp. 98 e nota
113, e 526-532.
150
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, cit., p.
296, e MEIRELES, Frei António da Assunção, Memórias do Mosteiro de Paço de Sousa & Index
dos Documentos do Arquivo, publicadas por PIMENTA, Alfredo, Lisboa, Academia Portuguesa
da História, 1942, pp. 112-113.
151
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 184-198 e 247-249, expõe esta parte genealógica minuciosa
e correctamente, distinguindo esta Urraca Nunes de uma outra, que foi casada com Fernando
Peres de Lumiares.
152
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
153
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 186 e segs.
154
Nesse sentido ver PIZARRO, Linhagens … etc. cit., vol. I, pp. 531-532.

293
AuGusTo ferreirA do AmArAL

também filha de D. Mendo Moniz de Ribadouro e de D. Goinha Mendes 155 e foi


chamado “de Barbosa” porque a sua mulher ficara com tal quintã em partilha dos
bens dos Ribadouro. E esse, como do mesmo documento se vê, não era o filho de
Nuno Mendes de Caria, nem podia sê-lo pois não poderia estar casado com uma
tia direita materna.
O Sancho Nunes filho de D. Dordia, se é que casou e teve geração – do que
não há rasto – não foi o mencionado Sancho Nunes de Barbosa.

§ 10º - D. Fernando Mendes de Bragança, o “Bravo” 156

Em 25 de julho de 1124 confirmou uma doação de D. Teresa 157. Em


12 de janeiro de 1127 confirmou outra doação de D. Teresa, duma herdade
em Fatúncias, concelho de Chaves 158, o que faz supor que exercia a tenência
desta cidade. Em 8 de julho de 1128, como tenens de Bragança, confirmou
duas doações de D. Afonso Henriques 159. Em 1129 confirmou a outorga por
D. Afonso Henriques, se é que não outorgou mesmo conjuntamente com ele,
do foral a Trevões 160. Em 25 de junho de 1130 outorgou, com os filhos, foral
a Numão 161. Em 17 de setembro de um ano entre 1129 e 1135 confirmou
uma doação de D. Afonso Henriques, rei 162. Em 1131 era tenens de Bragança
e, ao que parece, de Zamora, embora aqui como substituto do conde Rodrigo
Martins 163. Em 12 de abril de 1136 164, aparece em Zamora, a confirmar, junta-
mente uma série de bispos, condes e magnates e vários cavaleiros salmantinos
e zamorenses, uma doação do imperador Afonso VII de Leão e Castela à sé de
Salamanca, assim como outro documento em 1137 165.
Esta tenência de Zamora tem que se lhe diga.

155
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, cit., p. 295.
156
“Livro Velho de Linhagens”, cit., p. 59.
157
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., p. 83, e Liber Fidei, cit., tomo II, p. 282.
158
Liber Fidei, cit., tomo II, p. 99.
159
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., pp. 114 e 116, e AZEVEDO, Luís
Gonzaga de, História de Portugal, cit., vol. 3º, p. 151.
160
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, vol. I, parte II, Lisboa, 1917, p. 1095.
161
Portugaliae Monumenta Histórica, Leges et Consuetudines, vol. I, Lisboa, 1868, pp. 368-370.
162
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 127.
163
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc. cit, p. 194.
164
ibidem.
165
ibidem.

294
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Em 4 de fevereiro de 1129 dela era tenens Ponce de Cabrera 166. Mas logo
em 1131 era-o Fernando Mendes de Bragança. Em 12 de fevereiro de 1140
tinha-a novamente Ponce de Cabrera, que aí se mantinha em 7 de abril, em 6
de junho de 1142 e até 1157. Não obstante, há notícia documental de que a
tenência da fortaleza pertencia ao conde Rodrigo Martins entre 1130 e certo
dia do ano de 1135 167. E de que em 1146 metade de tal tenência pertencia a
García García de Aza 168. São difíceis de explicar tais mudanças e discrepân-
cias. Cinjo-me por isso a sugerir apenas, que a tenência de Zamora haja sido
objecto de importantes hesitações por parte do poder real e que tenha havido
mesmo alguma disputa, não sei se surda, se declarada, entre Ponce de Cabrera
e Fernando Mendes, em inícios da década de 30.
Fernando Mendes de Bragança, o “Bravo”, surge a confirmar outra doação
de D. Afonso Henriques em dezembro de 1138 169, outras de D. Afonso Henri-
ques “rei”, em 19 de abril 170 e 7 de julho de 1140 171, em 29 de março 172 e 11 de
novembro de 1141 173, em 29 de dezembro de 1144 174 e 29 de julho de 1145 175,
sendo tenens de Bragança.
Em de junho de 1145, com a sua mulher, a infanta D. Sancha, e com os
filhos (dele), fez carta de doação do castelo de Longroiva, com todos os termos
antigos que lhe pertenciam, à ordem do Templo 176.
Em 5 de abril de 1147, ele e sua mulher, a referida infanta, deram o assen-
timento à concessão de couto em Agostém, concelho de Chaves, à sé de Braga 177.

166
Para as notícias documentais sobre a tenência de Ponce de Cabrera, segui FERNÁNDEZ-
XESTA, ob. cit., pp. 82-83, levando em conta as observações de BARTON, Simon,
“Comes et maiordomus Imperatoris: más apuntes sobre la vida del Conde Ponce Giraldo de
Cabrera”, Anales de la Real Academia Matritense de Heráldica y Genealogía, vol. III, Madrid,
1994-1995, pp. 9-20, que para o presente caso não afectam os dados fornecidos por aquele
autor.
167
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc cit., p.173.
168
ibidem, p. 187.
169
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 203.
170
ibidem, p. 216.
171
ibidem, p. 223.
172
ibidem, p. 229.
173
ibidem, p. 233.
174
ibidem, p. 257.
175
ibidem, p. 260.
176
ALBOM, Marquis d’, Cartulaire général de l’Ordre du Temple 1119?-1150, Paris, 1913, pp. 230-231.
177
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 273.

295
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Em junho de 1147 confirmou o instrumento escrito dum pacto entre o rei


e os cruzados 178 e em 21 de julho de 1151 o duma venda régia 179.
Deu o seu conselho à outorga dum foral régio em 1 de janeiro, entre 1155
e 1157 180.
E o mesmo fez para o foral de Freixo de Espada à Cinta 181, mas como não
confirmou a respectiva carta régia, é possível que à data da outorga deste tivesse
já morrido.
Uma carta do arcebispo de Braga para o de Compostela, talvez de 1133,
alude aos votos da terra de Fernando Mendes («terra Ferdinandi Menendiz»), os
quais o bispo do Porto nunca teve («illa terra Ferdinandi Menendici nunquam
habuit Portugalensis Episcopus») 182.
Desde 1128 até pelo menos 1145 foi pois tenens de Bragança e, entre 1131
e 1137, pelo menos, foi-o de Zamora. Em 1147 era-o também de Montenegro.
Participou com seus irmãos Rodrigo e Nuno na batalha de Ourique, acom-
panhando na vanguarda D. Afonso Henriques 183.
E certamente acompanhou o rei na conquista de Lisboa em 1147, o que
se indicia pelo facto de ter confirmado o pacto com os cruzados. Foi senhor de
Bragança e Lampaças, Chaves, Monforte de Rio Livre e terras a leste da região de
Lamego.
Deve ter morrido pouco depois de 1159.
Dele escreveu o autor, não identificado, da Crónica de cinco Reis de Portugal,
texto quinhentista:

«e outra filha ficou hi do conde dom henrrique que auia nome Doña Sancha
que foi casada com Dom Fernam mendes. Este conde Dom Fernando era
em aquella sazão o milhor homem Despanha que rej naõ fosse, e per esta
razaõ se alçou toda a terra a Dom Affonso henrriquez com sua madre» 184.

178
ibidem, p. 274.
179
ibidem, p. 289.
180
ibidem, p. 309.
181
VENTURA, Leontina, e OLIVEIRA, António Resende de, Chancelaria de D. Afonso III,
Coimbra, 2011, Livros II e III, pp. 51-55.
182
Historia Compostelana, edição por FALQUE Rey, Madrid, 1994, p. 542; texto publicado em latim
por FLÓREZ, Enrique, España Sagrada, Madrid, Revista Agustiniana, 2006, tomo XX, p. 733.
183
BRANDÃO, frei António, ob. cit., p. 123.
184
Crónica de Cinco Reis de Portugal, de autor anónimo quatrocentista, ed. BASTO, A. de
Magalhães, Livraria Civilização, Porto, 1945, pp. 53-54; o qualificativo usado no texto para D.
Fernão Mendes - “melhor homem de Espanha que rei não fosse” - usara-o um autor medievo,
mas para referir-se ao conde D. Fernando Peres de Trava, pelo que é natural que este autor
quatrocentista haja feito confusão ao referir-se ao Braganção.

296
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Verifica-se assim que, ao passo que Mendo Fernandes pertencera à corte de


Afonso VI, mas não aparece em documentos do condado portucalense, os quatro
irmãos Mendes, dele filhos, aderiram decididamente ao partido autonómico do
condado portucalense, quer primeiramente sob D. Teresa, quer sob D. Afonso
Henriques, logo que este assumiu a liderança desse partido. Foram magnates ou
próceres do nosso primeiro rei, sobretudo depois de ter sido batido o exército
do Trava em S. Mamede (1128) 185. Um deles (Fernando), senhor da terra de
Bragança, casou mesmo com a irmã de D. Afonso Henriques; outro (Mendo) foi
alferes e dapifer do rei fundador 186; outro (Rodrigo), era dileto combatente pelo
fundador de Portugal e senhor de Seia e de Figueirolas; e outro (Nuno) participou
na batalha de Ourique.
Casou o “Bravo” duas vezes: a 1ª com D. Teresa Soares da Maia, filha de D.
Soeiro Mendes da Maia, o “Bom”, e de D. Gontrode Moniz; a 2ª, sem geração 187,
depois de julho de 1129 188 e até, provavelmente, depois de 23 de março de
1142 189, e antes de abril de 1147 190, com a infanta D. Sancha Henriques, irmã do
rei D. Afonso Henriques e viúva de D. Sancho Nunes, falecido em 1130 191, filho
do conde D. Nuno Velasques (de Celanova) e de D. Fronilde Sanches 192.

185
Não valerá contra esta conclusão o argumento de que em 1136 Fernando Mendes confirmou
um documento de Afonso VII “Imperador”; isto porque tal documento é de Zamora e diz
respeito a doações à sé de Salamanca, territórios de que D. Afonso Henriques se não considerava
rei; e tal confirmação poderá justificar-se pelo facto de Fernando Mendes ser também senhor ou
tenens de terras situadas nesses territórios.
186
Se bem que, mais tarde, se tenha passado para o serviço do rei de Leão, como se verá.
187
Como sempre foi dito pelos genealógicos; não vale em contrário a menção dos filiis meis que
Fernando Mendes fez, na doação de Longroiva em 1145, acima referida, pois, se esses filhos
fossem de sua segunda mulher, mais provavelmente teria dito filiis nostris.
188
Uma vez que em 1129-07-15 a infanta D. Sancha Henriques estava casada com Sancho Nunes
(de Celanova), como se alcança da venda que eles fizeram, ao mosteiro de Ferreira de Pantón, de
várias herdades no território de Lemos, publicada por FERNÁNDEZ DE VIANA y Vieites, ob,
cit., p. 23.
189
Data em que outorgou uma doação em Zamora, sem que interviesse ou fosse mencionado
marido ou filhos, a qual foi publicada por FERNÁNDEZ CATÓN, Colección … León … etc.
cit., V, pp. 207-208.
190
Data em que, como acima disse, figuram num documento Fernando Mendes e sua mulher D.
Sancha Henriques.
191
PIZARRO, Sottomayor, Linhagens … etc. cit., vol. I, p. 529, e FERNANDES, A. de Almeida,
Livro das doações de Tarouca, I/2, Braga, 1992, pp. 518 e 528.
192
Todas as testemunhas, na 3ª alçada das inquirições de D. Afonso III concordaram com o
seguinte: «Fernandus Gonsalvi juratus et interrogatus dixit quod, ut ipse audivit semper, villa de
Trevoes fuit regalenga, et Dominus Rex Alfonsus, proavus Domini Alfonsi Portugalie et Comitis
Bolonie, dedit villam de Trevoes sedi de Lameco. Et addit etiam quod Dominus Rex Alfonsus,
proavus predicti Regis Alfonsi Portugalie et Comitis Bolonie, dedit istam villam de Trevoes ad

297
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Note-se que, entre a data em que tenha casado com a dita irmã de D.
Afonso Henriques, e o nascimento do primeiro filho legítimo do rei, em 1147
(D. Henrique), D. Fernando Mendes de Bragança deveria ser o maior apoio com
que o rei podia contar para, no caso de morrer sem geração, lhe suceder sua irmã
D. Sancha Henriques. Havia uma irmã mais velha, D. Urraca Henriques, mas
dificilmente o fundador na nacionalidade veria nela uma sucessora, visto que
era casada com Bermudo Peres de Trava, irmão do magnate galego Fernando
Peres de Trava, contra cuja ingerência em Portugal ele tão decisivamente lutara.
O Braganção haveria de, aos olhos de D. Afonso Henriques, poder assegurar
melhor a independência, nessa época ainda tão periclitante, no caso de ele
próprio morrer sem deixar descendência. Além do mais, comandava uma pode-
rosa mesnada e estendia as terras que senhoriava por toda a fronteira noroeste
do novo reino.
Do primeiro casamento teve Fernando Mendes de Bragança pelo menos
um filho e uma filha que parece ter casado e deixado descendência 193. Abordemos
aquele.

§ 11º - D. Pedro Fernandes de Bragança I

Este filho varão de Fernando Mendes o “Bravo” - o único que se acha iden-
tificado em documentos - nasceu provavelmente antes de 1130 pois, nesse ano,
seu pai outorgou foral a Numão «una cum filiis meis» 194.

populandum per suam cartam de foro, quam dedit populatoribus predicte ville cum Donno
Fernando Menendi et cum Donna Sancia Anriquiz. Et nos inquisitores vidimus cartam Domini
Regis Alfonsi de foro, et de qua est noticia in roolo, que fuit facta sub Era.M.C.Lx.vij. Et
modo sedes de Lameco habet istam villam et ecclesiam, et nullum forum facit Regi» (Portugaliae
Monumenta Historica, Inquisitiones, vol. I, parte II, Lisboa, 1917); mas este texto não impõe
necessariamente a interpretação de que nesse foral, que se presume bem datado de 1129, D.
Sancha Henriques tivesse sido declarada mulher de Fernando Mendes; não pode pois tirar-se
deste documento a conclusão de que o casamento deste com ela se tenha efectuado ainda no ano
de 1129, hipótese que pressuporia que o foral tivesse sido outorgado para o final do ano, que
Sancho Nunes, o 1º marido de D. Sancha Henriques tivesse morrido no 2º semestre desse ano e
que, sem qualquer período de turbatio sanguinis, ainda nesse ano houvesse casado de novo com
Fernando Mendes, pressupostos que à primeira vista parecem demasiado exigentes.
193
Fernando Mendes pode ter tido mais do que um filho e uma filha, uma vez que na citada doação
de Longroiva de 1145, a palavra filiis, na expressão una cun filiis, poderia significar dois ou mais
filhos varões, e não um filho e uma filha, ou um filho e duas ou mais filhas (caso em poderia ter
usado *cum filio et filia ou *cum filio et filiabus); mas não achei documento que os identificasse.
194
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 370.

298
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Sabe-se também que D. Pedro Fernandes de Bragança I e a mulher, a


condessa, doaram a vila de Barcer à Ordem do Hospital.
Por um documento sem data, mas lavrado entre 1145 e 1175, se verifica
que foi excomungado pelo arcebispo de Braga, por ter usurpado bens da respec-
tiva sé, situados em terra sua, a saber: a albergaria de Fonte Fria, com a igreja e a
vila, na terra de Aliste, que a igreja de Braga tivera em tempo de Mendo Fernandes
e de Fernando Mendes (evidentes avô e pai do dito Pedro Fernandes); a albergaria
de Paradela, com a vila e a igreja, em terra de Miranda do Douro; a albergaria de
Pereda, sobre o rio Sabor; duas partes da igreja de Bornes; e a albergaria na raiz do
monte Orelhão com a sua vila e igreja 195.
Soares Machado suscitou a hipótese de ter sido ele, e não o leonês D. Pedro
Fernandes de Castro, quem ficou incumbido, pelo acordo de maio ou junho de
1194, entre os reis de Portugal e de Leão, de ter à sua guarda os cavaleiros de
ambos os reinos, reféns para garantirem a execução desse acordo 196. Invocou bons
argumentos. Porém, creio que não tem razão.
O acordo 197 menciona claramente dois Pedros diferentes: um - o “conde D.
Pedro” - que ficou encarregado de reter os ditos reféns e que é realmente declarado
vassalo do rei de Portugal; outro - o “Pedro Fernandes” - que ficara com a guarda
dos castelos de Alba de Liste e de Lobarzana, os quais por força do acordo, deve-
riam ser devolvidos ao rei de Leão. Ora este Pedro Fernandes é manifestamente
o de Bragança.
Por sua vez, a melhor alternativa para este D. Pedro, conde, é D. Pedro
Fernandes de Castro. Era primo direito de Afonso IX, filho da infanta de Leão
Estefânia Afonso e neto materno do rei Afonso VII 198. Não há então quer em
Portugal, quer em Leão, nenhum outro conde com tal nome. E mesmo que,
forçando algo a letra do documento (que lhe não nomeia patronímico), se entenda
que tal conde era um D. Pedro Fernandes, importa reconhecer que nenhum outro
Pedro Fernandes, nos dois reinos, oferece melhores condições para corresponder
ao garante do mencionado acordo. O primeiro mestre da Ordem de Santiago, D.
Pedro Fernandes, não pode ser, pois morrera já em 1184 199.

195
Liber Fidei, publicado por COSTA, Avelino de Jesus da, tomo II, Braga, 1978, pp. 110-111.
196
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., pp. 113 a 116, e MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 136 a 142.
197
Publicado por PEREIRA, Marcelino, “Um desconhecido tratado entre Sancho I de Portugal e
Afonso IX de Leão”, Revista Portuguesa de História, tomo XVII, II, Coimbra, 1977, pp. 132 a
134, e por AZEVEDO, Rui de, COSTA, Avelino de Jesus da, e PEREIRA, Marcelino Rodrigues,
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., pp. 113 a 116.
198
Veja-se o que sobre ele diz TORRES SEVILLA, ob. cit., pp. 92-93.
199
RADES y Andrada, frei Francisco de, Chronica de las tres Ordenes y cauallerias de Santiago-
Calatraua y Alcantara, Toledo, 1572, p. 16v.

299
AuGusTo ferreirA do AmArAL

E o nosso D. Pedro Fernandes Braganção não era certamente, pois estava


no próprio documento identificado de forma bastante diferente e incumbiam-lhe
funções bem diversas, nas cláusulas de garantia do acordo.
Como se viu, pelo menos entre 1168 e 1178, este era tenens de Bragança;
e, pelo menos em 1186, tenens de Viseu.
Foi mordomo e dapifer da cúria de D. Sancho I ainda no reinado do rei seu
pai, entre 1169 e 1175 200.
O último documento, hoje subsistente, que ele confirmou, está datado de
13 de junho de 1294 201. Terá provavelmente morrido na segunda metade desse
ano ou pouco depois.
Casou com a condessa D. Froilhe Sanches de Celanova, filha de D. Sancho
Nunes de Celanova e da referida infanta D. Sancha Henriques, irmã de D. Afonso
Henriques.
Tiveram vários filhos, a saber: Fernando, que a seguir é tratado, Garcia,
Nuno, Vasco, Sancha e Teresa, que serão tratados adiante.

§ 12º - Fernando Peres de Bragança

Era, manifestamente, o primogénito varão de D. Pedro Fernandes de


Bragança I, o que, com lucidez, sustentou Soares Machado.
Será porventura ele o Fernando Peres que interveio como testemunha
de dois documentos régios dos quais foi confirmante seu pai: uma doação em
Tamugia ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, datada de maio de 1159 202 e
uma doação, feita em abril de 1160, de bens em Ladeia ao dito mosteiro 203. E o
mesmo que confirmou em fevereiro de 1178 outro documento régio – a doação
dum reguengo em Ourém 204.
Por outro lado foi certamente ele quem, juntamente com seu pai, confirmou
em 26 de setembro de 1178 confirmou uma doação particular ao mosteiro de San
Martín de Castañeda 205.

200
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, série Reis de Portugal, Rio de Mouro, Círculo dos
Leitores, 2006, p. 283, e BRANCO, Maria João Violante, D. Sancho I, mesma série, Rio de
Mouro, 2005, p. 271.
201
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., p. 112.
202
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 348.
203
ibidem, p. 352.
204
ibidem, p. 435.
205
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, Ángel, El Tumbo del Monasterio de San Martín de Castañeda,
León, Centro de Estudios e Investigación “San Isidoro”, 1973, ob. cit., p. 114.

300
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

O mais provável é que haja morrido em vida de seu pai e, portanto, antes
de 1894.
Segundo um nobiliário medieval, terá casado com uma dona das Astú-
rias 206. Contudo, ignora-se quem ela fosse.
Soares Machado deduziu - e bem, a meu ver - que ele teve pelos menos dois
filhos: um Fernando, outro Pedro. Vejamos o primeiro.

§ 13º - D. Fernando Fernandes de Bragança

A biografia desta personagem enquanto prócere no reino de Leão foi


tratada por Quintana Prieto, em estudo de grande interesse 207. Sottomayor
Pizarro ocupou-se também do assunto com seu rigor e critério habituais 208. Não
obstante, o tema permanece em Espanha ainda perturbado pela confusão, na qual
laboram alguns medievalistas do país vizinho, entre D. Fernando Fernandes de
Bragança e um filho de Fernando Ponce de Cabrera, el Mayor, e neto do conde
D. Ponce Giraldo de Cabrera 209.
O conde D. Ponce de Cabrera provinha dos aragoneses viscondes de
Gerona 210. Viveu porém a maior parte do tempo em Leão, para onde terá ido
no séquito da rainha Berengária quando esta foi casar com Afonso VII. Ali foi
tenens, em 1128 do castelo de Ulver, em 1129 de Sanabria e de Zamora, em
1138 de Cabrera e de Morales, em 1140 de Castro Toraf, em 1146 de Melgar e
de Villalpando, em 1147 de Almería (que conquistou aos mouros), em 1153 de
Toro, em 1156 de Salamanca, em 1159 de Benavente, e em 1161 de Ledesma
e de Ciudad Rodrigo. A partir de 1142 aparece nomeado como conde. Desde
1142 até a morte, com um intervalo em 1158, foi mordomo do rei de Leão.

206
“Livro Velho de Linhagens”, cit., p. 59.
207
QUINTANA PRIETO, Augusto, “Un brigantino en Astorga. Fernando Fernandez de Braganza”,
Brigantia, vol. IV, n.ºs 1/2, Bragança, 1984, pp. 121-157.
208
PIZARRO, Sottomayor, “A família … etc.” cit.
209
FERNÁNDEZ-XESTA y Vázquez, Ernesto, “Dos sellos del linaje de Cabrera en el siglo XIII:
el sello de doña Sancha, Vizcondesa de Cabrera y el sello de don Fernando Fernández”, Actas
del Primer Coloquio de Sigilografía, Madrid, 1990, pp. 329-342, e Un magnate … etc. cit.,
BECEIRO PITA, Isabel, “Los poderes señoriales en los territórios fronterizos al norte del Duero
(siglo XIII-inicios del XIV)”, História, série II, vol. 15, nº 2, Madrid, 1998, 1086 a 1093, e
CALDERÓN MEDINA, ob. cit., pp. 218 a 227.
210
Este dado e os que se seguem, que integram o essencial do que é conhecido da biografia de D.
Ponce de Cabrera, baseiam-se no notável estudo de FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc.
cit., acima citado.

301
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Morreu provavelmente na segunda metade de 1162. Teve dois filhos com o


nome Fernando. O mais velho era do 1º matrimónio (com uma D. Sancha) ficou
conhecido como D. Fernando Ponce, “el Mayor”, e morreu em 1180. O mais
novo era do 2º matrimónio (com D. Maria Fernandes) e ficou conhecido como
D. Fernando Ponce, el Menor. Teve a dignidade condal desde 1184. Foi tenens:
em 1184 de Límia, em 1187 de Límia e de Lemos, em 1192 de Extremadura.
Não consta que tenha tido filho algum com o nome Fernando. Mas teve-o, sim,
seu irmão el Mayor.
Com efeito, um Fernandus Fernandez, fez uma doação em 1198-02-
23 211, na qual se declarou “filius Fernandi Poncii et nepos Comitis Poncii de
Cabrera” 212. Em 1199, um Fernandus Fernandiz doou ao mosteiro de Castañeda,
uma herdade na vila de Gallende «pro remedium anime mee et patris mei et auio
meo comiti domno Pontio qui eam adquisiuit» 213. E em 1202-07-07 Fernando
Fernandes, neto do conde Poncio e filho de Fernando Ponce (o Mayor), doou
bens a Nogales, a confiar num traslado feito em fins do séc. XIV 214. Depois disso,
porém, desconheço documento que mencione um Fernando Fernandes neto de
Ponce de Cabrera.
Fernández-Xesta arrasta tal identificação para outros documentos poste-
riores, mas sem fundamento. Logo o imediato, de 1204, é uma doação à igreja
de Moreruela feita por um «Fernandus Fernandi una cum uxore mea domna
Maria» 215, que é seguramente o de Bragança, que foi casado com uma D. Maria
Peres 216.
O mesmo autor identifica depois o dito neto do conde Ponce de Cabrera
com o Fernando Fernandes mordomo do rei, mencionado em dois documentos
do arquivo do mosteiro de Moreruela 217. Para tanto, entendeu que, evidenciando
tais documentos que o dito Fernando Fernandes usara em 1222, ao assinar, um
selo em cujo verso figurava uma cabra, e como esta era, já então, expressão herál-

211
Conhecido por cópia posterior, em Mondéjar, Colección Salazar y Castro, B-3, citado por
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 72 e 189.
212
Mondéjar, como consta da Colección Salazar y Castro, B-3, loc. cit., e RODRÍGUEZ
GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 227-228; é provável que lhe diga respeito também o registo duma
outra doação, em 1198, por um «D. Fernando Fernandez, hijo de D. Fernan Perez, el mayor»,
se Perez for erro de cópia por Poncii, em FERNÁNDEZ DURO, Cesáreo, Memorias históricas
de Zamora, su província y su Obispado, tomo I, p. 404.
213
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 227-228.
214
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 65 e 184.
215
Publicados em ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp. 346-347.
216
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., p. 156.
217
ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp. 386 a 389 e 479-480.

302
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

dica falante da estirpe de magnates de origem aragonesa – os de Cabrera - o dito


Fernando Fernandes haveria de ser o neto paterno do conde Ponce de Cabrera 218.
Contudo, os ditos dois documentos podem e devem ser questionados. Não
se conhecem os originais deles, que aliás seriam duas partes de um só. Teriam sido
transcritos numa certidão que subsiste, dita como lavrada em 1281 por um notário
régio chamado Pedro Fernández. Não discuto a autenticidade da certidão, mas
entendo que o documento certificado era falso. Está recheado de declarações inve-
rosímeis. Entre estas, figura a menção de que o documento conteria nada menos
do que quatro selos heráldicos – do rei, do mordomo-mor, do deão de Astorga e
do abade de Moreruela. Para mais, o selo do mordomo-mor é descrito (o que já
em si causa fortíssima suspeita) e parece representativo duma heráldica posterior.
O único Fernando Fernandes que foi mordomo-mor de Afonso IX foi o
de Bragança, como claramente se infere das variadas indicações fornecidas pelo
enorme número de documentos em que ele interveio antes, durante e depois
desse cargo, os quais formam uma sequência cronológica que impõe a inferência
de que se trata da mesma pessoa.
Deve ter morrido pouco depois da confirmação dum documento de 1232-
03-22, uma vez que na carta de foral de Elvas, que só foi passada em maio desse
ano, ele já não assinou 219. Em 1235-05-31, numa doação de D. Sancho II à
Ordem de Santiago já confirmava um outro tenens Braganciam (domnus Valascus
Menendi) 220.
Sintetizando a acção de D. Fernando Fernandes.
Entre 1186 e 1192 confirmou documentos de D. Sancho I, sendo tenens
de Bragança pelo menos desde 1191.
Entre fevereiro de 1193 e dezembro de 1194 confirmou documentos do
rei de Leão Afonso IX, sendo tenens da Extremadura, de Zamora, de Transserra
e de Limia.
Em 1195 já estava de novo sob a autoridade de D. Sancho I, de quem
recebeu no ano seguinte Vimioso e Sezulfe, pelo bom serviço. Era então tenens
de Panoias.
Haviam rebentado as hostilidades entre os reis de Portugal e de Leão. O
último havia tentado a invasão de Portugal pelo nordeste transmontano e cercara
Bragança. Mas D. Sancho I contou com o apoio de vários próceres da região,

218
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 49, 72 e 189.
219
Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 620.
220
BERNARDINO, Sandra Virgínia Pereira Gonçalves Bernardino, Sancius Secundus Rex
Portugalensis.   A Chancelaria de D. Sancho II (1223-1248), Coimbra, 2003 (dissertação de
mestrado em História da Idade Média), p. 278.

303
AuGusTo ferreirA do AmArAL

entre eles o próprio chefe dos Bragançãos, D. Fernando Fernandes, pelo que
logrou repelir o ataque 221.
Este, em abril de 1199 e março de 1203 continuava tenens de Panoias 222.
Voltou depois, entre setembro de 1204 e antes de junho de 1217, a servir
o dito rei de Leão, como um dos seus mais destacados próceres. Foi tenens de
Extremadura, de Transserra, de Zamora, de Villafáfila, de Castro Nuevo, de
Alcañiz, de Limia, de Benavente, de Castro Torafe, de Sanabria e de Alba de
Liste.
Veio a ser um dos 14 cavaleiros encarregados de ter os castelos do rei de
Leão Afonso IX em situação de fiança ao de Castela, Afonso VIII, como cláusula
do tratado de paz entre ambos assinado naquele último ano. E desempenhou o
cargo de signifer (alferes) do rei.
Em 1 de janeiro de 1214, o mesmo rei Afonso IX, deu-lhe, para sempre, a
herdade de Villanova, em Freiras, «pro bono et grato servicio quod mihi fecistis
in terra sarracenorum et aliis multis locis» 223. Os serviços invocados, para Sotto
Mayor Pizarro, teriam envolvido a participação na batalha de Navas de Tolosa,
mas tal hipótese é muito duvidosa, uma vez que nem o rei de Leão nem o
de Portugal participaram nessa grande peleja contra os almohadas. Do lado
cristão o exército vitorioso era composto pelo exército do rei de Castela, Afonso
VIII, pelos dos reis Pedro II de Aragão e Sancho VIII, o “Forte”, de Navarra,
e por um contingente de europeus estranhos à Península Ibérica 224. Afonso
IX de Leão não quis participar porque exigia que, primeiro, o seu homónimo
de Castela lhe devolvesse algumas povoações que lhe havia tomado no âmbito
de lutas internas que entre ambos havia algum tempo ocorriam e aproveitou
até a campanha de Navas de Tolosa para retomar alguns desses castelos 225. Os
serviços em terra dos sarracenos poderiam ter sido a campanha que, reconci-
liado com Afonso VIII, Afonso IX levou a cabo no outono de 1213, em que
tomou Alcántara e pôs cerco a Cáceres 226. Alcántara foi entregue à Ordem de
221
Ver BRANCO, Maria João Violante, ob. cit., pp. 153 e 156, e MARQUES, Maria Alegria, e
SOVEREIRA, João, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I. Afonso II,
Gijón, 2009, pp. 87-89.
222
COSTA, Avelino de Jesus da, O Bispo D. Pedro e a organização da Diocese de Braga, Universidade
de Coimbra, 1959, vol. I, p. 125.
223
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 400-401, e ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp.
376-377.
224
HUICI MIRANDA, Ambrosio, Las grandes batallas de la reconquista durante las invasiones
africanas, edição fasimile, Granada, 2000, p. 255.
225
ibidem, p. 276.
226
LOMAX, Derek, The reconquest of Spain, London and New York, 1978, p. 130, e LADERO
QUESADA, Miguel Ángel, “Castilla y León”, História de España Menéndez Pidal, tomo IX,

304
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Calatrava e depois cedida por esta, conforme desejo de Afonso IX, à de S. Julián
de Pereiro 227.
Regressou entretanto a Portugal, onde esteve ao serviço de D. Afonso II
em 1216 e 1217.
Tornou depois, novamente, ao serviço do rei de Leão. Subira ao trono de
Castela em meados do ano, o filho de Afonso IX, Fernando III. O pai resolveu-
-se a invadir Castela para disputar os direitos do filho. E foi Fernando Fernandes
quem comandou o contingente que penetrou em terras castelhanas, tomando
algumas aldeias cerca de Arévalo. Veio porém a ficar prisioneiro num combate
que se deu fora das muralhas de Ávila. Afonso IX e Fernando III resolveram então
pôr termo às hostilidades celebrando tréguas em 26 de novembro de 1217 228.
Nesse pacto Fernando Fernandes jurou paz por banda do monarca de Leão.
Durante todo o ano de 1218, nova ausência total de Fernando Fernandes
nos documentos leoneses. Em março confirmou, como tenens de Bragança, um
documento de abade do mosteiro de Castanheda em que este renunciou ao
mosteiro de Castro de Avelãs, que ocupara sem consentimento do arcebispo de
Braga 229.
Em 13 de fevereiro de 1219 era tenens de Sanabria e Benavente e em 13 de
junho assinou, entre os 10 vassalos do rei de Leão, a paz que este convencionou
com o rei de Portugal, D. Afonso II, em Boronal 230. Do mesmo mês datam duas
outras confirmações suas de documentos do rei leonês, na segunda das quais
é dito tenens de Cabrera 231. Desde julho figurou como mordomo-mor do rei
leonês, cargo que desempenhou até maio de 1222. Desde então e até morrer
passou novamente ao serviço do rei de Portugal que, a partir de 1223, era já D.
Sancho II. Teve o cargo de alferes-mor deste rei. Na primavera de 1226 acom-
panhou D. Sancho II na expedição contra os muçulmanos de Elvas, articulada
com a de Afonso IX de Leão contra Badajoz. Mas a expedição fracassou, perante
a defesa renhida dos maometanos 232. Em 1232 continuava a intitular-se tenens

parte segunda, Madrid, 1998, p. 545.


227
O’CALLAGHAN, Joseph F., Reconquest and crusade in medieval Spain, Philadelphia, University
of Pennsylvania Press, 2003, p. 82.
228
GONZÁLEZ, Julio, Alfonso IX, Instituto Jeronimo Zurita, Madrid, 1944, tomo II, p. 461.
229
Liber Fidei cit., tomo II, p. 291.
230
GONZÁLEZ, Julio, Alfonso IX, cit., p. 488.
231
ibidem, pp. 490 e 491; esta Cabrera é decerto a actual La Cabrera, junto da cidade de Benavente.
232
AZEVEDO, Gonzaga de, ob. cit., vol. 6º, p. 17.

305
AuGusTo ferreirA do AmArAL

de Bragança. Confirmou documentos do rei português até março 233, mas em fins
desse mês deixou de figurar. Deve ter morrido então, ou pouco depois.
Casou em 1192, ou ano anterior, com uma D. Maria Pires, ao que creio,
sem geração.
Soares Machado, com base na leitura que faz da carta de filiação do mosteiro
de Castro de Avelãs no de Castanheira, reproduzida pelo Abade de Baçal 234 e com
base numa escritura de troca 235 também reproduzida por este, afirma que ele
deixou descendência. Mas eu discordo.
Quanto a esta escritura: o documento identifica o outorgante da troca
(que é nomeado com mulher e filhos) com o homónimo que era tenens de
Bragança. Tal é contudo inaceitável. O outorgante nomeia-se a si próprio
“Fernão Fernandes”, mas omite qualquer qualificativo. Ora no próprio docu-
mento é declarado que à data era “dominantem bragancia fernan fernandis”. Se
este fosse o outorgante da escritura, isso teria sido dito ou sugerido de alguma
forma no próprio documento, e não é. Ora o outorgante nomeia-se a si próprio
sem qualquer referência a que mandasse em Bragança. E não deixa de mencionar,
a seguir um “Fernando Fernandes”, dominante da Bragança. Não é pois provável
que seja o mesmo.
Quanto ao documento de filiação do mosteiro de Castro de Avelãs no
mosteiro de Castanheira: Trata-se dum acto solene, outorgado em 1199 pelos
patronos daquele cenóbio, o primeiro dos quais é Fernando Fernandes. Identi-
ficam-se seguidamente outros, após o que figura a expressão «cum filios et filiabus
meis». Soares Machado interpreta esta expressão como reportada a Fernando
Fernandes por, em sua opinião, “referir-se ao sujeito da proposição anterior”.
Mas julgo que não tem razão. A referida menção dos filhos e filhas não se reporta
a Fernando Fernandes, mas sim a Teresa Peres – sujeito dessa proposição - visto
que todos os outorgantes herdeiros do mosteiro, incluindo ela, usam a primeira
pessoa (do singular ou do plural), quando mencionam filhos ou parentes. Eles
todos outorgam «propter nos filli, et filiabus, et nepotibus Domno Petro Fernandi
hi sumus». Fernando Fernandes não representa os demais. É apenas o primeiro
dos signatários.
Acresce que já com certa idade, em 1212 e 1214, D. Fernando Fernandes
outorgou com a dita sua mulher trocas e doação de propriedades ao mosteiro de

233
ROCHA, Ana Rita, A Corte de D. Sancho II (1223-1248), Revista Portuguesa de História, tomo
XLIV (2013).
234
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
235
BAÇAL, Abade, Memórias … etc. cit., tomo IV, 1983, pp. 461-462.

306
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Castañeda, dispondo ambos livremente dos bens e nunca mencionando filhos – o


que faz pressupor que os não tinham.

§ 14º - D. Pedro Fernandes de Bragança II

Este foi o segundo filho do atrás referido Fernando Peres. Era, portanto,
irmão mais novo de D. Fernando Fernandes de quem acabei de tratar.
Decerto foi ele quem, com o nome “Pedro Fernandes”, outorgou em 1199
a carta de filiação do mosteiro de Castro de Avelãs no de Castañeda 236, como bem
sugere Soares Machado 237.
Note-se que os outorgantes dessa carta são apresentados por uma ordem
que provavelmente não é indiferente e ajuda a enquadrá-los no conjunto familiar.
À cabeça vêm os filhos, as filhas e os netos de D. Pedro Fernandes de
Bragança I, atrás estudado.
Outorga primeiro o neto D. Fernando Fernandes, filho de Fernando Peres
(decerto já falecido). Vai nessa posição pois era, à data, o chefe da linhagem e
tenens de Bragança. A seguir vêm os demais filhos varões ainda vivos de D. Pedro
Fernandes de Bragança I – Garcia Peres, Nuno Peres e Vasco Peres, certamente
por ordem de idades. Segue-se Pedro Fernandes, obviamente irmão mais novo
de D. Fernando Fernandes e, como este, filho de Fernando Peres e neto daquele
outro D. Pedro Fernandes de Bragança I. Só depois vêm as senhoras, todas irmãs
de Fernando Peres e filhas também deste último D. Pedro Fernandes de Bragança
I: Sancha Peres, Teresa Peres, com filhos e filhas.
A data deste documento, assim como o lugar e o modo como se refere
àquele Pedro Fernandes, tornam impossível que se trate do dito D. Pedro
Fernandes de Bragança I, filho de Fernando Mendes o “Bravo”.
E o mesmo se passa com uma das várias personagens identificadas como
Pedro Fernandes, D. Pedro Fernandes ou D. Pedro Fernandes de Bragança, mencio-
nados em alguns passos das inquirições de 1258.
O D. Pedro Fernandes de Bragança I, filho de Fernando Mendes “o Bravo”
morreu provavelmente antes de 1195, já quase septuagenário, como avisada-
mente sustenta Soares Machado 238. A 1199 é que ele não chegou; quando não,
seria o chefe da linhagem e o primeiro outorgante da carta de filiação do mosteiro

236
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
237
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 161.
238
ibidem, p. 163.

307
AuGusTo ferreirA do AmArAL

de Castro de Avelãs então lavrada. Nasceu antes de 1130, confirmou documentos


entre 1147 e 1194, foi mordomo e dapifer de D. Sancho I quando este era ainda
príncipe, e tenens de Bragança e de Viseu. Não parece que pudesse estar activo, em
acontecimentos que, como irá ver-se, decorreram já em pleno séc. XIII. O Pedro
Fernandes de Bragança a que se referem tais acontecimentos não era o contempo-
râneo de D. Afonso Henriques.
Surge ainda um outro Pedro Fernandes de Bragança, sem “Dom”, mencio-
nado no Livro Velho como filho natural de Fernando Garcia de Bragança.
Estamos portanto, aparentemente, perante três varões desta família, todos
eles chamados Pedro Fernandes, e de varonia bragançã.
O mais antigo foi o referido filho de Fernando Mendes o “Bravo”, que
sucedeu na tenência da Bragança e que consta de documentos entre 1147 e não
depois de 1194.
O seguinte é neto dele, filho de filho mais velho Fernando Peres. Em
1199 Fernando Peres já não vivia e seu filho Pedro Fernandes figura na dita carta
de filiação logo a seguir aos tios paternos varões (Garcia, Nuno e Vasco), antes
mesmo das tias paternas (Sancha e Teresa).
O terceiro só é conhecido por uma menção do Livro Velho, que diz que D.
Fernando Garcia, filho de Garcia Peres o “Ledrão”, teve um filho natural, Pedro
Fernandes, que morreu em Marrocos.
Nas inquirições de 1258 e de 1288 menciona-se este nome Pedro Fernandes,
na região.

a) – D. Pedro Fernandes Braganção “uetero” (isto é, “o velho”), com sua


mulher, a condessa tiveram a vila de Barcer, que deram à Ordem do
Hospital 239.
b) - D. Pedro Fernandes, no tempo de D. Sancho I, obteve um quinhão
na vila de Parada de Infanções, de um homem foreiro ao rei. Depois
disso, tanto Sancha Peres, como um filho do sobredito Pedro
Fernandes, como D. Fernando Fernandes tinham o referido quinhão,
que englobava três casais, e venderam-no aos homens de Parada, em
contrapartida do vilar de “Bouaeses” [sic] e outros bens, que lhes deram
tais homens. Mais tarde veio Froilhe Nunes [de Bragança], mãe de
Nuno Martins de Chacim, e cobrou a estes homens 30 morabitinos;
já no tempo de D. Afonso III, veio este Nuno e levou-lhes o vilar de
Coelhoso e 100 morabitinos. E depois vieram a Ordem do Templo e o

239
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1268, e BAÇAL, Abade
de, Memórias … etc. cit., tomo IV, p. 29.

308
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

mosteiro de Castro de Avelãs e levaram dos mesmos homens 2 vilares


(Paredes e Leiras) que parece que D. Sancha Peres lhes deixara do seu
próprio quinhão em Parada de Infanções 240.
c) - D. Afonso II deu a igreja e a vila de Sambade a D. Pedro Fernandes
por troca com Vimioso. Isso passou-se, portanto, entre 1211 e 1223,
anos em que reinou aquele rei. Em 1258 as mesmas igreja e vila eram
possuídas pelos filhos e netos deste D. Pedro Fernandes 241.
d) - Pedro Fernandes de Bragança protegeu onze homens foreiros de Vale de
Porca, que costumavam fazer foro ao rei; por isso, em 1258, eles não o
faziam. Nuno Martins de Chacim dera a criar um seu sobrinho na vila
de Vale de Porca, que era toda foreira ao rei, em tempo de D. Sancho
II. O dito sobrinho era em 1258 já escudeiro, ia pousar na referida vila,
fazia mal aos homens e os homens faziam-lhe serviço à força 242.
e) – D. Pedro Fernandes de Bragança filhara terra reguenga de Chacim
que era pelo rio de Porcas e até onde o rio de Cabras entra no rio
Sabor e dizia-se que era foreira toda a herdade que em 1258 tinham
Nuno Martins e Fernando Anes e a sua fraternidade 243;
f ) - Pedro Fernandes de Bragança comprou uma herdade foreira ao rei, na
vila de Carção, em tempo de D. Afonso III e não fazia aí foro 244.
g) – a vila de Vale Maior (Guide) era da Ordem do Hospital e da progénie
de D. Pedro Fernandes Braganção; essa progénie teve-a de seu avoengo
e a dita Ordem teve-a do próprio D. Pedro Fernandes 245.
h) – a povoação de Algariz fora reguenga e em 1258 tinham-na os filhos e
netos de D. Pedro Fernandes 246.
i) - toda a aldeia de Parada fora povoada por el-rei e era dele foreira. D.
Pedro Fernandes Braganção ganhou a sexta parte e por razão desta,
deram-lhe Coelhoso, Paredes e outros termos grandes junto de Parada.
Em 1288 trazia-os a sua geração [ou seja, descendência] por honra.
Por razão daquele sexto ganhou D. Nuno Martins de Chacim cinco

240
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, pp. 1303-1305, e tomo III, pp. 339-340, 342 e 343.
241
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1308, e tomo III, p. 349.
242
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1314, e tomo III, p. 364.
243
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1315, e tomo III, p. 365.
244
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1304, e tomo III, p. 341.
245
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1269, e tomo IV, p. 30.
246
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1349, e tomo IV, p. 69.

309
AuGusTo ferreirA do AmArAL

casais em Parada e traziam-nos seus filhos por honra. Foi decidido que
estivesse tudo como estava até que el-rei soubesse mais do assunto 247.
j) – da aldeia chamada Paço, costumava o quarto ser foreiro do rei, o
qual foi dado por D. Sancho II a um homem. D. Pedro Fernandes
ganhou-o desse homem e entregou-o ao mosteiro de Castro de Avelãs
que o trazia por honra. Assim toda a freguesia era trazida por honra.
Foi decidido que fosse devassada e que aí entrasse o andador de
Bragança pelos direitos do rei, salvo se mostrasse privilégio 248.
k) – quatro aldeias da freguesia de Guide, no julgado de Torre de Dona
Chama tinham sido dos Bragançãos; em tempo do avô duma
testemunha, D. Pedro Fernandes estava em Guide, que era sua, e por
encargo do rei povoou Fradizela, Vale Maior de S. Pedro 249.

No que diz respeito à alínea a), parece evidente que o D. Pedro Fernandes
Braganção a que ela alude era o filho de Fernando Mendes “o Bravo”. Ele é
dito “vetero”, ou seja “o velho”. Mas esse qualificativo é também uma indicação
implícita de que outro com idêntico nome (mas “o novo”) existia ou existira, era
conhecido das testemunhas e posterior àquele. Isto inculca que este último seria
o irmão de D. Fernando Fernandes, e neto do “vetero”.
Quanto à alínea b), trata-se também certamente do filho de Fernando
Mendes “o Bravo”. Com efeito, como adiante se verá, a Sancha Peres a que alude
o testemunho nas inquirições é a filha daquele mais antigo D. Pedro Fernandes,
que fora o primeiro a ter o quinhão na vila de Parada. E ela morreu não antes de
julho de 1126, o que acerta cronologicamente com o facto de ter deixado o seu
quinhão à Ordem do Templo e ao mosteiro de Castro de Avelãs a tempo de isso
permanecer na memória das testemunhas. Além disso extinguira-se a sua descen-
dência, o que reforça a plausibilidade dessa deixa.
Quanto à alínea c) é de notar que Vimioso tinha sido doada por D. Sancho
I, em 1196, a D. Fernando Fernandes. Faz portanto sentido que este, quando
poucos anos depois saiu de Portugal para integrar a cúria do rei de Leão (e tendo
presente que não teve filhos), haja passado a seu irmão Pedro Fernandes a dita

247
Portugaliae Monumenta Histórica, Nova Série, vol. IV/2, Inquisitiones. Inquirições Gerais de D.
Diniz de 1288. Sentenças de 1290 e Execuções de 1290, editado por PIZARRO, José Augusto
de Sottomayor-, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 2015, p. 263, e BAÇAL, Abade de,
Memórias … etc. cit., tomo III, p. 327.
248
Inquirições Gerais de D. Diniz ... etc. cit., p. 265, e BAÇAL, Abade de, Memórias … etc. cit.,
tomo III, p. 328.
249
Inquirições Gerais de D. Diniz ... etc. cit., p. 226.

310
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

vila. Pedro Fernandes deixou filhos e netos, que em 1258 tinham as ditas vila e
igreja, pelo que terá morrido antes deste ano.
Sobre a alínea d), como o facto relatado é manifestamente recente em
relação à inquirição, faria pouco sentido que o seu autor tivesse morrido mais
de 60 anos antes. Assim, deve tratar-se do filho do mencionado Fernando Peres,
também com o nome Pedro Fernandes, mas que. terá morrido pouco tempo
antes da inquirição.
O D. Pedro Fernandes de Bragança da alínea e) parece ser esse mesmo.
E o referido na alínea f ) era também o mesmo Pedro Fernandes de Bragança
II, neto do I, pois estava vivo em tempo já de D. Afonso III.
A opção por um ou outro Pedro Fernandes de Bragança não parece fácil,
no caso versado na alínea g).
Mas no da alínea h) impõe-se a identificação de D. Pedro Fernandes como
o neto, uma vez que em 1258 eram vivos filhos e netos dele, o que dificilmente
se aconteceria se esses filhos o fossem de um homem que nascera antes de 1130.
A alínea i) refere-se aos mesmos factos dos mencionados na alínea b), pelo
que trata do D. Pedro Fernandes avô.
Porém, na alínea j), o D. Pedro Fernandes é obviamente o neto, visto que
os factos relatados se passam no reinado de D. Sancho II.
E algo de semelhante ocorre com o da alínea k): o D. Pedro Fernandes em
causa fora povoador de aldeias de Guide em tempo dum avô da testemunha, o
que dificilmente poderia ter ocorrido mais de 60 anos antes, isto é, antes de 1220.
Está pois bastantemente documentada a existência de um irmão de D.
Fernando Fernandes, D. Pedro Fernandes de Bragança, o “II”. Este filho perma-
neceu em Portugal, possuiu bens imóveis no actual distrito de Bragança, aí
praticou também, segundo alguns depoimentos das Inquirições, actos conside-
rados abusivos, e teve filhos e netos.
No entanto, por estranho que pareça, nem este Pedro nem os filhos e os
netos vêm mencionados nos nobiliários medievais.
Isso talvez explique por que até agora nenhuma proposta foi feita, que seja
do meu conhecimento, sobre o nome desses filhos e netos.
O próprio Soares Machado, que com agudeza arrancou ao esquecimento
a dita personagem, admite que o segundo Pedro Fernandes de Bragança tivesse
ficado solteiro, decerto influenciado pelo facto de os nobiliários medievais o
omitirem.
Penso, no entanto, que as referências que apontei indicam que haja deixado
geração.
Mais: o seu neto paterno veio a ser o célebre magnate D. Nuno Martins
de Chacim.

311
AuGusTo ferreirA do AmArAL

§ 15º - Martim Peres de Chacim e João Peres de Chacim, e os


respectivos filhos

Os filhos de Pedro Fernandes de Bragança II haveriam de ter o patroní-


mico Peres. Ora, sabendo-se que o território de Bragança e de Ledra foi passado a
pente fino nas inquirições, tanto de D. Afonso III como de D. Dinis, não deixaria
de ser estranho que tivessem sido omissas de tão minucioso inquérito as herdades
de quaisquer possuidores com tal patronímico (ainda mesmo que se tratasse de
gente de quem nenhum abuso contra os interesses patrimoniais do rei corresse
qualquer rumor). Vale a pena, por isso, rastrear os proprietários Peres ali assina-
lados em meados do séc. XIII ou pouco depois.
Feito o rastreio, saltam à vista, entre todos os demais Peres, como aqueles
que melhor se ajustam à qualidade de filhos de Pedro Fernandes de Bragança II,
os nomes de Martim Peres de Chacim e João Peres de Chacim, irmãos, segundo
tudo indica.
Do primeiro foi filho D. Nuno Martins de Chacim, largamente docu-
mentado como autor de numerosos abusos na captação de propriedades e na
sua subtracção às contribuições devidas ao rei. Não obstante tal fama, D. Afonso
III chamou-o para a sua cúria, para o importante cargo de meirinho-mor. Foi
também aio de D. Dinis, enquanto príncipe e, quando este subiu ao trono,
guindou-o a seu mordomo-mor – o mais elevado cargo da cúria. E é possível que
a sua tenência de Bragança se devesse ao facto de chefiar a linhagem dos Bragan-
çãos a partir da morte de Fernando Garcia.
A carreira e as acções de D. Nuno Martins de Chacim têm sido tratadas
por historiadores eminentes. E não é caso para menos, por isso que ele, apesar de
todo o estendal de aparente latrocínio que lhe é assacado, em parte supostamente
cometido durante a anarquia e guerras internas que dominaram o reinado de D.
Sancho II, veio a ser um dos principais esteios da cavalgada centralizadora da
monarquia, iniciada por D. Afonso III e desenvolvida triunfantemente por D.
Dinis 250.
A mãe de D. Nuno, Froilhe Nunes, vinha da linhagem Bragançã, se bem
que fosse bastarda. Era filha de D. Nuno Peres, o “Candarim”, adiante tratado,

250
Apontem-se, entre outros, SÃO PAYO, Marquês de, “A problemática de um brazão de armas
(São Payo)”, Armas e Troféus, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, II série, tomo IX, 1968,
p. 164, MARQUES, A. H. de Oliveira, “O poder e o espaço”, Nova História de Portugal, Lisboa,
vol. III, 1996, p. 129, MATTOSO, José, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, Lisboa, 1982, p.
67, VENTURA, Leontina, A nobreza de corte de Afonso III, Coimbra, Faculdade de Letras de
Coimbra, 1992, vol. I, p. 168, e “A nobreza – da guerra à corte”, Nova História etc. cit., III, p.
219, e PIZARRO, Sottomayor, Linhagens … etc. cit., vol. I, p. 241.

312
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

e duma concubina dele, Maria Fisca ou Fogaça, segundo os nobiliários medie-


vais.
Até há pouco tempo era consensual supor que a chefia dos Bragançãos
coubera a D. Nuno Martins de Chacim por via de sua mãe, Froilhe Nunes,
apesar da bastardia que a afectava. Mais. Dizia-se que ela casara com um homem
de condição mais modesta do que a sua e, até, de origem obscura – o referido
Martim Peres de Chacim. As razões invocadas para essa suposição eram o facto
de o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro noticiar que o filho Nuno foi armado
“cavaleiro” por D. Fernando Garcia Braganção e, sobretudo, a referência, feita no
Livro do Deão, de que aquele casamento foi “desaguisado”, o que se consideraria
sinónimo de “desigual” 251.
Soares Machado, na sua obra atenta sobre os Bragançãos, veio contestar
este veredicto sobre a posição social inicial de Martim Peres de Chacim 252. E
argumentou, em minha opinião correctamente, que a cerimónia de investidura
de Nuno Martins de Chacim como cavaleiro não tinha o significado de promoção
social mas sim, naquele caso, o apadrinhamento de Nuno na futura chefia da
linhagem; e que o aludido termo “desaguisado” era sinónimo de “desavindo”, ou
seja, inculcava desentendimento, mas não misalliance. Demonstrou, por outro
lado, que, muito antes de Martim Peres de Chacim ter casado, tanto este como
seu irmão João tinham já propriedades na região.
Efectivamente, o próprio apelido “de Chacim”, naquelas circunstâncias,
sugere que não era mera indicação geográfica, mas sim sinal de que os dois irmãos
tinham o seu solar na área dessa povoação, ou seja, de que ambos eram senhores,
ali, de terra honrada.
Ora, pelas inquirições de 1258, fica a saber-se o seguinte sobre estes dois
irmãos.
O rei D. Sancho I (Sancius ueterus, portanto, entre 1185 e 1211) deu a
Martim Peres de Chacim a vila de Vale de Asnes, que fora reguenga 253.
Quanto a Travanca 254, o prelado da respectiva igreja depôs, nas inquirições
de 1258:

«… quando encartou [sic] o Rei D. Sancho o velho encartou Bragança


com os seus termos, os homens que reclamavam a terra venderam um

251
“Livro do Deão”, cit., p. 164.
252
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 259.
253
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones … etc. cit., vol. I, parte II, p. 1266-1267, e
BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo IV, p. 25.
254
A tradução para português e a pontuação dos trechos das Inquirições que se seguem é por mim
proposta.

313
AuGusTo ferreirA do AmArAL

terço da mesma vila, que era reguenga, a João Peres de Chacim e agora
têm-na os seus filhos e seus netos e não fazem daí foro ao Senhor Rei; e
os mesmos reclamantes venderam outro terço a Pedro Anes de Bornes
e agora têm-na os filhos e netos do dito Pedro Anes e nada daí tem o
Senhor Rei; e aquele outro terço que foi dos cavaleiros têm-no agora três
escudeiros que foram da geração dos ditos cavaleiros; e sabe que Afonso
Mendes de Bornes comprou de um terço de Travanca que era reguengo
aos filhos de Pedro Anes de Bornes em tempo do Rei D. Sancho irmão
deste … etc.» 255

A seguir depôs D. Fagundo, de Travanca:

«… sabe que a mesma igreja [de Travanca] é agora dos herdeiros dos filhos
e netos de Pedro Anes de Bornes; interrogado donde a tiveram, disse que
ouviu dizer a homens que sabiam que duas partes da mesma vila foram
reguengas do senhor Rei e o outro terço foi dos cavaleiros e herdeiros; e
daqueles dois terços que foram do Senhor Rei vendeu daí um terço um
certo homem que se chamava Mendo Mela, que reclamou Bragança, a
João Peres de Chacim, cavaleiro, e agora têm-na os seus filhos e não fazem
daí foro ao Senhor Rei e o outro terço têm os filhos de Pedro Anes que a
tiveram de seu pai, que reclamou a terra com o dito Mendo Mela, e não
fazem daí foro ao Senhor Rei» 256.

Há a contar ainda com o depoimento doutra testemunha:

«… ouviu dizer a homens que sabiam que duas partes de Travanca foram
reguengas e agora têm-nas os netos de João Peres e não fazem daí foro ao
Senhor Rei … etc.» 257.

Por aqui se vê que João Peres de Chacim adquiriu uma terça parte de Travanca
no tempo do rei D. Sancho I e que em 1258 tal terça parte pertencia aos filhos e
netos, decerto porque ele e algum filho com descendência teriam já morrido.

255
ibidem, p. 1309a e b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.
256
ibidem, p. 1309b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.
257
ibidem, p. 1310a, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.

314
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Por outro lado, pelas mesmas inquirições se sabe que no tempo de D.


Sancho II, João Peres e Martim Peres deram à Ordem do Hospital um terço da
vila de Banreses 258.
Repare-se no depoimento do prelado da igreja desta vila, nas inquirições
de 1258:

«disse que duas partes da mesma vila de Banreses são do senhor Rei, e a igreja
está numa herdade foreira ao senhor Rei, e o arcebispo leva daí um terço das
décimas da igreja, e o concelho de Bragança leva outro terço, e o prelado
da mesma igreja leva o outro terço com morturas e ofertas. Interrogado
sobre por que o arcebispo e o concelho levam daí aquelas duas terças, disse
que assim têm consuetudinariamente, e os homens da mesma vila que têm
assento na herdade foreira do Rei abadam a mesma igreja porque assim têm
consuetudinariamente. E sabe que os homens da mesma vila que são foreiros
deixaram a herdade à própria igreja pela intenção das suas almas no tempo
do Rei D. Sancho irmão deste e não faz daí foro mas fazem daí foro aqueles
que permaneceram com a herança dos que deixaram a herdade à predita
igreja. E sabe que a Ordem do Hospital tem um terço da mesma vila. Inter-
rogado sobre donde a tem, disse que ouviu dizer aos homens que sabem que
João Peres e Martim Peres lha deram por intenção das suas almas no tempo
de Rei D. Sancho irmão deste e disse que ouviu dizer aos homens que sabiam
que o reguengo de Chacim era pelo ribeiro de Porcas e depois por onde o
mesmo ribeiro de Porcas entra no ribeiro de Cabras e depois onde do mesmo
modo entra o ribeiro de Cabras no Sabor. E destes termos filhou D. Pedro
Fernandes quando tinha a terra e deu-a aos homens da vila de Sambade que
então era sua e agora os homens da mesma vila têm daqueles termos e não
fazem daí foro ao senhor Rei. Interrogado sobre em que lugar filhou daqueles
termos D. Pedro Fernandes disse que não sabia e disse que ouviu dizer aos
homens que sabiam que toda a herdade que têm Nuno Martins e Fernando
Eanes e a sua fraternidade em Chacim que foi toda reguenga. Interrogado
sobre donde os mesmos a tiveram disse que não sabia, e disse que ouviu dizer
aos homens que sabiam que Martim Peres cavaleiro filhou a um homem de
Chacim a herdade reguenga que tinha no tempo do Rei D. Sancho irmão
deste pelo dano que dano que o mesmo homem fizera ao predito cavaleiro
e o mesmo cavaleiro deixou a mesma herdade ao Templo e agora tem-na e
não faz daí foro ao senhor Rei. E sabe que Nuno Martins e Fernando Eanes
e outros cavaleiros têm em Chacim una devesa e dela metade era do senhor

258
ibidem, p. 1315b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., p. 366.

315
AuGusTo ferreirA do AmArAL

Rei e os mesmos cavaleiros têm-na e não fazem daí foro ao senhor Rei. E sabe
que a igreja de Chacim comprou uma herdade reguenga na mesma vila no
tempo deste Rei e não faz daí foro e sabe que Fernando Eanes comprou uma
herdade reguenga em Chacim no tempo deste Rei e fez aí um casal e não faz
dele foro ao senhor Rei.» 259

E disse outro inquirido, de Chacim:

«e sabe que uma herdade que o Hospital tem em Banreses que foi foreira
ao senhor Rei e sabe que o avô de Nuno Martins filhou a mesma herdade
a um homem foreiro do senhor Rei de Banreses e deu-a ao Hospital por
razão de que o mesmo avô de Nuno Martins dizia que o mesmo homem
que era foreiro do Rei lhe matara um mouro e agora tem-na o Hospital e
não faz daí foro ao senhor Rei».

Da conjugação destes depoimentos a conclusão a tirar é a de que o avô de


Nuno Martins de Chacim e pai de Martim e João Peres era D. Pedro Fernandes e
que este era o D. Pedro Fernandes de Bragança II.
Com efeito, um dos inquiridos afirmou que quem filhou a herdade de
Banreses a homens foreiros foi D. Pedro Fernandes. E o outro disse que a mesma
herdade foi filhada pelo “avô de Nuno Martins de Chacim”. Se os depoimentos
acertam – e não há qualquer indicação de que difiram – este “avô” era o dito
D. Pedro Fernandes II. É certo que o D. Pedro Fernandes de Bragança I (o que
fora mordomo de D. Sancho I), também era antepassado de Nuno Martins de
Chacim pela mãe deste. Simplesmente, por aí, não era avô, mas sim bisavô.
Repare-se aliás que Chacim (Macedo de Cavaleiros), Banreses (Macedo de
Cavaleiros), Travanca (Macedo de Cavaleiros), Vale de Asnes (Mirandela) e Vale
de Porca (Alfândega da Fé) são locais todos próximos entre si.
Nuno Martins de Chacim, nas suas supostas “tropelias”, teria andado
estreitamente associado a um Fernando Anes, também denominado nas Inqui-
rições Fernando Anes de Chacim 260, que era seu primo co-irmão, por ser filho de
João Peres de Chacim 261.
Não se confunde com um D. Fernando Anes, galego, que na época e em
Trás-os-Montes foi também senhor de móveis, mas obedecia ao rei de Leão e não
ao de Portugal.

259
ibidem.
260
ibidem, p. 1316, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 367.
261
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1309.

316
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i

Aquele Fernando Anes de Chacim é referido nas ditas inquirições nos


seguintes pontos:

a) – as vilas de Parada e de Valpaços tinham sido reguengas e, em 1258 e


desde o tempo de D. Sancho II, eram de Fernando Anes, que não fazia
foro ao rei 262;
b) – a vila de Travanca (Macedo de Cavaleiros) tinham-na Afonso Mendes
e Fernando Anes, cavaleiros, que não faziam foro ao rei 263; ou, noutra
versão, em 1258 tinham um terço dela os filhos de João Peres de
Chacim, um dos quais era Fernando Anes 264;
c) – o vilar de Valdrez não era povoado porque Fernando Anes e outros
cavaleiros, entre os quais Nuno Martins de Chacim e a Ordem
do Hospital o impediam; o vilar tinha sido reguengo e em 1258
tinham-no Nuno Martins de Chacim, Fernando Anes, a Ordem do
Hospital e o mosteiro de Castro de Avelãs, que não faziam foro ao
rei 265;
d) – um terço do vilar de Quintana era em 1258 de Fernando Anes 266;
e) – a aldeia de Quintela, a partir do lugar de Vilarinho, fora antes de
1288 de Fernando Anes, que a ganhara desde D. Nuno Martins de
Chacim, e sempre a viram trazer por honra; D. Dinis decidiu que
assim ficasse 267;
f ) – um casal na freguesia de S. Geraldo e Santa Comba (Macedo de
Cavaleiros) era foreiro e, em tempo de D. Sancho II, comprou-a
Fernando Anes, cavaleiro, que a trazia por honra; D. Dinis mandou
que fosse devasso 268;
g) – Nuno Martins de Chacim comprara a vila de Bragada, que era dos
povoadores de Bragança e, em tempo de D. Afonso III, Fernando
Anes e a Ordem do Hospital obtiveram a mesma herdade e não faziam
aí foro ao rei 269;

262
ibidem, p. 1238.
263
ibidem, p. 1239.
264
ibidem, p. 1309.
265
ibidem, pp. 1288, 1289, 1311, 1317 e 1318.
266
ibidem, p. 1289.
267
Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288 ... etc. cit., p. 266, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc.
cit., p. 329.
268
Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288 ... etc. cit., p. 241, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc.
cit., p. 322.
269
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1315.

317
AuGusTo ferreirA do AmArAL

h) – Vilarinho, Azibeiro e o vilarinho de Bragada tinham sido reguengas e


filharam-na Nuno Martins de Chacim e Fernando Anes e não faziam
aí foro ao rei 270;
i) – todas as herdades que Nuno Martins de Chacim e Fernando Anes
possuíam em 1258 em Chacim tinham sido reguengas, e aqueles e
outros cavaleiros tinham aí uma devesa cuja metade era do rei, mas os
mesmos cavaleiros possuíam-na e não faziam foro ao rei 271;
j) – o vilar do casal de Bouzende tinha sido todo do rei, mas em 1258
Nuno Martins de Chacim e Fernando Anes tinham-no, depois de o
terem filhado em tempo de D. Sancho II 272.

(continua)

270
ibidem, p. 1313.
271
ibidem, p. 1315.
272
ibidem, p. 1309.

318
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA: LA
TRAYECTORIA DE LOS ACUÑA Y LA CONSTRUCCIÓN
DE LA IDENTIDAD NOBILIARIA EN LA CASTILLA
BAJOMEDIEVAL Y MODERNA

Álvaro Pajares*

Resumo: a transferência de linhagens nobiliárquicas entre Castela e Portugal foi cons-


tante ao longo de toda a Idade Media e Moderna. Um fluxo migratório motivado pelo
confronto entre o monarca e as elites aristocráticas por causa da política de fortaleci-
mento da autoridade real e a participação destas linhagens nas diversas lutas dinás-
ticas pelo trono. Por isso, neste artigo vamos centrar-nos na trajetória e progressiva
criação da identidade nobiliárquica de uma dessas linhagens portuguesas, os Acuña
(Da Cunha), estabelecidos em Castela no final do século XIV depois da crise portu-
guesa de 1383-1385.

* Reseña Biográfica: investigador predoctoral del Departamento de Historia Moderna, Contem-


poránea y de América, Periodismo y Comunicación Audiovisual y Publicidad de la Universidad
de Valladolid a través de una Ayuda para la Formación de Profesorado Universitario (FPU) del
Ministerio de Educación y Cultura (MEC) del Gobierno de España.
Licenciado en Historia por la Universidad de Valladolid en 2012, cursé el “Máster en
Estudios Avanzados de Historia Moderna: La Monarquía de España (siglos XVI-XVIII)” en
la Universidad Autónoma de Madrid en 2012-2013. A partir de ese momento, gracias a mi
formación doctoral, he participado en diversos congresos y seminarios, así como en sus corres-
pondientes publicaciones científicas, siempre en relación con mi ámbito de estudio, centrado
en el régimen señorial castellano durante el Antiguo Régimen: administración de los estados
señoriales, instrumentos de gobierno de la élite nobiliaria y resistencia antiseñorial, creación de
la identidad nobiliaria y consolidación como estamento social privilegiado, entre otros aspectos.

319
áLvAro pAjAres

Abstract: there was a constant exchange of noble families between Castile and Portugal
throughout the Middle Ages and the Early Modern period. This migratory flow was
motivated by the conflicts between monarchs and aristocratic elites that were derived
from the strengthening of royal power and the involvement of the nobility in the
different struggles to seize the throne. Considering this, the purpose of this paper is
to examine the development of a Portuguese noble family, the Acuña, who settled in
Castile at the end of the fourteenth century, after the Portuguese crisis of 1383-1385.

1. Introducción

Las relaciones entre los reinos de Castilla y Portugal como territorios fron-
terizos han sido constantes a lo largo de su historia desde que en el año 1095
Alfonso VI (1065-1109) decidiera conceder, en concepto de dote, el llamado
condado portucalense a su hija la infanta Teresa Alfónsez de León, quien había
contraído matrimonio con el caballero de origen francés Enrique de Borgoña.
Los condados asturleoneses se constituían como simples entidades administra-
tivas regidas por un conde con el fin de favorecer el control y repoblación de un
determinado territorio pero que, en última instancia, dependían del monarca y
formaban parte del reino. La elevación de este territorio a la distinción condal
tenía como objeto asegurar la frontera suroccidental del reino frente al avance
almorávide. Empero, aprovechando la situación de debilidad interna del reino
castellano-leonés, que todavía volvería a separarse hasta su definitiva unificación
con Fernando III el Santo en 1230, el hijo y sucesor de los condes de Portugal,
Alfonso I Enríquez, proclamó la independencia del reino luso tras la victoria
contra los almorávides en la Batalla de Ourique en 1139, intitulándose Rex Portu-
gallensis. Con todo, Alfonso VII no reconocería su independencia hasta 1143
a través del Tratado de Zamora, aceptando a Portugal como reino vasallo para
afianzar su proclamación como Imperator totius Hispaniae, ceremonia que había
tenido lugar en la Basílica de San Isidoro de León en 1135. La nueva realidad
peninsular no sería definitivamente sancionada por el Papado a través de la Bula
de Alejandro III Magnifestus Probandus en 1179. Asimismo, Alfonso I Enríquez,
como medio de legitimación, inició una importante política de reconquista,
extendiendo hacia el sur las fronteras de su recién reconocido reino, llegando a
tomar Lisboa en 1147.
El nexo entre ambos reinos no sólo ha estado marcado por la confronta-
ción bélica, sino que siempre han existido estrechos vínculos, entre los que cabe
destacar los constantes enlaces matrimoniales entre ambas casas reales. Los lazos
sanguíneos entre ambas casas permitió a los monarcas de ambos reinos alegar en

320
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

diversas ocasiones derechos dinásticos en el reino vecino. A pesar de ello, dicha


unificación tan sólo se produjo de forma efectiva en una ocasión, en los siglos
XVI y XVII, entre 1581 y 1668, desde la incorporación de Portugal, junto a sus
posesiones ultramarinas, a la Monarquía Hispánica por Felipe II hasta la Guerra
de Restauración de 1640 con la coronación del duque de Braganza como Juan
IV de Portugal, aunque su independencia no fue reconocida hasta la muerte de
Felipe IV por su mujer, la regente Mariana de Austria, a través del Tratado de
Lisboa de 1668. Pero han existido también otros vínculos a los que quizá la histo-
riografía de ambos países haya prestado menos atención. Por ello, a través de este
artículo pretendemos poner de relieve la trayectoria de un importante -y a veces
olvidado- linaje de origen portugués exiliado en tierras castellanas, tras abandonar
su tierra natal en el siglo XIV, así como el tortuoso proceso de integración en
la nueva corte, convirtiéndose en el origen de algunas de las casas aristocráticas
castellanas más importantes como los duques de Osuna, los marqueses de Villena
y duques de Escalona, los condes de Buendía o los condes de Valencia de Don
Juan. Linajes que participaron activamente en la formación del Estado Moderno
y en la configuración del estamento nobiliario como élite de poder dentro del
sistema cortesano del Antiguo Régimen.
Desde hace décadas algunos autores 2 han puesto de relieve ya ese flujo
migratorio entre ambos reinos debido a dos causas fundamentales. En primer
lugar, por la confrontación que se desarrolló entre el monarca y las élites aris-
tocráticas con motivo de la política de fortalecimiento de la autoridad real que
iniciaron los monarcas de la Europa occidental a partir del siglo XIII, auspi-
ciada por la recepción del Derecho Romano en el contexto de las incipientes
ciudades y universidades. Y, en segundo lugar, por el apoyo de estos linajes a los
diferentes aspirantes al trono en las numerosas luchas dinásticas, exiliándose al
reino vecino cuando su pretendiente resultaba derrotado, evitando así las posibles
represalias del nuevo monarca. Solo para la segunda mitad del siglo XIV Romero
Portilla 3 distingue hasta cuatro acontecimientos políticos en los que se produjo

2
MITRE FERNÁNDEZ, Emilio, “La emigración de nobles portugueses a Castilla a fines del
s. XIV”, Hispania, tomo XXVI, 104, (1966), 513-525; o, en el caso de Portugal, MORENO,
Humberto Carlos Baquero, “Exilados portugueses em Castela durante a crise das finais do
sécxulo XIV (1384-1388)”, Estudos de História, 113, (1990), pp. 26-56 o SOTTOMAYOR-
PIZARRO, José Augusto de, “De e Para Portugal. A Circulação de Nobres na Hispânia Medieval
(Séculos XII a XV)”, Anuario de Estudios Medievales, 40, 2, (2010), pp. 889-924. 
3
ROMERO PORTILLA, Paz, “Exiliados en Castilla en la segunda mitad del siglo XIV, origen
del partido portugués”, in REGLERO DE LA FUENTE, Carlos Manuel (coord.), Poder y
sociedad en la Baja Edad Media hispánica: estudios en homenaje al profesor Luis Vicente Díaz
Martín, Valladolid, Universidad de Valladolid, 2002, Vol. 1, pp. 519-539.

321
áLvAro pAjAres

un flujo migratorio de caballeros y linajes nobiliarios desde Portugal a Castilla.


No obstante, se trata de un flujo en ambas direcciones, pudiéndose destacar en
el proceso inverso el peso del linaje castellano de los Castro en la política portu-
guesa bajomedieval o el exilio de los llamados petristas tras la muerte de Pedro I
en 1369 a manos de su hermanastro Enrique II de Trastámara. Como veremos, es
precisamente tras una crisis dinástica cuando el linaje objeto de nuestro estudio,
los A Cunha, luego castellanizado como Acuña, se exilian a Castilla a finales del
siglo XIV.
El asentamiento de los Acuña en Castilla tiene lugar, por tanto, en un
momento en el que se había producido ya lo que Salvador de Moxó denominó
el paso de la nobleza vieja a la nueva 4, proceso consolidado con el advenimiento
de la dinastía Trastámara en 1369, no sólo debido a la desaparición y sustitución
de los viejos linajes, sino también a la evolución que sufre el propio concepto del
régimen señorial gracias a las profundas transformaciones auspiciadas por la nueva
dinastía. A pesar de ello no se produjo de forma homogénea y lineal, sino que
sufrió importantes avances y retrocesos y no se consolidó hasta el reinado de los
Reyes Católicos debido a la inestabilidad que vivió el reino de Castilla en el siglo
XV. La política Trastámara, al igual que en el resto de monarquías europeas, se
caracterizó por una política de fortalecimiento del poder monárquico, un proceso
que la historiografía ha considerado contradictorio con el proceso de consolida-
ción del estamento nobiliario como élite política y social 5. Sin embargo, frente
al tópico del gobierno antinobiliario de los Reyes Católicos es posible observar
que dichos monarcas se identificaron con muchos de los rasgos de la mentalidad
y pautas conductuales de la nobleza y de la caballería, y se situaron en el centro de
gravedad de la realidad nobiliaria, manteniendo el ritmo de ennoblecimiento en
la sociedad castellanoleonesa, tradicionalmente marcado por la coyuntura polí-
tico-militar. Del mismo modo, demostraron interés en continuar el proceso de
engrandecimiento de los miembros de la alta nobleza, reflejado en la concesión
de títulos nobiliarios y en el tratamiento de parentesco ficticio. Con todo ello
se daba cabida en el gobierno monárquico a la acreditada presencia de la alta
nobleza, que se mantendrá a lo largo de toda la Edad Moderna 6. Observamos,

4
MOXÓ Y VILLALEJOS, Salvador de, Feudalismo, señorío y nobleza en la Castilla Medieval,
Madrid, Real Academia de la Historia, 2000.
5
SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis, Nobleza y monarquía. Entendimiento y rivalidad. El proceso de
la construcción de la corona española, Madrid, La Esfera de los Libros, 2003.
6
QUINTANILLA RASO, María Concepción, “Los grandes nobles”, Medievalismo: Boletín
de la Sociedad Española de Estudios Medievales,  13-14, (2004),  pp.  127-142; y, de la misma
autora, Títulos, grandes del reino y grandeza en la sociedad política: sus fundamentos en la Castilla
bajomedieval, Madrid, Siruela, 2006.

322
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

por tanto, que el régimen señorial tiene una clara continuación, incluso con remi-
niscencias medievales, a lo largo de la Edad Moderna y, en palabras de Alfonso
María Guilarte, “el régimen señorial con los rasgos apuntados es un producto
de remotos antecedentes que pasa a la Edad Moderna tal y como se advierte del
alcance y contenido de las prerrogativas del señor y de la extensión territorial
del solariego y de la cifra de vasallos”. Y, por ello, “la historiografía tradicional,
al enfrentarse a la modernidad, prefirió eludir posibles contradicciones entre el
régimen señorial y el absolutismo prescindiendo del primero” 7.
El estamento nobiliario, por tanto, adquirió en la etapa bajomedieval unas
características que iban a perdurar durante siglos y se iban a convertir en su iden-
tidad durante toda la Edad Moderna: la creación de una nobleza titulada, apun-
talándose así la diferenciación jurídica dentro del propio estamento nobiliario, la
protección y consolidación del patrimonio señorial a través de la institución del
mayorazgo y el incremento tanto cuantitativo como cualitativo de los estados
señoriales a través del afianzamiento del llamado señorío jurisdiccional pleno.
Todo ello les permitió arrogarse la potestad jurisdiccional sobre los vasallos, así
como la asunción de prerrogativas administrativas y gubernativas como la elec-
ción de cargos concejiles, la administración de justicia en primera instancia o
la percepción de diferentes rentas y tributos. Por último, en la Baja Media se
produjo también, como consecuencia de todas estas transformaciones, una evolu-
ción de la propia identidad nobiliaria desde un ideal caballeresco y militar a un
ideal cortesano basado en el servicio al soberano a través de los cargos cortesanos,
lo que les permitiría acceder a la privanza del rey, que era el único con potestad de
repartir gracias y mercedes mediante el uso de la gracia real y, por lo tanto, era la
clave de bóveda del llamado sistema cortesano que se desarrolló en las monarquías
autoritarias y absolutistas de la Europa moderna 8.

2. El linaje portugués de los A Cunha y su participación en la


crisis dinástica de 1383-1385

El linaje Acuña había ido adquiriendo cada vez mayor peso dentro del
reino portugués, recibiendo ya en el siglo XII el señorío que se convirtió en el
solar de origen de su apellido, la pequeña freguesía de Cunha-Alta, perteneciente

7
GUILARTE, Alfonso María, El régimen señorial en el siglo XVI, Valladolid, Universidad de
Valladolid, 1987.
8
MARTÍNEZ MILLÁN, José, “La corte de la Monarquía Hispánica”, Studia Historica. Historia
Moderna, 28, (2006), pp. 17-61.

323
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actualmente al municipio de Mangualde, en el distrito de Viseu. La trayectoria


de este linaje en Portugal fue estudiada ya por el genealogista canario Bethen-
court 9, quien les considera descendientes de la casa real astur-leonesa a través de
un hijo bastardo de Fruela II, el infante Aznar Fruela, del que sin embargo no
existe constancia documental. No obstante, esta propuesta sobre el origen de los
Acuña, frente a las que proponen, como veremos, un origen gallego o gascón,
seguramente se deba al afán de los linajes nobiliarios de construir un relato mítico
sobre sus orígenes. Esta herramienta de legitimación de la nobleza se desarrolló
en la Península desde época bajomedieval y utiliza como principales progenitores
de los linajes aristocráticos la casa real-asturleonesa, reclamando así una ascen-
dencia visigoda, o los principales caballeros medievales como El Cid y los jueces
de Castilla, aspectos analizados ya por Beceiro Pita 10. Por ello, aunque su origen
se diluye en narraciones míticas y legendarias y existen numerosas hipótesis sobre
su origen y procedencia 11, el primer antepasado documentado del linaje Acuña
se trata de Gutierre Peláez (ver cuadro genealógico I). A tenor de los escasos datos
existentes para esta época, este caballero vivió en el siglo XI bajo los reinados de
Sancho II y Fernando I, asistiendo al sitio de Coímbra de 1064, pero la mayor
parte de su vida estuvo al servicio de Alfonso VI. Asimismo, pertenecería a un
linaje 12 cuyos servicios habían sido recompensados con numerosas posesiones
entre el Duero y el Miño, como la torre y quinta de Silva, actualmente freguesía
perteneciente al municipio de Valença, en el distrito de Viana do Castelo, en la
frontera con Galicia.

9
FERNÁNDEZ DE BETHENCOURT, Francisco, Historia genealógica y heráldica de la
Monarquía española, Casa Real y grandes de España, Tomos II y III, Madrid, Establecimiento
Tipográfico de Enrique Teodoro, 1897-1912.
10
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje”, in PASTOR
DE TOGNERI, Reyna (coord.), Relaciones de Poder, de producción y parentesco en la Edad Media
y Moderna: aproximación a su estudio, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
1990, pp. 330-331.
11
Remitimos a nuestro Trabajo Fin de Máster dedicado al estudio de una de las ramas de este
linaje, la casa condal de Buendía: PAJARES GONZÁLEZ, Álvaro, Diferentes aspectos del
régimen señorial-municipal en la Castilla bajomedieval y moderna: el caso de los condes de Buendía
(1439-1592) [CD-ROM], Madrid, Servicio de Publicaciones de la UAM, 2015.
12
Algunos autores como el obispo-cronista de los siglos XVI y XVII fray Prudencio de Sandoval les
consideran descendientes de la poderosa casa gallega de Traba, tesis mantenida hasta la actualidad
por algunos autores como GÁNDARA Y ULLOA, Felipe de la, Nobiliario, armas y triunfos de
Galicia: hechos heroicos de sus hijos y elogios de su nobleza y de la mayor de España y Europa, Tomo
III, cap. XXII, Madrid, Por Iulian de Paredes, impresor de libros, 1677; CRESPO POZO, José
Santiago, Blasones y linajes de Galicia, Tomo I, La Coruña, Boreal, D.L., 1997; o ATIENZA Y
NAVAJAS, Julio de (barón de Cobos de Belchite y conde del Vado Glorioso), Nobiliario español:
Diccionario heráldico de apellidos españoles y de títulos nobiliarios, Madrid, Aguilar, 1948.

324
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

Su hijo, Pelayo Gutiérrez, ejerció de Vicario y Adelantado Mayor de


Portugal de Alfonso VI, dignidad que ostentaba el año 1082, y fue alcaide y
gobernador del castillo de Santa Olalla, junto al río Mondego, al norte de Monte-
mor-O-Velho (Coímbra), de gran importancia ya en la época por su proximidad
a los moros de Extremadura. Así, como las posesiones del linaje se encontraban
en el territorio conocido como condado portucalense, concedido por Alfonso VI
en 1095 a su hija Teresa y su marido Enrique de Borgoña, Pelayo Gutiérrez se
va a encontrar desde un primer momento en la formación y desarrollo de dicho
condado, primero, y en la independencia y consolidación del reino luso, poste-
riormente. En las crónicas aparece acompañando a Enrique de Borgoña, por lo
que algunos autores como el infante Pedro de Portugal, conde de Barcelos (Braga),
afirman que se trataba de un caballero procedente de Gascuña que habría llegado
a Castilla acompañando al borgoñón 13, error que admiten y copian otros genea-
logistas. Fray Antonio Brandón 14 le menciona entre los caballeros que figuraron
en la famosa Batalla de Ourique (1139), en la que las tropas aclaman a Alfonso
I Enríquez como rey de Portugal. Participó activamente en el avance repoblador
protagonizado por este monarca y recibió en compensación algunos bienes, obte-
niendo la alcaidía de la villa y castillo de Leiria cuando se apoderaron de ella en
1135, aunque es herido y hecho prisionero cuando los moros recobraron la plaza
en 1140, año en que debió fallecer, pues deja de aparecer en la documentación.
Ya en el siglo XII, su hijo Fernando Peláez fue ampliando las posesiones del
linaje al participar también activamente en ese avance reconquistador de Alfonso
I Enríquez, tomando parte en la toma de Lisboa en 1147, y recibiendo en remu-
neración a sus servicios el señorío que se convertirá en el solar de origen de esta
familia, Cunha-Alta, y de la villa de Tábua, en el distrito de Coímbra, sobre la
cual crearán un mayorazgo, una de las fundaciones vinculares más antiguas de
la Península pues fue erigido hacia 1260 15. A partir de entonces, será ya en el
siglo XIV cuando destaque la figura de Vasco Martínez de Acuña (1325 - 1407),
ricohombre de Portugal, VII señor del mayorazgo de Tábua, Alcaide Mayor de las
ciudades de Lisboa y Melgazo y I señor de las villas de Piñeiro, Angeja, Bemposta,

13
PORTUGAL, Pedro de (conde de Barcelos), Nobiliario del conde de Barcelos, hijo del rey don
Dionis de Portugal. Traduzido, castigado y con nuevas ilustraciones de varias notas por Manuel de
Faria i Sousa, cavallero de la orden de Christo i de la Casa Real, Madrid, por Alonso de Paredes,
1646, Tít. LV.
14
BRANDÓN, Fray Antonio, Monarquía Lusitana. Tomo III, Libro IX.
15
CLAVERO, Bartolomé, El mayorazgo: propiedad feudal en Castilla 1369-1836, Madrid, Siglo
XXI de España Editores, 1989.

325
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Penalva, Ginde, Celorico y Aceve 16. A lo largo de su dilatada vida llegó a servir a
cuatro reyes: Alfonso IV (1325-1357), Pedro I (1357-1367), Fernando I (1367-
1383) y Juan I (1385-1433), con quien acabó enemistándose al plantearse el
problema sucesorio en Portugal. Contrajo matrimonio con Beatriz Suárez de
Albergaría, con quien tuvo cinco hijos entre los que cabe destacar a Martín, Gil
y Lope Vázquez de Acuña.
Vasco Martínez de Acuña, con el apoyo de sus hijos, lideró la postura de la
facción legitimista-nacionalista en la crisis sucesoria que se produjo tras la muerte
de Fernando I de Portugal sin herederos varones en 1383 (ver cuadro genealógico
II). Los Acuña apoyaron, así, al infante don Juan, primero, y tras su prematura
muerte hacia 1396, a su hermano don Dionis, hijos de Pedro I e Inés de Castro,
frente a las pretensiones de su hermanastro, el Maestre Juan de Avís, hijo también
de Pedro I con una dama lisboeta. Finalmente, en las Cortes de Coímbra de
1385, es proclamado rey de Portugal Juan I de Avís, exiliándose los infantes Juan
y Dionis a Castilla, cuyo monarca, Juan I, reclamaba también el trono portu-
gués por su matrimonio con la única hija del recientemente fallecido Fernando I,
Beatriz de Portugal. En un primer momento, los Acuña se mantuvieron fieles a
Juan I de Avís gracias a la política iniciada por el nuevo monarca para poner fin
al conflicto sucesorio y reconciliarse con la facción contraria. Así, en Porto, el 11
de junio de 1385, reconociendo los servicios de este linaje, hizo merced en juro
de heredad a Vasco Martínez de Acuña de la Alcaidía Mayor de Liñares, de la villa
de Piñel y del lugar de Lousada. De este modo, los Acuña pasan al servicio del
de Avís y participan en las derrotas castellanas del Trancoso y de Aljubarrota en
1385, poniendo fin a las pretensiones del monarca castellano, y llegando a pene-
trar en Castilla, tomando algunas villas como Castro-Calbón, a cuatro leguas de
Benavente, Roales, Valderas y Villalobos. Pero, como ya indicaba Romero Portilla,
los Acuña, junto con otros importantes linajes portugueses como los Pacheco o
los Portocarrero, formó parte de un grupo de exiliados entre 1396 y 1400, apro-
vechando la reactivación de la guerra entre ambos reinos. La alta nobleza lusitana
se oponía a la política iniciada por Juan I de Avís una vez asentado en el trono,
quien contó con el apoyo del llamado santo condestable, Nuno Alvares Pereira,
tendente a “un fortalecimiento de la autoridad real mediante la ampliación de las

16
Pinheiro y Angeja se encontraban cerca de las antiguas posesiones de la familia Acuña, recibidas
ya en los siglos XI y XII, en el norte de Portugal, en los Distritos de Viseu (donde se encontraba
la propia Cunha Alta) y Aveiro (donde se encontraba Albergaría, cabeza del señorío de la familia
de Beatriz Suárez de Albergaría, mujer de Vasco Martínez de Acuña), respectivamente, mientras
que Bemposta se sitúa ya más al sur, pues es una freguesía del municipio de Abrantes en el
Distrito de Santarém..

326
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

tierra y vasallos de realengo, lo que motivó un descontento de la nobleza que se


tradujo en un exilio a Castilla al comenzar la guerra en el año 1396” 17.

3. Exilio y asentamiento en Castilla

La crónica de Enrique III nos refiere como, en 1397, “pasaron de Portugal


á Castilla Martín Vázquez é sus hermanos, que se decían Lope Vázquez, e Gil
Vázquez, con cien lanzas las mejores de Portugal” 18. En compensación por la
cantidad de posesiones que dejaban atrás en Portugal, ese mismo año, Enrique
III les hizo merced de diversos privilegios y donaciones. Gil recibe las villas de
Mansilla, Rueda y Castilberrón, en tierras leonesas, aunque posteriormente
retorna a Portugal, tras la firma de la tregua entre ambos reinos en 1402. Por
ello, serán sus dos hermanos, Martín y Lope, los que se conviertan en los proge-
nitores de algunos de los linajes castellanos más importantes, como los Villena y
los Osuna, con grandeza de España desde su concesión por Carlos I en 1520, o
de los Buendía, respectivamente.

3.1. Martín Vázquez de Acuña: progenitor de los marqueses de Villena


y duques de Escalona, de los duques de Osuna y de los condes de
Valencia de Don Juan

Martín Vázquez de Acuña se trata del hijo primogénito de Vasco Martínez


de Acuña y Beatriz Suárez de Albergaría. En Portugal había contraído matrimonio
con Teresa Téllez Girón, con quien había tenido catorce hijos. Sin embargo, a su
llegada a Castilla en 1397, se casa en segundas nupcias con María de Portugal,
hija del infante Juan de Portugal, quien acababa de fallecer y había recibido de
Enrique III en 1387 el título de duque de Valencia de Campos (León), rebau-
tizada como Valencia de Don Juan en recuerdo a dicho infante, título que pasa
ahora pero con dignidad condal a Martín Vázquez de Acuña por su matrimonio 19.

17
ROMERO PORTILLA, Paz, op.cit. p. 530.
18
LÓPEZ DE AYALA, Pedro, Crónicas de los Reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don
Juan I, Don Enrique III, En Madrid: en la imprenta de Don Antonio de Sancha. Se hallará en su
Librería en la Aduana Vieja, 1779.
19
Se trata, por tanto, de uno de los primeros títulos ducales concedidos en Castilla, pues en los
reinos peninsulares no se crea una nobleza titulada hasta el siglo XIV por influencia francesa:
DE MOXÓ MONTOLIU, Francisco, “Jaime II y la nueva concesión de títulos nobiliario en la
España del siglo XIV”, Historia Medieval, Anales de la Universidad de Alicante, 9 (1992-1993),
pp. 133-143.

327
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Martín se casaba, así, con la hija del infante que había recibido el apoyo de la
facción legitimista-nacionalista liderada por el linaje Acuña durante la crisis de
sucesión portuguesa.
Entre los descendientes del primer matrimonio con Teresa Téllez Girón,
cabe destacar a su hijo Alfonso, quien adoptó los apellidos maternos y fue el
progenitor de dos de los linajes más importantes de Castilla a través de sus dos
hijos (ver cuadro genealógico III). Contrajo matrimonio con María Pacheco,
nieta de Diego López Pacheco, linaje exiliado también de Portugal a finales del
siglo XIV. Sus hijos Juan Pacheco (1419-1474), nombrado marqués de Villena
(Alicante) por Juan II en 1445 y duque de Escalona (Toledo) por Enrique IV
en 1472, y Pedro Girón (1423-1466), Maestre de Calatrava, desempeñaron un
importante papel en la política del reino durante el conflicto sucesorio desenca-
denado durante el reinado de Enrique IV 20.
El meteórico ascenso del linaje fue posible gracias a la influencia de Juan
Pacheco sobre Enrique IV 21, emulando así la privanza que había ejercido el
condestable Álvaro de Luna 22 sobre Juan II. Había sido el condestable quien
había favorecido su acceso a la corte como doncel del príncipe don Enrique,
lo que le permitió fraguar su amistad con el futuro monarca desde la infancia,
convirtiéndose en su camarero mayor en 1442. Apoyó a Juan II y su valido en la
lucha contra los Infantes de Aragón, hijos de Fernando de Antequera, tío de Juan
II que había ejercido de regente durante su minoría de edad hasta que fue elegido
rey de Aragón tras la muerte sin herederos de Martín I de Aragón, instalándose
la dinastía Trastámara también en el trono aragonés gracias al Compromiso de
Caspe de 1412. Sin embargo, debido a su origen, los llamados Infantes de Aragón
poseían amplias posesiones y fuertes intereses en el reino castellano y, por lo tanto,
protagonizaron intensas luchas de poder durante el reinado de su primo Juan II,
casado con una de ellos, María de Aragón. Juan Pacheco participó así en la deci-
siva Batalla de Olmedo de 1445, recibiendo como recompensa el marquesado
20
Sobre este monarca destaca el estudio pionero realizado por MARAÑÓN, Gregorio, Ensayo
biológico sobre Enrique IV de Castilla y su tiempo, Madrid, Espasa-Calpe, 1998
21
Ante la inexistencia de un estudio global sobre el marquesado de Villena, podemos destacar
algunos trabajos dedicados a su figura más destacada, Juan Pacheco, como los de FRANCO
SILVA, Alfonso, Juan Pacheco, privado de Enrique IV de Castilla: la pasión por la riqueza y el
poder, Granada, Universidad, 2011; o la tesis de FRÍAS PONCE, Irene, Don Juan Pacheco,
marqués de Villena (1419-1474), Madrid, Universidad Nacional de Educación a Distancia,
1990.
22
Los Acuña estaban emparentados con el condestable ya que su abuela paterna, Teresa de
Albornoz, pertenecía a uno de los linajes castellanos más destacados, los Albornoz, que, como
veremos, emparentaron también con los Acuña a través del matrimonio de Lope Vázquez de
Acuña con Teresa Carrillo de Albornoz, siendo ambas Teresas primas (ver cuadro genealógico V)

328
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

de Villena. Tras la ejecución de Álvaro de Luna en Valladolid en 1453 gracias a


las intrigas de la nueva esposa de Juan II, Isabel de Portugal, contraria al ascen-
diente del condestable sobre su marido, Juan Pacheco heredó gran parte de las
vastas posesiones que había ido acumulando el condestable gracias a las generosas
mercedes concedidas por Juan II.
Con el fallecimiento al año siguiente, en 1454, de Juan II, su hijo Enrique
IV asciende al trono y los Acuña detentan el máximo poder e influencia en la corte
a través de las figuras de Juan Pacheco, su hermano Pedro Girón y, como veremos,
su tío el arzobispo de Toledo, Alfonso Carrillo de Acuña. Para contrarrestar la
influencia de Pacheco, Enrique IV incorpora nuevos consejeros, que además son
de origen humilde, como Miguel Lucas de Iranzo o Beltrán de la Cueva. Este
último conseguirá cada vez mayor peso e importancia, siendo nombrado conde
de Ledesma (Salamanca) en 1462 y duque de Alburquerque (Badajoz) en 1464.
A pesar del ascenso del nuevo valido, Juan Pacheco siguió recibiendo también
importantes mercedes y privilegios de Enrique IV como la dignidad de Mariscal
de Castilla en 1458, el condado de Xiquena (Murcia) y el marquesado de los
Vélez (Almería) en 1460 o el cargo de alcaide mayor de Asturias en 1461. Pero
su distanciamiento con el monarca y la pérdida de poder e influencia, unido a su
ambiciosa personalidad, le lleva a enemistarse con Enrique IV, iniciándose en la
última etapa de su reinado un periodo turbulento debido al problema sucesorio 23.
Tachado de impotente debido a su incapacidad de procrear un heredero con su
primera mujer Blanca de Navarra y después de siete años de su matrimonio con
Juana de Avís, por fin, en 1462, nace una hija, Juana. Sin embargo, el bando de
nobles desafectos, alegando su impotencia, que él mismo había utilizado como
argumento para conseguir la nulidad de su primer matrimonio, van a considerar
a esta hija fruto del romance habido entre la reina y el nuevo valido Beltrán de
la Cueva, siendo conocida por tanto con el sobrenombre de “la Beltraneja”. A
pesar de ello, Enrique IV hace jurarla como su heredera, posible gracias a que en
el reino de Castilla no existía una ley que prohibiera reinar a las mujeres. Por su
parte, la liga de nobles desafectos a Enrique IV, capitaneados por Juan Pacheco,
firman un manifiesto en Burgos en septiembre de 1464, documento de carácter
político en el que se critica la política de Enrique IV por imponer tributos exce-
sivos y favorecer a judíos, musulmanes y personas procedentes de estratos sociales
bajos en detrimento de la nobleza. No obstante, se responsabiliza de los males
del reino no al monarca sino al valido, Beltrán de la Cueva, declarando ya abier-
tamente la ilegitimidad de la princesa Juana. Exigen, por tanto, la destitución

23
VAL VALDIVIESO, Isabel del, “La sucesión de Enrique IV”, Espacio, tiempo y forma. Serie III,
Historia Medieval, 4, (1991), pp. 43-78.

329
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inmediata del favorito y el nombramiento del infante don Alfonso como nuevo
príncipe de Asturias. Como vemos, esta liga de nobles va a apoyar como legítimo
heredero al hermanastro del rey, el infante don Alfonso, hijo de Juan II y su
segunda esposa Isabel de Portugal y, tras su prematura muerte en 1468, pasarán a
defender los derechos de su hermana Isabel. Ante la oposición del monarca, la liga
de nobles llegó a proclamar rey al infante en la llamada Farsa de Ávila el 5 de junio
de 1465, en la cual participaron los tres principales miembros del linaje Acuña,
despojando a la efigie del rey Enrique IV de los símbolos reales: la corona, el cetro
y la espada. Así nos refiere estos acontecimientos el escritor coetáneo conocido
como el Arcediano del Alcor:

[…] Y en la plaza de Ávila hicieron un gran cadalso, y allí en una silla


real pusieron una estatua de hombre a figura del rey Don Enrique vestido
de luto con una corona en la cabeza y un cetro en la mano y un estoque
ceñido y espuelas calzadas, y delante de la estatua leyeron públicamente
capítulos de historias antiguas de reyes, que por sus culpas habían sido
depuestos y privados de sus reynos, y así mesmo leyeron ciertos delitos
no muy honesto, que decían haber cometido el mesmo rey, por los cuales
pretendían que merecía ser privado del reyno y luego, por mandado del
dicho Infante Don Alonso, subió al tablado Don Rodrigo de Pimentel,
conde de Benavente, y quitó a la estatua el cetro que tenía en la mano y
echóle al suelo; tras él subió Don Álvaro de Stúñiga, conde de Plasencia, y
quitóle el estoque y echóle a tierra; luego Don Rodrigo Manrique, conde
de Paredes, le descalzó las espuelas y las arrojó en el suelo, y después Don
Alonso Carrillo, arzobispo de Toledo, porque era primado de la iglesia de
España, y porque diz que este rey no usaba bien de la corona real, se la quitó
de la cabeza y la echó en tierra: en fin subió Diego López de Estúñiga, y
tomó la mesma estatua, y dio con ella de la silla abaxo; entonces, tocando
muchas trompetas y otros instrumentos subieron al infante Don Alonso
y sentáronle en la mesma silla real, y pusiéronle corona, y besáronle todos
la mano por rey de Castilla, y por tal lo juraron, siendo vivo y sano el rey
Don Enrique su hermano mayor 24.

Juan Pacheco recibió también por parte del infante importantes mercedes
como el título de Gran Maestre de la Orden de Santiago, la orden religiosa y
militar más importante de Castilla, concedido en 1467. Tras la prematura muerte

24
FERNÁNDEZ DE MADRID, Alonso (Arcediano del Alcor): Silva Palentina, Palencia,
Diputación de Palencia, 1976, p. 314.

330
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

del infante, acaecida en Cardeñosa (Ávila) el 5 de julio 1468 con tan sólo catorce
años, pasan a apoyar a su hermana Isabel. En ambos casos, estos nobles preten-
dían controlar al monarca, bien por su juventud en el caso del infante, bien por
su condición de mujer en el caso de la infanta Isabel. Sin embargo, la fuerte
personalidad de Isabel llevó finalmente a Juan Pacheco a enemistarse con ella.
Ya desde el primer momento la todavía infanta se negó a ser proclamada reina
en vida de su hermanastro Enrique IV, tal y como había ocurrido con el infante
don Alfonso en la Farsa de Ávila y, así, a través de los Pactos de Guisando (Ávila)
en septiembre de 1468 el rey la reconoce como heredera, apartando a su propia
hija de la línea de sucesión y fortaleciendo la postura de los que la consideraban
ilegítima. A cambio, Enrique IV se reservaba el derecho de casar a la ahora prin-
cesa con un pretendiente de su elección. Trato que la ahora reconocida princesa
no cumplió pues, gracias a las negociaciones del arzobispo Carrillo y Gutierre de
Cárdenas, al año siguiente, en Cervera (Lérida) el 5 de marzo de 1469, se cierran
las capitulaciones matrimoniales con el hijo y heredero de Juan II de Aragón, su
primo Fernando de Aragón. Ante el temor de que Enrique IV se opusiera a este
enlace, Isabel huye de Ocaña (Toledo), villa propiedad del marqués de Villena,
bajo cuya custodia había quedado la princesa, y se refugia en Valladolid, villa
afín a los Enríquez, señores de Medina de Rioseco (Valladolid) y almirantes de
Castilla, partidarios también de la princesa y parientes del heredero aragonés,
pues la madre de Fernando, Juana Enríquez, pertenecía a este importante linaje
castellano, única hija del almirante Fadrique Enríquez y su primera mujer María
Fernández de Córdoba y Ayala.
Finalmente, ante las continuas muestras de resistencia a su autoridad por
parte del joven matrimonio, en sus últimos años de vida Pacheco pasó a apoyar
al bando de Juana la Beltraneja, casada con Alfonso V de Portugal. El marqués
de Villena muere el 4 de octubre de 1474, dos meses antes del fallecimiento del
propio Enrique IV el 11 de diciembre de ese año y del inicio, por tanto, de la
guerra de sucesión castellana. Será su primogénito, Diego López Pacheco, quien
continúe, sin la autoridad y carisma de su padre, con el apoyo al bando de la
Beltraneja, respaldada por Portugal y por numerosos nobles castellanos, algunos
de origen portugués y con importantes posesiones y castillos en la frontera entre
ambos reinos como Extremadura, Salamanca, Zamora, León o Galicia, adecuados
para servir como base de operaciones durante el enfrentamiento bélico. Por ello,
tras el fin del conflicto, la reina Isabel permitió a los Pacheco seguir utilizando de
forma honorífica el título de marqueses de Villena pero la jurisdicción y las rentas
del señorío pasaron a pertenecer de nuevo a la corona, recuperando así su condi-

331
áLvAro pAjAres

ción realenga 25. Gran parte del marquesado, además, se había visto afectado por
una auténtica revuelta antiseñorial aprovechando el enfrentamiento bélico, donde
cabe destacar, en la propia Villena, la llamada rebelión de las cinco campanadas
en febrero de 1476. Algunas villas, no obstante, se mantuvieron fieles al marqués
como Belmonte, Escalona, Alarcón o Castillo de Garcimuñoz. Para hacerse con
el control de las villas afines a Pacheco, los reyes enviaron a las tropas reales bajo
las órdenes de Jorge Manrique y Pedro Ruíz de Alarcón, resistiéndoseles algunas
villas como Garcimuñoz, en cuyo asedio falleció el poeta Jorge Manrique. El
marquesado de Villena tiene su origen en el señorío concedido por Alfonso X a su
hermano el infante don Manuel a mediados del siglo XIII, posteriormente entre-
gado por Enrique IV a Juan Pacheco con título de marquesado en 1445. Abarcaba
una vasta extensión en el suroeste del reino castellano, extendiéndose por el sur
de Cuenca, Albacete y el reino de Murcia. Su villa cabecera, Villena (Alicante),
había sido definitivamente reconquistada por Jaime I de Aragón en 1240, a pesar
de que los Tratados de Tudilén (1151) y Cazola (1179) habían reconocido que se
encontraba en la franja de expansión natural del reino castellano. Por ello, en el
Tratado de Almizra de 1244, se devolvía a Castilla, estableciéndose así definiti-
vamente la frontera entre ambos reinos. Contaba además con importantes plazas
como Belmonte, Castillo de Garcimuñoz o Alarcón, en tierras conquenses, Chin-
chilla de Montearagón, Almansa, Hellín o la propia Albacete en dicha provincia y
algunas villas alicantinas y murcianas. La amplia extensión de este señorío obligó
a dividirlo en dos partidos, el meridional y el septentrional y, en 1586, tras su
retorno al realengo, fue divido también en dos corregimientos independientes: el
de Chinchilla de Montearagón (Albacete) y el de San Clemente (Cuenca).
A partir de entonces, el linaje Pacheco sigue ostentando un importante
papel en la corte castellana, aunque sin el protagonismo alcanzado por Juan
Pacheco, y, aunque privados del marquesado de Villena, mantuvieron impor-
tantes estados señoriales, al haber heredado las amplias posesiones del valido de
Juan II, el condestable Álvaro de Luna, tras su ejecución en Valladolid en 1453,
tanto en tierras castellano-manchegas a través del ducado de Escalona (Toledo),
como castellanoleonesas, como el condado de San Esteban de Gormaz en Soria o
los señoríos de Maderuelo y Ayllón en Segovia, entre otros. A través de las prác-
ticas endogámicas de la élite nobiliaria castellana a lo largo de la Edad Moderna 26,

25
FRANCO SILVA, Alfonso, La pérdida definitiva del marquesado de Villena: Don Diego II López
Pacheco, Cádiz, Universidad, 2007.
26
ATIENZA HERNÁNDEZ, Ignacio, “Nupcialidad y familia aristocrática en la España
moderna: estrategia matrimonial, poder y pacto endogámico”, Zona abierta, 43-44, (1987), pp.
97-112

332
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

fueron absorbiendo otros títulos hasta que, finalmente, el marquesado de Villena


se integró a su vez en la casa ducal de Frías en el siglo XVIII.
Por su parte, a pesar de la condición de gran maestre de la orden de Cala-
trava ostentada por Pedro Girón, hermano de Juan Pacheco, circunstancia que
le obligaba a permanecer célibe, llegó a tener cuatro hijos con Inés de las Casas,
legitimados por Enrique IV y el Papa Pío II en 1459. Su hijo Alfonso Téllez
Girón recibió el título condal sobre su villa de Urueña (Valladolid) por merced
de Enrique IV en 1464 y fue sucedido, tras su prematura muerte en 1469 a
los dieciséis años, por su hermano Juan Téllez Girón. Sin embargo, los intereses
de esta rama del linaje se trasladaron al sur peninsular y, aunque mantienen en
tierras castellanoleonesas importantes títulos como los condados de Urueña y
Peñafiel, en Valladolid, a partir del siglo XVI la cabeza del estado señorial de
los Téllez Girón se traslada a la villa sevillana de Osuna, condado elevado a la
dignidad ducal por Felipe II en 1562 y convertida en el siglo XVIII en una de las
principales casas aristocráticas españolas gracias a la absorción de números títulos
y estados señoriales a través de las alianzas matrimoniales entre los miembros del
estamento nobiliario a lo largo de la Edad Moderna 27.
Por último, fruto del segundo matrimonio de Martín Vázquez de Acuña
con María de Portugal, cabe destacar a su hijo Pedro de Acuña y Portugal, del
que descienden los condes de Valencia de Don Juan (ver cuadro genealógico IV).
El hijo de éste, Juan de Acuña y Portugal, manda construir el castillo de esta
localidad leonesa pero muere durante la guerra de sucesión castellana en 1475 en
circunstancias no aclaradas. Partidario de Enrique IV y su hija Juana la Beltraneja,
durante una visita de su cuñado Juan Robles, partidario de Fernando e Isabel,
falleció al precipitarse desde una de las ventanas del castillo, no habiéndose escla-
recido si fue asesinado o si cayó fortuitamente al intentar escapar. Finalmente, el
título condal acabó integrándose poco después dentro de la casa ducal de Nájera
(La Rioja).

3.2. Lope Vázquez de Acuña y el condado de Buendía

Lope Vázquez de Acuña era el hijo pequeño de Vasco Martínez de Acuña y


Beatriz Suárez de Albergaría y su trayectoria ha pasado más desapercibida, aunque
resulta también de gran interés. Al igual que sus hermanos, recibió por merced

27
El estudio realizado por Ignacio Atienza sobre la cada ducal de Osuna es uno de los trabajos
pioneros en el estudio de la nobleza española, ATIENZA HERNÁNDEZ, Ignacio, Aristocracia,
poder y riqueza en la España moderna. La casa de Osuna siglos XV-XIX, Madrid, Siglo XXI de
España editores, S.A., 1987.

333
áLvAro pAjAres

de Enrique III en 1397, tras exiliarse de Portugal y asentarse de Castilla, las villas
alcarreñas de Buendía (Cuenca) y Azañón (Guadalajara). Consolidó su posición en
Castilla a través de su matrimonio con Teresa Carrillo de Albornoz, uno de los linajes
más importantes de la región conquense, hija de Gómez Carrillo y Castañeda, señor
de Paredes (Cuenca) y Ocentejo (Guadalajara), Alcalde mayor de los Hijosdalgo de
Castilla, ayo del futuro rey Juan II de Castilla, Alcalde mayor y Entregador de Mestas
y Cañadas, y de su mujer Urraca Álvarez de Albornoz, señora de Portilla (Cuenca),
Valdejudíos (Cuenca) y Navahermosa (Toledo), siendo su hermano el arzobispo
de Sigüenza y Cardenal de San Eustaquio Alonso Carrillo de Albornoz, linaje que
cuenta además con una capilla funeraria en la catedral conquense. Asimismo se
involucró en el gobierno municipal de Cuenca, ejerciendo en su concejo los cargos
de alcalde (1417), fiel caballero de la sierra (1422) y almotacén (1443). El 3 de
agosto de 1446 estando en su villa de Portilla, redactan su testamento donde crean
dos mayorazgos 28, uno sobre las villas de Buendía y Paredes para su primogénito,
Pedro Vázquez de Acuña, y otro sobre las villas de Azañón y la mitad de Valtablado
para su hijo Lope Vázquez de Acuña, progenitor de la rama afincada en Cuenca y
titulado de forma efímera duque de Huete (Cuenca), pues tras la guerra de sucesión
castellana los Reyes Católicos revocan este nombramiento. En la región alcarreña,
no obstante, la política patrimonial del linaje se vio afectada por el avance de una de
las ramas de los Mendoza, señores de Cañete (Cuenca), título elevado a marquesado
por Carlos I en 1530. Por último, entre los hijos de este matrimonio cabe destacar
también la figura de Alfonso Carrillo de Acuña, arzobispo de Toledo, quien jugó
también un trascendental papel en los sucesos que sacudieron Castilla en el siglo
XV (ver cuadro genealógico VI).
Lope Vázquez de Acuña fallece en Cuenca el 7 de septiembre de 1447, día
en el que se abrió y se publicó su testamento, y es sucedido por Pedro Vázquez de
Acuña y Albornoz, II señor de Buendía, quien había ido ascendiendo en la corte
de Juan II y Enrique IV, ejerciendo dos importantes cargos cortesanos, Oficial
del Cuchillo o Trinchante al menos desde 1427, encargado de servir en la mesa
al monarca, y Guarda Mayor desde 1436, jefe de la guardia militar encargada de
la protección personal del rey. Asimismo, esta rama del linaje Acuña consiguió
patrimonializar el cargo de Alcalde Entregador de las Mestas y Cañadas, máxima
autoridad jurisdiccional del poderoso Honrado Concejo de la Mesta y que había
pertenecido a los Carrillo de Albornoz hasta la renuncia de Gómez Carrillo en
1417. Participó activamente en la vida política, social y militar del turbulento siglo

28
Escritura de fundación de mayorazgo de Buendía, otorgada por don Lope Vázquez de Acuña y doña
Teresa Carrillo de Albornoz, su mujer, 1446, Real Academia de la Historia [RAH], Colección
Salazar y Castro, 9/228, fol. 5-15.

334
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

XV castellano, apoyando a Juan II y su sobrino el condestable Álvaro de Luna


(ver cuadro genealógico V) en su lucha contra los llamados Infantes de Aragón.
Interviene en el enfrentamiento con Juan de Navarra, futuro Juan II de Aragón,
en Medina del Campo en 1441, siendo hecho prisionero por los Enríquez en
Urueña al año siguiente. Asimismo tomó parte también en la primera batalla de
Olmedo en 1445 y en el sitio de Palenzuela (Palencia) en 1451. En recompensa a
sus servicios, en 1432 recibe por merced de Juan II las villas de Mansilla, Rueda
y Castilberrón, y los condados de Colle y Parma, en tierras leonesas, que habían
pertenecido ya a su tío Gil de Acuña. Sin embargo, tras la firma de la paz con Juan
de Navarra en 1439 permuta estas posesiones por la villa palentina de Dueñas 29,
donde establecen la cabeza de sus estados señoriales por su posición estratégica y
su proximidad a la capital del Pisuerga, a Valladolid.
Pero, como hemos visto, el ascenso en la corte castellana tendrá lugar con
motivo de su apoyo al bando alfonsino, primero, e isabelino, posteriormente,
cuando estalle el problema sucesorio durante el reinado de Enrique IV. Tanto
Pedro Vázquez de Acuña como su hermano, el arzobispo Carrillo, formaron parte
desde un primer momento de la liga de nobles desafectos a Enrique IV, junto
a sus sobrinos Juan Pacheco, marqués de Villena, y su hermano Pedro Girón,
maestre de Calatrava. El arzobispo participó activamente en la Farsa de Ávila y,
a través de su intermediación, el infante Alfonso, cuatro días después de haberse
autoproclamado rey, el 9 de junio de 1465, concede el título condal de Buendía
a Pedro Vázquez de Acuña 30. La concesión de este título supuso un intento de
legitimar su posición en un contexto de dualidad monárquica, ya que la conce-
sión de títulos era una prerrogativa exclusiva de la corona 31. Asimismo, el arzo-
bispo Carrillo fue el principal artífice del matrimonio entre Isabel y Fernando,
con quienes establecen también lazos sanguíneos a través del matrimonio de
su sobrino, Lope Vázquez de Acuña, futuro II conde de Buendía, hijo de su
hermano Pedro Vázquez de Acuña, con Inés Enríquez de Quiñones, hija del almi-
rante de Castilla Fadrique Enríquez y su segunda esposa Teresa Fernández de
Quiñones y, por lo tanto, tía del aragonés, como hermanastra de su madre Juana

29
Privilegio de Juan II, rey de Castilla, por el que hace merced de la villa de Dueñas (Palencia) a don
Pedro de Acuña, (después I conde de Buendía), 1439, RAH, Colección Salazar y Castro, 9/228,
fol. 72-74.
30
Cédula del infante Alfonso, rey que se tituló de Castilla, por la que concede el título de conde de
Buendía a Pedro de Acuña, 1465, RAH, Colección Salazar y Castro, M.35, fol. 137.
31
MORALES MUÑIZ, Dolores Carmen, “La concesión del título de (I) conde de Buendía por el
rey Alfonso XII de Castilla (1465) como expresión de poder del linaje Acuña”, Espacio, Tiempo
y Forma. Historia Medieval, 19, (2006), pp. 197-210.

335
áLvAro pAjAres

Enríquez. Por ello, siguiendo al cronista Alonso de Palencia 32, tras las capitula-
ciones matrimoniales, cuando Isabel huye de Ocaña en 1469, refugiándose con
los Enríquez en Valladolid, Fernando emprende en secreto un viaje hacia Castilla,
atravesando la frontera de ambos reinos disfrazado de arriero a través del Campo
de la Gomara soriano y terminado su periplo el 9 de octubre de 1469 en Dueñas,
alojándose en el palacio de los condes de Buendía. El 14 de octubre se traslada a
Valladolid para conocer a Isabel e intercambiarse los presentes acostumbrados y
esa misma noche retorna a Dueñas para, el día 18, trasladarse definitivamente a
Valladolid y contraer matrimonio en una doble ceremonia celebrada entre el 18
y el 19 de octubre en el Palacio de los Vivero de Valladolid. Este palacio en esos
momentos se encontraba vinculado también a los Acuña, pues su dueño, Juan
Pérez de Vivero, había contraído matrimonio en 1456 con María de Acuña, hija
de Pedro Vázquez de Acuña, I conde de Buendía, quien ejerció de madrina en los
desposorios, junto a Fadrique Enríquez, abuelo del novio, que ejerció de padrino.
Este enlace suponía la ruptura de los Pactos de Guisando (1468), pues la princesa
Isabel se había comprometido a aceptar que fuera su hermanastro, Enrique IV,
quien habría de dar su consentimiento a la princesa para contraer matrimonio.
Enrique no aprobó este enlace y, en la llamada Ceremonia de Val de Lozoya
(25 de noviembre de 1470), vuelve a reconocer como heredera a su hija Juana.
Enrique amenaza con avanzar sobre Valladolid e Isabel y Fernando deciden, en
mayo de 1470, refugiarse en Dueñas permaneciendo el resto del año en el palacio
de los condes de Buendía, donde nace su primogénita, Isabel de Aragón, futura
reina de Portugal 33.
De nuevo, al igual que le había ocurrido a Pacheco, la tensión entre los
futuros monarcas y el arzobispo Carrillo, quien había sido uno de sus principales
valedores en su conquista del trono, llevó también al prelado a enemistarse con
ellos por la determinación de los príncipes de no depender de ningún noble como
había ocurrido en los reinados anteriores. Pasa a apoyar así al bando de la Beltra-
neja en la guerra de sucesión y, tras la victoria de Isabel y su consolidación en el
trono con la firma del Tratado de Alcaçobas-Toledo en 1479, se retira a sus pose-
siones. Alejado de la corte y pérdida toda influencia, fallece en su villa de Alcalá
de Henares (Madrid), entonces villa dependiente del arzobispado de Toledo, en
1482. Por el contrario, su hermano Pedro Vázquez de Acuña, I conde de Buendía,
se mantuvo fiel a Isabel, quien aprueba en 1480 el nuevo mayorazgo fundado por

32
PALENCIA, Alonso de, Crónica de Enrique IV. Introducción de Antonio Paz y Meliá, Madrid,
Atlas, 1975. Tomo II, Década II, Libro II, Capítulos III y IV.
33
VALERA, Diego de, Memorial de diversas hazañas: crónica de Enrique IV. Edición y estudio por
Juan de Mata Carriazo, Madrid, Espasa-Calpe, S.A., 1941, p. 179.

336
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

él y su mujer, Inés de Herrera, en 1475 34. A pesar de la influencia que alcanzó


esta rama del linaje en los siglos XV y XVI, también acabó por desaparecer absor-
bida por otras casas tras el fallecimiento sin herederos varones de Juan de Acuña
y Acuña, VI conde de Buendía, en 1592, pasando primero a los Padilla, condes
de Santa Gadea y adelantados mayores de Castilla, posteriormente a los Sandoval
y Rojas, duques de Lerma, Cea y Uceda, y finalmente, en el siglo XVII, a la casa
ducal de Medinaceli, que sigue ostentando el título 35.

4. La creación de una identidad nobiliaria y la representación


simbólica del linaje en la Castilla bajomedieval y moderna

A imitación de las prácticas puestas en marcha por el poder monárquico


para el fortalecimiento de la autoridad real a través de la utilización de la imagen y
el lenguaje en una sociedad con un claro predominio de lo simbólico y lo visual, la
élite nobiliaria recurrió también a diversas estrategias de representación del poder
ante sus súbditos 36. Nos centraremos aquí en diversos instrumentos y estrategias
utilizadas desde la Edad Media por la élite nobiliaria para la manifestación externa
de su poder político, militar, económico y social y para su consolidación como
estamento privilegiado en la sociedad del Antiguo Régimen. Estas herramientas
abarcan desde la creación de relatos míticos sobre su origen hasta la utilización
de símbolos y gestos que expresan su dominio político y social sobre la población
como los escudos de armas, los panteones nobiliarios, las residencias señoriales e,
34
Escritura de fundación del segundo mayorazgo de la casa de Buendía (Cuenca), otorgada por don
Pedro de Acuña, I conde de Buendía, y doña Inés de Herrera, su mujer, 1475, RAH, Colección
Salazar y Castro, 9/288, fol. 18-30.
35
Sobre el condado de Buendía podemos destacar las obras de ORTEGA CERVIGÓN, José
Ignacio, “El arraigo de los linajes portugueses en la Castilla bajomedieval: el caso de los Acuña en
el obispado de Cuenca”, Medievalismo: Boletín de la Sociedad Española de Estudios Medievales, 16,
(2006), pp. 73-92; y ORTEGA GATO, Esteban, “La villa de Dueñas y los condes de Buendía
durante los Reyes Católicos”, Publicaciones de la Institución Tello Téllez de Meneses, 6, (1951), pp.
279-344, así como nuestro Trabajo Fin de Máster ya mencionado (véase nota 10)
36
Para la utilización no sólo de los símbolos y las imágenes, sino también de las palabras y los gestos
como instrumento de dominio social, aunque circunscrito al ámbito de las tomas de posesión,
cabe destacar el estudio de BECEIRO PITA, Isabel, “El escrito, la palabra y el gesto en las
tomas de posesión bajomedievales”, Studia historica, Historia medieval, 12, (1994), pp. 53-82;
CENDÓN FERNÁNDEZ, Marta y BARRAL RIVADULLA, María Dolores, “La palabra, el
gesto y la imagen: comportamiento y vida cotidiana de la nobleza bajomedieval gallega”, Semata:
Ciencias sociais e humanidades, 14, (2003), 363-406; y, sobre todo, PALENCIA HERREJÓN,
Juan Ramón, “Elementos simbólicos de poder de la nobleza urbana en Castilla: los Ayala de
Toledo al final del Medievo”, La España Medieval, 18, (1995), pp.163-179.

337
áLvAro pAjAres

incluso, la ritualización de una serie de pautas de comportamiento y ceremoniales


en todos los ámbitos de la vida no sólo pública sino también doméstica y privada.

4.1. La heráldica y la genealogía como elementos simbólicos del


linaje: el escudo de armas y los relatos míticos sobre los orígenes
del linaje

Las manifestaciones literarias e historiográficas que proliferaron en la Europa


occidental desde la Baja Edad Media empezaron a destacar la importancia de enal-
tecer la existencia de una figura fundadora del linaje, tronco común del que descen-
derían todos los miembros de una misma estirpe y del que se construye también
una historia gloriosa a través de sus hazañas militares y guerreras con el objeto de
ensalzar su prosapia y abolengo. Este tipo de literatura se desarrolló a partir del
siglo XIII dentro de la propia monarquía y, en Castilla, es a principios del siglo
XIV cuando nos encontramos ya la primera utilización evidente de las hazañas
de algún antecesor para afirmar la importancia de un noble en el Libro de las tres
razones del infante don Juan Manuel. Esta importancia del linaje se acentúa en los
reinos peninsulares a partir del siglo XVI debido al peso y valor que van adquirir
los estatutos de limpieza de sangre para acreditar la descendencia de una persona de
cristianos viejos al menos durante las últimas cuatro generaciones, excluyendo así
a la importante población judía y musulmana incluso tras su expulsión y conver-
sión. Estos estatutos eran exigidos para acceder a determinadas instituciones como
órdenes militares, gremios, universidades, colegios mayores, etc. Y, así, en los siglos
XVI y XVII, las principales familias aristocráticas van a reivindicar la importancia
de la antigüedad de su progenie y van a proliferar nobiliarios como el de Alonso
López de Haro 37. A pesar de ello, como ha demostrado Domínguez Ortiz 38, la
mayoría de estos linajes no podían retrotraerse más allá del siglo XIV, por lo que
van a surgir genealogías que, aprovechando la escasez de documentación de etapas
anteriores, van a crear linajes míticos que reivindican orígenes regios o heroicos. En
este sentido, Beceiro Pita 39 diferencia hasta seis grupos reclamados como ancestros
por los linajes castellanos del siglo XV, entre los que destacan los reyes asturleoneses,
los reyes godos o los llamados jueces de Castilla. Como ya hemos visto, los Acuña

37
LÓPEZ DE HARO, Alonso, Nobiliario genealógico de los reyes y títulos de España: dirigido a la
majestad del rey Don Felipe IV nuestro señor, Madrid, 1622.
38
DOMÍNGUEZ ORTIZ, Antonio, La sociedad española en el siglo XVII, 1. El estamento
nobiliario, Granada, Universidad de Granada, 1992.
39
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje en la Castilla
bajomedieval”, en Relaciones de poder, de producción y parentesco en la Edad Media y Moderna.
Madrid, (1990), pp. 338-339.

338
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

no son ajenos a la realidad castellana y se han propuesto varias hipótesis sobre sus
orígenes, vinculándoles incluso con la casa real asturleonesa.

Estrechamente relacionado a la elaboración de estos relatos míticos sobre


los orígenes dinásticos, nos encontramos con el desarrollo de los escudos de armas
o blasones, que se convierten en el principal recurso de representación de los
linajes nobiliarios. Tienen su origen en los escudos y pendones militares que los
nobles o caballeros utilizaban en las guerras para que su hueste fuera recono-
cible durante los enfrentamientos bélicos, dado que el casco ocultaba el rostro.
Pero ya en la segunda mitad del siglo XIII esta primitiva divisa —señal externa
de distinción en la guerra— había evolucionado hasta dar lugar a las armerías,
sistemas formados por un conjunto de emblemas y, desde mediados del siglo XIV,
el empleo de estos elementos simbólicos se extendió notablemente, experimen-
tando durante el siglo XV una gran profusión como fórmula de propaganda y
símbolo de poder y alcanzando una rápida evolución en sus funciones. El blasón
o escudo familiar se convierte así en uno de los símbolos más importantes de la
aristocracia medieval y moderna como emblema heráldico, desplegados como útil
herramienta de identificación que sirviera de propaganda. Nos los encontramos
así diseminados por las diferentes posesiones de las familias aristocráticas como
palacios, patronatos y fundaciones religiosas, bienes muebles, ofrendas litúrgicas y
otras propiedades personales, aunque uno de los momentos donde las diferencias
sociales se marcan y subrayan aún con más fuerza es en las exequias, la esceno-
grafía mortuoria y los monumentos funerarios, por lo que en este esfuerzo de las
élites por marcar esta diferencia, los emblemas heráldicos servirán de propaganda
a aquellos que pagaban aquellos fastuosos y solemnes funerales, y a quienes perte-
necían aquellas formidables capillas y sepulcros. Se convierte incluso en símbolo
de la casa y el linaje, vinculado al apellido, siendo regulado su uso en la fundación
de los mayorazgos, como es el caso del fundado por Pedro Vázquez de Acuña y
Albornoz en 1475:

Que sean tenudos y obligados de traer vuestras armas derechas que vos
agora tenedes de vuestro solar de Acuña que son cuñas y por orlas quinas
y asimismo ellos tomando y teniendo todavía para toda su vida vuestro
apellido y nombradía de Acuña y el que ansí lo no ficiere que por el mesmo
fecho e por eso mesmo derecho pierda el dicho maioradgo 40.

40
Escritura de fundación del segundo mayorazgo de la casa de Buendía (Cuenca), otorgada por don
Pedro de Acuña, I conde de Buendía, y doña Inés de Herrera, su mujer, 1475, RAH, Colección
Salazar y Castro, 9/288, fol. 18-30.

339
áLvAro pAjAres

El escudo de los Acuña estaba formado, por tanto, por nueve cuñas de
punta roma en azur, colocadas de tres en tres sobre campo de oro. La elección
de las cuñas como símbolo de representación del linaje se debe a su solar de
origen, a su señorío sobre la
freguesía de Cunha-Alta, en
Portugal. Aunque para otorgarle
mayor alcurnia se elaboró también
un relato legendario sobre su
origen y significado en el que se
relata como Alfonso I Enríquez
concedió a Fernando Peláez el
privilegio de usar las cuñas como
símbolo distintivo por su heroica
participación en la toma de Lisboa
de 1147 frente a los almorávides,
sirviéndose de unas cuñas bien
para anclar las puertas de la
muralla o bien para que sus huestes
escalaran los muros de la ciudad
para tomarla. Como recompensa,
el rey, agradecido, le permitió
Fig. 1: Escudo de armas de los condes de Buendía utilizar este símbolo como su
sobre la puerta de acceso a la iglesia del Hospital escudo de armas, relato narrado
de Santiago Apóstol en la localidad palentina de por Julio de Atienza y Navajas, II
Dueñas Barón de Cobos de Belchite, en su
Nobiliario español:

Estando sitiados los moros en la ciudad, [...] para evitar que saliese ninguno
de los sitiados y que tampoco pudiesen recibir refuerzos, cerró con cuñas
de hierro los pasos por donde podían entrar o salir personas por lo que
don Alonso I de Portugal le concedió usar, como armas, nueve cuñas en
campo de oro 41.

Estas cuñas, por tanto, forman parte de los escudos de armas de las dife-
rentes ramas del linaje Acuña asentadas en Castilla. Asimismo, en la borla del
escudo aparecen, sobre fondo de plata, cinco escudetes de azur con cinco bezantes

41
ATIENZA Y NAVAJAS (BARÓN DE COBOS DE BELCHITE), Julio de, Nobiliario español:
diccionario heráldico de apellidos españoles y de títulos nobiliarios, Madrid, Aguilar, 1948.

340
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

de plata puestos en sotuer y marcado cada uno, en el centro, de un punto de sable.


Estos escudetes representan las llamadas quinas de Portugal, incorporadas a la
bandera de Portugal por Alfonso I Enríquez en representación de las cinco llagas
de la Pasión de Cristo después de que Jesucristo crucificado se le apareciera en
un sueño antes de su victoria en la Batalla de Ourique (1139). Su presencia en el
escudo de los Acuña lo convierte en una evocación permanente del origen luso de
este linaje. Sin embargo, a este escudo inicial, cada una de las ramas del linaje fue
añadiendo diferentes elementos distintivos y, así, los condes de Buendía, sumaron
a finales del siglo XV trece bandera que fueron arrebatas por Lope Vázquez de
Acuña, II conde de Buendía, a los moros de Baza y Guadix en la Batalla de
Quesada en 1469 durante la campaña iniciada por Enrique IV contra el reino
nazarí de Granada y en la que participó activamente en su labor como adelantado
mayor de Cazorla (Jaén).
En el caso de otras ramas como la de los marqueses de Villena o la de los
duques de Osuna, la incorporación de otros títulos y la postergación del apellido
Acuña fueron relegando también el empleo de este escudo, aunque podemos
observar que, a pesar de ello, continuaron utilizándole con algunas variaciones.
Por lo que respecta a los marqueses de Villena y duques de Escalona, aunque
antepusieron el apellido Pacheco al de los Acuña, su escudo de armas se encuentra
dividido en cuatro cuarteles, apareciendo tanto las cuñas de los Acuña como los
calderos de los Pacheco. En este caso, las nueve cuñas se despliegan sobre una
banda de oro que cruza el cuartel transversalmente y con una cruz roja buidada
y floreteada en medio, que podría tratarse del símbolo de los Albergaría, familia
materna de Martín y Lope Vázquez de Acuña, hijos de Beatriz Suárez de Alber-
garía.
En el escudo de la casa condal de Valencia de Don Juan también nos encon-
tramos con las armas de los Acuña. Sobre campo de sable aparece una banda de
oro cargada con un escudete de gules sobrecargado de una cruz floreteada de
plata. A los costados de dicha banda aparecen las nueve cuñas de azur, cuatro
arriba y cinco abajo. Nos le podemos encontrar todavía en el castillo de Valencia
de Don Juan, junto al escudo de su mujer, el de los Enríquez. E, incluso, es el
escudo que ha tomado también la propia villa, pues era habitual que las antiguas
villas de señorío utilizaran como escudo el de sus señores, siendo adoptado defini-
tivamente tras la configuración de los ayuntamientos constitucionales en el siglo
XIX. Por último, la casa ducal de Osuna adoptó tanto el apellido como las armas
del linaje materno, el de los Téllez Girón, con tres girones de gules sobre campo
de oro, postergando el de los Acuña.
Estos dos elementos de representación del linaje, tanto el apellido como el
escudo de armas a él vinculado, están fuertemente relacionados a los conceptos

341
áLvAro pAjAres

de sangre y linaje. Sin embargo, como ha apuntado Beceiro Pita 42, la concreción
de la memoria familiar en Castilla se produce de forma tardía respecto al resto de
la Europa feudal debido a la características peculiares que se desarrollaron en la
Península a raíz de la ruptura de las estructuras sociales visigodas y su sustitución
por otras relativamente poco rígidas que acarreó la conquista musulmana y la
posterior repoblación de los núcleos cristianos. Por ello, hemos de esperar hasta
la Baja Edad Media, entre los siglos XIII y XIV, para encontrarnos los primeros
signos claros de esta memoria, en una época clave para la consolidación de la
transmisión hereditaria. Hasta el siglo XIII, en la Europa feudal se impuso el
derecho germánico, que en el caso peninsular es heredado del corpus legal visi-
godo conocido como Liber Iudiciorum, recopilado por Recesvinto en el siglo VII,
y conocido en la Castilla medieval como Fuero Juzgo, siendo traducido al caste-
llano durante el reinado de Fernando III en el siglo XIII. Entre los principios de
este derecho germánico cabe destacar el de la sucesión forzosa entre los hijos, por
el cual todos los hijos e hijas habían de recibir la misma parte en la herencia, lo
que fomentaba la disgregación del patrimonio y dificultaba la creación de una
conciencia de linaje. Será a partir del siglo XII cuando se produce la recepción del
Derecho Romano en el ámbito de las incipientes ciudades y universidades, que
en Castilla se refleja en los corpus legislativos del siglo XIII como El Espéculo, el
Fuero Real (1255) o Las Siete Partidas (1265) con Alfonso X o los diferentes Orde-
namientos de los siglos XIV y XV, tendentes al fortalecimiento el poder monár-
quico. Por su parte, la nobleza también se vio indirectamente beneficiada por el
triunfo de los conceptos de primogenitura y masculinidad, que se consolidarían
a través de la institución del mayorazgo. Así, en este orden jurídico, las Partidas
sancionan ya la primacía del sistema agnaticio, al igual que las mejoras de tercio
y los primeros mayorazgos. Prácticamente un siglo después, el Ordenamiento de
Alcalá de 1348 43, principal corpus legislativo de Castilla hasta el Ordenamiento
de Montalvo de 1484, que pretendía ser una recopilación de las diferentes leyes
y disposiciones regias de la Corona de Castilla desde Las Partidas, no sólo recoge
ya como una pujante realidad social y administrativa el señorío jurisdiccional,
sino que incluso admite que los señores puedan ganar la justicia por prescripción,
abriendo cauce con ello para que dominios nacidos simplemente como solariegos
adquieran también el carácter jurisdiccional. La mejora del tercio se puede consi-
derar como un antecedente del mayorazgo en el sentido de que habitualmente
42
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje en la Castilla
bajomedieval”, in PASTOR DE TOGNERI, Reyna (coord.), Relaciones de poder, de producción
y parentesco en la Edad Media y Moderna: aproximación a su estudio, Madrid, Centro Superior de
Investigaciones Científica, 1990, p. 330.
43
Ley III, tít. XVII

342
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

se beneficia al hijo mayor y está sometida a la condición de la inalienabilidad.


El ejemplo más antiguo conocido en los reinos peninsulares se remonta a 1229,
en Toledo, y especifica ya unas normas de sucesión que posteriormente serán
comunes a toda la nobleza: las referencias de la primogenitura, la masculinidad
y los descendientes directos y de mayor edad. Por lo que respecta al mayorazgo
propiamente dicho, el primero conocido en Castilla se puede fechar en 1291,
aunque no se consolidarán hasta la década de 1370, y, como hemos visto, los
Acuña crearon una de estas fundaciones vinculares más antiguas de la Península,
pues erigieron un mayorazgo sobre su señorío de Tábua hacia 1260. Con todo
ello, se consolida la vinculación hereditaria de un señorío a un linaje determinado
y, por tanto, contribuye también en la reivindicación por sus titulares de su propia
historia, favoreciendo la creación de una conciencia de linaje. Pero además, y en
consonancia con sus propias características jurídicas, la institucionalización de
este último sistema supone la referencia al antepasado fundador y a sus bienes
originarios, estableciéndose una cadena de poseedores, en la que cobran especial
relieve de cara al grupo familiar el autor del primer mayorazgo y el último titular
del ejercicio.

4.2. La manifestación del dominio señorial a través de las residencias


nobiliarias y las tomas de posesión

La construcción de castillos y, posteriormente, residencias palaciegas se


convirtió en otro importante elemento simbólico utilizado tanto por la monar-
quía como por la élite nobiliaria para exteriorizar su dominio sobre sus súbditos
y vasallos. Son numerosos los castillos y palacios que se conservan todavía hoy
en día repartidos por la geografía peninsular vinculados a las diferentes ramas
de los Acuña. Los castillos, pérdida su función defensiva y militar desde el siglo
XIV con la aparición de la pólvora y las armas de fuego, tienden a convertirse en
residencias señoriales y, así, el marqués de Villena llevó a cabo una importante
política de creación o renovación de los castillos existentes en sus dominios a
finales del siglo XV. En el propio marquesado de Villena, fomentó una intensa
política de renovación y fortalecimiento de la amplia red de castillos que confor-
maban sus amplios señoríos, otorgándoles la configuración que se ha mantenido
hasta nuestros días, como los de Sax (Alicante), Jumilla (Murcia), Chinchilla de
Montearagón (Albacete), Almansa (Albacerte), Alarcón (Cuenca) o la propia
Villena (Alicante), mandando construir asimismo el castillo de su ciudad natal
en Belmonte (Cuenca) en 1456, donde también mandó construir la colegiata
y varios conventos. En la mayor parte de estos edificios se encuentra todavía su
escudo heráldico repartido por puertas, torres, bóvedas y muros. En Valencia de

343
áLvAro pAjAres

Don Juan (León) se conserva también un imponente castillo mandado construir


hacia 1456 por Juan de Acuña y Portugal, III conde de Valencia de Don Juan, y
su esposa Teresa Enríquez, y el castillo de Peñafiel (Valladolid) fue reconstruido
también en 1456 por Pedro Girón, cuyas armas campean en la torre del home-
naje, siguiendo el modelo de castillo de la llamada escuela de Valladolid.
Estas fortalezas de origen medieval fueron reemplazados a lo largo del siglo
XV por una nueva tipología de residencia señorial que se extendió por Castilla
siguiendo el modelo de los palacios italianos. A pesar de ello, por lo que respecta
a las residencias palaciegas de los Acuña, éstas han sido víctimas del devenir histó-
rico y han acabado desapareciendo, por lo que sólo podemos destacar los palacios
que fueron mandados construir por los condes de Buendía en Valladolid y en
Dueñas (Palencia), aunque en este último caso se encuentra en un crítico estado
de ruina, habiendo sufrido diversos hundimientos desde 2010, que prácticamente
lo han hecho desaparecer, quedando nada más que el solar y parte de lo que fue
el patio de armas, también en un lamentable estado de conservación y en proceso
de ruina. En ambos casos nos encontramos con palacios pertenecientes todavía al
gótico, construidos en la primera mitad del siglo XV.
En Dueñas, su primitiva fortaleza se encontraba alejada del núcleo urbano
y respondía a una función exclusivamente militar debido a su origen defensivo
durante la Reconquista en el siglo IX d.C., por lo que no se ajustaba a las nece-
sidades de una residencia señorial. Esta situación hacía necesario que los Acuña
exteriorizasen su dominio sobre la población y, tras la adquisición del señorío en
1439, levantaron un palacio que ocupa toda una manzana en la plaza del mercado
(actual plaza de España) de dicha villa y supone un total de 4.842m2, de los cuales
4.409 son construidos. Su actual estado de ruina y sus transformaciones a lo largo
de los siglos nos impide conocer la estructura y riqueza de este edificio, habién-
dose perdido también importantes elementos fruto de una reforma acometida
a mediados del siglo XVI como las armaduras de madera (artesonados, alfarjes,
etc.) que cubrirían sus techos y que eran, precisamente, los que otorgaban el
valor a estos palacios de transición del gótico al Renacimiento, cuyo esplendor
se desplegaba en sus salones interiores a través de la riqueza y suntuosidad de
estos elementos decorativos 44. El palacio de los Buendía en Valladolid se enclava
en una de las calles que contó con mayor presencia de residencias nobiliarias, la
antigua calle Francos, hoy de Juan Mambrilla (nº 14). La fachada se destaca del

44
Algunos de estos elementos hoy desaparecidos fueron estudiados en la década de los 70 por
LAVADO PARADINAS, Pedro José, “Carpintería y otros elementos típicamente mudéjares en
la provincia de Palencia, partidos judiciales de Astudillo, Baltanás y Palencia”, Publicaciones de la
Institución Tello Téllez de Meneses, 38, (1977), pp. 5-234.

344
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

entorno a través de su retranqueamiento. Conserva un esgrafiado con decoración


geométrica y su portada es de arco de medio punto y molduración gótica enmar-
cada por un alfiz, que mantiene dos escudos cuyas armas han sido picadas. Cabe
destacar su patio de armas, similar, aunque de menores dimensiones, que el del
palacio de Dueñas, conservándose dos crujías formadas por pilares octogonales
de capitel poliédrico liso 45.
Desde la Baja Edad Media, como hemos visto, estas villas formaron parte
de verdaderos estados señoriales en los que el señor había asumido prerrogativas y
facultades jurisdiccionales de carácter público. Por ello, adquirieron también una
gran importancia las tomas de posesión de todos estos bienes y derechos a través
de actos rituales que expresan la naturaleza del poder de una forma simbólica, al
reflejar por escrito el modo en que se conciben y representan las atribuciones del
señor y sus relaciones con los vasallos según la ideología dominante en la época 46.
Beceiro Pita distingue dos fases en las tomas de posesión: en primer lugar está
el acto de vasallaje y dependencia colectiva, que tiene como puntos centrales
la recepción del nuevo señor y el juramento y pleito-homenaje. El primero se
expresa con la aceptación verbal y el besamanos, mientras que el segundo se
plasma en la imposición de manos, los mismos símbolos que se emplean en el
reconocimiento de vasallaje entre nobles. El besamanos es el símbolo del recono-
cimiento del vasallaje, con un matiz de sumisión que se manifiesta en la posición
inferior y en la postura de rodillas en tierra que adoptan los nuevos súbditos. El
resto del ceremonial de la posesión alude a los derechos que el magnate laico o
eclesiástico adquiere sobre sus solariegos dependientes y sobre el espacio geográ-
fico donde éstos se asientan. Cabe destacar la puesta en práctica de algunas de las
facultades recién obtenidas en el dominio como el nombramiento y elección de
los principales oficios concejiles y de justicia, desde el alcalde mayor o corregidor
hasta los regidores, alguaciles o alcaldes, simbolizado no sólo en el cese y nombra-
miento de los cargos sino también de la entrega de la vara o bastón de mando,
símbolo de poder desde la Antigüedad. A continuación tiene lugar la toma de
posesión de la villa, generalmente simbolizada en torno a una de las puertas de la
muralla de la villa o ciudad. Asimismo, el señor o su representante toma posesión
también de otras realidades físicas vinculadas al señorío, como bienes y propie-
dades, mediante la entrega de las llaves de los principales edificios señoriales como
45
URREA FERNÁNDEZ, Jesús, Arquitectura y Nobleza. Casas y palacios de Valladolid, Valladolid,
IV Centenario Ciudad de Valladolid, 1996.
46
BECEIRO PITA, Isabel, “La imagen del poder feudal en las tomas de posesión bajomedievales
castellanas”, Studia historica. Historia medieval vol. 2, 2, (1984), pp. 157-162; y, de la misma
autora, “El escrito, la palabra y el gesto en las tomas de posesión bajomedievales”, Studia historica,
Historia medieval, vol. 12, (1994), pp. 53-82.

345
áLvAro pAjAres

palacios y/o fortalezas y otros bienes bajo jurisdicción señorial como molinos o
aceñas, así como de otros bienes terrenales como huertas, viñas, tierras, montes,
etc. En todos los casos, los actos simbólicos se representan siguiendo un ritual
prácticamente similar que consiste en pasearse por el recinto del que se toma
posesión, expulsar, cerrándoles la puerta, a los encargados de su administración,
para luego volverla a abrir y aceptarles de nuevo en su cargo. La toma de pose-
sión se refuerza siempre a través de la utilización de objetos naturales tangibles,
físicos, como las varas o las llaves pero también, en el caso de bienes terrenales,
ramas, hojas, racimos, piedras, etc 47. A modo de ejemplo, podemos destacar aquí
las tomas de posesión del palacio y de la fortaleza de Dueñas ejecutadas en 1592
por el administrador de María de Acuña, VII condesa de Buendía, el marqués de
Montesclaros, efectuadas por el guardarropa y el alcaide, respectivamente 48:

Y el dicho marqués, en señal d’ella [de la posesión], se paseó por el patio de


la dicha cassa y zerró y abrió las puertas de la casa y tomó las llaves a Diego
Sanz, guardarropa que estaba en las dichas cassas y […] zerró con llave e
tornó luego a abrir y echó fuera a las personas que allí estaban y al dicho
Diego Sanz y luego le tornó a meter en la dicha cassa y le dio la llave y el
dicho Diego Danz la rrescivió e quedó por ynquilino en las dichas cassas.
El dicho Baltasar Delgadillo, alguaçil mayor de la dicha villa rrequirió a
Juan Bautista Dala, alcaide de la fortaleza de la dicha villa de Dueñas le dé
y enttregue luego las dichas llaves e la dicha fortaleza al dicho Pedro López
Rreino. Y el dicho Juan Bautista Dala enttregó las dichas llaves y el dicho
alguaçil las entregó al dicho Pedro López Rreino abrió la puerta de la dicha
fortaleza y enttró dentro y se paseó por el dicho castillo y zerró la dicha
puerta de la fortaleza.

47
Para el análisis de una toma de posesión relacionada con el linaje Acuña, en concreto la
protagonizada por María de Acuña, VII condesa de Buendía, en Dueñas (Palencia), en 1592,
remitimos a nuestra contribución en el II Congreso Internacional de Jóvenes Investigadores
“Mundo Hispánico: Cultura, Arte y Sociedad” de la Universidad de León, todavía pendiente
de publicación, bajo el título “La consolidación de los señoríos jurisdiccionales en la castilla
bajomedieval y moderna. Su reflejo en las concesiones de señoríos y las tomas de posesión”.
48
Toma de posesión del mayorazgo, condado de Buendía, por D. Juan de Mendoza, marqués de Montes
Claros, administrador de Dña. María de Acuña, condesa de Santa Gadea, viuda de Juan de Padilla,
adelantado de Castilla ,1592, Archivo Municipal de Dueñas [AMD], Instalación Especial [I.E],
C.7, D.8

346
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

4.3. El papel desempeñado por el patrocinio artístico nobiliario en la


configuración de las villas señoriales

El significativo patrocinio artístico que auspició el estamento nobiliario en


las principales villas de sus señoríos les convierte, junto a la monarquía y el clero,
en uno de los principales mecenas del Antiguo Régimen. Este patrocinio favo-
reció la configuración de verdaderas villas señoriales 49, pudiendo destacar para el
caso de los Acuña dos ejemplos concretos, las villas de Dueñas (Palencia) y Osuna
(Sevilla). En cuanto a la primera 50, los condes de Buendía la habían convertido
en la cabeza de sus estados señoriales, creando un verdadero centro de poder
político-religioso en pleno corazón de la villa, en la plaza del mercado y del ayun-
tamiento. En este importante espacio urbano no sólo levantaron, como hemos
visto, su residencia palaciega, sino que éste se encontraba unido físicamente al
convento de San Agustín, con el que tenía comunicación directa desde alguno
de sus aposentos a través de venta y reja, que se conserva todavía hoy en el altar
mayor de su iglesia, lo que les permitía asistir a los oficios litúrgicos desde alguna
de las dependencias palaciegas. El hijo natural del VI conde de Buendía, Juan
de Acuña, I marqués de Vallecerrato (1612), adquirió el patronato de su capilla
mayor a finales del siglo XVI y financió gran parte de las obras que se acometieron
en la fachada de la iglesia en el último tercio del siglo XVI (1589) y en la capilla
mayor y el crucero a principios del siglo XVII (1609), en las que intervinieron dos
de los arquitectos más representativos del clasicismo español, Francisco de Mora
y Francisco de Praves. Con el fin de dejar constancia de este mecenazgo dispone
su escudo, junto al de su mujer, Leonor de Guzmán, tanto en la fachada como en
las pechinas de la cúpula, mandando enterrarse en su altar mayor, aunque actual-
mente no se conservan sus sepulcros. El mecenazgo de los Buendía en Dueñas
no se restringió al convento agustino, sino que a finales del siglo XV obtuvieron
también por bula papal de Sixto IV el patronato sobre el hospital de Santiago, del
que se conserva su iglesia, construida gracias a su patrocinio en el primer tercio
del siglo XVI y donde se conserva el lucillo sepulcral de Luis de Acuña, hijo de
los I condes de Buendía, fallecido en 1522, así como el retablo plateresco de la
Anunciación mandado construir por éste. Por último, cabe destacar también la
labor llevada a cabo por María López de Padilla, III condesa de Buendía, quien
49
ALEGRE CARVAJAL, Esther, Las villas ducales como tipología urbana, Madrid, Universidad
Nacional de Educación a Distancia, 2004.
50
Para este caso concreto remitimos a nuestra contribución en PAJARES GONZÁLEZ, Álvaro,
“El mecenazgo de la nobleza: los condes de Buendía y su villa de Dueñas”, in LOBATO
FERNÁNDEZ, Abel et al. (coords.), El legado hispánico: manifestaciones culturales y sus
protagonistas, León, Universidad de León: Área de publicaciones, 2016, pp. 369-392.

347
áLvAro pAjAres

no sólo era cofrade de una hermandad local, la de la Puentecilla, sino que a


través de su testamento fundó un arca de misericordia para el reparto de grano
en momentos de escasez y que cristalizará con la fundación del primer Monte
de Piedad documentado en España, creado por Fadrique de Acuña, V conde de
Buendía, hacia 1550 51.
Por su parte, los Téllez Girón establecieron en Osuna la cabeza de sus
estados señoriales y, para ello, la convirtieron en una verdadera villa señorial a
través no sólo de la construcción de su colegiata, donde constituyen el panteón
ducal, sino también con la fundación de un Colegio-Universidad. Ambas edifi-
caciones se ubican en un espacio situado en la parte más elevada de la villa en el
que, para salvar los diferentes desniveles, se recurrió a un ingenioso sistema de
plazas superpuestas. Ambos fueron mandados construir por Juan Téllez Girón, IV
conde de Urueña, convirtiéndose en dos magníficos ejemplos del renacimiento
sevillano de fuerte influencia italianizante. El Colegio-Universidad, dedicado a
la Purísima Concepción, obtuvo la autorización para su creación de Paulo III
el 13 de noviembre de 1534, iniciándose las obras ese mismo año. Los Téllez-
Girón, sin embargo, nunca consiguieron el reconocimiento real para su univer-
sidad ursaonense, tan sólo el pontificio. El propio conde redactó personalmente
los estatutos por los que había de regirse la institución en 1537, aunque la escri-
tura de fundación data del 8 de diciembre de 1548, bendiciéndose ese mismo
día la capilla del edificio por Sancho Trujillo, obispo de Marruecos y canónigo
de la catedral de Sevilla, convirtiéndose además en el primer colegial. Se trata
de un edificio de planta rectangular organizado en torno a un patio de planta
cuadrada y dos alturas, dedicada la superior a las dependencias colegiales, y flan-
queado por cuatro torres en los ángulos, rematadas por chapiteles recubiertos
de cerámica vidriada. A este recinto habría que sumar una serie de dependen-
cias anejas, actualmente desaparecidas total o parcialmente, como el corral de la
sopa o las Escuelas Menores de San Jerónimo, que venían a completar el recinto
universitario. Tuvieron sede en ella  quince cátedras mayores  en la Universidad
y ocho menores en el Colegio, agrupadas en torno a las facultades de Teología,
Derecho (Cánones y Leyes), Medicina y Artes. Asimismo el mecenazgo de los
Osuna tampoco se restringió a estas fundaciones y el mismo Juan Téllez Girón
fundó el Hospital de la Encarnación en 1549 y hasta dieciséis monasterios, la
mayoría hoy desaparecidos. Esta importante labor asistencial pone de manifiesto
también la trascendente labor realizada por la nobleza en el desarrollo de la bene-
ficencia en la Edad Moderna mediante la fundación de numerosas obras pías, en

51
RUBIO SÁNCHEZ, Mª Soledad, El colegio-universidad de Osuna (1548-1824), Osuna,
Biblioteca de los Museos de Osuna (Sevilla), 2006.

348
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

un momento en el que, además, no existía un entramado destinado a atender las


necesidades del amplio porcentaje de población que contaba con recursos limi-
tados o se encontraba excluida socialmente, situación que se acentuaba por los
frecuentes periodos de crisis de la sociedad moderna.

4.4. La instrumentalización del mundo funerario como elemento


cohesionador del linaje y el estamento aristocrático: los panteones
y patronatos nobiliarios

Para finalizar, vamos a referirnos a un último ámbito de la sociedad


medieval y moderna que fue instrumentalizado por la élite dirigente para la exte-
riorización de su condición de estamento dominante. Dentro del pensamiento
cristiano, la muerte y el mundo funerario habían adquirido una gran impor-
tancia, por lo que, la élite aristocrática, de nuevo a imitación de la monarquía,
creó numerosos panteones y fundaciones pías en capillas, iglesias y monasterios
que se encontraban bajo su patronato. A través de ellos podemos analizar la
instrumentalización que los grupos dirigentes hicieron de la muerte no sólo con
el fin de reconducir la contestación social a un modelo basado en la dominación y
hacia un discurso de sometimiento inconsciente al mismo; sino también de inte-
grar y cohesionar al propio linaje y al mismo estamento nobiliario. La muerte se
analiza, así, como un mecanismo más de preservación del modelo social existente
y, desde este punto de vista, se entiende como una sucesión coherente de actos
ritualizados y dirigidos a garantizar la reproducción social, interna y externa, del
poder en el seno del estamento privilegiado del Antiguo Régimen 52. En muchos
casos estos panteones han sido alterados o destruidos a lo largo de la historia
pero, por suerte, para el caso de los Acuña, conservamos todavía en la actualidad
ejemplos que podemos considerar paradigmáticos de la práctica funeraria de la
nobleza castellana en los siglos XV y XVI.

52
Sobre la instrumentalización del mundo funerario existen también numerosos trabajos,
pudiendo destacar aquí los de JARA FUENTES, José Antonio, “Muerte, ceremonial y ritual
funerario: Procesos de cohesión intraestamental y de control social en la Alta Aristocracia del
Antiguo Régimen (Corona de Castilla S.XV-XVIII)”, Hispania: Revista española de Historia,
LVI/3, 194, (1996), pp. 861-883; para el ámbito monárquico VARELA, Javier, La muerte del
rey. El ceremonial funerario de la monarquía española (1500-1885), Madrid, Turner, 1990; y,
desde el punto de vista social, GUIANCE, Ariel, Los discursos sobre la muerte en la Castilla
medieval (siglos VII-XV), Valladolid, Consejería de Educación y Cultura, Junta de Castilla y
León, 1998; o GARCÍA FERNÁNDEZ, Máximo, Los castellanos y la muerte: religiosidad y
comportamientos colectivos en el Antiguo Régimen, Valladolid, Consejería de Educación y Cultura,
Junta de Castilla y León, 1996.

349
áLvAro pAjAres

Atendiendo a un factor meramente cronológico, empezaremos destacando


el panteón de los marqueses de Villena conservado en el altar mayor del monas-
terio de Santa María de El Parral (Segovia), fundado por Juan Pacheco en 1447
por deseo del príncipe Enrique, del que era su camarero mayor. A su muerte
en 1474 las obras todavía no habían finalizado y fueron enterrados provisio-
nalmente en el monasterio de Santa María de Guadalupe (Cáceres) hasta que
finalmente fueron trasladados a El Parral por orden de su hijo en 1480, siendo
depositados en la capilla de San Sebastián mientras se concluían unos sepulcros
exentos ubicados en el centro de la capilla mayor hoy perdidos. Los sepulcros que
se conservan en la actualidad datan del siglo XVI, cuando su hijo Diego López
Pacheco, II marqués de Villena, contrató en 1528 a los escultores Juan Rodrí-
guez y Lucas Giraldo. Ambos sepulcros están tallados en alabastro y flanquean
el retablo mayor, el sepulcro de Juan Pacheco se ubica en el lado del Evangelio y
el de su mujer María de Portocarrero se encuentra en el lado de la Epístola. Sin
entrar en una descripción artística del conjunto, hemos de señalar que ambos
siguen el modelo de arquitectura y escultura funeraria difundida por Castilla
desde finales del siglo XV. Las esculturas orantes de los difuntos se encuentran
mirando al altar bajo un arcosolio profusamente decorado con escenas de carácter
religioso. Su hijo, en cambio, aunque fue el promotor de estos sepulcros, ordenó
ser enterrado en el altar mayor bajo una sencilla lápida que en la actualidad se
encuentra desaparecida.
En segundo lugar, los condes de Buendía 53, que habían establecido la
cabeza de sus estados señoriales en Dueñas (Palencia), escogen el altar mayor de
su iglesia principal, Santa María de la Asunción, para su descanso eterno. Actual-
mente se conservan cuatro sepulcros, habiéndose perdido la cripta histórica en
el que estaban enterrados el resto de titulares del condado junto a sus esposas.
Los sepulcros se encuentran a ambos lados del altar, a cierta altura para salvar la
sillería de coro y, sin entrar en un análisis artístico, cabe destacar el perteneciente
al I conde de Buendía. Situado en el lado del Evangelio, bajo un arcosolio gótico
cobija una escultura orante del difunto digna de destacar, pues se trata de uno de
los primeros ejemplos de esta representación escultórica funeraria en la Península,
datada en los años 80 del siglo XV y coetánea, por tanto, a la realizada por Gil de
Siloé en la Cartuja de Miraflores (Burgos) para el infante don Alfonso por deseo
de la reina Isabel. Frente a él, en el lado de la Epístola, se encuentran los sepulcros

53
Para este caso remitimos a nuestra contribución en PAJARES GONZÁLEZ, Álvaro,
“El mecenazgo de la nobleza: los condes de Buendía y su villa de Dueñas”, in LOBATO
FERNÁNDEZ, Abel et al. (coords.), El legado hispánico: manifestaciones culturales y sus
protagonistas, León, Universidad de León: Área de publicaciones, 2016, pp. 369-392.

350
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

de su hijo y sucesor, Lope Vázquez de Acuña, II conde de Buendía y adelantado


de Cazorla, y su mujer Inés Enríquez de Quiñones, tíos de Fernando el Católico.
En este caso, arcosolios góticos cobijan dos urnas doradas con los escudos de
armas de los linajes de los que proceden en el frontal, y enmarcados por una rica
decoración geométrica y vegetal. Finalmente, cierra el panteón, en el lado del
Evangelio, el cenotafio de Fadrique de Acuña, V conde de Buendía, realizado
por el palentino Manuel Álvarez hacia 1550, con una escultura orante bajo un
arcosolio renacentista.
Por último, vamos a destacar aquí el panteón creado por los duques de
Osuna en la colegiata de Nuestra Señora de la Asunción de Osuna, erigida gracias
al patrocinio de Juan Téllez Girón, IV conde de Urueña, construyéndose sobre
la fábrica de una iglesia anterior, conocida como iglesia del castillo. Las obras se
iniciaron hacia 1531, consiguiendo del Papa Paulo III la bula que le otorgaba la
dignidad colegial en 1534. Aunque el panteón constituía un cuerpo anexo a la
cabecera de la colegiata, construido entre 1544 y 1555 cuando las obras del templo
estaban casi concluidas, el conde le dotó de cierta independencia y le concedió
jurisdicción y clerecía propia, formada por un capellán mayor y ocho capellanes
para el coro. Esta relativa independencia se traduce también en la organización
arquitectónica pues, además del acceso desde el interior de la colegiata a través
de una de sus capillas, también se le dota de una entrada independiente desde la
calle. Por lo que respecta al conjunto funerario consta de tres piezas diferenciadas,
dos de ellas subterráneas en dos niveles: la cripta sepulcral propiamente dicha y
una capilla conocida como del “Santo Sepulcro”, que imita la organización de
una iglesia a pequeña escala con tres naves y coro. Por último, cuenta también con
un patio de acceso que actúa como vestíbulo de esa conexión con el exterior. El
patio del Santo Sepulcro es uno de los ejemplos más significativos del plateresco
sevillano, aunque de autor desconocido. De reducidas dimensiones, se encuentra
dividido en dos alturas con arcos escarzanos y rica decoración. La cripta, por
su parte, sufrió una importante reforma para su ampliación entre 1896 y 1901
proyectada por Jacobo Galí que supuso la construcción de un zócalo de azulejos
sevillanos modernos, así como que las distintas dependencias vieran cubiertas las
bóvedas con nervaduras pintadas de marrón, simulándose cantería del mismo
color en los paramentos. Durante esta actuación también se varió la estructura
primitiva de los panteones, donde existen varias salas o capillas, además de un
osario, llamadas de San Marcos, Nuestra Señora del Reposo o Belén y galería
y capilla del Calvario o De Profundis, siendo en esta última donde reposan los
restos de los fundadores. Asimismo, mientras que los panteones de los Buendía
o de los Villena presentan esculturas orantes ricamente ornamentadas, la cripta
de los Osuna contiene un elevado número de enterramientos que se restringen

351
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a urnas sepulcrales dispuestas en hornacinas y nichos abiertos en las paredes, sin


más elementos decorativos que los epitafios. Puede evocar, por tanto, a otros
importantes panteones del siglo XVII que intentan emular el panteón real de El
Escorial como el de los duques del Infantado en el convento de San Francisco de
Guadalajara o el de los duques de Pastrana en la colegiata de dicha villa alcarreña.

5. Conclusiones

El linaje Acuña constituye un magnífico ejemplo para analizar el trasvase


de linajes portugueses a Castilla durante todo el Antiguo Régimen, así como su
asentamiento e integración dentro del entramado político y social del reino de
Castilla. Se produce, además, en un momento en el que se están configurando
las principales características de la identidad nobiliaria, rasgos que definirán al
estamento aristocrático a lo largo de toda la Edad Moderna, entre los que cabe
destacar la creación de una nobleza titulada, la configuración de estados señoriales
con facultades jurisdiccionales o su transformación desde una nobleza caballe-
resca, eminentemente militar, a una nobleza cortesana, cuyo poder e influencia
radica en las mercedes y privilegios concedidos por los monarcas en remuneración
a los servicios prestados, integrándose así en el llamado sistema cortesano, carac-
terístico de la sociedad antiguo regimental.
Los Acuña habían liderado la facción legitimista-nacionalista durante la
crisis dinástica portuguesa de 1383-1385 por lo que, tras el triunfo de Juan de
Avís en las Cortes de Coímbra de 1385, el inicio de una política de fortaleci-
miento del poder real y la reactivación de la guerra con Castilla en 1396, deciden
abandonar el reino estableciéndose en la Castilla de Enrique III, quien rápida-
mente les compensará por todas las posesiones que dejaban atrás. Se convertirán,
por tanto, en los progenitores de algunas de las casas castellanas más importantes
como los duques de Osuna, los marqueses de Villena y duques de Escalona, los
condes de Valencia de Don Juan o los condes de Buendía, todos ellos plenamente
integrados en la nueva corte, donde participaron activamente en los principales
hechos y acontecimientos a través del ejercicio de diversos cargos cortesanos y de
la configuración de prósperos estados señoriales.
Su rápido ascenso en la corte castellana se debió a una sagaz política de
alianzas matrimoniales con importantes linajes castellanos como los Carrillo
de Albornoz y los Téllez Girón o con linajes portugueses exiliados también en
Castilla como los Pacheco, así como a una astuta intervención en las intrigas
cortesanas de la Castilla del siglo XV, adquiriendo una gran influencia sobre
monarcas como Juan II y Enrique IV, aprovechando la situación de inestabi-

352
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

lidad interna provocada por el enfrentamiento con los Infantes de Aragón y, sobre
todo, por la guerra de sucesión castellana generada por los problemas sucesorios
que tuvieron lugar al final del reinado de Enrique IV. Podemos decir, incluso,
que fueron los principales actores de este conflicto y del ascenso al trono de los
futuros Reyes Católicos. Todo ello les permitió consolidar su posición y conver-
tirse en progenitores de algunos de los linajes aristocráticos más importantes que
participaron en la configuración de la Monarquía Hispánica junto a los Austrias
en los siglos XVI y XVII. Finalmente, algunas de estas ramas fueron perdiendo
peso y sus estados y títulos acabaron integrándose en casas más poderosas, bien
por agotamiento dinástico, bien por alianzas matrimoniales endogámicas entre la
nobleza castellana.
Junto al desarrollo de una nueva concepción del régimen señorial, se
produjo también la configuración de una nueva identidad nobiliaria, consoli-
dándose como un estamento privilegiado que participa activamente del poder
político y social de los llamados Estados Modernos a través de su servicio a la
corona, garante de la conservación y engrandecimiento de sus estados y privile-
gios. Por ello, la élite nobiliaria va a imitar las prácticas y principios de la monar-
quía no sólo desarrollando verdaderas cortes señoriales que copian la estructura
y organización de la corte real, sino a través de la reproducción de la etiqueta y
comportamiento de la realeza. Cabe destacar, así, la utilización de la imagen y
los símbolos como un instrumento para la legitimación y representación de su
poder a través de ceremoniales completamente ritualizados, la construcción de
residencias señoriales que exteriorizasen su dominio sobre sus estados y vasallos,
la utilización de la muerte como un recurso para fortalecer la conciencia del linaje
mediante la construcción de panteones familiares o la proliferación de sus escudos
de armas, etc. Asimismo, desplegaron una intensa política de beneficencia social a
través de la fundación de hospitales y obras pías o el patronato sobre monasterios
e iglesias. Con todo ello se convirtieron, junto a la monarquía y el clero, en los
grandes mecenas de las artes y las letras durante la Edad Moderna, contribuyendo
a la creación del actual legado patrimonial. Por lo que respecta a los Acuña, se han
conservado numerosos ejemplos de este proceso de configuración de la identidad
nobiliaria diseminados por lo que fueron sus estados señoriales a lo largo de toda
la geografía peninsular. Todos estos elementos se convirtieron en eficaces instru-
mentos empleados por la élite nobiliaria para construir el discurso de su identidad
y hacer visible ante sus vasallos su poder e influencia política y social, por lo que
se convirtieron también en un elemento legitimador y propagandístico del esta-
mento aristocrático a lo largo de todo el Antiguo Régimen.
Con el presente trabajo, en fin, pretendemos rescatar del olvido el impor-
tante papel desempeñado por las diferentes ramas de un linaje que, en muchas

353
áLvAro pAjAres

ocasiones, debido a su parentesco con otras familias aristocráticas y la utilización


de sus títulos y símbolos de representación, se olvida el hecho de que todos ellos
descienden de un linaje de origen portugués, los Acuña, asentado en Castilla a
finales del siglo XIV y que, a pesar de su condición foránea, consiguió integrarse
y participar de forma decisiva en la formación del estado moderno del reino de
Castilla primero y de la Monarquía Hispánica posteriormente.

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358
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

Anexos: cuadros genealógicos

Cuadro genealógico I: El origen histórico de los Acuña

Don Gutierre Peláez,


c. 1060

Usenda Hermigues Peláez o Paio Gutiérrez


Alboazar, c. 1120 “da Silva”, c. 1100

Fernao Pais de Cunha,


Mor o Mayor
I Señor de Acuña-Alta
Randulfes (n.1150)
y Tábua (n. 1140)

Lourenço Fernandes de
Sancha Lourenço
Cunha, 1180-1225, II
Maceira
señor de Tábua

Gómez Lourenço da
Cunha, señor de Acuña Vasco Lourenço
Alta cuya descendencia Fernandes da Cunha, Teresa Pires Portel,
varonil terminó en su 1210, III Señor de (n. 1210-1291)
hijo Vasco Gómez de Morgado y Tábua
Acuña

Estevao Vasques de
Martim Vasques de
Cunhas, muerto de
Juana Ruiz Nomaens Cunha, IV señor de
forma prematura y sin
Tábua (1235 - 1305)
sucesión

Vasco Martins da
Senhorina Fernandes
Cunha, V señor de
da Chacim
Morgado y Tábua
(1265-1330)
(1260-1325)

Martim Vasques da
Violante Lopes
Cunha, VI señor de
Pacheco
Tábua (n. 1310)

Vasco Martínez de
Acuña, VII señor de
Tábua (1325-1407)

359
áLvAro pAjAres

Cuadro genealógico II: crisis dinástica de Portugal (1383-1385)

Constanza
Pedro I de
Inés de Castro Manuel de
Portugal
Castilla

Dionisio de
Juan de Portugal Fernando I Leonor Téllez
Portugal
(1349-1387) de Portugal de Meneses
(1354-1397)

Juan I de
Avís
Beatriz de Juan I de
Portugal Castilla

Infantes apoyados por el bando legitimista-nacionalista encabezado por los Acuña frente a su hermano
bastardo Juan de Avís

360
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

Cuadro genealógico III: las ramas de los Pacheco y Téllez Girón

Vasco Martínez
de Acuña, VII Beatriz Suárez
señor de Tábua de Albergaría
(1328-1407)

Lope Vázquez
María de
Martín de Acuña,
Portugal,
Vázquez Teresa Téllez Teresa Carrillo I Señor de
señora de
de Acuña Girón de Albornoz Buendía
Valencia de
(1357-1417) (5-XI-1397)
Campos
(m.1447)

Alfonso Téllez
Girón, I Señor María Pacheco
Pedro de de Belmonte
Acuña y
Portugal, II
conde de
Valencia de
Don Juan

Juan Pacheco, Pedro Girón,


marques de maestre de
Villena Calatrava

Ducado de Juan Téllez


Alfonso Téllez
Escalona, Girón, II
Girón, I conde
Grandes de conde de
de Urueña
España Urueña

Ducado
de Osuna,
Grandes de
España

361
áLvAro pAjAres

Cuadro Genealógico IV: los condes de Valencia de Don Juan

Pedro I de
Inés de Castro
Portugal
(1325-1355)
(1320-1367)

Juan de Portugal, candidato a la corona


Constancia de
portuguesa durante la crisis de 1383-1385,
Castilla, señora de
defendido por el Partido Legitimista-Nacio-
Alba de Tormes
nalista. (1349-1387)

Martín Vázquez María de


de Acuña, I conde Portugal, señora
de Valencia de de Valencia de
don Juan Campos

Pedro de Acuña,
II conde de Leonor de
Juana de Zúñiga
Valencia de don Quiñones
Juan

Juan de Acuña, II
duque y III conde
de Valencia de
Teresa Enríquez,
don Juan. Muere
Juan de Robles María de Acuña hija del I conde de
asesinado por su
Alba de Liste
cuñado en 1475
durante la guerra
de sucesión

Enrique de Acuña
Aldonza Manuel,
María Cabeza de y Portugal, IV
Alonso de Acuña hija del II señor
Vaca conde de Valencia
de Belmonte
de don Juan

Juana de Acuña García Sarmiento


Enríquez de Sotomayor Luisa de Acuña, Juan Esteban
V condesa de Manrique de
Valencia de don Lara, III duque de
Juan Nájera
Diego Sarmiento
de Acuña, I conde
de Gondomar

Manuel Manrique
María Téllez- de Lara, IV duque
Girón, hija del IV de Nájera y VI
conde de Urueña conde de Valencia
de don Juan

362
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...

Cuadro genealógico V: los Acuña y el condestable Álvaro de Luna

Alvar García
de Albornoz,
Teresa Rodríguez
V señor de
Albornoz

Gómez García Gómez


Constanza
de Albornoz, Urraca Gómez de Carrillo, señor
Manuel, señora
VI señor de Albornoz de Ocentejo y
del Infantado
Albornoz Paredes

Lope Vázquez de Teresa Carrillo de


Juan Martínez de Acuña Albornoz
Teresa de
Luna, señor de
Albornoz
Illueca

Pedro Vázquez Alonso Carrillo,


Álvaro Martínez María de Jaraba,
de Acuña y arzobispo de
de Luna la Cañeta
Albornoz Toledo

Juana de
Pimentel,
Álvaro de Luna,
Elvira de condesa de
Condestable de
Portocarrero Montalbán, hija
Castilla
del III conde de
Benavente

363
áLvAro pAjAres

Cuadro genealógico VI: el condado de Buendía 54

54
Extraído de ORTEGA GATO, Esteban, “La Villa de Dueñas y los tres primeros condes de
Buendía en el Reinado de los Reyes Católicos”, Publicaciones de la Institución Tello Téllez de
Meneses, 6, (1951), pp. 279-344.

364
A TENTATIVA DE LEGITIMAÇÃO DE D. JORGE, FILHO
BASTARDO DE D. JOÃO II: O ESTADO DA QUESTÃO

João Bernardo Galvão-Telles*

Resumo: neste artigo procura efectuar-se um ponto de situação historiográfico sobre a


tentativa de legitimação do bastardo D. Jorge, promovida pelo rei D. João II, seu pai,
junto do Papa, após a inesperada morte do príncipe D. Afonso, presumível herdeiro
do trono.

Abstract: this article presents a historiographic review on the attempt to legitimize the
bastard D. Jorge, promoted by king John II, his father, to the Pope, after the unex-
pected death of prince D. Afonso, presumed heir to the throne.

Introdução: o bastardo D. Jorge

O Verão de 1481 foi fértil em acontecimentos no seio da família real portu-


guesa: num dia da primeira quinzena de Agosto – os testemunhos variam entre 6,
8, 10, 11 e 12 – nasceu em Abrantes D. Jorge, filho dos amores ilícitos do então
príncipe D. João com D. Ana de Mendonça, dama “muito fidalga […] e de mui
nobre geração”, segundo Garcia de Resende, que viera de Castela para Portugal com

* Licenciado em Direito e consultor em História e Património, é académico correspondente da


Academia Portuguesa da História e sócio efectivo do Instituto Português de Heráldica. Foi
subdirector do Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos da Universidade Lusíada
de Lisboa (1998-2011).

365
joão BernArdo GALvão-TeLLes

a Excelente Senhora; e sobre o final do mês, a 28, morreu o rei D. Afonso V, sendo
aquele príncipe aclamado rei, como D. João II, já no primeiro dia de Setembro.
O rebento chegou ao mundo com o estigma da bastardia, pois seu pai
achava-se casado há alguns anos com D. Leonor, sua prima direita, de quem aliás
tinha um filho legítimo, D. Afonso, nascido em 1475 e que se tornou no herdeiro
da coroa após a morte do avô 1.
As circunstâncias aconselhavam, portanto, a que D. Jorge fosse criado fora
da corte. Assim, com apenas três meses, a criança foi entregue aos cuidados de sua
tia D. Joana, irmã do novo monarca, que havia professado no mosteiro de Jesus,
em Aveiro, e com ela viveu nesse ambiente de recolhimento – sendo também
confiado, a partir de 1487, aos ensinamentos do mestre humanista Cataldo Parísio
Sículo – até que a morte surpreendeu aquela que para a História perduraria como
Santa Joana Princesa. Foi em Maio de 1490 e D.  Jorge estava então prestes a
completar os nove anos de idade. O filho espúrio de D. João II, a instâncias deste
junto da mulher, pôde vir habitar na corte, sendo criado na casa da rainha por
vontade da própria D. Leonor. D. António Caetano de Sousa, o autor da setecen-
tista História Genealógica da Casa Real Portuguesa, chegou a afirmar que a mulher
de D. João II acolheu D. Jorge como se de seu filho se tratasse. Instalada então em
Évora, diga-se que a família real recebeu o bastardo com a dignidade que exigia
a sua condição de filho do rei, ainda que o facto de todos estarem concentrados
nos preparativos do casamento do príncipe D. Afonso com D. Isabel, filha dos
Reis Católicos, D. Isabel de Castela e D. Fernando de Aragão, tenha relegado a
presença de D. Jorge para um certo segundo plano.
Quis a roda do destino, porém, alterar inesperada e repentinamente o
rumo do que parecia ser um futuro previsível. Em meados de Julho de 1491,
casado há pouco mais de sete meses, ainda sem descendência, D. Afonso morreu
vítima de um acidente a cavalo. O súbito desaparecimento do príncipe herdeiro
da coroa transformou a situação de D. Jorge, seu meio-irmão: não deixando de
ser bastardo, este passava à condição de único filho do rei D. João II. A questão
da sucessão acendeu-se. Estava aberto o conflito interno que marcaria os últimos
anos do reinado do Príncipe Perfeito, vividos em turbulência 2.

1
A promessa de casamento do príncipe D. João com D. Leonor ocorreu a 22 de Janeiro de 1471,
celebrando-se o respectivo contrato matrimonial a 16 de Setembro de 1473. FONSECA, Luís
Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 284-285.
2
Para este breve escorço sobre o nascimento e infância de D. Jorge socorri-me das seguintes
obras: SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa,
Coimbra, Atlântida – Livraria Editora, Lda., 1953, tomo XI, pp. 1-21. PIMENTA, Maria
Cristina Gomes, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o Governo de D. Jorge”,
[Porto], Fundação Eng. António de Almeida, 2001 (colecção Militarium Ordinum Analecta, n.º

366
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

A tentativa de legitimação do bastardo D. Jorge

Os cronistas régios que escreveram sobre o reinado de D.  João II reve-


laram desde logo os propósitos que dominaram o monarca a respeito de D. Jorge,
após a trágica morte do filho legítimo. Rui de Pina falou na intenção do Príncipe
Perfeito em “abilitar o Senhor Dom Jorge pera sua Socessam, em prejuizo do Duque
[D.  Manuel, que haveria de ser o futuro rei], a quem dereitamente pertencia”.
Garcia de Resende, por seu lado, aludiu ao desejo de D. João II “de ver se poderia
legitimar, e habilitar o dito senhor dom Jorge seu filho pera sua socessam, que ao
Duque [uma vez mais se refere a D. Manuel, então duque de Beja] direitamente
pertencia”. Ou seja, reconhecendo que este era o legítimo herdeiro do trono,
ambos os autores aludiram à vontade de D. João II em habilitar ou em legitimar
e habilitar D. Jorge para a sua sucessão, esclarecendo depois que esta pretensão se
viu frustrada devido à acção da rainha D. Leonor 3.
Não me demorarei na historiografia antiga, pois será preferível centrar-me
no que os historiadores mais recentes têm escrito sobre o tema, mas valerá a pena,
ainda assim, citar o já mencionado D. António Caetano de Sousa, que no século
XVIII escreveu que D. João II, vendo-se sem outra sucessão, desejou que o filho
D. Jorge lhe sucedesse na coroa, esclarecendo que o monarca procurou “legitimar,
e habilitar para a Coroa a este filho”. O propósito, todavia, não teve êxito por
impugnação da rainha, “de sorte, que pôde com a sua prudência vencer toda a grande
ideia, e política de um Rei verdadeiramente sábio, e astuto”. E com efeito, “foram
muitos os negociados, com que [D. João II] intentou fazê-lo seu sucessor na Coroa:
porém de todas estas diligências veio a ceder” 4.
Em meados do século XX, Silva Canedo, autor da monumental obra A
Descendência Portuguesa de El-Rei D. João II, escreveu, a respeito de D. Jorge, que
seu pai lhe “consagrou sempre um grande afecto e cumulou de honras, pretendendo
mesmo, após a morte desastrosa do Príncipe D.  Afonso, segundo alguns afirmam,

5). FONSECA, Luís Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005]. COSTA, João Paulo
Oliveira e, D. Manuel I, s.l., Círculo de Leitores, [2005]. LENCASTRE, D. António de Queiroz
de Vasconcelos e, Dom Jorge, 2.º Duque de Coimbra (1481-1550), [Porto], Caminhos Romanos,
[2011]. SÁ, Isabel dos Guimarães, De princesa a rainha-velha. Leonor de Lencastre, s.l., Círculo
de Leitores, [2011].
3
Crónicas de Rui de Pina (introdução e revisão de M. Lopes de Almeida), Porto, Lello & Irmão
– Editores, 1977, pp. 988-989. Crónica de dom João II e miscelânea por Garcia de Resende
(introdução de Joaquim Veríssimo Serrão, edição conforme a de 1798), Lisboa, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1973, p. 201.
4
SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Coimbra,
Atlântida – Livraria Editora, Lda., 1953, tomo XI, pp. 1 e 3-4.

367
joão BernArdo GALvão-TeLLes

fazê-lo reconhecer como herdeiro do trono, desejo a que se opôs a Rainha D. Leonor,
secundada por uma parte da Corte”. E rematou: “Foi pois D. Jorge o único descen-
dente, ainda que ilegítimo, de El-Rei D. João II” 5.
Mais proximamente, alguns trabalhos de carácter enciclopédico veicu-
laram entendimentos diferentes a respeito da questão da legitimação de D. Jorge.
Enquanto na Nobreza de Portugal e do Brasil, por exemplo, se afirmou que “não
tendo outro filho, tentou D. João II que a Coroa passasse para D. Jorge e para isso
procurou legitimá-lo, solicitando com instância as licenças de Alexandre VI”, acres-
centando-se que “o Papa, porém, não deu o consentimento pedido”; já no Dicionário
das Famílias Portuguesas, D. Luiz de Lancastre e Távora, marquês de Abrantes,
a propósito da origem do apelido Lancastre (ou Lencastre ou Alencastro), veio
declarar que “foi ele dado por D. João II a seu filho natural legitimado, o chamado
Senhor D. Jorge” 6.
Este último autor, em estudo mais alargado sobre o mesmo filho do Prín-
cipe Perfeito, publicado em Julho de 1990, afirmou que D. João II, logo após a
morte do príncipe, “terá começado a gizar o plano de vir a colocar o filho bastardo
no lugar do legítimo”, pois o monarca reunia as condições e tinha “o tempo neces-
sário para transformar D. Jorge no seu sucessor e herdeiro”. A este projecto opôs-se
a rainha D. Leonor, mas D. João II afastou o filho da corte e procurou criar-lhe
uma grande casa, “para o que começou por fazê-lo mestre da Ordem de Santiago e
administrador perpétuo da de Avis, para o que impetrou e obteve do papa Inocêncio
VIII as bulas necessárias”. E mais escreveu o marquês de Abrantes: “Já então o legi-
timara e criara duque de Coimbra, no que aparentava constituir nova e mais forte
legitimação visto que este título fora o do avô materno de D. João II, o infante-regente,
que tombara vítima das intrigas do 1.º duque de Bragança”. Com D. Jorge legiti-
mado, titulado e detentor do poder que lhe advinha daquelas ordens militares,
mais do que a capacidade daqueles que objectavam os planos do rei – opinou o
marquês de Abrantes –, terá sido a falta de tempo, motivada pela doença e morte
precoce, que impediu D. João II de concretizar em D. Jorge a desejada sucessão
no trono 7.
O erudito Jean Aubin debruçou-se especificamente sobre o tema da
sucessão de D.  João  II num trabalho também divulgado em 1990 e republi-

5
CANEDO, Fernando de Castro da Silva, A Descendência Portuguesa de El-Rei D. João II, Lisboa,
Edições Gama, Limitada, 1945, vol. 1, p. 11.
6
ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (direcção), Nobreza de Portugal e do Brasil, Lisboa,
Editorial Enciclopédia, Lda., 1960, vol. 2, p. 531. TAVORA, D. Luiz de Lancastre e (Marquês
de Abrantes), Dicionário das Famílias Portuguesas, Lisboa, Quetzal Editores, 1989, p. 216.
7
TAVORA, D. Luiz de Lancastre e (Marquês de Abrantes), “O senhor D. Jorge”, Oceanos, n.º 4
(Julho de 1990, número dedicado à Ordem de Santiago), pp. 82-92.

368
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

cado dez anos depois numa colectânea de estudos da sua autoria 8. Integrando a
forma como o rei português lidou com a questão da sua sucessão no plano das
complexas relações internacionais, designadamente no que respeita à disputa com
os Reis Católicos pelo controlo da navegação e das actividades relacionadas com
os descobrimentos, o historiador francês revelou algumas fontes, entre as quais a
crónica de Zurita, onde não se deixou de mencionar “l’affaire de D. Jorge touchant
la succession” ou que “le roi de Portugal travaillait et insistait de tout son pouvoir
pour laisser sa succession à D. Jorge son fils”. O mesmo autor referiu que a embai-
xada enviada por D. João II a Alexandre VI, a que adiante farei nova menção,
tinha por objectivo “obtenir du Pape la légitimation de D. Jorge”, acrescentando
– com base na obra coeva de Marino Sanuto, intitulada La Spedizione de Carlo
VIII –, que D. Pedro da Silva, um dos embaixadores, parando em Siena, fez saber
“qu’il ne gagnerai Rome que si le Pontife légitimait le fils naturel de son Roi, afin qu’il
puisse hériter du royaume”.
Manuela Mendonça, em biografia de D. João II publicada pela primeira
vez em 1991 e reeditada em 1995, foi a primeira em Portugal a analisar com
pormenor a questão sucessória daquele rei 9. Depois do desastre que vitimara o
príncipe, o soberano desejava efectivamente que D.  Jorge lhe pudesse suceder
no trono. Na verdade, o projecto de “assegurar no bastardo a sucessão do reino
de Portugal” era o caminho que impediria a ascensão da casa de Beja-Viseu e
a reabilitação da casa de Bragança. Evidenciou a mesma autora que 1492 foi o
ano da esperança para D. João II, mas também o último ano da esperança. O rei
agira com rapidez. A permanência de D. Jorge na corte era insustentável e por
isso o monarca colocou-o logo à guarda de D. João de Almeida, 2.º conde de
Abrantes, fidalgo da sua inteira confiança. Claro que esta medida tinha o propó-
sito de não avivar em D. Leonor a dor pela morte do filho, mas não deixou de ter
igualmente uma finalidade política: afastar D. Jorge da corte era também tentar
evitar que se levantassem de imediato suspeitas sobre o propósito de o legitimar
e tornar sucessor. Prosseguindo a sua estratégia e beneficiando da influência que
gozava junto da corte pontifícia, D. João II alcançou a bula Eximiae devotionis
affectus et integra, dada em Roma por Inocêncio VIII a 29 de Dezembro de 1491
e pela qual D. Jorge era nomeado no governo dos mestrados das Ordens de Avis

8
AUBIN, Jean, “D.  João II devant sa succession”, in Le Latin et l’Astrolabe. Recherches sur le
Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, Lisbonne-Paris,
Centre Culturel Calouste Gulbenkian / Comission Nationale pour les Commémorations des
Découvertes Portugaises, 2000, vol. 2, pp. 49-82.
9
MENDONÇA, Manuela, D. João II. Um percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade
em Portugal, 2.ª edição, [Lisboa], Editorial Estampa, 1995, em especial as pp. 285, 449-451,
453, 456-459, 471 e 474-475.

369
joão BernArdo GALvão-TeLLes

e de Santiago, que antes haviam pertencido ao falecido príncipe 10. A respectiva


tomada de posse foi feita em cerimónia que decorreu em Lisboa, no convento de
São Domingos, a 12 de Abril daquele ano, de acordo com os relatos que ficaram
dos cronistas Garcia de Resende e Rui de Pina. Referiu Manuela de Mendonça
que, para além dessa bula de nomeação, D. João II obtivera também do Papa a
“promessa de legitimação” de D. Jorge.
A designação do bastardo régio naqueles mestrados terá motivado na
rainha D. Leonor duas decisões: primeiro, a de não ver mais a criança; depois, a
de fazer chegar ao trono seu irmão D. Manuel. A mulher de D. João II tornava-
-se, pois, na primeira opositora ao projecto do marido. Para tal, contava com o
apoio não só das famílias destruídas e desfavorecidas por D. João II, mas também,
e não menos importante, dos Reis Católicos. Um outro facto constituiu forte revés
nos planos do Príncipe Perfeito: a morte do Papa Inocêncio VIII e a sua sucessão
por Alexandre VI, o valenciano D. Rodrigo de Borja. Tal acontecimento, de que
D.  João II teve conhecimento em meados de Agosto de 1492, marcou certa-
mente o início do fim da esperança que o rei português tinha na legitimação de
D. Jorge, pois não lhe era difícil adivinhar que o novo sumo-pontífice seguiria
uma política favorável aos Reis Católicos, logo, boa para a causa de D. Leonor e
de D.  Manuel. Tentando contrariar a posição enfraquecida em que inevitavel-
mente se achava perante Roma, D. João II ainda procurou promover os seus inte-
resses, organizando uma embaixada a Alexandre VI que levaria um testemunho
de obediência do rei português ao mesmo tempo que procuraria superar, mesmo
que transitoriamente, as influências de Isabel e Fernando de Espanha junto da
Santa Sé. Constituída pelo comendador-mor de Avis, D. Pedro da Silva, por seu
irmão D. Fernando de Almeida, bispo de Ceuta, e por D. Diogo de Sousa, bispo
do Porto (os dois últimos já estariam em Roma, indo o primeiro de Portugal),
a embaixada fez um compasso de espera, pois D. João II, para reforçar os seus
intuitos e tentar intimidar os monarcas espanhóis, promoveu uma aliança com
Carlos VIII, rei de França. No entanto, o tratado assinado entre este e os Reis
Católicos pôs fim ao plano do soberano português. Chegada então a embaixada
junto do Papa, coube a D. Fernando de Almeida proferir a oração de obediência,

10
Esta bula encontra-se em Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Bulas, maço 26, doc. 18. Existe
um segundo exemplar da mesma no maço 11, doc. 4, inserto num instrumento de D. João de
Azevedo, bispo do Porto, nomeado executor da mesma bula. Foi sumariada por ABRANCHES,
José dos Santos, Fontes do Direito Ecclesiastico Portuguez – I – Summa do Bullario Portuguez,
Coimbra, Tipografia do Seminário, 1895, p. 49, n.º 304, e por SANTARÉM, Visconde de,
Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potências do
mundo desde o princípio da monarchia até aos nossos dias, Lisboa, Typographia da Academia Real
das Sciencias, 1866, tomo X, p. 110.

370
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

o que aconteceu na segunda metade de 1495 11. Mas a tarefa de aproximar


Alexandre VI dos interesses de D. João II não era fácil. Nem a conjuntura política
internacional, nem o peso político que internamente ganhava a facção oposta ao
rei favoreciam os intentos do Príncipe Perfeito.
Isabel de Castela e Fernando de Aragão procuraram realmente inviabi-
lizar a sucessão de D.  Jorge. Com este propósito, os Reis Católicos enviaram a
D. João II uma embaixada em que tentavam “convencer o monarca dos perigos em
que colocaria o reino se nomeasse seu filho bastardo como sucessor”. Para o efeito,
os embaixadores lembraram que não apenas os naturais do reino de Portugal
poderiam querer destronar aquele que considerariam intruso, como também os
estrangeiros se arriscariam apresentar como directos sucessores, dando o exemplo
de Maximiliano de Áustria (filho da infanta D. Leonor e neto do rei D. Duarte),
que lograria requerer a coroa portuguesa. D.  João II terá procurado afastar os
receios que os representantes dos monarcas espanhóis lhe transmitiam, pois estes
escreveram que o rei português “lhes garantiu que nunca pensara em fazer D. Jorge
seu sucessor, embora gostasse dele por ser seu filho”, acrescentando que, apesar da
doença da rainha, ainda esperava que ela lhe pudesse dar outro filho (e por esta
razão nem pensava noutro casamento, como algumas pessoas o aconselhavam) 12.
Em estudo complementar, Manuela Mendonça destacou o papel de
D. Jorge da Costa, o Cardeal Alpedrinha, em toda esta questão 13. Pensa-se que o
eclesiástico terá agilizado em Roma, onde vivia, a obtenção da bula de concessão
dos mestrados de Avis e de Santiago a favor de D. Jorge. Apesar de não existir
indicação expressa nesse sentido, considerou a autora não poder duvidar-se da sua
intervenção, pois era o cardeal quem decidia junto da Santa Sé todos os assuntos

11
Veja-se o teor desta oração de obediência, em fac-simile do latim original e traduzida em
português, em Oração de Obediência ao Sumo Pontífice Alexandre VI dita por D. Fernando de
Almeida em 1493 (edição fac-similada, com nota bibliográfica de Martim de Albuquerque e
tradução portuguesa de Miguel Pinto de Meneses), Lisboa, Edições Inapa, 1988 (colecção
Orações de Obediência. Séculos XV a XVII, n.º 4). Jean Aubin contestou a data atribuída a esta
oração, 1493, defendendo que a mesma foi proferida apenas em 1495. Cfr. AUBIN, Jean,
“D.  João II devant sa succession”, in Le Latin et l’Astrolabe. Recherches sur le Portugal de la
Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, Lisbonne-Paris: Centre Culturel
Calouste Gulbenkian / Comission Nationale pour les Commémorations des Découvertes
Portugaises, 2000, vol. 2, p. 71, em particular as notas 75 e 76.
12
O relato desta embaixada encontra-se no Arquivo Geral de Simancas, Patronato Real, n.º 4163,
leg. 49, fl. 58, estando publicado em TORRE, Antonio de La; SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis
(edição), Documentos referentes a las relaciones con Portugal durante el reinado de los Reyes Católicos,
Valladolid, CSIC, 1960, vol. 2, pp. 412-420.
13
MENDONÇA, Manuela, D. Jorge da Costa «Cardeal Alpedrinha», s.l., Edições Colibri, 1991,
em especial as pp. 58-60 e 99.

371
joão BernArdo GALvão-TeLLes

relacionados com Portugal. Mas depois a posição pessoal de D. Jorge da Costa foi
contrária à “tentativa de legitimação que D. João II pretendeu para o mesmo Senhor
D. Jorge, seu filho bastardo; essa legitimação nunca foi conseguida e estamos certa que
isso assim aconteceu por vontade do Cardeal”. Afirmou Manuela Mendonça que
D. Jorge da Costa não apoiou as pretensões do rei português junto do Papa por
considerar que, do ponto de vista institucional e jurídico, o herdeiro do trono
seria D. Manuel. Apesar de respeitar e admirar D. João II enquanto soberano,
D. Jorge da Costa não nutria simpatia por aquele que o expulsara do reino; “não
lhe faria, pois, um favor pessoal”. Acresce que D. Manuel estava do lado de todo o
grupo que D. João II perseguira e espoliara, estava do lado da rainha D. Leonor,
que sempre manteve com o cardeal um contacto estreito. “Daí a nossa convicção
que D. Jorge, bastardo, só não foi Rei porque D. Jorge Cardeal, o não consentiu”,
concluiu a historiadora.
Atentando no afastamento da corte a que D. Jorge foi votado, nas tenta-
tivas feitas por D. João II de o legitimar em Roma ao mesmo tempo que soli-
citou e obteve para o filho os mestrados de Avis e de Santiago, para além de
outras doações que outorgou ao bastardo, tudo isto – na opinião de Maria Cris-
tina Gomes Pimenta – “aponta para uma coerência de atitudes da parte do rei de
Portugal que, rapidamente, fez levantar toda uma série de questões à volta do que
globalmente dá pelo nome de sucessão de João II. E isto acontece fruto do paralelo
que o Rei pretende traçar entre este bastardo e o seu filho legítimo, há pouco falecido”.
Com efeito, o conjunto de doações de bens e cargos que haviam pertencido a
D. Afonso, transitando para D. Jorge, revelavam um “desejo muito claro de trans-
ferir integralmente para D. Jorge o status que D. Afonso detinha em vida, abrindo
assim caminho para que o bastardo lhe pudesse suceder” 14.
As recentes biografias régias de D. João II, de D. Manuel I e de D. Leonor,
alinham em geral com o que acima ficou dito. Luís Adão da Fonseca, que escreveu
sobre o Príncipe Perfeito, afirmou: “Sucedem-se então as diligências de D. João II
no sentido de promover e conferir um novo estatuto ao filho que lhe resta: a par dos
esforços de legitimação em Roma, segundo parece, dificultados pelos Reis Católicos, é
solicitada ao papa a concessão do governo dos mestrados de Avis e Santiago, o que lhe
veio a merecer uma resposta positiva da parte de Inocêncio VIII, pela bula Eximiae
devotionis affectus de 1491” 15. Também João Paulo Oliveira e Costa, autor de
D. Manuel I, revelou que, logo após a morte do príncipe, D. João II começou a
14
PIMENTA, Maria Cristina Gomes, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o
Governo de D. Jorge”, [Porto], Fundação Eng. António de Almeida, 2001 (colecção Militarium
Ordinum Analecta, n.º 5), pp. 81-82.
15
FONSECA, Luís Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 128, 165, 172 e
224-228, em especial a p. 226, de onde se extraiu a citação.

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A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

defender a possibilidade de entregar a herança do reino ao bastardo e que, “além


de tentar a legitimação de D. Jorge junto da Santa Sé, procurou aliados para a causa
de seu filho”. O historiador referiu, por conseguinte, as embaixadas enviadas por
D. João II ao papa para tentar a legitimação de D. Jorge, bem como a intervenção
dos embaixadores castelhanos junto da Santa Sé e do cardeal D. Jorge da Costa
contra os desígnios do rei português 16. Isabel dos Guimarães Sá, por seu turno,
autora da biografia sobre a rainha D.  Leonor, asseverou que “morto o filho em
1491 e não tendo o casal reinante outros herdeiros, Leonor opor-se-ia tenazmente a
que o marido legitimasse o seu único bastardo, D. Jorge, com vista a sentá-lo no trono.
Esforços de D. João II nesse sentido junto do papa resultaram infrutíferos”. Referindo-
-se à incapacidade de D. Leonor, após a morte do filho, suportar a presença de
D.  Jorge, a mesma investigadora lembrou que D.  Manuel acolheu o bastardo
depois do falecimento de D. João II e de este ter tentado legitimá-lo junto da
Santa Sé, evidenciando que o novo rei ocupou um lugar que poderia ter sido
de D. Jorge “se o papa tivesse consentido na sua legitimação”. A biógrafa da rainha
recordou ainda a embaixada de D. Fernando de Almeida a Roma e os obstáculos
do Cardeal Alpedrinha, declarando também que D. Jorge não terá desejado acti-
vamente a coroa, pois o único testemunho que parece indiciar o contrário foi o
de um espião veneziano que afirmou que o bastardo pretendia suceder ao pai
e esperava ser rei, aguardando pela bula de Roma que o faria legítimo quando
D. João II faleceu 17.
Valerá a pena recuar um pouco na produção historiográfica, recuperando
um texto de Américo da Costa Ramalho, proferido em 1985 e publicado, pela
primeira vez, três anos depois, a respeito da relação entre D. João II e Cataldo 18.
Neste seu trabalho, o autor analisou um poema do humanista, composto em
vida de D. João II, intitulado Cataldi Aquilae libri na edição original do século
XVI e De Obitu Alfonsi Principis na publicação efectuada duzentos anos depois
(em ambos os casos com alterações ao que terá sido a versão primitiva). Na parte
final do quarto e último canto, Cataldo ocupou-se de D. Jorge, produzindo uma
imagem favorecida de D. Leonor na relação com o bastardo do marido no período
subsequente à morte do príncipe (o que se viu não corresponder à realidade), com

16
COSTA, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 69-71.
17
SÁ, Isabel dos Guimarães, De princesa a rainha-velha. Leonor de Lencastre, s.l., Círculo de
Leitores, [2011], pp. 9, 62-63, 147, 152-154, 156 e 202.
18
RAMALHO, Américo da Costa, “Cataldo e D.  João II”, in O Humanismo Português, 1500-
1600. Primeiro Simpósio Nacional, 21-25 de Outubro de 1985, Lisboa, Academia das Ciências,
1988. Republicado em RAMALHO, Américo da Costa, Para a História do Humanismo em
Portugal, s.l., Fundação Calouste Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica, [1994], vol. 2, pp. 17-33.

373
joão BernArdo GALvão-TeLLes

o intuito de “a levar a aceitar melhor a imaginação do poeta naquilo que vai seguir-
-se até à conclusão do poema”. E o que concebeu Cataldo? Nesses versos finais, o
educador de D. Jorge imaginou “que o rei D. João II fora em tempos visitado, em
sonhos, por uma personagem, anjo ou mensageiro divino, que lhe lembrara como a
sucessão do reino era precária com um só descendente, o seu filho único D. Afonso”.
Por isso, a mística figura exortava o monarca: “Liberta os membros, liberta-os do
sono pesado e entorpecente, e de entre a multidão das raparigas nobres escolhe uma
que, com toda a segurança, dará à luz um filho teu que há-de ser excelente de físico,
excelente de cultura. Tua mulher Leonor será a primeira a aprovar esta decisão, porque
tudo quanto resolveres obedece a ordens divinas, é feito com concordância do Alto,
aconselhado pelo espírito celeste. Deixa que eu tome sobre mim este cuidado. Virá
ao pensamento dela (de tua mulher) Sara que, sendo estéril, apresentou alegremente
ao marido relutante uma criada, para aumento da prole, e não quebrou os deveres
do sagrado leito”. O poema prossegue, evidenciando a reacção do então príncipe
D. João ao sonho – “Eis que recebo de boa mente as tuas palavras e vou cumprir
as tuas ordens” –, dando conta da aprovação do desígnio por parte do conselho
régio – pois “se não se apressar a cumprir com acatamento as ordens divinas / talvez
um grande desastre venha a acontecer aos seus reinos e aos seus povos” – e revelando,
por fim, o esperado nascimento de D. Jorge – “Eis que do ventre grávido o próprio
deus fez sair um macho”.
Tratando-se naturalmente de uma obra literária – escrita, não nos esque-
çamos, por um contemporâneo bem próximo das personagens e dos aconteci-
mentos –, ao retroprojectar o contexto em que o bastardo foi concebido, procu-
rando justificá-lo, parece claro o propósito de legitimar moralmente a relação
adulterina de D. João II e, consequentemente, o nascimento de D. Jorge, cuja
existência Cataldo procurava exaltar.
Num outro escrito, datado de 1989-1990 19, Américo da Costa Ramalho
veio afirmar que “há provas inequívocas de que D. João II, depois da morte do filho
legítimo D. Afonso, preferia que lhe sucedesse o outro filho, D. Jorge, a ver sentado no
trono seu primo e cunhado D. Manuel”. E acrescentou: “Há muitos anos que estou
convencido de que a missão de D. Fernando de Almeida, bispo de Ceuta, em Roma
em 1493, não foi apenas a de saudar o novo papa Alexandre VI, na sua elevação ao
sólio pontifício, mas também a de negociar a legitimação de D. Jorge e lhe preparar a
sucessão do trono. De resto, o partido contrário tinha na cúria papal um aliado pode-
roso em D. Jorge da Costa, «cardinalis ulyxbonensis», que estava nas melhores relações

19
Intitulado “Cataldo, a Infanta D. Joana e a educação de D. Jorge” e reeditado em RAMALHO,
Américo da Costa, Para a História do Humanismo em Portugal, s.l., Fundação Calouste
Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, [1994], vol. 2, pp. 51-68.

374
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

com o novo Papa e não tinha boas lembranças de D. João II. Isso não impediu que
o rei lhe escrevesse a encomendar o seu legado. Assim, D. Fernando de Almeida […]
partiu para Itália, levando consigo um impressionante número de cartas de recomen-
dação, redigidas em latim por Cataldo e publicadas em Epistolae I. Desde o Papa
Alexandre VI e seu filho César Borgia, então ainda cardeal, até a variados membros
da cúria, o Rei de Portugal a todos pede apoio para as questões que o bispo de Ceuta
vai tratar”.
As epístolas de Cataldo Parísio Sículo estão hoje traduzidas e publicadas 20.
Na primeira parte dessa obra, editada em 2010, encontram-se quarenta e duas
cartas escritas pelo humanista ao serviço do rei D. João II. Reportando-se a uma
parte dessas missivas (as que se encontram numeradas de 125 a 138), escreveram
os organizadores da edição que sendo “dirigidas ao papa Alexandre VI e a cardeais
e outros magnates da Cúria Romana, encontramos um assunto, tratado de forma
sigilosa, e que deve ser a legitimação de D. Jorge, filho bastardo de D. João II. Todas
estas cartas têm como finalidade principal fazer a apresentação de D. Fernando de
Almeida, bispo de Ceuta, que vai como embaixador de D. João II residir em Roma.
Esse é o pretexto oficial, mas fica em suspenso, e nunca é mencionado, o objectivo prin-
cipal da missão do bispo, objectivo que aliás não foi conseguido”.

Conclusão

Deve-se aos cronistas que escreveram sobre o reinado de D. João II a


primeira notícia a respeito do propósito do rei em legitimar e habilitar o seu filho
bastardo D.  Jorge, após a prematura e inesperada morte do príncipe herdeiro
D. Afonso, de modo a que aquele pudesse suceder no trono português. Intento
que, como os mesmos autores afirmaram, ficou gorado devido à intervenção da
rainha D. Leonor.
A moderna historiografia, pela mão dos mais abalizados investigadores,
partindo das crónicas mas cruzando outras informações e estudando as conjun-
turas internacional e nacional, tem globalmente perfilhado o mesmo entendi-
mento. Excepção feita ao marquês de Abrantes, que se referiu a D. Jorge como
filho natural legitimado de D.  João  II, alegando que tal legitimação ocorrera
proximamente à concessão dos mestrados das Ordens de Avis e de Santiago a
favor do bastardo régio, sem todavia declarar de onde se pode retirar esse facto.

20
SÍCULO, Cataldo Parísio, Epístolas (fixação do texto latino, tradução, prefácio e notas
de Américo da Costa Ramalho e de Augusta Fernanda Oliveira e Silva), 2 volumes, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005-2010.

375
joão BernArdo GALvão-TeLLes

Não se conhece, com efeito, prova que ateste a legitimação de D. Jorge


e mesmo as tentativas impetradas por seu pai nesse sentido resultam mais da
narrativa dos cronistas e dos indícios indirectos de outras fontes, analisadas pelos
historiadores, do que de algum documento coevo que se refira expressamente às
diligências promovidas por D. João II. O que não é de estranhar pois o assunto,
pela sua natureza sensível, terá sido tratado de forma confidencial e muito prova-
velmente por via oral através dos representantes de D. João II junto do papado.
Tal não significa que, numa qualquer missiva da época, em arquivo português,
espanhol ou até mesmo do Vaticano, não se venha a descobrir qualquer refe-
rência, mais velada ou mais explícita, ao tema da legitimação de D. Jorge.
Certo é que, frustrada a pretensão, nos derradeiros instantes da vida, o
Príncipe Perfeito acabaria por reconhecer seu primo e cunhado D. Manuel, duque
de Beja, como herdeiro do trono. Assim ficou registado no testamento do sobe-
rano, lavrado a 29 de Setembro de 1495, sem prejuízo de D. João II encomendar
o filho aos cuidados do futuro rei, procurando garantir-lhe um estatuto compa-
tível com a sua condição 21. Como assinalou Maria Cristina Gomes Pimenta, a
razão de Estado sobrepôs-se à razão de pai.
Poder-se-á perguntar qual a razão que levou D. João II a tentar obter do
Papa a legitimação de D. Jorge, se não só o próprio monarca detinha a capaci-
dade de legitimar, como a História já havia mostrado que não era impossível um
bastardo sentar-se no trono, como acontecera com D. João I.
Creio que a resposta residirá no facto de as circunstâncias no final do reinado
do Príncipe Perfeito serem muito diferentes daquelas que se verificaram na crise de
1383-1385, principalmente sob dois aspectos: ninguém olhava para D. Manuel
como um intruso ou uma ameaça, antes se reconhecia ser ele o sucessor legítimo
da coroa; em consequência, não havia quem propugnasse pela causa de D. Jorge,
o que deixou D. João II absolutamente isolado no propósito de sentar o filho no
trono. Por isso, a legitimação papal seria a única forma de o monarca conseguir
alcançar o seu objectivo.

Bibliografia

ABRANCHES, José dos Santos, Fontes do Direito Ecclesiastico Portuguez – I –


Summa do Bullario Portuguez, Coimbra, Tipografia do Seminário, 1895.

21
O testamento de D. João II encontra-se transcrito e publicado em SOUSA, D. António Caetano
de, Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Coimbra, Atlântida – Livraria
Editora, Lda., 1947, tomo 2, 1.ª parte, pp. 206-217.

376
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão

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MENDONÇA, Manuela, D. Jorge da Costa «Cardeal Alpedrinha», s.l., Edições


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Oração de Obediência ao Sumo Pontífice Alexandre VI dita por D. Fernando de


Almeida em 1493 (edição fac-similada, com nota bibliográfica de Martim de
Albuquerque e tradução portuguesa de Miguel Pinto de Meneses), Lisboa,
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UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA
COMEDIA SOBRE A DEVISA DA CIDADE DE COIMBRA
E A CORTE DE DOM JOÃO III

Paulo Morais-Alexandre*

Resumo: ensaia-se uma tentativa de compreensão do sentido de comédia na peça de


Gil Vicente, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, recorrendo-se para tal
a uma análise culto da nobiliarquia então vigente, da composição da corte do rei de
Portugal, D. João III e à pesquisa da encenação produzida especificamente para um
público muito particular.

Abstract: an attempt to understand the sense of comedy in the play of Gil Vicente
Comedy about the coat of arms of the city of Coimbra, resorting to such the analysis of
the court of the king of Portugal, John III, the cult of nobility and a staging specifically
produced for a very special audience

* Professor da ESTC - Escola Superior de Teatro e Cinema / Instituto Politécnico de Lisboa.


Mestre em História da Arte com uma dissertação versando o tema O Vestuário e a Heráldica.
Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra com uma tese subordinada ao tema A Herál-
dica do Exército na República Portuguesa no século XX. Da Academia Lusitana de Heráldica, da
Academia Falerística de Portugal, do Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos e da
Secção de Genealogia e Heráldica da Sociedade de Geografia de Lisboa. Pró-Presidente para as
Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.
E-mail: pmorais@estc.ipl.pt

379
pAuLo morAis-ALexAndre

Introdução

A Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra 1 representada perante o rei


D. João III e sua corte em 1527 por ocasião da estada ali daquele monarca, além
de ser uma peça onde «[...] se trata o que deve significar aquela princesa, leão e
serpente e cales ou fonte que tem por devisa [...]» 2, ou seja, além de aventar uma
fantasiosa leitura simbólica do brasão-de-armas da citada cidade, aborda ainda
«[...] o nome do rio e outras antiguidades [...]» 3, não é referido na rúbrica mas na
cena final várias personagens serão ainda chamadas à colação para darem conta
à audiência que são tronco, ou seja, delas derivaram as mais relevantes famílias
portuguesas, num muito fantasioso exercício genealógico.
Sem dúvida associado à corte e acompanhando-a nas várias deslocações,
Gil Vicente, até mercê da sua função lidava com os mais importantes membros
da mesma e estaria certamente muito familiarizado com as temáticas relacionadas
com o cultivo da nobiliarquia que era muito relevante e a sua deriva para as
questões relacionadas com a genealogia e a heráldica familiar e que com esta se
confrontaria amiúde nas suas funções na corte e por este motivo as teria introdu-
zido em algumas das suas peças.
Carolina Micaëlis de Vasconcelos classificou, que estudou este texto, clas-
sificou-o «[...] como lenda heráldica e genealógica - primeiro exemplar de um
género ainda não ensaiado por ninguém.» referindo também que, enquanto lenda
heráldica e farsa mitológica, seria predecessora das futuras óperas de António José
da Silva e até das operetas de Offenbach 4.
Osório Mateus em Devisa refere, a propósito da personagem Colimena,
que se trata de um «[...] nome apto para invenção etimológica.» 5, dando uma
interessante pista para a estruturação desta peça. A estruturação “etimológica”
parte do nome da cidade, rio, animal e apelidos e só depois terá sido dado o nome
à personagem que permitia esta putativa etimologia. Assim, perante a necessidade
1
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra [Em linha], 1527 in CAMÕES,
José (Org.) in CETbase: Teatro em Portugal / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
2002 [Consult. 2015, Abril, 4], Disponível em http://ww3.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/
Publicacoes/Pecas/Textos_GV/Devisa%20de%20Coimbra.pdf.
Os textos vicentinos citados e apresentados no presente artigo são os fixados pela equipa de
investigadores liderada por José Camões que estão disponíveis na internet no sítio da CETbase:
Teatro em Portugal de acordo com as localizações adiante citadas.
2
Idem, rubrica, 106’.
3
Ibidem.
4
VASCONCELLOS, Carolina Micaëlis de, “Pedro, Inês e a Fonte dos Amores” in Lusitânia,
Revista de Estudos Portugueses, Lisboa, 1925, fascs. 5-6, p. 169.
5
MATEUS, Osório, Devisa, Lisboa, Quimera, 1988, p. 16.

380
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

de criar uma personagem que permitisse citar que Inês de Castro havia estado na
sala onde a função se representava, Gil Vicente associou o apelido desta figura
histórica a um nome com algumas semelhanças com o seu apelido, neste caso
Belicastra, efabulando depois sobre a diferença da grafia de ambas as palavras.
Trata-se de uma das obras mais menosprezadas do teatro vicentino que,
após a estreia, raramente foi levada à cena, sendo de registar a sua apresentação em
1993-94 pela “Escola da Noite”, tendo este espectáculo sido reposto em 2004 6.
Em 2010, sob a designação de Divisa, sob direcção de Álvaro Correia foi também
representada pelos alunos 2.º ano do curso de Teatro no Estúdio João Mota da
Escola Superior de Teatro e Cinema 7.
O presente texto deriva de uma pesquisa iniciada a partir do convite da
professora Maria José Palla, para que o autor do mesmo estudasse e publicasse um
conjunto de textos relativos às personagens da peça em apreço no Dicionário das
Personagens do Teatro de Gil Vicente 8.

I – Do cultivo da nobiliarquia à genealogia fantasiosa

Um bom ponto de partida para a compreensão do texto vicentino passa


pela procura do sentido da comédia na sua obra, o que se considera que consegue
ser estabelecido pela demanda dos alvos da sua ironia. Jean Aubin, em “La
noblesse titrée sous D. João III: inflation ou fermeture?” dá uma preciosa pista ao
referir a verdadeira “doença” pela Nobiliarquia/Genealogia de que sofriam muitos
dos que faziam parte da corte:

L’aspiration à se faire reconnaître fidalgo et à s’élever dans l’hiérarchie nobi-


liaire – ambition dont se gaussait dans son œuvre théâtrale Gil Vicente – est
sans doute le trait le plus apparent des mouvements internes qui affectent le

6
“A Escola Da Noite / Gil Vicente, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra” [Em
linha], [Ficha de espetáculo], Cetbase, Teatro em Portugal / Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, reg.º n.º 409, s.d. [Consult. 2015, Setembro, 5], Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/
CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espectaculo&ObjId=409.
7
A Partir de Comédia sobre a Devisa da Cidade de Coimbra e Auto Pastoril Português de Gil Vicente
[Folha de Sala], Amadora, Escola Superior de Teatro e Cinema, 2010
8
PALLA, Maria José (coord. e org.), Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente, Lisboa,
Chiado Editora, 2014.

381
pAuLo morAis-ALexAndre

corps de l’aristocratie, et à sa marge inférieure tout un monde de hobereaux


miséreux et d’écuyers sans lignage qui essaient d’en forcer l’entrée.” 9

Tal pode ainda ser alcançado através de uma tentativa de reconstrução da


plateia presente, o que hipoteticamente pode ser feito principiando pela compo-
sição da corte de D. João III, nomeadamente dos membros desta que eventual-
mente estariam em Coimbra a acompanhar o monarca na data da apresentação
do espectáculo. Havia efectivamente no tempo de D. João III um verdadeiro
culto da genealogia e há o registo da produção de vários róis de linhagens, escritos
desde pelo menos o último quartel do século XIII, sendo de referir o Livro Velho
ou o Livro do Deão e, já do século XIV, o Nobiliário de Dom Pedro, Conde de
Barcelos 10, alvo de inúmeras reproduções e impressões ao longo dos séculos 11.

9
AUBIN, Jean, “La noblesse titrée sous D. João III, inflation ou fermeture?” in AUBIN, Jean, Le
Latin et l’Astrolabe, Recherches sur le Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et ses relations
internationales, Lisboa-Paris, Centre Culturel Calouste Gulbenkian / Commission Nationale
pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, 1996, p. 371.
10
BARCELOS, D. Pedro, 3.º Conde de, Nobiliário de Espanha escrito pelo senhor conde D. Pedro,
1340-1344, ANTT, Livro de Linhagens, n.º 144.
A este respeito são significativas as palavras de Miguel Metelo de Seixas: «A produção medieval
portuguesa revelara-se substancial neste âmbito, desde o Livro Velho de Linhagens de finais do
século XIII e o Livro de Linhagens do Deão do segundo quartel da centúria seguinte, até ao
pouco posterior Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, sem dúvida a obra genealógica medieval
de maior alcance e difusão não apenas em Portugal como nos restantes reinos peninsulares, onde
foi largamente copiado, acrescentado e glosado.» Cit. SEIXAS, Miguel Metelo de – “Recensão
Crítica a GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, (Edição crítica
de António Maria Falcão Pestana de Vasconcelos), Lisboa, Instituto Português de Heráldica /
CLEGH / CEPESE, 2014, 628 pp.” in Armas e Troféus, Revista de História, Heráldica, Genealogia
e Arte, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, 2014, 9.ª série, tomo 16, p. 443.
Ainda a respeito dos livros de linhagens medievais veja-se a obra de MATTOSO, José, “A lite-
ratura genealógica e a cultura da nobreza em Portugal (sec. XIII-XIV)” in Portugal medieval, novas
interpretações, Lisboa, Casa da Moeda, 1985 e sejam consultadas as várias edições críticas nas quais
este investigador participou, nomeadamente: Livros Velhos de Linhagens (Edição crítica de Joseph Piel
e José Mattoso), Lisboa, Academia das Ciências, 1980 e Livro de linhagens do Conde D. Pedro (Edição
crítica de José Mattoso), Lisboa, Academia das Ciências, 1980. Será ainda de consultar: PIZARRO,
José Augusto de Sotto Mayor - Linhagens Medievais Portuguesas, Genealogias e Estratégias (1279-
1325), Dissertação de Doutoramento em História da Idade Média [em linha], Porto, Universidade
do Porto, 1997, [Consult. 2017, Março, 24]. Disponível em https://www.google.pt/url?sa=t&rct=
j&q=&esrc=s&source=web&cd=9&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiN6ZG34O_SAhUBw4
MKHao4AkUQFghMMAg&url=https%3A%2F%2Frepositorio-aberto.up.pt%2Fbitstream%
2F10216%2F18023%2F2%2F1712TD01P000079037.pdf&usg=AFQjCNHRLLMWBv5O_
VVQ9cpe0XDS-9kQuw&sig2=pdIzvyxsVkIVyxOmcVQXCw&bvm=bv.150729734,d.d24.
11
«Os livros de linhagens foram compilados em momentos diversos entre o século XIII e XIV,
sofrendo sucessivas interpolações até assumirem a sua forma definitiva. São conhecidos

382
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

É ainda imperioso referir um livro de linhagens contemporâneo da peça, escrito


por Xisto Tavares, falecido em 1525, sob a designação de Liuro das Prencipaes
Linhagens de Portugal 12 e do qual foram feitas várias cópias manuscritas, algo que
é demonstrativo do seu sucesso e importância, ou, um outro, um pouco posterior
à apresentação da Devisa em Coimbra, da autoria de Damião de Góis e do foram
realizadas várias cópias manuscritas 13.
Obviamente que a Genealogia sofreu muitas vezes da falta de rigor, de
problemas metodológicas, da má selecção de fontes, da enviesada análise dos
documentos 14, na omissão da sua citação, do registo de informação oral não
escrutinada, etc., datando apenas do século XIX a preocupação com o rigor
científico desta área que passou a ciência auxiliar da História 15. Muitos dos róis
genealógicos mostram, no entanto, origens de linhagens fantasiosas, verdadeiras
efabulações, motivadas por diversas ordens de factores que aliás evoluiriam no
decurso dos reinados:

basicamente três livros de linhagens: o Livro velho (LV), o Livro do Deão (LD) e o Livro de
linhagens do Conde Dom Pedro, que aqui chamaremos de Livro de linhagens (LL). Os períodos
presumíveis para as suas compilações vão de 1282 a 1290 para o LV, de 1290 a 1343 para
o LD, e de 1340 a 1343 para o LL.» BARROS, José D’Assunção, “Os Livros de Linhagens
na Idade Média Portuguesa, A constituição de um gênero entre a genealogia e a narrativa” in
RCL, Convergência Lusíada [Em linha], Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura,
2011, Janeiro-Junho, n.º 25, p. 77. [Consult. 2017, Março, 26], Disponível em http://www.
realgabinete.com.br/revistaconvergencia/?p=138.
12
TAVARES, Xisto, Liuro das Prencipaes Linhagens de Portugal, s.d., BNP, COD. 1328.
13
GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, (Edição crítica de António
Maria Falcão Pestana de Vasconcelos), Lisboa, Instituto Português de Heráldica / CLEGH /
CEPESE, 2014. Veja-se ainda a este respeito o relevante texto de SEIXAS, Miguel Metelo de –
“Recensão Crítica a GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, …,
pp. 441-449.
Esta obra terá sido iniciada na sequência da nomeação de Damião de Góis para Guarda-mor
da Torre do Tombo em 1945 e terminada em data posterior a 1555. Cf. VASCONCELOS,
António Maria Falcão Pestana de, “Introdução” in GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de
Portugal de Damião de Góis, ob. cit., p. 17.
14
«[…] a memória linhagística era, na maioria das vezes, alicerçada em situações concretas e
registros vários, somente libertando-se para vôos mais fantasiosos onde havia lacunas que o
permitissem. Com freqüência, passava-se de maneira imperceptível da lenda interpolada à
narrativa, que era construída sobre bases mais conhecidas e em torno de figuras cuja existência
podia ser comprovada historicamente.» Cit. BARROS, José D’Assunção, “Os livros de linhagens
medievais e a reconstrução da memória – as operações genealógicas nos nobiliários portugueses
dos séculos XIII e XIV .” in Diadorim, Revista de Estudos Lingüisticos e Literários, Rio de Janeiro,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006, n.º 1, p. 163.
15
S.A., “Breves notas sobre Genealogia e Heráldica” in ZÚQUETE, Afonso (dir. e coord.),
Armorial Lusitano, Lisboa, Representações Zairol, 1987 [reed.], vol. 2, p. 707.

383
pAuLo morAis-ALexAndre

[...] importancia del fundador del linaje, iniciador de una historia fami-
liar siempre limpia y gloriosa, destinada a justificar y legitimar la posi-
ción alcanzada por sus descendientes. [...] frecuentemente, los genealo-
gistas, más que embaucar a aquéllos para los que realizaban sus trabajos,
les secundaban en su afán por reconstruir un pasado ficticio, mucho más
adecuado y conveniente. [...] En otros casos, las falsificaciones genealógicas
surgen de la necesidad de ocultar un pasado que no se consideraba apro-
piado para sustituirlo por otro, ficticio, pero idóneo; un pasado inventado
destinado a legitimar la posición socioeconómica alcanzada, pero también
a proyectar el linaje hacia el futuro [...] 16.

Registe-se que a este nível a própria Bíblia Sagrada pode dar azo a especula-
ções, já que o “Primeiro Livro das Crónicas” estabelece uma linhagem de Abraão
que remonta até Adão 17.
Sobre as genealogias fantasiosas no tempo de Gil Vicente cite-se uma,
claramente na peugada do texto bíblico, da responsabilidade do infante D.
Fernando, duque da Guarda e de Trancoso, irmão de D. João III. Este príncipe
era, segundo Diogo Barbosa Machado na obra Bibliotheca Lusitana, «[...] dado
ao estudo das Historias verdadeiras, e inimigo das fabulosas, e principalmente
nas de seus progenitores trabalhou muito por saber sua origem. Compoz Arvore
Genealógica deduzida do tempo de Noé, atè ElRey seu Pay.» 18
Para denunciar genealogias abusivas foram surgindo obras, designadas em
Espanha como libros verdes ou tições que relatavam o que as famílias queriam
esconder na sua ascendência, nomeadamente aquilo que se designava como a
limpeza de sangue ou bastardias. O investigador João Figueirôa-Rêgo refere a
«[...] feitura e circulação, restrita mas efectiva, de nobiliários negros – Tições –
nos quais se expunham as mazelas genealógicas, em especial as originadas por
pretensas intrusões de raças, ditas infectas, mas também as mésalliances que ofus-
cavam o brilho e limpidez das linhagens.» 19. Destes, o mais famoso seria escrito

16
RÁBADE OBRADÓ, María del Pilar, “La Invención como necesidad, Genealogía y
Judeoconversos” in LADERO QUESADA, Miguél Ángel (coord.), Estúdios de Genealogía,
Heráldica y Nobiliaria, anejos de «En la España Medieval», Madrid, Universidad Complutense,
2006, p. 186-187.
17
Bíblia Sagrada, Lisboa, Difusora Bíblica, 1992, 1 Cr 1,1-27.
18
MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana, Historica, Critica, e Cronologica, Lisboa,
Officina de Ignacio Rodrigues, 1747, tomo 2, p. 12.
19
FIGUEIRÔA-RÊGO, João, “A limpeza de sangue e a escrita genealógica nos dois lados do
Atlântico entre os séculos XVII e XVIII , Alguns aspectos” in Actas do Congresso Internacional
O Espaço Atlântico de Antigo Regime, poderes e sociedades [Em linha], Lisboa , Instituto Camões,

384
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

em 1560 pelo cardeal Francisco de Mendoza y Bobadilla sob a designação de


El Tizón de la Nobleza de España 20, entregue a Filipe II de Espanha por este
prelado de Burgos e que era «[...] un manuscrito en el cual le mencionaba sobre
las máculas en los linajes de las principales Casas de España [...]» 21, onde eram
referidas várias famílias da corte portuguesa, nomeadamente a origem dos duques
de Bragança 22.
Em Portugal há várias destas obras, embora posteriores ao período anali-
sado, sendo de referir o Tição Negro de Matheus, escrito em 1755 23 e um atribuído
a D. Manuel de Carvalho e Ataíde, pai do primeiro marquês de Pombal, que sob
o pseudónimo de D. Tivisco De Nasao Zarco, Y Colona viria a escrever várias
genealogias reunidas sob a epígrafe de Theatro Genealogico 24.
O cultivo da genealogia e da nobiliarquia reflectia-se obviamente na lite-
ratura, nomeadamente na produção de trovas heráldico-genealógicas que se
escreviam deleite da nobreza de corte e à qual o próprio Luís Vaz de Camões
não viria a escapar. Sobre o canto da Heráldica na poesia veja-se o artigo do
conde de São Paio - “As trovas heráldicas na literatura portuguesa / Cancioneiro
da Armaria” 25 que refere que o melhor exemplo deste tipo de literatura, coevo
do autor da Comedia sobre a devisa, foi produzido pelo aristocrata João Rodri-
gues de Sá, senhor de Matosinhos, que era «[...] um dos principais fidalgos de
Portugal, ocupando brilhante lugar na côrte portuguesa, e grande donatário da

2005 [Consult. 2015, Outubro, 9], Disponível em http,//cvc.instituto-camoes.pt/eaar/


coloquio/comunicacoes/joao_figueiroa_rego.pdf, p. 8.
20
MENDOZA Y BOBADILLA, Cardeal Francisco de, El Tizón de la Nobleza de España, México
, Frente de Afirmación Hispanista, A.C., 1999 [reed.].
21
ESCOBAR OLMEDO, Armando Mauricio, “Introdução” in MENDOZA Y BOBADILLA,
Cardeal Francisco de, El Tizón de la Nobleza de España, 1560, México, Frente de Afirmación
Hispanista, A.C., 1999, p. XXVII.
22
«(Duques de Berganza) / Los Duques de Berganza proceden de Inés Fernández de Esteves, que
fue hija de un zapatero convertido de judío en Portugal, y es práctica muy sabida universalmente,
que ésta fue abuela de don Fernando de Portugal y Pereira, segundo Duque de Berganza y
siendo así fueron bisnietos de la zapatera conversa, don Dionís y don Álvaro de Portugal.». Cit.
MENDOZA Y BOBADILLA, Cardeal Francisco de, El Tizón de la Nobleza de España, 1560,
México, Frente de Afirmación Hispanista, A.C., 1999, p. 15.
23
Este “tição” surge citado em SOARES, Eduardo Campos de Castro de Azevedo, Bibliografia
Nobiliárquica Portuguesa, Porto, Fernando Machado, 1947, vol. 5, suplemento 2, p. 119.
24
COLONA, D. Tivisco de Nasao Zarco y [D. Manuel de Carvalho e Ataíde], Theatro Genealogico,
que contem as arvores de costados das principaes familias do reyno de Portugal, & suas conquistas,
Nápoles, Novelo de Bonis, 1702.
25
S. PAIO, Conde de (D. António), “As trovas heráldicas na literatura portuguesa / Cancioneiro
da Armaria” in Elucidario Nobiliarchico, Revista de História e de Arte, Lisboa, 1929, Janeiro, vol.
2, n.º 1.

385
pAuLo morAis-ALexAndre

coroa [...]» 26. Mais é dito que «[...] quem conhecer a época e o espirito palaciano
da nobresa d’então preocupada constantemente, desde o livro velho das linha-
gens, com a série dos seus avoengos, o lustre da sua casa, o grau da sua fidalguia,
poderá avaliar o interesse que deveriam ter causado as trovas de João Rodrigues
de Sá. [...] havia-se preocupado quasi apenas com as familias cujos chefes ou
membros brilhavam na corte luzidia do faustoso e literario senhor da Conquista e
Comercio da Etiopia.» 27, declarando «[...] alguns escudos darmas dalguas lynha-
gens de Portugall que sabya donde vinham [...]» 28.

II – A corte de D. João III

A corte do rei D. João III era bastante vasta e incluía desde logo os oficiais
da sua casa e da casa da rainha. Francisco d’Andrada na crónica que escreveu
relativa ao reinado de D. João III dá conta do estabelecimento, por parte de seu
pai, D. Manuel I, da casa daquele quando era apenas príncipe real referindo que
o rei veio a «[...] ordenarlhe os officiaes que lhe erão necessarios para ella [...]» 29.
Os oficiais nomeados são referidos pelo cronista, verificando-se que alguns das
pessoas então nomeadas haviam de acompanhar O Piedoso ao longo de toda a sua
vida. A título de exemplo citem-se João da Silva, conde de Portalegre que foi na
altura nomeado mordomo-mor e, por guarda-mor, Luís da Silveira que viria a ser
feito Conde de Sortelha, considerado da total confiança do príncipe 30. Na altura,
entre outros oficiais maiores e menores, foram também nomeados Cristóvão de
Melo, que era alcaide-mor de Serpa e que recebeu as funções de mestre-sala e o
cargo de monteiro-mor foi atribuído Jorge de Melo 31.
Um grupo muito particular e fulcral da corte era o conselho real, dentro
do qual o rei tinha um núcleo mais restrito, o conselho privativo, do qual, apenas
um ano depois da representação, faziam parte 32: o infante D. Luís – irmão do rei,
condestável de Portugal, duque de Beja, que viria a ser pai de D. António, prior
26
Ibidem, p. 22.
27
-. O conde de S. Paio refere ainda outros autores, nomeadamente um, um pouco posterior,
«D. João Ribeiro Gaio, bispo de Malaca e presidente das Justiças de Goa, de 1581 a 1601,
compondo a sua obra ‘Templo da Honra de Portugal’, que assim parece ter intitulado uma
colecção de Coplas ás armas da Nobreza de Portugal». Ibidem, p. 23.
28
Ibidem.
29
ANDRADA, Francisco d’, Crónica do Mvyto Alto e Mvito Poderoso Rey destes Reynos de Portugal
Dom João o III deste nome, Lisboa, Iorge Rodrigues, 1613, f. 3v.
30
Ibidem.
31
Ibidem.
32
BUESCU, Ana Isabel, D. João III 1502-1557, Rio de Mouro, Temas e Debates, 2008, p. 241.

386
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

do Crato; D. Jaime I - duque de Bragança; D. João de Lencastre - marquês de


Torres Novas, que poderia eventualmente estar afastado da corte nesta altura; D.
João de Menezes e Vasconcelos - conde de Penela, vedor da fazenda 33; D. Fran-
cisco de Portugal e Castro - conde do Vimioso; D. António de Noronha - conde
de Linhares que era filho do 1.º marquês de Vila Real; D. Fernando de Menezes
Coutinho e Vasconcelos - bispo de Lamego - que viria mais tarde a ser nomeado
arcebispo de Lisboa; Luís da Silveira – 1.º conde de Sortelha, nomeado em 22 de
Julho de 1527; Pero Correia - Embaixador e Procurador 34.
Um cargo particularmente fulcral na corte, normalmente representado no
conselho do rei, era o de vedor da fazenda que era o «[...] mandatário do rei no
supremo controlo de toda a Fazenda real [...]» 35, cargo que pelas suas caracte-
rísticas, o poderiam tornar certamente alvo das ironias vicentinas, já que de o
vedor o responsável pelo financiamento dos espectáculos da corte. Dos que foram
vedores da fazenda na altura em que a peça foi apresentada haverá que referir: D.
Rodrigo Lobo da Silveira, 3.º barão do Alvito, que havia sucedido a seu pai, não
se sabendo a data da posse mas em 15 de Setembro de 1527, de acordo com um
mandado, estaria já em funções 36; D. Pedro de Castro, 3.º conde do Monsanto
que era alcaide-mor de Lisboa e D. Francisco de Paula de Portugal e Castro, 1.º
conde do Vimioso, nomeado para esta função em 28 de Junho de 1516 37. Por fim,
em Coimbra, numa data muito próxima da representação da peça, mais concre-
tamente em 30 de Setembro de 1527, era nomeado como veador da fazenda o
Conde de Penela, D. João de Meneses e Vasconcelos 38.

33
Foi nomeado em 30 de Setembro de 1527. Cf. CRUZ, Maria Leonor Garcia da, A Governação de
D. João III , A fazenda real e os seus vedores , Dissertação de Doutoramento em Letras, área de História
Moderna [Em linha], Lisboa, Universidade de Lisboa, 1996, vol. 2, pp.261-262 [Consult.2015,
Outubro, 5], Disponível em http,//repositorio.ul.pt/bitstream/10451/585/1/17857_mlgc_
Tese_Doutoramento.pdf.
34
O levantamento destes oficiais poderá ser feito a partir dos documentos publicados por António
Caetano de Sousa. Cf. SOUSA, António Caetano de, Provas da Historia Genealogica da Casa
Real Portugueza, Lisboa, Officina Sylviana, 1742. Cite-se a título de exemplo a “Carta de
Védor da Fazenda ao Conde de Penella, D. Joaõ de Menezes e Vasconcellos” Coimbra: 1527,
Setembro, 30 (Cf. idem, tomo 2, livro 4, p. 759). Poderá ser também feito na documentação
existente no Arquivo Nacional Torre do Tombo, nomeadamente na Chancelaria Régia e no
Corpo Cronológico.
35
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, p. 103.
36
“Mandado de D. Rodrigo Lobo vedor da fazenda para o almoxarife de Cabo Verde pagar aos
herdeiros de Leonis Correia corregedor na dita ílha o ordenado que se lhe devesse”, 1527,
Setembro, 15, ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 144, n.º 102.
37
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, pp. 15 e 38.
38
A nomeação deste vedor está publicada em CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 2,
261-262.

387
pAuLo morAis-ALexAndre

Um documento, datado de 11 de Agosto de 1535, assinado por D. Rodrigo


Lobo, publicado por Brito Rebelo, prova que o dramaturgo contactaria com este
vedor da fazenda, ao referir que o rei mandava ao tesoureiro do tesouro de sua
casa que desse «[...] a Gill Viçemte oyto mill reaes que lhe mando dar e o dito
ano de mim hadaver de sua vestiaria, e per este com seu conhecimento vos seram
leuados em conta el Rey o mandou per dom Rodrigo Lobo do seu comselho e
veador de sua ffazenda [...]» 39.
Os outros titulares iriam ou não frequentando a corte, consoante estivessem
ou não no reino, já que uma parte significativa da nobreza guerreira estaria em
missão nas terras “d’Além Mar”, ou estivessem ou não a gozar dos favores reais,
sendo disso exemplar o caso de D. Miguel da Silva, que havia desempenhado as
importantes funções de escrivão da puridade e que era bispo de Viseu 40que veio
a ter que se refugiar em Roma, não obstante ser irmão de D. João da Silva, o
influente 2.º conde de Portalegre; do já referido marquês de Torres Novas preso
por sete anos, mas que depois viria a ser recompensado com o título de duque
da Aveiro; do próprio Duarte Pacheco Pereira, caído em desgraça e trazido para
Portugal a ferros para depois, mais tarde, ser reabilitado 41.
Perto do rei mover-se-iam ainda os inúmeros oficiais civis e militares da
Casa Real, com cargos de variada relevância que iam do mais importante, o
Mordomo-mor, cargo ocupado na altura da representação da peça por D. João
da Silva, conde de Portalegre, que desempenhava estas funções desde 1522 42, ao
Uchão do rei, Fernão de Aguiar 43 que tinha meramente por função fazer chegar
os pratos ao trinchante e ordenar a guarda da caça na real ucharia.
Citem-se obrigatoriamente os oficiais da casa da rainha, nomeadamente o
seu mordomo-mor, o seu veador da fazenda e outros, sendo de referir que o rei

39
REBELO, J. I. de Brito, Gil Vicente , (1470 (?) – 1540 (?), Lisboa, Livraria Ferin, Editora, 1912,
p. 11.
40
BUESCU, Ana Isabel, “D. João III e D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, novas razões para um
ódio velho” in Revista de História da Sociedade e da Cultura [Em linha], Coimbra, Centro de
História da Sociedade e da Cultura, 2010, n.º 10, tomo 1, p. 158 [Consult. 2015, Outubro, 10],
Disponível em http,//run.unl.pt/bitstream/10362/11238/1/06%20-%20Ana%20Isabel%20
Buescu.pdf.
41
CARVALHO, Joaquim Barradas de, s.v. “PEREIRA, Duarte Pacheco” in SERRÃO, Joel,
Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1981, vol. 5, p. 53.
42
BUESCU, Ana Isabel, “D. João III e D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, novas razões para um
ódio velho”, …, n.º 10, tomo 1, 162.
43
“Conhecimento em que se declara que Fernão de Aguiar, uchão do rei D. João III, recebeu do
almoxarife de Lamego, Simão Figueiredo, as coisas no mesmo declaradas.”, 1523, Maio, 15,
ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 108, n.º 14.

388
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

também fazia questão de distinguir alguns dos seus súbditos com cargos nas casas
dos infantes, designando nomeadamente mordomos-mores para todos estes.
Refira-se, por fim, uma miríade de pessoas ligadas à corte, com maior ou
menor notoriedade e onde se pode incluir o próprio Gil Vicente.
Como se verificou pelos nomes citados, os cargos mais relevantes eviden-
ciam as muito estreitas ligações entre as principais famílias da nobreza e a família
real. Há uma intrincada rede de relações familiares nesta altura. Cite-se, por
exemplo, o caso de D. Luís da Silveira, 1.º conde de Sortelha, guarda-mor de
D. João III e cunhado do vedor Nuno da Cunha já que era casado com uma
sua irmã 44. Ainda sobre as ligações familiares dos detentores de ofícios na corte
veja-se a teia que o 3.º barão de Alvito, D. Rodrigo Lobo estabelece quando
«Casou com Dona Guiomar de Castro, filha de Joaõ da Sylva, Senhor de Vagos,
Regedor de Justiças, e de sua mulher Dona Joana de Castro, filha de Dom Diogo
Pereira, II. Conde da Feira [...]» 45. Paralelamente D. Pedro de Castro, 3.º conde
do Monsanto, foi casado com D. Joana de Meneses, neta do Conde de Viana
e, posteriormente, em segundas núpcias, com D. Inês da Silva y Ayala, irmã do
Mordomo-Mor, D. João da Silva 46.
Agora compare-se os apelidos referidos com as linhagens que aparecem
citadas por Gil Vicente e resulta óbvio que não se trata de qualquer coinci-
dência, mas que o dramaturgo claramente criou as personagens de acordo com os
presentes no espectáculo.
Considerar-se com um elevado grau de certeza que Gil Vicente estabe-
leceu, com a organização e com o próprio discurso das damas da princesa Coli-
mena, um claro paralelismo com a corte portuguesa.

III - Das personagens da corte portuguesa no teatro vicentino

Personalidades da corte surgem várias vezes directamente citadas em peças


de Gil Vicente, particularmente em três destas: em 1512 na farsa O Velho da
Horta, onde na ladainha da Alcouviteira são chamados os membros da assistência,

44
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, p. 36.
45
SOUSA, António Caetano de, Memorias históricas, e Genealogicas dos Grandes de Portugal, que
contém a origem, e antiguidade de suas Familias, os Estados, e os Nomes dos que actualmente vivem,
suas Arvores de Costado, as alianças das Casas, e os Escudos de Armas, que lhes competem, até ao anno
de 1754, Lisboa, Officina Sylviana, 1755, p. 443.
46
VASCONCELOS, António Maria Falcão Pestana de, Nobreza e Ordens Militares, Relações
sociais e de Poder (Séculos XIV a XVI), Dissertação de Doutoramento em História Medieval e do
Renascimento, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008.

389
pAuLo morAis-ALexAndre

ou figuras relevantes e reconhecidas na época pelos presentes, invocando primeiro


os homens como se de santos se tratassem, começando pelo fidalgo castelhano
Juan Ramirez Arelhano, designado como santo Arelhano e terminando com o
“santo barão d’Alvito”, sendo depois invocadas as damas da assistência: a começar
por “santa dona Maria Anriques” e concluindo por “santa dona Ana sem par
d’Eça” certamente damas da rainha D. Maria, tendo estas figuras sido comentadas
por Laura Bacelar em O Velho da Horta e Auto da Barca do Inferno 47; membros da
corte são também abundantemente citados na peça Cortes de Júpiter, datada de
1521 e no mesmo ano da Comedia, em 1527, na Nau d’Amores.
Em 1521 em Cortes de Júpiter 48, perante o rei D. Manuel I e represen-
tada por ocasião da partida da infanta D. Beatriz para junto do seu marido, o
duque Carlos III de Sabóia, Gil Vicente nomeia os mais importantes membros da
audiência, ao estabelecer o cortejo que acompanharia a princesa e a forma como
haviam de ir mascarados os cortesãos:
Cita todos os filhos vivos de D. Manuel I: o futuro D. João III - «o príncipe
nosso senhor / irá em quatro rocins» 49; o duque de Beja - «[...] ifante / dom Luís
[...] em cirnes alvos sobido» 50; o cardeal D. Afonso - «O precioso cardeal / irá
sobre homens marinhos» 51; o duque da Guarda - «Dom Fernando ifante belo [...]
irá posto em um castelo» 52; o futuro cardeal e rei de Portugal D. Henrique, então
com dez anos - «o ifante dom Anrique / irá em cama d’arminhos» 53; a futura
mulher do imperador Carlos V - «ifante dona Isabel / irá como superiora» 54; a
infanta D. Maria que havia nascido nesse mesmo ano - «Madama dona Maria /
irá sobre querubins» 55.
Os infantes são intercalados com algumas das figuras da corte: «Jorge de
Vasco Goncelos / num esquife de cortiça» 56, eventualmente Jorge de Vascon-
celos «[...] também chamado Jorge de Vasco Gonçelos, insignificante trovador do

47
VICENTE, Gil, O Velho da Horta e Auto da Barca do Inferno, Texto integral com comentários, São
Paulo, Editora DCL – Difusão Cultural do Livro, 2013.
48
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521 in José Camões (Org.), CETbase, Teatro em
Portugal / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002, [Consult.2015, Outubro, 24],
Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/Publicacoes/Pecas/Textos_GV/
Cortes%20de%20Jupiter.pdf.
49
Ibidem, vv. 272-273.
50
Ibidem, vv. 292-296.
51
Ibidem, vv. 302-303.
52
Ibidem, vv. 307-309.
53
Ibidem, vv. 318-319.
54
Ibidem, vv. 328-329.
55
Ibidem, vv. 342-343.
56
Ibidem, vv. 232-233.

390
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

Cancioneiro de Resende, frequentador da corte de D. Manuel em 1498 [...]» 57,


embora tivesse capacidade para ter escravos como o prova uma “Provisão para o
almoxarife dos escravos que vêm da Guiné dar a Jorge de Vasconcelos um escravo
de preço de 10.000 réis” 58; «em figura de balea?/ Gil Vaz da Cunha. [...] D. Isabel
sua molher /faremos raia [...]» 59, trata-se de um fidalgo da casa del-rei e membro
do seu Conselho; o mestre da capela do cardeal 60 «[...] Pero do Porto / em figura
de safio» 61; o poeta «[...] Garcia de Resende / feito peixe tamboril» 62; o capitão-
-mor «[...] João de Saldanha [...] feito arenque d’Alemanha» 63; o importante prior
do Hospital e do Conselho do Rei «Diogo Fernandes [de Almeida] irá /porque é
comendador /em um peixe [...]» 64; «Tristão da Cunha [que foi vice-rei e gover-
nador da Índia Portuguesa e do conselho do rei] irá / em congro da Pederneira» 65;
Francisco Homem 66 «[...] o estribeiro mor / convertido em peixe um» 67; por fim
«O conselho que há mister / em que figura irão / diga aqui seu parecer /cada um
como entender» 68

57
PEREIRA, Silvina Martins Pereira, Tras a nevoa vem o sol, As comédias de Jorge Ferreira de
Vasconcelos , Doutoramento em Estudos Artísticos / Estudos de Teatro [Em linha], Lisboa, Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, 2010, p. 22 [Consult.2015, Outubro, 29], Disponível
em https,//www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&cad=rja&uact=8
&ved=0CDk QFjAFahUKEwjgpPqP7efIAhWHWx4KHVHMAYo&url=http%3A%2F%2F
repositorio.ul.pt%2Fbitstream%2F10451%2F6274%2F1%2Fulsd65248_td_Silvina_Pereira.
pdf&usg=AFQjCNE3qmP-rV5GH9pb1E4g-c-8ejsbOw&sig2=lbiR8DFLELMTYFFZwweIqw
&bvm=bv.106130839,d.d2s.
58
“Provisão para o almoxarife dos escravos que vêm da Guiné dar a Jorge de Vasconcelos um
escravo de preço de 10.000 réis”. 1514, Abril, 25, ANTT, Corpo Cronológico, parte II, mç. 46,
n.º 117.
59
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 238-243.
60
“A Pero do Porto, Mestre da Capela do Cardeal, Mercê dos Ofícios de Escrivão dos Agravos
e Desembargo do Paço como o era Fernão Rodrigues, Cantor Real, que por seu falecimento
ficaram vagos, a qual mercê é feita por um Alvará feito em Lisboa a 4 de Fevereiro de 1521”,
1521, Março, 4, ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 39, fl. 10v.
61
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 257-258.
62
Ibidem: vv. 287-288.
63
Ibidem: vv. 297-299.
64
Ibidem: vv. 312-314.
65
Ibidem, vv. 323-324.
66
“Recibo de como Francisco Homem, Estribeiro-mor de D. Manuel I, recebeu de Rui Leite,
Recebedor do Tesouro, 2 selas givetas cor de tâmara.”. 1515, Janeiro, 10, ANTT, Corpo
Cronológico, Parte II, mç. 54, n.º 55.
67
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 337-338.
68
Ibidem: vv. 357-360.

391
pAuLo morAis-ALexAndre

Na peça Nau de Amores 69, datada de 1527 70, são também chamadas à
colação várias figuras da corte: «sam assi sem ventura / como Manoel de Melo» 71,
provavelmente o capitão da Índia com este nome; «Simão de Sousa do Sem / que
a todas mostra dores» 72, trata-se de um comendador da Ordem de Cristo, filho de
António do Sem e de D. Filipa de Sousa, parente do governador da Índia Diogo
Lopes de Sequeira 73; «Sabeis quem é dessa clima / desses de vós e de mi? [...] Dom
Fernando de Lima» 74, certamente D. Fernando de Lima Pereira, senhor de Castro
d’Aire «hum dos mais valídos delRey d. Joaõ III., e Capitaõ de Ormuz, onde
morreo [...]» 75; um fidalgo da casa do rei e seu pajem 76 «Fernão Soares também
/ irmão do porteiro mor» 77; «Dom Jorge fora ditoso / mas casou-se temporão» 78,
é pouco provável que se referisse a D. Jorge de Lancastre, o filho bastardo de D.
João II que foi o segundo duque de Coimbra e teve os muito relevantes cargos de
Grão-Almirante de Portugal e de mestre da Ordem de Santiago, que havia nascido
no já remoto ano de 1489, pelo que mais provavelmente a referência era a Jorge
de Melo monteiro-mor do rei que havia casado com D. Margarida de Mendonça;
D. João Coutinho que foi capitão de Arzila, «[...] conde do Redondo assi / se
nam fora tam casado / fora o mais santo alfaqui» 79; «Olhai cá Simão Galego /
amassai o rei d’espadas» 80, trata-se de um capitão, citado por Fernão Mendes

69
Veja-se a este respeito a obra de Teresa Castro Nunes – Nau, Lisboa, Quimera, 1988.
70
VICENTE, Gil, Nau de Amores [Em linha], 1527 in CAMÕES, José (Org.), CETbase, Teatro
em Portugal / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002, [Consult.2015, Setembro,
10], Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/Publicacoes/Pecas/Textos_
GV/nau_damores.pdf.
71
Ibidem, vv. 709-710.
72
Ibidem, vv. 715-716.
73
“Diogo Lopes de Sequeira” in Genealogias dos Vice-Reis e Governadores do Estado Português
da Índia no século XVI [Em linha], Lisboa, Centro de História de Além-Mar FCSH-UNL,
2004 [Consult. 2015, Outubro, 29], Disponível em http,//www.cham.fcsh.unl.pt/ext/
GEN/P%E1ginas/Sequeira.htm.
74
VICENTE, Gil, Nau de Amores, …, vv. 717-720.
75
SOUSA, António Caetano de, Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, …, tomo
12, parte 2, livro 14, 809.
76
A sua lápide proveniente do Mosteiro de Nossa Senhora da Serra de Almeirim está presentemente
em exposição no Museu Municipal de Almeirim e ostenta a seguinte inscrição: «SEPVLTURA
DE FERNÃO SOARES FIDALGO DA CASA DEL REI DO JOAO TERCEIRO DESTE
NOME E SEU PAJE DO LIVRO FALECEO AOS XXII DIAS DO MÊS DE JVNHO NA
ERA DE 1544 ANOS».
77
VICENTE, Gil, Nau de Amores, …, vv. 723-724.
78
Ibidem, vv. 733-734.
79
Ibidem, vv. 738-740.
80
Ibidem, vv. 743-744.

392
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

Pinto na sua obra Peregrinação 81; e ainda «Dom Francisco Lobo diz / nam sei, esta
seri’ela» 82 provavelmente o irmão do barão do Alvito e sucessor de «[...] D. Aleixo
de Menezes na Embaixada de Castella [...]» 83, talvez o que viria a embarcar para a
Índia na Armada que levava o vice-rei D. Constantino de Bragança 84.

IV – Algumas das mais importantes linhagens portuguesas


segundo Gil Vicente

Perante o que foi dito anteriormente compreende-se a razão de ser do final


da Devisa, quando o narrador, descrito como o “Peregrino do Argumento” pede
aos diferentes intervenientes na peça que se expressem e digam a forma como
estão na origem de várias vilas, cidades e linhagens e a qualidade dos membros
das famílias a que deram origem: «Senhoras donzelas por vossas nobrezas / que
ũa e ũa declareis a nós / as anteguidades de quem fostes vós» 85, aquilo que Aníbal
Pinto de Castro designa como uma «[...] eufórica, ainda que parodística, laudatio
aos próceres da nobreza lusitana!» 86.
As “donzelas” tomam então a palavra para avançar com várias explicações,
nomeadamente em termos genealógicos com propostas de origem de linha-
gens, relativamente às personagens Colimena, Belicastra, Selivenda, Sossidéria,
Perigéria, Melidónio; propostas de origem geográfica e hidronímica e até uma
proposta de origem do nome de um animal: Liberata que daria Lebre.

Castros

Belicrasta que se expressa em português e que é uma das damas da princesa


Colimena. Foi feita cativa, num castelo, pelo gigante Monderigon e é irmã de
Perigéria, Selivenda e Sossidéria, «todas de muy noble casta» 87. No final da peça
entra em cena com Colimena, em conjunto com as suas irmãs e irmãos, e será
81
PINTO, Fernão Mendes, Peregrinação, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1829, tomo 3, p. 296.
82
VICENTE, Gil, Nau de Amores, …, vv. 766-767.
83
CASTRO, Damião António de Lemos Faria e, Historia Geral de Portugal e suas Conquistas,
Lisboa, Typographia Rollandiana, 1789, tomo 13, p. 157.
84
COUTO, Diogo do, Decada Setima da Asia, Dos feitos que os portugueses fizeraõ no descobrimento
dos mares, & conquista das terras do Oriente, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1616, livro 6, p. 101v.
85
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 778-780.
86
CASTRO, Aníbal Pinto de, “A “Comédia sobre a divisa da cidade de Coimbra”, Um laboratório
da dramaturgia vicentina” in ASSUNÇÃO, Ana Rosa et al. (coord.), Ensaios Vicentinos > Gil
Vicente > A Escola da Noite, Coimbra, A Escola da Noite, 2003, p. 50.
87
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, v. 360.

393
pAuLo morAis-ALexAndre

a primeira das donzelas a falar. Afirma que foi a edificadora da vila do Crato,
cujo nome original, depois corrompido, seria Crasto, que recebeu o nome da sua
fundadora, dela procedendo também todos os “Crastos” ou Castros, ou seja, a
personagem afirma-se como o tronco da linhagem dos Castro: «Todos os Crastos
procedem de mi [...]» 88.
A partir do nome Belicastra, sem qualquer fundamento, Gil Vicente esta-
belece uma relação tão fantasiosa quanto caricata com a fundação da vila do
Crato e com a linhagem dos Castros, o que é feito de forma indubitavelmente
imaginativa e sem qualquer fundamento histórico. Esta relação entre a fundação
da vila do Crato e a linhagem dos Castros é totalmente absurda, até porque,
segundo Afonso Martins Zúquete no Armorial Lusitano, foi a família Crato que
retirou o seu nome desta vila 89, não se estabelecendo qualquer ligação aos Castros
cuja origem se reputa em Castela 90.
Haverá, no entanto, que afirmar que, quer no período em que a Comedia
foi representada, quer até anteriormente, havia efectivamente a dupla grafia deste
apelido sem remeter para linhagens diversas, sendo, a título de exemplo, o próprio
irmão de Inês de Castro designado por mais que uma vez como “Alvaro Perez de
Crasto” 91.
Registe-se a propósito desta fala de Belicrasta, onde são enunciadas as
qualidades das mulheres da família Castro, que Gil Vicente nos dá uma infor-
mação muito curiosa quando afirma que: «As molheres de Crasto são de pouca
fala / fermosas e firmes como sabereis / pola triste morte de dona Inês / a qual de
constante morreu nesta sala.» 92.
Neste caso o texto não se preocupa em estabelecer qualquer diferença entre
os Castros portugueses, ditos de treze, pelo número de arruelas que entram na
composição do seu escudo de armas (de ouro treze arruelas de azul), com os da
Galiza ou os que aí têm origem, os de Inês de Castro, cujo brasão apenas apre-
senta seis arruelas (de prata, seis arruelas de azul), conforme se aferir no túmulo
daquela rainha localizado no mosteiro de Alcobaça e que surge também represen-

88
Idem, v. 786.
89
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir e coord.), Armorial Lusitano, Lisboa, Representações
Zairol, 1987 [reed.], p. 186.
90
Ibidem, p. 152.
91
«É inegável que as formas Castro e Crasto […] eram simultaneamente usadas amiudadas vezes,
ainda em pleno séc. XVI, sem com isso se pretender insinuar ascendência genealógica diversa.»
Cit. MONTEIRO, Fernando Moreira de Sá, “Castros e Sousas, Senhores de Parderrubias, da
honra de Remoães e morgados do Peso” in Boletim de Trabalhos Históricos, Guimarães, Arquivo
Municipal Alfredo Pimenta, 1988, vol. 39, pp. 165-166.
92
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 790-793.

394
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

tado no Livro do Armeiro-Mor enquanto armas do conde de Monsanto 93. Este,


Pedro de Castro, 3.º Conde de Monsanto, como se viu anteriormente, era veador
da fazenda e estaria provavelmente presente no momento da representação.

Silvas

Selivenda que se expressa em português, é outra das damas da princesa


Colimena. Quando convocada a falar pelo Peregrino: «Saí a terreiro senhora Seli-
venda / vós que nacestes com favor dos pólos.» 94, declara: «Daqui procederam
Silvas e Silveiras / desta Selivenda que vedes aqui» 95. Tal não tem qualquer relação
com a realidade e é um claro exemplo de uma efabulação genealógica vicentina
destinada a divertir a audiência, sobretudo pelo facto de o cargo mais importante
da corte estar exactamente entregue a uma importante linhagem Silva 96. Efecti-
vamente, acompanhando o rei e presente na sala a assistir ao espectáculo estaria
certamente o poderoso Mordomo-Mor do rei, D. João da Silva, 2.º conde de
Portalegre.
A relação que Gil Vicente estabelece com as linhagens dos Silvas é assim
tão fantasiosa quanto caricata. Da família Silva diz-se que entronca nos reis de
Leão e que terá origem numa torre com aquela designação existente na aldeia de
Alderete na dependência de Vieira do Minho 97.

Silveiras

A família Silveira, também putativamente originada em Selivenda, tem


raízes não totalmente esclarecidas, atribuindo-lhe os nobiliários origens diversas,
considerando uns que o primeiro desta linhagem teria sido Gonçalo Vasques
Silveira, que viveu no tempo do rei D. Fernando I e que era o senhor da herdade
e defesa da Silveira, no Redondo 98. Outros dizem que o primeiro terá sido
Fernando Afonso da Silveira que exerceu as funções de embaixador em Castela
no reinado de D. João I, o primeiro deste apelido 99. Assim, considera-se que não

93
CRÓ, João do, Livro do Armeiro-Mor, ANTT, Casa Real, Cartório da Nobreza, liv. 19, 1509, f.
49.
94
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 794-795.
95
Ibidem, vv. 798-799.
96
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Selivenda” in PALLA, Maria José (coord. e org.),
Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente, Lisboa, Chiado Editora, 2014, p. 417-419.
97
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 502.
98
Ibidem, p. 503.
99
Ibidem, p. 502.

395
pAuLo morAis-ALexAndre

há qualquer fonte histórica que comprove esta matriz mítica vicentina pelo que
se pode concluir que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não
realizou qualquer investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica
divulgada na época.
Considera-se que a razão da referência à família Silveira na peça será certa-
mente devida à presença entre a audiência de um membro desta família, um
importante membro da hierarquia da Corte Portuguesa, o vedor da Fazenda D.
Rodrigo Lobo da Silveira, terceiro titular do primeiro baronato português, o do
Alvito. Dele se preservam algumas histórias sendo que uma, que prova antes de
mais a proximidade com o rei D. João III, narrada por autor anónimo em Ditos
portugueses dignos de memória : História íntima do século XVI é bem elucidativa:
El-rei mandou ao barão que fosse da sua parte visitar ao imperador Carlos
Quinto, seu cunhado, que chegara de Itália a Espanha. E o barão entrando já por
Castela com dezoito homens de cavalo com que corria à posta, perguntou-lhe
um castelhano, vendo-o tão bem acompanhado, se ia tomar Castela. E o barão
respondeu-lhe:

— Se eu viera a isso, trouxera menos portugueses. 100

Este episódio anedótico mostra uma pessoa plena de jactância, pelo que se
acredita que uma tal figura, verdadeiro ferrabrás que não tinha medo de recorrer
a fanfarronadas, se prestaria certamente à ironia vicentina, para gáudio da restante
corte. Paralelamente, pode-se aventar como hipótese da razão desta figura da corte
se ter tornado alvo do dramaturgo se dever às funções que desempenhava, as de
vedor da Fazenda, o que obrigaria Gil Vicente a com ele lidar e, eventualmente a
conflituar, já que seria este que lhe garantiria o financiamento para as suas ence-
nações e espectáculos régios.

Sousas

Sossidéria expressa-se em português. É mais uma das damas da princesa


Colimena, a sua fala é espoletada pelo narrador 101, que lhe diz: «Sus vós Sossidéria
onde repousa / o canto da anteguidade romana.» 102. Afirma ser a edificadora da
vila de Arrifana e o tronco dos Sousas: «Eu edefiquei a vila da Arrifana / e de mim
100
Anónimo, Ditos portugueses dignos de memória, História íntima do século XVI, Mem Martins,
Publicações Europa–América, 1980, pp. 134-135.
101
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Sossidéria” in PALLA, Maria José (coord. e org.), ob. cit.,
pp. 437-439.
102
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 810-811.

396
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

procedem todos os de Sousa. / Os Sousas que o são, digo eu porém / porém os de


Sousa que bem Sousas são» 103.
A relação entre geografia e origem genealógica de uma linhagem que é
aventada por esta personagem, ao contrário do que sucede com outras do mesmo
texto, pode ser encontrada, embora com alguma imprecisão. O autor referia-se
à localidade designada por Arrifana de Sousa, com foral manuelino datado de
1517, ou seja, poucos anos antes da criação desta comédia e que no século XVIII
mudaria para a designação actual de Penafiel. É de realçar que a família de que
Sossidéria se considera ser o tronco tem efectivamente origem geográfica e esta
situa-se nesta mesma região.
Trata-se de uma das mais antigas e nobres famílias de Portugal, anterior à
nacionalidade que provirá dos reis Godos 104, cujo membro mais antigo registado
a usar este apelido terá sido D. Egas Gomes de Sousa, nascido em 1035, senhor
das Terras de Sousa, de onde o tomou 105. Assim, considera-se que, no caso desta
personagem da Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, há, ao contrário do
que sucede com outras, nomeadamente com a irmã Perigéria, uma fonte histórica
que comprova a matriz vicentina de relação entre geografia e linhagem.
Como se viu anteriormente, nesse mesmo ano, aquando da representação
da peça Nau de Amores Gil Vicente cita a presença do comendador Simão de
Sousa do Sem, pelo que se admite que este cortesão continuasse a acompanhar
a corte e como tal voltasse a ser referenciado, mas desta feita de forma indirecta.

Pereiras

Perigéria expressa-se em português é a última das damas da princesa Coli-


mena a falar, também a pedido do narrador, que a exorta da seguinte forma: «Vós
Perigéria em todas maneiras / dizei o antigo de vossa nação» 106. Assume, então,
esta personagem a fundação das cidades do Alegrete e de Monção e afirma ter nela
origem a família Pereira: «e de mim procedem todos os Pereiras.» 107.
Analisando a afirmação genealógica verifica-se em primeiro lugar que há
várias famílias com este apelido e que estas têm não só origens diversas como
raízes não totalmente esclarecidas. Afonso Zúquete no Armorial Lusitano, na
entrada “Pereira”, considera que terá origem em D. Mendo, irmão do último rei
dos Lombardos, Desidério e mais afiança que se trata de um apelido com origem
103
Ibidem, vv. 812-815.
104
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 510.
105
Ibidem.
106
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 826-827.
107
Ibidem, v. 829.

397
pAuLo morAis-ALexAndre

toponímica derivada de uma quinta que tinha este nome, situada junto ao rio
Ave, e que terá sido tomado por D. Rui Gonçalves de Pereira 108.
Desta linhagem sairiam várias linhas, uma das quais daria origem aos
condes da Feira e outra ao condestável D. Nuno Álvares Pereira. Gil Vicente não
faz referência a tais ilustres varonias, o que, aliás, seria muito fácil já que, por
exemplo e no que à primeira diz respeito, D. Manuel I havia criado este condado
poucos anos antes da representação desta peça, a 2 de Janeiro de 1515, sendo o
primeiro conde D. Diogo Pereira, que já era alcaide-mor da Vila da Feira. De igual
forma, não conseguiu estabelecer qualquer ligação verídica entre as referidas vilas
e qualquer ramo dos Pereiras, pelo que se considera que não há qualquer fonte
histórica que comprove esta matriz mítica vicentina pelo que se pode concluir
que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não realizou qualquer
investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica divulgada na época.
Ainda sobre a família Pereira veja-se a designada Genealogia de D. Manuel
Pereira, 3.º Conde da Feira, datada de 1534, com armas iluminadas pelo passa-
vante João Menelau e feita por solicitação deste titular para evidenciação das
estreitas ligações que a sua família tinha com a família real de Portugal 109.

Melos

A personagem Melidónio expressa-se em castelhano e em português. É


filho do Ermitão, o rei Ceridón de Córdova e Andaluzia, foi feito cativo pelo
gigante Monderigón 110 e é descrito como estando «muito desafigurado, coberto
de cabelo e com ũa braga de ferro» 111. Fala em quinto lugar e assume então a
fundação da vila da Lousã e afirma que em si tem origem a verdadeira família
Mello especificando mesmo que fala «[...] nos finos e nam contrafeitos» 112, elen-
cando depois as qualidades dos membros desta estirpe.
O que afirma não tem qualquer justificação, nem fundamento, até porque
não há qualquer relação entre esta família com a citada vila da Lousã, uma vez
que a origem geográfica desta linhagem surge normalmente associada à região de
Riba de Vizela 113. Assim, não se conseguiu estabelecer qualquer ligação verídica

108
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 428.
109
HOLANDA, António de e MENELAU, João, Genealogia de D. Manuel Pereira, 3.º Conde da
Feira, 1534, ANTT, Genealogias Manuscritas n.º 106
110
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Melidónio” in PALLA, Maria José (coord. e org.), ob.
cit., Lisboa, Chiado Editora, 2014, pp. 322-323.
111
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, didascália.
112
Ibidem, v. 849.
113
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 354.

398
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

entre a referida vila e qualquer ramo dos Melos, pelo que se considera que não há
qualquer fonte histórica que comprove esta matriz mítica vicentina, o que leva a
concluir que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não realizou
qualquer investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica divulgada
na época.
A indicação que existiriam Melos “contrafeitos” é muito curiosa e dá a
entender a existência no mundo da corte portuguesa de uma polémica impor-
tante e que Gil Vicente aproveita para a sua comédia, não se coibindo de lançar a
polémica questão da falsificação das linhagens ou genealogias.
Numa época onde a evidenciação da linhagem impera e onde a impor-
tância social e o lugar na corte derivam exactamente da genealogia do indivíduo,
num tempo em que os livros de linhagem são referências fulcrais, as genealogias
foram obviamente cultivadas e eventualmente falsificadas. Uma boa referência
genealógica será a já citada obra escrita na primeira metade do século XIV, Livro
de Linhagens do Conde de Barcelos, da autoria de D. Pedro Afonso, filho bastardo
de D. Dinis 114.

Meneses

Última a falar será Colimena 115 que afirma ter nela origem a família
Menezes: «E de Colimena vem os Meneses / que foram e são mui claros barões» 116.
Segundo Afonso Zúquete a linhagem dos Meneses remonta a Ordonho de
Leão, sendo o apelido tomado de uma terra com este nome por D. Telo Peres de
Meneses 117 depois passando ao reino de Portugal onde continuaram o apelido. A
pesquisa revela que há vários títulos associados à família Meneses, nomeadamente
o de marquês de Vila Real, o de conde de Alcoutim, o de conde de Valença, o de
conde de Tarouca, sendo que este título foi pela primeira vez atribuído por D.
Manuel I a D. João de Meneses, ou seja, poucos anos antes da representação da
peça em apreço, entre vários outros, mas nenhum relacionado com a cidade de
Coimbra.
Registe-se assim que uma das mais importantes e prestigiadas personali-
dades da corte seria D. Pedro de Meneses, 3.º marquês e 5.º conde de Vila Real,
2.º Conde de Alcoutim e 3.º conde de Valença, que havia sido governador de

114
BARCELOS, D. Pedro, 3.º Conde de, ob. cit..
115
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Colimena” in PALLA, Maria José, ob. cit., pp. 99-102.
116
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 879-880.
117
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 361.

399
pAuLo morAis-ALexAndre

Ceuta até 1525, ou seja, que pouco antes da representação da peça havia regres-
sado ao reino.

V - Do sentido da comédia na comedia: zombando dos livros de


linhagens

Tem-se a certeza que no espectáculo que encenou, como aliás sucedeu em


outras representações de Gil Vicente onde o dramaturgo saberia quem estaria na
audiência, as referências serviriam para destacar alguns dos membros da corte
presentes, de famílias nobres e conhecidas e, de alguma forma, interagir com
o público. A este respeito pode afirmar-se que Gil Vicente subverte, é mesmo
revolucionário, ao glosar e mesmo ironizar com a já referida produção de trovas
heráldico-genealógicas que tanto agradavam à corte.
Relativamente ao que é dito na peça em análise quanto às linhagens citadas,
ao contrário dos textos de João Rodrigues de Sá que procurava alguma verosimi-
lhança e tanto quanto possível algum rigor histórico pode-se, desde já, afiançar
que, à semelhança do que havia sido feito para as armas da cidade de Coimbra, tal
foi realizado sem que qualquer fonte histórica comprovasse as afirmações vicen-
tinas, não passando de um mero exercício fantasioso do autor que não realizou
qualquer investigação ou se baseou sequer em qualquer origem lendária divulgada
na época.
Carolina Michaëlis afirma:

Na fábula que Gil Vicente inventou, reconheço uma paródia e claro


propósito de êle se rir e fazer rir a côrte à custa de Arqueólogos, Linhagistas e
Etimologistas. Numa palavra, à custa dos Humanistas ou Antiquários que,
nados no sino do Latim, se entusiasmaram, no 3.º decénio do século de
quinhentos, como Catões e Caturras pelas Antiguidades de Portugal. 118

Imagine-se o comportamento da audiência quando fosse dito que se


falava «[...] nos finos e nam contrafeitos» 119 o actor apontasse para um ou uma
nobre de apelido Melo sobre cuja ascendência recaíssem suspeitas. Haveria certa-
mente lugar a um profundo desconforto da pessoa visada pelo escárnio, mas uma
animada galhofa por parte da restante assistência.

118
VASCONCELLOS, Carolina Micaëlis de, ob. cit., p. 170.
119
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, v. 849.

400
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

Quando o peregrino do argumento refere «[...] que aqui / tem os clérigos


todos mui largas pousadas / e mantém as regras das vidas casadas / [...] / os
sacerdotes que nam tem ninhada /de clerigozinhos são escomungados.» 120, algo
que foi sempre associado ao incómodo causado a Sá de Miranda, quando efecti-
vamente também seria aplicável a outros presentes na sala, sendo disso um bom
exemplo a importante figura da corte, parente próximo do rei, o primeiro conde
do Vimioso, D. Francisco de Paula de Portugal e Castro que era filho do bispo
de Évora, D. Afonso de Portugal 121 que aliás teria tido mais dois filhos de Filipa
Macedo, um dos quais D. Martinho de Portugal, que na altura em que a peça foi
apresentada teria 42 anos, e que seguiu também a carreira eclesiástica chegando
mais tarde a arcebispo do Funchal e também ele tinha descendência.
Pode-se ainda questionar se Gil Vicente se referiria apenas a pessoas
presentes que eram descendentes de clérigos, como os anteriormente referidos.
Pode ser levantada a hipótese de se referir aos próprios clérigos presentes, que se
sabia que tinham, alguns, também certamente ninhada. Sabe-se que, nomeada-
mente, o capelão de el-rei, D. Fernando Coutinho de Vasconcelos e Menezes 122,
que acumulava com as funções de membro do conselho privativo do soberano,
terá deixado pelo menos três filhos ilegítimos, havidos de Maria de Brito Alão.
Coloque-se então a questão: será que residiria exactamente aqui o carácter
cómico da peça e o motivo do divertimento da assistência, de uma assistência
que cultivava a nobiliarquia e as linhagens e se comprazeria com os desmandos
ditos pelos actores a propósito da sua própria família e sobretudo das famílias dos
outros cortesãos presentes na função?
Aníbal Pinto de Castro é muito taxativo a este respeito quando atesta que
as estrofes finais são «[...] uma flagrante paródia.» 123, asseverando que:

[...] nenhuma das lendas genealógicas referidas pelas seis personagens


encontrar o menor fundamento nos mais apurados linhagistas. [...] Perante
elas não podiam deixar de rir às escâncaras alguns dos cortesãos presentes,
que usavam aqueles mesmos apelidos de canora ressonância heráldica,
ainda quando porventura se apercebessem de que tanto a exuberância dos
pormenores pseudo-históricos como a grandiloquência da expressão signi-
ficavam, com perversa e certeira malícia, uma charge à feira de vaidades

120
Ibidem, vv. 53-54.
121
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., p. 38.
122
Ibidem, p. 213.
123
CASTRO, Aníbal Pinto de, ob. cit., p. 55.

401
pAuLo morAis-ALexAndre

que a mania nobiliárquica sempre manteve na sociedade portuguesa ao


longo dos tempos. 124

Gil Vicente sabe o que faz quando faz as suas personagens zombarem da
cultura nobiliárquica dominante na corte portuguesa, já que esta era uma grande
preocupação uma vez que determinava a posição do indivíduo ou da família junto
ao rei, nomeadamente na ocupação dos diferentes cargos.
Por fim, não pode deixar de ser mencionado que todas estas famílias, que
o dramaturgo fará as suas personagens citar, viram as suas armas ser fixadas e
iluminadas no Livro do Armeiro-Mor, do rei de Armas Portugal, João do Cró,
datado de 1509, poucos anos anterior à peça ter sido escrita e que se admite
que aquele dramaturgo possa ter conhecido 125. Igualmente ter-se-á cruzado certa-
mente muitas vezes com António Godinho, o escrivão da câmara de D. João III,
responsável pelo Livro da nobreza e perfeição das armas 126, um importantíssimo
armorial, iniciado no final do reinado de D. Manuel I 127 e que estaria ainda a ser
iluminado na mesma altura que a peça em análise era representada perante o rei
de Portugal e a sua corte.
Será, aliás, muito interessante cotejar as famílias de que Vicente fala com
a representação das suas armas nestes importantes armoriais coevos. A este nível
há uma evidência que se pode considerar muito estranha e surpreendente. Em
ambas as obras todas as famílias citadas se encontram concentradas num número
muito reduzido de fólios, os que estão logo a seguir às armas dos reis, rainhas e
infantes de Portugal, no lote dos titulares e famílias mais importantes do reino,
salvo uma excepção, a da família Silveira. No Livro do Armeiro-Mor as armas das
famílias citadas estão concentradas entre os fólios 49 e 54, salvo a família Silveira
que apenas surge no fólio 68r, existindo ilustrações de armas até ao fólio 137. No
caso do Livro da nobreza e perfeição das armas tal concentração ainda é mais signi-
ficativa, todas as armas surgem reunidas entre os fólios 9v e 10v, salvo uma vez
mais o caso dos Silveiras que surge no fólio 14, tendo este livro armas iluminadas
até ao fólio 42.

124
Ibidem.
125
CRÓ, João do, ob. cit..
126
GODINHO, António, Livro da nobreza e perfeição das armas dos reis christãos e nobres linhagens
dos reinos e senhorios de Portugal, ANTT, Casa Real, Cartório da Nobreza, liv. 20, 1521-1541,
[Consult. 2017, Março, 27], Disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4162407.
127
FREIRE, Anselmo Braamcamp, Brasões da Sala de Sintra, Lisboa, Francisco Luis Glz, 1899, vol.
1, p. 19.

402
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...

Conclusão

Relativamente à matéria genealógica, esta é absolutamente fantasiosa,


obviamente absurda e percebe-se que seria neste particular que incidiria a carac-
terística cómica da peça. A invenção e descrição propositada de falsas origens e
de disparatados troncos para as mais importantes linhagens do reino de Portugal
entreteria e faria rir uma audiência de cortesãos, escandalizando certamente, mas
apenas momentaneamente, os que eram visados pelo escárnio vicentino. Este
incómodo de alguns presentes na assistência aumentaria certamente a zombaria
da restante corte, para logo de seguida estes mesmos, anteriormente visados,
se rirem “à custa” do que era dito relativamente às outras importantes famílias
presentes, muitas vezes parentes próximos com os quais havia rivalidades latentes.
Esta chacota motivaria sobretudo o riso ao monarca que não podia deixar de se
gaudiar com a patranha criada exactamente com esse fim, o de divertir sua majes-
tade el-rei de Portugal, D. João, o terceiro deste nome, que passou à História com
o cognome de O Piedoso.

403
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS
DE SE LEREM …». HISTÓRIA DE UMA INTRIGA
FAMILIAR DA CASA DE POVOLIDE

João Caetano de Carvalho Sameiro*

Resumo: análise e transcrição de memórias autobiográficas de Tristão da Cunha de


Ataíde, 1.º Conde de Povolide, respeitantes às intrigas que teve com sua tia D. Elvira
Maria de Vilhena, Condessa de Pontével. O manuscrito é ilustrativo dos comporta-
mentos adoptados por uma família da alta nobreza de Corte perante a sucessão da
Casa da Pontével.

Abstract: analysis and transcription of autobiographic memoirs by Tristão da Cunha


de Ataíde, 1st Count of Povolide, regarding the intrigues he had with his aunt D.
Elvira Maria de Vilhena, Countess of Pontével. The manuscript reveals with vivid
detail the behaviour and intrigues lived within a courtly noble family regarding the
succession on the earldom of Pontével.

Em 1990, a historiografia viu publicadas as memórias de Tristão da Cunha


de Ataíde, 1.º Conde de Povolide, dando a conhecer um relato privilegiado da
corte portuguesa nos reinados de D. Pedro II e D. João V. Estas memórias não
foram porém o único repositório das suas recordações. De facto, Tristão da Cunha
deixou ainda um texto onde tece uma série de comentários sobre uma intriga

* João Caetano de Carvalho Sameiro – Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Master of Arts em Early Modern History pelo
King’s College London, sócio agregado do Instituto Português de Heráldica.

405
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

gerada no seio da sua própria família, nomeadamente entre ele próprio e a tia D.
Elvira Maria de Vilhena, Condessa de Pontével.
O documento expõe a teia de rivalidades familiares que marcaram a sua
emancipação e a dos seus irmãos. É um relato na primeira pessoa de quem anseia
que a História faça justiça dos enganos e mentiras em que se viu enredado. As
contendas avivaram-se após a morte de Luís da Cunha, Senhor de Povolide, pai
de Tristão da Cunha, que deixando os filhos de menor idade pede ao seu irmão
para ser o seu tutor, conforme as disposições do seu testamento.
Em testamento, datado de 28 de Julho de 1668 e feito em Lisboa, Luís da
Cunha começa pelas habituais recomendações pela sua alma, pormenorizando os
procedimentos que devem ser tomados na sua cerimónia fúnebre, pedindo que o seu
corpo seja sepultado na Capela Mor do Convento de Santo António dos Capuchos
da cidade de Lisboa, amortalhado com o hábito da Ordem de São Francisco, e com o
hábito e insígnias da Ordem de Cristo. A cerimónia seria conduzida por seis clérigos
e pelo pároco de São José, e o seu féretro, de madeira de pinho pintada de negro com
uma cruz branca, seria “[...] posto em hum estrado em que caiba somente com seis
vellas que o alumiera e a caza não será armada, nem alcatifada [...]”. 1
Consciente da possibilidade de morrer antes dos filhos atingirem a maiori-
dade e procurando assegurar o bem estar da sua linhagem, 2 Luís da Cunha pede
ao seu irmão Nuno da Cunha, Conde de Pontével que à sua morte se tornasse
tutor dos seus filhos e lhes administrasse as fazendas. 3
À semelhança de sua mulher, Luís da Cunha nomeou como testamenteiro
o seu filho mais velho, e de modo a “[...] evitar demandas nem duvidas entre
meus filhos [...]” 4 obrigou-o a dar um rendimento anual de vinte mil réis à sua
irmã D. Maria, enquanto esta fosse viva e não fosse detentora de outros bens que
desobrigassem o irmão a garantir-lhe rendimento. Esta quantia seria retirada da
terça de Luís da Cunha e dos rendimentos do prazo de Pinhel. D. Guiomar de
Lencastre já tinha pedido a Tristão da Cunha que este retirasse daí dinheiro para
sustento da sua irmã. Luís da Cunha veio assim a manifestar a sua vontade de que
neste rendimento não entrasse na legítima que pertencia a Tristão da Cunha por
morte da mãe, nem por sua morte. 5

1
D. Guiomar de Lancastre, sua mulher, encontrava-se sepultada no dito Convento de Santo
António dos Capuchos. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo dos Condes de Povolide,
Maço 2, N.º15.
2
À data do seu testamento tinha Tristão da Cunha doze anos.
3
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2 N.º15.
4
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
5
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.

406
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

Deixou ao filho secundogénito, Álvaro da Cunha, a Comenda de São


Mateus de trezentos mil réis que havia pertencido ao aclamador D. Álvaro de
Abranches, e uma pensão de cinquenta mil réis da Abadia da vila de Povolide. 6
Aos filhos Simão e Nuno da Cunha coube-lhes unicamente as legítimas de sua
mãe e de seu pai. Todavia pede aos filhos mais velhos que não deixem os seus
irmãos desamparados, e que os sustentem até atingirem a maioridade. 7
Por fim, Luís da Cunha legou, ainda, algumas esmolas aos membros femi-
ninos da sua família que seguiram a vida religiosa: à sua tia, irmãs e sobrinhas
freiras em Santa Marta deu cinquenta mil réis, à sua irmã Soror Catarina, freira
no Convento da Madre de Deus deixou vinte mil réis, e à sua irmã D. Isabel
freira na Encarnação, deixou cem mil réis; ao servidor da sua Casa, Gaspar de
Tovar deixou as casas onde viveu durante a sua vida; e aos seus irmãos, a Nuno
da Cunha, Conde de Pontével, deixou a sua cadeia de ouro, e a Frei Manuel da
Cunha, Trinitário, uma lâmina com a imagem do Salvador do Mundo para que
a colocasse na sua cela. 8
Dias antes de morrer, a 7 de Fevereiro de 1672, acrescentou um codicilo ao
seu testamento, no qual legava à sua filha D. Maria uma comenda, não obstante
dos vinte mil réis que herdaria.
Ao 29 dias do mês de Fevereiro de 1672 morre Luís da Cunha , 9 episódio
descrito pelo seu filho da seguinte forma:
“Assistia minha Tia a Senhora Comendadeira da Encarnação à morte de
meu Pai e tinha criado a minha irmã na Encarnação desde a morte de minha
Mãe, e procurou vir ver o meu Pai quando estava doente, mas por mais que a
Sr.ª Comendadeira pediu isso a meu Pai não quis dar-lhe licença, e não veio. Nas
últimas horas de vida de meu Pai dizia minha Tia que não entrasse eu lá para não
me afligir, mas eu entrei e lhe beijei a mão e meu Pai disse: ‘aí te deixo tudo’.” 10
À morte de Luís da Cunha, o Conde de Pontével acedeu ao pedido do
irmão tornando-se efectivamente tutor dos seus sobrinhos, e consequentemente
administrador dos seus bens patrimoniais e guardador das suas legítimas.
Uma vez tutor dos sobrinhos – Tristão, Álvaro, Simão e Nuno –, Nuno
da Cunha levou-os consigo para o Algarve onde desempenhava o cargo de gover-

6
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
7
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
8
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
9
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
10
RADULET, Carmen M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a
Corte nos Reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde
1.º Conde de Povolide, Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 19.

407
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

nador. Aqui ficaram a residir durante três anos, e só regressariam à Corte em


1675. 11
A relação do Conde de Pontével com os seus sobrinhos foi pacífica, tendo
este revelado especial apreço e grande amizade com o seu sobrinho Tristão da
Cunha, que aliás, refere ter sempre conservado um bom relacionamento com
o seu tio, como podemos confirmar nas suas palavras “E a prova disto é que
quebrando meu Tio com todos seus Irmãos e Irmãs e sobrinhos e sobrinhas por
muitas vezes e não se falando; eu fui o único com quem sempre correu [...]”. 12
Se a relação com o tio era afável, o mesmo não se pode dizer do relacio-
namento com a tia a Condessa de Pontével, D. Elvira Maria de Vilhena, como
veremos.
Os Condes mantiveram mesmo uma relação pouco firme, situação que
desagradou à Infanta D. Catarina de Bragança que quando parte para Inglaterra
acompanhada dos Pontével verberou o comportamento de Nuno da Cunha de
Ataíde que apesar de recentemente casado ousava galantear as mulheres inglesas. 13
A divisão entre tia e sobrinho começou a desenhar-se quando D. Elvira
de Vilhena procurou arranjar uma noiva para Tristão da Cunha, sugerindo ao
sobrinho que tomasse a mão de uma sobrinha sua, de nome D. Maria Manuel. 14
Todavia, já Luís da Cunha tinha dito que não gostaria de ver o filho casado com
tal pretendente, nem mesmo o tio Nuno da Cunha manifestou particular adesão
ao projecto. Consequentemente, Tristão da Cunha renunciou à candidata.
Em boa medida, a exclusão de D. Maria Manuel como futura mulher
de Tristão da Cunha deveu-se às afinidades políticas da Casa de Povolide. Ou
seja, numa família de aclamadores, não foi bem recebida a ideia de vir a casar o

11
A sua sobrinha D. Maria de Lencastre ficou em Lisboa, onde vivia na Encarnação com a sua tia D.
Isabel de Meneses. Aliás desde a morte de sua mãe, D. Guiomar de Lencastre, que D. Maria não
vivia com os irmãos, e após a morte do pai tornou-se Dama do Paço. Cf. RADULET, Carmen
M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a Corte nos Reinados de D.
Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde 1.º Conde de Povolide,
Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 19.
12
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 60, N.º 5.
13
D. Catarina de Bragança chegou mesmo a culpar Francisco de Mello Torres, Marquês de Sande,
de não pôr um termo às aventuras extraconjugais de Pontével. CASTELO BRANCO, Teresa
Schedel de, A Vida de Francisco Mello Torres, 1º Conde da Ponte Marquês de Sande e Diplomata da
Restauração 1620-1667, Lisboa, ed. Livraria Ferin, 1971, p. 423.
14
Esta sobrinha de D. Elvira era apelidada em Castela de D. Maria Manuel de Acuña. 3.º Marquesa
de Assentar, Senhora do Barreiro e Senhorim. Casou D. Maria Manuel com Isidro Melchior de
La Cueva y Benevides, 4.º Marquês de Bedmar, 1.º Barão de la Casa de La Cueva. Cf. YAÑEZ,
Juan, Memorias para la Historia de Don Felipe III, Rey de España, Madrid, Oficina Real por
Nicolás Rodrigues Franco, 1713, p. 84.

408
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

primogénito com a filha de um fidalgo português que fugiu para Castela e se aliou
à causa de Filipe IV. 15
Recordamos que Tristão da Cunha possuía ligações de parentesco com seis
dos aclamadores do 1 de Dezembro de 1640. 16 Naturalmente se compreende
que os Cunhas optassem por traçar as suas alianças matrimoniais no quadro das
famílias leais a D. João IV. Por outro lado, o próprio Tristão da Cunha de Ataíde
manifestou a sua antipatia em relação a portugueses com tendências castelhani-
zantes, comentando de modo depreciativo a sua ausência de apoio à causa dos
aclamadores, que como ocorria com o pai da Condessa de Pontével manifestou,
segundo veremos.
Não foi benquista a D. Elvira de Vilhena a recusa de Tristão da Cunha em
casar com D. Maria Manuel. Por outro lado, a Condessa também não pareceu
agradada com o bom entendimento que Tristão da Cunha tinha com o Conde de
Pontével e com o facto de este ter revelado a intenção de querer fazer o sobrinho
seu herdeiro. Neste contexto, D. Elvira procurou denegrir a boa imagem que o
marido tinha do dito sobrinho. 17
Deste modo, D. Elvira confronta o seu marido, dizendo-lhe que Tristão da
Cunha tencionava apoderar-se do remanescente da herança de Luís da Cunha. ,
ou seja a parte sobrante desta herança, uma vez deduzidas as quantias entregues a
Tristão da Cunha para seu sustento.
A esta insinuação o Conde reagiu com alguma desconfiança, mas o caso
pouco se desenvolveu pois Tristão da Cunha mal aconselhado pelo Gaspar de
Tovar, administrador das suas fazendas, “[...] o qual por ordem de meu Tio e
Tutor, cobrava e despendia a minha fazenda e era interessado em questa Conta se
não fizeçe [...]”, deu quitação ao seu tio do remanescente dos seus rendimentos,
perdendo a parte sobrante da herança de seu pai.
As crispações entre tia e sobrinho ganham um novo vigor quando D. Elvira
Maria de Vilhena procura ajustar o casamento da irmã de Tirstão da Cunha, D.
Maria de Lencastre, com D. Carlos de Noronha, 2.º Conde de Valadares. Agora

15
Não só D. Pedro da Cunha, pai de D. Maria Manuel, como D. Lopo da Cunha seu pai haviam
partido para Castela no contexto das Guerras da Aclamação.
16
Tinha designadamente o seguinte parentesco com o Conde de Povolide:Tristão da Cunha de
Ataíde (avô paterno); pai Luís da Cunha de Ataíde; Nuno da Cunha de Ataíde (seu tio, irmão
do pai); D. Manuel Childe Rolim (tio por afinidade, casado com a sua tia D. Francisca); João
Rodrigues de Sá (primo do avô paterno); e D. Álvaro de Abranches (avô materno). Cf. COSTA,
Leonor Freire, CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, Lisboa, ed. Temas e Debates, 2008, p.
341.
17
Tristão da Cunha fala mesmo de um parente seu, que não consegue identificar, ter conspirado
juntamente com a sua tia para o desacreditar junto de seu tio.

409
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

não estavam em causa as afinidades políticas dos contraentes, mas antes a cons-
tituição de um dote para a noiva, que viria a agravar a condição económica de
Tristão da Cunha, constrangido a empenhar os móveis para pagar o dote de sua
irmã. 18
A constituição do dote de D. Maria de Lencastre não se resolveria com o
penhor dos móveis. Os desentendimentos recrudesceram quando as duas partes
se questionaram sobre se as jóias que a Rainha costumava oferecer às suas damas
quando estas casavam, e que valiam dois mil cruzados, deveriam ou não ser consi-
deradas como parte integrante do dote. Pontével desejava que sim, Valadares
opunha-se.
Tornou-se notória a desinteligência entre Nuno da Cunha e o sogro de D.
Maria, D. Miguel Luís de Meneses, em relação a esta questão. No final, o Conde
de Pontével sairia incompatibilizado e zangado com as vozes que se lhe opuseram
durante as negociações, nomeadamente D. Miguel de Meneses, D. Carlos de
Noronha, D. Maria de Lencastre, D. Isabel de Meneses, D. João Rolim, e frei
Manuel da Cunha e frei Pedro da Cunha. 19
Fechando a questão, Tristão da Cunha comprometeu-se em oferecer à irmã
os dois mil cruzados em questão, “[...] a saber dando-lhe quitação dos quinhe-
nhos [sic] e sessenta mil réis que ella me divia a legitima e a Terça e o Resto em
fazenda da Rua Nova ou em dinheiro.”.
No final, a quantia do dote foi refeita em oito mil cruzados, quantia que
acabou por ser abatida nos rendimentos dos Povolides.
Em data incerta Nuno da Cunha de Ataíde foi alvo de uma série de
acidentes que debilitaram o seu estado físico. A ocasião foi aproveitada pela
Condessa de Pontével para armar um complot contra o seu sobrinho Tristão da
Cunha. Desenfreada, D. Elvira de Vilhena aproveitando a debilidade do marido
negou o acesso do sobrinho ao tio, incitando os criados a não transmitirem novas
suas ao tio acamado, e dizendo ao marido que Tristão da Cunha não queria saber
dele. 20

18
RADULET, Carmen M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a
Corte nos Reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde
1.º Conde de Povolide, Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 21.
19
Ibidem.
20
Nas palavras de Tristão “[...] Condesa sua mulher que pelo grande medo que tinha delle se não
atreuia a me caluniar, nem se atreueo se não despois que meu Tio teue os asidentes, que acabarão,
e pestrarão, de sorte, que não sahia de Caza;” e “[...] despo/is que meu Tio teue os asidentes, que
acabarão, e pos/trarão, de sorte, que não sahia de Caza; e estaua muitas uezes de Cama e quando
eu o buscaua dizia ella / aos criados que lhe não desem Recado, e a elle dizia lhe / que eu não hia
saber delle.”.

410
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

Queria D. Elvira de Vilhena desfavorecer Tristão da Cunha e eliminá-lo do


testamento do Conde de Pontével, ao mesmo tempo que idealizava a criação de
uma segunda Casa na figura do seu outro sobrinho Nuno da Cunha.
Nesta contexto começa a formar-se novo pomo de discórdia, em resultado
do pedido que o Conde de Pontével fez junto do Conselho do Rei para garantir
a um sobrinho a sucessão no título de conde. O Conselho indeferiu o pedido,
excepto o Cardeal D. Veríssimo de Lencastre e o Duque de Cadaval que o acei-
tariam se fosse especificado que quem viesse a suceder no título seria Tristão da
Cunha de Ataíde.
O caso em nada agradou D. Elvira de Vilhena que se por um lado queria
garantir a formação de uma segunda Casa na figura do seu sobrinho Nuno da
Cunha, 21 por outro, uma vez que o título tinha sido criado como mercê dos
serviços por ela prestados à Infanta D. Catarina de Bragança, não estava disposta
a que sucedesse no título Tristão da Cunha. 22
Talvez mais do que favorecer o partido do sobrinho Nuno da Cunha, D.
Elvira de Vilhena com as suas as maquinações e «mentiras com a sua Lingoa
Canina» procurou antes de mais, tornar-se herdeira universal do seu marido.
D. Elvira de Vilhena é apresentada por Tristão da Cunha como uma
mulher oportunista, procurando tirar o maior proveito de todas as situações. O
seu apego às coisas materiais que tocava a avareza, começava logo pela má opinião
que votava à criadagem, que não era mais do que uma camarilha que vivia à sua
custa e cujos serviços entendia serem dispensáveis, assim sendo D. Elvira “[...]
nem teue pagens nem copeiro nem cozinheiro, e não podera atribuir isto a meu
Tio, porque dispois delle morto lhe suçede o mesmo [...]”.
A Condessa de Pontével não quis também que no futuro tivesse de se
justificar perante o sobrinho e pagar as partes das legítimas da herança de Luís
da Cunha que eram devidas aos seus irmãos, mais precisamente da legítima de
Simão da Cunha, a única que estava em falta. Deste modo procurou que o seu
21
Como clarifica Tristão da Cunha “[...] a Condesa dizia a meu Irmão Nu/no que era para elle e
que o avião de Cazar e fazer Caza nelle com / tudo quanto tinha ella e meu Tio;”
22
Mais tarde, já depois de casado, Tristão da Cunha tencionou pedir ao Rei que lhe deferisse o
título do tio, porém a Condessa não o quis consentir, advogando “[...] que tiria grande pena de
que ovese outro Conde de Ponteuel porque lhe Lembrarua seu Marido, e que este Titolo fora
dado a ella para quem Cazase com ella e não a meu Tio; porque lhe paresia que com isto me fazia
dano ao Requerimento e por isso me não daua os papeis, porem isto inportaua poco que ella não
me podia fazer mal nisto porquanto a merce do Titolo que lhe foi feita a ella pelos Ceruissos de
Dama que foi com a Raynha a Inglaterra para quem Cazaçe com ella fiquo comprida a merce
em meu Tio, porem a outra uida que se deu a meu Tio para Filho foi muito despois e foi pelos
ceruisos de meu Tio, e esa he a que elle me nomeou e pedio no testamento com que faleçeo a El
Rey para mim.”

411
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

marido procedesse ao pagamento da mesma, fazendo com que Tristão da Cunha


se tornasse no tutor do irmão menor.
Para este efeito, dirigiu-se o Conde de Pontével a casa do Juiz dos Órfãos
com o objectivo de passar carta de quitação da dita legítima. Trôpego devido à
doença que o atacava, Nuno da Cunha acabou por cair nas escadas da casa do
juiz dos órfãos. Do acidente resultou o agravamento da saúde do conde, cuja fala
se tornou de difícil entendimento, maleita aproveitada pela condessa que traduzia
e interpretava os murmúrios do marido do «modo como ella queria».
A debilidade do Conde seria desastrosa para o bolso de Tristão da Cunha,
mas proveitosa para a economia da Condessa, ou pelo menos esta assim o tencio-
nava. Ou seja, a Condessa aproveitar-se-ia da situação no momento dar contas
da legítima. Alegou que não sabia a valor da parte sobrante e que esta se gastara a
beneficiar bens da herança, e como compensação, para não prejudicar o sobrinho
a condessa ofereceu a Tristão da Cunha uma corrente, provavelmente de ouro,
que havia sido de Luís da Cunha de Ataíde.
Porém «nada disto se lhe admitio», restando à condessa procurar maldizer
o sobrinho junto do tio, dizendo mesmo que ele só aceitaria a tutoria do irmão
para desacreditar o tio e anunciar que lhe tinha roubado a legítima de Simão da
Cunha .
Determinado a resolver a questão da legítima e tutoria do irmão, Tristão
da Cunha dirigiu-se a casa do tio. Este recebeu-o e como planeava redigir o seu
testamento, e queria livrar-se de qualquer inconveniente com o Juiz do Órfãos
deu a legítima ao sobrinho. Tristão da Cunha passou quitação da dita legítima,
tornando-se obrigado à legítima três mil cruzados, sendo que faltavam dois mil.
Antes de morrer Nuno da Cunha mandou chamar o sobrinho à sua casa.
Acorrendo ao pedido do tio, Tristão da Cunha encontrou-o acamado e rodeado
pelos seus três escudeiros. Ordenou o conde que estes fechassem a porta de ligação
entre o seu quarto e o da condessa, e que lhe dessem uns papéis que tinha numa
gaveta e um tinteiro. Todavia, «já neste tempo tinha a Condesa de Ponteuel aberto
hua greta da porta e estaua escutando».
Nos ditos papéis encontrava-se o testamento de Nuno da Cunha, no qual
nomeava o seu sobrinho como testamenteiro. O conde pediu a Tristão da Cunha
que o assinasse, e após fazê-lo Nuno da Cunha guardou-o debaixo da sua almo-
fada.
Neste testamento, redigido com o auxílio dos letrados Manuel Gomes da
Palma e Manuel da Costa Ponte, o conde deixava os bens ao sobrinho em substi-
tuição do filho que não teve. Neste legado entravam as tenças de Dama da Rainha
dadas de mercê à Condessa de Pontével, a qual viria a argumentar que seu marido
não podia dispor de tenças que não possuía.

412
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

Perante a enfermidade do marido, D. Elvira de Vilhena projectou a feitura


de um segundo testamento, no qual Tristão da Cunha fosse eliminado. Assim, a
condessa fez desaparecer o primeiro testamento, e produziu um “[...] outro a que
já não asistio Manuel Gomes da Palma nem Manuel da Costa Ponte, porque os
tinhão já per sospeitos de que fazião as minhas partes e somente foi chamado o
Tabalião e Testemunhas e asisitio meu Irmão Nuno da Cunha”.
A 23 de Abril de 1695, o tabelião Domingos de Carvalho certificou um
novo testamento do Conde de Pontével “[...] no qual instituio per sua herdeira a
Ex.ma Senhora Condessa sua Mulher e nomeou a Commenda de Santa Maria
de Montalvão em seu sobrinho o Senhor Tristão da Cunha de Atayde por ser
successor da Caza dos Avós d’elle dicto Senhor Conde, à qual dezejaua muitos
augmentos, e por ter tão bem a faculdade de nomear huma Vida no Titulo de
Conde, e por não ter Filho a nomeu no sobredicto seu sobrinho. E a Commenda
de Santa Maria de Bornes a nomeou em outro seu sobrinho o Senhor Nuno da
Cunha [...]” 23. Por um lado, D. Elvira de Vilhena tinha alcançado o seu propósito
ao ser nomeada herdeira universal de seu marido, por outro aparentemente não
conseguira assegurar que o sobrinho não sucedesse no título de Pontével.
Aos 27 dias do mês de Fevereiro de 1696 morre Nuno da Cunha de Ataíde,
Conde de Pontével.
Astuciosamente Tristão da Cunha não procurou impugnar o novo testa-
mento, optando por aceitar as suas disposições. Para o efeito, diligenciou junto
de D. Manuel de Sousa, irmão da Condessa, e de D. Isabel da Silva, mulher do
anterior, para ter acesso aos papéis que lhe davam direito ao título de conde. O
intento revelou-se malogrado, pois a condessa recusava-se a dá-los.
Nuno da Cunha de Ataíde, Conde de Pontével, obtivera de El-Rei D.
Pedro II um alvará de mercê de mais uma vida no título para o filho que nascesse
do seu casamento com D. Elvira, como podemos verificar no respectivo alvará:
“Eu o Principe Suçessor Regente e Governador destes Reynos e senhorios
faco saber aos que este Alvará virem que tendo Respeito aos serviços e merci-
mentos de Nuno da Cunha de Atayde Conde de Ponteuel do meu Conselho
de guerra obrados por decurso de dezassete annos continuados desde o de seis-
centos e sessenta e seis, ate o de seiscentos, e setenta e seis, depois de despachado
pelos que ate aquelle Tempo continuou acompanhado ao principio a Serenis-
sima Raynha da Grão Bretanha minha Irmãa quando deste Reyno passou ao de
Inglaterra, e voltando a esta Corte continuar o serviço nos lugares do Deputado
da junta dos Tres Estados, Conselheiro de guerra e governador e capitão geral

23
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 60 Testamentos (1), N.º 13 – 1695 – Testamento
do Senhor Conde de Pontével.

413
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

do Reyno do Algarue seruindo em tudo com particular satisfacão minha tendo


a tudo consideração E ao mais que por sua parte se me representou. Me praz e
Hey por bem fazer lhe merçe, alem de outras que pelos mesmos respectos lhe fiz,
de huma vida mais no dito titulo de Conde de Pontével para o filho que nasçer
d’entre elle e a Condeça Dona Eluira Maria de Vilhena sua mulher; e para minha
lembrança e sua guarda lhe mandei dar este aluará que a seu tempo se cumprirá
tão inteiramente como nelle se conthem [...]” 24
Perante a falta de um herdeiro foi-lhe autorizada a sucessão dessa mesma
vida num sobrinho, mais precisamente Tristão da Cunha, mas não queria D.
Elvira de Vilhena que o sobrinho usasse o seu título, pretextando que não deveria
haver outro homem que se intitulasse Conde de Pontével. De facto, Tristão da
Cunha acabou por não usar tal título.
No ano de 1697 negociou-se o contrato de casamento entre Tristão da
Cunha de Ataíde com D. Arcângela Maria de Távora, filha de D. Miguel Carlos
de Távora, 2.º Conde de São Vicente, e de sua mulher a Condessa D. Maria
Caetana da Cunha, filha do 1.º Conde de São Vicente, o Vice-Rei João Nunes
da Cunha. O dote da contraente era constituído por duas quantias, a primeira
composta por dois mil cruzados oferecida pela sua tia, a Condessa de Vimioso,
e a segunda de sete mil cruzados, sendo esta quantia composta por um colar de
pérolas e duzentos mil réis de tença na alfândega de Lisboa, oferecidas pelo Conde
de Alvor e pelo doutor Sebastião Cardoso. Por fim, o Rei concedia a mercê de
uma vida em duas Comendas. 25
Como presente de casamento D. Elvira Maria de Vilhena ofereceu “huns
panos” e “humas arrecadas e hum broche”, e ainda outros bem que foram causa
de louvor e admiração. Esta oferta por ocasião do casamento de Tristão da Cunha,
e outra que se lhe seguiu ao nascer o primeiro filho do casal, foram novamente
alvo de caricatas manobras de ataque ao património de Tristão da Cunha por
parte de D. Elvira de Vilhena ao voltar atrás nas promessas e compromissos que
anteriormente assumira, como poderá ler-se no final dos Esclarecimentos.
No ano de 1714 redigiu D. Elvira de Vilhena o seu testamento, no qual
nomeava “por testamenteiro ao Excelentíssimo Senhor Cardeal Nuno da Cunha
de Ataíde a que pesso [sic] queira por me fazer mercê aceitar o trabalho desta minha

24
ANTT, Arquivo do Conde de Povolide, Maço 12, N.º 19, Alvará do Principe Regente D. Pedro,
porque fez mercê ao Conde de Pontével Nuno da Cunha de Ataíde de uma vida mais no dito
titulo de Conde de Pontével para o filho que nascer dentre elle e a Condessa D. Elvira Maria de
Vilhena. Assinado pelo punho real.
25
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º 20 – 1697 – Escritura de contracto
de dote, e casamento que celebrarão os Condes de S. Vicente, para haver de casar sua filha D.
Arcângela Maria de Távora com o senhor Tristão da Cunha de Ataíde.

414
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

testamentaria na consideração de que como não tenho dividas nem demandas lhe
fará fácil por algum criados fazer executar as minhas despozições.”. 26 Reconfir-
mava-se assim a predilecção da condessa pelo seu sobrinho Cardeal Nuno da
Cunha de Ataíde, em quem tinha depositado de esperanças de fazer segunda
Casa. 27 Não podemos deixar de notar que no seu testamento a condessa nada lega
a Tristão da Cunha.
Pede que o seu corpo seja amortalhado com o hábito de São Francisco e
metido num caixão. Desejou ser sepultada na Igreja de Nossa Senhora da Encar-
nação, construção que amparou com grande empenho. Para o efeito, seria o
corpo do Conde de Pontével trasladado para a dita Igreja para que pudessem ficar
sepultados frente a frente. 28 No dia de seu falecimento seria rezada uma missa de
corpo presente. 29
Por fim, manda que se reparta algum dinheiro pelos seus criados, 30 e outras
partes para alguns familiares, sendo mais beneficiados aqueles que tinham seguido
a vida religiosa. 31

26
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
27
Deixou ao dito Cardeal Nuno da Cunha de Ataíde “um púcaro de cristal guarnecido de ouro
com umas salvinhas de bastiães, que havia dado a Rainha D. Luísa de Gusmão”. D. Elvira dava-o
não pelo seu valor, mas pela estimação que lhe dei em vida. ANTT, Arquivo dos Condes de
Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
28
O terramoto de 1755 devastou a construção original, porém existem hoje dois memoriais dedicados
aos Condes de Pontével no antigo local da Capela Mor. Lêem-se as seguintes inscrições: CHISTO
SACRUM / NONII. CUGNIAE. ATAIDII / COMITIS. PONTEVELENSIS / PRIMO.
MONUMENTO / UNA. CUM. AEDE DIRUTO / OSSA. HEIC / REPOSTA. SUNT
/ REQUIESCAT. IN. PACE / ANNO / DDDCCLXXXIIII; e do lado da epístula, CHISTO
SACRUM / OSSA. D. ELVIRAE. MARIAE / VILLENIAE / COMITIS. PONTEVELENSIS
/ HEIC. QUIESCUNT / PRIMO. MONUMENTO QUOD / IPSA. SIBI. PARAVERAT /
AEDEQUE. QUAM. SUA / PECUNIA. STRUXERAT / TERRAE. MOTU. DIRUTIS /
NOVUM. IN. HAC. NOVA / AEDE. BENEMERENTI / POSUERE. Cf. MONTEJUNTO,
Luís do, Elvira Maria de Vilhena: Condessa de Pontével (1627-1718), 2000, ed. s.l., p. 49.
29
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
30
Possuía a Condessa na Junta do Comércio seis mil cruzados, os quais mandou que se repartissem
pelos seus serviçais: a Manuel de Azevedo e António Franco, que tinham sido escudeiros do
Conde de Pontével, ordenou que se lhes dessem quinhentos mil reis a cada um; à criada Maria
de Ferreira [?] dava quatrocentos e cinquenta mil reis; à criada Maria Teresa mil cruzados; à
criada Damiana cinquenta e cinco mil reis; a Leonor, sua escrava, deixava forra e lhe dava trinta
mil reis; à mulher do seu criado João Ferreira, já falecido à data, dava cem mil reis; à mulher
de Manuel de Azevedo e suas irmãs mandava dar outros cem mil reis; e outros cem mil reis à
mulher de António Franco e suas filhas. ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º
4 Testamento da Condessa de Pontével.
31
De umas pensões que recebeu de seu marido, a Condessa ordenava que se dessem as seguintes
quantias às seguintes pessoas/parentes: a Soror Magdalena do Sepulcro, do Convento de Santa

415
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

Aos 31 dias do mês de Dezembro de 1718 morria D. Elvira Maria de


Vilhena, Condessa de Pontével, com o que foi posto um termo às intrigas e
demandas que moveu contra o seu sobrinho mais velho. Deixou grande genero-
sidade em obras pias, como é o caso da Igreja da Encarnação em Lisboa cuja obra
custeou. 32

Anexo Documental 33

“Esclarecimentos muito interessantes dignos de se lerem sobre a questão


que teve com a sua tia a Exma. Condeça de Pontevel o Exmo. Conde Povo-
lide, Tristão da Cunha, à cerca das intrigas sobre a herança do Exmo. Conde de
Pontevel.”
Ao papel que se levou a Condesa de Pontevel respondeu com outro, e
ambos aqui estão, e o que pasa na verdade he o siguinte, que sabem todos os
parente e criados desta Caza por morte de meu Pay fui eu e meus irmãos Alvaro,
Simão, e Nuno para o Algarve que então Governava meu Tio o Senhor Conde de
Pontevel para Sua Caza aonde estivemos mais de tres annos e vindo todos para
esta Corte no anno de 1675 fiquei eu e meus Irmãos em minha Caza.
Quis a Condessa de Pontevel que eu Cazase com hua parenta sua filha
de Dom Pedro da Cunha o qual fugiu para Castela com seu Pay Dom Lopo da
Cunha depois de aclamado El Rey Dom João nosso senhor e falando-se me neste
neste [sic] negocio e sabendo eu que meu Pay que deos tem a quem já se tinha
fallado nelle não quizera tal pratiqua ouir, e não admiti. Nem devia admitir por
muitas rezões, e meu tio o Senhor Conde de Pontevel nem quiria o tal Cazamento
nem queria dizer que não o queria.

Marta, dava vinte mil reis cada ano; às sobrinhas, Soror Antonia do Salvamento e Soror Joana
Teresa, religiosas no Convento de Santa Marta, deixava vinte mil reis e doze mil reis cada ano
respectivamente; a frei Pedro da Cunha religioso na Ordem da Santíssima Trindade, quatro mil
reis cada ano; ao seu sobrinho o senhor D. Manuel Rolim de Moura trinta mil reis cada ano.
Não parecendo ser suas parentas, a Condessa deixou ainda: a Bernardina [?] do Sacramento
trinta mil reis, “seja ela que me amortalhe”; a Ana do Sacramento e a Gueria [?] Maria, e Maria
do Sacramento “nossas donzelas e pobres” deixava a cada uma dez mil reis. ANTT, Arquivo dos
Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
32
CONCEIÇÂO, Frei Cláudio da, Gabinete Histórico, Lisboa, Impressão Régia, 1820, p. 87.
33
A transcrição respeita a generalidade da ortografia original do autor, bem como a sua construção
gramatical. Apenas foram desenvolvidas as abreviaturas que assinalámos a itálico. Foram abertos
alguns parágrafos de modo a descondensar o texto e facilitar a sua leitura, consequentemente
actualizaram-se maiúsculas e minúsculas.

416
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

A isto se siguio que algua pesoa e poderia ser que muito minha parenta,
por ver a grande inclinação que meu tio me tinha e que dizia que tudo me avia
de deixar parecendo lhe fiquaria sem Erdar delle nada procurou fazer me más
auzencia e mal quitarme achado para iso prompta a Condesa de Pontevel em
Rezão do Cazamento dicto.
E he serto que esta tal filha de Dom Pedro da Cunha que fizera em Castella
Marques de Asantar, não avia de vir a Portugal porque tinha la muita Renda e era
erdeira e tinha lá ajustado cazamento com dispois se soube.
A primeira Couza que a Condesa de Pontevel fes foi dizer a meu Tio que eu
detriminava citalo para que me desse conta do Remanesente das minhas fazendas
do que me foi julgado de alimentos e como meu tio era muito desconfiado, e
a Condesa sua mulher buscase dizer, se queichou meu tio muito o que suposto
e aconselhado eu de alguns parentes e presuadições de Gaspar de Tovar Frois
Criado antiguo de meus Pais Avos o qual por ordem de meu Tio e Tutor, cobrava
e despendia a minha fazenda e era interessado em questa conta se não fizeçe, dei
consentimento a que o dicto Gaspar de Tovar levasse a meu Tio hua quitação
minha julgada por sentença de tudo o Remanescente dos meus Rendimentos e
siguo tudo dado por gastado e despendido
A vista desta quitação figurarão desvaneçidas as prezumcões e descon-
fianças que avia, e eu sem dinheiro.
Quando se fizerão partilhas e inventario per morte de meu Pay inportou
cada hua das ligitimas que erao Sinquo tres mil cruzados, (e a terça deichou meu
Pay em Morgado)
Minha Irmã que foi para o passo quando estavamos no Algarve que estava
na encarnação, Levou alem da sua ligitima muitas mais pesas plo que fiquo
devendo a cada hum de seus irmãos coiza de duzentos mil reis poco menos, e a
mim quinhentos e seçenta da minha legitima e da terça.
E se requereo ao Ministro das partilhas que todo o comjunto que inportava
e inventario me fiquase por que me servirião aquelles móveis (o que não era asim)
e que eu pagaria em dinheiro a meus irmãos a suas ligitimas.
Esta partilha fui eu emmendar e fiquo cada hum com os seus moueis, os
quais mandou meu Tio levar para o depozito da Cidade.
Quando Minha Irmã cazou com meu Primo Dom Carlos de Noronha
teve meu Tio o Senhor Conde de Pontevel demandas com elles sobre o dotte
porque como meu Tio era Tutor de minha Irmã e o foi de nós todos dise que
ella tinha isto e aquillo o que foi obrigado a fazer bom em que eu não entrei e
ovindo eu a minha Irmã que a duvida deste negosio topava somente em dous mil
cruzados que erão os da joya que a Raynha costuma dar as Damas, porque dizia
meu Tio avião de entrar no dote e dizia que não o Senhor Dom Miguel Luís de

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joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

Menezes sogro de minha Irmã (e ainda neste tempo estava minha Irmã no paso
por cazar)
A vista disto mandei eu dizer a minha Irmã por hum escrito de compri-
mento em que mandava saber della, que per ovir que a duvida era somente em
dous mil cruzados os queria eu dar, a saber dando lhe quitação das quinhenhos
[sic] e sessenta mil reis que ella me diuia a legitima e a Terça e o Resto em fazenda
da Rua Nova ou em dinheiro.
Porem como a duvida não foi somente nos dous mil cruzados senão em
muitas mais coizas antes e despois della cazar, ficou desvanesida a promesa que foi
feita em a dicta condição.
Despois de varias contendas de juizo ultimamente foi meu tio obrigado a
prefazer a minha Irmã serta coantia que serião oito mil cruzados poco mais ou
menos, de que meu Tio não veio a dar nada de sua Caza porque forão abatidos
dous mil e quinhentos Cruzados da Ametade do Custo da dispencação que
sahirão dos Rendimentos da minha fazenda da Beira que estavão na mão do meu
Rendeiro que meu Tio Cobrou por isso e a outra a metade pagou o senhor Dom
Miguel, e asim mais forão abatidos os tres mil cruzados da legitima de minha
Irmã, e asim mais lhe abaterão os seis sentos mil reis poco menos que ella deuia A
meus Irmãos das tornas da majoria das Ligitimas de que meu Tio lhe deu quitação
como Tutor delles no anno de 1680, e tãobem se lhe abateo a prata que meu Tio
o Reverendissimo Perfeito Manuel da Cunha lhe deu de prezente por asim o fes
querer meu Tio o Senhor Conde de Pontevel.
E asim mais tãobem me dise meu Tio que lhe dese quitação e trespaso da
divida que minha Irmã me devia que erão quinhentos e seçenta mil reis, e o foi
por ele asim o querer, e dizer que mos daria o que não chegou a fazer, e eu fiquei
obrigando a terça que meu Pay fes Morgado parte das benfentorias destas Cazas,
em lugar deste e otras quantas.
Quando meu Tio foi condenado pela sentença a ajustar e prefazer a minha
Irmã a Coantia atras dita tinha elle alegado que minha Irmã tinha os dous mil
cruzados que dizia que eu lhe tinha prometido que foi na forma atras dita pelo
que se mandou na dicta sentença que prefizese elle a Conta e que minha Irmã lhe
fizese trespaso da Acção que elle dizia que ella tinha as tias dous mil cruzados, e
asim lha trespasou.
Porem a acção não he nem pode ser nenhua porque como atras diguo
O escrito foi Comdiçional pois declarava que sendo somente a duvida em dous
mil cruzados os daria eu na forma dita por evitar pleitos; e não sendo a duvida
somente nisso Como não foi senão em otras muitas Coizas o que durou muitos
annos Ceçaua a promesa que foi por hum escrito de Comprimento E quando
meu Tio abateo a minha Irmãa os quinhentos e sesenta mil reis que ella me devia

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«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

de que eu fis trespaso a meu Tio Como atras di/go e sendo esta divida a com que
eu lhe dizia lhe auia de prefazer os dous mil cruzados prometidos com a comdição
dita, não ove duvida a lhes abaterem como com efeito se abaterão a meu Tio em
vertude de meu trespaso.
E a principal Rezão que há he que eu nem a minha Irmã nem a meu Tio
a quem ella trespasou esta acção estava nem estou obrigado a pagar nada pelas
Rezões ditas.
Dispois do Referido se Emanciparão meus Irmãos Alvaro e Nuno e fiquo
meu Tio sempre Tutor de meu Irmão Simão por ser demente que estava, e está,
na Villa da Athouguia per ser parte mais acomodada aonde eu sempre o sustentei
per não ser capas de ser frade e sempre a sua ligitima esteve em poder de meu
tio, e cada hum de nos cobrou a sua eu parte della como pode porque a Condesa
de Pontevel fiquo com muitos brinquos de prata de todas ellas por Coriozidade,
que de prata e oiro hé muito Corioza, e quando minha May morreo já tinha esta
Coriozidade, e baste dizer isto.
Alem do que atras fiqua ditto sobre o dotte de minha Irmãa falta dizer que
aquella Comenda de que meu Pay tinha promesa pelos servissos de meu Vizavo o
Senhor Simão da Cunha de Athajde feitos a Custa do Morgado que vendeo, era
de lotte de trezentos diguo duzentos athe trezentos mil reis de Renda
Esta tal Comenda deiçhou meu Pay a minha Irmã em hum Codiçilho que
se vio no testamento de meu Pay, que deos sabe o como fez e o estado em que meu
Pay estava Quando o dicto Codisilho se fez e afirmou não per meu Pay. O que
suposto dizia meu Tio quando minha Irmãa se ajustou a fazer que tãobem tinha
esta Comenda de trezentos mil reis pelo que foi obrigado na sentença atras dita e
nas mais que se derão a que fizese bons estes trezentos mil reis que disera os quais
se prifizerão nesta forma.
Fez El Rey D. Pedro nosso senhor que então era Principe merce a meu Tio
entre otras por seus Cervissos de sento e oitenta mil reis de Tenca por minha Irmã
com declaração que na dicta tença se incluhia a acção que ella pediria entender que
tinha há dicta Comenda que diguo que meu Pay lhe deichou, que como minha
Irmãa era Dama da Rajnha meteuse El Rey a ajustar estes pleitos de meu Tio a
quem fazia muito favor.
E com estes sento e oitenta mil reis e com Sento e uinte mil reis que se
cudava que era obrigado a pagar a minha Irmã que meu Pay lhe deixou impostos
na Terça que fes Morgado Como tenho ditto foi meu Tio absolvido de tudo e
asim siguo ultimamente julgado, e meu Tio Livre da promesa ou do que tinha
insinuado de ter minha Irmã a Comenda ou a promesa dos ditos trezentos mil reis.
E esta he a Rezão porque eu tenho acção a esta Comenda ou aos servissos
do dicto Simão da Cunha de Atayde meu Vizavo feitos a custa do Morgado que

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joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

venhao por os fazer quando foi a Affriqua com El Rey D. Sebastião, e por se
Resgatar porque fiquo la cativo e a este meu Vizavo tocavão os servissos de hum
seu Irmão que era Nuno da Cunha que morreo em Mosambique o que tudo se ve
dos papeis que tenho. O que meu Pay não podia deichar esta Comenda porque
não a tinha nem Merce del Rey para a nomear e não era por servisso seus que eses
podia elle deichar a quem quizesse, mais era pelos servissos de meu Vizavo
que sendo feitos a Custa do Morgado a mim me pertence a acção de Requerer
merces por eles, já que se não lograrão as que por eles forão feitas. E bem se ve da
[palavra de difícil leitura] dos sento e oitenta mil reis de Tença que se deu a minha
Irmãa que declara ser pelos çervissos de meu Tio suposto que des dezistira ou digo
que nella se incluje a acção que ella poderia entender que tinha que se a tivera
decerto não disera a merce estas tais palavras nem El Rey lhe dera somente sento
e oitenta mil reis de tença nem ella se comtentara com elles quando tivera acção
a hua Comenda de duzentos e trezentos mil reis e porque declaro estas Rezões em
otros papeis baste esta advertençia por agora.
Despois de terem asim ficado todas estas Coizas Refiridas foi meu Tio
comtinuando aquella amizade que teve comigo a qual eu conservava com estudo
particular per lhe saber milhor que todos os parentes e parentas a Comdição; E
a prova disto hé que quebrando meu Tio com todos seus Irmãos e Irmãs e sobri-
nhos e sobrinhas por muitas vezes e não se falando, eu fui o unico com quem
sempre correu apezar da Condesa sua mulher que pelo grande medo que tinha
delle se não atrevia a me caluniar, nem se atreveo se não despois que meu Tio teve
os asidentes, que acabarão, e postrarão, de sorte, que não sahia de Caza; e estava
muitas vezes de Cama e quando eu o buscava dizia ella aos criados que lhe não
desem Recado, e a elle dizia lhe que eu não hia saber delle. E o mais que adiante
direi.
Neste tempo tinha eu Amizade com Dom Manuel de Souza Irmão da
Condesa de Pontevel sendo que em nada paresião Irmãos per que a generozidade
de D. Manuel era tão grande como a mizeria da Condesa sua Irmã ella não correu
muitos annos com senhora nenhua per que nem teve pagens nem copeiro nem
cozinheiro, e não podera atribuir isto a meu Tio, porque dispois delle morto lhe
suçede o mesmo e Dom Manuel pelo contrario, e quando tinha era de todos, e
dizia o que era sua Irmã, vendo ella que eu tinha esta amizade com Dom Manuel
e que estava todas as noites em sua Caza porque dava Caza de jogo tornou a
Comdesa de Pomtevel a intentar o Cazamento da filha do Marques de Santar sem
ter com elle tra/to algum e dise a D. Manuel que me falase neste negocio da parte
de meu Tio que tal não queria mas comtemporizava com ella que não fazia esta
diligencia se/não por que se cudase que seu não queria Cazar com niguem e per
cudar que por este caminho metia cizania entre mim e o meu Tio e que tãobem

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«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

D. Manuel se escandalizaria pelo parentesco que tinha com o Marques de Santar


e deicharia de se meter a dizer a meu Tio como costumava que tratase de por em
mim o Titulo e não esperase para o fim; e escuzando me eu desta pratica fiquo
a Comdesa de Pontevel bramando com a sua canina lingoa e D. Manuel nada se
lhe deu diso, nem tal podia ser porque esta Filha do Marques de Santar não avia
de vir qua.
O que suposto comesou a Condesa de Pontevel /a publicar que meu Tio
fazia segunda Caza em meu Irmão Nuno e a darlho a elle asim a entender e que
disese a meu Tio que eu dizia mal delle e fazia escarnio della e lhe chamava nomes
e otras parvoises; e que eu não queria Cazar, e buscou quem disese a meu Tio que
eu o arremendava com o Conde de Villa Noua e outras mil testemunhos com
tamanha lingoa como naris que ella tinha e tanto dise e fes dizer a otrem a meu
Tio que ele fiquo quazi desconfiado no que era muito façil.
Despachado se meu Tio neste tempo, porque como servio sempre desde o
anno da aclamação e despachou por varias vezes e todas as merces que teve forão
menos do que se deu a otros que não tinhão os seus cervissos, nesta ocazião foi
que meu Tio pedio o Titolo por Sobrinho que Cazase a sua vontade delle e isto
que se eu não cazase com quem ella quizese não mo daria e que asim fiquaria eu
sogeito a Cazar a sua vontade se quizese o Titulo e indo este Requerimento aos
Comselheiros de Estado em que meu Tio pedia o titulo nestta forma e espantando
se todos della e não ser eu o nomeado.
Soube eu que votara O Cardeal de Lencastro que se dese a meu Tio o Titolo
na forma em que o pedia porque meu Tio lhe tinha dito a elle que por mim o
pedia mas que não me queria nomear por me ter dependentes e por que eu Cazase
a sua vontade porque como o dicto Cardeal era Primo Com Irmão de minha Avó
e meu amigo e tãobem de meu Tio votou por ele como queria.
O Duque de Cadaval D. Nuno que era e he meu Amigo disse a meu Tio
que me devia nomear a mim porque El Rey devia saber por quem era o Titolo que
elle pedia (e isto se lhe mandou que declaso se pelo que ovi porque ele fazia estes
Requerimentos ocultandoos de mim e não ove Remedio por que declarase que
sobrinho era o para quem pedia o Titolo E a Condesa dizia a meu Irmão Nuno
que era para elle e que o avião de Cazar e fazer Caza nelle com tudo quanto tinha
ella e meu Tio; e asim lhe tirou os brincos de prata que elle dava por alimentos,
pelo qual lhe vendião gato por lebre; athe que elle dispois se dezengano e se fez
clerigo.
Como meu Tio não declarou o Sobrinho para quem era o Titolo que
pedia votou o Cardeal o que asima digo e o Duque votou que sendo para mim
se lhe devia de dar o Titolo; e todos os mais votarão que se lhe não dese pois
não nomeava pesoa para quem o pedia per que devia El Rey saber a quem fazia

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joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

a merce de Conde e não avia de dar faculdades a ninguem para fazer Condes; e
asim fiquo meu Tio com a sua Teima; e a otras coizas que mais pedia lhe defi-
rirão; e fiquo meu Tio muito raivozo dos Ministros; e eu delle com mais Rezão;
porque se quis despois desculpar com muitos parentes e amigos dizendo que eu
não queria Cazar e que para me obrigar asim fizera aquelle Requerimento e que
me tinha proposto seis senhoras para que escolhese hua e que eu não quizera
Cazar; Sendo que eu sempre disse e mandei dizer varias vezes que bem sabia que
elle me avia de escolher mulher que me comviese e não duvidava de Cazar com
quem elle quizese e que no mesmo Inistate [sic] Cazaria se me elle dese com quem
pudese Cazar Coando não que eu hia comsertando as minhas Cazas e comprando
alguns moveis poco a poco porque bem sabia elle que não tinha com que poder
fazer os gastos de que nesecitava se não nesta forma e que feito isto Cazaria sem
que elle me dese nada e esta he a uerdade; mas a Condesa de Pontevel lhe dizia
falcamente mil testemunhos e mentiras com a sua Lingoa Canina a fim de que elle
a deichase como deichou per sua universal Erdeira; e para que nem ainda aquellas
merces que El Rey fes a meu Tio para Sobrinho me deixase nomeado nellas; nem
em nenhua, porque já meu Tio despunha o seu Testamento neste tempo por estar
muito doente.
Neste tempo entre as mentiras que a Condesa de Pontevel disse a meu Tio
foi que eu detriminava asolala para legitima de Simão meu Irmão como meu Tio
morrese e que tratase elle de se dezobrigar da sua Titoria e que a não deichase com
pleitos comigo e que Requerese ao Juis lhe dese quitação da dicta Legitima e que
me pedise a mim então quitaçam da ligitima para que se eu lha não dese; não me
deichar nada que este era o fim.
Fez meu Tio pitição ao Juis dos Orfãos em que dizia que elle não podia já
ter a tutoria de Simão da Cunha seu sobrinho pelas suas Ocupações e achaques
que eu o poderia ser e que elle queria dar Conta da Sua Legitima e aver quitação
della e fiquar dezobrigado e que declarase eu se queria ser ou não Tutor de meu
Irmão e tudo isto era armarime[?]; fui eu notificado por ser Tutor de meu Irmão
e vi que dizia que não, era hum grande crime para meu Tio e se figurava seu
Tutor avia figurar obrigado há legitima e prejudicado em dous mil cruzados. Fui
dilatando o Responder a notificação e fui sabendo que a Condesa de Pontevel e
algem mais dizião a meu Tio que bem via ella já qual era a minha Tenção que era
esperar que elle morrese e que asim o dizia eu por despois fazer pagar a Condesa a
dita legitima e por isso nem disia que queria nem que não queria ser Tutor de meu
Irmão esperando que meu Tio morrese.
Despois de eu ser Tutor de meu Irmão Simão loguo entrou meu Tio a
querer dar Conta da Sua Legitima e alcançar quitação e a Condesa sua mulher
estava com tanto medo de que meu Tio morrese antes de se dezobrigar e que eu

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«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

lhe fizese despois pagar a ella a legitima que já sabia que fiquava per universal
erdeira, que estando elle doente e de Cama o fez ir falar aos Juis dos Órfãos em
Cuja escada Cahio e se maltratou muito porque já se não podia ter.
Deu meu Tio comta desta Legitima de forma que nenhua das adições que
dava em despeza della lhe foi admitida como constava da sertidão dos Autos que
aqui esta, nem meu Tio estava neste tempo capas de nada nem se lhe entendião
as palavras; e a Condesa sua mulher lhas interpetrava e mandava interpretar por
outra criada a seu modo como ella queria, porque dizia a Conta da despeza da
Legitima que eu tinha tanto, e meus Irmãos tanto, e que o mais estava no depo-
zito, e tanto que se não sabia, e que o mais se gastara com quem benefisiara estes
moveis e que quando isto não bastase dava na minha mão hua cadeja 34 que meu
Pay lhe deichara (a qual eu nunqua vi) e aquele trespaso de dous mil cruzados
que minha Irmã e seu marido lhe fizerão que eu lhe devia o que tal não era como
já tenho dito, e duzentos mil reis que pagara por mim sem dizer a quem, e todas
estas coizas ella era quem as dizia como dellas se deicha ver e conheser bastante-
mente.
E tanto que vio que nada disto se lhe admitio nem era para admitir comesou
a maquinar com meu Tio e a dizer que eu aseitara a titoria para o dezacreditar e
que eu o fazia andar naquelle estado per Caza do Juis e Cartório dos Orfãos para
que cudasem que elle tinha furtado a legitima de meu Irmão; e indo eu saber de
meu Tio e deichando ella darlhe Recado que eu ahi estava me mandou loguo
entrar e me dise que elle queria mandar que me entregaçem a Ligitima de meu
Irmão Simão casy tudo o mais que era meu porque estava no estado em que se
via fazendo o seu Testamento que se a mim me pareseçe dar lhe quitação da dicta
Legitima de se dezobrigar no Juizo dos Orfãos, a vista disto lhe Respondi que logo
lha mandaria e ao outro dia lha mandei; e por acharem que não hia a sua vontade,
della, me escreveo ou mandou escrever meu Tio e se asinou hum papel em que
estava copeada a quitação para que naquella forma a fizese eu e deichou fiquar a
primeira quitação; que devia ser por se eu não mandase a segunda que tudo isto
maquinava a Condesa de Pontevel mandei lhe logo a segunda quitaçam feita pela
copia que me mandou em que eu declarava darme por entregue daquellas adições
da despeza que meu Tio daria tal Legitima e que era sim uerdade como meu tio
dizia na Conta e o mais que disese e asim alcansou quitação julgala por sentença
e eu fiquei o/brigado à ligitima que são tres mil cruzados de que me faltão dous
porque o mais cobrei de que tinha dado Rol por mim e por hum criado meu que

34
À margem do texto: Do Inventario de meu Pay Consta que quando morreo já não tinha esta
Cadeja e da minha Carta da 3.ª

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joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

tãobem lá tem estes papeis agardesem meu tio isto por escrito em que dizia que
mandase cobrar a ligitima mas nãos se entregou mais que o que digo.
Dispois disto me mandou meu Tio chamar e entrando eu na Caza aonde
elle estava na Cama acompanhado-me tres escudeiros seus que oie estão em Caza
da Condesa de Pontevel que de João Ferreira e o Franco, e o Azevedo, aos quais
meu Tio alcancou Officios e esperão que elle lhe deiche alguma coiza e por isto se
não tem ainda ido, entrando eu mando meu Tio que elles fechacem as portas que
hião para o quarto da Condesa Sua mulher que bem sabia elle de donde eu me
podia temer e despois de fechadas as ditas portas mandou meu Tio pelos dictos
criados abrir hua gaveta e tirar hum maso de papeis e que lho puzessem na Cama
e tinteiro, e feito isto pelos ditos criados os mandou sair da Caza e fechar a porta
por onde sahirão para a Sala, isto sabem elles todos, e já neste tempo tinha a
Condesa de Pontevel aberto hua greta da porta e estava escutando o que se pasava,
que foi mão que meu Tio aguardase para a ultima ora fazer o testamento, e o que
nos pasou foi o siguinte.
Dise me meu Tio que vise eu aquelles papeis e lhe fose dizendo o que lia e
via que era o seu testamento em que me deichava a Comenda que tem meu Irmão
com pencões para a Senhora Comendadeira da Encarnação minha Tia e Sobrinhas
dizendo no Testamento que eu o Consintia em [palavra de dificil leitura] do que
me asinava e estava Lugar para eu me asinar como asinei e vio meu Tio o meu sinal
e pegou no testamento e o meteo debacho do traviseiro em o qual me deichava
muitas coizas que sempre elle dise e falava verdade que as comendas e tenças erão
para mim e a Alcajdaria mor e testamento e que dellas daria as pencões como
elle dispuzese ui mais os Alvaras das merces que El Rey lhe fez e Cartas do Secre-
tario de estado Françisco Correja de Laçerda que tudo isto me tocava e servia para
o Requerimento do testamento e tinha meu tio todos os papeis das Comtas que
tivemos todas, o que tudo tinha meu Tio e se fiou em que a Condesa Sua mulher
as satisfizese e feito isto me dise que goardase segredo pondo o seu dedo na boca
mas sua mulher escutando na porta, tornou meu Tio a chamar com a Campaynha
e entrando os criados ditos tornou a mandar por os ditos papeis no Iscritorio de
donde se tinhão tirado, e levar o tinteiro, isto pasou e eu me fui, e meu Tio estava
já muito mal e não se lhe entendia bem o que dizia e deste tal Testamento tinha
asistido Manuel gomes da Palma e Manuel da Costa Pomtes dous Letrados, e o
Manuel gomes da Palma que era o de mais sequito evio os Alvaras das merces de
meu Tio e entre elles aquelle em que El Rey lhe fe merce de poder nomear em
sobrinhos tudo o que tinha para Filho, dise que suposto que a Condesa sua mulher
tinha as tenças della de Dama que foi tãobem para Filho de ambos, como diz que
tem, que podia meu Tio nomear estas ou esta tal Tença della em seus sobrinhos
para que aquella vida que tinha para Filho por morte della fiquase a seus sobrinhos

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«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

delle, em vertude da merce dita de que pudese nomear em sobrinhos tudo o que
tinha para Filho, e levando este Recado o dicto Manuel Gomes da Palma e dizendo
isto a dita Comdesa não quis tal comsentir dizendo que nomeaçe meu Tio o que
era seu se quizese em embargo de que eu lho não mereçia mas que as suas Tencas
della que isso não, e Replicando lhe o dicto Manuel gomes da Palma, que ahi esta
vivo e sam e mo dise diente de muita gente, dise a dicta Condesa que como asy era
ella não podia a ver (que ella tinha oitenta anos) e que se perdia esta merce e que ella
em Sua vida sempre lhe ficavão as Tenças que ninguem lhas podia tirar, e dise que
forão tais os gritos desta perversa mulher blasfemando com a sua Lingoa Canina
dizendo que ninguem se mete com o que era seu que se não falou mais nas suas
tenças, e sem isso se fez o testamento que digo.
Tanto que a Condesa de Ponteuel e vio que meu Tio pasou comigo e eu
fui comesou Logo a maquinar fazer meu Tio outro Testamento em que eu fiquase
com menos, e sem nada me avia de deichar se não temera o poderse anular anular
[sic] o Testamento o que eu poderia procurar e isso temeu ella porque meu Tio
não se lhe entendia nada senão muito poco e pequisimo e muito mal e cada vez
peor, e ultimaente este Testamento não apareseo e se fez outro a que já não asistio
Manuel Gomes da Palma nem Manuel da Costa Ponte, porque os tinhão já per
sospeitos de que fazião as minhas partes e somente foi chamado o Tabalião e Teste-
munhas e asisitio meu Irmão Nuno da Cunha e não se me dise nada e quando
meu Tio faleçeo o mandarão lançar nas notas do Tabalião per hum Criado com
grande sobresalto e a Condesa sua mulher sem embargo de seu marido ter ispi-
rado andava de porta em porta esperando que o Criado viese com o Testamento
que cudava que lho tomavão no caminho, e vindo elle deixandoo nas dictas notas
se Recolheo ella para dentro muito contente, e meu Irmão Nuno da Cunha leo
o Testamento e asim como se hia lendo se olhavam para mim como areçeando
alguma Coiza, eu o vi com grande soceguo, e somente tive a magoa de que meu
Primo Dom João Rolim que prezente estava lhe não ficase Couza alguma de que
elle com grande inteireza fez poco Cazo.
Já se sabe que meu Tio deichou neste Testamento a sua molher por universal
erdeira e huas tencaszinhas a seus Irmãos e sobrinhos e sobrinhas dez ou vinte mil
reis, e que a meus Irmão Nuno da Cunha deichou a major Comenda e quatro
sentos mil reis e sento e vinte â Senhora Dona Joana de Lencastro a a Senhora
Dona Tereza de Abranches que estão com ella, e a mim me deichou a Comenda
mais pequena com hua pencão que já elle pagava e otras que vagarão, e a Alcai-
daria mor que arrendei por sem mil reis, e a vida que tinha no testamento para
filho que se me não tem dado, e nada deichou a meu Irmão Simão da Cunha
porque virão que como eu o sustento o mesmo era deicharlhe a elle alguma Coiza
que a mim, e a minha Irmãa tãobem nada, e este testamento não falava nas comtas

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que eu tinha com meu Tio nem por morte da Condesa universal Erdeira se dizia
que me fiquase nada, mas nem vingados fiquarão os que fiquão prejudiquados por
Cauza de quem teve a Culpa de se prejuizo, porque materias de Restituição em
quem nisso encarregua a Sua Consiencia o paga no outro mundo, e neste ainda,
quando menos o Imagina.
Fui eu dar à Condesa de Pontevel os pezames das morte de meu Tio e
Como me não quis falar da primeira e segunda vez que a busquei não tornei lá. E
meu Irmão Nuno da Cunha lhe falava os mais dos dias e andava nos seus negosios
de noite e de dia.
Procurei eu por via de Dom Manuel de Souza Irmão da Condesa de
Pontevel aquelles papeis tocantes há merce do Titolo que meu Tio me nomeou
que não servião á Condesa de Pontevel e por mais deligencia que D. Manuel fez e
a Senhora Dona Izabel da Silua sua mulher que ainda então corria com ella, não
foi posivel querelos dar por lhe pareser que me fazia dano.
Fez se o meu Cazamento despois disto: e parecendolhe a ella que com os
parentes de minha mulher fiquava com mais poder, quis falar comigo, e o tratou
com meu Irmão, e esperou que eu lhe foçe dar conta de que estava e meu Caza-
mento ajustado (tendo ella ditto sempre a meu Tio que eu não queria Cazar) e
comesou a dizer que tinha boas alcatifas e otras muitas coizas que dava a entender
ma avia de dar (que seria por Restetuição) fui eu dar lhe comta e fez ma ella muita
festa de que fiquei espantado, e fiquamos correndo e eu a vizitava muitas vezes,
neste tempo se lhe dise por algumas senhoras parentas que mandase ella dizer ao
secretario de estado que pedisse a Sua Magestade me defirise ao meu Requeri-
mento do Titolo o que ella não quis fazer e isto foi porque ella tinha dito que tiria
grande pena de que oue/se outro Conde de Pontevel porque lhe Lembrarva seu
Marido, e que este Titolo fora dado a ella para quem Cazase com ella e não a meu
Tio; porque lhe paresia que com isto me fazia dano ao Requerimento e por isso
me não dava os papeis, porem isto inportava poco que ella não me podia fazer mal
nisto porquanto a merce do Titolo que lhe foi feita a ella pelos Cervissos de Dama
que foi com a Raynha a Inglaterra para quem Cazaçe com ella fiquo comprida a
merce em meu Tio, porem a outra uida que se deu a meu Tio para Filho foi muito
despois e foi pelos cervisos de meu Tio, e esa he a que elle me nomeou e pedio no
testamento com que faleçeo a El Rey para mim.
E só em Cazo que ella não tiuese a Idade que tem serão 70 ou 80 annos
e pudese ter Filho, poderia dizer que lhe prejudicava darem me a dicta vida no
Titolo feita para Filho della e ainda asim nam tinha Rezão porque este Filho
tãobem avia de ser de meu Tio.
Comprei eu Tres Alcatifas á Condesa de Pontevel por via de hum Mercador
por ela dizer que não era neseçario dinheiro que bastava que o Mercador se

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obrigase a pagarlhos de que lhe fez escrito, por dous mil cruzados, dizendo ella
sempre a muitas senhoras parentas que mas dava de prezente, compreilhe mais hua
Armação de Raiz de que primeiro que me viese foi o dinheiro e os Criados por
quem correrão estas compras que eu não lhe falei em tal a ella; dizião pelo que lhe
ovião que lhe comprase eu mais algumas couzas por escrito do Mercador como
fora a compra das tres Alcatifas que ella tudo avia de me dar mas eu não quis.
Mandome a Condesa de Pontevel huns panos quando Cazei e a minha
mulher outro prezente que erão humas arrecadas e hum broche e nos deu otras
coizas mais a mim e a minha mulher de menos lote de que eu logo infiri que
dava isto por não dar as Alcatifas que iso era o que mais importava, porem minha
mulher que despois de Cazada a vizitava muitas vezes dizia que ella lhe gavava
muito as tais Alcatifas dizendo lhe que ninguem as avia de tirar de sua Caza e
estrado, e ultimamente dise que mas dera, porem tinha na mão o inscrito de
obrigação do mercador, mas ficamos cudando que quando naçese o primeiro filho
ou filha mandaria o escrito do mercador, e nacendo meu filho Luis a convidei
para Comadre o que não quis aseitar e comvidandoa minha sogra tãobem para o
mesmo não quis, e mandou de prezente a minha mulher duas arquas do charão
e estas arcas me tinha elle prometido antes de eu Cazar e eu cudei que as tinha
vendido nem já me lembravão, e poco tempo despois mandou dizer ao Mercador
que lhe pagase os dous mil cruzados das Alcatifas, de que todos ficarão espanta/dos
athe meu Irmão Nuno da Cunha, só eu me não espantei e tratei logo de buscar
os dous mil cruzados que os não tinha pelos muitos gastos que tinha feito no meu
cazamento e estava fazendo que parese que esperou a Condesa de Pontevel o tempo
de me fazer mais falta e se lhe pagarão os seus dous mil cruzados (ou os meus)
porque com muitos mil cruzados não me paga ella o que me deue com Erdeiro de
meu Tio; e toma por espediente dizer porque lhe não fasem niso o dizer que eu
quero fazer a meu Tio ladrão que asim são todas as suas tretas e falçidades uzadas
comigo e com otros com quem tras sete ou oito demandas mas a senhora Dona
Izabel da Silua a constroe muito bem que lhe queria tomar hum cazal
A frase que uza de dizer que eu quero fazer a meu Tio ladrão he bem tola, e
rredicola [sic], o que senão fora, puderão todos aquelles que pagão dividas de seus
Pais e de otras de quem foraõ Erdeiros dizer aos alredores se lhas pidisem que isso
era fazêlos ladrões, e não lhe pagar, mas se ella não tivera as quitações eu lhe fizera
pagar tudo muito bem pago.
Vendo eu que a Condesa de Ponteuel me pedira o dinheiro das alcatifas que
já lho tinha pago que sempre cudei que me queriria ella ir pagando com aquillo
que dizia que me dava, lhe mandei em/tão o papel Incluzo; a que Respondeo com
outro que aqui tãobem está tão falso e mentiroso como se deixa ver dos duco-
mentos e sertidões autenticas aqui juntas.

427
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

Neste tempo soube eu que o Pai da Condesa de Ponteuel D. João de Souza


não quis aclamar El Rey D. João, e os aclamadores votarão que o matasem por
não descobrir o segredo, D. João da Costa dispois Conde de Soire, seu Parente,
por La Feta, dise que elle o faria goardar segredo, e se obrigou a isso, e asim o
dicto D. João de Sousa se foi para a sua quinta dos Manyoes por não aclamar El
Rey D. João.

Copia do papel que se mandou à Condesa de Ponteuel

Deu o senhor Tristão da Cunha quando se emancipou quitação julgada


por sentença ao senhor Conde de Pontevel seu Tio e Tutor do remaneçente dos
Rendimentos de seus Morgados do que lhe foi julgado para seus alimentos e de
seus Irmãos. Cortezia que diuia com o dicto seu Tio, e por elle asim lho mandar
por Gaspar de Tovar Froes o qual por ordem do dicto Senhor Conde cobrava as
fazendas do dicto Senhor Tristão da Cunha e o dicto Gaspar de Touar leuou a dicta
quitação ao dicto Senhor Conde e athe o prezente se não entregou nada ao dicto
Tristão da Cunha como todos sabem porque como o dicto Senhor Conde dezia
detri/minaua o ajuste e entregua para quando Cazase o ditto Senhor Tristãi da /
Cunha, e o não chegou a fazer porque deos o leuou antes
Porem he sem duvida como todos deporão que nada se entregou ao
dicto Senhor Tristão da Cunha nem ainda a sua prata de serviso feita no Algarve
do dinheiro do Remanescente dos Rendimentos de seus Morgados dos dictos
alimentos o qual dinheiro mandou o dicto Gaspar de Tovar. Nem ainda o liuro
de familias do Senhor Tristão da Cunha que lhe fiquo de seus Pays se lhe tem
entregue, adverte que quando se deu esta quitação era o dicto senhor Tristão da
Cunha menor de vinte e sinco annos.
Despois disto em 10 de Junho de 1677 sendo ainda menor de 25 annos o
dicto senhor Tristão da Cunha, trazendo neste tempo a Senhora Dona Maria de
Lencastro sua irmã demanda com o senhor Conde de Pomtevel seu Tio o qual
sabendo que a dicta Senhora D. Maria deuia 563€ ao dicto senhor Tristão da
Cunha lhe pedio e deu o dicto senhor Tristão quitação e trespaso ao dicto senhor
Conde dos dictos 563€ que lhe divia a dicta Senhora a qual os pagou ao Senhor
Conde e asy lhe pagou tãobem 202€ que ella tãobem devia ao senhor Simão da
Cunha seu Irmão do qual era então Tutor o dicto senhor Conde e como tal cobrou
e deu quitação ha dicta senhora D. Maria de Lencastro de hua e outra divida em
12 de Abril de 1680 – o que se declara como tãobem que se não entregou a dicta
pratta e dinheiro da Beira pelos escritos do dicto senhor Conde
E sendo no anno de 1694 dezobrigandose o dicto Senhor Conde da Toturia
do dicto Senhor Simão da Cunha, demente, e querendo alcansar quitação da sua

428
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»

legitima no Juizo dos Orfãos, a qual importou 1218€ deu varias adições e partidas
em despeza della,e nenhuma lhe foi admitida nem levada em comta, como dos
autos de conta consta no dicto Juiso dos Orfãos.
E que vendo o dicto Senhor Conde mandou dizer ao dicto senhor Tristão
da Cunha como Tutor que já era do dicto senhor Simão da Cunha seu Irmão que
lhe mandase huma quitação da dicta sua legitima dando se por entregue de todas
aquellas partidas que elle tinha dado em depeza della e que logo se lhe entregarião
ao que o dicto senhor Tristão da Cunha e asim se ve do dicto treslado e da dicta
quitação ser huma mesma
Em verdade da dicta quitação que o dicto Senhor Conde ajuntou aos Auttos
da conta, alcancou quitação da dicta legitima do dicto demente o senhor Simão da
Cunha e fiquo o dicto senhor Tristão da Cunha obrigado aos dictos 1218€ da dicta
legitima em sua Caza há uinte annos de que deu quitação em hum Rol que delles
se fes no dito tempo, que foi quando o dicto Senhor Conde mando levar a dicta
Legitima para o depozito e otros alguns já perdidos que Manoel descarsa cobrou
do dicto senhor Conde des/pois de dala a quitação que dizemos em que entrarão
63€ - em dinheiro o que tudo ualeria 400€ com o que falrão 1818€.
Que mal podia cobrar o dicto senhor Tristão da Cunha os 202€ atras dictos
para o dicto senhor Conde no dicto anno de 1694 dava em despeza da dicta ligi-
tima do dicto demente na mão da dicta senhora Dona Maria sua Irmãa que a dicta
senhora no anno de 1680 os pagou ao dicto senhor Conde como atras disemos
e asim otras adições como era o que o dicto senhor Conde dizia se perdera e se
gastara, e asim se devem os juros de vinte annos de que senão senão [sic] deu
quitação: que tamnto esteve a dicta legitima em poder do dicto senhor Conde
menos o que dizemos fiquo em Caza do dicto senhor Tristão da Cunha.
Dispois do dicto Senhor Conde ter a dicta quitação e estar dezobrigados
da dicta legitima se mostra de seus escritos feitos da letra de seus criados e por ele
asinados, mandar dizer ao dicto senhor Tristão da Cunha que mandase cobrar a
dicta legitima que tudo tinha promto para la entregar de que se mostra que deu
a dicta quitação sem Receber e como o dicto senhor Tristão da Cunha sabia que
o dicto senhor Conde seu Tio avia de dispor que elle fosse pago e emtregue de
tudo o que neste papel temos dicto com aquella muita verdade que sempre uzou
não mandou cobrar mais que somente o que Manuel descarsa Reçebeo do dicto
Senhor Conde de que lhe deichou quitação, nem la tornou a mandar por que
tãobem já o dicto Senhor Conde naquelle tempo padesia muitos achaques e estava
sempre na cama, de que se não levantou.
Tãobem se devem ao dicto Senhor Tristão da Cunha os alugueres das Cazas
grandes em que vive de seu Morgado, de tres annos que viveo nellas a senhora
Dona Deminana de Aguiar emquanto o dicto senhor esteue no Algarve e asim os

429
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro

annos em que dispois a dicta senhora viveo no quarto bacho das ditas Cazas the
que deos a leuou, e asim 18 annos de alugueis do dicto quarto coarto bacho em
que a dicta senhora viveo em tempo do senhor Luis da Cunha Pay do dicto Senhor
Tristão da Cunha, o qual tem a parte que lhe toqua como a qual quer de seus
Irmãos nos ditos dezoito annos do tempo de seu Pay.
Esta dicta senhora D. Demiana de Aguiar deu todas as suas fazendas de
Raiz ao dito Senhor Conde e elle as vendeo, e por morte della vejo as Cazas aonde
deos a levou e mandou levar tudo o que lhe fiquo sem deichar coiza alguma, o que
tudo he notorio e sabem todos e que o dicto Senhor Tristão da Cunha fiquo por
pagar dos dictos algueis e não Replicou ao que o dicto Senhor Conde fazia.

430
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ENTRE D. MARIANA RITA
BORGES DO COUTO E O DR. JOAQUIM DE ALMEIDA
NOVAIS, FILHO DE «O LOBÃO»

Luís Miguel Guapo Murta Gomes*

Resumo: o tema deste artigo trata sobre a Escritura de Esponsais celebrada entre os
Senhores D. Mariana Rita Borges do Couto e o Dr. Joaquim de Almeida Novais,
filho de um reputado e respeitado Jurisconsulto que tinha por epíteto: «o Lobão». A
descoberta de duas cópias desta escritura foi encontrada no vasto espólio da Livraria
Chaminé da Mota, no Porto.

Abstract: the following article is about the Bethrothal Scripture between D. Mariana
Rita Borges do Couto and Dr. Joaquim de Almeida Novais, son of a respected and well
reputed Jurist who had the appellation: “o Lobão”. The discover of these two scriptures
took place at Livraria Chaminé da Mota, in Porto.

* Licenciado, pré-Bolonha, em Biologia (Ramo Científico-Tecnológico em Biologia Animal Apli-


cada) pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e Pós-Graduado em Ciên-
cias da Informação e da Documentação (variante de Arquivo), pela Universidade Fernando
Pessoa. Investigador na área da Genealogia e autor. Sócio Agregado do Instituto Português de
Heráldica.

431
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

CAPÍTULO I
Da Escritura de Esponsais

Como o próprio nome alude, uma Escritura de Esponsais é o acto pelo


qual o(a) nubente é contemplado(a) por intercessores para que se realize o seu
casamento. É um dote. Convém referenciar que são comummente terceiros –
como por exemplo a família –, a dotar e beneficiar de uma certa soma e valor para
esses mesmos esponsais e que essa porção, montante e quantia se pode traduzir,
proficuamente, em dinheiro, bens móveis e/ ou imóveis, ou num conjunto desti-
nado e determinado pelas partes envolvidas na doação desses respectivos bens.
Havia garbo, entre pessoas mais abastadas ou que entretanto tinham enri-
quecido, mostrar que podia haver casamento entre «A e B» com consentimento e
plena autorização familiar entre as respectivas partes envolvidas, fazendo-se,
todavia, ressalvas e mais cláusulas necessárias para acautelar os bens concedidos.
Era uma forma de contrato e, outrossim, uma forma de demonstrar à sociedade
de então – e na qual estavam inseridos e se moviam –, que havia importância e
estatuto necessários, ou adquiridos para tal efeito, por parte das duas famílias em
apreço, para tal fim.
Lavrada essa mesma promessa de esponsais perante um Tabelião – como
é o caso do nosso estudo –, requeria os trâmites legais da época: a presença de
testemunhas probas, a comparência das pessoas que vão realizar a doação – ou os
seus bastantes procuradores – e a assistência, por vezes, dos nubentes (ou a sua
representação nos seus bastantes procuradores).
Contudo, muitas vezes, as juras de esponsais eram, idem, de palavra. Uma
forma de juramento e compromisso verbal, atestada por terceiros presentes ao
acto, e que valia como honra necessária e aquiescência para que tal casamento
pudesse ocorrer. E a palavra era honra. Casos houve em que as Escrituras de
Esponsais eram realizadas na presença de um Padre.
Os esponsais são a promessa de um futuro matrimónio, que deve ser
«voluntária e deliberada, mutuamente aceite, manifestada por sinais externos e final-
mente contraída por pessoas hábeis para o matrimónio» 1. Ora, se é reciprocamente
aceite pelas partes envolvidas, significa que não há coação, ou constrangimento,
e que os futuros contratados para casar aceitam de livre e espontânea vontade tal
situação; os nubentes tinham que ter a idade mínima de 7 (sete) anos de idade –

1
PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, “Os esponsais – forma e significado no contexto da
sociedade portuguesa de setecentos”, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II
série, vol. 5 (1988), p. 190.

432
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...

para ambos os sexos –, discernimento e uso da razão e nenhum impedimento para


a realização do matrimónio.
A diferença entre esponsais e matrimónio resume-se no seguinte: «da
promessa dos primeiros nasce apenas obrigação enquanto o segundo gera
união. Daí a característica de dissolubilidade de um, e de indissolubilidade
de outro» 2. Há três características fundamentais para serem os esponsais conside-
rados verdadeiros e que são 3:

− «a obrigação de casar com quem se está prometido»;


− «o impedimento de publica honestidade, ou seja, cada esposo ficar
impedido de contrair casamento com os parentes do outro»;
− «o impedimento simplesmente impediente, ou seja, nenhum dos esposos
poder contrair matrimónio com outro indivíduo, sem antes ocorrer a
referida dissolução legítima dos esponsais».

O estudo concreto deste dote e benefício, reporta-se às Escrituras de


Esponsais celebradas entre a Senhora D. Mariana Rita Borges do Couto – que,
na documentação, surge sempre como: D. Mariana Rita Borges do Sobral – e o
Senhor Dr. Joaquim de Almeida Novais, exarada no dia 18 de Junho de 1810.

Figura 1
2
Idem, op. cit., p. 191.
3
Ibid., op. cit., p. 192.

433
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

A descoberta destas duas escrituras foi feita no valioso e precioso espólio


da muito conceituada, reputada e outrossim afamada Livraria Chaminé da
Mota – um espaço nobre, refinado, cavalheiresco e respeitoso e com autênticas
preciosidades –, sita na renovada e embelezada Rua das Flores, na Cidade Invicta;
parecem-nos ser estes papéis, cópias feitas, uma para cada um dos nubentes, ou
família destes, visto não conterem assinaturas das testemunhas e mais pessoas,
para além do sinal público do Tabelião e a sua respectiva assinatura. Uma delas
tem no verso do último fólio a seguinte anotação: «Escriptura do meu Casam.to
em 18. de Junho de 1810. (rúbrica)» – vide Figura 1 – pelo que cremos que esta
cópia terá ficado para o Dr. Joaquim de Almeida Novais, nubente.
As duas escrituras 4 são redigidas e assinadas pelo mesmo Tabelião, Bernardo
José Delgado – que faz o seu sinal público –, sendo que uma delas tem seis fólios
escritos e a outra tem oito fólios: seis escritos e dois em branco. Ambas estão
cosidas com um cordel branco – um pouco amarelecido pelo passar do tempo – e
são idênticas no que respeita ao conteúdo, havendo, contudo, umas pequenas
omissões de certas palavras, mas cujo texto e contexto revela o mesmo propósito
e intenção.
Nelas consta o seguinte, logo no cabeçalho do primeiro fólio: «Escip.ta de
Esponsais que contrahem o Dr. Joaq.m d’ Almd.a Novaes da freg.ª de Lobam
e D. Mariana Rita Borges do Sobral do lug.r de Nellas e Dotes que lhe fazem
seus respectivos Paes, Irmam do Esposo, e Thio da Esposa na forma abaixo
declarada», seguindo-se o texto introdutório e típico de um acto solene como
este, que é repetido diversas vezes, tantas quantas o número de pessoas interve-
nientes no dote, iniciando-se da forma subsequente:

«Em nome de Deos amen. Saibam quantos este publico instrumento de


Escriptura de Esponssaes e dote ou como em Direito para sua validade melhor
lugar haja virem que Sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus
Christo de mil oito centos e dez aos dezoito dias do mes de Junho neste lugar
de Santar Concelho de Senhorim e cazas da Rezidencia do Reverendissimo
Doutor Joaquim Joze de Oliveira Reis Abbade deste lugar aonde eu Tabeliam
vim a rogo de partes. Ahi na minha prezença e das testemunhas abaixo asig-

4
As escrituras fazem parte da documentação, não inventariada e não catalogada, que constitui
uma vasta porção do extenso acervo documental da Livraria Chaminé da Mota. Desta forma, nas
transcrições documentais constantes neste artigo, não são mencionados os fólios, uma vez que os
referidos traslados foram retirados de ambas as escrituras de esponsais, independentemente, mas
com a repectiva confirmação e confrontação dos textos – e entre os textos – originais exarados,
de forma relevante e com valimento, merecendo atenção a concordância do propósito das duas
cópias redigidas.

434
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...

nadas, apareceram prezentes em proprias pessoas o dito Doutor Joaquim Joze


de Oliveira Reis como Procurador de Dona Mariana Ritta Borges do Sobral i
de seu Pai Antonio do Coito e tambem como Procurador do Doutor Manuel
de Almeida e Souza da freguezia de Lobam e do Reverendissimo Abbade de
Figueiró da Granja Antonio Joaquim de Almeida Novaes pellas Procuraçoens
adiante Copiadas, e bem assim o Doutor Joaquim de Almeida Novaes de
Lobam e o Reverendissimo Manoel Borges congregado do lugar de Nellas deste
concelho meus conhecidos e das mesmas testemunhas de que dou fe, pellas quaes
me foi apresentado o bilhete de Distribuiçam do theor seguinte».

Há umas observações que devem ser relatadas, para que melhor se


compreenda esta escritura de esponsais e dote.

− Relativamente ao noivo, Dr. Joaquim de Almeida Novais, foram seus


doadores: Manuel de Almeida e Sousa, «o Lobão», seu pai e o Rev.mo
P.e António Joaquim de Almeida Novais, seu irmão. Constituíram
como seu bastante procurador ao Abade de Santar, o Rev.mo P.e Dr.
Joaquim José de Oliveira Reis;
− No que toca à noiva, D. Mariana Rita Borges do Couto, foram seus
contempladores no dote: António do Couto 5, seu pai e o Rev.mo P.e
Manuel Borges, seu tio. Foi nomeado como bastante procurador –
por parte do pai da nubente –, o Rev.mo P.e Dr. Joaquim José de Oliveira
Reis, Abade de Santar, supra, sendo que o tio compareceu na data da
Escritura de Esponsais;
− O bastante procurador de ambas as famílias é o mesmo: o Abade de
Santar, o Rev.mo P.e Dr. Joaquim José de Oliveira Reis;
− Testemunhas presentes no acto da escritura: Rev.mo P.e Manuel
Marques Rebelo e João Arsénio Homem Freire.

***

A) Dados concernentes ao noivo – Dr. Joaquim de Almeida Novais.

Em 28 de Maio de 1810, o Rev.mo P.e António Joaquim de Almeida


Novais, Abade em Figueiró da Granja, refere o subsequente:

5
Sempre referido como António do Coito, ao longo das Escrituras de Esponsais.

435
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

Primeiro: «poder dotar a meu irmão, o Bacharel Joaquim de Almeida Novais,


para qualquer matrimónio que haja de contrair, não só os bens do meu patri-
mónio, que por uma racionável avaliação valem dois mil cruzados, mas
qualquer outro suplemento de legítima que por morte de meu pai, me possa
pertencer»;
Segundo: com aprovação e assentimento explícito de seu pai, renuncia
«em favor do dito meu irmão e, outrossim, lhe poderá dotar a parte que me
pertence [e] já herdada de meu tio, o Reverendo Reitor de Caparrosa, trans-
ferindo ao dotado, todo o domínio, direito e acção presente e futuro que me
pertence ou pode pertencer no património, suplemento de legítima, e herança
do tio, já deferida, reservando tão-somente para mim o usufruto enquanto
[for] vivo, no único caso de que por alguma casualidade vier a ficar privado do
meu benefício, enquanto essa casualidade não suceder, desfrutará o dito meu
irmão tudo o referido que me pertence e pode pertencer».

No dia 17 de Junho de 1810, o Dr. Manuel de Almeida e Sousa, «o


Lobão», através do seu procurador, dispõe o seguinte e explana que:

Primeiro: dá o seu total consentimento para o casamento de seu filho,


com a Senhora D. Mariana Rita Borges do Sobral;
Segundo: presta anuência «ao dote que [o] meu outro filho, Abade de
Figueiró [da Granja], faz ao dito seu irmão, tanto do seu património e parte
que herdou do tio, Vigário de Caparrosa, quanto do suplemento de legítima,
na forma da procuração do mesmo Abade, que vi e aprovo»;
Terceiro: dá aprovação para «dotar ao esposo, meu filho, o terço de todos os
meus bens, que por minha morte se acharem, com a livre reserva do usufruto
e cento e cinquenta mil réis […] com [a] condição, porém, que não havendo
filhos do dito matrimónio, ou havendo-os e sobrevivendo mas, morrendo eles,
em qualquer tempo sem descendentes, reverterá todo o meu terço, nesse caso, a
minhas filhas, ou delas ou aquelas, que nesse tempo forem vivas e tudo o que
assim obrar o meu procurador, haverei por firme e válido sob a obrigação de
minha pessoa e bens».

B) Dados respeitantes à noiva – D. Mariana Rita Borges do Sobral.

No dia 18 de Junho de 1810, António do Couto, indica o seguinte:

Primeiro e único: outorga a plena autorização e beneplácito para o casa-


mento de sua filha, com o Dr. Joaquim de Almeida Novais, e «não só auto-

436
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...

rizar a sua filha para os esponsais que solenemente e por escritura contrair com
o dito esposo, prestando no mesmo acto [e] em nome dele, constituinte, o seu
expresso consentimento mas também o autoriza para por si, ou seu [bastante]
procurador, contratar os pactos nupciais que lhe parecerem, no caso de haver,
ou não haver, filhos do futuro matrimónio, para o que poderá dotar em seu
nome, o terço de todos os seus bens que por sua morte se acharem, com a reserva
do usufruto em sua vida e duzentos mil réis»;

No mesmo dia a Senhora D. Mariana Rita Borges do Couto menciona


que, para «contrahir solemnes Esponssaes de Matrimonio»:

Primeiro: está de acordo com o autorizado por seu pai e está a favor do
matrimónio e, por isso, «as mútuas e recíprocas promessas que lhe faça o seu
futuro esposo e também para se dotar com seus bens e com quantos lhe derem os
herdar de futuro, para este matrimónio e aceitar quaisquer doações que lhe
façam e contratar com seu futuro esposo»;

Figura 2
Segundo: «que havendo filhos deste Matrimonio que sobrevivam ficará
contrahido conforme o costume do Reino e nam os havendo que sobrevivam
ficará contrahido conforme o Direito comum sem comonicaçam de bens mas
só dos adquiridos constante o Matrimonio e que neste cazo na morte d’ um se
levantará o que sobreviver com os bens da sua parte e a metade dos adquiridos
e os bens do falescido primeiro passaram a seus respectivos consanguineos com a

437
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

outra metade dos adquiridos salvo sempre no cazo de nam haver filhos a liber-
dade de dispor dos seus bens a favor de quem quizer com a condiçam porem de
que nam se effectuando este Matrimonio no prazo de tres mezes da data desta
ficarem estes Esponssaes de nenhum effeito».

O tio da noiva, o Rev.mo P.e Manuel Borges, na mesma data, dota a


sobrinha com a quantia de cem mil réis.

***

A tudo concorda o noivo e aceita, «declarando elle Esposo ser filho do Doutor
Manoel de Almeida e Souza e sua molher Donna Maria Josefa Henriques do Loureiro
nascido Baptizado e creado na freguezia de Lobam» e a noiva dá a sua aprovação,
outrossim, para que se efective o casamento, que ocorreu a 18 de Junho de 1810.

*
* *

CAPÍTULO II
Resenha Genealógica

§. 1º

I- MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, «o Lobão», nat. de Vouzela, distrito de


Viseu, foi bapt. 9 de Abril de 1744 e m. 28 de Dezembro de 1817, no lugar de
Alcouce. Era f.º de Manuel Rodrigues 6, o qual era Boticário, e de Catarina da
Conceição de Almeida Novais 7, de Vouzela e casados na dita vila no dia 17 de
Novembro de 1735. Neto pat. de Manuel Rodrigues e de Isabel Fernandes, de
Trevões, concelho de S. João da Pesqueira, e neto mat. de Manuel de Almeida
e Sousa Novais, de São Pedro do Sul, e de Maria da Conceição 8.
Matriculou-se na Universidade de Coimbra; em Instituta a 7 de Novembro
de 1755 e em Cânones, a 26 de Maio de 1756, tendo estudado em Coimbra
durante seis anos e formando-se, com Carta de Curso, no dia 26 de Maio
de 1762. Retornou a Vouzela, onde manteve grave atenção e interesse pelo

6
Baptizado que foi, em Vouzela, no dia 18 de Setembro de 1691.
7
Baptizada que foi, em Vouzela, no dia 14 de Novembro de 1700.
8
Casados, no dia 17 de Abril de 1690, em Vouzela.

438
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...

estudo da advocacia, ao ponto de o Dr. Estanislau Lopes, Jurista de notorie-


dade e renome, ter reconhecido no jovem Manuel de Almeida e Sousa – que
começou por usar o nome: Manuel Rodrigues de Almeida 9 –, um homem
com aptidões jurídicas aptas e competentes para exercer. Chegou a trabalhar
e colaborar com o referido Jurista, atrás citado, e «…passou a ser conhecido
para além dos limites da freguesia e do concelho onde trabalhava e a contratarem
para a defesa das suas causas, quer para obterem os seus pareceres escritos…» 10, o
que lhe granjeou reputação e nomeada, ao ponto de em 1787, numa querela
entre o Bispo-Conde de Coimbra, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira
Coutinho 11, e os Cónegos Regrantes do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
ter sido solicitado por estes últimos para os defender e representar. Embora
se tenha empenhado na causa, acabou por cessar a sua actividade em 1789.
Foi autor de inúmeros Tratados, Dissertações e outros trabalhos ao longo de
toda a sua vida, tendo começado pelo Tratado Prático de Morgados 12. Era de
«estatura mediana, magro, bem constituído. O rosto, tirando para o comprido e
o nariz para o aquilino. Os olhos muito vivos […] A sua imaginação era viva,
muito pronta em conceber e produzir as suas ideias. […] Os seus costumes foram
puros: bom cristão, bom marido e bom pai de família. A sua piedade era manifesta
e a sua memória era prodigiosa» 13. Foi proprietário.
Casou, no dia 9 de Junho de 1766, em Alcouce, Lobão, com D. MARIA
JOSEFA HENRIQUES DO LOUREIRO, bapt. 24 de Junho de 1736 e m.
11 de Abril de 1814, em Alcouce (freg.ª de Lobão), f.ª do Dr. Manuel Henri-
ques, de Lobão, formado por Coimbra, e de Paula do Loureiro. Neta pat. de
Manuel Henriques e de Domingas Rodrigues – os quais eram proprietários
em Lobão – e neta mat. do Rev.mo P.e Domingos Fernandes Homem e de
Maria do Loureiro, mulher solteira.
Filhos, todos da freg.ª de Lobão:
II- D. ANA TERESA DE ALMEIDA, bapt. 20 de Outubro de 1767 e m.
solteira no dia 28 de Janeiro de 1832.

9
Nome que consta no Registo de Casamento do mesmo, com D. Maria Josefa Henriques do
Loureiro. CHAVES, Albano, “Descendência do Jurisconsulto Manuel d’ Almeida e Souza [o
Lobão]”, Beira Alta, vol. LXIII, fasc. 1 e 2, 1º e 2º trimestre (2004), p. 74.
10
CHAVES, Albano, op. cit., p. 74.
11
Que foi o 52º Bispo de Coimbra e 17º Conde de Arganil.
12
Idem, p. 75; CORREIA, Arlindo, “Manuel de Almeida e Sousa, de Lobão: e outros Jurisconsultos
de antes do Código Civil (1744 – 1817)”. Disponível em http://arlindo-correia.com/020806.
html.
13
CHAVES, Albano, op. cit., p. 79.

439
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

II- D. MARIA ANTÓNIA DE ALMEIDA, bapt. 3 de Setembro de 1768 e


m. solteira no dia 24 de Janeiro de 1854.
II- D. JOSEFA BERNARDA DE ALMEIDA, bapt. 27 de Setembro de 1769
e m. solteira no dia 30 de Agosto de 1859.
II- D. ROSA PAULA DE ALMEIDA, bapt. 24 de Março de 1772 e m.
solteira no dia 14 de Julho de 1865.
II- FRANCISCO DE ALMEIDA NOVAIS, bapt. 15 de Março de 1773.
II- D. RITA RICARDINA DE ALMEIDA NOVAIS, bapt. 17 de Dezembro
de 1774.
II- Rev.mo P.e ANTÓNIO JOAQUIM DE ALMEIDA NOVAIS, foi bapt.
23 de Abril de 1776 e m. 1863 em Figueiró da Granja (Fornos de Algo-
dres). Frequentou a Universidade de Coimbra, entre 1793 a 1798. Cursou
o primeiro ano jurídico e formou-se como Bacharel em Cânones, com
Carta de 17 de Julho de 1798. Clérigo do Hábito de São Pedro, Abade e
Arcipreste de Figueiró da Granja, em Fornos de Algodres e Examinador
Sinodal e nobre e elevado pregador. Doador de seu irmão, Dr. Joaquim
de Almeida Novais, para a Escritura de Esponsais e Dote deste, com D.
Mariana Rita Borges do Couto.
II- Dr. JOAQUIM DE ALMEIDA NOVAIS, que segue:

II- Dr. JOAQUIM DE ALMEIDA NOVAIS, proprietário, foi bapt. 11 de Feve-


reiro de 1778 e m. 13 de Agosto de 1854, em Nelas.
Estudou na Universidade de Coimbra em Leis, tendo-se matriculado em
30 de Outubro de 1793 e formado em 12 de Junho de 1798. Foi colocado
como Juiz de Fora no Torrão (Alentejo) entre 1803 a 1807. Seguidamente,
em Nelas, praticou advocacia e concluiu algumas obras de seu pai e elaborou
o Índice Geral dos respectivos trabalhos. Escreveu o seguinte livro 14: Livro de
Sentenças. Em 1826 foi escolhido como Deputado às Cortes e tornou-se Juiz
de Direito no Porto – Bairro de Santa Catarina – por despacho de 7 de Agosto
de 1835; transferido para a Comarca de Viseu em 1839, voltou à Cidade
Invicta no ano de 1841, para a Primeira Vara do Porto e, na mesma urbe e
a 9 de Novembro de 1848, foi indicado como Juiz de Direito Criminal. Em
1849 e a 28 de Julho, foi transferido para Lisboa (Segunda Vara) e nomeado e
indicado como Juiz da Relação do Porto em 13 de Outubro de 1851.
Casou em Nelas, distrito de Viseu, no dia 18 de Junho de 1810 – e para tal
efeito se fizeram «solemnes Esponssaes de Matrimonio» –, sendo doadores seu
pai e irmão, o P.e António Joaquim de Almeida Novais, com a rica proprietária

14
Idem, p. 82.

440
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...

de uma importante casa nessa mesma vila, D. MARIANA RITA BORGES


DO COUTO, nat. de Nelas onde n. 1793 e m. 25 de Dezembro de 1881,
f.ª de António do Couto e de D. Ana Rita Borges, a qual foi contemplada no
dote por seu pai e tio – que atendendo ao nome, nos parece ser tio materno –
o P.e Manuel Borges, de Nelas.
Filhos, todos de Nelas:
III- Dr. ANTÓNIO DE ALMEIDA E SOUSA NOVAIS, c.g., s.m.n.
III- D. MARIA ADELAIDE DE SOUSA NOVAIS, s.g., s.m.n.
III- D. ROSA EDUARDA DE ALMEIDA NOVAIS, s.g., s.m.n.

Quadro Genealógico I – Árvore genealógica, simplificada e abreviada, de D. Mariana Rita Borges


do Couto e do Dr. Joaquim de Almeida Novais.

Paula do
Loureiro
Catarina da Manuel
Conceição Henriques
de Almeida Jurista
Novais
bapt.
14.11.1700
Manuel
Rodrigues
bapt.
18.09.1691
Boticário
♥ D. Maria Josefa
17.11.1735 Henriques do
Loureiro
bapt. 24.06.1736 -
m. 11.04.1814
D. Ana Rita
Borges
Manuel de Almeida e António
Sousa «o Lobão» do Couto
bapt. 09.04.1744 -
m. 28.12.1817
Jurista

09.06.1766

JOAQUIM DE ♥
18.06.1810 D. MARIANA RITA
ALMEIDA NOVAIS
bapt. 09.04.1744 - BORGES DO COUTO
m. 28.12.1817 n. 1793 - m. 25.12.1881
Jurista

*
* *

441
Luís miGueL GuApo murTA Gomes

Bibliografia

CHAVES, Albano, “Descendência do Jurisconsulto Manuel d’ Almeida e Souza


[o Lobão]”, Beira Alta, vol. LXIII, fasc. 1 e 2, 1º e 2º trimestre (2004), pp. 69-111.

PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, “Os esponsais – forma e significado no


contexto da sociedade portuguesa de setecentos”, Revista da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, II série, vol. 5 (1988), pp. 189-210.

Fontes manuscritas

Escritura de Esponsais entre D. Mariana Rita Borges do Couto e o Dr. Joaquim de


Almeida Novais, 18 de Junho de 1810, Livraria Chaminé da Mota, Porto, acervo
documental não inventariado.

Documentos electrónicos:

CORREIA, Arlindo, Manuel de Almeida e Sousa, de Lobão: e outros Jurisconsultos


de antes do Código Civil (1744 – 1817) [Em linha], [Consult. 12. Set. 2016],
Disponível em http://arlindo-correia.com/020806.html.

Agradecimentos

À Livraria Chaminé da Mota, agradecemos toda a amabilidade e cortesia na


consulta do seu valioso e riquíssimo espólio que nos permitiu a feitura deste
artigo.

442
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE
PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Miguel Gorjão-Henriques da Cunha*

Resumo: o presente texto apresenta a linhagem varonil da Família Coutinho Bravo


da Fonseca Gorjão, que se fixou na Madeira no final da primeira metade do século
XIX, dando conta das suas principais ligações a partir do século XVII e até ao século
XX. Trata-se de uma família de Fidalgos do Livro, com foro de nobreza hereditária
desde 1745 e varonia legítima até à actualidade, mas que não está tratada nos livros
de pendor nobiliárquico que se publicaram em Portugal no século XX, mormente no
Livro de Oiro da Nobreza ou no mais abrangente Anuário da Nobreza Portuguesa.

Abstract: the text presents the lineage of the Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão
Family, one branch of it established in Madeira Island in the end of the first half of
the XIX century, giving notice of the main genealogical connections from the XVII up
to the XX centuries. It is a family of Fidalgos do Livro, with hereditary nobility since
at least 1745 and with a strict legitimate male line up to the XXI century, although

* Sócio Correspondente do Instituto Português de Heráldica (IPH). Cavaleiro de Honra e


Devoção da Ordem de São João de Jerusalém, dita de Malta. Advogado Especialista em Direito
Europeu e da Concorrência e antigo assistente da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (1992-2013). Agradeço a valiosa ajuda do Dr. Bruno Gorjão, juiz de Direito, que
segue nas letras os caminhos de seus antepassados, e recordar o meu encontro no Funchal, em
1997, com o Prof. António Coutinho Gorjão, a quem também agradeço e dedico este trabalho.
Agradeço ainda os comentários críticos e a ajuda na revisão da Rita van Zeller. Para qualquer
contacto, correcção ou sugestão: mgorjaoh@gmail.com. O autor escreve de acordo com a legis-
lação internacional em vigor.

443
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

not identified nor developed in the nobiliarchical type Portuguese literature of the XX
century, such as the well known Livro de Oiro da Nobreza or the more comprehensive
Anuário da Nobreza Portuguesa.

A história social de um País era, até há cerca de 200 anos, essencialmente


a história da organização política do Estado, das suas famílias e da Nação que
à volta de desígnios colectivos se mobilizava, onde se cruzavam perspectivas de
grupo ou individuais. O serviço ao Rei e em cargos públicos, designadamente na
administração pública, aos seus mais variados níveis e, inclusivamente, em cargos
de menor exposição, constituía um elemento bastante significativo dessa dinâ-
mica social inter-geracional. Na verdade, podem seguir-se Famílias e gerações,
durante longos períodos, mormente na dinastia brigantina, através da “sucessiva
sucessão” dos seus filhos maiores nos postos e ofícios de seus Pais e avós. O caso
que aqui trago é mais um deste tipo. Já nestes estudos também se revela (embora
mereça um estudo dogmático próprio) a questão da função quase ou mesmo
de segurança social que este fenómeno da sucessão hereditária em ofícios de
nomeação régia (só porque só destes aqui se cura, neste caso concreto) implicava,
em que se garantia às sucessivas gerações das famílias e, de modo muito particular
às viúvas, a continuidade de um rendimento familiar que era o do paterfamilias,
através da sucessão hereditária que os filhos e ou netos tinham nos ofícios que
eram de seus antepassados.
O presente texto limita-se a acompanhar uma Família ou linhagem 1 que
teve um ramo radicado desde o século XIX na ilha da Madeira e ainda hoje subsis-
tente, mas que não tem sido tratada em nobiliários ou genealogias, de forma
ocasional ou sistemática. Num momento em que, tal como sucedia no passado 2,
muitas Famílias se travestem como nobres, apresenta-se aqui uma linhagem –
isto é, uma descendência por estrita linha varonil – que tem as suas origens na

1
Sobre o conceito de linhagem escrevi em Cunha, Miguel Gorjão-Henriques da, «Bibliografia
– Fidalgos e Fazendeiros: aspectos genealógicos de famílias populares do Cadaval, em recensão
a “Memorial das Famílias do Cadaval”», in Armas & Troféus, Lisboa: I.P.H., IX Série, 2014
(2015), pp. 451-508, em especial pp. 454 e 484, nota 62; para mais referências, Monteiro,
Nuno Gonçalo, «Casa e Linhagem: o Vocabulário Aristocrático em Portugal nos séculos XVII e
XVIII», in Penélope: revista de história e ciências sociais, n.o 12 (1993), pp. 43-63.
2
Tem palavras largas sobre as genealogias setecentistas o Prof. João de Figueiroa-Rego, que nos
diz que muitas das genealogias «em circulação» não eram «fiáveis ou isentas de defeitos, muitos dos
quais bem pouco inocentes»; dizendo que, ainda assim, D. Flamínio dava credibilidade a alguns,
ao referir a circunstância de se verificar «a inclusão nos seus códices de certidões rubricadas por
Caetano de Sousa, Monterroio Mascarenhas e Diogo Rangel de Macedo» (Figueiroa-Rego, João,
Reflexos de um Poder discreto: Discurso Académico, Saberes e práticas sociais em Portugal Setecentista
a propósito dos Códices de Dom Flaminio, dissertação De Mestrado, CHAM, 2008, pp. 66-67).

444
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

nobreza do Reino e nos livros dos fidalgos da Casa desde, pelo menos, a primeira
metade do século XVIII. O tema da nobreza é complexo, com variantes signifi-
cativas consoante as épocas históricas e, claro, as geografias políticas, como dão
conta os mais diversos Autores, mas sigo aqui a perspectiva das Ordenações, depois
tratadas, entre muitos outros, por Severim de Faria 3 ou pelo extraordinário portu-
guês que foi o famoso doutor João Pinto Ribeiro (c. 1590-1649), um letrado aliás
não fidalgo, na sua carta a Fr. Frei Francisco Brandão Sobre os títulos da nobreza de
Portugal & seus Privilégios, republicada em 1730 4, justamente na época da nobili-
tação hereditária destes Coutinho de Carvalho nos livros dos Fidalgos do Reino.
E família que aparece também com ascendentes ligados a outras fontes que, não
nobilitando a linhagem, conferiam importantes privilégios (mormente jurídicos,
fiscais, sociais ou pessoais), como o poderoso Santo Ofício, através do estatuto de
Familiar, ou a Ordem de Cristo 5.
Procuro dar uma perspectiva da origem desta linhagem, tão longe quanto
foi possível, entroncando-a não apenas numa varonia legítima com serviços à
cúria régia desde há mais de 350 anos e com foro de nobreza hereditária com
mais de 270 anos; mas também com ligações, ainda que com quebras de varonia,
ao tronco inicial português da família Roquete (e num ramo com serviços desta-
cados) e também, creio, aos Gorjões de que eu próprio descendo.
Foi pelo facto de partilharmos um apelido (parcialmente) igual, razoavel-
mente bizarro e com uma assinalável resiliência à perda de varonia, como adiante

3
Faria, Manuel Severim de, Discursos varios políticos, Chantre, & Conego na Santa Sê de Euora.
- Em Evora : impressos por Manoel Carvalho, impressor da Universidade, 1624. - [6], 185 f.,
[3] grav. : il. ; 4.º (20 cm), III, p. 83: «Há neste Reino cinco graus de Nobreza, segundo a Ord. L. 5,
t. 139, o primeiro são os Vassalos, que têm cavalos; o segundo, os Escudeiros; o terceiro, os Cavaleiros;
o quarto, os Fidalgos de Cota de armas e de geração, que têm insígnias de Nobreza; o quinto é dos
Fidalgos, que têm assentamentos e foro na Casa de El-Rei. Entre estes também há diferença, porque
as leis do Reino fazem menção de três géneros de solares, que são solar conhecido, solar com jurisdição
e solar grande» (grafia e pontuação actualizados, etc.).
4
Obras varias, Compostas pelo Doutor João Pinto Ribeiro…, Coimbra, oficina de Joseph Antunes
da Silva, MDCCXXX, pp. 221 e seguintes (embora com impressão defeituosa, como 121 e
seguintes).
5
Como ensinam Inês Versos e Fernanda Olival, a Ordem de Cristo remunerava essencialmente,
pelo menos desde a bula de 18 de Agosto de 1570, os «serviços feitos à realeza», ainda que
visando «recriar um ideal tipo de pessoa distinta e nobre em sentido amplo», com base no
cumprimento-regra de «três requisitos de ingresso concomitantes: serviços, limpeza de sangue e
limpeza de ofícios» - Versos, Inês/Olival, Fernanda, «Modelos de Nobreza: A Ordem de Malta
e as três Ordens Militares portuguesas. Uma perspectiva comparada (séc. XVII-XVIII»), in
Nobleza Hispana, Nobleza Cristiana: la Orden de San Juan, coord. De Manuel Rivero, Polifemo,
2009, pp. 1126-1155, em especial pp. 1131 e 1139 (acessível em https://dspace.uevora.pt/rdpc/
handle/10174/2574).

445
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

também se verá, que me interessei por estas gentes. O texto constitui, assim, um
pequeno excerto de um trabalho de maior fôlego sobre este apelido, em Portugal,
que envolve um número
reduzido de Famílias,
algumas ligadas e outras
nada tendo a ver com os
meus Gorjão Henriques.
Neste caso, tive o gosto de
conhecer o Prof. António
Coutinho Gorjão, que
poderá bem ser o actual
chefe genealógico desta
Família, por ocasião de um
colóquio no Funchal em
que fui imerecidamente
colocado como palestrante,
aquando de uma ida minha
aí para leccionar matérias
de direito comunitário
numa pós-graduação sobre
estudos europeus em
parceria entre Faculdade de
Direito da Universidade de
Coimbra, onde me licenciei
Série Genealógica da Família dos Snrs. Gorjões e ensinei durante mais de
vinte anos, e uma insti-
tuição madeirense presidida até à sua morte pelo ilustríssimo Dr. José Maria da
Silva 6. Nessas viagens, e por força da ida a livrarias e pequenos alfarrabistas na
belíssima cidade antiga do Funchal, fui também apresentado aos registos escritos
sobre os Coutinho Gorjão madeirenses através dos trabalhos, de que já tinha
breve memória, mas são notáveis, de Luís Peter Clode 7.
E como se ligam? Cruzando o cartório familiar com as fontes primárias e
um notável trabalho feito em 1846, após o casamento dos meus trisavós Francisco
Rafael e Maria Ana Isabel (Bahia), pelo Pd. Rodrigues de Faria, bibliotecário de
6
O Cine-fórum do Funchal (http://aprenderamadeira.net/cine-forum-do-funchal/, acedido a 30
de Novembro de 2016).
7
Em diversos trabalhos, por exemplo em Registo genealógico das Famílias que passaram à Madeira,
Funchal, ed. Tip. Comercial, 1952; ou Registo bio-bibliográfico de madeirenses: sécs. XIX e XX,
Caixa Económica do Funchal, 1983.

446
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

seu primo co-irmão o 5.° Marquês de Pombal (A Série Genealógica da Família dos
Srs. Gorjões 8), é hoje possível afirmar a existência de uma relação genealógica entre
estes diferentes Gorjões 9, embora o seu esclarecimento final implique investi-
gação adicional que não pude fazer em tempo. É que, quanto ao período anterior
aos registos paroquiais existentes, não pude escolher, entre as diversas hipóteses
expressas pelo Pd. Rodrigues de Faria, uma que esclarecesse de forma definitiva
ou plausível as diversas dúvidas e hipóteses genealógicas (contraditórias entre si)
que resultam da documentação que compulsou e dos testemunhos que ouviu
sobre estes tempos. E que expõe com uma franqueza tal que se tem de caracte-
rizar o seu trabalho como sendo de um rigor anómalo face ao usual nos estudos
genealógicos portugueses da época, do ponto de vista substantivo. Mesmo hoje,
a metodologia que Rodrigues de Faria advoga – facilitada pela democratização e
universalização do acesso às fontes primárias potenciado pela era digital – seria
um bom exemplo para os estudos genealógicos que por aí se vêem:

«Mas como será boa e bem feita uma Série Genealógica? Deve ser bem deduzida, bem
ordenada e verdadeira. Quais são as fontes que se devem consultar para a formar com
estas qualidades? Toda a boa Genealogia deve constar de três partes: 1.ª parte Genea-

8
Manuscrito que tem como base um nobiliário da colecção pombalina, como o Pd. Rodrigues de
Faria escreve nas palavras iniciais (ortografia actualizada): «Entre os muitos e preciosos manuscritos
que existem nos Armários da Livraria do Il.mo e Ex.mo Marquês de Pombal no seu Palácio da vila
de Oeiras, sendo em grande parte livros genealógicos, se acham no Armário n.º 6 no Gabinete de
História, cinco volumes in folio de Genealogia em hum dos quais, que contém os nomes das letras
= G-L = dos volumes atribuídos a José Freire Monterroyo Mascarenhas, se lê o seguinte – Título e
Família de – Gorjão -, sua antiguidade, etimologia de seu apelido, seu estabelecimento no Reino de
Portugal, suas Armas e Genealogia continuada até ao presente, pelos dois Genealógicos José Freire
Monterroyo Mascarenhas e o Padre Pregador Geral de Santo Agostinho Fr. António Roussado». Mais
fiel ao espírito da época, explica ainda a importância das investigações genealógicas: «Todas
as Famílias distintas deviam ter o maior cuidado e desvelo em ter boas séries genealógicas dos seus
Ascendentes, não por vaidade, mas por interesse e glória das suas Casas, e para utilidade pública. Uma
série genealógica bem feita dissipa muitas vezes as dúvidas, que podem ocorrer sobre os bens legados
e morgados duma Casa, eis aqui o interesse das Famílias; é a História das acções heróicas e gloriosas
dos Ascendentes, eis aqui a glória das Famílias; é a fonte da História de uma Nação, eis aqui a
utilidade pública. Ninguém deve querer que a série da sua ascendência seja livre e purgada de alguns
ascendentes, que por qualquer princípio tenham sido maus, porque o Genealogo e o Historiador não
devem faltar à verdade por lisonja ou parcialidade; e é uma regra geral que não há geração sem Santo
e Ladrão, e tanta culpa temos nós nos erros que cometeram alguns dos nossos ascendentes; como todo o
género humano teve no pecado de Adão e Eva. Mas como será boa e bem feita uma Série Genealógica?
Deve ser bem deduzida, bem ordenada e verdadeira. (…)».
9
E o mesmo se poderá dizer, como em próximo trabalho tentarei justificar, com os ascendentes
da actual família “Gorjão Clara”, ligados também, ainda que com várias quebras na varonia, ao
primordial tronco dos Gorjões (ainda que sem qualquer ligação posterior ao século XV).

447
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

lógica propriamente dita; 2.ª parte, jurídica; 3.ª parte, histórica. Quanto à primeira,
devem consultar-se, e até citar-se, os Documentos dos Livros dos Baptizados, Casa-
mentos e óbitos, que se acharem nos cartórios das igrejas paroquiais, ou no Cartório
Geral da Diocese. Quanto à segunda parte, devem consultar-se os Documentos que
cada Família interessada tiver nos seus Cartórios, ou nos Cartórios dos Tabeliães sobre
a natureza dos Testamentos, Legados e Morgados; quanto à terceira parte, relativa-
mente a mercês e promoções, deve consultar-se o Arquivo da Nação, e quanto a factos
históricos, a História do tempo em que eles tiveram lugar. E todos os Documentos
se devem citar nos lugares próprios em que deles se fizer menção; e desejava eu mais
alguma, desejava que uma série genealógica ordenada desta maneira fosse munida com
força e vigor de poder dar fé quando fosse necessário (…)».

Ora, se neste trabalho o Pd. Rodrigues de Faria revela todas as dúvidas,


escrúpulos e até alguns erros (como é humanamente necessário e mais do que
natural num trabalho que busca analisar gerações do século XV ao início do
século XVII, período relativamente ao qual as fontes primárias são substancial-
mente menores), dele resulta que, qualquer que seja a hipótese genealógica mais
correcta, os Coutinho Gorjão actuais descenderão, com duas ou mais quebras de
varonia, de João Anes Gorjão, seja pela sua filha Maria Dias Gorjão ou pelo
irmão inteiro desta e meu antepassado Álvaro Anes Gorjão 10, que era, nas pala-

10
O testamento de Álvaro Anes Gorjão foi extractado pelo agostinho D. Flamínio (v.g. nota
seguinte) e obtive a seguinte transcrição: “(fl. 92) Gorjão <496>Inst.am de Alvaro Anes Gorjão
do Cazal da Tiritana e sua molher Maria Anes, filha de João Gonçalves e de Violante A.º [Afonso].
Aos 29 de Outubro 1513. Mandão sepultarse na matriz da Roriça sua freguesia vincullão as terças
em seos filhos Francisco e Jeronimo e por morte de ambos chamão a linha do Francisco com successam
regular que tomão na vinha de Val da Poça que foy de Andre Affonso tyo do instituidor que está no
Torcifal e a renda do moinho da Ballieyra que he hum moio de trigo no termo de Obidos e o lagar
com sua caza na Roriça e dos mais que lhes couber na terça com 18 missas 2 por el rey D. João o 2º,
uma pelo dito Andre Affonso e por sua tya, uma pela Biscainha sobrinha do instituidor e 4 por este e
2 na igreja / do Torcifal pelos pays do instituidor com responso sobre o seu Moimento(?) onde jazem
e se dirão no altar de S. Sebastiam e 2 na Roriça pelos pays da instituidora e 2 por seu filho João
Gorjão e por outros filhos e 1 por seu tyo Pero Gonçalves / e 5 pela instituidora a saber as 14 na Roriça
com responsos sobre suas covas e as 2 no Torcifal e a renda do lagar sera pera conservar huma caza
ahy pera os pobres com anexaçam da 3ª da 3ª [sic] nos Administradores testemunhas Pero Nunes E.
[Escudeiro] e Mariscal da Rainha D. Leonor … e certa justificaçam e inventario da 3ª <Nunez>
estará copia na igreja da Roriça. Feita por Alvaro Lopes tabeliam de Obidos”. Pelos vários livros
do cartório familiar com as contas prestadas por caseiros pode seguir-se, até ao final do século
XVIII, a gestão de algumas destas propriedades. Por exemplo, quanto ao lagar na Roliça lê-se
(em Este livro he dos cazeiros e quanto pagavão a Caza dos Snrs Gorjão, cobrindo o período 1668-
1721) que «Domingos João da rouriça pagua de Hú lagar que me traz seis tostões e hua galinha».
Em 1720 lê-se que o foro do lagar «Paçou a Brás Luís e paga seis tostões e húa galinha».

448
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

vras do frade agostinho Dom Flamínio de Sousa (ou Flamínio de Jesus Maria) 11,
um «Cavaleiro honrado que viveu em Torres Vedras nos reinados de D. Afonso V (+
1481), D. João II (+1495) e D. Manuel», estando documentado, nestes dois
últimos reinados, como
Monteiro-Mor das montarias
de Óbidos e seus termos e suas
comarcas (Lourinhã e Atou-
guia), cargo que ocupava até
25 de Fevereiro de 1493 12 e,
tendo perdido, recuperou em
1496, então designado como
Monteiro-Mor de Óbidos e
dos Coutos de Alcobaça 13 e da
vila de Lerdas, «assim e pela
maneira que ele foi até aqui por
carta de Dom João II», como
refere a Chancelaria Régia
(alvará de 26 de Fevereiro de
1496) 14. E nos documentos
régios, mormente nas cartas de
mercê régia de D. Manuel I, é
dito «nosso escudeiro» 15 e «escu- Dom Flamínio de Sousa: parte da sua extractação
sobre Gorjões
11
D. Flamínio de Jesus Maria foi um cónego regrante de Santo Agostinho que dedicou a sua vida
ao Senhor mas, também, a recolher compulsivamente dados em fundos notariais, paroquiais,
familiares, estatais, privados, etc., e que deram origem a diversos códices que se encontram
hoje na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, e que excedem as 3500 fólios (c. 7000
páginas) com letra mínima e com uma extensão impressiva – pela dimensão e seriedade do
fruto do seu trabalho, os seus Códices são considerados uma das “dez maravilhas” da Biblioteca
(http://entremargens.fis.uc.pt/entrelivros/bguc_codices.php), tanto mais quanto alguns dos
fundos extractados por D. Flamínio se perderam ao longo dos séculos – sobre D. Flamínio de
Souza, Figueiroa-Rego, João de, Os Códices de D. Flaminio ou contributo de um cónego de Santo
Agostinho para o conhecimento dos contingentes humanos das monções quinhentistas, Lisboa, 2004;
ou, do mesmo professor, Reflexos de um Poder discreto: Discurso Académico, Saberes e práticas
sociais em Portugal Setecentista a propósito dos Códices de Dom Flaminio, dissertação de Mestrado,
CHAM, 2008.
12
ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 37, fls. 10-10v; ou Liv. 40, fl. 47v. (de 20 de Abril de
1496).
13
Sobre os monteiros-mores e sobre as matas reais de Óbidos, Neves, C. A. Baeta, Dos monteiros-
mores aos engenheiros silvicultores, Lisboa: I Centenário do ensino superior Florestal, 1965.
14
ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Liv. 26, fl. 50.
15
Norton, Manuel/Salgado, José Benard Guedes, Cartas de Brasão de Armas VIII, 1975.

449
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

deiro da casa real 16 e morador no Turcifal» (27 de Fevereiro de 1496). Este casou

16
Dizia João Pinto Ribeiro, referindo-se aos escudeiros antigos e às Ordenações, Liv. I, tt. 66, §
42, «que declara[m] não pagarem finta dos Concelhos: os Fidalgos, Cavaleiros, Escudeiros de
linhagem com clareza confirma esta verdade. Conheceu ela o uso antigo, que os verdadeiros
Fidalgos eram os Escudeiros de linhagem, ainda que não fossem matriculados» (p. 233). Depois
alterado, como também confirma: «Porém o lib. 5, tit. 25, no princípio, parece declarar melhor
estes graus, dando o primeiro ao Fidalgo, o segundo ao Cavaleiro, o terceiro ao Escudeiro. Podem os
Príncipes na estimação, o que na sorte das moedas, que variam a seu arbítrio. Era nos tempos passados
o título de Cavaleiro denotador não só de nobreza, mas de jurisdição e senhorio, e de Escudeiro
de Fidalguia sem jurisdição nem senhorio. (…) os que tinham jurisdições, no tempo del-Rei D.
Fernando, e nos seguintes, se intitularão Cavaleiros (…). Os que não tinham jurisdições se chamavam
escudeiros, sendo a principal Fidalguia. Isto [mostram] as sepulturas antigas (…). Outra coisa parece
ao autor da nobreza política cap. 2, no fim. Os doutos verão com que razão (…)/ Mudou-se isto com
o tempo, e fez-se o foro de escudeiro fidalgo e Cavaleiro Fidalgo nos principais Fidalgos até ao tempo
de El-Rei D. Sebastião. Acima o disse. De então para cá desceu o título de Escudeiro & Cavaleiro
a prémio dos plebeus». Em suma, a categoria dos Escudeiros integrava a nobreza hereditária
mas começou gradualmente a perder peso social ainda a partir do séc. XV, principalmente a
partir de D. Afonso V, que, no dizer de Pascoal de Melo Freire, «quis que se chamassem nobres
principalmente aqueles que ele mesmo inscreveu num livro de nobres especiais, os quais se chamam
propriamente fidalgos», em categorias que D. João III (em cujo reinado havia extensas listas de
privilegiados, nas suas diversas qualidades) e, sobretudo, D. Sebastião (1572) desenvolveram e
reformaram. Citando Francisco de Vasconcelos, «[d]e facto, aqueles, nobres rasos e em geral sem
fortuna nem ilustre linhagem, em termos da linguagem corrente correspondiam em Portugal, ao
escudeiro ou “cavaleiro”». Se a palavra “nobre” e “nobreza” mal aparecia nas Ordenações (uma
única vez, segundo António Manuel Hespanha – Hespanha, António Manuel, «A nobreza
nos tratados jurídicos dos séculos XVI a XVIII», in Penélope: revista de história e ciências sociais,
Lisboa: Cooperativa Penélope, Fazer e Desfazer a História, n.o 12 (1993)), o facto é que inerente
a este estatuto estava o gozo de privilégios face ao “terceiro estado”, tanto jurídicos quanto
sociais. Mas a degradação social da condecoração aumentaria sempre com o tempo e, no início
do século XVII, Belchior Febo escreveria que claramente não eram nobres (1619). Na síntese
de Francisco de Vasconcelos, «Os chamados “foros” de Fidalgo da Casa Real, que remontam
a D. João I, foram institucionalizados por D. Afonso V, regulamentados por D. Sebastião em
1572, transmitiam-se por varonia legítima a todos os agnados. Estavam repartidos em dois
níveis fundamentais - o dos fidalgos, quase todos com “moradias” acima de 1000 réis, e o
dos escudeiros, com “moradias” acima de 400 réis. Os primeiros podiam ser tomados como
Moços Fidalgos enquanto que os segundos podiam ser tomados em Escudeiros ou começar
como Moços de Câmara mas, até 1572, todos eles tinham “acrescentamento” a Escudeiro da
Casa Real, Cavaleiro da Casa Real, Escudeiro Fidalgo da Casa Real ou Cavaleiro Fidalgo da
mesma Casa. A distinção entre os Fidalgos e os Escudeiros aparece nas respectivas moradias,
e nos registos oficiais: nos Livros de Matrícula estavam claramente separados em duas secções,
e nos livros da Chancelaria, onde também estão referidos, os primeiros aparecem designados
simplesmente como Fidalgos da Casa Real, enquanto que os segundos ali estão como Escudeiros
ou Cavaleiros da Casa ou Escudeiros ou Cavaleiros Fidalgos da Casa Real. A destrinça definitiva
entre os dois patamares, ficou ainda mais clara a partir de 1572, quando os Regimentos das
Moradias e do Mordomo-mor estabeleceram tudo em novos moldes: os oriundos de Moço de

450
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

duas vezes, sendo pai, pelo seu primeiro casamento, de Álvaro Gorjão 17; e, pelo
seu segundo casamento e além de outros, de Francisco Gorjão (c.c.g. extinta,
instituidor com sua mulher da Capela do Espírito Santo, na Roliça 18), de João
Gorjão («cavaleiro da linhagem do Duque de Coimbra» D. Jorge, documentado

Câmara continuaram a intitular-se Escudeiros da Casa Real, Cavaleiros da Casa Real, Cavaleiros
Fidalgos e Escudeiros Fidalgos, mas os que tinham vindo de Moço Fidalgo, esses (invertendo-se
a ordem das palavras) passaram a ser Fidalgos Escudeiros e Fidalgos Cavaleiros» - Vasconcelos,
Francisco de, «As qualificações da nobreza contemporânea datam da época da expansão», in
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime, Lisboa, 18 a
21 de Maio de 2011 (ou um sumário em http://www.iict.pt/pequenanobreza/ arquivo/Doc/
res028-pt.pdf ).
17
Diz o agostinho D. Flamínio: «Testamento da Instituidora, já viúva, de 12 de Julho de 1525 põe
mais uma missa por si e pelo Marido na Igreja da Roliça. Diz ter dado pelas legítimas a sua filha e
genro Álvaro da Serra e Mecya Gorjoam mulher deste umas casas e casais e um casal no Turcifal e um
serrado à Portela; e a Gaspar da Serra e a sua mulher Leonor Gorjoa, filha dos instituidores dera os
casais do Barro e Aroeira e as terras da Freixofreira e as vinhas do Bravo e a quinta da Fonte dantre
os vales (?) e 200 em dinheiro no que estavão satisfeitos do que lhes podia vir de legítimas. Disse que
além do que o instituidor dera a seu filho Álvaro Gorjão, enteado da Instituidora, pela legítima de
sua Mãe, ela lhe dera um casal no Carvalhal e a vinha do Carnagral (?) e a do Pinhal e 4 talhos da
vinha na Ribeira do Carvalhal e 260 na Casa da Índia, da herança de seu filho Jerónimo [que terá
morrido, entretanto] pelas legítimas diz pagara a Fernão do Avelar de uma … 60 d. e a P.º de Goes
das abertas das vales 2 que fizera casas nos Barassais. Feito por Gonçalo de Bragança (?), tabelião de
Óbidos» (Sousa, D. Flamínio, Códices, BGUC, Rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386).
18
Os testamentos constam, por transcrição, de processo orfanológico existente no Arquivo
Histórico de Óbidos: «Em nome de Deus Ámen saibam quantos este instrumento de reabrimento de
testamento e de instituição de capela virem que no ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
de mil e quinhentos e sessenta e dois anos, aos três dias do Mês de Julho, em a quinta da teritana
termo da vila de Óbidos que é de Francisco gorjam cavaleiro da casa del Rey Nosso Senhor, sendo ele
presente e jazendo doente (…), e assim tinham ele e a dita sua mulher, feito uma Instituição de capela
e morgado, em que deixavam e tomavam a dita sua quinta da tiritana e deixavam em morgado ao
que derradeiro deles ficasse, e por sua morte ao parente mais chegado dele Francisco Gorjam, com
encargo de duas missas cada semana, que mandam dizer na Igreja de Nossa Senhora da virgem da
Rouriça, termo da dita vila, donde são fregueses e onde está sita a dita sua capela (…) e requer e
há por bem que por sua morte dele haja e suceda logo na administração da dita capela Bernardo
da Serra Gorjam, seu sobrinho, Cavaleiro da Casa de El-Rei nosso Senhor e morador no lugar de
Carvalhal termo da dita vila e assim anexa mais à dita capela e morgado além da dita quinta que
já tem vinculado ao dito morgado (…) o qual Morgado deixa ao Bernardo da Serra seu sobrinho e
por sua morte fique a seu filho mais velho, e não tendo filho, à sua filha mais velha, e havendo filho
varão sempre perderá a Fêmea posto que seja mais velha, e assim será daí em diante, e andará na
geração do dito Bernardo da Serra, e com tal condição que o que andar a suceder no dito morgado e
administração ele se chamará sempre Gorjam, posto que tenha outros apelidos mais honrosos, e depois
do primeiro se chamará Gorjam, tomará o apelido que quiser dizendo mais ele testador que por morte
de seu pai Álvaro Anes Gorjam que Deus tem, ele houvera como seu filho a administração de um
morgado e que ele nomeava ora nele, por administrador por sua morte, ao dito Bernardo da Serra seu
sobrinho; o qual morgado é (…)».

451
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

nas listagens extractadas por Dom Flaminio como «porteiro da Câmara» do mesmo
Senhor D. Jorge em 1499 e que teve CBA para Gorjão, em 4 de Agosto de
1501 19) e de Mécia Gorjão (Gorjoa), que casou com Álvaro da Serra (1489 20-
f.d.1553) – armado Cavaleiro em Tânger por D. Duarte de Menezes (1515) e
confirmado por D. Manuel I (9 de Maio de 1517), e no mesmo ano Escrivão da
Casa da Suplicação 21 (26 de Outubro de 1515 22), apresentado como cavaleiro
desde 1508 (no contrato de dote para casamento), mas também em 1525 (como
«Cavaleiro da Casa de El-Rei N.S.», no requerimento que apresenta contra sua
sogra 23) ou em 1553 (em sentença judicial – «Cavaleiro da Casa d’El Rei», então

19
Sobre esta CBA, vide Cunha, Miguel Gorjão-Henriques da, «Bibliografia – Fidalgos e
Fazendeiros: aspectos genealógicos de famílias populares do Cadaval, em recensão a “Memorial
das Famílias do Cadaval”», Armas & Troféus, IX série, Tomo XVI, 2014, pp. 451-508, nota 48,
pp. 480-481. Note-se que Dom Jorge já era Duque de Coimbra a 26 de Março de 1500 (v.g.
TT, Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 13, fl. 53v.) (ou a 27 de Maio de 1500 – idem, fl. 54),
assim se compreendendo que o momento fosse o adequado para premiar pessoas da obrigação
(criados) da Casa do filho de D. João II e de D. Ana de Mendonça – Vasconcelos, António
Maria Falcão Pestana de, Nobreza e Ordens Militares. Relações Sociais e de Poder (Séculos XIV a
XVI), vol. I, diss. Doutoramento em História Medieval e do Renascimento, Porto, 2008, pp.
119-120 e 192-194 (disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/9376/2/
tesedoutnobrezav 01000065918.pdf, acedido a 30 de Novembro de 2016).
20
ANTT, Chancelaria de D. João III, Perdões e Legitimações, Liv. 1, fl. 302v.
21
Escreve Jorge Veiga Testos sobre estes mesmos exactos tempos e lugares: «No reinado de D.
Manuel I, os Paços da Casa da Suplicação e do Cível fixaram-se em Lisboa, no Palácio do
Limoeiro, junto à igreja de S. Martinho. Damião de Góis, descrevendo as obras feitas no reinado
de D. Manuel, afirma que o monarca «[f ]ez de nouo em Lisboa, junto da Egreja de S. Martinho,
os paços da casa da suplicaçam & do ciuel, & cadea do limoeiro obra muito magnifica, & sumptuosa,
onde dantes fora a casa da moeda & depois paços de Reis ate o tempo del Rei dom Dinis que fez os paços
dalcaçoua» (Góis, op.cit., capítulo LXXXV, p. 601). Sabemos que este monarca encomendou ao
pintor Francisco Henriques uma grande obra de pintura “pera o curucheo do Llimoeyro” (ou “da
Rellaçam desta casa do cyvell”), obra que decorria ainda em 1518, quando a peste assolou Lisboa
e D. Manuel ordenou ao pintor que ficasse na cidade para terminar a obra; o pintor acabou por
falecer de peste, juntamente com vários dos seus colaboradores (Sousa Viterbo, Notícia de Alguns
Pintores Portuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal, Lisboa,
Tipografia da Academia Real das Ciências, 1903, p. 56-64)» – Testos, Jorge André Nunes
Barbosa da Veiga, Sentenças Régias em tempo de Ordenações Afonsinas (1446-1512): Um Estudo
de Diplomática Judicial, Dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011, p. 24, nota
103.
22
ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Liv. 24, fl. 158.
23
Do arquivo da Casa constam, entre outros documentos curiosos, uma procuração de Mécia
Gorjão a seu marido e um requerimento de «Álvaro da Serra, Cavaleiro da Casa de El-Rei N. S. e
morador em o Turcifal aos juízes da vila de Óbidos Domingos Álvares e João de Coimbra, Escudeiros
da Rainha N. Sr.ª», relativa a uma acção contra sua sogra Maria Anes, «Dona viúva que ficou

452
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

morador na sua Quinta da Semineira) – e são os ascendentes por varonia legítima


da minha Família. Mas centre-se aqui a atenção apenas nos Coutinho Gorjão.

A Série Genealógica da Família dos Srs. Coutinho Bravo da Fonseca


Gorjão

Os Coutinho Gorjão são uma Família nobre portuguesa com varonia


Coutinho (tanto quanto foi possível investigar, remontando ao século XVII, no
mínimo) e que se ligou ao apelido Gorjão ainda no primeiro quartel do século
XVIII, no reinado de D. João V. Apresenta-se aqui uma breve sinopse desta linha,
com base em pesquisas perfunctórias mas baseadas em fontes primárias, e que
segui até à sua radicação na Madeira, e tendo como limite temporal da investi-
gação em fundos públicos, o século XX:

1. Francisco Coutinho de Carvalho. Natural de Lisboa, casou com Maria da


Conceição, também natural de Lisboa, como é referido na mercê do ofício de
Guarda-Livros da Casa dos Contos subordinada à MCO (Carta de 7 de Julho de
1677) e nas provanças de seu neto Inácio, em 1702-1703, filha de António Gil
Pereira e de Maria Luís de Sequeira. Nas referidas provanças são todos ditos «cris-
tãos velhos, de limpo sangue, sem rumor ou fama em contrário», etc. e António Gil
Pereira era «Guarda-Livros e Porteiro dos contos da Mesa da Consciência e Ordens» 24,
de onde, aliás, veio este ofício à Família Coutinho. Era este António Gil Pereira
natural da freguesia de «S. Miguel de» «Serzedo, no termo de Guimarães», e teve a
17 de Maio de 1641, carta régia da propriedade do ofício de Guarda dos Livros
da Casa dos Contos da Mesa da Consciência e Ordens, por renúncia que nele fez
Francisco de Azevedo, que era o seu proprietário 25. Foram pais, pelo menos, de:

de Álvaro Gorjão, seus sogros, moradores em o Casal da Tiritana, e por uma acção de libelo intenta
provar que entre os bens dotais atrás mencionados» está uma terra específica.
24
Palavras de João da Fonseca Ferraz nas provanças de Inácio Coutinho de Carvalho, em 1702.
E, de facto, António Gil Pereira renunciou a esse cargo, pedindo ao Rei, que, «em razão de sua
muita idade e achaques» e após 28 anos de serviço, a renúncia tivesse efeito na pessoa que casasse com
sua neta Antónia Pereira de Castanheda (Carta de 6 de Fevereiro de 1670 – ANTT, RGM, Ordens
Militares, Liv. 8, fls. 13-13v.; e RGM, Mercês (Chancelaria) de D. Afonso VI, Liv. 13, fl. 148),
apesar de sabermos que quem toma posse da propriedade do ofício, sete anos mais tarde, é o
genro Francisco Coutinho de Carvalho, por força de Carta de 7 de Julho de 1677 (ANTT,
RGM, Ordens Militares, Liv. 10, fls. 276-276v.).
25
ANTT, RGM, Ordens Militares, Liv. 1, fls. 138-138v.: a renúncia foi feita nas notas do tabelião
Luís do Couto, em 20 de Maio de 1645; ANTT, RGM, Ordens Militares, Liv. 11, fls. 26v.-27.

453
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

2. Francisco Coutinho de Carvalho. Foi baptizado na freguesia dos Mártires,


em Lisboa 26. Escrivão dos Juízes do Crime do Bairro da Ribeira (Alvará de 28 de
Junho de 1661; Carta de 23
de Novembro de 1661 27).
Uma testemunha na habili-
tação do neto para Escrivão
do Crime diz que foi
«Contra-mestre da Ribeira
das Naus» 28. Morreu viúvo
em São Pedro de Alcântara,
a 26 de Março de 1714, de
morte repentina 29. Casou
com Joana Pereira de
Faria, que foi baptizada na
freguesia de São Nicolau,
também em Lisboa 30.
Mercê régia a Francisco Coutinho de Carvalho Foram pais, pelo menos, de:

3.1. António Gil Pereira 31. Natural da vila de Serzedelo mas que “se
ausentou há muitos anos para Corte” 32. “Cristão velho e dos lavra-
dores honrados daquela freguesia”, e com 34 anos, a 1 de Setembro de
1702. Teve os ofícios de Escrivão dos Contos subordinado ao
Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens (MCO) na repartição dos
Cativos, por ser o praticante mais antigo e ter sido promovido o
anterior titular, António de Freitas Padrão (Alvará de 2 de Outubro

26
Assim o afirmam testemunhas nas provanças de seu neto Diogo. Como é sabido, os registos
paroquiais desta paróquia perderam-se, com o terramoto, e não tenho conhecimento de que este
assento tenha sido reformado.
27
ANTT, RGM, D. Afonso VI, Liv. 3, fls. 320v.-321. O cargo vagou, tendo sido antes ocupado
por Baltasar Frois, de Maiorga. Teve a mercê com «todos os prois e percalços que direitamente lhe
pertencerem».
28
Testemunho de João da Fonseca Ferraz.
29
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. O-1, fl. 88.
30
Assim o afirmam as testemunhas nas provanças do neto Diogo.
31
E não António Gonçalves Pereira, como aparece em www.digitarq.arquivos.pt. ANTT, Leitura
de Bacharéis, Letra J, maço n.º 9, doc. 74.
32
AUM, Registos paroquiais de Serzedelo, Liv. B-227 (1642-1688). Há testemunhas em Pombeiro
que dizem que era Serzedo. A ser assim, não parece haver registos paroquiais dessa era para
Serzedo.

454
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

de 1721); e de Contador dos Contos do Tribunal da MCO na


Repartição dos Cativos (Carta de 5 de Março de 1722 33).

António Gil Pereira

3.2. Inácio Coutinho de Carvalho, que segue

3.3. Rafael Coutinho de Faria. Opôs-se a que seu sobrinho sucedesse no


ofício de seu Pai, sem o conseguir. Smn.

3.4. Tomás Coutinho. Sacerdote da Companhia de Jesus, foi Reitor


do Colégio da Companhia na cidade da Horta (Faial), cargo que
ocupava quando morreu (1738).

3.2. Inácio Coutinho de Carvalho. Foi baptizado em Lisboa, na freguesia da


Madalena 34, a 8 de Agosto de 1668 35. Teve o ofício de seu Pai (Carta de 9 de
Janeiro de 1703), 36 «em razão de haver julgado [o Rei] a seu Pai o direito de pedir
o ofício de Guarda-Livros dos Contos subordinados ao Tribunal da Mesa da Cons-
ciência e Ordens». Encartou-se também no ofício de seu irmão António Gil
Pereira, como consta do processo de leitura de bacharéis e o requereu em 1702 37,
onde todas as testemunhas são abonatórias, dizendo uma que «sabe que é casado e
33
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 13, fl. 118.
34
Assim também o diz Catarina João, na habilitação de seu neto Diogo.
35
Assim consta da habilitação para FSO de seu neto José, em 1747, que contém certidões dos
assentos de baptismo e recebimento de pais e avós, identificando-os como Francisco Coutinho
e Joana de Faria. Foi seu padrinho Estêvão Augusto de Castilho e assinou o assento o cura Luís
de Aguiar Barbosa.
36
ANTT, RGM, D. Pedro II, Liv. 15, fl. 39v.
37
As provanças tiveram lugar, primeiro, em Lisboa (1702). Foram interrogados o Dr. António
Faustino da Silva, Francisco de Liz, Cavaleiro professo na Ordem de Cristo e morador a São
Roque, em Lisboa; António Cabral de Carvalho «monteiro do cavalo do número de Sua Majestade»
(que diz que Inácio Coutinho de Carvalho tinha «actualmente um tio, irmão de sua Mãe Padre
da Companhia» «e conheceu outrossim a um irmão (?) do sobredito freire de Palmela» «e um irmão
do sobredito Padre da Companhia»), o Pd. Manuel de Sousa (que foi quem baptizou Inácio
Coutinho de Carvalho; mais diz que não conheceu Maria Luís Sequeira mas que esta tinha
um «filho padre da Companhia de muito grande autoridade» e que Inácio tinha então «um irmão
inteiro Padre de São Roque»); João da Fonseca Ferraz, que vive de sua fazenda e tem 65 anos;
José Pires de Carvalho, que assiste aos negócios de D. Filipa de Mendonça; e o Capitão Estêvão

455
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

com filhos, bem procedido, de boa vida e costumes e que sua mulher é irmã inteira de
Vidal Branco da Fonseca, morador na Índia adonde é Familiar do Santo Oficio na
cidade de Goa».
Dizia a Série Genealógica da
Família dos Srs. Gorjões que era a
sua Família oriunda de Viana, onde
eram das principais pessoas, mas será
confusão com a família da sua mulher,
pois do lado paterno parecem quase
todos ser naturais de Lisboa. Habi-
litou-se para a Ordem de Cristo e para
os lugares de letras 38.
Inácio Coutinho de Carvalho
casou em Lisboa, não na freguesia da
Sé, como aparece em alguma docu-
mentação mas, como se informa na
habilitação do neto, na de São
Lourenço, depois de São Cristóvão e
Guarda-Livros dos Contos da Mesa da Cons- São Lourenço, a 27 de Março de 1689,
ciência e Ordens com D. Maria Jácome da Fonseca 39,
que as provanças do neto dizem que
foi baptizada a 17 de Outubro de
1655 40, «de Ourém, filha legítima de Vasco da Fonseca Bravo, Fidalgo da Casa de
Sua Majestade, e das principais pessoas do Minho» 41, o que será exagerado, pois na
habilitação de seu irmão para FSO se lê que o Pai era natural de Viana do Castelo
(Viana da Foz do Lima), de onde veio para escudeiro, na juventude, do Prior da

Augusto de Castilho, Cavaleiro professo na Ordem de Cristo, criado e Fidalgo da Casa de Sua
Majestade.
No Convento de Santa Maria de Pombeiro foram ouvidos, a propósito dos avós maternos
de Inácio Coutinho de Carvalho, o Pd. Paulo de Azevedo, clérigo de missa; o Pd. António de
Faria, clérigo de missa, Luís Leitão Ferreira, Filipe de Melo Pereira, homem nobre, João Teixeira
Monteiro; João Alves, lavrador; Pedro Martins, lavrador; André de Freitas, lavrador; e Agostinho
Leite, também lavrador (“labrador”, aí se escrevia).
38
ANTT, Leitura de Bacharéis, Habilitações, 1702, Maço 9, n.º 74, “Inácio”.
39
ADL, RPLx, São Cristóvão e São Lourenço, Liv. C-1, fls. 91v.-92. Aí sem “Dona”, com que depois
aparece em diversa documentação, mormente nas habilitações do Santo Ofício.
40
Fls. 98, na Colegiada, afilhada de Manuel Henriques da Charneca. Ela e a Mãe sem “Dona” no
assento de casamento, que depois passam a ter em documentação posterior.
41
Série Genealógica da Família dos Srs. Gorjões, 1846.

456
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Colegiada de Ourém, e que aí casou com 42 Maria de Lima da Costa 43, natural de
Ourém 44. O processo do irmão de Maria Jácome da Fonseca, Vidal da Fonseca
Bravo 45 – natural de Ourém e Corretor-Mor de Goa (Alvará de 31 de Março de
42
No processo de habilitação de Vidal da Fonseca Bravo consta certidão do livro de casamentos da
Colegiada de Ourém, onde se lê a fls. 149 do livro iniciado em 1618, o assento do casamento,
celebrado pelo Pd. Manuel Ribeiro, de Vasco da Fonseca Bravo com Maria de Lima da Costa, a
28 de Setembro de 1649.
43
Referida em diversa documentação primária como Maria de Lima ou Maria de Lima da Costa.
O mesmo sucede na habilitação de Vidal Bravo da Fonseca.
44
Assis, António de/Rocha, Graça de Araújo da/Varella, Luís Soveral, Habilitações para o Santo
Ofício Volume XXV S-Z, Lisboa, 2003, pág. 274.
45
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Vidal, Maço 1, doc. 1. Vidal
Bravo da Fonseca, também apresentado como «homem de negócio», teve carta de FSO (6 de
Março de 1688), «assistente que era na cidade de Goa, Estado da Índia, que foi Familiar do Santo
Ofício e no dito Estado da Índia tomou o juramento aos 24 de Setembro de 1688 (…). E também
foi Fidalgo da Casa de S. Majestade e Cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Declara ainda mais o
suplicante que seu Tio o padre Tomás Coutinho, irmão inteiro e legítimo de seu Pai Diogo Coutinho
da Fonseca, faleceu na vila da Horta, da ilha do Faial, em o ano de 1738, sendo Reitor do Colégio
da Companhia de Jesus na dita Ilha».
Foram testemunhas no processo Frei Augustinho de Jesus, religioso de S. Francisco, Diogo
da Madre de Deus, da mesma Ordem, Frei António de Belém, idem, Duarte Henriques, Almo-
xarife dos Armazéns, Domingos Roiz, natural de Évora e de 70 anos, pouco mais ou menos,
entre outros.
As provanças tiveram lugar em Viana da Foz do Lima, por ser indicada como terra de seu
Pai e avós paternos, mas sem grande sucesso (como adiante se justifica), sendo interrogadas três
testemunhas mas só sendo referido o nome de Gonçalo da Rocha Barreto, de 65 anos (que não
conhecia os avós – o interrogatório foi em 1687).
Em Ourém foram interrogados Mateus Lopes Henriques, homem nobre de 82 anos
(conhecia os Pais, Vasco da Fonseca Bravo há mais de 40 anos, e Maria de Lima da Costa, há
mais de 50 anos; que Vasco da Afonseca Bravo tinha vindo para Ourém para casa do Vasco da
Silveira de Menezes, a servir como seu escudeiro; que os avós maternos eram Belchior de Lima,
contador e distribuidor em Ourém, e Leonarda da Costa, que conhecia há mais de 60 anos, ele
«vindo de Vila Viçosa provido com os ditos ofícios pelo Duque de Bragança os quais serviu enquanto
viveu» – note-se que este era pai do Pd. João Carvalho Henriques), o Reverendo Pd. Manuel
Soares de Abreu, de 55 anos «pouco mais ou menos» como quase todos (disse o mesmo, acres-
centando apenas que Vasco Silveira de Menezes era prior da Colegiada de Ourém), o licenciado
Luís Teixeira de Carvalho, Tesoureiro-Mor da Colegiada de Ourém, de 66 anos, o licenciado
António Vieira, pessoa nobre com 53 anos, Manuel Leitão Salgado, homem que vive de sua
fazenda e com 67 anos, Estêvão Soares, homem que também vive de suas fazendas e com 80
anos, o Reverendo Pd. João Carvalho Henriques, de 46 anos, José Teixeira, que também vivia
de suas fazendas e teria 58 anos, António Gonçalves, de 53 anos, António Dias, lavrador de
60 anos. Beatriz da Silveira, viúva de António Gonçalves e moradora na Quinta da Beltroa, e
Catarina de Seixas Pereira, viúva de João Pereira de Faria, Capitão-Mor de Ourem. Na sequência
das inquirições anteriores, uma nova comissão inquiriu novas testemunhas, apesar de todos os
testemunhos anteriores serem concordantes. Foi então inquirido Filipe Botelho Soares, «orga-

457
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

nista nesta Colegiada e morador na sua Quinta da Beltroa», de 78 anos, que disse conhecera o Pais
de Vasco da Fonseca Bravo, que era Pedro da Fonseca, que morava em perto de Viana do Minho
e a quem conhecera em Mujães «circunvizinho do lugar de Subportela» (termo de Barcelos) e ser
hóspede do dito «Pedro da Afonsequa algumas vezes estava ainda o dito Vasco da Afonsequa Bravo
em casa do dito seu pai e antes que viesse para esta vila de Ourém».
Inconformado ainda, o Santo Ofício ordenou outro inquérito, agora em Mujães, a que
responderam o Pd. Baltasar de Siqueira Camilo (?), Pascoal Ribeiro, lavrador, José Gonçalves,
lavrador, Francisco Gonçalves, também lavrador, Bartolomeu Rodrigues, sapateiro, Domingos
Rodrigues, lavrador, Isabel Gonçalves, viúva, António Rodeiro, «homem que foi do mar» (dizia
que os avós paternos eram «gente muito honrada principal que viviam de suas fazendas à lei da
nobreza»).
E foram ainda fazer interrogatórios a Vila Viçosa, para indagar da “qualidade do sangue”
de Belchior de Lima. Aqui responderam Manuel de Matos, de 80 anos (que ouvira dizer, há
cerca de 70 anos, que «era de boa gente e de limpo sangue e geração»). João Gonçalves Cabeça,
trabalhador, Gaspar Ribeiro, Requerente da Santa Misericórdia, Manuel Gomes, boticário,
António de Andrada de Arruda, Cavaleiro do Hábito de Cristo, Manuel de Abreu, escudeiro
de Ambrósio Pereira de Berredo; João Casado da Fonseca, almoxarife do Castelo, Domingos
Rodrigues, que foi alfaiate, Manuel Lopes Colmieiro e sua mulher Maria Gonçalves, parteira,
o Pd. João da Cruz Vieira, e Antónia Gonçalves, a cambaia, «mulher do Papudo Cardador»;
António Pires, que foi sangrador, João Marinho, que vive de suas fazendas, Domingos Coelho,
assentista, Francisco Pires, que foi sapateiro, Manuel Fernandes, sangrador, Francisco Lopes, que
foi correeiro, Manuel Lopes Cavaleiro do Hábito de Cristo e FSO, João Gomes, sacristão que foi
das religiosas de Santa Cruz, Joana Mendes, viúva de Miguel Pereira, escrivão que foi das Armas,
tudo testemunhas que nada disseram de proveito.
Vidal Bravo da Fonseca
teve pelo menos um filho, de
seu nome Bento Jácome da
Fonseca Bravo, que teve o foro
de Fidalgo Cavaleiro da Casa
Real, por sucessão de seu Pai
(Alvará de 17 de Fevereiro de
1717 – ANTT, RGM, D. João
V, Liv. 8, fl. 481v.; Diccionario
aristocrático contendo os alvarás
dos foros de fidalgos da casa real
que se achão registados nos livros
Liv. Matrículas: averbamento não publicado em 1917
das mercês ojje pertencentes ao
archivo da torre do tombo desde os mais antigos que nelles há até aos actuaes, Tomo I, A-E,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1840, p. 314) e a mercê das Capitanias dos Reis Magos, Terras de
Bardez e Paço de São Lourenço e de Damão, por três anos (Cartas de 22 de Março de 1720 –
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 8, fl. 481v. e 482v.), além de se ter habilitado para FSO (ANTT,
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Bento, Maço 17, doc. 252). Deste foi
filho um António Jácome da Fonseca Bravo, filhado com o mesmo foro de Fidalgo Cavaleiro
por sucessão de seu Pai (Alvará de 25 de Fevereiro de 1744 – ANTT, RGM, D. João V, Liv.

458
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

1707 46), foi Escudeiro-Fidalgo da Casa Real, depois acrescentado a Cavaleiro-


-Fidalgo da Casa Real (com «1$200 réis de moradia por mês e 1 alqueire de cevada
por dia, com a condição de ir à Índia, onde será armado cavaleiro», por Alvará de 29
de Janeiro de 1671, que também o diz «natural da vila de Ourém» 47), e depois,
excepcionalmente, feito Fidalgo da Casa (Alvará de 31 de Março de 1707 48), por
isso tendo o filho o mesmo foro de Fidalgo Cavaleiro por sucessão de seu Pai em
1717 – é muito volumoso e interessante, não por qualquer dúvida que haja
quanto a serem cris-
tãos-velhos, etc., mas
pelas dificuldades em
encontrar testemu-
nhos sobre os quatro
avós, o que levou a
extensas diligências
do Santo Ofício.
Maria e Vidal
eram netos paternos Declaração de Vidal Bravo da Fonseca
de P.º [Pedro] da
Fonseca 49 e de sua

34, fl. 430v.) e algumas das capitanias que também tinha seu Pai (Cartas de 26 de Março de
1746 – ANTT, RGM, D. João V, Liv. 36, fl. 295). Deste há descendência até à actualidade.
46
Por três anos – ANTT, RGM, D. João V, Liv. 1, fl. 146.
47
ANTT, Matrículas dos Moradores da Casa Real, fl. 375v.
48
ANTT, Registo geral de mercês de D. João V, Liv. 1, fl. 146, com a descrição dos serviços militares
e como Almotacé ou Deputado da Junta Geral do Comércio da Índia.
49
Na declaração do próprio Vidal, que se reproduz, diz que o bisavô, pelo avô paterno, era Gonçalo
da Fonseca, que era o Gonçalo da Fonseca, «natural da Portela, termo de Barcelos» casado com
Isabel da Rocha, que são avôs paternos do habilitando para comissário do Santo Ofício Cónego
Gonçalo da Rocha Bravo, Tesoureiro-Mor na Colegiada de Viana, filho de Baptista da Rocha
Jácome e de sua mulher Maria Gandavo Maciel, moradores na Quinta de Perre, termo de Viana
(os pais desta última, Manuel Gandavo e Isabel Casada, filha de António Parente e de sua mulher
Maria Casada, casaram em Perre, a 29 de Outubro de 1623 – ADVCT, Registos paroquiais de
Viana do Castelo, São Miguel de Perre, Liv. C-1, fls. 66v.-67.).
Em São Miguel de Perre encontrei os registos de baptismos de diversos filhos de Gonçalo
da Fonseca e Isabel da Rocha e, igualmente, a referência ao filho mais velho P.º da Fonseca,
mormente logo na segunda página do livro paroquial onde se lê que, a 11 de Novembro de
1618, foi baptizada em São Miguel de Perre, pelo coadjutor Paulo Roiz Bravo, uma Maria, que é
filha de Gonçalo da Fonseca de sua mulher Isabel da Rocha, e da qual foi padrinho, justamente,
“P.º da Fonseca, seu irmão” [ADVCT, Registos paroquiais de Viana do Castelo, São Miguel de Perre,
Liv. B-1, fl. (1v., na prática)]. Outros filhos que encontrei aí baptizados foram Patrício (a 22 de
Março de 1623 – Liv. B-1, fl. 42?, sendo padrinho Francisco Casado, de Viana), Maria (a 19 de
Julho de 1624 – Liv. B-1, fl. 44v., afilhada de Simão Maciel, de Viana), João e Baptista, gémeos

459
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

mulher Maria da Rocha Jácome, que foram moradores na freguesia de “Subpor-


tela” (São Pedro), no Arcebispado de Braga, e sobre os quais as testemunhas
declaram ser “gente honrada que
vivia de suas fazendas e de
algumas rendas” ou “gente muito
honrada principal que viviam de
suas fazendas à lei da nobreza” 51;
neta materna de Belchior de
Lima, natural de Vila Viçosa, de
Assinatura de Gonçalo da Fonseca em Perre (1613)50
onde viera nomeado pelo
Duque de Bragança para exercer os ofícios de contador e distribuidor de Ourém,
sendo também aí admitido como irmão da Misericórdia (a 24 de Fevereiro de
1620), e de sua mulher Leonarda da Costa. Foram pais, inter alia, de:

Provanças de José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão (1757): ex-


certo relativo ao Pai e referindo o casamento dos avós (1723)

4. Diogo Coutinho da Fonseca. Nasceu em 1689 e foi baptizado na freguesia de


Santa Justa, a 5 de Abril desse ano 52. Teve também o ofício de seus antepassados,

(a 11 de Maio de 1627, estes últimos ditos «filhos de Gonçalo da Fonseca e sua mulher Isabel da
Rocha, foram Padrinhos João Miguel da Rocha da Fonseca e Isabel de Barros, mulher de António
Casado, e de Bautista, o mesmo António Casado» – Liv. B-1, fl. 98v.).
50
ADVCT, Registos paroquiais de Viana do Castelo, São Miguel de Perre, Liv. C-1, fls. 54v.-55.
51
E dirá José de Azevedo Vieira, Provedor da Comarca de Barcelos, que «Vasco da Fonseca Bravo [era]
limpo de toda a infecta nação, legítimo cristão velho, sem fama (…) em tempo algum, sem mecânica
alguma, antes ser filho de Pedro da Affonseca pessoa de conhecida nobreza a qual conservarão sempre seus
descendentes os quais se acham aparentados com as melhores desta província».
52
Não existem assentos paroquiais de baptismo em Santa Justa, para o período de 1683 a 1724, mas
o assento está transcrito, por certidão, na habilitação de seu filho para FSO, felizmente. Eram

460
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

de Guarda-Livros dos Contos na Mesa da Consciência e Ordens (Provisão de 2 de


Março de 1741 53), como acima se lê.
Pela sua carreira de serviço
muito ilustre, junto dos tribu-
nais, exercitando as mais diversas
funções com grande aprazimento,
o Rei tomou-o como Escudeiro
Fidalgo com 450 réis de moradia
e logo o acrescentou a Cavaleiro
Fidalgo da Casa Real, com o total
de 750 réis de moradia e um
alqueire de cevada por dia (Alvará
de 7 de Junho de 1745 54), assim
Foro de Escudeiro Fidalgo e Cavaleiro Fidalgo a
transpondo o limiar da nobreza
Diogo Coutinho da Fonseca (1745)
hereditária. Já tinha morrido
quando o seu filho tinha 29 anos (30 de Maio de 1765).
Casou na paróquia de Santa Maria Maior (Sé), em Lisboa, a 8 de Março de
1710 , com D. Mariana Josefa da Silva Gorjão 56, mas só receberam as bênçãos
55

na paróquia de São Miguel de Alfama, a 17 de Fevereiro de 1722 57, a noiva bapti-


zada nesta paróquia, como se escrevia na Série Genealógica, mas não em 1689,
mas a 14 de Setembro de 1687 58.

os Pais moradores na rua de S. Pedro Mártir e foi padrinho Simião de Amaral de Vasconcelos,
assinando o assento o cura Luís Dias (o assento estava a fls. 134).
53
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 32, fl. 89v. (em sucessão a seu pai e avô).
54
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 35, fl. 477.
55
ADL, RPLx, Santa Maria Maior (Sé), Liv. C-10, fl. 13v. Foram testemunhas o Dr. Francisco Luís
Coutinho de Foyos, juiz do Crime do Bairro da Sé, e D. José Manuel da Câmara.
56
Cujo nome encontrei grafado, quanto ao apelido Gorjão, das mais variadas formas. Entre as
versões menos correctas contam-se as seguintes: “Mariana Josefa de Sá Gorgoa”, no baptismo
do filho “Mariana Josefa da Silva Gorgão” e, no casamento do filho, “D. Mariana Josefa da Silva
Grojoa”. Tem “D.” nos processos do Santo Ofício. Note-se que a utilização do apelido “Silva
Gorjão”, considerando a sua ascendência documentada em fontes primárias, parece supor que
descenda de Luís Afonso da Silva e Sousa. Note-se que encontrei dois irmãos “Silva e Sousa
Gorjão” a serem nomeados Cavaleiros supranumerários, para entrarem como efectivos quando
houvesse vaga, da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa”, por cartas de
7 de Setembro de 1825: Cónego João Berardo da Silva e Sousa (Gorjão) e José António Berardo
da Silva Sousa Gorjão (ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 20, fls. 246 e 244v.; quanto ao primeiro,
sendo Cónego da «Santa Igreja Primacial», teve mercê do tratamento de Senhoria, Alvará de 20
de Maio de 1826 – ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 21, fl. 289v.).
57
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. C-2, fl. 336v.
58
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-3, fl. 25v. Foi seu padrinho António de Saldanha.

461
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

A noiva era filha de António Gorjão de Abreu, que nasceu em Lisboa, na


freguesia de São João da Praça, aonde foi baptizado a 29 de Agosto de 1652 59- 60
– lendo-se na documentação que foi “Capitão de Navios” e “Piloto da Carreira da
Índia, e em uma viagem faleceu”, ainda antes do casamento da filha, em 1710 61 – e
de sua mulher, com quem casou em Lisboa, em São Pedro de Alcântara, a 13 de
Abril de 1678 62, Antónia Rodrigues Gorjoa, baptizada na freguesia de São José a
13 de Junho de 1655 63, filha de Francisco Lopes e de Catarina Rodrigues, natu-
rais de Tourém, freguesia de São Pedro (Montalegre), no Arcebispado de Braga 64.
E era esta D. Mariana irmã de João de Abreu Gorjão 65.
59
Paróquia de que se perderam, aparentemente, os registos anteriores a 1709. Foi padrinho Manuel
de Pinho e assinou o assento o encomendado João de Albuquerque. O assento foi transcrito
por certidão na habilitação para FSO do neto José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Na
habilitação de genere do Pd. António Gorjão de Abreu aparece a certidão de baptismo a 2 de
Novembro de 1644 e foi padrinho João da Silva – o assento está transcrito por certidão na
habilitação do bisneto António Gorjão de Abreu. Pode ter sucedido que tivessem nascido dois
Antónios, o que acontecia muito (aliás, aconteceria também na geração dos bisnetos, infra),
sendo então natural que o que sobreviveu seja o segundo.
60
Tinha a indicação de que teria sido baptizado nesse ano de 1652 em Lisboa, mas em Santa
Marinha. Note-se, em relação a esta freguesia, que deve ter havido uma notória negligência do
pároco, pois no livro respectivo (aliás, de Mistos) só há seis assentos de baptismo para todo o ano
de 1652.
61
O neto declararia que o avô morreu “Piloto-mor e capitão ad honorem”.
62
E não em São Miguel de Alfama, como resultava de informação existente (aí apenas se encontrou
o casamento de um António Gorjão de Macedo, filho de Jorge Gorjão, com Francisca Soares de
Sousa, em 1677) – ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. M-2, fls. 110-110v.
63
Foram padrinhos Manuel Pinho e Maria da Fonseca – ADL, RPLx, São José, Liv. B-2, fl. 159. O
assento está transcrito, por certidão, na habilitação de genere do Pd. António Gorjão de Abreu.
Note-se que neste processo se descobriu que Antónia Rodrigues, em donzela, havia «vendido
caça na Ribeira, por causa da pobreza», mas seu filho declararia que «depois de casada viveu sempre
recolhida e não exercitou a dita ocupação» (declaração ajuramentada de 8 de Outubro de 1750).
64
O assento foi objecto de uma certidão de justificação no livro de recebimentos de S. Pedro de
Alcântara (Lisboa), no ano de 1731, a fls. 110-110v., como consta do processo de habilitação
para FSO do neto e se comprova no livro de paroquiais: «Aos quatro dias do mês de Junho de
1731 me foi entregue uma sentença de justificação do recebimento dada pelo M. Rd.º Doutor Simão
Lopes Cochim de Moura, Provisor e Vigário geral deste Arcebispado de Lisboa oriental, e logo por ela
ao Pároco da freguesia de S. Pedro de Alfama [hoje, Alcântara], onde foram recebidos, por falta de
seu assento, se lançasse em o livro de recebimento e com a dita Sentença se requereu ao Il.mo Cabido
fosse servido assim o determinar, e com o efeito a remeteu o Rd.o provisor assim o mandasse (…)».
Era a «segunda oitava da Páscoa» e casaram «em presença do R.do Prior Domingos da Costa». É o
último assento do livro em causa. A sentença foi passada sendo escrivão do Eclesiástico «Estevão
Lourenço de Gouveia», creio que aquele cuja filha casaria em 1753 com José Fogaça Barreto
(infra, nota 101).
65
Este João Gorjão de Abreu era aquele de quem a Série Genealógica dizia que foi baptizado em
São Pedro, em 1687, apesar de a referência feita pelo Pd. Rodrigues de Faria, em 1846, dever

462
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

E era D. Mariana Josefa neta paterna de António Gorjão, nascido no Turcifal,


que terá seguido carreira militar (segundo o neto) e de quem o Pd. Rodrigues de Faria

Coutinho Gorjão, segundo o Pd. Rodrigues de Faria

ser entendida à igreja de São Pedro e não à freguesia, pois a igreja de São Pedro situa-se na
freguesia de São Miguel de Alfama, em Lisboa, onde, de facto, foi baptizado a 7 de Janeiro de
1685. Ocupava-se profissionalmente a “fazer cartas de marear” e “outros instrumentos náuticos”,
passando mesmo a ser o único em Lisboa com capacidade para o fazer após a morte de João
da Costa de Miranda (e por isso teve tença régia de 20$000 rs e 3 moios de trigo de ordenado
cada ano (Alvará de 5 de Dezembro de 1714 - ANTT, RGM, D. João V, liv. 6, fl. 251). Foi
aposentado após 40 anos e 5 meses de serviço, como “Geográfo dos instrumentos náuticos” (Alvará
de 25 de Setembro de 1755 – ANTT, RGM D. José I, Liv. 10, fl. 111). Casou na freguesia
de São Nicolau, em Lisboa, a 10 de Setembro de 1712, com D. Antónia Maria Rosa (uma
testemunha na habilitação de genere de António Gorjão de Abreu dizia que conhecia a irmã do
Pai do habilitando, que era «irmão da mulher de Diogo Coutinho, Escrivão do Crime da Ribeira»),
nascida e baptizada em São Nicolau, a 19 de Novembro de 1693 (os assentos estão transcritos
na habilitação de genere do filho António, fls. 33-33v.) e irmã do Pd. Valentim da Silva e Abreu,
ambos filhos de Francisco da Silva e Abreu, baptizado em Abitureiras (filho de Francisco Lopes
e de Catarina Rodrigues), e de Maria da Conceição Tavares, baptizada em São Nicolau, onde
também casaram. Foram pais dos seguintes filhos baptizados em São Pedro de Alcântara:

1) Ana (b. 11 de Abril de 1713 – Liv. B-3, fl. 46);

463
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

escreve, seguindo a declaração que já antes João de Abreu Gorjão havia feito (em
1750), «que veio de pouca idade para casa de seu Tio Fernão Cabral, Arcediago da Sé de
Lisboa», onde vivia «na Corte ao Beco dos Cegos, e foi este que fundou o convento das
Brígidas de Marvila». A referência a estes consta das Notas do Tabelião António Bravo
(1639), que servia António Roiz Marques em 1745 66. E os relatos são confirmados
pelo neto na habilitação de genere de um filho, e nos paroquiais, que confirmam que
casou a 29 de Dezembro de 1652, «em casa do Arcediago Fernão Cabral», com Maria
de Abreu, «por estar [ele] em perigo de vida» 67, ela natural de Santa Marinha 68. Deve
dizer-se que a Série Genealógica indica, singelamente, a descendência do casamento,
mas o tardio assento de casamento parece mostrar que os filhos foram apenas legiti-
mados per subsequens matrimonium dos pais, o que justifica em parte a dificuldade que
tive em encontrar os assentos de baptismo dos filhos, que foram «Manuel Gorjão de

2) António (b. 16 de Agosto de 1714 – fl. 50v.);


3) José (b. 9 de Março de 1718 – fl. 70v.);
4) Mariana (b. 11 de Janeiro de 1721 – fl. 90v.);
5) Joaquina (b. 18 de Julho de 1722 – fl. 100), de quem foi padrinho o Secretário de Estado
Diogo de Mendonça Corte Real;
6) Gonçalo (b. 28 de Fevereiro de 1724, sendo padrinho Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda,
FCCR, embaixador, etc., cunhado do meu 6.º avô Duarte Gorjão Henriques da Cunha (fl. 112);
7) Manuel, gémeo do seguinte, ambos nascidos a 18 de Dezembro de 1726 e baptizados a 15
de Fevereiro de 1727 – fl. 132v.), sendo padrinho Jorge da Silva de Vasconcelos;
8) António Gorjão de Abreu (fl. 132v.-133, sendo padrinho António Caldeira de Araújo
Mousinho – v.g. nota 101) que se matriculou na Universidade de Coimbra em 1744 e se
formou em Cânones em 1750, tendo sido habilitado de genere por Sentença de 12 de Janeiro
de 1751 (ANTT, Câmara Eclesiástica, Habilitações de Genere, Maço 33, proc. 5).
Como referia o Pd. Rodrigues de Faria, foi prior de S. João de Ver junto da vila de Ferreira,
Bispado do Porto (a assinatura era de assento de baptismo nesta freguesia, a 18 de Maio
de 1758 – ADPRT, Registos paroquiais de São João de Ver, Liv. B-5, fl. 192).Informam José
Viriato Capela /Henrique Matos que este abade de São João de Ver teria cerca de 800.000
réis de rendimento, nesse ano, sendo «Rendimento do benefício entre os frutos certos e incertos,
2.000 cruzados. De presente, agravado com 500.000 réis de pensão anual, em 350.000 réis
que lhe pôs o bispo antecessor, a huns parentes seus, e 150.000 réis de côngrua para o abade
antecessor renunciante» (Capela, José
Viriato/Matos, Henrique, As fregue-
sias dos distritos de Aveiro e Coimbra nas
Memórias Paroquiais de 1758 – Memó-
rias, História e Património, Braga,
2011, p. 775, disponível no repositório
Abade António Gorjão de Abreu on line da Universidade do Minho).
66
Biblioteca Nacional, Index das Notas dos Tabeliães, Tomo II, pág. 42.
67
ADL, RPLx, Santa Maria Maior (Sé), Liv. C-6, fl. 53. No assento é dita Madalena de Abreu, mas
à margem, em averbamento, é rectificado o nome da noiva para Maria de Abreu.
68
Testemunho de João de Abreu Gorjão na habilitação de genere do seu filho António Gorjão de Abreu.

464
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Abreu. Foi baptizado em Lisboa (St.ª Marinha), em 1638» e que terá casado «com D.
Joana da Gama Lobo, filha bastarda do Conde de Vimieiro, que era parenta de Sebastião
da Gama Lobo, Escrivão da Fazenda. S.g.»; e, claro, o António Gorjão de Abreu, que
o manuscrito já dizia que era «natural de Lisboa [S. João da Praça 69]. Viveu em Lisboa,
onde foi casado [em S. Pedro de Alcântara] com D. 70 Antónia Rodrigues, baptizada
em Lisboa (S. José), a 1655», e os assentos paroquiais comprovam. Qual será a ascen-
dência destes Gorjões? O Pd. Rodrigues de Faria põe diversas hipóteses, uma das quais
se expõe em anexo a este trabalho, ainda que deva ser lida como mera proposta por ter
algumas fragilidades próprias.
Diogo Coutinho da Fonseca de D. Mariana Josefa foram pais, entre
outros, de 71:

5.1. D. Bernarda Quitéria Coutinho Gorjão. Nasceu a 19 de Abril de


1713 e foi baptizada em Lisboa, na freguesia de S. Miguel de Alfama,
a 20 de Maio 72. Morreu no Cadaval a 9 de Março de 1765, sendo aí
identificada como «D. Bernarda Quitéria de Gorjão» 73. Casou em S.
Pedro de Alcântara, a 24 de Fevereiro de 1735 74, com o Dr. António
Luís Soares de Carvalho, baptizado em Coimbra (Santa Cruz), a 18
de Junho de 1712, e licenciado em Cânones (julgo que em 1733),
Almoxarife e Juiz dos direitos reais do Cadaval (carta do Duque do
Cadaval de 12 de Janeiro de 1761), « faleceu sendo Ouvidor na vila do
Cadaval», como escrevia a Série Genealógica, a carta ducal e o atesta o
óbito, a 6 de Março de 1761 75. Era este filho do Dr. Bernardo Soares
de Carvalho, licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra
69
Borrego, Nuno G. P., Habilitações para as Ordens Militares, tomo II, 2008, pp. 85. O mesmo
é confirmado no processo de habilitação de seu neto José para FSO.
70
Sem “Dona” no assento.
71
A Série Genealógica só identifica quatro, por esta ordem: José, D. Bernarda, D. Ana Joaquina e
D. Francisca Xavier. Nos paroquiais identifiquei os outros cinco, e encontrei ainda um Diogo
Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão que aparece a testemunhar o casamento de sua sobrinha D.
Maria Leonor, sem que o tenha encontrado em assento paroquial próprio.
72
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 38v.-39. Foi padrinho Francisco de Abreu.
73
«Morreu com todos os sacramentos/foi seu corpo sepultado amortalhado junto ao Cruzeiro no hábito
de S. Francisco» – ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. O-1, fl.
57v.
74
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. C-2, fl. 45.
75
No assento de óbito é dito “Dr. Ouvidor” e casado com “D. Bernarda Quitéria de Gorjam”.
Morreu com todos os sacramentos e foi sepultado na igreja do Cadaval «junto ao degrau por que
se sobe para o pavimento do cruzeiro desta igreja à distância de três sepulturas afastado da parede que
vai do altar do Rosário para a porta travessa» – ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora
da Conceição, Liv. O-1, fl. 51v.

465
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

(1697-1703), natural de Porto de Mós, e de sua mulher Jerónima


da Fonseca, natural de Tentúgal 76. Apesar de seguir aqui, em geral,
apenas a linha masculina, diga-se apenas aquilo com que topei sobre
a sua descendência imediata. Foram pais, pelo menos, de: 77

5.1.1. D. Ana Joaquina Bárbara Coutinho Gorjão. Diz a Série


Genealógica que «morreu Freira no Convento de Santa Ana de
Leiria». Mas encontrei o óbito de uma “D. Ana”, filha destes
pais, no Cadaval, a 30 de Abril de 1758 78.

5.1.2. D. Maria Leonor Soares Coutinho Gorjão, que se lê ter sido


“natural e baptizada na freguesia de S. Pedro de Alfama”, que foi

Requerimento de justificação de Nobreza

76
Num assento lia-se que eram ambos de Porto de Mós, noutro que era de Tentúgal e num terceiro que
era natural de Maiorca (perto da Figueira da Foz). Foi madrinha a «Ex.ma Duquesa do Cadaval, pela
qual tocou com procuração em sua vez o Dr. Manuel António dos Santos» (se li bem).
77
Cruzando-se a Série Genealógica com os paroquiais. Mantenho ou dou (ou não) o “Dona” às
senhoras conforme esteja ou não na Série Genealógica ou nos paroquiais. Nestes, julgo que em
todos, a Mãe não é identificada com o “Dona”.
78
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. O-1, fl. 39v. A Mãe é
chamada “D. Bernarda Quitéria Coutinho” e são ditos moradores na vila do Cadaval.

466
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

depois denominada São Pedro de Alcântara, a 9 de Julho de


1745 79. Terá ido viver para Lisboa após a morte de sua Mãe e
casou no «Oratório das Casas de Dona Antónia Maurícia
Roquette da Moura Feyo», sua tia, em Lisboa (Santa Engrácia) 80,

Diogo Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão

a 26 de Julho de 1772 81, com Diogo Marques do Souto Alco-


forado Rebello, natural do Cadaval (Conceição) e morador na
vila de Palhacana, solteiro e filho de António Rebelo de
Almeida e de sua mulher D. Maria do Nascimento Souto
Veloso “Alcanforado”, já falecida à data do casamento do filho,
que casaram no Cadaval, a 19 de Agosto de 1723 82. Enviu-
vando no Cadaval, a 22 de Abril de 1774, casou uma segunda
vez, com Diogo Rodrigues de Santos e Silva, na igreja de São
Julião, a 11 de Janeiro de 1778 83. Justificou a sua nobreza
paterna e materna (sentença de 23 de Dezembro de 1777) 84.

5.1.3. D. Leocádia Rita Soares Coutinho Gorjão. Baptizada na


freguesia de “S. Pedro de Alfama”, i.e, em S. Pedro de Alcân-
tara, a 5 de Janeiro de 1748 85. Casou por procuração, em
Lisboa, na freguesia de São Julião, em Novembro de 1778 86,
com José Teodósio Diniz Ferro de Figueiredo, de 21 anos,

79
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 270v. Foi padrinho o Desembargador Francisco
de Campos.
80
Casas sitas na travessa da Piedade, onde morava quer a noiva quer Diogo Coutinho da Fonseca
Bravo Gorjão, que testemunhou o matrimónio.
81
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. C-8, fls. 174v.-175.
82
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. M-1, fl. 28.
83
ADL, RPLx, São Julião, Liv. C-3, fl. 55. Foram testemunhas Diogo Coutinho da Fonseca Bravo
Gorjão e Manuel José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
84
ANTT, Feitos Findos, Justificações de Nobreza, maço 29, n.° 12. Uma das testemunhas foi o seu
primo Diogo Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
85
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 292.
86
ADL, RPLx, São Julião, Liv. C-3, fls. 64-64v. Foi procurador da noiva o seu cunhado Diogo
Rodrigues dos Santos e Silva e testemunhas o primo da noiva Joaquim Inácio Coutinho Bravo
da Fonseca Gorjão e José António da Mata (que assinam o assento, assim como o procurador).

467
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

filho legítimo de Teodósio Dinis Ferreira e de D. Jacinta


Maria de Figueiredo. Foram pais, pelo menos, de D. Maria
José Coutinho Gorjão que será a que foi baptizada em Lisboa,
na freguesia de Santa Engrácia do Paraíso, a 24 de Abril de
1780 87, e casou na freguesia dos Anjos, na mesma cidade, a
22 de Junho de 1808, ambos «moradores no Largo das Olarias,
e Travessa do Forno», com Manuel José da Cunha Saldanha 88,
filho de Vitoriano José da Cunha Saldanha e de sua mulher
D. Maria Inácia Freire da Silva. Smn.

5.1.4. D. Paula Xavier Gorjão. Nascida a 3 de Junho e baptizada no


Cadaval, a 19 de Julho de 1751, aonde os seus Pais então já
moravam 89. De todas estas dizia a Série Genealógica que eram
«menores em 1765».

5.2. D. Ana Joaquina Coutinho Jácome da Rocha Gorjão. Foi baptizada


em casa, na freguesia de S. Miguel de Alfama, a 5 de Janeiro de
1715. 90 Sem estado.

5.3. Vicente, baptizado em S. Miguel de Alfama, a 28 de Outubro de


1716 91. Smn.

5.4. Praxedes, baptizada em S. Miguel de Alfama, a 27 de Agosto de


1718 92. Smn.

5.5. Francisco. Foi baptizado em S. Miguel de Alfama, a 28 de Maio de


1720 93. Smn.

5.6. D. Francisca Xavier Coutinho Gorjão. Nascida a 3 de Março de 1722,


foi baptizada em S. Miguel de Alfama, a 25 de Março 94. Sem estado.

87
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-11, fl. 198v.
88
ADL, RPLx, Anjos, Liv. C-11, fl. 42.
89
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. B-1, fl. 1 (primeiro
assento!). A Mãe e avós todas com “Dona”.
90
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 62. Foi padrinho António de Saldanha de Castro.
91
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 90. Foi padrinho o Desembargador Luís Quifel.
92
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 115. Foi padrinho D. Henrique de Noronha.
93
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 139. Foi padrinho António de Oliveira de Carvalho.
94
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 162v. Foi padrinho Tomás Correa Monção.

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RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

5.7. José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão, que segue

5.8. Maria. Baptizada em S Pedro de Alcântara, a 26 de Agosto de 1728,


sendo seu padrinho D. João Manoel de Costa 95.

5.9. Tomás. Foi baptizado na freguesia de São Pedro de Alcântara, a 21


de Fevereiro de 1731 96. Terá morrido antes de 1750.

5.7. José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Foi a sua a primeira geração que,
nesta linhagem, usou em conjunto os apelidos Coutinho e Gorjão, que perduram
ininterruptamente há quase 300 anos na linha que derivou para a Madeira.
Foi baptizado a 5 de Setembro de 1725 em S. Pedro de Alcântara 97, sendo
padrinho Fernando Telles da Silva, no exacto ano e freguesia indicados pela Série
Genealógica. Habilitou-se para os lugares de letras e foram-lhe feitas provanças
para Escrivão da Correição do Crime do Bairro da Ribeira 98, ofício que pediu

95
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 141.
96
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 159.
97
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 121.
98
ANTT, Leitura de Bacharéis, Habilitações, 1758, Maço 31, n.º 2, “José”. As provanças em Lisboa
tiveram lugar em 1757. Foram ouvidos Diogo Martins Lima, Escrivão proprietário da Companhia
do Grão Pará e Maranhão e praticante e do número da Contadoria da MCO (se bem li), Joaquim
Carneiro de Alcáçova e Sousa, FCR, Félix de Almeida Pinto Pereira Forjaz, José Leandro Leitão da
Rocha, António Caetano de Abreu Ravasco Tavares, José Ezequiel da Costa, Bernardo da Costa
Calheiros e Francisco Xavier Soares. Em Barcelos, na freguesia de Santa Maria (Marta) de Mujães
também se realizaram provanças em 1724, que estão no mesmo processo. Nela foram ouvidos
Inês Alves, que ainda conheceu Vasco da Fonseca Bravo e testemunhou a nobreza da família nos
termos canónicos da época, António Gonçalves (que recordou que não conheceu bem Vasco da
Fonseca, porque se ausentou para casar em Ourém, mas que conheceu seu irmão Baltasar da Rocha
e suas irmãs), Semião Gonçalves e o Pd. José de Goes. Em Santa Maria de Mujães foram ouvidos
Constantino de Sousa e Silva, COX, o Pd. João da Costa e o Pd. Miguel da Costa Ribeiro. As
provanças em Ourém tiveram lugar em 1761. Foram ouvidos como testemunhas Diogo Correia
de Abreu, António das Neves, morador na sua Quinta da Cruz, António Nunes Noronha (que
não conheceu Maria Jácome da Fonseca mas «conheceu umas mulheres desta geração dos Limas e uma
delas casada com Vasco da Affonseca que era da obrigação do Reverendo Prior desta insigne Colegiada
Vasco da Silveira de Menezes que era tio do Excelentíssimo Conde de Unhão e daqui se mudaram há
muitos anos para a vila de Setúbal»), o Capitão António Carneiro de Faria, morador na sua Quinta
da Parreira, Francisco Vieira da Cruz, tabelião das Notas da vila de Ourém (diz que achava que
o pai de Maria de Lima era Belchior de Lima e que aquela era natural de Ourém), o Rev.do Pd.
Manuel Luís Fragoso e o Rev.do Pd. António de Abreu, mestre de gramática. Finalmente, em
Lisboa foram ouvidas Catarina João, viúva de Gaspar Gomes, Mariana Gomes, viúva de Manuel
Machado, o Pd. Sebastião Quinta, tesoureiro (…), António Machado, António Cardoso de Brito,
Roque da Costa e Francisco da Costa de Carvalho.

469
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

por ser «filho legítimo e único do dito proprietário» seu Pai (Provisão de 2 de Maio
de 1750 99). No processo lê-se que em 1764, com trinta e nove anos, morava na
Rua de São Vicente de Fora. Correspondeu-se com o autor da memória que o Pd.
Rodrigues de Faria copiou, que indagava sobre a sua ascendência Gorjão, e disso
deu a seguinte nota: «Diz em 1765 José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão» 100 que
«os dois irmãos Manuel e António [Gorjão de Abreu] eram tios de Francisco Barreto
da Silva, por serem primos de seu Pai Mateus Barreto da Silva 101 Gorjão, naturais do

99
Refere que a “Carta do Pai está registada no Liv. 10 de S. Mg.de, a fl. 469”. Tem carta no liv. 25
do mesmo Rei D. José, fl. 20. Segundo mercê ao filho, serviu efectivamente entre 1746 e 1761,
tendo sido praticante e oficial “do Reg.° da Mesa grande dos Contos do Reino”, cargo que terá sido
abolido, sendo então nomeado para “Escrivão da Superintendência da Décima da freguesia de
Odivelas, e suas anexas, de cujo exercício fora tirado para contador das contas pretéritas do Erário,
que exercitara até o tempo do seu falecimento, e portando-se em todos os empregos com aptidão, honra
e verdade e desinteresse” (ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v.).
100
Julgo que em verdade terá sido em 1764, pois são identificados aí só os três primeiros filhos e,
como se vê adiante, em Outubro de 1764 já teria nascido o quarto filho deste, aliás uma filha.
Poderá no entanto não ter sido considerada, por ser ainda muito bébé ou por ter, entretanto,
morrido, naqueles tempos de elevadíssima mortalidade infantil.
101
Mateus Barreto da Silva (Gorjão) foi Moço da Câmara, Pai de Francisco Barreto da Silva Gorjão
e avô de António Caldeira de Araújo (e Mouzinho) Gorjão de Freitas. Documentei os seguintes
filhos do Capitão Francisco Barreto com D. Mariana, cujos nomes vou grafar conforme se
encontram na Série Genealógica ou em documentação pública:

1) António Caldeira de Araújo Gorjão de Freitas. Foi baptizado no Turcifal, a 11 de Junho de


1695 (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-3, fl. 27v., sendo a mãe chamada “Dona Mariana de
Lemim” e padrinhos seu parente Pedro Moniz Pereira e sua filha Dona Violante). Teve o
foro de Moço da Câmara com 406 réis, que era o foro de seu avô paterno (18 de Março de
1722) e foram ele e os irmãos, pouco depois acrescentados a Escudeiros Fidalgos e, ao mesmo
tempo, a Cavaleiros Fidalgos (30 de Janeiro de 1723 – com o nome de António Caldeira de
Araújo e Mousinho – ANTT, RGM, D. João V, Liv. 13, fls. 372-372v.); Foi administrador
de diversas Capelas, como as instituídas pelo Pd. Baltasar Gorjão (ANTT, Hospital de São
José, escrivão Pontes, mç. 237, n.º 9, cx. 1441), por Vasco Varela da Fonseca (ANTT, Hospital
de São José, escrivão Pontes, mç. 254, n.º 15, cx. 1473, processo extenso, com c. 200 fólios –
Capela com rendimentos prediais vinculados ao pagamento de 54 missas por ano, por testa-
mento de 21 de Outubro de 1588), ou ainda de outra sita em Elvas, instituída pelo Cónego
Manuel Zagalo (Zegalo), com obrigação de 40 missas, de que pediu a Administração para
a poder «tirar por demanda» – Alvará de 5 de Abril de 1740, v.g. ANTT, RGM, D. João V,
Liv. 31, fl. 389v.]; Morreu solteiro no Turcifal, a 2 de Junho de 1771, dito filho do Capitão
Francisco Barreto e de sua mulher D. Mariana da Fonseca Caldeira, com testamento, sendo
o seu enterro acompanhado «por quarenta e cinco padres, todas as confrarias, e amortalhado no
Hábito de São Francisco, teve ofício de corpo presente e foi sepultado nesta Igreja na sua sepultura
que nela tem» (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. O-5, fls. 46v.-47).
2) Luís Afonso da Silva e Sousa, baptizado no Turcifal a 16 de Janeiro de 1700, sendo a Mãe dita
«Dona Mariana Fogaça» e padrinho Miguel Tagarro, da Merceana (ADL, RPTVD, Turcifal,

470
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Liv. B-3, fl. 50); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (supra); este Luís será o que foi dotado por
sua avó paterna «para efeito de ser sacerdote», por escritura de 11 de Janeiro de 1726, passada
pelo Tabelião António da Costa Teixeira (Torres Vedras, Liv. 28.9.1725 a 14.5.1726, fls. 66,
apud Figueiroa-Rego, Rogério de, Alguns Sumários das Notas de Vários Tabeliães da Vila de
Torres Vedras nos Séculos XVI a XVIII, Vol. I, Lisboa, 1973, pág. 35); lê-se também que foi
padre e «Capelão da Ermida de Santa Isabel»;
3) José Fogaça do Carvalhal Barreto Gorjão (ou José Fogaça Barreto ou José Fogaça de Lami
Barreto), baptizado no Turcifal a 3 de Junho de 1702, sendo padrinhos António José e D.
Joana Margarida de Menezes, filhos do Conde da Ponte (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-3,
fl. 62v.); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (supra); Obteve em 6.11.1729 alvará para admi-
nistração da Capela instituída pelo Dr. António de Matos Bernardes, que estava vaga para a
Coroa (ANTT, RGM, D. João V, Liv. 21, fl. 44); foi Capitão de Ordenanças da Lobagueira.
Morreu antes de 26 de Junho de 1766 (como se confirma em Borrego, Nuno, As ordenanças
e milícias em Portugal – subsídios para o seu estudo, Vol. I, Guarda-Mor, Lisboa, 2006, p. 357);
referido como Capitão, casou em Lisboa, em Santa Marinha, a 14 de Junho de 1753, com D.
Francisca Rita Xavier de Aguiar e Gouveia, filha legítima de Evaristo Lourenço de Gouveia,
que era Escrivão do Eclesiástico, e de D. Bernardina Miranda de Aguiar e Gouveia (ADL,
RPLx, Santa Marinha, Liv. C-3, fls. 2v.-3)];
4) João Baptista Pereira, baptizado no Turcifal, a 5 de Setembro de 1705, a Mãe chamada «D.
Maria ana Fogaça», e sendo padrinho o Conde da Ponte (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-3,
fl. 82); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, como seus irmãos (supra). Teve descendência natural,
que rapidamente perdeu o estatuto social. Assim, apresentou-se como João Barreto Pereira
quando teve, com Maria dos Santos (solteira e filha de Domingos Alves e sua mulher Maria
Vieira), a Manuel Joaquim, que foi baptizado por necessidade em casa e recebeu os Santos
Óleos a 5 de Agosto de 1743, sendo pároco Bernardo da Franca Horta (ADL, RPTVD,
Turcifal, Liv. B-4, fl. 182v.) (informação que agradeço ao Dr. Guilherme Maia de Loureiro).
É este o Manuel Joaquim Barreto Caldeira Gorjão de Freitas que seria chamado às respon-
sabilidades das capelas de seu Tio António, em 1773, e que havia casado no Turcifal a 3 de
Julho de 1771, na Ermida de Nossa Senhora das Angústias da Quinta de Feo, com Maria da
Purificação (nascida no Turcifal e filha de Domingos Gomes, natural da Corujeira, freguesia
de S. Domingos de Carmões, e de sua mulher Ana da Conceição, do Turcifal; ele dito filho de
João Baptista Pereira e de Maria dos Santos, “mulher solteira” – ADL, RPTVD, Liv. C-4, fls.
71-71v.). E foram Pais da Maria Joaquina Gorjoa, nascida a 18 e baptizada no Turcifal a 29
do mesmo mês de Agosto de 1772 (o Pai dito filho de “João Baptista moço solteiro e de Maria
dos Santos, mulher que nunca casou” – ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-7, fl. 50v.; e no assento
de casamento da filha, a 9 de Agosto de 1816, a Mãe é chamada Maria Joaquina Caldeira)
que casou com José da Cruz a 15 de Junho de 1796 (ele da Melroeira – ADL, RPTVD,
Turcifal, Liv. C-5, fl. 129). C.g. até à actualidade.
E não constando do RGM mas apenas da Série Genealógica e nos registos paroquiais:
5) Mateus Barreto da Silva Gorjão, que terá morrido antes de 1722, mas foi baptizado no
Turcifal, a 9 de Janeiro de 1694, a mãe dita «Dona Mariana de Lamim» e sendo padrinhos o
«Conde de Coculim e Dona Mariana Coutinha, ambos de Lisboa» (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv.
B-3, fl. 17v.);
6) D. Catarina Margarida Gorjoa de Eça, que, sendo mulher, não tinha foro, mas foi baptizada a
10 de Dezembro de 1707, no Turcifal, «filha do Capitão Francisco Barreto da Silva Gorjão e de

471
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

sua mulher Dona Mariana da Fonseca Fogaça», sendo «padrinhos D. Carlos de Noronha, Conde
de Valadares, e D. Mónica Francisca dos Reis, deste lugar» (a avó) (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv.
B-3, fl. 97).

Dê-se nota da ascendência desta linhagem, partindo do primogénito António Caldeira de


Araújo Gorjão [d]e Freitas (assina com “e” no casamento de seu irmão José Fogaça do Carvalhal
Barreto Gorjão), e cruzando as fontes primárias com a Série Genealógica:

a) Filho de Francisco Barreto da Silva Gorjão, «que viveu no lugar do Turcifal, (…) onde foi
Capitão de Ordenanças, e casou [antes de 1694 e julgo que em 1693] com D. Mariana da
Fonseca Fogaça de Lami [como D. Mariana da Fonseca Fogaça morreu no Turcifal, a 27 de
Abril de 1726 – ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. O-2, fl. 107v.] filha de António da Fonseca Fogaça
de Lami Pereira (…) que era das pessoas principais de Aldeia Galega da Merceana, e de sua
mulher D. Brites Caldeira de Araújo, de Porto de Mós» (nos séculos XVII e XVIII, nos trabalhos
de Manuel Arnao Metello, identificam-se alguns Lamim, Fogaças e Pereiras na Merceana,
mormente Botelhos Fogaça, e no século XVIII, um António Botelho Fogaça, que morreu a
17 de Outubro de 1713, «jaz em sepultura própria», tinha sido casado desde pelo menos 1673
com D. Cecília do Avelar, f. 1698, e depois com Maria de Perada, que morreu em 1708), por
exemplo Metello, «Assentos paroquiais dispersos (Aldeia Galega da Merceana)», Raízes &
Memórias, n.º 7, pp. 204, 209, 215 ou 224; vg. ADL, RPLx, Santa Isabel, Liv. C-3, fl. 38v. –
casamento a 21.7.1760 de uma filha de Gaspar Botelho Fogaça de Lamim). Habilitou-se para
FSO mas a habilitação ficou incompleta (1692-1693, doc. 1628), pelas dúvidas quanto à sua
ascendência materna, o que não impediu que o seu filho obtivesse o foro do avô paterno, 30
anos mais tarde; foi também administrador da Capela de Vasco Varela da Fonseca, instituída
na Igreja de São Miguel de Alfama (v., igualmente, ANTT, Colegiada de São Miguel de Alfama
de Lisboa) e morreu no Turcifal, a 6 de Janeiro de 1732, já viúvo, sendo sepultado dentro da
igreja no hábito de S. Francisco (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. O-2, fl. 135v.);
b) Neto paterno de Mateus Barreto da Silva Gorjão, que foi baptizado em Lisboa (São Miguel
de Alfama), a 27 de Setembro de 1627, «filho de António Pinheiro Estrada e de sua mulher C.ª
Barreta da Silva, padrinho Vasco Fernandes César, madrinha Dona C.ª dalm.da» (ADL, RPLx,
S. Miguel, Liv. B-1, fl. 48v.), e morreu no Turcifal a 18 de Novembro de 1690 (morreu com
todos os sacramentos, fez testamento e «está enterrado na sepultura de seu sogro Tomé da Maia
[f. Turcifal, 2.1.1673], no Hábito de São Francisco» - Liv. O-1, fl. 118). Moço da câmara,
pelos serviços feitos na Armada (30.3.1660 – Liv. 4, fl. 680v., in ANTT, Inventário dos livros
de matrícula dos moradores da Casa Real, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1917, p. 231).
Dele se lê na Série Genealógica que foi «Moço da Camara [assim era identificado em escritura
de 3.11.1673] de D. Afonso VI e Fidalgo de Cota de Armas» para «Gorjões, Silvas, Sousas,
Varelas, Mousinhos e Barretos», e seu filho diz que vivia na Charneca «em uma sua quinta
chamada a quinta nova» (assinaturas suas podem ver-se em casamentos no Turcifal, a 29 de
Outubro de 1668 ou a 13 de Maio de 1669 – Liv. C-1, fls. 20 e 22). Diz a Série Genealógica
e também o filho e outros descendentes que tinha havido os seus filhos, sem casar, em D.
Isabel Correia de Vasconcelos «que era moradora em uma sua quinta chamada a quinta da
granja limite ambas do mesmo lugar e Freguesia onde ele suplicante foi nascido», que é a que
morreu em Lisboa, em São Bartolomeu da Charneca, a 5 de Abril de 1692, filha de João
(na Série Genealógica, “Damião”) Mendes (de Vasconcelos), Meirinho da Inquisição, e de

472
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Maria Correia de Lacerda (ou de Vasconcelos, no óbito); aqui, contudo e por ora, limito-me
a constatar os seguintes factos: (i) o Pároco da Charneca atesta que não encontrou o assento
mas que «é notório, entre muitas pessoas deste lugar, em como o sobredito era filho de D. Isabel de
Vasconcelos, em que nesta terra nascera e se criara, e a mim me consta pelo o ouvir dizer muitas
vezes, Charneca, 4 de Dezembro de 1692 O Pároco António Machado», isto na paróquia da
própria Mãe; (ii) No mesmo processo de habilitação para FSO do filho, António Ferreira da
Cunha, comissário do Santo Ofício de Torres Vedras, diz que «ninguém sabe de certa ciência
quem fosse sua Mãe, por não ser legítimo, e seu Pai o trazer para sua casa de 4 ou 6 anos; e se dizer
geralmente em todo o lugar da freguesia do Turcifal, onde seu pai era morador, que tal rapaz era
filho de uma moça solteira, por nome Maria, filha de um António Roiz já defunto, e de Filipa das
Neves, moradores no mesmo lugar», isto na paróquia do Pai; (iii) Este último testemunho foi
confirmado pelo Deputado do Santo Ofício Fr. Jorge da Madalena, que aditou que a Mãe do
pretendente era mulata (28 de Maio de 1693); contudo ou adicionalmente, note-se que (iv)
a Série Genealógica e o próprio Francisco, filho (no requerimento para FSO), dizem que os
Pais não casaram; mas (v) Nas notas dos tabeliães de Torres Vedras consta uma procuração da
viúva de Mateus, em favor de seu neto, filho de seu filho. Mas é certo que Mateus Barreto da
Silva casou com D. Mónica Francisca do Reis (ou da Maia) (antes de 1673) que, morando
no Turcifal e depois de viúva, «faz dote de património para efeito de ser sacerdote (…) a seu
neto Luís Afonso da Silva e Sousa» (1726), e com ela, aliás, participa em actos autênticos, por
exemplo em relação com a Capela de Vasco Varela da Fonseca, de que foi administrador (sub-
-rogação de casas e pardieiros da Capela, junto à igreja de S. Miguel de Alfama, por vinha
no Barraqueiro, em Torres Vedras; ou sub-rogação a juiz e oficiais da Igreja de S. Miguel de
Alfama, em 1713); esta D. Mónica Francisca, dita «da Maya» no óbito, morre no Turcifal, a
22 de Outubro de 1737, estando sepultada no hábito de S. Francisco dentro da Igreja (ADL,
RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. O-2, fl. 161);
c) Bisneto, pelo avô paterno, de António Pinheiro da Estrada (e Mousinho) [António Pinheiro
Destrada, no casamento, ainda referido nas mercês dos foros dos bisnetos, f.d. 22.3.1655]
e de sua mulher D. Catarina Barreta da Silva Gorjão [Catarina Barreta da Silva, no casa-
mento], casados a 22 de Agosto de 1619 (ADL, RPLx, São Miguel, Liv. M-2, fl. 203), a qual
morreu viúva no Turcifal a 16.12.1669 (“Dona Catarina” - Liv. O-1, fl. 49), pais também
de António (baptizado a 28 de Junho de 1621, em S. Miguel de Alfama – Liv. M-2, fl. 130,
sendo padrinho António Teles de Menezes) e de Maria (baptizada a 9 de Maio de 1624 –
Liv. B-1, fl. 19); ele «Fidalgo de Cota d’Armas e Moço da Câmara de D. João IV e Capitão de
Infantaria do Presídio de Cascais, no tempo da Aclamação, filho de João de Estrada [e de Mónica
Pinheira] e neto de Cipriano Gonçalves Mousinho, que tirou Brasão de Armas»; sobre estes se
encontra a seguinte extractação, que confirma a Série Genealógica: «Doação que faz Mónica
Pinheiro viúva de João de Estrada, moradores na sua Quinta da Fonte Santa, termo da vila de
Almada, a favor de seu filho António Pinheiro de Estrada, casado com Catarina Barreto da Silva,
e lhe doa a dita quinta com suas pertenças e uma terra que partia com D. Marcos de Noronha
(…) e lhe fora dotada por seu Pai dela, Fernão Álvares, e metade da dita quinta era foreira em
vidas a D. Francisco de Faro, Conde do [Vimieiro],(…) em 14 de Março, fl. 106» – Biblioteca
Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e 1747, Lisboa,
1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo 3, p. 172; ela filha de
d) Maria Barreta Gorjoa, 1.a administradora da capela de Vasco Varela, e de seu marido Luís
Afonso da Silva e Sousa, que morreu em S. Miguel de Alfama, a 7 de Abril de 1625 (Liv. O-1,

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miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

fl. 7v.) [Luís Afonso da Silva, no casamento da filha], «Moço da Câmara del Rei D. Sebastião,
a quem acompanhou a África, e foi em Lisboa Provedor da Saúde, filho de Jerónimo Afonso da
Silva e de sua mulher Catarina de Sousa, filha de Afonso Fernandes de Tovar»; Luís Afonso e
Maria Barreta foram pais, entre outros, de Adriana Barreta, baptizada no Turcifal, em Maio
de 1600 (Liv. B-1, fl. 10v. in fine, afilhada do Pd. Francisco Gorjão e de sua irmã Madalena
– f. Turcifal, 18.4.1673, com testamento, Liv. O-1, fl. 58v.), e de outros baptizados em S.
Miguel de Alfama: Inês (b. 9 de Janeiro de 1603, pelo Pd. Baltasar Gorjão – Liv. M-1, fl.
82v., ele dito Luís Afonso da Silva e ela, só neste, “Luísa Barreta”), Francisco (b. 11.4.1605
– Liv. M-1, fl. 96v.) ou António (baptizado a 28 de Abril de 1609, sendo madrinha Catarina
de Sousa – Liv. M-2, fl. 18); por sua vez, esta Maria Barreta Gorjão era filha de:
e) António Varela Gorjão, que terá sido “Fidalgo da Casa Real”, e de sua mulher Guiomar
Barreta; e era António filho de:
f) João Varela da Fonseca, que o Pd. Rodrigues de Faria diz “Moço da Câmara d’El-Rei e Fidalgo
de geração”, e de sua mulher Branca Fernandes Gorjão; esta filha de
g) Bartolomeu Gorjão e de sua mulher Maria Fernandes Vieira; a sua ascendência é explanada
no Anexo; é ele filho de
h) Álvaro Gorjão, Cavaleiro da Casa de El-Rei D. Manuel e filho do primeiro casamento de
i) Álvaro Anes Gorjão, tendo recebido a sua legítima da sua madrasta, segunda mulher de seu
Pai, e como se lê no testamento desta, Maria Anes, já viúva de Álvaro Anes Gorjão, como
acima se reproduziu, na nota 11 – Souza, D. Flamínio de, Códices, Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra, rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386); vide Anexo.

Note-se que do Pd. Baltasar Gorjão diz o Pd. Rodrigues de Faria que «foi Capelão d’El-Rei
e Beneficiado em S. Miguel de Alfama [como se comprova em assentos nessa paróquia, com um
exemplo no Liv. M-1, fl. 115]. Instituiu Capela chamando primeiro para ela a seu sobrinho o Pe.
Francisco Gorjão e a sua irmã, e declara no seu testamento que só poderão suceder no Morgado os
que descenderem de seu Pai e que tenham o apelido de – Gorjão – e que por morte dos primeiros
chamados para o Morgado o nomearão em uma filha de sua sobrinha Maria Barreto». Ainda era
vivo a 21 de Maio de 1609, data em foi padrinho de alguns crismados, na paróquia. A irmã do
Pd. Baltasar foi Antónia Gorjoa (que se refere mais circunstanciadamente no Anexo). Este Pd.
Francisco Gorjão [de Freitas], «em que o seu Tio acima instituiu Capela e ele instituiu outra com
obrigação de se apelidar de Freitas e de ambas é possuidor António Caldeira de Araújo» (c. 1765),
foi Coadjutor no Turcifal, está muito documentado como celebrante e padrinho no Turcifal,
como se dá conta no Anexo. A sua irmã era Madalena de Freitas Gorjão (ou Gorjão de Freitas),
que também se refere no Anexo.
Finalmente, quanto aos Caldeiras de Araújo de Porto de Mós, família da avó materna de
Francisco Barreto da Silva Gorjão, dê-se também breve nota, por o seu filho se apresentar como
António Caldeira de Araújo Gorjão de Freitas. Estou convencido de que estes Araújos são meus
parentes por descenderem do mesmo tronco dos Araújos que vieram de Braga para a Estrema-
dura e compraram em 1533 a Quinta de Abrigada ao filho de Pedro Álvares Cabral, tendo-se
ligado aos Botados e depois à minha própria varonia (em 1723). A linha dos Araújos “de Porto
de Mós” pode encontrar-se em Felgueiras Gayo com a seguinte sequência:

1. Pedro Gonçalves de Araújo. Viveu na cidade de Braga e foi criado dos reis do seu tempo, aos
quais serviu com muito zelo em tudo o que lhe encarregavam. Casou. Foi pai de Gonçalo

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RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Pires de Araújo (antepassado varonil dos Araújos da Quinta de Abrigada, ascendentes da


mulher do Duarte Gorjão Henriques referido neste texto, meu 6.º avô) e de: (Felgueiras
Gayo, vol. II, § 249, p. 131).
2. Francisco Pires de Araújo. Serviu os Duques de Bragança no tempo de El Rey D. Afonso V,
dando-lhe o mesmo Duque o Almoxarifado de Mós, onde foi assistir. Casou com Violante
Rz (Felgueiras Gayo, vol. II, § 256, p. 135). Foram pais, entre outros, de:
3.1. Álvaro Pires de Araújo. Casou com Isabel Rodrigues de Magalhães. Foram pais entre
outros de:
3.1.1. Francisco Pires de Araújo. Casou com Ana Boga, sendo moradores em Porto de
Mós. Foram pais, entre outros, de Isabel de Araújo, que casou com Francisco
de Gorreta, moraram em Alcobaça (onde foi Ouvidor dos Coutos de Alcobaça
e Almoxarife do Infante de Castela), e foram pais de José de Gorreta (licenciado
em Cânones e tesoureiro-mor da Sé de Leiria e comissário do Santo Ofício por
Provisão de 27 de Outubro de 1662 ) e de Teodósio de Gorreta, que casou com
Paulina de Videira Leite e foram pais de João Félix Agorreta, deputado da Inqui-
sição de Évora e irmão de Teodósio de Agorreta (comissário do Santo Ofício, por
Provisão de 11 de Agosto de 1677 - maço 1, doc. 6);
3.1.2. Leonor de Araújo. Casou com Álvaro de Moura Malho;
3.1.3. Catarina de Araújo. Casou com João Nunes Malho;
3.2. Pedro Dias de Araújo. Viveu em Porto de Mós e foi almoxarife do Duque. Casou com
Branca Velho. Foram pais, entre outros, de:
4. Dr. Francisco de Araújo. «Capelão e Abade de Alfândega da Fé, fez um Morgado em 1598
para andar sempre em clérigo» (Felgueiras Gayo, vol. II, § 262, p. 137). Foi pai de:
5. Branca Caldeira de Araújo. Casou com Belchior Paes (Felgueiras Gayo, vol. II, § 262, p. 137).
Foram pais de:
6. Maria de Araújo. Casou com Mateus Malho (Felgueiras Gayo, vol. II, § 262, p. 138), que será o
Mateus Malho de Araújo (ou Araújo Malho), natural de Pombal e que aí morreu a 29.4.1646
(jaz na Casa da Misericórdia - Liv. O-1, fl. 3) que aparece documentado nas habilitações para
FSO como tendo sido casado com Maria de Araújo, de Porto de Mós e foram pais de:
7.1. Brites de Araújo. Será a Brites de Araújo identificada como cunhada, cuja filha Brites foi
madrinha de Manuel, filho de Simão Pais, o novo, e de sua mulher Perpétua Caldeira
(em Pombal, a 17 de Dezembro de 1647). Casou em Pombal com Manuel Teixeira
(filho de João Marques Preto e de Brites Dias Teixeira), que foi para Pombal antes de
1608, e foram pais de:
7.1.1. Maria. Baptizada em Pombal a 9 de Novembro de 1617 (Liv. B-1, fl. 42v.),
sendo padrinhos Dom João Pereira e Maria de Carvalho, filha de Diogo Jorge de
Medeiros;
7.1.2. António Caldeira de Araújo. Nasceu em Pombal. Escudeiro e Cavaleiro Fidalgo,
pelos seus serviços como procurador e sargento-mor de Porto de Mós (23.5.1648
– ANTT, Inventário dos Livros das Matrículas dos Moradores da Casa Real, cit.,
vol. II, p. 142, Liv. V, fl. 371). FSO (carta de 28 de Abril de 1649 – ANTT,
Tribunal do Santo Ofício, Habilitações, António, maço 8, doc. 326) e Sargento-
-mor de Porto de Mós. Casou duas vezes, a primeira em Porto de Mós com Ana
de Araújo, irmã do Pd. António de Magalhães de Araújo, prior de Santo André,
FSO e comissário do Santo Ofício, em 1647 (ANTT, Tribunal do Santo Ofício

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miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

Conselho Geral, Habilitações, António, maço 7, doc. 292) e filha de Luís de Araújo
(de Porto de Mós, foi FSO – Maço 1, doc. 30, Luís, lendo-se no processo que
era filho de Francisco Frz de Araújo e de Ana Bota, sua mulher, e neto paterno de
Álvaro Pires de Araújo e de sua mulher Isabel Roiz de Magalhães) e de Maria de
São Paio. Casou depois com a sua prima D. Isabel de Mancelos (infra).
7.1.3. D. Brites Caldeira de Araújo. Identifico-a, pela primeira vez, como madrinha
em Pombal a 17 de Dezembro de 1647, provavelmente ainda solteira. Julgo que
foi a que casou com António da Fonseca Fogaça de Lami Pereira e foram pais da
D. Mariana Fonseca Fogaça de Lamim (Fonseca Caldeira) casada com Francisco
Barreto da Silva Gorjão.
7.2. D. Maria Teixeira (“Dona”, depois de casada). Casou com Paulo de Mancelos, natural
de Coimbra (Santa Cruz), Moço-Fidalgo da Casa Real, e foram pais, pelo menos, de:
7.2.1. Paulo de Mancelos. Casou antes de 1628 com D. Cipriana de Carvalho (ainda
viva a 13 de Dezembro de 1644) e foram pais de:
7.2.1.1. Diogo. Baptizado em Pombal a 15 de Maio de 1628 (Liv. B-2, fl. 78v.);
7.2.1.2. Luís de Mancelos. Baptizado em Pombal a 4 de Dezembro de 1629
(Liv. B-2, fl. 91). Julgo que terá sido o que era padre em Pombal;
7.2.1.3. D. Isabel de Mancelos. Foi baptizada em Pombal a 18 de Setembro de
1631 (Liv. B-2, fl. 105). Habilitou-se no Santo Ofício em 1670 para
casar com seu primo António Caldeira de Araújo, FSO e Sargento-mor
de Porto de Mós, o que aconteceu de facto em Pombal, na igreja de
São Martinho, a 20 de Junho de 1671 (ADLRA, Registos paroquiais de
Pombal, Liv. C-1, fl. 172v.);
7.2.1.4. António da Fonseca de Mancelos. Baptizado em Pombal a 12 de Maio
de 1633 (Liv. B-2, fl. 115v.);
72.1.5. Sebastiana. Baptizada em Pombal a 24 de Janeiro de 1635 (Liv. B-2, fl.
125);
7.2.1.6. Maria, baptizada em Pombal a 28 de Abril de 1637 (Liv. B-2, fl. 138v.);
7.2.1.7. Ervilla (sic). Baptizada a 5 de Abril de 1639 (Liv. B-2, fl. 148v.);
7.2.1.8. P.º, baptizado a 8 de Junho de 1641 (Liv. B-2, fl. 162).

Mateus de Araújo Malho terá também casado com Ana Freire, pois em Pombal foram bapti-
zados os seguintes filhos:
7.4. Catarina. Baptizada em Pombal a 26 de Maio de 1639 (filha de Mateus de Araújo Malho
e de sua mulher Ana Freire, sendo padrinhos, além de outros, João da Fonseca Caldeira
(Liv. B-2, fl. 149; vg. fl. 391v.), que encontramos casado com Isabel Curada e a serem
pais de um António, baptizado em Pombal, a 23 de Maio de 1616, tendo por padrinhos
o Licenciado Diogo Rebelo e Marta Freire, mulher de Simão Pais (Liv. B-1, fl. 27);
7.5. Luís. Baptizado a 16 de Setembro de 1640 (Liv. B-2, fl. 158v.);
7.6. Catarina, homónima, baptizada a 21 de Março de 1642 (Liv. B-2, fl. 165v.);
7.7. António. Baptizado em Pombal a 7 de Maio de 1643 (Liv. B-2, fl. 171v.);
7.8. Mariana. Baptizada a 1 de Abril de 1645, sendo padrinhos João da Fonseca Caldeira
(talvez já casado antes de 1650 com Ana Cabral) e Perpétua Caldeira, mulher de Simão
Pais, o novo.

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RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Turcifal e também parentes de Luís Manuel Moniz [Pereira] 102 e de Duarte Gorjão
Henriques, do Bombarral 103». Já tinha morrido a 8 de Fevereiro de 1794.
Escudeiro Fidalgo da Casa Real, por Alvará de 28 de Maio de 1746 104, logo
acrescentado a Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, por sucessão de seu Pai. Habilitou-se

7.3. Filho do primeiro casamento foi ainda Francisco de Araújo Malho que, sendo natural de
Pombal, se habilitou para Cavaleiro de Cristo em 1664 – Borrego, Nuno, Habilitações
nas Ordens Militares, Tomo I, p. 511,consulta de 7.11.1664, maço 34, n.º 32), sendo
morador com sua mulher em Almendra. Casou com Maria Machada de Távora, natural
de Almendra. Foram pais de:
7.3.1. Luís Caldeira de Araújo, Sargento-mor de Porto de Mós. Nasceu em Almendra e
foi, ainda novo, viver para Porto de Mós para casa de seu tio António Caldeira de
Araújo. Foi procurador de Porto de Mós às Cortes de 1697/1698, tendo casado,
antes de 1673, com Mariana Pereira de Azevedo, filha de João Roiz Pereira e de
Leonor das Neves, naturais de Leiria e moradores em Porto de Mós, já mortos em
1698 (v.g. ANTT, RGM D. Pedro II, Liv. 8, f. 464). Foram pais, pelo menos, de:
7.3.1.1. Dionísio Caldeira de Araújo, natural e baptizado em Porto de Mós
pelo prior Simão Carrasco de Lamim. Morador em Porto de Mós, foi
FSO (carta em “Abril de 1699” – ANTT, Tribunal do Santo Ofício,
Habilitações, Dionísio, maço 1, doc. 11) e Cavaleiro professo na Ordem
de Cristo (Borrego, Nuno, Habilitações, cit., p. 362, consulta a
25.11.1694, Maço 12, n.º 109). Era parente do comissário Teodósio
Agorreta (que teve provisão de comissário a 11 de Agosto de 1677),
tesoureiro-mor da Sé de Leiria e natural de Alcobaça, irmão de João
Félix Agorreta. Casou e foi pai, entre outros, de Francisco Caldeira de
Araújo, que teve tença e hábito de Cristo em 1722 - ANTT, RGM, D.
João V, Liv. 13, fl. 366v.].
102
Nascido no Turcifal, foi Familiar do Santo Ofício (Carta de 12 de Outubro de 1707; ANTT,
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Luís, mç. 11, doc. 264) e Moço Fidalgo da
Casa Real por sucessão de seu Pai (Alvará de 2 de Novembro de 1702 – ANTT, RGM, D. Pedro
II, Liv. 15, fl. 116v.). Descendente dos Gorjões primitivos, era filho legítimo de Pedro Moniz
Pereira, natural do Turcifal (que aí morreu a 4 de Dezembro de 1700 – Liv. O-2, fl. 19v.), e de
sua mulher D. Luísa Jerónimo de Mello Noronha, natural de Setúbal (aos quais morre a filha D.
Maria no Turcifal, a 5 de Dezembro de 1699); neto paterno de Manuel Moniz Pereira, natural
de Lisboa (Anjos) e de sua mulher D. Francisca Maria de Brito, natural de Sacavém e moradores
na sua Quinta da Fonte do Louro; neto materno de Manuel de Noronha, natural de Alcácer do
Sal, e de D. Maria (Brites) da Gama, natural de Aljustrel; bisneto, pelo avô paterno, de António
Moniz Pereira e de D. Isabel Sentil da Silva (Gorjão), «que depois de ter vários filhos de seu marido
se meteu freira em Santa Clara de Lisboa, e seu marido se fez frade bento», com o nome de Frei
António das Chagas (Série Genealógica, cit.).
103
Meu 6.º Avô por linha varonil legítima (b. Roliça, 2 de Junho de 1680 – f. Bombarral, Palácio
Gorjão, a 15 de Dezembro de 1745), licenciou-se em Leis na Universidade de Coimbra (11 de
Maio de 1709), foi Fidalgo Cavaleiro da Casa Real (1697 e 1739), Provedor da Misericórdia de
Óbidos (1721-1722) e sucedeu na Casa de seus Pais a seu irmão (em 1714).
104
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 36, fl. 328.

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miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

para FSO, o que obteve por carta de 4 de Setembro de 1747 105, onde se lê que «ele
por si, e seus Pais e Avós paternos e maternos, é legítimo e inteiro X.V. (cristão velho)

José Coutinho – mercê de Cavaleiro Fidalgo

limpo de toda a raça de infecta nação sem fama nem rumor em contrário; é de bons
procedimentos de vida e costumes, capaz de ser encarregado de negócios de importância
e segredo, vive limpa e abastadamente na companhia de seus Pais, que são ricos, sabe ler
e escrever, tem mais de vinte anos de idade, nunca foi casado e não consta ter filho algum
ilegítimo, nem que ele ou algum dos seus ascendentes fossem presos nem penitenciados
pelo Santo Ofício nem incorressem em infâmia alguma ou pena vil e tem os mais
requisitos» 106. Fez a habilitação para a Ordem de Cristo (23 de Junho de 1756 107),
de que teve o Hábito e professou com a tença habitual de 12$000 réis 108, pela
renúncia de Pedro Figueiredo (20 de Setembro de 1757, por carta padrão 109).

105
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, José, Maço 57, n.º 879. O
processo está disponível em http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2333824.
106
Parecer da Mesa, de 4 de Novembro de 1746.
107
BORREGO, Gonçalo N. P., Habilitações para as Ordens Militares, tomo II, 2008, pp. 85 (Maço
7, nº 20).
108
«Quase todos os cavaleiros recebiam nem que fosse a tença de 12.000 réis, salvo excepções.
O objectivo visado seria garantir a dignidade do estatuto» – Olival, Fernanda, As Ordens
militares e o Estado moderno – Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), dissertação
de Doutoramento, Estar, 2001, p. 47.
109
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 7, fls. 415v., 424v., 425v. e 426v. O serviço militar em Mazagão,
desde que durasse cinco anos e se atingisse posto militar acima de soldado, era suficiente para
obter o hábito de Cristo, como nota Fernanda Olival (As Ordens militares e o Estado moderno,
cit., p. 520; vide também pp. 246 e seguintes, sobre a renúncia de Hábitos). Pedro de Figueiredo
era natural de Mazagão e filho de Francisco Fernandes Lanhoso. Tinha duas filhas e dizia-se

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RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Proprietário do ofício de Escrivão do Crime da Ribeira (teve mercê do


ofício por Provisão de 2 de Maio de 1750 110), que não serviu, pelo menos durante
algum tempo, pois teve Alvará para receber o ordenado de 144$ em cada ano (em

Habilitação para FSO (esquema genealógico)

muito pobre e com dívidas. E é nesse quadro que obtém e depois renuncia na mercê do Hábito
de Cristo, que tinha tido com os habituais 12$ de tença, que pedia que a mercê se verificasse «em
um contraparente seu José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão», sem especificar, o que obteve com
a condição de o beneficiado cumprir as provanças (Alvará de 22 de Abril de 1755 – à margem:
em 13 de Maio de 1755). Mais adiante, noutra letra, se lê que Pedro de Figueiredo devia a
José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão «muitas obrigações por lhe ter valido nas suas misérias» e
porque «com o produto da dita renúncia podia satisfazer algumas dívidas e porque (…) lhe haviam
feito algumas penhoras». A renúncia tinha sido feita, primeiro, nas notas do tabelião Teodósio José
de Castro, em Outubro de 1755 e ratificada por outra feita nas mesmas notas em 30 de Abril.
110
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 41, fl. 270 v. (v. igualmente, Liv. 36, fl. 328)

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miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

1752 111 e em 26 de Novembro de 1760 112). Diz a Série Genealógica que foi
Escrivão dos Contos do Reino.
Casou em Lisboa, na freguesia de São Vicente de Fora, a 19 de Maio de
1753, com D. Antónia Maurícia Roquette de Moura Feyo 113, esta representada
por seu procurador Rodrigo António Galvão, baptizada em Lisboa (Mártires), a
22 de Dezembro de 1731 114, filha legítima de José Roquete da Silva 115, Capitão
Tenente de Infantaria do Regimento da Armada, nascido em S. Pedro de Alcân-
tara e baptizado na freguesia da Ajuda (Lisboa), a 23 de Setembro de 1700 116,
Escudeiro-Fidalgo com 450 réis de moradia por mês e logo acrescentado a Cava-
leiro-Fidalgo da Casa Real com mais 300 réis em sua moradia, «tendo em conside-
ração [o facto de] haver servido por espaço de 24 anos no regimento da Armada, em
praça de soldado e no posto de Alferes que actualmente está exercitando com satisfação»
(Alvará de 13 de Janeiro de 1743 e apostilha do mesmo dia do ano seguinte 117) e
administrador da Capela instituída por Manuel Moreno Chaves (Carta de 3 de
Fevereiro de 1750 118), e de sua mulher D. Catarina Antónia Josefa de Moura

111
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 5, fl. 48.
112
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 15, fl. 270. Neste se explica que «servia de oficial do registo da mesa
grande do despacho dos Contos do Reino e Casa (…) por nomeação do Contador-Mor há mais de 14
anos». Foi-lhe «constituído ordenado de 144$ pagos pelo Cofre dos mesmos Contos, pelo Alvará do
regimento de 29 de Dezembro de 1753, no qual ofício ordenou o dito Sr. se encartasse por Decreto
seu de 18 de Abril de 1755, e ultimamente por resolução de 24 de Setembro do presente ano, que foi
servido tomar em consulta do Conselho da Fazenda (…) Há S. Mg.de por bem fazer-lhe mercê do dito
ofício e com ele tenha e haja os referidos 144$ de ordenado em cada um ano pelos mesmos Contos pelo
tempo somente que o exercitar e o dito Sr. não mandar o contrário».
113
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. C-3, fl. 210. Foram testemunhas o pai da noiva, Capitão
José Roquette (que assina o assento) e o Dr. Francisco Luís Chaves de Carvalho, Ouvidor do
Cadaval (mas a assinatura é de António Luís Soares de Carvalho, cunhado do noivo, que foi
Ouvidor do Cadaval). Antes do casamento foram feitas provanças que estão cosidas às de seu
Marido. Foram aprovadas a 17 de Março de 1752.
114
Apesar de se terem perdido os registos paroquiais da freguesia dos Mártires, a informação consta
das provanças para o seu casamento com o FSO José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
115
Uma irmã, de seu nome D. Inácia da Silva Roquete, habilitou-se em 19 de Outubro de 1740
para casar com um FSO, o Dr. Manuel Francisco Anes Gavião (ANTT, Tribunal do Santo Ofício,
Conselho Geral, Habilitações, Manuel, mç. 94, doc. 1754).
116
E não em Outubro, como se lia nas provanças para casamento da filha – ADL, RPLx, Nossa
Senhora da Ajuda, Liv. B-3, fl. 159v. Foram padrinhos D. José de Vasconcelos e Sousa e Teresa
André, e por ela seu irmão.
117
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 34, fls. 437v. Na mesma folha está o alvará de seu irmão Francisco
António Roquete (que servia como praticante na Vedoria Geral do Exército).
118
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 40, fls. 523-523v. Trata-se da mercê da administração da capela
instituída por Manuel Moreno Chaves na cidade de Elvas e dos seus caídos, que teve por alvará
a 13 de Dezembro de 1749. A mercê é remuneratória dos serviços militares no regimento

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RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Feyo, natural da freguesia de Santa Ana (então já Nossa Senhora da Pena), aonde
foi baptizada em 24 de Novembro de 1690 119, com quem casou em Lisboa, ao
Santíssimo Sacramento, a 25 de Abril de 1733 120 e de quem terá sido segundo
marido; e neta pela parte paterna do Capitão de Mar-e-Guerra Jerónimo Roquette
da Silva, natural de
Belém, então lugar
da freguesia de
Nossa Senhora da
Ajuda, aonde foi
baptizado a 9 de
Agosto de 1665 121, Assinaturas do Capitão José Roquete e de António Luís Soares de
e que casou nas Carvalho (1753)
Mercês, a 27 de

da Armada como soldado e alferes, durante 28 anos, três meses e 17 dias continuados, sem
interpolação, de 18 de Abril de 1718 até 4 de Junho de 1746 (refere-se ainda outra mercê no liv.
9, fl. 182).
119
ADL, RPLx, Nossa Senhora da Pena, Liv. B-6, fl. 84. Com o nome de D. Catarina Maria Feya,
teve tença remuneratória de 48$ (Padrão de 28 de Abril de 1718) dos serviços de seu Pai o
Capitão de Cavalos José de Moura e de seu irmão, o também capitão de Cavalos João de Moura.
Esta D. Catarina havia casado com o Tenente de Cavalos Leandro Galvão de Araújo e Oliveira,
após o que «ficara com grandes empenhos e encargos de 3 filhas», pelo que pedia para renunciar a
tença numa das suas filhas, «para se recolher e alimentar em qualquer dos Conventos desta Corte ou
fora dela ou tomar qualquer estado por ser pessoa de conhecida nobreza e terem seus Pais e Avós servido
com muito zelo no Real serviço». O rei aceitou a renúncia em favor da filha D. Ana Joaquina
Xavier (Padrão de 19 de Julho de 1748; passou-se-lhe outro a 22 de Março de 1749; a mercê
refere outros registos, no Liv. 8 de D. João V, fl. 172; e no Liv. 28 de D. Maria I, fl. 161, que não
pude consultar).
120
ADL, RPLx, Santíssimo Sacramento, Liv. C-5, fl. 58v. Curiosamente, ou talvez não, na habilitação
para o casamento o noivo informa que os Pais da noiva casaram em 1729, o que teria feito com
que tivesse nascido já na constância do casamento e não dois anos antes.
121
Ele filho primogénito do segundo casamento de «Cláudio de la roqueta», «Sargento da Torre de
Belém», com Grácia de Oliveira (em Lisboa, na freguesia da Ajuda, a 28 de Maio de 1664 –
ADL, RPLx, Nossa Senhora da Ajuda, Liv. C-1, fl. 276), e é varão do tronco original da Família
Roquete portuguesa (sendo que se extinguiu esta varonia, ainda que o apelido, como se sabe,
continue a ser usado), que nasceu em Paris (freguesia de Saint Germain), como se lê num
processo de habilitação para o Santo Ofício, além de noutros; morreu a 17 de Abril de 1675
em Belém, onde morava, sem testamento, sendo «enterrado no Convento de Belém na Capela
dos Irmãos dos Santos Passos aonde têm seu jazigo os irmãos da mesma irmandade» (ADL, RPLx,
Nossa Senhora da Ajuda, Liv. O-2, fl. 56v.) – sobre esta família, vide Azevedo, Marcelo Olavo
Corrêa de, «Estudos Vários», Raízes & Memórias, n.º 3, 1988, pp. 115-117 (à época parecem
por isso os Roquettes de que trato aqui são tão ou mais qualificados do que aqueles de que trata
este excelente genealogista; e quanto ao mais é uma questão de opinião, até porque a varonia de
Cláudio Roquete subsistiu poucas gerações – cfr., p. 116).

481
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

Novembro de 1697 122, com D. Antónia Maria Cochete, baptizada na mesma


freguesia das Mercês a 3 de Fevereiro de 1675 123, avô que teve o comando da nau
da viagem Nossa Senhora da Madre de Deus (Provisão de 26 de Março de
1735 124) e extensas mercês no RGM do Rei D. João V 125; e neta pela parte
122
ADL, RPLx, Nossa Senhora das Mercês, Liv. C-2, fl. 4v. Aí o pai já é chamado “Cláudio Roquete”.
123
Filha de André Cochet e de Maria Guinet, também franceses, como se lê noutro processo –
ADL, RPLx, Nossa Senhora das Mercês, Liv. B-1, fl. 90v.
124
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 13, fl. 520v. A filha D. Inácia Roquete, tia paterna de D. Antónia
Maurícia, teve mercê de tença régia de 50$000 réis (Alvará de 29 de Novembro de 1736 –
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 11, fls. 158-158v.
125
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 11, fls. 158-158v. São essencialmente três textos diferentes,
complementares, cujo teor é o seguinte, e ilustrativo de que a genealogia tem por atrás de si
vidas vividas com muito sacrifício e serviço, bem como a gestão do espaço marítimo do império
português (actualizei a grafia e desdobrei as abreviaturas, etc. – o texto original está disponível on
line, em http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1889057, acedido a 17 de Novembro de 2016):
«Jerónimo Roquete disseram ser filho de Cláudio Roquete, e natural de Belém, termo desta cidade
«Houve S. Majestade por bem, tendo respeito ao dito Jerónimo Roquete haver servido no terço da
Armada por espaço de 33 anos, 11 meses e 23 dias (…) continuados de 17 de Novembro de 1685
até 10 de Novembro de 1719, em que ficava continuando em praça de Soldado, Cabo de esquadra,
Sargento de mar e guerra, Alferes pr.º e Sargento, Capitão Tenente das fragatas da Armada Real que
exercita por patentes régias, embarcando-se no decurso do referido tempo, em 13 armadas que foram
a correr a costa e com muitas delas saíu duas vezes, indo à Ilha Terceira, à praça de Mazagão e ao
porto de Cádis, correndo a Costa até à altura do Porto, dando caça às embarcações que avistaram; em
1691 se embarcou na fragata Penha de França, de guarnição que foi a correr a costa até à altura de
Caminha, e esperar pela Nau da Índia e frotas do Brasil e, faltando mantimentos para os soldados e
mais gente marítima, os ir tomar ao Porto por ordem de S. M., e vindo de volta para esta cidade lhe
deu um temporal que desarvorando a dita fragata todos os mastros, entrou no porto dela (…) traba-
lhando nesta ocasião com diligência e cuidado com tudo o que lhe foi ordenado; em 1692, andando
correndo a costa de Espanha até a da Berbéria, deu caça a alguns navios dos Turcos, e avistando outros
de Mouros, tomar a um deles uma gabarra castelhana que levavam carregada de sal, pondo-se logo o
fogo a outro entre Ceuta e Tituão; em 1705, sendo primeiro capitão (…) se embarcou na fragata S.
Luís que foi com aviso ao Rio de Janeiro, e de volta para esta cidade vir comboiando os navios da frota
até se recolherem; em 1709 embarcar por Capitão Tenente da fragata Santiago, que foi de comboio
ao Rio de Janeiro, e partindo daquele porto em 17 de Abril do dito ano foi à Bahia e a Pernambuco
a buscar os navios que lá estavam e vindo para esta cidade, em 1711 tornara a embarcar na fragata
Nossa Senhora da Esperança, em companhia da frota da Bahia, e chegou ao porto desta cidade em
9 de Outubro de 1712; e ultimamente no de 1717 se embarcou a correr a costa e esperar duas naus
da Índia e a frota do Brasil, que comboiou até ao porto desta cidade, assistindo a tudo o que lhe foi
ordenado com muito cuidado e zelo do Real serviço, e na bataria da coberta de baixo, por ocasião do
combate que se oferece em todas as faixas marítimas com bom procedimento e por estes respeitos Há
S. M. por bem lhe fazer mercê de o habilitar para se poder opor às capitanias de viagem das naus da
carreira da Índia. De que lhe foi passado Alvará de 22 de Dezembro de 1719».
«houve S. Mg.de por bem, tendo respeito aos serviços do dito Jerónimo Roquete, obrados por mais
de 51 (sic) anos, contados desde 17 de Novembro de 1685 até 20 de Maio de 1734, em praça de (…)
Soldado lobo de esquadra, sargento de mar e guerra e nos postos de Alferes de mar e guerra, segundo

482
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

materna do Capitão José de Moura, Capitão de Cavalos do Regimento de Alcân-


tara, natural e baptizado em Lisboa, na freguesia de Santa Engrácia do Paraíso, a
28 de Julho de 1645, e que casou em S. Lourenço, a 23 de Junho de 1674 126, com
D. Vicência Maria
Feyo, baptizada na
freguesia de Santa
Catarina do Monte
Sinai a 29 de Promoção de Jerónimo Roquete, habilitando-o para capitão das
Janeiro de 1653 . 127 Naus da Índia
Foram pais, entre
outros, de:

6.1. Diogo Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Foi baptizado em Lisboa,


na freguesia de São Vicente (de Fora), a 29 de Setembro de 1755,
sendo padrinhos o desembargador António da Costa Freire e Nossa
Senhora da Penha de França 128. Teve a propriedade do ofício de

Diogo Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão


Escrivão do Crime do Bairro da Ribeira (30 de Janeiro de 1792 129),
ao qual renunciou em virtude de ter seguido a carreira militar nas
«Aulas da Marinha e Desenho, Fortificação e Artilharia» e ter assen-
tado «praça de soldado voluntário no Regimento de Infantaria da guar-

Capitão , Tenente, Primeiro Capitão Tenente e ultimamente de Capitão de mar e guerra no tempo
referido, se embarcar em 21 armadas de guarda costas e comboio de Frotas, no de (…) [seguem-se
amplos serviços até 1719] e no de 1721 embarcar por Capitão de mar e Guerra da Nau de (…) da
Índia, e se conduzir para o porto (?) de Moçambique tendo notícia que 2 corsários iam atacar (…)»
(o acto de bravura, difícil de ler, mereceu a tença de 50$000 réis em favor de sua filha D. Inácia,
por alvará de 29 de Novembro de 1735).
A terceira mercê é a de renúncia a mercê do Hábito de Cristo e a tença de 30$ 000 réis.
126
Filho de Manuel Martins de Moura e de Catarina de Macedo, o noivo natural da freguesia
de Santa Engrácia. Ela filha do Capitão Mateus Lopes de Abreu e de D. Jacinta Fea, natural
de Lisboa, da freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai. Casaram por procuração, a noiva
representada pelo Capitão João Soares de Carvalho – ADL, RPLx, São Lourenço, Liv. M-1, fl.s
17-17v.
127
Dita aí filha de Mateus Lopes e de Jacinta Feia.
128
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. B-4, fl. 17.
129
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v.

483
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

nição da Corte, de que é Coronel Gomes Freire de Andrade, e onde


estava servindo com exactidão e sem nota alguma» (Carta de D. Maria
I, de 27 de Julho de 1793 130).
Teve o mesmo foro de Escudeiro Fidalgo, logo acrescentado
a Cavaleiro Fidalgo, de seu irmão Francisco Miguel, nos mesmos
termos e data (3 de Dezembro de 1795). Servia como Ajudante no
Regimento de Voluntários Reais de Milícias a pé de Lisboa Ocidental
(desde 7 de Fevereiro de 1793) quando foi reformado com a graduação
de Capitão (Ordem de Serviço de 21 de Fevereiro de 1820) 131. Em
1814 o seu cunhado pediu que lhe fosse dado emprego no Hospital
da Estrela 132. Supomos que devia ser de maior simpatia liberal, como
assim o dá a entender a Memória sobre a organização e recrutamento
das milícias que, apresentando-se como “cidadão constitucional”, fez
em 1823 133. Mas, sintomático dos tempos de filiações complexas que
então se viviam, em 1828 dirige ao Rei D. Miguel I uma carta onde
se apresenta como «Fidalgo da Real Casa, condecorado com as medalhas
de ouro, de fidelidade ao Rei e à Pátria, e da Real Efígie, Capitão refor-
mado de infantaria, soldado da 1.ª companhia de voluntários realistas
urbanos» 134, mais constando do seu processo no Arquivo Histórico
Militar notícia de que, sendo nomeado em 1819 para Pernambuco,
permaneceu em Lisboa até 1823 e «tive a honra de acompanhar no dia
30 de Maio de 1823 a S. M. I. e Real (que em Santa Glória descanse)
para Vila Franca da Restauração, junto ao corpo da Brigada Real da
Marinha, armado como soldado» 135.
Casou em Lisboa, na freguesia de São Paulo, a 4 de Fevereiro
de 1793 136, com D. 137 Engrácia Theodora Coutinho Chapouset,

130
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v. Invocando também a obrigação de sustentar sua mãe
e irmãos.
131
Gazeta de Lisboa, n.º 53, de 2 de Março de 1820.
132
Por ter «numerosa Família e falta de meios (…) sendo aliás de distincta família e possuindo
bastantes conhecimentos e serviços que o abonam» – Requerimento de João da Matta Chapuzet
(com assinatura autógrafa do requerente – AHM, Processos individuais, Diogo Coutinho Bravo da
Fonseca, cx. 530). O processo contém também um requerimento do próprio Diogo, com uma
resenha da sua carreira militar e os serviços que não lhe foram remunerados.
133
Que pode ser consultada no Arquivo Histórico Militar, com a cota PT/AHM/DIV/3/02/07/31.
134
Disponível em versão integral em http://arqhist.exercito.pt/ViewerForm.aspx ?id=217121,
acedido a 2 de Setembro de 2015.
135
O processo é muito volumoso e com muita informação – AHM, Processos individuais, cx. 275.
136
ADL, RPLx, São Paulo, Liv. C-4, fl. 26v.
137
Com “D.” no assento de casamento do filho.

484
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

natural da freguesia de São Salvador de Angra 138, filha de João


Chapucet e de Felícia Mariana Chapuset. Terão sido pais de “nume-
rosa família”, de que se identificaram apenas, por ora:

6.1.1. José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Nasceu a 27 de


Janeiro de 1794 e foi baptizado na freguesia de São Paulo, a
20 de Fevereiro seguinte 139. Seguiu a carreira militar, tendo
sido cabo da esquadra do batalhão de artífices engenheiros.
Requereu em 11 de Agosto de 1822, sendo então soldado
voluntário da 4.ª Companhia do 1.º Batalhão do regimento de
infantaria n.º 4, o reconhecimento como Cadete, «pois tem as
qualidades precisas para o poder ser» e obteve a 16 de Setembro
licença para frequentar o 2.º ano da Academia da Marinha,
que completou. Fez a Guerra Peninsular e conhece-se o seu
percurso pela exposição que fez e se encontra o Arquivo Histó-
rico Militar 140. Casou duas vezes. Casou in articulo mortis,
pela segunda vez, em sua Casa, na freguesia de Carnide, a 30
de Abril de 1839, com Maria Antónia, solteira e provavel-
mente em risco de vida, filha legítima de Bento Rodrigues e
de Leocádia Joaquina, naturais e baptizados na freguesia da
Lapa, em Lisboa 141. O Pd. José Baptista Pereira 142 põe a hipó-
tese de serem estes Coutinho Gorjão, nesta época, donos da
Quinta das Médicas, vulgo do Sarmento ou também Quinta
das Mercês.

6.1.2. Pedro Eduardo Coutinho Bravo de Sequeira Gorjão. Natural


da freguesia de São Paulo, nasceu a 13 de Outubro de 1809 e
foi baptizado a 18 de Novembro do mesmo ano 143. Casou na
138
Assim no assento de casamento. No de casamento do filho José dizia-se que era da freguesia de
São Paulo. Em São Paulo, de facto, casaram.
139
Foi padrinho Luís Pereira da Cunha Sarmento, da freguesia de Santa Engrácia – ADL, RPLx, São
Paulo, Liv. B-4, fl. 78v.
140
Onde pede um ofício – que não teve. O Conde de Porto Santo deu parecer negativo, em 23 de
Julho de 1825. O documento pode consultar na internet ou no Arquivo Histórico Militar, em
http://arqhist.exercito.pt/ViewerForm.aspx? id=205815ou, nos processos individuais, cx. 252 (o
processo contém várias assinaturas autógrafas).
141
ADL, RPLx, São Lourenço de Carnide, Liv. C-6, fl. 24.
142
Revista Instituto, vol. 61, pág. 420.
143
Foi padrinho Manuel António da Fonseca Lemos, da freguesia de Santa Catarina – ADL, RPLx,
São Paulo, Liv. B-5, fl. 41v.

485
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

igreja paroquial de São Lourenço de Carnide, a 26 de Maio de


1836 144, com D. Joana Paula da Silva, natural e baptizada na
mesma freguesia de Carnide, filha de José Joaquim da Silva 145
e Luisa Teresa dos Mártires, e já viúva de Gaspar António
de Sá Sarmento Pimentel 146, «natural daqui». Foram teste-
munhas Caetano António da Silva e António Maria Xavier
Pereira Menezes.

6.2. Manuel José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão, que segue

6.3. Joaquim Inácio Bravo da Fonseca Gorjão. Teve o mesmo foro de seu
irmão Francisco Miguel, nos mesmos termos e data, de Cavaleiro-
-Fidalgo (3.12.1795) 147. Foi testemunha, assinando o assento, do
casamento de sua prima D. Leocádia.

6.4. Maria, baptizada em Lisboa (Santa Engrácia do Paraíso), a 18 de


Outubro de 1764, sendo os pais então moradores na Travessa da
Piedade, e tendo por padrinho «o Ilustríssimo Monsenhor D. Miguel
de Portugal» 148.

6.5. Francisco Miguel Bravo da Fonseca Gorjão. Nasceu a 8 de Maio e foi


baptizado em Lisboa (Santa Engrácia) 149, a 29 de Maio de 1768. Já
tinha morrido a 7 de Janeiro de 1839. Realce-se que foi filhado com
o foro de seu Pai e avós, mas que o facto de ser o primeiro a aparecer
no RGM não tem qualquer significado quanto ao seu lugar na ordem
do nascimento (Portaria do Mordomo-Mor de 17 de Novembro de
1795 – Alvará de 3 de Dezembro de 1795), como a data de baptismo
confirma.

144
ADL, RPLx, São Lourenço de Carnide, Liv. C-6, fl. 10v.
145
O qual assinou o assento de casamento da filha.
146
Tinha casado com este em 6 de Junho de 1824, em Lisboa, em São Lourenço de Carnide (Liv.
C-5, fl. 43v.), sendo ele viúvo de D. Aureliana Rita Pereira da Trindade, «enviuvado na freguesia
de S. Nicolau» (e, de facto, pode encontrar-se o assento de óbito desta no Liv. O-2, fl. 10, da
referida freguesia), a 7 de Fevereiro de 1819. Morreu com os Santos Sacramentos e era moradora
na Rua Bela da Rainha.
147
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 18, fl. 279v.
148
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-10, fl. 112.
149
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-10, fl. 236v.

486
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Francisco Miguel Coutinho, como se assinava, casou na


freguesia de Santa Engrácia do Paraíso, a 8 de Fevereiro de 1794 150,
com Antónia Joaquina, nascida e baptizada em Lisboa, na paróquia
de Santo Estêvão de Alfama, filha legítima de Manuel Marques e de
Inês Joaquina. Foram pais, pelo menos, de:

6.5.1. Francisco José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Nasceu em


Lisboa, na freguesia de Santo Estêvão de Alfama. Casou em
Lisboa, na freguesia de São Vicente de Fora, a 7 de Janeiro de
1839, com Gertrudes Magna da Conceição, filha de Manuel
António Soares e de Maria Francisca do Nascimento 151. Smn.

6.5.2. Joaquim. Baptizado em Santo Estêvão de Alfama a 7 de Julho


de 1810 152.

6.2. Manuel José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Nasceu em Lisboa e


foi baptizado na freguesia de S. Vicente de Fora, a 18 de Abril de 1757 153, sem
prejuízo de o assento ter sido lavrado na freguesia de Santa Engrácia, onde os
assentos seguintes o dizem baptizado.
Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, por Alvará de 3 de Dezembro de 1795 154.
Teve uma rica carreira militar. Assentou praça a 6 de Novembro de
1776 , sendo promovido a Alferes do Regimento n.º 7 em 1801 156, posto que
155

150
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. C-10, fl. 74v.
151
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. C-8, fls. 133v.-134. Foram testemunhas, que assinaram o
assento, o pai da Noiva, morador na Rua do Almeida, em Santo Estêvão de Alfama, e Gregório
Bento Marques.
152
ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv. B- fl. 59v. Foi padrinho Joaquim Elias.
153
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-9, fl. 185.
154
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 18, fl. 279v.
155
O processo contém transcrição da certidão sobre o assentamento como praça, passada por Dom
Gregório José Ferreira de Eça, Conde de Cavaleiros e em 1805 Comandante do regimento do
Caes. Os demais documentos são certidões abonatórias passadas pelo Marquês de Saya (1808),
Pedro António Virgolino (1809), Frederico, barão de Eben (1808), Domingos Bernardino de
Sousa (1811), de vários (1809), de Carlos Frederico Licor (1810) ou, entre outros, também
de Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda (1810), a maior parte delas reconhecidas por seu
parente o tabelião Manuel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito.
156
Na vaga por promoção de José Jerónimo Granate para o Regimento de Moura. Este processo
contém a sua assinatura autógrafa – AHM, Processos individuais, cx. 170. O requerimento para
promoção foi passado por certidão assinada por seu avô Joaquim José de Brito.

487
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

ocupava em 1804 157 e ainda «quando os Franceses vieram a Portugal, que descarada-
mente manifestaram Sua Traição e pérfidas Tramas, fazendo o mesmo aos Espanhóis,
estes procuraram vingar-se, promovendo a Sua Glória, insurreição animou esta aos
Vassalos de S.M.F. ainda todo o Reino se achava não tranquilo, mas sim conhecida
deliberação quando o Suplicando, unindo a si alguns dos seus Concidadãos, Marcha
Voluntário com seu filho a apresentar-se ao General espanhol D. Gregório de la Costa,
que comandava em Chefe o Reino de Castela a Velha; este General aceitou as suas
ofertas e o nomeou comandante de todos os Portugueses no dia 12 de Junho de 1808
(sic); e vindo o Inimigo a querer tomar a Ponte da vila de Cabeção foi nomeado para
defender a dita Ponte, o que satisfez, sofrendo uma ferida em uma perna, conservou o
posto até que se acabaram as munições, e por cuja acção foi nomeado Tenente Coronel,
em cujo posto se conservava na Batalha de Rio Seco, no dia 14 de Julho do mesmo
ano, e em outras acções que deram ocasião a ser Nomeado Coronel, como prova pelos
Documentos n.os 2.º e 3.º, logo que o Suplicante teve Notícia da sublevação do Porto
e que por Ordem da Junta do Governo nesta estabelecida se mandava recolher os
Portugueses para a Feliz Restauração deste Reino, imediatamente se pôs em marcha
para a dita cidade e se apresentou no Quartel General deixando todos os seus interesses
e Postos que tinha em Castela, e foi Nomeado Capitão de Cavalaria da Leal Legião
Lusitana, e Comandante do 2.º Batalhão da 2.ª Divisão, como consta do documento
n.º 4, e pelos de n.os 5.º e 6.º se prova que o Suplicante organizou o 2.º e 3.º Bata-
lhão e serviu de Manjor (sic) de Brigada na Batalha de Braga e Porto, distribuindo
todas as ordens como se vê do documento n.º 7, animando a todos com seu exemplo; e
desorganizando-se o dito Corpo de Cavalaria foi nomeado no mesmo posto de Capitão
do Regimento de Cavalaria n.º 5, e foi Comandante dos Postos avançados da Beira
Baixa, em Julho de 1810 e se comportou como consta dos Documentos n.º 8.º e 9.º, e
reuniu-se ao seu regimento em Badajoz; foi comandante do 2.º Esquadrão da Acção
de fonte de Cantos, como prova o documento n.º 10». Esta longa narrativa suportava
o pedido de reforma com a patente de Major, após ter tido 34 anos de serviços e
quando lhe faltavam onze meses para poder ter a reforma com a referida patente.
Submeteu um requerimento aos Governadores do Reino em 1811 158. Reformou-
-se com a patente de Major 159, servindo no Regimento de Cavalaria n.º 5, de

157
Ano em que pediu licença para ir ao Porto tratar de negócios «interessante à sua Casa», por dois
meses – AHM, Processos individuais, cx. 170.
158
AHM, Processos individuais, cx. 316. O seu requerimento foi anexado, no ofício do Conde de
Linhares dirigido ao “Snr. Cardeal Patriarca eleito”, aos requerimentos apresentados por António
Joaquim Ramalho Ortigão, Capitão das Ordenanças dos privilegiados da Ordem de Malta,
Bruno Pereira de Azevedo Venegas e Joaquim Manuel Ribeiro de Guimarães.
159
Em 1813 pede o soldo da patente com que lhe deram a reforma. Foi reformado por Carta régia
de 1 de Setembro de 1812 (em mau estado de conservação, consta da cx. 349, no AHM).

488
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

que foi Capitão 160, e como Comandante do 1.º Batalhão da Legião Nacional
do Loreto 161. Em 1816 foi adstrito ao Estado Maior do Exército do Reino do
Brasil (Decreto de 1 de Outubro 162). Nessa qualidade, pediu a remuneração pelos
«seus serviços praticados por tempo de 40 anos, 9 meses e 5 dias, contados desde 6 de
Novembro de 1776, em que assentou Praça de Cadete no Regimento de Cavalaria
n.º 7, até hoje, nos diversos Postos Militares que gradualmente teve, até ao em que se
achava, tendo neste período desempenhado os seus deveres sem nota e com honra na
Guerra da Restauração, e defesa dos meus Reinos contra a invasão dos Franceses, assim
em Espanha como em Portugal». Em resposta, o Rei faz mercê de uma «tença de
100$000 réis no rendimento da Obra Pia, em favor de sua mulher D. Maria Xavier
de Brito e seus filhos ora existentes, repartidamente».
Casou em Lisboa, na freguesia de Santa Marinha, a 28 de Fevereiro de
1786, com D. Maria Casimira Senhorinha Xavier de Brito 163, nascida em
Lisboa (Santa Marinha), filha de Joaquim José de Brito e de sua mulher D.
Mariana Antónia Libânia Xavier Baptista. O pai da noiva, Joaquim José de Brito,
é o tabelião que em 1771 passou uma certidão relativa ao morgado de Diogo
Delgado a pedido de João António de Lemos Pereira de Lacerda Delgado, de
que tratarei em trabalho autónomo com Rita van Zeller, e, além disso, a noiva
era ainda irmã do então Cadete Manuel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito,
que aliás está referido no assento, e que foi o tabelião que escreveu o contrato
esponsalício (a 31 de Outubro de 1817) 164 que os meus 4.º avós [D. Maria da

160
O original da Carta patente de nomeação do Capitão de Cavalaria do Leal Legião Lusitana para
Capitão do Regimento de Cavalaria n.º 5 consta do AHM (Processos individuais, cx. 170-A),
passada a 16 de Dezembro de 1809, assinada pelo “Príncipe”, pelo Marquês de Angeja e por
Francisco Veiga Cabral, na sequência de Decreto de S.A.R. de 6 de Outubro.
161
O Marquês de Aguiar, a 1 de Agosto de 1814 no «Palácio da Real Fazenda de Santa Cruz»,
despacha o pedido de prorrogação da licença “com que veio desse Reino”.
162
AHM, Processos individuais, cx. 535. No mesmo dia foram assinados decretos de promoção de
D. Francisco da Costa de Sousa de Macedo e de José Joaquim de Azevedo.
163
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. C-4, fl. 68v. A situação patrimonial da Família não foi sempre
a melhor. No AHM há requerimento de D. Maria Casimira Xavier de Brito, sendo o marido
então Capitão do Regimento de Cavalaria n.º 5, a pedir o soldo de seu marido, visto ter sido
«penhorada pela venda das suas Casas» e porque «tem os seus trastes no Depósito para o fim de
serem pagos».
164
Que pode ler-se em TT, Desembargo do Paço – Corte, Estremadura e Ilhas, mç. 1503, n.º 9. Assistiu
no contrato a “imediata sucessora do vínculo, Dona Maria Francisca de Nápoles Gorjão, de dois anos
de idade”, o advogado Jacinto José Vieira, da Casa da Suplicação, como curador nomeado pelo
Desembargador José Maria Cardoso Soeiro. No contrato, “Duarte Gorjão …” declara a “muita
afeição que tinha à dita” sua noiva, “vendo que a mesma era dotada das mais brilhantes virtudes e
qualidades estas, que adornavam”. Pelo contrato, o noivo ficou de dar à noiva jóias no valor de
dez mil cruzados metálicos, bem como, “mensalmente, a quantia de trinta mil réis, em moeda de

489
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

Piedade Infante de Lacerda Castelo Branco (1797-1866) e Duarte Gorjão da


Cunha Coimbra Botado (1782-1827)] celebraram e que o noivo depois apre-
sentou ao Rei D. João VI para obter a carta de «confirmação de doação de jóias,
trinta mil reis para alfinetes», etc., a sua «futura noiva» (Carta de 7 de Novembro
de 1817 165). Este Manuel Joaquim teve o foro de Escudeiro Fidalgo da Casa Real
logo acrescentado a Cavaleiro Fidalgo com 750 réis de moradia, mercê onde se
pode ler ser «descendente de Famílias distintas em que algumas se distinguiram no
meu serviço com pronta satisfação, e ele mesmo não tem deixado de os imitar com o

metal, a título de Alfinetes”. A isto acresceria, em caso de dissolução do matrimónio, “não só no


caso de divórcio ou viuvez, mas igualmente em todo e qualquer caso de separação dos cônjuges”, os
600$000 réis anuais a título de arras e alimentos, que serão entregues em mesadas de 50$000
réis metálicos na sua casa de residência. Foram testemunhas o Desembargador Manuel Gomes
de Mello e o Ilustríssimo Pedro José Pereira de Carvalhal. Escreveu o tabelião Simpliciano Xavier
de Brito. Também na petição para a nomeação do curador de sua filha herdeira, transcrita, é
identificado como “Fidalgo Cavaleiro da Casa de Sua Magestade” (fl. 8). Testemunharam ainda
no processo Francisco Tomé da Silva, negociante, o Pd. José Theotónio Canuto de Forjó e
Alcino António de Sousa.
165
ANTT, Chancelaria de D. João VI, Liv. 12, fls. 165v-166, e Liv. 22 , fl. 174; pediram também
a confirmação do contrato dotal (ANTT, Desembargo do Paço – Corte, Estremadura e Ilhas, mç.
920, n.º 3). O teor da carta é o seguinte:
“Dom João et.ª Faço saber aos que esta Minha Carta de Confirmação e Insinuação de Doação
uirem que Duarte Gorjão da Cunha Coimbra Botado, Fidalgo Cavaleiro da Minha Caza, e Tenente
Coronel do regimento de Melicias de Torres Vedras, tendo contratado o seu segundo consorçio com
D. Maria da Piedade Infante de Lacerda, filha de Nuno Infante de Sequeira Correia da Silva de
Carvalho também Fidalgo da Minha Caza Comendador da Ordem de Christo, e Gouernador da
Praça de Cezimbra e de D. Maria Micaela de Lacerda Castelo Branco, pos na Minha Real Prezença
a Escriptura do seu contracto Esponsaliçio, feita aos 31 de Outubro proximo pretérito em Notas do
Tabalião desta cidade Manoel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito na qual se obrigou a dar a
futura Noiva no dia em que com a mesma se receber as Joyas do costume no valor de dés mil cruzados
metalicos, ou a sua importância, e assim mais trinta mil réis mensais a titulo de Alfinetes, e seiscentos
mil réis igualmente metalicos a titulo de Arras para o cazo de Divorçio, Viuvês ou outro qualquer
da separação delles conjuges; Pedindo me que fose servido confirmar o mesmo contracto e constando
pela informação que a este respeito Me deu o Corregedor do Ciuel da cidade Joze Maria Cardozo
Soeiro depois de praticar as deligençias da Ley que na Doação feita pelo suplicante não houue dolo,
ou sedução e que o Vinculo que o mesmo suplicante admenistra pode com o encargo das mençionadas
Arras em que conveyo o menor imediato susesor por seu curador sobre o qual Me consultou á Meza do
Meu Dezembargo do Paço a data dicta: Hey por bem confirmar e insinuar como com efeito confirmo
confirmo (sic) e insinuo, e Hey por confirmado, e insinuado a Doação das Joyas e Alfinetes de que
se faz menção não exçedendo o valor daquelas a quantia de oito mil cruzados, Determinada pelo
Meu Real Decreto de 17 de Julho de 1778. (…)Joaquim Ferreira dos Santos a fes em Lixboa a 7 de
Novembro do Anno do Nasimento de Nosso Senhor Jezus Christo de 1817”.

490
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

mesmo zelo» (Alvará de 23 de Julho de 1822 166). Foram pais, pelo menos, dos
seguintes filhos, que estão documentados 167:

7.1. Joaquim. Foi baptizado a vinte e (…) de Abril de 1787, em Lisboa


(Santa Marinha) 168. Morreu muito novo, a 22 de Outubro do
mesmo ano, na mesma paróquia, sendo os pais moradores na Rua
Direita. Foi sepultado na igreja de Santa Marinha 169.

7.2. Mariano José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão, que segue

7.3. Gregório José da Fonseca Gorjão. Baptizado em Lisboa, no «oratório


das Casas de Joaquim José de Brito», na paróquia de São Tomé, a 24
de Julho de 1791 170. Na sua ficha militar, em 1 de Julho de 1814,
diz que tinha 18 anos e meio. Assentou praça na Artilharia, como
soldado, a 24 de Março de 1813, promovido a Cadete a 18 de
Dezembro do mesmo ano 171. Como não teve tença em 1817, terá
morrido antes dessa data.

7.4. D. Maria da Piedade do Resgate Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.


Nasceu a 29 de Junho de 1792 e foi baptizada no oratório da Casa
de seu avô materno, Joaquim José de Brito, a 24 de Agosto seguinte,
sendo seu padrinho o Capitão António José Soares Braga e madrinha
Nossa Senhora da Soledade 172. Teve, como seus irmãos, mercê de
«12$500 R. no rendimento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica

166
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 16, fls. 140v.-141.
167
Curiosamente, enquanto a sua ficha militar do Regimento do Caes diz que tinha 6 filhos em
1806, a primeira ficha que consultei do Regimento de cavalaria n.º 5 (talvez a primeira nesse
posto, pois invoca o pouco tempo que tem aí de serviço) diz que só tinha 2 filhos, o que significa
que pelo menos cinco dos filhos que aqui lhe descobri já tinham morrido entre 1805 e 1809
(de um deles, aliás, consegui documentar o óbito). A ficha de 1806 mostra que não era muito
instruído, mas que tinha boa conduta e boa vontade, além de honra e bom serviço (AHM,
Processos individuais, cx. 1913).
168
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. B-4, fl. 2 (primeiro assento do livro respectivo).
169
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. O-3, fl. 16v.
170
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 143. Foram padrinhos o seu tio Diogo Coutinho Bravo da
Fonseca Gorjão e Nossa Senhora da Penha de França.
171
AHM, Processos individuais, cx. 1912.
172
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 150.

491
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

pertencendo nos 100$000 réis da referida mercê [a sua mãe] com o


vencimento de 11 de Agosto de 1817» 173.

7.5. D. Maria da Penha de França Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.


Não sei qual das duas Marias é a D. Maria da Piedade. Sabe-se que
também esta teve, como seus irmãos, mercê de «12$500 R. no rendi-
mento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica pertencendo nos 100$000
réis da referida mercê [a sua mãe] com o vencimento de 11 de Agosto de
1817» 174.

7.6. Joaquim. Nasceu a 15 de Fevereiro e foi baptizado na igreja paroquial


de Santo André a, se bem se ler, 21 de Abril de 1796 175, tendo por
padrinhos D. Francisco de Almeida, morador ao Campo de Santa
Clara, e Nossa Senhora da Vida. Como não teve tença em 1817, terá
morrido antes dessa data.

7.7. Francisco. Irmão gémeo do anterior, foi baptizado no mesmo dia,


com os mesmos padrinhos. Como não teve tença em 1817, terá
morrido antes dessa data.

7.8. D. Margarida Carlota Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão, bapti-


zada em Lisboa, na paróquia dos Anjos, a 11 de Dezembro de 1797,
sendo os pais ditos moradores «na Rua Larga da Graça» e sendo
padrinho o tio Manuel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito, «viúvo
e morador defronte do Terreiro» 176. Teve, como seus irmãos, mercê
de «12$500 R. no rendimento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica
pertencendo nos 100$000 réis da referida mercê [a sua mãe] com o
vencimento de 11 de Agosto de 1817» 177.

173
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
174
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fls. 113v.-114: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p.
Portaria do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro
de 30 de Outubro de 1818».
175
ADL, RPLx, Santo André, Liv. B-4, fl. 107.
176
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-17, fl. 20v.
177
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».

492
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

7.9. José Maria Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Nasceu a 21 de


Março e foi baptizado a 19 de Abril de 1800 em Lisboa, na freguesia
dos Anjos 178, sendo padrinho o Conde de Penafiel, D. Manuel José
da Mata Sousa Coutinho. Teve, como seus irmãos, mercê de «12$500
R. no rendimento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica pertencendo
nos 100$000 réis da referida mercê [a sua mãe] com o vencimento de
11 de Agosto de 1817» 179.

7.10. D. Rita Doroteia Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Não encon-


trei o seu baptismo. De qualquer forma, teve, como seus irmãos,
mercê de «12$500 R. no rendimento da Obra Pia, que é a parte que
lhe fica pertencendo nos 100$000 réis da referida mercê [a sua mãe]
com o vencimento de 11 de Agosto de 1817» 180.

7.11. D. Ana Felispina Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Não encontrei


o seu baptismo. Em todo o caso, teve, como seus irmãos, mercê de
«12$500 R. no rendimento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica
pertencendo nos 100$000 réis da referida mercê [a sua mãe] com o
vencimento de 11 de Agosto de 1817» 181.

7.2. Mariano José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão (ou Mariano José
Coutinho Gorjão), nasceu em Lisboa (São Tomé), aonde foi baptizado a 8 de
Fevereiro de 1789 182. Teve, como seus irmãos, mercê de «12$500 R. no rendi-
mento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica pertencendo nos 100$000 réis da
referida mercê [a sua mãe] com o vencimento de 11 de Agosto de 1817» 183.

178
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-17, fl. 113.
179
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fls. 113-113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p.
Portaria do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro
de 30 de Outubro de 1818».
180
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
181
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 114: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
182
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 128.
183
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».

493
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

Seguiu a carreira militar 184. Assentou praça em 1801, frequentou o 1.º e


o 2.º anos da Academia da Marinha e habilitou-se para Cadete, por ter as partes
necessárias de nobreza e pessoais. Assentou praça a 7 de Janeiro de 1802 no Regi-
mento de Cavalaria n.º 7, onde foi Cadete e era, em 1811, Alferes. Serviu na Leal
Legião Lusitana, durante a guerra peninsular. Tendo sido demitido da Leal Legião
Lusitana, foi logo nomeado, a 3 de Novembro de 1819, Alferes de Cavalaria de
Linha da província de Pernambuco, posto que não terá ocupado até 1823, ano
em que continuava em Lisboa, pedia o seu soldo e dizia que não tinha conseguido
ir para o reino do Brasil por não lhe terem assegurado transporte para si, sua
mulher e filhos. Este Mariano José Coutinho Gorjão apresentou-se na Assem-
bleia Constituinte, em 1823, para manifestar a sua adesão à Constituição, mas
no mesmo ano desenvolveu diversas iniciativas para obter a Medalha da Realeza,
e requereu a inscrição na lista das pessoas que foram com SMI e a Real Família a
Vila Franca. Aparece também na Gazeta de Lisboa, em 1823, como Escrivão das
Execuções. Terá eventualmente ido, mais tarde, para o seu posto em Pernambuco,
podendo ser o que aí aparece referido já em 1833. Julgo também que já teria
regressado em 1842, e que será o juiz eleito da freguesia de Almada que é identi-
ficado na Torre do Tombo num processo movido pela Fazenda Nacional 185. Em
1862, no casamento de sua filha D. Henriqueta Amália, era dito «viúvo, oficial de
diligências no Seixal, onde é morador».
Casou em Castelo Branco, na freguesia da Sé, a 10 de Outubro de 1809 186,
com D. Teresa Benedita Mena (que se assinava em 1815 como D. Teresa Bene-
dita Mena de Carvalho Gorjão 187), nascida a 27 de Janeiro de 1788 e baptizada
no Porto (Vitória) a 3 de Fevereiro 188, filha de Manuel Carvalho da Silva Porto
184
AHM, Processos individuais, Cx. 318. O processo contém uma assinatura autógrafa, como
“Mariano José Coutinho”.
185
ADSTB, M.P. c. Mariano José Coutinho Gorjão, Querela 1863, cx. 478/8619. Outro processo é
o Fazenda Nacional c. Mariano José Coutinho Gorjão, 1842-1850, cx 736/17899; e Execução de
dívida (1844-1850), cx. 744/18319; e finalmente, Fazenda Nacional c. Mariano José Coutinho
Gorjão, M. P., Fazenda Nacional / Mariano José Coutinho Gorjão, Juiz Eleito da Freguesia de
Santiago de Almada. Contém 15 apensos que são execuções de dívida à Fazenda Nacional: 1838
- Maria do Cabo; 1838 - Luís José de Carvalho; 1838 - Maria Rita de Paiva Figueiredo; 1840
- Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens; 1840 - Francisco Pereira; 1841 - Francisco
Pereira; 1840 - Alexandre da Silva; 1840 - Inácio Augusto; 1840 - Francisco Pereira; 1840 -
Francisco Pereira; 1840 - Alexandre da Silva; 1840 - Domingos Martins; 1840 - Doroteia Maria;
1838 - Joaquim Ferreira; 1838 - Joaquim Ferreira. Houve suspeitas de actuação do Juiz Eleito
nestes processos.
186
ADCBR, Registos paroquiais de Castelo Branco, Liv. C-2 (?), fl. 39.
187
Em diversos recibos de quitação relativos ao recebimento do soldo militar mensal de seu marido,
entre Janeiro e Junho de 1815 (Arquivo Histórico Militar).
188
ADPRT, Registos paroquiais do Porto, Vitória, Liv. B-6, fl. 42v.

494
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

e de sua mulher D. Joaquina Maria de Santa Ana, natural do Porto (freguesia de


São Nicolau); neta paterna de José Carvalho e de Paula Maria, da freguesia do
Couto de Ancede (Esmoriz); neta materna do Doutor José de Mena Falcão, da
vila de Belmonte, licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra (1725-
1731), e de sua mulher D. Maria de São José da Cruz. Foram pais, entre outros,
de:

8.1. José Inácio Coutinho Gorjão, que segue

8.2. D. Jesuína Cândida Coutinho Gorjão. Baptizada em Lisboa, na


freguesia dos Anjos 189, em 15 de Fevereiro de 1826. Casou em
Lisboa, na freguesia de Santo Estêvão de Alfama, a 18 de Fevereiro
de 1855, com José António Simões 190. Smn.

8.3. D. Henriqueta Amália Coutinho Gorjão. Nasceu a 4 de Setembro


de 1830 e foi baptizada em Lisboa, na mesma freguesia, a 21 de
Abril de 1831 191. Casou em Lisboa, na freguesia de São João da
Praça, a 21 de Junho de 1862 192, com António Anselmo de Sousa

Assinaturas de Mariano José Coutinho Gorjão, filha e genro


(1862)
Magalhães, de vinte e nove anos, baptizado na freguesia de São
Vicente de Fora, em Lisboa, Escrivão da Regedoria de São Miguel e,
em 1865, Solicitador, filho de José António de Sousa Magalhães,
nascido a 17 de Novembro de 1778 e baptizado em Lisboa (Santa
Marinha), a 29 de Novembro seguinte 193, e de sua mulher Maria

189
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-21, fl. 146.
190
ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv. C-15, fls. 55-55v.
191
ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. B-22, fl. 5v.
192
ADL, RPLx, São João da Praça, Liv. C-5, fl. 39v.
193
Filho de António José de Sousa Magalhães e de Agostinha Maria da Conceição, natural da
freguesia de Santa Justa e recebido na freguesia de Santo Estêvão de Alfama – ADL, RPLx, Santa
Marinha, Liv. B-3, fl. 28v.

495
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

José 194, natural da freguesia dos Anjos, baptizada a 19 de Abril de


1790, e onde casaram a 29 de Agosto de 1821 195. C.g. até à actuali-
dade, que não voltou, ao que parece, a usar os apelidos Coutinho ou
Gorjão e que, também por isso, não se segue. 196

8.1. José Inácio Coutinho Gorjão. O assento do seu casamento diz que nasceu
em Lisboa, na freguesia dos Anjos, mas não o encontrei nos índices da freguesia
e, pelo contrário, encontrei o baptismo de um José, filho destes pais, em Lisboa,
na paróquia de Carnide, a 24 de Novembro de 1811, depois de nascer a 5 de
Outubro 197. Foi em serviço militar para a ilha da Madeira, onde se fixou e deu
origem ao ramo madeirense da Família Coutinho Gorjão 198. O assento do seu
matrimónio mostra quer a razão da sua presença na Madeira quer o contexto
social (castrense, pode dizer-se) do matrimónio. Ele era um jovem «soldado da
primeira Bateria destacada do 4.º Regimento de Artilharia» e ela era filha do «Cabo
de Esquadra da mesma Bateria». Era “empregado no telégrafo”, na Madeira, em
1875.

194
Filha legítima de Manuel José, baptizado na freguesia de Santa Cruz do Castelo (filho de Manuel
Caetano e de Maria Rosa), e de Angélica Rosa (filha de Manuel José de Coimbra e Mello e de
Teodora Maria), baptizada em Nossa Senhora da Pena, que casaram na freguesia dos Anjos, a 15
de Abril de 1779 – ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. B-15, fl. 275; C-8, fls. 187-187v.
195
ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. C-11, fl. 245.
196
São identificados dois filhos, de um dos quais (D. Maria Felicidade de Jesus De Sousa Magalhães,
nascida a 14 de Fevereiro de 1865 e baptizada em Lisboa, S. Estêvão de Alfama, a 20 de Abril,
afilhada do Marquês de Valada, por procuração – ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv.
B-19, fls. 76v.-77; e que morreu em S. Sebastião da Pedreira, a 15 de Setembro de 1950, casada
que era nos Anjos, a 18 de Julho de 1891, com José Faustino Rodrigues, empregado público, de
vinte anos, nascido em Lisboa, nas Mercês – ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. C-15, fls.
280v.-281), não conheço nem investiguei a descendência; e outro (Virgílio Augusto de Sousa
Magalhães, que terá nascido a 10 de Agosto de 1863 e casado duas vezes, a primeira com Palmira
Adelaide Borges Martins Pereira e a segunda com Albertina Amália Ferreira de Carvalho). Deste
parece haver muita descendência até à actualidade, do primeiro casamento, como consta de
www.geneall.net, a qual, nas últimas décadas usará os apelidos Cabral de Magalhães (incluindo
os descendentes da conhecida escritora infantil Ana Maria Magalhães, n. 1946), Aguiar, Lacerda
Magalhães, Luiz Gomes, Moreira Rato, Magalhães do Amaral, Monte Pegado, Pinto Coelho,
Magalhães de Almeida ou Magalhães (Calheiros Ponces Magalhães), porventura entre outros (de
acordo com os dados publicados a 18 de Novembro de 2016).
197
Foram padrinhos Manuel José Coutinho Gorjão e D. Inácia Micaela de Castro – ADL, RPLx,
S. Lourenço de Carnide, Liv. B-8, fl. 30v.
198
Luís Peter Clode dizia que se chamava “João Tiago” Coutinho Gorjão e que tinha ido para
a Madeira «como empregado público (telégrafo e palhetas) pouco antes do lançamento do
cabo telegráfico submarino» (Registo Genealógico de Famílias…, cit., pp. 159-160). Certo é, no
entanto, que em 1840 prestava serviço militar na região.

496
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Casou na freguesia de São Pedro, no Funchal, a 27 de Setembro de 1840,


com Júlia Leopoldina de Sousa 199, filha de Dionísio Francisco de Sousa e de Joana
Júlia de Sousa, que casaram no Funchal (São Pedro), em 1818 200. Foram pais não
só de dois filhos, mas de, pelo menos, cinco:

9.1. Augusto Coutinho Gorjão, que segue

9.2. João Constantino Coutinho Gorjão. Baptizado no Funchal (São


Pedro), a 6 de Janeiro de 1850 201. Poeta 202. Smn.

9.3. Virgínia Augusta Coutinho Gorjão. Baptizada no Funchal (São


Pedro), a 25 de Julho de 1852 203. Casou no Funchal (São Pedro), em
1872 204, com Arsénio Joaquim Teixeira, filho legítimo de Manuel
Joaquim Teixeira e de Justina Jovita Rosa. C.g. 205

9.4. Henriqueta Cândida Coutinho Gorjão. Baptizada no Funchal (São


Pedro), a 17 de Fevereiro de 1854 206. Casou na mesma freguesia, a 8
de Fevereiro de 1875 207, com Leopoldo Vidal dos Passos Cabral, ele
solteiro, com 22 anos, barbeiro, filho de Albino dos Passos Cabral
e de sua mulher Maria Rosa Cabral. Foram pais, pelo menos, de
Leopoldo Fernandes dos Passos Cabral, que foi baptizado no Funchal
(São Pedro) 208, a 7 de Dezembro de 1875, e terá casado duas vezes, a
primeira, em 1904, com D. Maria Amanda Perestrelo, e a segunda,
no Funchal (São Pedro), em 1911, com Sara Leontina de Olim. C.g.
do segundo casamento, que já não usa o apelido Gorjão há diversas
gerações.

199
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. 130, fl. 40.
200
Liv. 127, fl. 195.
201
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fl. 41. Poderá ser este o João
Constantino Gorjão que foi testemunha do casamento de Augusto César e Isabel Figueira.
202
Album madeirense: poesias de diversos auctores madeirenses, Typ. Funchalense, 1884, p. 109.
203
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fls. 124.
204
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. C-1410, fls. 5.
205
Foram pais, entre outros, de Henriqueta (baptizada no Funchal, na freguesia de S. Pedro – ARM,
Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1377, fl. 16) e de Luísa, também baptizada na
mesma freguesia, a 11 de Outubro de 1874 (ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv.
B-1378, fl. 52v.) e que terá morrido a 9 de Dezembro de 1958.
206
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fls. 180-180v.
207
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. C-1413, fl. 8,
208
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1379, fl. 99v.

497
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

9.5. Francisco. Baptizado no Funchal, também na paróquia de São Pedro,


a 5 de Fevereiro de 1858 209.

9.1. Augusto Coutinho Gorjão. Foi baptizado a 7 de Abril de 1843 na paró-


quia de São Pedro (Funchal) 210. Editor do Comércio do Funchal (1866/67), etc.
Morreu muito novo, antes de 25 de Março de 1872.
Casou na freguesia de São Pedro (Funchal), a 20 de Novembro de 1870,
com Maria Isabel Figueira 211, natural da mesma freguesia, natural da Sé e com
21 anos, filha de António Figueira, que já tinha morrido em 1870 e era natural
da freguesia de Santa Maria Maior, e de Rosa Figueira. Morreu logo depois, pois
o seu filho, Augusto, já nasceu póstumo. Enviuvando muito cedo, Maria Isabel
Figueira Gorjão veio a casar uma segunda vez, a 5 de Julho de 1874, com vinte e
seis anos, também no Funchal, com Francisco Manuel Escórcio, sapateiro, viúvo
e de 41 anos. Do casamento de Augusto Coutinho Gorjão nasceu apenas:

10.1. Augusto César Coutinho Gorjão. Foi filho póstumo de seu pai, tendo
sido baptizado na freguesia de São Pedro, a 25 de Março de 1872 212. Morreu em
27 de Outubro de 1947, no Funchal (Santa Luzia), com testamento. Era identi-
ficado como “negociante” no assento de baptismo de sua filha Maria das Mercês.
Comerciante, foi sócio e administrador da firma Romano Gomes, professor de
Contabilidade na Escola Comercial António Augusto de Aguiar (depois Escola
Industrial e Comercial do Funchal e hoje Escola Secundária Francisco Franco).
Vogal da comissão administrativa provisória da Junta Geral do Distrito do
Funchal após a República (Decreto de 13 de Outubro de 1910 213). Passou pela
gestão do Ateneu Comercial e Industrial da Madeira e, porventura, pelo antigo
Banco da Madeira 214.

209
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1252, fl. 17v.
210
O seu pai era ainda soldado no Regimento e foi padrinho Manuel Henriques de Freitas – ARM,
Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. 117, fl. 303.
211
Liv. 1408, fl. 22. Noto que foi testemunha João Constantino Gorjão, solteiro e tipógrafo.
212
Liv. 1376, fls. 18v.-19.
213
ARM, GCDFUN, 81, fl. 130v.; JGDFUN-SEC, 2256, 15-16.
214
Informação da Sr.ª Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão. Sobre o Banco da Madeira (1920-
1966), Dicionário da História Empresarial Portuguesa Séculos XIX e XX, vol. I, Instituições
Bancárias, coord. Faria, Miguel Figueira de/Mendes, José Amado, UAL, 2014, confirmando
que a sociedade Viúva de Romano Gomes & Filhos foi uma das outorgantes na constituição
do Banco (a 24 de Abril de 1920); no mesmo ano, Freitas, João Abel de, Salazar na crise da
banca madeirense - Uma teia de muitos nós, Colibri, 2014. O mais antigo diploma legal que
encontrámos sobre o banco foi a autorização dada em 3 de Setembro de 1920 «para emitir guias-
ouro» (Decreto n.º 6882, Diário do Governo, I, n.º172).

498
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Proprietário, com sua mulher D. Leonor da Cruz Gomes, da Quinta da


Pena. Casaram a 2 de Julho de 1904, na freguesia de Santa Luzia, sendo

Augusto César Coutinho Gorjão e mulher215; e carta autógrafa ao presidente da Associação


Comercial do Funchal216

ela 217 nascida “às três horas da tarde” do dia 14 de Dezembro de 1878 e baptizada
em Santa Luzia, a 6 de Janeiro de 1879 218, filha do Comendador João Bernardino
Gomes 219, negociante, natural de Nossa Senhora do Monte (Funchal), e de sua
mulher D. Maria do Monte de Andrade, natural de Santa Luzia, e que casaram
215
http://www.arquipelagos.pt/arquipelagos/newlayout.php?mode=imagebank&details=
1&id=33721, acedida a 17 de Novembro de 2016.
216
http://www.arquipelagos.pt/arquipelagos/newlayout.php?mode=imagebank&details=
1&id=33397, acedida a 17 de Novembro de 2016.
217
Liv. 6498A, fl. 18v. Informa a base de dados que morreu a 9 de Março de 1955 – reg. n.º 256.
218
Liv. 1485, fls. 3-3v. Foi seu padrinho José Freitas Martins, casado e negociante, e madrinha
Adelaide Augusta Gomes Martins.
219
O Comendador João Bernardino Gomes era grande proprietário, sendo dono da herdade
da Bemposta, em Santa Cruz, onde hoje existe o Aeroporto da Madeira; filantropo, foi um
dos principais financiadores e impulsionadores da construção da capela de Nossa Senhora da
Conceição, no Monte (Capela das Babosas), em 1906, para a qual doou o terreno. A capela já
não existe, tendo sido arrasada com o dramático aluvião de 20 de Fevereiro de 2010, que causou

499
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

na Madeira, na freguesia de Santa Luzia, a 5 de Junho de 1875 220; neta paterna


de Romano Gomes, que já tinha morrido em 1875, e de Leonor de Jesus Gomes;
neta materna de António de Andrade Sénior, natural da freguesia de São Roque,
e de Albina Rosa de Andrade, que também já tinha morrido em 1875, e que
casaram em Santa Luzia, no ano de 1824 221. Foram pais, pelo menos, de:

11.1. Maria Isabel Gomes Coutinho Gorjão, nascida «às nove e meia da
noite» do dia 15 de Maio de 1906, foi baptizada na freguesia da Sé,
no Funchal, a 10 de Junho 222. Casou no Funchal, a 2 de Junho de
1934 223, com o Dr. António Jardim de Azevedo, que morreu a 21

43 mortos na ilha da Madeira. Permito-me reproduzir um texto, tirado da internet, sobre a


matéria, para memória futura:
«Este aluvião da manhã de 20 de Fevereiro de 2010 arrasou especialmente as vias de comu-
nicação da baixa do Funchal, fazendo saltar várias das pontes das ribeiras e causou 43 mortos,
uma parte dos quais presos nas próprias viaturas e nos parques de estacionamento enterrados
dos grandes centros comerciais. A 8 de Dezembro de 1854 o papa Pio IX instituiu o dogma da
Imaculada Conceição, festa que, 50 anos depois, os madeirenses comemoraram pomposamente,
a 9 de Outubro de 1904. A Ilha inteira ocorreu ao Funchal nesse dia, organizando-se animada
deslocação ao Monte (esgotaram-se então todos os transportes planeados), onde, no Largo da
Fonte foi celebrada missa campal. O bispo D. Manuel Agostinho Barreto proferiu uma arreba-
tada homilia sobre o dogma e dali nasceu a ideia de uma capela dessa devoção. A comissão orga-
nizadora foi publicada no ano seguinte (Maio de 1905) e a pequena capela do Largo das Babosas
estava levantada no ano seguinte. A 1.º pedra foi lançada em 1906, em terrenos cedidos pelo
comendador João Bernardino Gomes, vice-presidente da comissão e muitos católicos contri-
buíram com ofertas várias, inclusivamente a rainha D. Amélia, que visitara o Monte em 1901 e
ofereceu a banqueta de prata. A fachada apresenta empena alta com empena de curva e contra-
curva, ladeada por 2 pináculos, posteriormente substituídos por 2 campanários. Possui portal
de arco de volta perfeito com janela superior de varanda, ladeada por 2 mais pequenas com
varandim. Interiormente é bastante simples, com altar de talha patinada, lambrim de azulejos
ingleses (?) da época; púlpito e coro sobre a entrada. Possui uma boa pia de água benta em
mármore e uma magnífica colecção de 4 vitrais de Ricardo Leone.
Bibliografia: Padre Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Meneses, Elucidário
Madeirense, 2ª. Ed. Funchal, 1940-45 e reedição de 1952; Padre Joaquim Plácido Pereira, Nossa
Senhora do Monte, padroeira da Ilha, Lisboa, 1913; Manuel Ferreira Pio, O Monte; santuário
votivo da Madeira (resenha histórica), 2ª ed., Funchal, 1978; Teresa Florença, “Madeirenses no
50.º aniversário do Dogma da Imaculada Conceição; Fizeram festa, arcos de triunfo e mastros
com bandeiras portuguesas”, in Diário de Notícias do Funchal, 8 de Dezembro de 1989; Adriano
Ribeiro, Monte, breve resenha histórica da freguesia...., Fundação Berardo, Funchal, 1991». Foi
pedida autorização para reprodução do texto pela forma prevista na página electrónica em causa.
220
Ele então ainda dito «solteiro, lojista» – Liv. 1515, fls. 10-10v.
221
Liv. 163, fl. 121v.
222
Liv. B-6428-A, fl. 23.
223
CRC do Funchal, Liv. 73, fls. 194-194v.

500
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

de Maio de 1982. Morreu em Lisboa (São Francisco Xavier), a 28 de


Fevereiro de 1995. C.g. 224

11.2. Maria das Mercês Gomes Coutinho Gorjão, nascida a 10 de Janeiro


e baptizada em Santa Luzia, no Funchal, a 9 de Fevereiro de 1908 225,
que morreu a 31 de Maio de 1997, no Funchal (Imaculado Coração
de Maria). Pode ser a que casou duas vezes, a primeira com Avelino
Leitão Martins, no Funchal, a 3 de Outubro de 1925 226, de quem
enviuvou em 10 de Novembro de 1933. C.g. 227 E casou uma segunda
vez, também no Funchal, a 31 de Março de 1937, como Carlos
Nicolau da Mata 228, “licenciado em Geografia, 30 anos professor na
Escola Industrial e Comercial do Funchal, da qual foi mais tarde Vice-
-Reitor” 229. C.g.

11.3. Maria do Monte Gomes Coutinho Gorjão. Nasceu a 26 de Abril


de 1909 e foi baptizada a 30 de Maio, em Santa Luzia 230. Casou no
Funchal, a 20 de Junho de 1920, com João Gonçalves Vital Júnior
(ou também nomeado como João Gonçalves de Ornelas Cabral) 231.

11.4. Augusto César Gomes Coutinho Gorjão, que segue

11.4. Augusto César Gomes Coutinho Gorjão, «que depois abreviou o nome para
Augusto Coutinho Gorjão (o mesmo nome que o pai e avô dele) era Licenciado em
224
Foram pais, pelo menos, de António Gorjão Jardim de Azevedo, que foi setimanista no Liceu do
Funchal em 59/60, bacharel e director da Soalpo (Vila Pery, Moçambique). C.g. (informação da
Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão).
225
Liv. B-6484-A, fl. 7. Foram padrinhos o avô materno e D. Elisa Escórcio de Vasconcelos.
226
CRC do Funchal, Liv. 43, fls. 284-284v.
227
Foram pais de Armando Coutinho Gorjão Leitão Martins, de quem é filho, porventura
entre outros, o Dr. Ricardo José Gorjão Martins, médico especialista em Gastrenterologia,
com prática clínica em Lisboa, a quem enviei, através de um tio direito meu, uma carta com
algumas explicações sobre a ascendência dos Coutinho Gorjão. De acordo com as informações
publicamente disponíveis, casou com Maria Helena Henriques Camacho, de quem entretanto
se terá divorciado. Desse casamento nasceu João Nuno Camacho Gorjão, a 12 de Outubro
de 1985 (http://www.concelhodecamaradelobos.com/ dicionario/henriques_manuel_ justino.
html, acedido a 18 de Novembro de 2016), numa demonstração mais da resistência trans-
geracional do apelido Gorjão.
228
CRC do Funchal, Liv. 83, fls. 90-90v.
229
Informação que agradeço à Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão, da qual fiz ligeiríssima adaptação.
230
Liv. 6485-A, fl. 37v. Foram padrinhos o avô materno e Maria Catarina Gomes Caldeira.
231
CRC do Funchal, Liv. 58, fl. 145-145v.

501
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

Histórico-Geográficas (e depois também em Pedagógicas)» 232, que cursou nas facul-


dades de Letras de Coimbra e Lisboa. Nasceu a 9 de Dezembro de 1911. Sócio da
Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi Director do Distrito Escolar de Portalegre,
de Faro e, depois, da Madeira, cargo no qual superintendia ao ensino, público e
privado, na Madeira. Havia exercido também funções similares no continente.
“Acumulou muitos anos o cargo de Inspector e, durante um certo período, o de Director
da Escola do Magistério Primário. Foi ele que, então, em parceria com o Ministro da
Educação, ampliou a rede escolar criando as chamadas «escolas do Plano Centenário»,
criou as Bibliotecas Itinerantes, deu início à Educação de Adultos, etc. Foi membro
da Sociedade Histórico Geográfica da Madeira”. Por sua Mãe foi também um dos
herdeiros da empresa “Viúva Romano Gomes”, de que terá também sido admi-
nistrador. 233
Casou a 2 de Janeiro de 1937, na Conservatória do Registo Civil do
Funchal 234, com D. Maria Benvinda Figueira de Freitas, que nasceu a 23 de
Dezembro de 1913 e morreu a 25 de Setembro de 1964, filha de António Figueira
de Freitas, comerciante, proprietário da Chapelaria Figueira, e de sua mulher D.
Maria Clara (Homem) do Vale, natural de Ribeira da Janela, e que casaram no
Funchal (Sé), em 1897 235. Foram pais de 236:

12.1. Prof. António Augusto de Freitas Coutinho Gorjão, que segue

12.2. Dr.ª Maria Clara de Freitas Coutinho Gorjão, nascida no Funchal


(Santa Luzia), a 25 de Dezembro de 1943. Licenciada em Ciências
da Educação. Professora na Escola Superior de Educação. É profes-
sora reformada e foi empresária. Casou a 19 de Dezembro de 1964
com o Coronel José Maria Teixeira de Gouveia, que seguiu a carreira

232
Informação prestada por seu neto o Juiz de Direito Dr. Bruno Gorjão.
233
Estas e outras informações, mormente sobre os Figueira de Freitas, agradecem-se, em grande
medida, aos Drs. Bruno Gorjão, à Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão e ao prof. António
Coutinho Gorjão.
234
Liv. 83, fls. 3-3v. (informação constante da base de dados do Arquivo Regional da Madeira).
235
Livro 6437 A, fl. 27. Estes Vale Figueira de Freitas ligam-se também a personalidades de destaque
na Região Autónoma da Madeira, no século XX, como os Homem da Costa. Entre os irmãos
de Benvinda destacam-se, não sei em que ordem de nascimento; (a) Maria das Neves Figueira
de Freitas, uma das primeiras mulheres a concluir o curso da Escola Industrial da Madeira,
co-fundadora de casa bancária na Madeira; (b) João Figueira de Freitas, que foi presidente do
Banco Madeira e da antiga Junta Geral da Madeira (C.g.); ou (c) Maria Ângela Figueira de
Freitas, que casou com o General Ernesto França Machado (c.g.).
236
Os nomes completos que lhes dou seguem também as indicações recebidas do Dr. Bruno
Gorjão, que muito agradeço.

502
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

militar, cumprido cinco comissões durante a Guerra do Ultramar.


Comandou a GN/CTIG mobilizada pelo BII 19-Funchal, na
Guerra do Ultramar, foi comandante da CArt 785 de 13/1/1966
a 5/5/1966, então com a patente de Capitão de Infantaria 237; mais
tarde comandou a Companhia de Caçadores 16 238. Tendo chegado
a Coronel de Infantaria, exerceu funções como oficial de ligação da
NATO, foi representante do Chefe de Estado-Maior na Madeira
e, também, Presidente do Serviço Regional de Protecção Civil da
Região Autónoma da Madeira (pelo menos entre 1994 239-2001).
Divorciados. C.g. 240

237
http://angolawar1965-1974.blogspot.pt/2011_07_01_archive.html, acedido a 15 de Novembro
de 2016.
238
https://sites.google.com/site/asdbranco/Home/chegada-a-bissau/o-bachile/a-c-cac-16, acedido
a 15 de Novembro de 2016: «A CCAÇ 16 “ Companhia de Caçadores N.º 16” foi organizada
a 4 de Fevereiro de 1970 no Centro de Instrução Militar em Bolama e tinha como objectivo
o recrutamento provincial, face à dificuldade de o fazer na metrópole de forma a alimentar
as necessidades da província. O desenvolvimento da guerra onde se abriam novas frentes de
combate reclamava reforços. Esta unidade à semelhança de outras congéneres era constituída por
quadros “Oficiais sargentos e praças especialistas” metropolitanos que enquadravam militares
naturais da Guiné, neste caso na sua maioria de etnia Manjaca. Na data da sua formação, foi
colocada em Teixeira Pinto, destacando-se posteriormente para o Bachile, já com o quadro
orgânico de pessoal completo ficando integrada no Batalhão de Caçadores 1905. Passa a
depender do CAOP 1” Comando Agrupamento Operacional Nº1” e a partir de Fevereiro de
1973 do Batalhão de Caçadores 3863 e do Batalhão de Caçadores 4615/73,que assumiram a
seu tempo a responsabilidade do sector em que aquela unidade estava integrada. Foram várias as
acções desencadeadas na defesa do Chão Manjaco e destacou igualmente forças para colaborar
nos trabalhos de reordenamento de Churobrique. Em 26 de Agosto de 1974 esta unidade foi
desactivada e o quartel foi entregue ao PAIGC, recolhendo o pessoal a Teixeira Pinto sendo
extinta a31 de Agosto do mesmo ano. Da curta história desta unidade, há apenas registos
considerados muito incompletos, relativo aos períodos entre 1 de Janeiro a 31 de Setembro
de 1972 e 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1973 que se encontram depositados no Arquivo
Histórico Militar, caixa nº 130- 2ª Divisão/4ª Secção».
239
Por comissão de serviço, renovada por Despacho Conjunto 147/96, de 13 de Abril, publicado
no DR, II série, n.º 88, de 13 de Abril de 1996, pp. 5099.
240
São os pais de:

1) Duarte Luís Coutinho Gorjão de Gouveia. nascido a 15 de Julho de 1965 e baptizado no


Funchal (São Pedro), afilhado de sua tia-avó Maria das Neves Figueira de Freitas. Foi segundo
marido de D. Maria Catarina da Silva Belard Silvano, Licenciada em História e professora
do Ensino Secundário, nascida na Anadia, a 17 de Janeiro de 1958, filha de José Manuel
Belard Silvano (1928-1998) e de sua mulher D. Ofélia Seabra da Silva (n. 1925) (http://
belard.armorial.net /paginas/0241.mariacatarinadasilvabelardsilvano.shtml). Foram pais,
pelo menos, de, Maria Leonor Belard Silvano Gorjão Gouveia * 13.07.1993 <http://geneall.

503
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

12.1. Prof. António Augusto de Freitas Coutinho Gorjão. Nasceu no Funchal


(Santa Luzia) a 16 de
Julho de 1942.
Frequentou as licencia-
turas em Direito em
Lisboa e Coimbra, que
não concluiu. Licenciado
em Belas Artes/Pintura
pela Academia de Música
e Belas Artes da Madeira
(1975), com 16 valores
(bom com distinção).
Membro da 1.ª e Presi-
dente da 2.ª Comissão
Instaladora do Instituto
Superior de Artes Plás-
ticas da Madeira
(ISAPM) , de que foi
241

Presidente do Conselho
Excerto da extensa ficha curricular do prof. António Couti- Directivo (20 anos) e do
nho Gorjão
net/pt/nome/2126649/maria-leonor-belard-silvano-gorjao-gouveia/>; De Margarida Allen
Vidal, teve Maria Luís Allen Vidal Gorjão de Gouveia;
2) Bruno Mário Coutinho Gorjão de Gouveia, nascido no Funchal (S. Pedro), a 21 de Abril de
1972. Licenciado em Direito e Juiz de Direito. Com a Dr.ª Ana Gabriela Pereira da Fonseca
Freitas, juíza de Direito, teve Gonçalo Freitas Coutinho Gorjão, nascido em Coimbra, a 7
de Abril de 2002, que frequenta a Escola Secundária de Amarante. Com Carla Maria Matias
Cardador, juíza de Direito, foi, mais recentemente, pai de Francisca Maria Matias Cardador
Coutinho Gorjão, nascida em Lisboa, a 14 de Maio de 2013, tendo sido baptizada na Sé.
241
VALENTE, Carlos, Aprender Madeira (actualizado a 20.3.2016, em linha): «A criação do
Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) foi resultado de um trabalho levado
a cabo pelos órgãos de gestão da antiga Secção de Belas Artes da AMBAM, a partir da qual
se formaram as comissões instaladoras que garantiram, nesta transição, os recursos de pessoal
docente e não-docente, assim como de estruturas, edifícios e equipamentos. Neste contexto, foi
elaborado, em fevereiro de 1976, um Anteprojecto de Reestruturação do Ensino Superior Artístico
na Madeira, da autoria de António F. Coutinho Gorjão, diplomado pela AMBAM. Com base
neste anteprojeto, aprovado pelo Prof. Jorge Marques da Silva e por uma comissão de alunos, foi
criado oficialmente, pelo dec.-lei n.º 450/77, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira.
O ISAPM teve a sua sede no n.º 56 da R. da Carreira, onde já vinha funcionando a AMBAM
desde 1971, tendo aí funcionado até 1998. Neste edifício, curiosamente, tinha residido antes
o pintor Alfredo Miguéis, na déc. de 40» (retirado de http://aprenderamadeira.net/ensino-das-
artes/, acedido a 13 de Novembro de 2016).

504
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

Conselho Científico, tanto do ISAPM como do Instituto Superior de Arte e


Design da Madeira (ISAD/Uma), depois integrado em 1992 na Universidade da
Madeira (com funções desde 22 de Junho de 1984). Professor Associado, de
nomeação definitiva 242, do I.S.A. Design, na Madeira, e membro de diversos
órgãos académicos. Autor de diversos trabalhos. Aposentou-se formalmente em
Outubro de 2008, como Professor Associado do Departamento de Arte e Design
da Universidade da Madeira. Admitido a Doutoramento na Universidade da
Madeira (13 de Setembro de 1997), que não chegou ainda a concluir.
Casou duas vezes. Casou a primeira vez, a 5 de Agosto de 1967, com
a prof. Doutora Maria Idalina Ferreira Pereira Sardinha Gorjão, nascida a 21
de Novembro de 1947, Doutorada em Ensino das Artes, com agregação, sendo
Professora do ISAPM/ISAD e da Universidade da Madeira (Departamento de
Arte e Design, actual Faculdade de Artes e Humanidades), filha de Manuel
Pereira Sardinha, enfermeiro, e de Virgínia da Silva Ferreira Sardinha. Divor-
ciados (1997). Casou em 30 de Novembro de 1998 com Maria da Paz Gonçalves
Soares, professora do 1.º Ciclo do Ensino Básico (formada na Escola do Magis-
tério Primário do Funchal) e depois licenciada pelo Instituto Superior de Ciên-
cias Educativas, nascida no Funchal (Monte), a 31 de Março de 1957, filha do
Tenente-Coronel Caetano José Soares e de Eulália Mendes Brazão Gonçalves. Do
primeiro casamento nasceu:

13. Roberto Mário Sardinha Coutinho Gorjão, nascido em Lisboa (Alvalade),


a 9 de Junho de 1968. Licenciado em Design/Projectação pelo ISAD e pós-
-graduado em Tecnologias Educativas (Universidade do Minho). Foi docente na
«Universidade da Madeira e Professor dos Ensinos Básico (2º e 3º Ciclo) e Secun-
dário, nas E.S. de Francisco Franco (no Funchal), Básica e Secundária da Ribeira
Brava (em que estagiou), na Básica (2.º e 3.º Ciclos) do Caniçal (na Madeira) e
na E.S. de Sá da Bandeira da Póvoa de Lanhoso e na Escola Básica e Secundária
Professor Gonçalo Sampaio, em Braga; foi fundador das Empresas de Design
“Castelos no Ar” e “A Sense of Design” (no Canadá), e Web Manager na OM/Open
Media (Vancouver, Canadá); é, hoje, Senior Drupal Developer na Camp Pacific,
na Columbia Britânica (Canadá), (…); incluído no “Web Design Index 8” – The
Pepin Press, Amesterdam» 243. Casou duas vezes. Casou a primeira vez em Palmela,
em 1989, com Lisete Diegues Cerqueira, nascida em Lourenço Marques, a 4 de
Novembro de 1964, com a mesma licenciatura e bacharelato em Artes Plásticas/
Cultura. Divorciados, foram pais de:

242
Diário da República, II série, de 2.2.2007.
243
Informações que agradeço ao prof. António Coutinho Gorjão.

505
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

14.1. Ana Joana Cerqueira Coutinho Gorjão, nascida no Funchal a 13


de Maio de 1991. Diplomada em Early Childhood Education, com
especialização em Infância e Educação Especial.

14.2. Mariana Cerqueira Coutinho Gorjão, nascida no Funchal a 26 de


Janeiro de 1995. Frequenta a licenciatura em Psicologia pela Simon
Fraser University (British Columbia, Canadá).
Casou uma segunda vez, a 25 de Outubro de 2014, com
Laura Katherine Marie Stringer (Gorjão), natural de Delta, British
Columbia, Canadá, nascida a 21 de Maio de 1973, Licenciada em
Física pela University of British Columbia (Vancouver), com profis-
sionalização no Ensino Secundário, leccionando Matemática, Ciên-
cias e Física no ensino secundário, em Vancouver. São pais de:

14.3. Lucy Jane Patricia Stringer Gorjão, nascida a 18 de Dezembro de


2009.

ANEXO
A dedução do apelido Gorjão na ascendência de António Gorjão, avô de D.
Mariana Josefa da Silva Gorjão, segundo a hipótese principal posta pelo Pd.
Rodrigues de Faria, complementada e corrigida por fontes primárias

1. Álvaro Anes Gorjão. Referido no texto, Escudeiro da Casa Real, foi Monteiro-Mor
de Óbidos e dos Coutos de Alcobaça, etc. Casou duas vezes. Do segundo casamento,
com Maria Anes, nasceu, entre outros, Mécia Gorjão, que casou em 1508 com Álvaro da
Serra e destes descende por linha varonil legítima o autor deste trabalho. Mas do primeiro
casamento, com Aldonça Figueira teve, além de outra, a:

2. Álvaro Gorjão. Cavaleiro da Casa de El-Rei. Recebeu a legítima de seu Pai e foi
também beneficiado no testamento de sua madrasta 244. Casou e teve a:

244
Recorde-se o excerto do testamento de Maria Anes, segunda mulher e viúva de Álvaro Anes
Gorjão: “Testamento da Instituidora, já viúva, de 12 de Julho de 1525 põe mais uma missa por si e
pelo Marido (…). Diz ter dado pelas legítimas a sua filha e genro Álvaro da Serra e Mecya Gorjoam
mulher deste (…) Disse que além do que o instituidor dera a seu filho Álvaro Gorjão, enteado da
Instituidora, pela legítima de sua Mãe, ela lhe dera um casal no Carvalhal e a vinha do Carnagral
(?) e a do Pinhal e 4 talhos da vinha na Ribeira do Carvalhal e 260 na Casa da Índia, da herança de
seu filho Jerónimo [que terá morrido, entretanto]” – Souza, D. Flamínio de, Códices, Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra, rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386).

506
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

3. Bartolomeu Gorjão. Viveu no Turcifal. Casou com Margarida Fernandes Vieira, cujos
Pais tinham brasão d’armas. 245 Foram pais, além de outra, de

4.1. Branca Fernandes Gorjão. Casou com João Varela da Fonseca. Na sua descen-
dência seguem os vínculos instituídos pelos Padres Baltasar Gorjão e Fran-
cisco Gorjão de Freitas, como dou conta na nota de rodapé 101.
4.2. «Pedro Fernandes Gorjão. Viveu no Turcifal e casou com Inês Gorjão, como
parece, posto que Monterroio diga nas suas memórias que não teve filhos legítimos
nem mulher, contudo seus descendentes dizem que não sabem que os filhos, que aqui
se declaram, deixassem de ser legítimos, porque se entende que o são:»

5.1. Pe. Baltasar Gorjão. Instituíu Capela com obrigação de vinte e cinco missas
e seu responso, por ele e por seu Pai e Mãe, estando vinculadas na Frei-
xofeira (Turcifal), Bassaqueira (?), à portela da Semineira, além de outras
terras e casas, uma delas junto ao Chafariz dos Cavalos, em Lisboa. Remeto
o leitor para a nota de rodapé 101, que se refere ao próprio e à sucessão
no vínculo por este instituído.
5.2. João Gorjão, que segue
5.3. Antónia Gorjoa. Teve o Prazo de S. Miguel de Alfama, a 23 de Agosto de
1581. É mencionada nas notas do Tabelião Gomes de Abreu como «Irmã
de Baltasar Gorjão, Beneficiado na dita Igreja de Terras no Tojal vagas por
morte de D. Manuel de Menezes, Bispo de Coimbra» 246. Com o Pd. Fran-
cisco Gorjão, foi madrinha no Turcifal, a 23 de Março de 1602 247, mas
também a 6 ou 8 de Setembro de 1603 248, a 27 de Julho de 1605, a 10 de
Dezembro do mesmo ano, a 28 de Fevereiro de 1606; a 8 de Dezembro de

245
Diz a Série Genealógica, citando uma memória, que, «pelo apelido – Vieira – se pode conjecturar que esta
senhora devia ser da Casa dos Hortas Cabrais do Bombarral, porque Lançarote Vieira de Carvalho, filho segundo
de Fernão Vieira de Moura e Pajem da Toalha do Cardeal Rei D. Henrique, muito seu valido, seu Monteiro Mor
e Alcaide-mor de Alcobaça, casado com D. Margarida Varella Mascarenhas, filha de Pedro Varella Mascarenhas,
Alcaide-mor de Leiria, teve entre outros filhos uma filha que casou com Dionísio de Orta Cabral, de que houve
descendência». Duvido mas, por ora, pretendo somente dar conta da ascendência de Mariana
Josefa da Silva Gorjão, como se deduz da documentação primária, conjugada com o livro do Pd.
Rodrigues de Faria.
246
Biblioteca Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e 1747,
Lisboa, 1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo IV, pág. 245.
247
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 15v.
248
No primeiro, juntamente com Francisco de Freitas - ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal,
Liv. B-1, fl. 21.

507
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

1608, aqui identificada como “tia” do Pd. Francisco Gorjão 249; ou a 5 de


Abril de 1609.

5.2. João Gorjão. Filho legítimo ou natural de Pedro Fernandes Gorjão. Casou… Teve:

6.1. «Pd. Francisco Gorjão [de Freitas], em que o seu Tio acima instituiu Capela e ele
instituiu outra com obrigação de se apelidar de Freitas e de ambas é possuidor António
Caldeira de Araújo 250. Administrava a referida Capela em 1625, quando os bens
que a compunham foram tombados. Sobre este, remeto o leitor para a nota
de rodapé 101, que se refere ao próprio e à sucessão no vínculo. Coadjutor
no Turcifal, está muito documentado como celebrante e padrinho no Turcifal,
desde, pelo menos, 5 de Agosto de 1599 251, passando por 3 de Junho de 1601,
juntamente com Madalena de Freitas, a sua irmã 252 e em dezenas de assentos
até 1626. Foi procurador de sua irmã Madalena Gorjoa de Freitas, em 18 de
Janeiro de 1618 253 e documentamo-lo como testemunha no casamento de João
da Ponte com Maria Nunes da Fonseca, a 17 de Setembro de 1626, em Torres
Vedras (Santa Maria do Castelo) 254. Instituiu capela na igreja de Santa Mada-
lena do Turcifal, com obrigação de três missas anuais na mesma igreja, capela
cuja administração pediu Manuel Ferreira Escudeiro, alegando estar vaga para a
Coroa e pretendendo litigar sobre ela, o que teve “em sua vida somente” (Alvará –
10 de Agosto de 1735) 255. Smn 256.

249
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 39v.
250
Em 1773 já era chamado a prestar contas das capelas do Pd. Baltasar e de Vasco Varela da
Fonseca o sobrinho Manuel Joaquim Barreto Caldeira Gorjão de Freitas, morador no Turcifal,
filho de João Baptista Pereira.
251
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. M-1, fl. 14v. (?).
252
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 13. E a baptizar desde 21.4.1601, como
coadjutor (fl. 12v.).
253
Biblioteca Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e
1747, Lisboa, 1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo III, pág. 121 (ortografia actualizada, abreviaturas
desdobradas, etc.): «Prazo da Igreja de São Miguel a Tomé Álvares, Tesoureiro da Capela Real, de
2 moradas de casas que parte com as que foram de Luís Álvares Castelo, que comprou a Frei Luís de
Vasconcelos, filha de Joana de Vilalobos, capucho. Notas de Francisco Coelho, de 22 de Outubro de
1615 e as outras a Madalena Gorjoa de Freitas, por seu Procurador o Padre Francisco Gorjão – notas
de P. Coelho de Azevedo, 18 de Janeiro de 1618, fl. 11».
254
ADL, RPTVD, Santa Maria do Castelo, Liv. M-1, fl. 97.
255
ANTT, Chancelaria de D. João V, Liv. 87, fl. 174; e ANTT, RGM, D. João V, Liv. 27, fl. 136v.
Terá perdido o processo pois, quase até ao final do século XVIII, a Capela foi administrada pela linha
referida na nota 101.
256
Um Francisco Gorjão e sua mulher Antónia Franca baptizaram um filho António no Turcifal,
em 9 de Setembro de 1611, sendo padrinho o Pd. Francisco Gorjão; Simão, a 1 de Novembro

508
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

6.2. António (Jorge?) Gorjão, que segue


6.3. Madalena 257 de Freitas Gorjão. Morou no Turcifal. Com seu irmão, o Pd. Fran-
cisco Gorjão, foi madrinha de Bento, filho de Jorge Gorjão e de Madalena
Coelho, no Turcifal, a 20 de Abril de 1614, mas também, por exemplo, a 21 de
Maio de 1600, 17 de Fevereiro de 1620, a 22 de Março, a 26 de Agosto de 1622
(cuja imagem se publica) ou 27 de Fevereiro de 1623, etc.

6.2. Jorge Gorjão. Embora


o Pd. Rodrigues de Faria o
chame António e diga que
«viveu no Turcifal» e que
«casou», casado e com um
filho Bento só encontrei
Pd. Francisco Gorjão de Freitas e sua irmã Madalena Gorjoa
a Jorge Gorjão, que casou
(de Freitas)
com Madalena Coelho 258.
Teve:

7.1. Maria Gorjão, que segue


7.2. Bento Gorjão. Propõe-se, por ora, que este Bento seja o filho de Jorge Gorjão
e de Madalena Coelho 259, apesar de o Pd. Rodrigues de Faria o dizer filho de
António Gorjão. Foi baptizado no Turcifal, a 20 de Abril de 1614. Como Bento
Gorjão Coelho, casou em Torres Vedras (S. Pedro e S. Tiago), a 7 de Fevereiro
de 1646, com Antónia Valadares 260, que morreu no Turcifal a 18 de Agosto de
1665, tendo feito testamento de mão comum com seu marido. Viveu no Turcifal
e terá sido pai de António Gorjão, a quem não dá mais descendência nem José Freire
de Monterroio nem o Pe. Fr. António Roussado.

de 1619 (fl. 79); e Francisco, a 11 de Novembro de 1621.


257
O Pd. Rodrigues de Faria chamava-a “Margarida”.
258
É o que nos parece, cotejando a narrativa do Pd. Rodrigues de Faria com os paroquiais do
Turcifal. Note-se que é uma mera proposta que aqui faço, pois o referido manuscrito chama
António Gorjão ao pai de Bento, e encontrei um Bento a ser baptizado no Turcifal, mas filho de
Jorge Gorjão e Madalena Coelho.
259
Foram também pais de Gregório, nascido filho póstumo e baptizado no Turcifal a 22 de Maio
de 1619 (fl. 77v.).
260
ADL, RPTVD, São Pedro de S. Tiago, Liv. M-3, fls. 193-193v. Foram testemunhas João
Trigueiros, Sebastião de Almeida e Bartolomeu de Goes, tesoureiro, entre outros.

509
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

7.1. Maria 261 Gorjão. «Viveu no Turcifal. Dizem seus descendentes que fora natural do
Turcifal, ou de Freixufeira, que é perto, e que casara no Gradil, uma légua distante, com
João Alves de Azevedo» 262, que num assento aparece como “João Alz pintor”. E de facto
encontram-se filhos deste casal no Turcifal, como se verá abaixo. Foram pais de:

261
O Pd. Rodrigues de Faria diz que a encontrou tanto como Maria como com o nome de Isabel
(de facto, há no Turcifal assento o assento de baptismo de um António, filho de João Alves
e de Isabel da Fonseca, a 3.3.1602 – Liv. B-1, fl. 15v.). O referido autor expõe também a
possibilidade de esta Maria ser filha de Lopo Gorjão e neta de André Gorjão (referido por Diogo
do Couto nas suas Décadas) e mãe de Francisco do Rego Gorjão. Noto aqui que a Quinta da
Farropeira seguiu na linha de outros descendentes de Gorjões, como se documenta nos registos
públicos. Se esta hipótese genealógica fosse correcta, os Coutinho Gorjão descenderiam de
irmã de Álvaro Anes Gorjão. Não acredito. Esta mesma linha para Maria Dias Gorjão já a
expus com base nas mesmas fontes em http://geneall.net/pt/forum/29356/cunhas-de-antanhol-
coimbra/#a30261, em 2002; sobre gerações seguintes, vide João de Figueiroa Rego (por exemplo
em Figueiroa-Rego, João de, «As nobrezas secundogénitas no Império Ultramarino Português.
Um estudo de caso (sécs. XVI e XVII)», Historia y Genealogia, n.º 2, 2012, pp. 87 e 95-96,
disponível em linha); ou João Trigueiros, em trabalho disponível em http://familiatrigueiros.
blogspot.pt/ 2014/05/trigueiros-de-azevedo-botado-de-almeida.html e acedido, por último, a
22 de Novembro de 2016, que dá de Francisco do Rego Gorjão desenvolvida nota biográfica,
no original com fontes: «natural do Turcifal e falecido a 24-VII-1643 na freguesia de Santa
Maria do Castelo, em Torres Vedras, com testamento «he testamenteiro seu cunhado João Botado
D’Almeida, morador na Quinta da Ribeira» e nessa igreja «está enterrado junto à Capella dos
Bottados». Foi capitão de ordenanças da vila de Torres Vedras, almoxarife e juiz dos direitos
reais e dos Órfãos por carta régia de 15-VI-1618, assim como seu vereador [mais velho] pelo
que procedeu à aclamação de D. João [IV] a 18-XII-1640. Foi ainda provedor da Misericórdia
em 1628, assim como voltou a ser eleito para o mesmo cargo em 1637. (…) era filho de Lopo
Gorjão [f. 12 de Dezembro de 1595, «no seu Casal da Feropeira», no Turcifal – Liv. M-1, fl. 55]
(…), Cavaleiro Fidalgo [“Cavaleiro da casa delRey nosso sonor”] que vivia no Turcifal a 30-VI-
1589 e sucedeu na casa de seu pai, tendo levado como dote a Quinta da Farroupeira, no Turcifal,
para casar com sua mulher D. Bebiana do Rego; neto paterno de André Gorjão; neto materno
de Antão do Rego, fidalgo de cota de armas, cavaleiro da Casa Real que serviu no Oriente, e de
sua mulher D. Margarida Varela de Carvalhosa, esta última filha de Álvaro da Ponte, da freguesia
da Ponte do Rol, que foi cavaleiro da Casa Real de D. Afonso V». C.c.g., na freguesia de Santa
Maria do Castelo (Torres Vedras). André Gorjão (que serviu na Índia em 1586) e Francisco do
Rego Gorjão (vereador mais velho e juiz pela ordenação, a quem coube aclamar a D. João IV
em Torres Vedras – Torres, Manuel Agostinho Madeira e, Descripção Histórica e Economica da
villa e termo de Torres-Vedras, 2.ª ed., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1861, p. 38; para a
transcrição do texto, Figueiroa-Rego, Rogério de, «Reflexo da Restauração na vila de Torres
Vedras», Revista dos Centenários, n.º 22, Outubro de 1940, ano II, pp. 23-26, disponível em
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/RevistadosCentenarios /N22/N22_item1/
P29.html) são dois dos notáveis cidadãos do Turcifal nomeados no projecto de Lei n.º 203/
VII de elevação do Turcifal a Vila (DR, II série-A, de 20.7.1996, p. 1401), que veio a acontecer
através da Lei n.º 62/97, de 12 de Julho.
262
Nos assentos não o encontrei com o apelido “Azevedo”.

510
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA

8.1. António Gorjão. Seria o que casou com Maria de Abreu em 1652, e segue
no texto. Não encontrei o assento de baptismo do Turcifal, a não ser o dito filho
de João Alves Carreiros 263 e Isabel da Fonseca 264, baptizado no Turcifal a 3 de
Março de 1602.
8.2. Manuel Gorjão. Baptizado no Turcifal a 31 de Dezembro de 1603 265. Solteiro,
morreu antes de seus irmãos António e Francisco, que se habilitaram às heranças
de ambos (1639).
8.3. Gregório Gorjão. Baptizado no Turcifal, a 20 de Dezembro de 1606 266. Casado,
morreu antes de seus irmãos António e Francisco. S.g.
8.4. Nuno. Baptizado no Turcifal a 2 de Dezembro de 1611 267.
8.5. Francisco Nunes Gorjão. Baptizado no Turcifal a 25 de Abril de 1614 268. Iden-
tificado como filho de João Álvares e natural do Turcifal, teve o foro de Moço da
Câmara com a condição de servir na Índia (Alvará de 1 de Abril de 1642). 269.

Principais Abreviaturas

ADCBR – Arquivo Distrital de Castelo Branco


ADL – Arquivo Distrital de Lisboa
ADSTB – Arquivo Distrital de Setúbal
ADPRT – Arquivo Distrital do Porto
ADVCT – Arquivo Distrital de Viana do Castelo
AHM – Arquivo Histórico Militar
ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ARM – Arquivo Regional da Madeira
AUM – Arquivo da Universidade de Minho/Arquivo Distrital de Braga
CBA – Carta de Brasão d’Armas

263
Assim na verba da Capela do Pd. Baltasar Gorjão. Era Isabel da Fonseca irmã de Inês da Fonseca.
264
Relembre-se que nos descendentes de Branca Fernandes Gorjão há também o apelido “Fonseca”
– vide a sucessão na Capela instituída Vasco Varela da Fonseca no seu testamento, em 1588.
265
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 23v. Foi padrinho Jorge Gorjão e
Margarida Gomes. Esta Margarida Gomes parece ser a mulher de Álvaro Gomes, da Semineira
(onde, aliás, viviam os meus antepassados mais remotos por varonia até 1562).
266
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 33. Foram padrinhos Luís Alves e Brásia
Nunes.
267
Foram padrinhos Brás Bernardes, filho de Manuel Bernardes e Brites Alves, sua Mãe, moradores
no Turcifal. Um Brás Bernardes, talvez filho, casou com Maria de Almeida Gorjoa e foram pais
de Maria, que foi afilhada de Madalena Gorjoa de Freitas, a 8 de Agosto de 1622; e de Beatriz,
baptizada a 26 de Março de 1626, afilhada do Pd. Francisco Gorjão de Freitas.
268
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 58.
269
ANTT, Livro da Matrícula dos Moradores da Casa Real, Liv. 1 (5), fl. 7v.

511
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA

C.c.g. – Casado com geração.


C.g. – Com geração
CRC – Conservatória do Registo Civil
FSO – Familiar do Santo Ofício
MCO – Mesa da Consciência e Ordens
RGM – Registo geral de mercês
RPLx – Registos paroquiais de Lisboa
RPTVD – Registos paroquiais de Torres Vedras
Smn – Sem mais notícia.

512
CONTRIBUIÇÕES DE UMA FAMÍLIA PORTUGUESA
PARA A FORMAÇÃO DO BRASIL

E. R. de Arantes e Oliveira*

Resumo: este meu artigo constitui um resumo de outros artigos que tenho publicado
noutros números da Revista e que dizem respeito a diferentes ramos da minha família.
Ele próprio é pois uma síntese subordinada ao título que lhe dei. Não tendo sentido
elaborar uma síntese de uma síntese, limito-me a dar esta explicação.

Abstract: the present paper is a summing-up of  several papers I published about
different branches of my family. It is itself a synthesis subordinated to its own title. As
there would be no meaning in elaborating a synthesis of a synthesis, I bound myself to
this explanation.

* N. em Lisboa em 1933, lic. em eng. civil pelo IST, investigador do LNEC (em Mecânica das
Estruturas e Métodos Computacionais), m. sc. pelo Massachusetts Institute of Technology-
-MIT, prof. cat. por concurso do IST (Resistência de Materiais). Antigo Reitor da Universi-
dade Técnica de Lisboa. Professor emérito do IST. Antigo Presidente, e actualmente membro
honorário, da Academia de Marinha. Antigo Director do LNEC. Sócio efectivo da Classe de
Ciências e antigo Presidente da Academia das Ciências de Lisboa. Membro honorário da Socie-
dade de Geografia de Lisboa. Membro emérito da Academia de Engenharia. Membro honorário
do Instituto Português de Heráldica. Membro da Academia Real das Ciências da Bélgica e da
Academia do Reino de Marrocos. Doutor honoris-causa das Universidades de Liège, Federal do
Rio de Janeiro, Ásia Oriental e Macau. Grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Portugal),
Grã-Cruz da Ordem do Mérito Civil (Espanha), cavaleiro da Legião de Honra (França).

513
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

1- A primeira missa no Brasil, ou a descoberta da Europa pelos


índios

Longe de mim entrar numa estéril polémica sobre quem descobriu o


Brasil: os europeus ou os índios. A verdade oficial é que em 1500 os portugueses
descobriram o caminho marítimo para o Brasil, como antes tinham descoberto
o caminho marítimo para a Índia. Só que o chão da Índia tinha sido já pisado,
antes do Gama, por muitos e variados europeus, ao passo que foram portugueses
os europeus que primeiro chegaram ao Brasil e lá se encontraram e conviveram
com os índios.
O encontro ficou registado na “Carta” que o escrivão da frota de Cabral,
Pero Vaz de Caminha 1, redigiu, a mando do almirante, para dar conta ao seu
Rei e Senhor do “achamento” do Brasil. Pero Vaz esteve à altura do papel que
lhe coube desempenhar nesse momento da História. Prova-o, não só o texto que
compôs, e que o revela como cronista, etnólogo e artista, como o interesse cien-
tífico da descrição que elaborou de uma sociedade paleolítica em solo brasileiro.
Mas a descoberta mais importante que resultou do primeiro encontro não
foi tanto a dos índios pelos portugueses, mas a da cultura europeia pelos índios.
Estes assistiram tão atentamente à “Primeira Missa”, celebrada por frei Henrique
de Coimbra na Páscoa de 1500, que pode concluir-se terem sido profundamente
tocados pela sublimidade da liturgia.
As contribuições que, durante mais de 500 anos, pessoas de diferentes
ramos da minha família, a começar por frei Henrique, deram para a formação
do Brasil, fazem-me sugerir, como tema de estudo, a investigação do que a nação
brasileira ficou devendo a muitas outras famílias originárias do Velho Mundo.
Nesse contexto, este meu artigo nada mais pretende ser que um “estudo de caso”.
Começarei por transcrever as passagens da “Carta de Pero Vaz de Caminha”
que me pareceram ser as mais significativas.
Dirigindo-se a el-Rei, foi assim que começou 2:

Senhor

1
Era da família dos “Vaz de Caminha”, fidalgos da Casa dos Duques de Bragança e Alcaides-
mores de Vila Viçosa. Desses descendia também, por via materna, o 1º Conde das Galveias,
Diniz de Melo de Castro, o mesmo que, como adiante se verá, casou com Dona Ângela Maria
da Silveira.
2
Sublinhei o que mais me impressionou.

514
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. E


assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas
de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topámos alguns sinais de terra. E quarta-
-feira seguinte, pela manhã, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande
monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã,
com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs o nome “Monte Pascoal” e à
terra “Terra da Vera Cruz”.

E assim continuou:

À quinta-feira (23 de Abril), pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitos


à terra, indo os navios pequenos diante, até meia légua da terra, onde todos lançámos
âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas
pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo
disseram os navios pequenos por chegarem primeiro. Eram pardos, todos nus, sem
coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas.
Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho 3 lhes fez sinal que pousassem os
arcos. E eles os pousaram.
O Capitão, quando eles vieram à nau, estava sentado em uma cadeira, bem
vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por
estrado. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de
falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e
começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo
que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava
para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata.
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no
logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-
-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram
medo dela. Não lhe queriam pôr a mão e depois a tomaram como que espantados.
Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a
entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus
dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças – ancoragem tão grande, tão formosa e
tão segura, que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que
as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E
daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias 4 que fossem em terra

3
O capitão de uma das caravelas que foram à Índia com Vasco da Gama.
4
O que primeiro dobrou o Cabo da Boa Esperança.

515
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

e levassem dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar
a cada uma sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas
de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos
homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-
-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram
muito.
Ao domingo de Pascoela (26 de Abril) pela manhã, determinou o Capitão de ir
ouvir missa e pregação naquele ilhéu 5. Mandou a todos os capitães que se aprestassem
nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um espe-
ravel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer
missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique de Coimbra 6, em voz entoada, e
oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali.
A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual
esteve sempre levantada, da parte do Evangelho. Acabada a missa, desvestiu-se o padre
e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e
proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e
do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência
viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente,
pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando.
E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação,
levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar
um pedaço.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa
bandeira alta. Embarcamos e fomos todos em direcção à terra para passarmos ao longo
por onde eles estavam, indo, na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias
em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para lho dar; e
nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água,
metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e
muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.

5
Trata-se de uma missa no ilhéu, e não da que costuma ser considerada a 1ª missa no Brasil.
6
Mais tarde Bispo de Ceuta e Primaz da África. O seu nome era Henrique Soares, mas, segundo
a tradição franciscana, associava ao nome próprio o da terra de origem. Frei Henrique pode pois
considerar-se como um contributo de Coimbra.

516
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles, sem impli-
carem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam
aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão;
e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão.
E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às
quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são
tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não pode mais ser. Isto me faz presumir que
não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem
nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.
À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali
vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam
arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-
-se connosco. Abraçavam-nos e folgavam.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz,
dum pau, que ontem para isso se cortou. Muitos deles vinham ali estar com os carpin-
teiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam,
do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua
madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas,
mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que
ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles connosco. E tanto que
saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí. Andariam na praia,
quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me
que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por
qualquer coisa que lhes davam. Comiam connosco do que lhes dávamos. Bebiam
alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem,
o beberão de boa vontade. Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com
suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui
boa vontade, e levavam-na aos batéis. Andavam já mais mansos e seguros entre nós,
do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira
grande e de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma, que vem ter à praia,
e em que nós tomamos água. Ali ficámos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo
dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que
homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e
bons palmitos.

517
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz,
que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é
sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o
acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam,
acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la. Parece-me gente de tal
inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles,
segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão
de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga,
porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente
neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons
corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem
causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve
cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem
ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos
homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos,
que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios,
que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra,
com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu
que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o
lugar, onde fizessem a cova para a chantar. Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos
nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses
religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.
Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim
vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da
praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta.
Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinquenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente
lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa 7 o padre frei Henrique,
a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram connosco a ela obra de
cinquenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.

7
Foi esta a denominada “primeira missa no Brasil”, e como tal evocada por famosos pintores,
como Vítor Meirelles no século XIX e Cândido Portinari no século XX.

518
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos
levantadas, eles se levantaram connosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser
acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que
nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos
levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita
devoção. Estiveram assim connosco até acabada a comunhão, depois da qual comun-
garam esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros. Alguns deles,
por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram
e ficaram. Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, continuou ali
com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e
ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo
para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de
bem; e nós assim o tomámos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se
subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos,
cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e
virtuoso, o que nos aumentou a devoção.
Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para
ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros
iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de
estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que
se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao
pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha
primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que
seriam obra de quarenta ou cinquenta. Isto acabado – era já bem uma hora depois do
meio-dia – viemos às naus a comer, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez
aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe
muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca, e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa
para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam
fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem
adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais
devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém
vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhe-
cimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos,
hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual
esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a
redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se

519
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior,
quanto a vergonha. Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se conver-
terá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação. Acabado isto, fomos assim
perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até
à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo
do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra
por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia
parma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito
grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que
nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem
prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de
muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque
neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em
tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das
águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar
esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar,
que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute,
bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza
tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, 1º dia de
maio de 1500.

2- Contributos do Alentejo 8

Segundo as “Memórias de Vila Viçosa” 9 do Padre Joaquim José da Rocha


Espanca, a Corredoura era, no século XV, a rua extrema de Vila Viçosa a poente.
Lá viveram, nos séculos XVI e XVII, muitos dos fidalgos ao serviço dos Duques

8
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Sobre a varonia da Família Arantes e Oliveira”,
Armas e Troféus, IX série, tomo XVI (2014), pp. 313-344.
9
Obra de referência da autoria do Padre Joaquim José da Rocha Espanca, de Vila Viçosa,
publicada pela Câmara Municipal de Vila Viçosa.

520
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

de Bragança. Uma das duas únicas casas brasonadas de Vila Viçosa era, justa-
mente nela, a chamada “Casa Nobre dos Mascarenhas”.
Segundo o Padre Espanca, foi esta casa construída em meados do século
XVI por iniciativa de Pedro Mascarenhas, fidalgo cavaleiro da Casa Real, que
depois foi viver em Olivença onde casou, a 20/V/1576, com Dona Maria da
Gama, filha de Estêvão da Gama, cavaleiro de Cristo, e de Dona Francisca Lobo,
filha de António Lobo, Senhor do Morgado de Vale-Moreno, o maior e mais
antigo de Olivença. Foi por essa razão que esses Lobos foram chamados os “Lobos
de Vale-Moreno”.
António Lobo casou com Dona Ana Lopes de Ávila, filha de Afonso Lopes
de Ávila e de uma Vasconcelos. Frei Henrique de Coimbra, mais tarde Bispo de
Ceuta e primaz da África (sedeado em Olivença), o sacerdote que celebrou, em
26/IV/1500, a 1ª missa no Brasil, era irmão de Dona Ana e, portanto, tio por
afinidade do dito Pedro Mascarenhas.
Este último, fidalgo cavaleiro da Casa Real e Comendador de Santa Maria
do Touro, era filho de um Fernão Martins Mascarenhas, também fidalgo da Casa
Real por carta de 1579, e de D. Catarina Coelho Lobo, filha de Vasco Coelho e de
sua mulher D. Leonor Machado Lobo, herdeira do Morgado dos Carregueiros,
outro famoso morgado de Olivença. Rui Mendes Lobo, o pai de Dona Leonor
Machado, fora o superintendente das obras que D. Manuel mandou fazer em
Olivença, entre as quais avulta a famosa Igreja da Madalena 10, e fidalgo da Casa
do mesmo Rei. Era tetraneto de Afonso Anes Carregueiro 11 que instituiu o dito
Morgado, do qual constavam “casas-nobres e mais fazenda em Olivença, e uma
herdade com mais de duas léguas de circunferência no termo de Monsaraz” 12.
Pedro Mascarenhas foi pai de outro Fernão Martins Mascarenhas (Gayo,
§19, N9), fidalgo da Casa de Bragança em tempo do Duque D. Teodósio e
fidalgo da Casa Real por alvará de 1595. Embora nascido em Olivença, este
Fernão casou com Dona Isabel Pereira, de Vila Viçosa, filha de Estêvão Ribeiro
Raposo, da linhagem dos Britos, cavaleiro fidalgo da Casa do Duque de Bragança,
Comendador de Parada e Senhor do Forte do Sobral, e de Dona Margarida de
Almeida, filha de Cristóvão de Mures Gançoso e herdeira da capela dos Gançosos
no Alandroal. Viveu este Fernão em Vila Viçosa, na já mencionada “Casa Nobre
dos Mascarenhas” na Corredoura de Vila Viçosa. Possuía ainda, em Bencatel, a
Quinta da Madre de Deus, chamada “do Mascarenhas”. Ele e Dona Isabel foram

10
Erigida para ser a catedral do bispado de Ceuta.
11
Rico-homem do Rei D. Fernando e alferes-mor de D. João I.
12
Ver o capítulo sobre Olivença do Padre António Carvalho da Costa, na sua “Corographia do
Famoso Reino de Portugal”.

521
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

pais de vários filhos, entre os quais Francisco Mascarenhas de Brito que casou com
Dona Brites Lobo da Silveira, baptizada a 18/IX/1606 na Igreja de Nossa Senhora
da Conceição de Vila Viçosa, filha de Manuel Mouro de Andrade (lavrador em
S. Romão, falecido em 20/IX/1612 e sepultado no convento de Santa Cruz de
Vila Viçosa) e de D. Ângela Mendes Lobo, que, tendo enviuvado desse primeiro
marido, casou, em Borba, com Luís da Silveira Vila Lobos.
Dona Brites Lobo, baptizada em Nossa Senhora da Conceição de Vila
Viçosa em 18/IX/1606, era irmã inteira do opulento lavrador André Mendes
Lobo 13, casado em 1629 com Dona Leonor da Silveira, ama-de-leite do futuro
Príncipe D. Teodósio, de quem teve:

– Dona Ângela Maria da Silveira, Condessa das Galveias por ser mulher
de D. Dinis de Melo de Castro, nascido em 1624, 1º Conde desse título.
– Dona Luísa (ou Maria) Lobo da Silveira que casou duas vezes, a primeira
com Álvaro de Távora Miranda Henriques, Alcaide-mor de Fronteira,
e a segunda com Ambrósio Pereira de Berredo. Deste 2º casamento
nasceu Dona Joana Vicência de Meneses que, casando com Bernardim
Freire de Andrade, foi mãe do 1º e do 2º Condes de Bobadela.

De todos estes titulares foi pois tia Dona Brites Lobo (da Silveira), e primos
todos os que desta descenderam.
O 1º Conde das Galveias e D. Ângela Maria da Silveira foram pais do 2º e
do 4º Condes das Galveias. Este último, D. André de Melo de Castro, nascido em
1668 e falecido em 1750, desempenhou o cargo de embaixador extraordinário
junto do Papa Clemente XI. Foi uma personagem chave nas importantes nego-
ciações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé que ocorreram durante o reinado
de D. João V. Passando ao Brasil, o 4º Conde das Galveias foi, entre 1732
e 1736, governador e capitão-geral de Minas Gerais, onde tomou medidas
que aumentaram sensivelmente a produção de ouro, prata e diamantes. Entre
1736 e 1749, foi ele o 5º Vice-rei do Brasil.
O 1º Conde de Bobadela foi, entre 1733 a 1763, governador e capitão-
-general do Rio de Janeiro. Em 1735, foi governador de Minas Gerais e, a
partir de 1748, de S. Paulo, Mato Grosso e todo o Sul do Brasil. Uma vez cele-
brado o Tratado de Madrid, em 1750, coube-lhe delimitar as fronteiras entre

13
Pagador-geral do Exército do Alentejo e Couteiro-mor da Tapada Real de Vila Viçosa, cargo em
que lhe sucederiam os Condes das Galveias.

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o Brasil e as colónias espanholas e comandar as tropas luso-espanholas que


venceram os índios na chamada “Guerra Guaranítica” (1754-1756) 14.

3- Um contributo do Ribatejo

Francisco de Brito Mascarenhas e Dona Brites Lobo foram pais de Dona


Violante Mascarenhas (ou de Brito, por assim ser referida na habilitação de genere
de seu neto, o Padre Clemente Luís Lobo Mascarenhas).
Dona Violante casou com António Pereira de Sousa, natural da Vila de
Pias, Prelazia de Tomar (ver a habilitação atrás referida). Segundo a “Corogra-
phia Portuguesa” de António Carvalho da Costa, “a Igreja Parochial da Vila de
Pias tem por Padroeiro S. Luís, Bispo de Tolosa; he de três naves, & está no meio da
Villa com a porta para o Poente em hum lugar alto, a que se sobe por suas escadas
muy espaçosas, que se terminaõ em hum fermosíssimo taboleyro, que faz a entrada
muy magestosa; e também para o adro dos defuntos se sobe por outra escada de igual
largura & magnificencia. Alem do Altar mór, & Collateraes, tem quatro Capellas com
obrigação de Missa quotidiana, & bens annexos a ellas cõ vínculos de Morgado. A
1ª Capella da mão direyta he de S. Mattheos, & foi instituida pelo Lic. Mattheos
de Sousa Coelho, Provisor e Vigário Geral do Estado do Maranhaõ & Graõ
Pará 15, de que he administrador 16 Salvador Soares Cotrim, Sargento mór da Villa
de Pias (casado a 24/VI/1683, sem geração, com D. Maria de Sousa Coelho,
irmã de um Manuel de Sousa Coelho) que faleceu no lugar do Beco a 27/V/1734.
A segunda Capella he das Almas, & foi instituída por António Pereira de Sousa,
tio do Vigário Geral”.
Do Livro 34, f. 296, da Chancelaria da Ordem de Cristo, consta o seguinte:
“Mateus de Sousa, apresentação na Igreja de N. Srª. de Vera Cruz da cidade de
Guaxenduba do Estado do Maranhão: Dom João por graça de Deus Rei de Portugal
e dos Algarves, etc., como Governador e perpétuo administrador que sou do mestrado
cavalaria e ordem de N. Sr. Jesus Cristo faço saber ao Reverendo Bispo da Sé da
Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos que por estar vaga a Igreja de N. Srª.
da Vera Cruz da Cidade de Guaxenduba do Estado do Maranhão que é desse bispado,
e pela informação que tenho de Mateus de Sousa clérigo do hábito de S. Pedro da sua
14
Recorde-se o famoso filme “The mission”, realizado em 1986 por Roland Joffé.
15
Ver a “Crónica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Maranhão”, pelo Padre João Felipe
Bettendorf, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
1910.
16
Era-o à data da publicação da “Corographia do famoso Reino de Portugal” do Padre António
Carvalho da Costa.

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e. r. de ArAnTes e oLiveirA

suficiência, vida e costumes hei por bem e me praz de apresentar na dita igreja como
é de efeito apresentar e hei por apresentado que a servirá como cumpre ao serviço de
Deus e bem das almas dos fregueses dela e vos encomendo e mando que nela o confir-
meis e lhe passeis vossas letras de confirmação na forma costumada nas quais se faça
expressa e clara menção de como confirmastes a minha apresentação para guardar e
com evocação do direito da dita igreja haverá mantimento a ela ordenado e os prós e
percalços que ... Nicolau de Carvalho fez em Lisboa aos 29/XII/1640 …”.
António Pereira de Sousa e Dona Violante Mascarenhas da Silveira foram
pais de numerosos filhos, entre os quais Dona Leonor Mascarenhas da Silveira,
que foi baptizada na freguesia de Nossa Senhora da Orada em Avis em 1668 e
casou, em 1685, na freguesia do Lavradio, com António Simões e Sousa. Um
dos filhos chamou-se Caetano da Silveira e Sousa Pereira, baptizado na freguesia
de Nossa Senhora da Consolação da Arrentela, termo de Almada, que, casando
em Lisboa com Vicência Maria, dela teve Cristina Maria Rosa, baptizada em
1735, mulher de Manuel Pedro. Tiveram Cândida Rosa, baptizada nas Mercês
em 1761, que casou com Fernando José d’Oliveira, o primeiro da família do
autor que usou o apelido Oliveira.

4- Contributos da Estremadura 17

Dona Maria Ana de Carvalho Carvalhosa era filha de José Joaquim da


Silva Carvalho, Senhor da Quinta da Figoeira, na freguesia da Azueira do termo
de Torres Vedras, e de Dona Maria Emília de Carvalhosa e Silva, cujos pais foram
o Conselheiro João Anastácio de Carvalhosa Henriques, Senhor da Quinta do
Rocio, no termo de Alenquer, e Dona Ana José de Carvalho e Silva. Esta era filha
de Elisiário Manuel de Carvalho, sargento-mor da Ordenança de Torres Vedras e
Senhor da Quinta da Figoeira (ver Capítulo 5º), marido de D. Joaquina Clara da
Silva, natural da Baía, de cuja ascendência adiante se tratará.
João Anastácio de Carvalhosa Henriques era filho do Doutor Filipe
Monteiro Henriques Delgado e de Dona Maria Rita de Carvalhosa e Silva, filha
do Capitão Francisco da Costa e Silva e de sua Mulher, Simoa Maria Joaquina.
Francisco da Costa e Silva era filho de António da Costa (que foi casar a Sines),
filho de D. Maria da Silva e de Domingos da Costa, todos da Ribeira de Maria
Afonso, freguesia de Dois-Portos, termo de Torres Vedras. D. Maria da Silva era

17
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Carvalhosas, Palhavãs e Carvalhosas-Palhavãs”,
Armas e Troféus, IX Série (2000-2001), pp. 81-130.

524
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

irmã inteira de D. Isabel de Carvalhosa, ambas filhas naturais do Capitão João


Homem de Carvalhosa, dos Carvalhosas da Ribeira de Maria Afonso.
D. Isabel de Carvalhosa, que era pois tia longínqua de D. Maria Ana de
Carvalho Carvalhosa, casou em 26/VIII/1677 nas Caldas da Rainha, “por estar
naquele tempo a dita Dona Isabel naquela freguesia”, com João Moniz da Silva,
Morgado da Bulegueira (lugar que fica junto à Ribeira de Maria Afonso), bapti-
zado em 11/X/1646, filho de Egas Moniz da Silva, baptizado a 21/III/1616 na
freguesia de Santa Engrácia da Cidade de Lisboa 18, e de Dona Juliana de Faria,
natural do lugar de Chelas, termo de Lisboa, e baptizada na freguesia de Nossa
Senhora dos Olivais a 11/II/1608.
O pai e a mãe de Egas Moniz da Silva chamaram-se respectivamente João
Moniz da Silva e Dona Margarida de Vasconcelos. Crê-se (os livros paroquiais
da freguesia de Santa Engrácia apresentam numerosas falhas, pelo que não foi
possível comprovar nem rejeitar esta hipótese) que tiveram, além de Egas, um
outro filho que se chamou Rodrigo Moniz da Silva e seguiu uma brilhante
carreira marítima muito ligada ao Brasil 19. D. João IV nomeou-o capitão-de-
-mar-e-guerra por carta de 12/II/1655, e D. Afonso VI Almirante da Armada
do Brasil por carta de 16/V/1659. A descrição da sua carreira, iniciada em 1638,
é feita com alguma minúcia nestas duas cartas e num alvará datado de 5/VI/1655
em que o Rei concede como mercê um lugar de freira num mosteiro “em que eu
(o Rei) possa prometer”, para uma irmã “qual ele escolha”. É deste alvará que consta
ter Rodrigo nascido em Lisboa, filho de um João Moniz da Silva 20.
Dona Isabel de Carvalhosa e João Moniz da Silva moraram na Ribeira
de Maria Afonso e foram pais de outro Egas Moniz da Silva, nascido por volta
de 1688, bem como de outro João Moniz da Silva, nascido a 29/VII/1691, os
quais, em 1720, foram feitos moços fidalgos da Casa Real, e logo acrescentados a
fidalgos escudeiros.
O primeiro filho, Egas Moniz da Silva, que faleceu antes de 21/IV/1724 21,
trocou a Ribeira de Maria Afonso pelo Rio de Janeiro, onde casou a 12/
18
Assento no Livro B1da freguesia de Santa Engrácia; foi padrinho Manuel de Souza Moniz.
19
Tiveram também uma filha, Dona Serafina Moniz da Silva, que faleceu na Ribeira de Maria
Afonso a 12/XII/1718.
20
Sabe-se que faleceu antes de 1673, já que, a 1 de Março desse ano, uma Dona Isabel de Mariz,
apontada como sua viúva, vendeu um engenho na Capitania do Rio de Janeiro (ver notícia
sobre a consulta do Conselho Ultramarino relativa à venda do referido engenho em “Inventário
dos Documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar de Lisboa”, por
Eduardo de Castro e Almeida, edição da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1921).
21
Ver RHEINGANTZ, Carlos G., Primeiras Famílias do Rio de Janeiro – séculos XVI e XVII,
Livraria Brasiliana Editora, 1965, vol. I, pp. 165 e 217, que refere Egas Moniz da Silva como
“cavaleiro e morgado em Torres Vedras”.

525
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

VI/1718 com Dona Catarina de Barcelos Coutinho Barreto, filha do Capitão


José Barreto de Faria e de Dona Paula Rangel de Macedo (nascida no Rio por
volta de 1677, casada por volta de 1699). Sabe-se que, em 1725, sua viúva, Dona
Catarina, requereu que se lhe fosse passada provisão para exercer a tutela dos seus
filhos menores 22.
O segundo filho, João, o que nasceu em 1691, faleceu solteiro em 1/
XI/1739 na Ribeira de Maria Afonso, em casa de António da Costa, seu primo
coirmão, que, como adiante se verá, se ordenou depois de enviuvar.
O Egas Moniz da Silva que foi morar e casou no Rio de Janeiro teve
um filho, o Tenente João Moniz da Silva, baptizado na freguesia da Sé a 24/
VI/1720, a quem, em 1768, foram também atribuídos os foros de moço
fidalgo e fidalgo escudeiro. Este João, que casou a 26/IX/1747 com sua prima
coirmã Dona Brites Isabel de Mariz, filha de Sebastião Martins Coutinho
Rangel, da importante família dos Azeredos Coutinhos, do Rio de Janeiro,
e de Dona Isabel de Mariz Barreto de Faria (irmã da mãe do noivo), foi pai
de um Egas Moniz da Silva (era tradição desta família fazer alternar os Egas e os
Joões), de um Francisco Moniz da Silva e de um Vasco Moniz da Silva. Estes
três foram feitos simultaneamente moços fidalgos em 1796, e acrescentados
a fidalgos escudeiros em 1798. Todos os Monizes da Silva descendentes de
Dona Isabel de Carvalhosa tiveram pois o foro de moços fidalgos, e foram
acrescentados a fidalgos escudeiros. Não tivemos oportunidade de investigar a
sua descendência brasileira.

5- Contributos de instituições científicas portuguesas para a


formação da elite do Império do Brasil

O Sargento-mor Elisiário Manuel de Carvalho, Senhor da Quinta da


Figoeira 23, casou em 1786 na Capela da Quinta do Ramalhão 24, em Sintra,

22
Ver o “Inventário dos Documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar
de Lisboa”, organizado para a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e
Almeida, R. J., 1913).
23
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Sobre os Carvalhos da Quinta da Figoeira, no
termo de Torres Vedras”, Revista Dislivro Histórica, n.º 2 (2009), pp. 201-223.
24
A Quinta do Ramalhão, situada na freguesia de S. Pedro de Penaferrim, de Sintra, fora comprada
por Dona Maria da Encarnação Correia, tia de Dona Joaquina Clara da Silva, à Família Bivar.
Seria mais tarde adquirida pelo Príncipe Regente D. João para a Casa do Infantado, e habitada
por sua Mulher, Dona Carlota Joaquina, que lá deu à luz o Infante D. Miguel, futuro Rei de
Portugal.

526
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

com Dona Joaquina Clara da Silva. O dote de 8 contos de ouro que a noiva lhe
trouxe, permitiu ampliar o património da família, adquirindo várias propriedades
e introduzindo importantes melhoramentos. Consta da matrícula de bacharel do
filho, o Dr. José Manuel de Carvalho, que sucedeu ao pai no senhorio da Casa
e foi Juiz de Fora de Peniche durante as Invasões Francesas, que os Senhores da
Figoeira “tinham sege, lacaios e cavalos, sendo uma das melhores casas do termo (de
Torres Vedras)”.
O Sargento-mor Elisiário Manuel de Carvalho tinha uma irmã, Dona Ana
Gertrudes Rita de Carvalho que casou com o Dr. António de Barros Gorjão,
da Quinta dos Chãos, na freguesia de Santo Isidoro, do qual teve vários filhos.
Destes, os seguintes tiveram ligações com o Brasil 25:

- Filipe Neri Gorjão, professo da Ordem de Avis, 2º tenente do Real


Campo de Engenheiros, com seis anos de serviço na Guerra Peninsular,
oito anos na Divisão de Voluntários Reais d’El Rei em Montevideu
(de onde regressou em 1824, na qualidade de Quartel Mestre General
das mesmas), Quartel Mestre General do Exército em 1828, e refor-
mado no posto de Brigadeiro em 1831 com a graduação de Marechal
de Campo, falecido em 1856;
- D. Rita Gertrudes de Carvalho Gorjão, baptizada na freguesia de
Santo Isidoro de Mafra em 1784, casada em Mafra a 25/X/1806 com
o Tenente-coronel Joaquim Inácio de Carvalho Pinto, irmão de Dona
Maria da Nazaré de Carvalho que se tornaria Marquesa de Para-
naguá pelo seu casamento com Francisco Vilela Barbosa, Marquês
desse título. D. Rita Gertrudes de Carvalho Gorjão era pois concu-
nhada do Marquês de Paranaguá. Francisco Vilela Barbosa, homem
notável dos pontos de vista científico e político, nascera no Rio de
Janeiro em 1789, mas era filho de um português de Braga. Formou-se
em matemática na Universidade de Coimbra, foi lente na Academia
Real dos Guardas-marinhas, brigadeiro do Real Corpo de Enge-
nheiros, sócio da Academia Real das Ciências (de Lisboa). Deputado
à Assembleia Constituinte pelo Rio de Janeiro quando da Revolução de
1820, foi dos que mais tempo levou a quebrar os laços com Portugal.
Depois do fato consumado, serviu o Império do Brasil, seguindo uma
notável carreira política. Deu todo o seu apoio a D. Pedro II quando,
em 1825, este subiu ao trono com a idade de 5 anos. Em 1826, foi

25
OLIVEIRA, Eduardo R. de Arantes e, “Lisboa, Novembro de 1807. Uma carta e as suas
personagens”, Armas e Troféus, VIII série, tomo II, n.os 1, 2 e 3 (1998), pp. 1-17.

527
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

elevado a Visconde com grandeza (e depois a Marquês) de Paranaguá.


A maioridade do Imperador foi reconhecida em 1840, em grande
parte por acção de Vilela Barbosa, então membro do Conselho de
Regência. Quando da coroação de D. Pedro II, desempenhou as
funções de condestável (empunhando o estoque), de acordo com a
tradição lusitana.

6 - Contributos do Minho e Açores para o nordeste e norte do


Brasil

Os costados de Dona Joaquina Clara da Silva podem examinar-se num


artigo publicado pelo autor 26. Deles pode extrair-se informação sobre membros
da família que passaram ao Brasil, ou lá ficaram, e assim obter a seguinte árvore,
em que não se mencionam os restantes irmãos que voltaram para Portugal:

1- D. Joaquina Clara da Silva, b. em 1745 na freguesia da Conceição da


Conceição da Praia (Salvador).
Irmãos: Dr. José Álvares da Silva, b. na Baía em 1750, cav. O.C., fid. de
cota de armas em 1771, desembargador na Baía;
Simão Álvares da Silva, cap.-mor da Baía, Senhor do Paço do
Saldanha (Baía) e do Engenho de Sergipe do Conde, c. em
1800 com D. Maria Joaquina Pereira de Andrade;
Filha: D. Águeda Zeferina da Silva, c. com José Joaquim Pires de
Carvalho e Albuquerque, 2º Barão de Pirajá;
Gaspar Álvares da Silva, gémeo de seu irmão Simão, sem geração.

II

2- Mestre de Campo da Baía José Alves (ou Álvares) da Silva, f.s.o., b. em


Viana do Minho em 1701, c. na Cachoeira (Recôncavo) em 1744, sobrinho
de Simão Alves Santos, f.S.O. (1699), primo próximo de João Alves
de Carvalho, Capitão-mor do Estado do Maranhão, e Governador e

26
ARANTES, Eduardo, “O Casamento Baiano de Joaquim Inácio da Cruz”, Armas e Troféus, VIII
série, tomo I (1998), pp. 31-76.

528
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

Capitão-General interino do mesmo Estado em 1736/1737 27, e de José


Álvares Viana, f.S.O (1707), Coronel do Regimento de Auxiliares da
Capitania de Sergipe, todos de Viana;
3- D. Águeda Maria do Sacramento, b. Cachoeira 1727, mulher de José Alves
da Silva;
Irmãos: Dr. Jorge Correia Lisboa, b. Cachoeira 1712, chantre da Sé da Baía;
Rev. Lourenço Correia;
Doutor António Correia de Magalhães b. Cachoeira 1725, desem-
bargador da Baía em 1746, fid. de cota de armas em 1754, cav.
professo da O.C., Secretário da Companhia Geral de Pernam-
buco e Paraíba;
D. Ana Maria de Jesus Magalhães Correia Lisboa, c. c. o Cap. Pedro
Rodrigues Bandeira que foi baptizado em Viana do Minho em
1709, mas passou ao Brasil;
Filhas: D. Joaquina Josefa de Santana Bandeira, avó da mulher
de Rui Barbosa;
D. Clara Caetana do Sacramento Bandeira, 1ª Baronesa de Rio
das Contas.

III

6- Tenente-coronel Lourenço Correia Lisboa, b. Palmela 1680, c. na


Cachoeira em 1711, proprietário dos ofícios de tabelião e escrivão dos
órfãos da Cachoeira; chegou a ser o homem mais rico da riquíssima Vila da
Cachoeira, construindo à sua custa a Capela do Sacramento do Carmo, na
mesma Vila.
7- D. Maria dos Santos e Magalhães, b. em S. Gonçalo dos Campos da
Cachoeira, mulher de Lourenço Correia Lisboa;
Irmãos: D. Caetana de Magalhães, c. com Manuel Ferreira Magalhães, f.s.o.;
D. Antónia de Almeida, b. 1699, c. 1720, em S. Gonçalo dos
Campos da Cachoeira, com o Cap. Bartolomeu da Costa, f.s.o.
(ascendentes do grande poeta e genealogista conimbricense
Eugénio de Castro);
Rev. Dr. Henrique de Caldas, sacerdote jesuíta;
Outro sacerdote jesuíta, cujo nome não conheço.

27
Ver MEIRELES, Mário M. História do Maranhão, S. Luís, Fundação Cultural do Maranhão,
1980.

529
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

IV

14- Francisco de Magalhães, da Casa de Refalcão, b. 1647 na freg. de Santa


Senhorinha de Basto, c. na de S. Domingos de Saubara em 1690;
15- D. Geralda Correia de Caldas, b. em S. Domingos de Saubara;

30- Henrique de Caldas, n. de Sergipe d’el Rei, c. em Nossa Senhora da Purifi-


cação de Sergipe do Conde em 1662.
Irmãos: Rev. António Correia de Caldas;
Fernando Correia de Caldas;
Simão Correia;
Filho: Bento Correia de Lima, capitão-mor de Pinhancó;
Neta: D. Antónia Francisca Correia de Lima;
Bisneto: Joaquim António Salter de Mendonça, 1º
Visconde de Azurara;
Bernardo Correia de Caldas;
Severim de Andrade.
31- D. Joana de Almeida, n. do Engenho de Sergipe do Conde, da linhagem
dos Monizes Barretos, dos quais o mais antigo membro fixado no Brasil,
Egas Moniz Barreto, nascido na Ilha Terceira (Açores), acompanhou Tomé
de Souza (1º Governador-Geral do Brasil), sendo assim um dos fundadores
da Baía.

VI

60- Fernão Correia de Caldas e Lima, n. do termo de Ponte de Lima, cap.-mor


de Sergipe.
61- D. Isabel de Andrade, n. da Ilha de Santa Maria (Açores), mulher de Fernão
Correia de Caldas e Lima.

530
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL

7- Contributos para São Paulo e Sul de Minas

O apelido da minha avó paterna era Galrão de Arantes 28. No que se refere
aos Galrões, o único, mas importante, elo de ligação com o Brasil foi o 2º Bispo
de S. Paulo, religioso franciscano da província de Santa Maria da Arrábida,
que foi frade em Mafra e recebeu, em 24/IX/1735, carta de familiar do Santo
Ofício 29. Era filho de Braz Simões, de Montelavar, no termo de Sintra, e de Maria
de Santo António, irmã inteira de um José Pereira Meireles também familiar do
Santo Ofício. Foi Bispo de 1749 a 1764, com o nome de D. Frei António da
Madre de Deus Galrão 30.
Quanto à Família Arantes, as suas origens têm sido estudadas por vários
genealogistas, entre os quais o Padre Marcelino Pereira 31. O meu 5º avô Arantes,
de nome Francisco de Arantes, e um seu irmão Jerónimo de Arantes, nasceram
na Arquidiocese de Braga, na freguesia de S. Salvador do Couto de Souto, uma
das do actual Concelho de Terras de Bouro (que, juntamente com o Concelho
de Amares constituía a chamada “Terra de Entre Homem e Cávado”), filhos de
Domingos de Arantes, baptizado em 1699 na mesma freguesia, e de Josefa Fran-
cisca Marques, baptizada na de S. Mateus da Ribeira. Pertenciam a uma geração
de dez irmãos (de que foram o 8º e o 10º por ordem de nascimento) que se
fixaram na Estremadura portuguesa.
Dois outros irmãos, João de Arantes Marques e António de Arantes
Marques 32 (o 3º e o 9º da mesma geração), transferiram-se para o Brasil, dando
origem aos dois ramos principais dos Arantes do Brasil (respectivamente, o de
Formiga e o de Aiuruóca, ambos do Estado de Minas Gerais) à qual perten-
ceram, entre outras notáveis personalidades, o Barão de Cabo Verde, o Visconde
de Arantes (filho do anterior), e o Dr. Altino Arantes, 10º Presidente do Estado
de S. Paulo, e 1º presidente do Banco do Estado de S. Paulo-BANESPA (actual
Santander) a cujo edifício, outrora o mais alto de S. Paulo e do Brasil, foi dado o
seu nome. Um neto de Maria de Arantes (a primogénita dos 10 irmãos), o cirur-

28
OLIVEIRA, Eduardo Romando de Arantes e, “Os Arantes da Estremadura e as suas Relações
Familiares”, Armas Troféus, IX série (2013), pp. 117-150.
29
Os processos de habilitação dos familiares do Santo Ofício são altamente fiáveis, pelo que não
há dúvidas sobre a ligação com os Galrões.
30
Confundido por vezes, erradamente, com “Galvão”.
31
PEREIRA, Padre Marcelino, Colecção de Memórias genealógicas, volume 2, Arquivo Distrital de
Braga manuscrito n.º 876.
32
Ambos usavam o apelido Marques da mãe (que, como ainda hoje em Espanha, era
frequentemente usado depois do do pai), pelo que vários Arantes do Brasil adoptaram o apelido
Arantes Marques.

531
e. r. de ArAnTes e oLiveirA

gião João Manuel de Sousa Arantes, chegou ao Brasil com a Família Real em
1807, e deu origem ao ramo dos Arantes de Cunha (S. Paulo).
A Família Arantes do Brasil começou por ser estudada por Arnaldo Arantes
que, em 1953, publicou uma obra de 370 páginas, resultado de dez anos de
fecundo labor. Esta foi continuada pelo Dr. Américo Arantes Pereira. O volume
final 33, editado pela filha deste, Flávia Meirelles Pereira, já depois da morte do pai,
compreende cerca de 1200 páginas e constitui uma fonte importante para quem
pretenda conhecer essa Família. Encontros anuais em diversas cidades brasileiras
contribuem para manter viva a recordação da comum origem portuguesa dos
Arantes do Brasil.

33
ARANTES, Arnaldo, PEREIRA, Américo Arantes, A Família Arantes. Estudo Genealógico, 2.ª
edição, Ribeirão Preto (SP), Editora Legis Summa, 1993.

532
TÍTULOS E BRASÕES. LEGISLAÇÃO E NORMAS NO
IMPÉRIO BRASILEIRO

Vera Lucia Bottrel Tostes*

Resumo: os títulos nobiliárquicos e os brasões foram concedidos, no Brasil, por meio de


mercês novas em reconhecimento aos serviços prestados à Nação e sem direito heredi-
tário. As questões relativas aos direitos de concessão dos títulos foram tema em muitos
debates no Parlamento do Império durante os primeiros anos do segundo reinado. A
documentação pesquisada permitiu demonstrar a trajetória e os desafios que se expres-
saram nos discursos parlamentares até a extinção da nobreza com o advento da Repú-
blica.

Abstract: the nobility titles and coats-of-arms were granted in Brazil, through mercy
in recognition of services to the nation, without hereditary right. The concession rights
issues of titles were theme in many sections in the Brazilian Imperial Parliament
during the early years of the second reign. The searched documentation allowed me to
write about the trajectory and the challenges expressed in parliamentary speech until
the extinction of the nobility with the advent of the Republic.

* Museóloga. Mestre em História Social, Universidade de São Paulo. Professora de Heráldica e


Sigilografia, Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO). Dirigiu o Museu Histórico Nacional,
no Rio de Janeiro. Membro titular do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, do Rio de
Janeiro, da Academia de História de Portugal e de outros países latinos americanos. Membro
do Colégio Brasileiro de Genealogia, do Instituto Português de Heráldica, Vice-Presidente do
Conselho Empresarial de Cultura e do Conselho Cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Dirige o museu do IHGB. É autora de livros e artigos sobre Museologia e Heráldica.

533
verA LuciA BoTTreL TosTes

Introdução

A nobreza brasileira, até a vinda da família Real para o Brasil, em 1808,


era composta de homens pertencentes à aristocracia açucareira, no Nordeste, de
comerciantes, fazendeiros e mineiros no Sul do país. A fidalguia nacional mantida
pelo rei de Portugal conferia mercês e foros com cunho de simples honorificência
no grau de cavaleiro das chamadas ordens militares, estimulando que as famílias
se estabelecessem na Colônia. Entre os agraciados, incluíam-se os bastardos e
a mestiçagem, como Francisco Barreto Meneses, general da campanha contra
os holandeses, em Pernambuco, filho de português com índia peruana; o índio
Camarão; o preto Henrique Dias; e João Fernandes Vieira, que governou Angola
e Pernambuco, apenas para citar alguns. No entanto, nunca foram concedidos
títulos de nobreza.
Com a chegada de D. João, esse panorama modificou-se, permitindo que
o quadro de agraciados se ampliasse até seu retorno para Portugal, em 1821.
Deixou para seu filho a fundação de um império independente. A Independência
do Brasil, em sete de setembro de 1822, trouxe a separação do Império Ultrama-
rino. O novo país tinha pela frente o fervilhante início do processo de construção
e organização da Nação. Toda a administração política e econômica estava por ser
feita após o país tornar-se um Império com a aclamação de D. Pedro I, a 12 de
outubro de 1822, e sua confirmação com a outorga da Constituição brasileira,
em 25 de março de 1824.
A Constituição deu a primeira palavra do sistema representativo dentro
dos preceitos das normas liberalistas adotados no século XIX. Foi redigida pela
mão de D. Pedro I, após dissolver a Assembléia Constituinte por discordar dos
seus pontos de vista. Nela, estão definidos os papeis da pessoa do Imperador,
chefe do poder Moderador a que foi dado o encargo de garantir a estabilidade
nacional, e da Assembleia Geral (ou Parlamento), composto de duas Câmaras:
Deputados e Senadores, cada uma com o tratamento de Augustos e Digníssimos
Representantes da Nação.
A Assembleia Geral era composta de 50 senadores e 102 deputados que
gozavam de imunidade e poder constitucional para criar, legislar e moderar o
poder executivo e judiciário. Essa autoridade conferia ao legislativo papel impor-
tante e indispensável para o funcionamento do governo. Os deputados com exer-
cício temporário se contrapunham à vitaliciedade dos senadores, cuja eleição se
fazia em listas tríplices, nas quais o Imperador exercia o direito de escolha.
Para chegar ao senado, o cidadão brasileiro deveria ter idade mínima de 40
anos, estar no gozo dos seus direitos políticos e ter rendimento anual de 800$000

534
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

mil réis por bens, indústria, comércio ou emprego. Os príncipes da Casa Imperial
tinham direito ao senado a partir dos 25 anos de idade. As sessões eram públicas
e funcionavam por quatro meses. Durante o governo de D. Pedro I, a Câmara dos
deputados nunca foi dissolvida nem as sessões interrompidas ou adiadas. No de
seu filho, D. Pedro II, houve 11 dissoluções.
O Império do Brasil manteve um corpo de nobreza formado por um
grupo de indivíduos que gozavam de situação privilegiada. Apesar de calcar sua
organização na aristocracia portuguesa, difere do sistema europeu. A concessão
de títulos e brasões por cartas, durante o Império não conferia hereditariedade.
Foram concedidos 1.211 títulos nos os 67 anos de Império. As questões relativas
às concessões, ao seu mérito e ao direito exercido pelos imperadores Pedro I e
Pedro II foram tema de longos debates no Parlamento do Império até a Repú-
blica.

O Parlamento e as questões processuais

A vinda da Corte portuguesa representou o começo da formação de uma


nova nação. O país assumiu destaque e novas forças sociais foram incorporadas.
D. João, logo que chegou, necessitando de apoio político nobilitou oficiais de
milícia e seus filhos, além de civis que tivessem cabedais. Concedeu, no total, 73
títulos, entre eles 28 marqueses, 8 condes, 16 viscondes e 21 barões, além de 4.000
cavaleiros. O primeiro título foi dado à baronesa de São Salvador de Campos, em
1812. A medida descontentou os fidalgos portugueses e brasileiros que possuíam
distinções antigas. Ambos os grupos consideraram que a introdução de novos
elementos desvalorizava sua posição social. Essa foi uma das razões para o Rei ser
alvo de prolongadas críticas até seu retorno a Portugal.
Após a independência, D. Pedro I (1822-1831) herdou uma corte
composta de fidalgos lusitanos que chegaram com a corte, uma aristocracia brasi-
leira proprietária nobilitada, uma população de homens livres pobres agregados às
classes superiores, além de uma vasta população negra, que transitava por todos os
lados exercendo os ofícios mais variados.
Se, para tal população, a emancipação política representava uma aspiração
de liberdade, para o Príncipe, liderar o movimento foi um ato de astúcia e o
começo de um enfrentamento parlamentar. Entre as questões que sofreram forte
oposição, encontravam-se as referentes à concessão de honrarias. A decisão foi
de deixar para si o encargo de conceder títulos, honras e condecorações, como
terminou definido no dispositivo constitucional, parágrafo XI do Título 5:
“Conceder Títulos, Honras, Ordens Militares e Distinções em recompensa de serviços

535
verA LuciA BoTTreL TosTes

feitos ao Estado, dependendo as mercês pecuniárias da aprovação da Assembléia


quando não estiverem já designadas e taxadas por lei”.
O descontentamento se expressava nos discursos, na Assembléia Geral
Legislativa, mesmo antes da Constituição de 1824. Na Assembléia Constituinte,
em 1823, o debate político em torno do poder atribuído ao monarca levou alguns
deputados como Francisco Gomes Brandão Montezuma a pedir a indicação de
declarar que o “Governo não poderia verificar semelhante graças, se não depois que
por lei se estabelecesse a ordem e a graduação dos títulos que iriam fazer a grandeza
da fidalguia da Nação Brasileira”. Outros parlamentares apoiaram a proposta,
entre eles o deputado Henrique Rezende, que discursou: ¨ [...] mas dizem que
quando o Brasil aclamou o imperador, aclamou-o com esse poder de criar nobreza
e títulos. Também é isso duvidoso para mim, talvez os brasileiros se lembrassem que
essa nobreza tem feito mais males do que bens na Europa. Não sou oposto a que haja
nobreza no Brasil, mas digo que ela deve assentar sobre outras bases diferentes das da
Europa. Portanto é preciso que por lei desta Assembléia se crie e regule essa nobreza.
[...] É preciso um ato legislativo¨. 1
Ainda na mesma sessão, Andrada Machado ofereceu a indicação da
emenda recomendando que [...] ¨se diga ao Governo de Sua Majestade Imperial
que enquanto a Assembléia não decretar a existência de distinção nobilitarias e de
títulos, não se dêem mais os ditos títulos e distinções¨ 2. Essa foi a primeira tentativa
de retirar do Executivo a concessão de títulos, condecorações e honras. Apesar das
indicações, ao término dos trabalhos, figurou o direito de agraciar como compe-
tência do monarca.
Os títulos foram concedidos por meio de decreto assinado pelo imperador
e referendado pelo ministro do Império. No reinado de D. Pedro I foram nobi-
litadas 149 pessoas; dessas, 51 foram elevadas com outros graus. Entre 1825 e
1826, foram outorgados 107, dos quais 46 no dia 12 de outubro de 1825 e 61
no mesmo dia e mês do aniversário de D. Pedro, em 1826. O primeiro título
foi dado a Antonio Joaquim Pires de Carvalho Albuquerque, barão da Torre de
Garcia d´Ávila.
A nobreza brasileira nunca foi hereditária e constituía-se de duas classes: a
pequena nobreza e os grandes do Império. A primeira compreendia os barões e os

1
MONTEZUMA, Francisco Gomes Brandão, Discurso Parlamentar, Anais da Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, fl. 10.
2
Anais do Parlamento Brasileiro – Assembléia Constituinte, Parlamento do Império, 1823, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, l tomo VI, pp222-224. Todo debate transcorreu devido ao
fato de D. Pedro I elevado o Almirante Cochrane a marquês do Maranhão e na mesma data
concedido o grau de grão-cruz da Ordem Imperial do Cruzeiro.

536
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

viscondes que podiam acrescentar as honras de Grandeza; a segunda, os duques,


os marqueses e os condes.
Segundo Paulo Braga de Menezes, a nobreza e a fidalguia foram mantidos
com caráter de simples honorificência e concedidas em retribuição de relevantes
serviços prestados à causa pública 3. Entre os agraciados, distinguiram-se os parla-
mentares, que à época da proclamação da República (1889) dos 55 senadores,
21 eram nobres; as elites agrária e urbana formadas de militares, eclesiásticos e
personalidades que prestaram relevantes serviços à Nação.
Durante a Regência (1831-1840), houve a preocupação de normatizar
as concessões de títulos e condecorações, corrigindo alguns possíveis abusos do
período anterior. As questões relativas à distribuição de honrarias voltaram à
Assembleia Geral. Em 1831, no curso das discussões sobre a lei dos poderes e
atribuições da Regência, no artigo 19, Parágrafo 4º do projeto de lei, foi estatuído
que [...] ¨A Regência não poderá conceder títulos, exceto os do Conselho¨. A esse pará-
grafo, foi anexado o aditivo do deputado Ernesto Ferreira França, que era contra
mesmo aos do Conselho por considerar que se poderia cometer o mesmo abuso:
[...] ¨porquanto, nascendo ele de terem os ex-ministros e o governo passado muitos
afilhados, também poderia tê-los a Regência, e ainda com mais razão por serem três
pessoas em lugar de uma¨ 4.
Após longos debates, o deputado António Rebouças colocou-se a favor
da permanência, observando que abolir todos os títulos era contrário da Cons-
tituição, que garantia a recompensa aos bons serviços. Referindo-se aos abusos
anteriores, argumentou que ¨a Regência não poderia ter as mesmas pretensões do
governo antigo, não sendo composta dos mesmos elementos¨ e concluiu [...]¨ conheci
grandes homens que serviram à Pátria na causa da Independência, que se conside-
ravam muito liberais e amigos da Constituição e que contudo não gostavam de ouvir
falar em se lhes tirarem os seus títulos e condecorações, não lhes fazendo bom cabelo
que em lugar de marquês de tal torne a chamar-se Manoel João da Costa, como se
chamava [...]” e lembrou que “havendo-se concedido esses títulos a tanta gente que
os não merecia, era injusto que não possam para o futuro ser obtidos por aqueles que
tiveram direito a eles¨ 5.
O espírito liberal dos congressistas fez com que, em diferentes ocasiões, se
manifestassem contra a aristocracia. Na sessão de 20 de junho de 1831, Evaristo
da Veiga discursou, com o apoio geral, dizendo que os interessados nas liber-
3
MENEZES, Paulo Braga de, Catálogo da Exposição de Modelos e Brasões e Cartas de Nobreza e
Fidalguia, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1965, p. 9.
4
Anais da Assembléia, 1831, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, tomo II , fl. 10.
5
POLIANO, Luiz Marque, Ordens Honoríficas do Brasil., Rio de Janeiro, Imp. Nacional, 1943,
p. 115.

537
verA LuciA BoTTreL TosTes

dades públicas nunca puderam ver com bons olhos essas distinções que arreme-
davam a aristocracia europeia, não vendo nenhuma [...] ¨conveniência em se querer
conservar no Brasil essa nobreza ridícula, com bem poucas exceções¨ 6.
Na conclusão dos trabalhos, foi definido que, durante a Regência, não
seriam distribuídos títulos, condecorações ou honras, mas esses não seriam
abolidos. Durante oito anos, a Câmara não voltou ao assunto das distinções
nobiliárquicas. O tema caiu sobre item também relacionado à nobreza: os bens
vinculados ou morgados.
Somente em 1839, o deputado Venâncio Henriques de Rezende apresentou
nova proposta justificando a distribuição de títulos como forma de recompensar o
mérito e estimular as aspirações legítimas, e ironizou D. Pedro I por ter dado do
título de duquesa de Goiás a D. Maria Isabel Brasileira, sua filha ilegitimada com
Domitila de Castro Canto e Melo. Pediu um projeto de lei para regulamentar a
criação e distribuição de títulos e condecorações, uma vez que estava próxima a
maioridade de D. Pedro de Alcântara. Acrescentou, ainda, que a regulamentação
traria maior legalidade às concessões.
Enquanto a Câmara dos Deputados pedia regulamentação do direito
da nobreza, o Senado debatia o assunto procurando definir sua existência e
enquadrá-la como uma camada intermediária entre o monarca e o povo. Muitos
foram os discursos e debates nos quais a omissão da palavra nobre ou nobreza na
Constituição era questionada. A justificativa para tal foi que a Constituição trazia
um texto moderno e, portanto, não precisaria exemplificar as classes da socie-
dade. Em sessão de 1832, o visconde de Cairu investiu na defesa da Constituição
dizendo que¨em nenhuma parte menciona a aristocracia de nobreza hereditária ou
da riqueza, bem ou mal adquirida. Ela só reconhece para cargos públicos a aristo-
cracia dos talentos e das virtudes¨ 7.
Sem conclusão para as questões apresentadas, terminou o período regen-
cial, iniciou o governo de D. Pedro II (1840-1889) e as discussões continuaram
em ambas as Casas legislativas sem definição. Apesar do grande número de
discursos que pediam a regulamentação da nobreza, nada foi conseguido. Os
próprios parlamentares não estavam convictos quanto a existência da nobreza,
o que contribuiu para prolongar a situação de indefinição e favorecer o arbí-
trio governamental. Com D. Pedro II, procuraram evitar o excesso de concessões
anterior. Mesmo assim, numerosos títulos foram concedidos por decretos.

6
CUNHA , Rui Vieira, O Parlamento e a Nobreza Brasileira, Brasília, Senado Federal / Arquivo
Nacional, 1979, p. 143.
7
LEÃO, Policarpo Lopes, Considerações sobre a Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Topografia
Perseverança, 1872, p. 5.

538
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

Uma vez mais, no Parlamento, retomaram-se os debates sobre a quem


deveria recair o direito de concessão: se ao poder Executivo ou ao Moderador.
Mais uma vez, não houve definição. Honras, títulos e condecorações foram outor-
gados pelo governo em reconhecimento aos serviços prestados na guerra e na paz.
Apesar de a Constituição de 1824 igualarem os direitos a todos os cidadãos e não
reconhecer a nobreza como uma classe, foi grande o número dos que pretenderam
a ascensão social por meio dos títulos nobiliárquicos.
O abuso porventura existente durante o primeiro e o segundo reinados,
que favoreceu a imagem caricatural da nobreza brasileira, chamada de classe
intermediária, deveu-se à falta de uma definição legislativa regulamentando seus
procedimentos, direitos e deveres.

Processo de Nobilitação

Os títulos foram concedidos pelos monarcas àqueles que não precisavam


comprovar ascendência nobre, uma vez que a Constituição deixava a matéria ao
arbítrio dos Imperadores e do governo sem restrições. A condição mais impor-
tante era a vontade dos imperadores de, por meio de novas mercês, agraciarem
o cidadão que prestava relevantes serviços. Sem a regulamentação por parte do
Legislativo, não houve uma regra para o agraciamento. Impedida de transmitir o
título à descendência, a nobreza brasileira não formou casas nobres pela antigui-
dade e constância dos títulos.
Muitos títulos foram solicitados e tinham de cumprir as exigências da legis-
lação, parte V, para uso dos Procuradores da Coroa e Fazenda Nacional, referente
às mercês de concessão em recompensa por serviços feitos ao Estado, garantidos
pela Constituição, art. 102, § 11, e 179,§ 48 e 28, esses serviços. “[...] Podem ser
feitos na guerra e na paz, na defesa da ordem pública, na independência e inte-
gridade do Império, nas Milícias e nas missões religiosas. Os serviços deviam ser
provados por justificação feitas, em juízo, requisitos e formalidades para despa-
char as mercês¨ 8. Não eram atendidos os pedidos que contavam somente com
testemunhas, sendo preciso que se provasse por documentos autênticos e origi-
nais. Por essa razão, as cartas de indicação eram detalhadas quanto às qualidades
e às benfeitorias do solicitante.
Para o herdeiro era necessária nova solicitação, uma vez que não havia here-
ditariedade. Nesses casos, além das exigências anteriores, dever-se-ia demonstrar

8
MAIA, Jose Antonio da Silva, A Nobreza Brasileira, Anuário do Museu Imperial, Petrópolis,
Museu Imperial, 1940.

539
verA LuciA BoTTreL TosTes

a ascendência nobilitada 9. As solicitações também podiam encontrar oposição e


as razões eram variadas muitas vezes, tinham cunho político, sobretudo na zona
rural, entre fazendeiros 10.
As solicitações eram encaminhadas ao Imperador, que, por decreto, deferia
o título, lavrado pela Secretaria de Estado do Ministério do Império. Apesar de
muitas publicações citarem somente as datas dos decretos, elas não eram o docu-
mento em que investia o agraciado. O direito legal só se processava mediante o
pagamento de taxa que permitia a emissão da carta imperial e o registro dessas na
Secretaria do Império, no Livro de Registro de Leis, Alvarás e Cartas. Somente
assim completava-se o encarte. Os valores eram diferenciados de acordo com
a titulação: duque – 6.000$000; marquês – 4.000$000; conde – 3.600$000;
visconde – 1.800$000; e barão – 1.200$000 réis. Os dois últimos, quando
recebiam a titulação com grandeza, o valor aumentava, indo a 3.000$000 para
visconde e a 2.400$000 réis para barão, como cita a emenda às leis orçamentárias
de 27/03/1843, apresentada pelo deputado Manuel João Pereira da Silva 11.
Para efetuar o pagamento, havia um prazo legal de quatro meses, o qual,
caso excedido, tornava necessária sua renovação ou perdia a validade. Já no final
do reinado de D. Pedro II, quando já era grande a motivação republicana, muitos
agraciados, não querendo recusar a oferta do Imperador, deixaram o prazo vencer.
Os militares gozavam de dispensa de pagamento ou a relaxação do rigor
de direito concedido a alguém por considerações particulares, segundo a Lei 719,
de 28 de setembro de 1853. Essa regalia foi objeto de muitos debates na Câmara
dos Deputados, que via no dispositivo legal uma benesse que nem sempre honrou
9
Exemplo a solicitação de Luiz Octavio d Oliveira Roxo: ¨ moço fidalgo com exercício na Casa
Imperial, filho legítimos do falecido barão de Vargem Alegre, casado com a filha do visconde de
Tocantins, com lavoura de café, concorrendo com donativos pecuniários para várias necessidades do
Serviço Público ¨ e etc. [...] ¨ vem pedir a V.M.I a Graça de lhe conferir o título de barão de Vargem
Alegre, por ser este o título que tão nobremente honrou seu falecido Pai, de quem o suplicante houve
por herança a supracitada Fazenda com tudo que nela se continha, e onde tem sua residência. O
suplicante pede licença para oferecer a quantia de dez contos de réis para serem aplicados às obras
do Liceu de Artes e Ofícios, Rio, 8/1882. Carta manuscrita, 1882, Arquivo Nacional, pasta Luiz
Octavio d Oliveira Roxo.
10
A correspondência que solicita a elevação do título do barão de Entre Rio para visconde denuncia
procedimento irregular no trecho em que diz: ¨ tenho estado em casa do barão e nunca me apareceu
e menos foi a mesa tal negra, nem nunca ouvi falar de tal coisa, o que não duvido é que tenha suas
relações, como acontece com os fazendeiros solteiros ou viúvos, como é o barão. E se isso influi, como
é que o Gama, sendo ministro, me ajudou para que esta mesma pessoa fosse titulada .¨ Manuscrito,
1883, Arquivo Nacional, pasta de Antonio Barroso Pereira. Após 14 dias da defesa foi assinada
a carta elevando o barão a visconde, em 17/02/1883.
11
SILVA, Manuel João Pereira da, Emenda Parlamentar, Anais da Câmara dos Deputados, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, vol. I, 1843, p. 590.

540
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

àqueles que realmente estiveram no campo de batalha. Em sua disposição,


compreendia que os títulos, honras e quaisquer distinções aos oficiais e praças
do Exército, da Armada e da Guarda Nacional, em remuneração, não estariam
sujeitos a imposto algum nem a emolumentos, ficando, portanto, isentos 12.
A denominação do título era de livre escolha apesar de nem sempre ser
respeitada a vontade do agraciado. Na grande maioria, refere-se à localidade de
nascimento ou da propriedade, sobretudo na zona rural, onde também aparecem
algumas designações indígenas, como Itacuruça. Ainda há a preferência por devo-
ções religiosas e pelo próprio sobrenome, que, em muitos casos era acrescido da
palavra são como Antonio Clemente Pinto, barão de São Clemente.

Processo para o uso dos brasões

A provisão portuguesa de três de julho de 1807 foi adotada no Brasil mesmo


depois da Independência. Somente em 1847, já no segundo reinado, o Decreto
499 dispôs sobre o direito heráldico processual no país. Esse definiu o modo de
se conceder brasões e regulou a expedição dos despachos tanto para nomeação de
oficiais mecânicos da Casa Imperial quanto para provimento a todos os ofícios
definindo que deveriam estar em ¨harmonia com a Constituição do Império, com as
leis existentes, e com os regimentos e antiqüíssimos estilos: Hei por bem, tendo ouvido
a Secção do Conselho do Estado dos Negócios do Império, ordenar que a respeito de
cada um dos indicados objetos se observe de agora em diante o seguinte: I- O rei de
armas não concederá jamais o uso de brasão de armas sem precedência da justificação
de nobreza em que haja a necessidade e concludente prova exigida pela provisão de
1807, a qual impõe aos pretendentes a obrigação produzirem legalmente, além de
quatro testemunhas, documentos autênticos, que provem legalmente pertencerem eles
às famílias, com que querem encontrar-se, devendo proceder-se a esta justificação pelo
Juízo dos Feitos da Fazenda, com audiência do Procurador dos Feitos e recurso para
a Relação¨ 13.
Um segundo Decreto, no mesmo ano, complementou o anterior ao
abordar a nomeação dos empregados do paço, dando ao mordomo-mor o direito
de assistir a todos os atos públicos, de despachar os filhamentos dos fidalgos e de

12
CUNHA, Rui Vieira da, Figuras e Fatos da Nobreza Brasileira, Rio de Janeiro,Arquivo Nacional,
1975, p. 56. O autor cita que alguns agraciados como Pedro Dias Paes Leme precisou de três
dispensas de pagamento por lapso de tempo para cumprir o tempo de registro do título de barão
com grandeza. As dispensas de taxa aos militares, em especial no período da Guerra da Tríplice
Aliança entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai , muitos foram os que receberam títulos e
condecorações pelo desempenho durante a guerra que durou de 1864-1870.
13
Coleção de Leis do Império, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1847, Parte 2, p. 17.

541
verA LuciA BoTTreL TosTes

expedir os alvarás e despachos sobre requerimentos. Assim, as armas que eram


requeridas diretamente ao rei de armas e concedidas pelo imperador através da
mordomia-mor, com apelação ex-ofício para o Supremo Tribunal de Justiça,
passaram a necessitar de comprovação, por meio de documentos autênticos e
originais, e de justificativa de nobreza do Juízo de Direito Privativo dos Feitos
da Fazenda, mantida a apelação ex-ofício. O requerente fazia petição dirigida ao
imperador pelo Ministério do Império, que mandava ouvir o rei de armas e o
procurador da Coroa.
Não apenas os titulares e seus familiares pediram o uso de brasão, mas
também os fidalgos o fizeram. O primeiro brasão de uma família, geralmente,
era solicitado pelo chefe da linhagem, não havendo necessidade de comprovar
ascendência. Esses eram os casos mais freqüente, e os textos semelhantes em todas
as cartas, como na do barão de Nova Friburgo, que diz: “Antonio Clemente Pinto,
fidalgo cavaleiro da Cara Imperial, comendador da Ordem de Cristo e da Imperial
Ordem da Rosa, que tendo sido condecorado por Vossa Majestade Imperial, com o
título de barão de Nova Friburgo, por decreto de 28 de março de 1854, deseja, para
guardar memória de toa lata honrosa distinção que Vossa Majestade Imperial se digne
conceder-lhe o uso de um Brasão de Armas cujo modelo tem a honra de apresentar
junto. Por isto, peço a Vossa Majestade Imperial a graça de aprovar o supra dito
brasão, mandando nessa conformidade passar a competente carta” 14.
Para o descendente que desejasse usar as mesmas armas do pai, no pedido
tinha de relatar e comprovar a descendência. Havia casos em que o descendente
não havia herdado o título de nobreza, mas solicitou o uso do brasão da família,
como o pedido feito pelo segundo filho do barão do Rio Bonito. Nesses casos,
a comprovação também era exigida e o brasão apresentava diferença para cada
membro. Ainda, há as solicitações para a permissão de uso dos brasões de origem
portuguesa, como o de João Huet Bacelar Pinto Guedes Souto Maior, quem
requereu o uso de brasão recebido pelo rei de Portugal.
Aprovado o pedido, as armas eram concedidas pelo imperador por meio
do Ministério do Império, expedindo ofício ao rei de armas com dois modelos do
brasão, uma vez que um ficava retido para a confecção da carta de brasão e para
o registro no Livro de Registro de Brasões e Armas da Nobreza e Fidalguia do
Império. Após a reforma do Ministério, no Império, em 1874, os avisos deixaram
de vigorar e foram substituídos por ofícios, passando para a Terceira Diretoria do
Estado do Mistério do Império.
O valor da taxa pelo pagamento da expedição variou: em 1832, 5$000
réis; em 1841, 10$000; em 1869, 70$000; e, em 1879, 170$000 réis. Para os

14
Carta Manuscrita de Solicitação de Brasão, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1854, Lata Verde.

542
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

papeis não pagos dentro do prazo, havia multa revalidando o pagamento em dez
vezes maior que marcado na tabela.¨ 15 As despesas eram ainda acrescidas pelo
papel ou pergaminho no qual se lavrava a carta. O Armorial Brasiliense, de Luis
Aleixo Boulanger, Rei de Armas do Império, detalha os custos que, em 1870, no
total, chegavam ao 547$000 réis para a concessão do uso do brasão, depois de
registrada no Livro de Registro de Cartas e Brasões de Armas da Nobreza e Fidal-
guia 16. Na carta, era esclarecida a não hereditariedade: “[...] nunca podendo seus
sucessores usar deste brasão, sem que cada um deles seja por mim confirmado”. Para
os descendentes, o procedimento obedecia do Decreto de 1847 e, no registro, era
assinalado à condição de filho.
Só podiam ser registradas as armas conferidas oficialmente pelo governo.
Muito poucas podem ser confirmadas, uma vez que os códices de registro do
Cartório da Nobreza foram perdidos. Segundo Paulo Braga de Menezes, oito
livros foram escriturados, todos extraviados, à exceção do número 2, o último
do Império. Durante recente pesquisa, além do livro número 2 e de alguns origi-
nais junto às cartas, há m códice avulso, no Arquivo Nacional, sem informações
precisas e controle da sua origem, nos quais há os registros do marquês de Paraná
e dos barões do Amparo, Bela Vista, Carapebus, Pati do Alferes, São Gonçalo e
São João da Barra, todos da Província do Rio de Janeiro. 17
Apesar de alguns escritores acreditarem que todos os Avisos deram, efeti-
vamente, origem às cartas dos nomes neles indicadas, não se pode confirmar com
total precisão. Além das fontes referidas, os Avisos eram publicados nos perió-
dicos de circulação autorizados a divulgar atos oficiais, como o Correio Mercantil
(1848), Diário do Rio de Janeiro (1848-1854), o Jornal do Comércio (1855-1862)
e a partir de 1862, passaram a ser publicados no Diário Oficial.
A simbologia nos brasões é que melhor retrata o segmento nobre que pode
ser interpretado de acordo com a sua representação. Os atributos de origem euro-
péia apesar da superioridade não são os que emprestam singularidade a heráldica
brasileira. A introdução de símbolos nacionais ocorreu, sobretudo na zona rural
e é a responsável pela espontaneidade tropical no uso das cores e figuras nitida-
mente locais como, o índio marcando a posse da terra e a catequese cristã, a mais

15
Coleção de Leis do Império de 1841, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, parte I, pp. 51-63. Cabe
lembrar que o Segundo Reinado foi marcado por crises econômicas com forte desvalorização da
moeda e inflação alta.
16
Armorial Brasiliense Luis Aleixo Boulanger, 1870, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro,
Arquivo da Nobreza, anexo 3.
17
MENEZES, Paulo Braga; BEZERRA, Roberval Francisco de, Armas Hipocráticas do Império do
Brasil, Rio de Janeiro, s/d.

543
verA LuciA BoTTreL TosTes

nacional das representações. Retrata o poder sócio-econômico dos fazendeiros


oriundo das lavouras de café, da cana e da conquista territorial aos índios.
Quanto aos atributos externos, a coroa em muitos brasões não acompa-
nhou o grau do nobilitado. Com a honraria intermediária de grandeza conce-
dida entre os títulos de barão e de visconde, o rei-de-armas nem sempre seguiu a
determinação quanto ao uso das coroas que eram postas no grau superior aos de
barão ou visconde mesmo que o agraciado fosse somente barão ou visconde com
grandeza, sem o título de visconde ou conde.
Esse procedimento levou o redator do Almanack Leammert, major Artur
Sauer, a fazer uma reclamação formal que resultou em ofício da Secretaria dos
Negócios do Império, advertindo o Sr. Ernesto Aleixo Boulanger, escrivão dos
Brasões e Armas de Nobreza. Como a advertência foi feita três meses antes da
República, não houve tempo para as devidas correções, evitando atribuições errô-
neas no uso das coroas sobre os brasões dos títulados. 18

Conclusão

Sem descendência, a nobreza brasileira não formou tradição pela permanência


de título numa mesma família, impedindo a construção de casas nobres. Esse
fato, associado à falta de regulamentação legal dos direitos e deveres dos nobres,
contribuiu para a imagem caricatural da nobreza. A imprensa ironizava o assunto
de forma caricata e, desde o período de D. Pedro I, já se contava que um agra-
ciado, sendo perguntado por que não mandava colocar seu brasão na carruagem,
respondeu: ¨porque minha carruagem é mais antiga que minha nobreza¨. Ou
os versos irônicos, atribuídos a Luis Gama, publicados no jornal paulistano O
Cabrão, de Ângelo Agostine: “A família dos fidalgos/ Tem crescido até mais não/ já
não há na terra um homem/ Que não tenha o seu brasão” 19.
18
Secretaria de Estado dos Negócios do Império, 1888, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional – IJJ681,
3a Diretoria- Livro 4, folha95. ¨3a Dir. da do Império, que, sendo esse costume contrário às leis e
regras da Armaria, que distinguem os títulos pelas coroas próprias de cada título, tenham ou não os
titulares as honras de grandeza, as quais, consistem na procedência que lhes competem nas funções da
Corte, e no tratamento da excelência não serão aprovados os desenhos que não estiverem de acordo com
as regras estabelecidas no Regimento do Principal Rei de Armas. Deus Guarde V.Mcê. Dor I I de C.
Cta de Medros e Albuquerque¨.
19
LACOMBE, Américo Jacobina, A Nobreza Brasileira, Petrópolis, Museu Imperial, 1940, p. 60.
Retirado do artigo do TEXEIRA, Múcio, O Negro da Quinta Imperial, Rio de Janeiro, Jornal
do Brasil, 1927 e CUNHA, Rui Viera da, Estudos da Nobreza Brasileira, op. cit., p. 111. Os
versos são atribuídos pelo escritor Magalhães Junior a Luis Gama. O Jornal O Cabrião defendia
a República e fez forte oposição ao governo do Segundo Reinado. Luis Gama, provavelmente,

544
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

Soma-se, ainda, a atitude paradoxal do imperador D. Pedro II, que dispensava, ou


reduzia, na corte, a etiqueta do cerimonial, chegando até a escrever em seu Diário,
de 17 de dezembro de 1862, que deixava para o marquês de Olinda, ministro do
Império, decidir sobre um pedido de uso de armas, ¨que para mim tal graça como
disse não tem nenhuma importância e tem se feito a todos os que a têm pedido¨. 20
O liberalismo imperial gerou certa indiferença ao próprio regime e a tudo o que
representava a nobreza, inclusive ao aspecto de apoio político à própria dinastia
imperante.

Nem todos os nobilitados solicitaram o uso de brasão. No Brasil, a concepção


artística foi mais liberal, apesar de o gosto recair, na maioria das vezes, nos atri-
butos de origem europeia medieval, como cruzes, estrelas e flores-de–lis. Poucos
são os atributos que podem ser considerados nacionais, como a cana-de-açúcar,
as mangueiras e, sobretudo, a representação do índio nativo em corpo inteiro ou
somente a cabeça. Esses símbolos aparecem na zona rural por fazendeiros para
quem o poder sócio econômico local foi mais importante que a tradição herál-
dica europeia.

Foram os títulos nobiliárquicos e os brasões que perpetuaram a nobreza e as


honras familiares que perderam o valor legal com a República, mas deixaram
importantes fontes para o estudo desse segmento da sociedade no século XIX.

Bibliografia

Manuscritos

Armorial Brasiliense Luis Aleixo Boulanger, 1870, Instituto Histórico Geográfico


Brasileiro, Arquivo da Nobreza, anexo 3.

Avisos do Ministério do Império dos Senhores Titulares, (1855 -1887) que pertenceu
a Ernesto Aleixo Boulanger Escrivão da Nobreza e Fidalguia do Império do Brasil,
1855-1887, Instituto Histórico e Geográfico Nacional, Cadernos 1 e 2, lata 186.

se inspirou no verso apócrifo, do período de D. Maria II (1834-1853): ¨ Corre, cão, que te fazem
barão/ Correr para onde, me fizeram visconde¨ , quando era grande o descontentamento com a
excessiva liberalidade na concessão de títulos nobiliárquicos.
20
Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, Museu Imperial, 1956, p. 20.

545
verA LuciA BoTTreL TosTes

Carta manuscrita solicitação de brasão, 1854, Arquivo Nacional, Lata Verde,

Carta Manuscrita, 1882, Arquivo Nacional, pasta Luiz Octavio de Oliveira Roxo.

Carta Manuscrita, 1883, Arquivo Nacional, pasta Antonio Barroso Pereira.

Desenhos Originais de Brasões de Armas, apresentados ao Ministério do Império,


1852-1888, Arquivo Nacional, Caixas I, II, III, IV.

Desenhos Originais e Brasões de Armas, s/d, Instituto Histórico Geográfico Brasi-


leiro, lata 51.

Registros de cartas imperiais de títulos de nobreza, 1826-1867, Arquivo Nacional,


Cod. 528, vol. 4-10.

Requerimentos para uso de Armas, onde ocorrem algumas certidões, s/d, Arquivo
Nacional, pasta Titulares do Império.

Requerimento para propostas de títulos de nobreza, s/d, Arquivo Nacional, pastas


Titulares do Império.

Registro Geral das Mercês, 1827, Arquivo Nacional, Cod. 137, Livro 72, fls.
113-114.

Registro de Cartas de Brasões, s/d, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, lata


186, doc. 2.

Livro de Registro de Leis, Alvarás e Cartas, 1824 a 1867, Arquivo Nacional, Cod.
528, vols. 1-10.

Livro de Registro de Leis, Alvarás e Cartas, 1849, Arquivo Nacional, Cod. 526, vol.
9, fl. 145.

Fontes Impressas

Legislação

Anais da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, 1823, 1831, 1839, Parla-


mento do Império, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, tomo II, fl. 10.

546
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro

Anais do Parlamento Brasileiro – Assembléia Constituinte, Parlamento do Império,


Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, tomo VI, pp. 222-224.

Anais da Câmara dos Deputados, 1841, 1843 e 1846, Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, vol. I, p. 590.

Coleção de Leis do Império, 1831, 1841, 1850, 1883, 1888, Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, tomos I – XXIII.

Obras Impressas

Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, Museu Imperial, 1956, p. 20.

CUNHA, Rui Vieira da, Estudo da Nobreza Brasileira, Cadetes, Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, 1966.

----------------------------- , Figuras e Fatos da Nobreza Brasileira, Rio de Janeiro,


Arquivo Nacional, 1969, p. 56.

----------------------------- O Parlamento e a Nobreza, Brasília, Senado Federal,


1979, p. 143.

LACOMBE, Américo Jacobina, Nobreza Brasileira, Anuário Museu Imperial,


Petrópolis, 1940.

LEÃO, Policarpo Lopes, Considerações sobre a Constituição Brasileira, Rio de


Janeiro, Tipografia Perseverança, 1875, p. 5.

MAIA, Jose Antonio da Silva, A Nobreza Brasileira, Anuário do Museu Imperial,


Petrópolis, Museu Imperial, 1940, p. 87.

---------------------------------- , Apontamentos de Legislação para Uso dos Procura-


dores da Fazenda Nacional, Rio de Janeiro, Tip. Americana, 1946, p. 48.

MENEZES, Paulo Braga; BEZERRA, Roberval Francisco, Armas Hipocráticas do


Império do Brasil, Rio de Janeiro, s/d.

547
verA LuciA BoTTreL TosTes

--------------------------------------------------------------------- Catálogo da Exposição


de Modelos de Brasões e Cartas de Fidalguia, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional,
1965, p. 9.

POLIANO, Luis Marques, Ordens Honoríficas do Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa


Nacional, 1943, p. 115.

TOSTES, Vera Lucia Bottrel, Princípios de Heráldica, Petrópolis, Museu Impe-


rial / F.Mudes, 1983.

-----------------------------------: Títulos e Brasões Sinais da Nobreza, Rio de Janeiro,


J.C Editores, Rio de Janeiro, 1996.

-----------------------------------: ¨Corre cão que te fazem barão...¨, Anais do Museu


Histórico Nacional, vol. 30 , Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional, 1998.

548
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS DO
INSTITUTO PORTUGUÊS DE HERÁLDICA NAS ÁREAS
DE HERÁLDICA E GENEALOGIA

Ano de 2015

AMARAL, Augusto Ferreira do


“Revisão genealógica de algumas linhagens dos primórdios portugueses – O
conde D. Gomes Nunes”, Armas e Troféus, IX série, tomo XVII (2015), pp.
277-305.

AMORIM, João Manuel Pessoa de


“Relação das primeiras alunas do Instituto de Odivelas (Infante D. Afonso”,
Raízes & Memórias, 32 (2015), pp. 371-410.

AVILA, Christovão de
“Heráldica da Casa da Torre de Garcia d’Ávila. Origens e vínculos, no
Brasil e Além-Mar”, Armas e Troféus, IX Série, tomo XVII (2015), pp.
217-243.

BORGES, Leonor Calvão: vd. JÚDICE, Assunção

FIGUEIROA-REGO, João de
“Branco da Terra”, in SERRÃO, J. V.; MOTTA, M.; e MIRANDA, S. M.
(direcção), e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português, Lisboa:
CEHC-IUL no Império Português, 2015, disponível em: https://edittip.
net/2015/08/10/branco-da-terra/.

549
ArmAs e Troféus

“From the House of David to the tribe of Levi. The concept of nobility among
communities of Sephardic origin”, in TAVIM, José; MUCNICK, Esther
(eds.), In the Iberian Peninsula and Beyond: A History of Jews and Muslims.
Language and Culture (15th-17th Centuries), Cambridge Publishing House,
2015, 1.º vol., pp. 211-227.

“Limpeza de Sangue”, e-DITTIP, e-Dicionário da Terra e do Território no


Império Português, 2015, disponível em: http://edittip.net/2015/04/07/
limpeza-de-sangue/.

“Os Homens da Nação e o trato tabaqueiro”, in TAVIM, José; TORRÃO,


Maria Manuel (eds.), Dossier “Os Judeus e o comércio colonial (séculos
XVI-XIX): novas abordagens”, Anais de História de Além-Mar, XIV, 2013
(2015), pp. 177- 199.

GOMES, Luís Miguel Guapo Murta


“Teixeiras Infamados. Entre Chaves e o termo de Valpaços”, Armas e Troféus,
IX série, tomo XVII (2015), pp. 373-399.

HENRIQUES, António de Castro: vd. MENDES, Tiago de Sousa

JÚDICE, Assunção; BORGES, Leonor Calvão


“Famílias e relações familiares no Arquivo da Quinta das Lágrimas”, Armas e
Troféus, IX série, tomo XVII (2015), pp. 323-341.

LOUREIRO, Duarte Vilardebó


“Um pormenor nas armas dos Noronhas”, Armas e Troféus, IX série, tomo
XVII (2015), pp. 197-216.

MALTA, João Baptista


“Os Sobrinho, de Montemor-o-Novo. Tronco principal e outras presumí-
veis linhas genealógicas”, Armas e Troféus, IX série, tomo XVII (2015), pp.
307-322.

MATOS, Lourenço Correia de


“O governador de São Paulo António José da Franca e Horta – Subsídios para
a sua biografia”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, ano
CXXI, volume XCIX (2015), pp. 43-69.

550
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015

MATOS, Lourenço Correia de: vd. SEIXAS, Miguel Metelo de

MENDES, Tiago de Sousa; HENRIQUES, António de Castro


“Ffeguras & Sinaees III. Heráldica do Mosteiro de Almoster”, Armas e Troféus,
IX série, tomo XVII (2015), pp. 83-104.

MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino


“Origen del emblema de los reyes de Aragón”, Armas e Troféus, IX série, tomo
XVII (2015), pp. 33-67.

MENEZES, Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de


“A família Duarte Rebelo de Sousa: Alguns costados inéditos”, Raízes &
Memórias, 32 (2015), pp. 5-76.

“As linhas de costado de Pedro Cerveira da Cunha (1654-1734), Senhor


da Quinta dos Telhais em S. Sebastião da Maceira, Fornos de Algodres,
Guarda”, Cadernos Barão de Arêde – Revista do Centro de Estudos de Genea-
logia e Heráldica Barão de Arêde Coelho, 6 (Setembro-Dezembro 2015),
pp. 33-72.

“As Memórias do Capitão António Joaquim Henriques: Recordações da


Grande Guerra de 1914-1918 (II)” (com Emanuel Luís de Oliveira Morão
Lopes da Silva), Revista Militar, II século, 67.º volume, n.º 6/7, 2561/2562
(Junho/Julho 2015), pp. 561-582.

“As Memórias do Capitão António Joaquim Henriques: Recordações da


Grande Guerra de 1914-1918 (III)” (com Emanuel Luís de Oliveira Morão
Lopes da Silva), Revista Militar, II século, 67.º volume, n.º 10, 2565 (Outubro
2015), pp. 767-786.

“D. João Rebelo Cardoso de Menezes (1832-1890), Bispo-Coadjutor de


Lamego (1887-1890), Arcebispo titular de Mitilene (1884) e de Larissa
(1887)”, Cadernos Barão de Arêde – Revista do Centro de Estudos de Genealogia
e Heráldica Barão de Arêde Coelho, 4 (Abril-Junho 2015), pp. 4-30.

“Félix Martins da Costa e a Casa e Quinta da Francelha no Prior Velho,


Loures”, Cadernos Barão de Arêde – Revista do Centro de Estudos de Genealogia
e Heráldica Barão de Arêde Coelho, 5 (Julho-Setembro 2015), pp. 5-34.

551
ArmAs e Troféus

O núcleo familiar dos três pastorinhos: No Centenário das Aparições de Fátima


(1917-2017) (com Nuno Miguel Marques Barata Figueira), Almada, Tipo-
grafia Lobão, 2015.

“O Vice-Almirante D. Rodrigo de Souza Coutinho Teixeira de Andrade


Barbosa (1823-1894), 3º Conde de Linhares e Director das Construções
Navais no Arsenal da Marinha em Lisboa (1859-1891)”, Revista Militar, II
século, 67.º volume, n.º 11, 2566 (Novembro 2015), pp. 919-936.

“Os tumultos entre Braga-Guimarães de 28-11-1885”, Bracara Augusta


– Revista Cultural da Câmara Municipal de Braga, vol. LX, n.º 118 (131)
(2015), pp. 269-364.

“Passaláquas da Madeira, Índia e de Angola”, Armas e Troféus, IX série, tomo


XVII (2015), pp. 439-455.

“Uma Varonia Milenária: Os Souza Coutinho”, Raízes & Memórias, 32


(2015), pp. 131-192.

OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e


“Balanço entre mérito e nobreza no provimento de um importante  cargo
militar no reinado de D. João II”, Revista Militar [Em linha] (Outubro 2015),
disponível em https://www.revistamilitar.pt/artigo/1050.

“O casamento baiano do sargento-mor Elisiário Manuel de Carvalho, senhor da


Quinta da Figoeira”, Armas e Troféus, IX série, tomo XVII (2015), pp. 343-372.

PORTUGAL, João
“Dr. Francisco de Simas Alves de Azevedo (1933-2014)”, Armas e Troféus, IX
série, tomo XVII (2015), pp. 29-32.

REBELLO, Francisco de Sanches Osório Montanha


“Registos Paroquiais de Cartagena, Múrcia (Parte I)”, Cadernos Barão de Arêde
– Revista do Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica Barão de Arêde Coelho,
3 (Janeiro-Março 2015), pp. 131-180.

“Registos Paroquiais de Cartagena, Múrcia (Parte II)”, Cadernos Barão de


Arêde – Revista do Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica Barão de Arêde
Coelho, 4 (Abril-Junho 2015), pp. 115-181.

552
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015

“Uma ascendência Rego e Botelho”, Cadernos Barão de Arêde – Revista do


Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica Barão de Arêde Coelho, 5 (Julho-
-Setembro 2015), pp. 151-174.

REI, António
“Ascendências moçárabes nas linhagens do «Livro Velho»”, Xarajîb, n.º 8
(2015), pp. 183-193.

“Menção, Símbolo e Memória. Estratégias escatológicas dos Infanções


Moçárabes de Entre-Douro-e-Minho e o Livro Velho de Linhagens”, in
Actas do Colóquio «Redenção e Escatologia no Pensamento Português - Idade
Média», Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2015, parte II, cap.
3.º, pp. 217-225.

“O manuscrito heráldico de António Francisco Barata. O manuscrito e consi-


derações preliminares em torno do mesmo”, Armas e Troféus, IX série, tomo
XVII (2015), pp. 271-276.

RESENDE, Miguel Pinto de


“Pereiras de Sanfins. Subsídios para a sua genealogia. Que relação familiar
com o Navegador Fernão de Magalhães? Parte Segunda”, Armas e Troféus, IX
série, tomo XVII (2015), pp. 401-437.

SALAZAR Y ACHA, Jaime de


La Orden de Malta en España (1113-2013) (direcção e coordenação com Javier
Alvarado Planas), 2 volumes, Madrid, 2015.

“Prólogo” da obra de MOYA MARTÍNEZ, José Juan, La leyenda de la


beata Valles. Genealogía, bandos y codicia en Cieza, Murcia, 2015, pp.
11-13.

“Recensión bibliográfica «Los Abbad de Estadilla Huesca» de Ernesto


Fernández Xesta”, Emblemata, Revista Aragonesa de Emblemática, XX-XXI
(2014-2015), pp. 679-680.

SAMEIRO, João Caetano de Carvalho


“Selos de lacre com armas portuguesas em Kew”, Armas e Troféus, IX série,
tomo XVII (2015), pp. 245-253.

553
ArmAs e Troféus

SEIXAS, Miguel Metelo de


“Art et héraldique au service de la représentation du pouvoir sous Jean II de
Portugal (1481-1495)”, in FERRARI, Matteo (coord.), L’Arme Segreta. Aral-
dica e Storia dell’Arte nel Medioevo (secoli XIII-XV), Firenze, Le Lettere, 2015,
pp. 285-309.

“Heráldica no Hospital Rainha Dona Estefânia”, Armas e Troféus, IX série,


tomo XVII (2015), pp. 255-270.

“Héraldique et inscriptions dans les monnaies portugaises de la dynastie d’Avis


de Jean 1er à Manuel 1er (1385-1521)”, in LOSKOUTOFF, Yvan (coord.),
Héraldique et Numismatique III – Moyen Âge – Temps Modernes, Le Havre,
Presses Universitaires de Rouen et du Havre, 2015, pp. 89-103.

“Santos Simões, Jorge de Moser and Luiz Ferros ‘Tile Heraldry’: a pionee-
ring project and cooperation” in DigiTile Library: Tiles and Ceramics on line,
Susana Varela FLOR (coord.), Artis – IHA/Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Lisboa/ Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian/
Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto de I&D
[PTDC/117315/2010], Lisboa, 2015. URL: http://digitile.gulbenkian.pt/
cdm/ref/collection/est/id/24

“Selo do concelho de Lisboa”, in Anões às Costas dos Grandes Gigantes do


Passado. Poder, Mitos e Memórias na Sociedade Medieval. Contributos de Luís
Krus. Catálogo da Exposição (Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1 a
31 de Outubro de 2015), Lisboa, Instituto de Estudos Medievais, 2015, pp.
32-33.

SEIXAS, Miguel Metelo de; MATOS, Lourenço Correia de


“Recensão crítica. MELLO, José António de (coordenação); NEVES, Pedro
Mascarenhas Cassiano (textos); ALVIM, Ana Luída da Cunha de (fotografia),
Casas e Palácios de Lisboa. Pedras de Armas, Lisboa, Scribe, 2014, 287 pp”,
Armas e Troféus, IX série, tomo XVII (2015), pp. 457-461.

SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de


“A Família Lima entre a Galiza e Portugal (Séculos XII a XVI)”, in SOTTO-
MAYOR-PIZARRO, José Augusto de; BARROCA, Mário Jorge (coord.),
Paço de Giela. História de um Monumento, Arcos de Valdevez, Câmara Muni-
cipal, 2015, pp. 15-65.

554
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015

“A Póvoa de Varzim no Julgado de Faria (Século XIII)”, Póvoa de Varzim –


Boletim Cultural, vol. 47 (2015), pp. 21-35.

“«Da Minha Gaveta» - Nótula sobre o comércio de escravos no final do século


XIII”, in D’Aquém, D’Além e D’Ultramar. Homenagem ao Prof. Doutor António
Manuel Dias Farinha (org. por Francisco Contente Domingues, José da Silva
Horta e Paulo David Vicente), vol. I, Lisboa, Centro de História/FLUL,
2015, pp. 337-340.

“Inquirições na Terra de Felgueiras (sécs. XIII-XIV). Espaço e Senhores”, in


TAVARES, Pedro Vilas Boas (coord.), Felgueiras: 500 anos de Concelho (dados
e perspectivas), Felgueiras, Câmara Municipal, 2015, pp. 22-38.

“Isabel, Princess of Aragon (1270-1336) – Queen of Portugal, Pilgrim and


Saint”, in ANDRÉS GONZÁLEZ-PAZ, Carlos (ed.), Women and Pilgrimage
in Medieval Galicia, Aldershot, Ashgate, 2015, pp. 81-92.

“Monjas e Filhas d’Algo – a aristocratização do monacato feminino (Sécs. XIII-


-XIV)”, in Livro do X Encontro Cultural S. Cristóvão de Lafões – Ao encontro de
Histórias e Patrimónios Monásticos (Mosteiro de São Cristóvão de Lafões, 16-17
Maio de 2014), São Cristóvão de Lafões, Associação dos Amigos do Mosteiro
de São Cristóvão de Lafões, 2015, pp. 27-38.

Paço de Giela. História de um Monumento (coordenação com Mário Jorge


Barroca), Arcos de Valdevez, Câmara Municipal, 2015.

“Political Origins of Portugal. From County to Kingdom (1096-1143/1157)”,


in SABATÉ, Flocel; FONSECA, Luís Adão da (eds.), Catalonia and Portugal:
The Iberian Peninsula from the Periphery (Identities / Identites / Identidades),
Bern, Peter Lang Pub., 2015, pp. 165-203.

Portugaliae Monumenta Histórica. Nova Série. Inquisitiones, Volume IV. Tomo


2 – Inquirições Gerais de D. Dinis de 1288, Sentenças de 1290 e Execuções de
1291 (Edição por José Augusto de Sottomayor-Pizarro), Lisboa, Academia das
Ciências, 2015.

“Sentença a favor de D. Dinis contra D. Martim Gil, D. Mem Rodrigues e


D. João Rodrigues de Briteiros e outros, sobre os bens e direitos herdados do
Conde D. Gonçalo Garcia de Sousa”, in Anões às Costas dos Grandes Gigantes

555
ArmAs e Troféus

do Passado. Poder, Mitos e Memórias na Sociedade Medieval. Contributos de Luís


Krus. Catálogo da Exposição (Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 1 a
31 de Outubro de 2015), Lisboa, Instituto de Estudos Medievais, 2015, pp.
16-17.

556
ACTAS DO ANO ACADÉMICO 2015-2016

13-X-2015
Reunião Geral
Comunicação do convidado Prof. Doutor Torsten Hiltmann, com o título:
Anciennes définitions et nouvelles perspectives : Que sont les armoiries?
19 Presenças 

18-XI-2015
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof.ª Doutora Alexandra Pelúcia, com o título: Em Torno
de Afonso de Albuquerque - Laços de Sangue e Artifícios de uma Identidade Familiar
20 Presenças

15-XII-2015
Conselho Director
Ordem de Trabalhos:
1) Admissões e promoções de sócios
2) Situações de sócios em incumprimento
3) Prémio
4) Publicações
12 Presenças

16-XII-2015
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof.ª Doutora Carla Varela Fernandes e do sócio
efectivo Prof. Doutor Miguel Metelo de Seixas, com o título: A imagem gótica de
Nossa Senhora da Cinta de Alcácer do Sal: iconografia e heráldica
28 Presenças

557
ArmAs e Troféus

20-I-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. Augusto Ferreira do Amaral, com o título: Os
nobiliários medievais portugueses como fonte da genealogia – avaliação crítica
26 Presenças

17-II-2016
Reunião geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. João Bernardo Galvão Teles, com o título: A
tentativa de legitimação de D. Jorge, filho bastardo de D. João II
23 Presenças

16-III-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. Fernando Correia da Silva, com o título:
Duas Cartas de Armas do reinado de D. Afonso VI: algumas reflexões heráldicas,
genealógicas e políticas
15 Presenças
28-IV-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio Prof. Doutor Vicente de Paiva Brandão, com o título:  O
Palácio do Raio: Memória institucional e genealógica
17 Presenças
23-V-2016
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof. Doutora Roberta Stumpf,  com o título:  A
nobreza por 8 arrobas de ouro: Minas Gerais, séc. XVIII
28 Presenças
29-VI-2016
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof. Doutora Isabel Corrêa da Silva, com o título:
Os apontamentos de João Camelo Lampreia: memórias de um luso-brasileiro (1896-
1910)
34 Presenças
27-XII-2016
Conselho Director
Ordem de Trabalhos:
1) Relatório e contas do ano 2015.
2) Adenda ao regulamento da revista Armas e Troféus.

558
AcTAs do Ano AcAdémico 2015-2016

3) Constituição do júri para o Prémio IPH 2017.


4) Publicações
5) Sítio electrónico
6) Sede da biblioteca e arquivo do IPH
7) Admissão, promoção e exoneração de sócios
8) Outros assuntos
12 presenças.

559
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS

Versão aprovada na reunião do Conselho Director


de 27 de Julho de 2016

1. Escopo

A revista Armas e Troféus, órgão do Instituto Português de Heráldica


(IPH), é uma publicação periódica anual, de divulgação do conhecimento não
só nas áreas da Heráldica e da Genealogia, como também da História, da Arte e
do Património. A revista encontra-se preferencialmente aberta à colaboração dos
sócios do IPH, mas acolhe também contributos externos.

2. Órgãos

Os órgãos da revista são os seguintes:

a. Director: por inerência de funções, o Presidente do IPH;


b. Redactor: eleito juntamente com os demais órgãos directivos do IPH,
integrado na lista vencedora;
c. Conselho Redactorial, formado pelos seguintes membros, em número
não inferior a cinco:

i. Director e Redactor em exercício;


ii. Antigos Directores da revista, que permaneçam como sócios do
IPH;
iii. Sempre que o número dos anteriores membros seja inferior a
cinco, ou noutras circunstâncias que considere adequadas, o
Director propõe aos demais membros do Conselho a cooptação de

561
ARMAS E TROFÉUS

outros membros, escolhidos entre os sócios do IPH. As propostas


do Director carecem de aprovação por maioria.

d. Corpo de Consultores, formado por individualidades de reconhecido


mérito científico nas áreas de interesse para a revista, em número
não superior a 20, por convite do Director da revista, sendo a sua
composição fixada quando da constituição de novos órgãos directivos
da revista, sem prejuízo de nomeação ou substituição noutras ocasiões.

3. Exercício

A cada eleição dos órgãos directivos do IPH, o novo Director da revista


procede ao reordenamento dos órgãos da mesma, em conformidade com o esti-
pulado no artigo anterior.

4. Funções

a. Cabem ao Director:

i. A supervisão sobre a revista;


ii. A responsabilidade última pela mesma;
iii. A coordenação do Conselho Redactorial.

b. Cabem ao Redactor:

i. A coordenação do trabalho editorial, designadamente:

1. A recepção dos artigos e recensões e verificação de que os


mesmos cumprem as normas redactoriais; caso não cumpram,
cabe ao Redactor devolver o artigo ou recensão ao autor com
indicação do que se encontra em falta, para o mesmo poder
seguir os trâmites editoriais;
2. O reencaminhamento dos artigos e recensões para o Conselho
Redactorial, para sua apreciação nos moldes adiante definidos;
a contabilização dos pareceres positivos e negativos, e a
comunicação da decisão do Conselho Redactorial aos autores
dos artigos ou recensões;
3. Recolher e sistematizar a bibliografia científica e académica
a incluir em cada número da revista, desde que enquadrada

562
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS

no seu escopo e publicada pelos sócios do IPH no ano


imediatamente anterior;
4. A organização de cada volume da revista, com o material
apurado pelo processo de selecção e com as componentes
complementares (lista de membros do IPH, actas do ano
académico) fornecidas pelo Secretário-Geral do IPH;
5. Em conjunto com o Director, a verificação final de cada
número, antes do mesmo seguir para impressão;
6. A supervisão dos trabalhos gráficos e de distribuição da revista.

c. Cabe ao Conselho Redactorial pronunciar-se sobre a composição de


cada volume, nos seguintes moldes:

i. Cada artigo ou recensão recebido pelo Redactor e por ele verificado


no que respeita ao cumprimento das normas redactoriais, é de
seguida reencaminhado para todos os membros do Conselho
Redactorial, os quais, no prazo máximo de um mês, comunicam
o seu parecer por escrito e por mensagem electrónica enviada ao
Redactor, com conhecimento ao Director. Cada parecer deve
aprovar ou reprovar a publicação do artigo ou recensão em causa,
fundamentando a sua decisão, sempre tendo em vista que sejam
cumpridos os critérios de qualidade e de idoneidade exigíveis para
a revista. Na ausência de resposta emitida no prazo estipulado,
considera-se por omissão que o parecer é positivo. Caso exista
pelo menos um parecer negativo, o Redactor toma o cuidado
de o reenviar aos restantes membros do Conselho Redactorial,
de forma a chamar a atenção destes e pedindo-lhes então que se
pronunciem explicitamente. No fim destes trâmites, para cada
artigo ou recensão, o Redactor contabiliza os pareceres positivos
e negativos, beneficiando o Director de voto de qualidade. O
Director toma a decisão de aprovação ou reprovação do texto
submetido, com base no resultado da votação do Conselho
Redactorial. O Redactor comunica então a resposta adequada ao
respectivo autor;
ii. Na rubrica de bibliografia publicada pelos sócios do IPH, cabe
ao Conselho Redactorial verificar que as referências, títulos
ou entradas propostas pelos sócios consistam em monografias
científicas ou se encontrem inseridas em publicações académicas,
para que se permita a sua inclusão.

563
ARMAS E TROFÉUS

iii. Quando o Director e o Redactor considerarem que se encontra


completo um novo número da revista, o Redactor envia aos
membros do Conselho Redactorial o índice do mesmo, para
conhecimento e verificação.

d. Cabe aos Consultores:

i. Sugerir e encaminhar propostas de artigos;


ii. Sempre que solicitados pelo Conselho Redactorial, pronunciar-
se, a título colectivo ou individual, sobre a validade científica de
textos propostos para publicação na revista.

5. Normas redactoriais

a. Apresentação do artigo:

i. Texto em ficheiro Word;


ii. Letra Times New Roman corpo 12;
iii. Espaçamento entre linhas: 1,5;
iv. Texto justificado;
v. Página A4 com todas as margens fixadas em 2,5 cm;
vi. Notas de rodapé, letra Times New Roman corpo 9, texto
justificado;
vii. Ilustrações em ficheiro JPEG com 300 dpi, separado do texto;
com indicação exacta de onde deve entrar e respectiva legenda;
viii. Dimensão máxima: 50 páginas (salvo deliberação expressa em
contrário por parte do Conselho Redactorial, o qual poderá
estabelecer a publicação em mais do que um número da revista).
ix. O texto deve incluir uma breve nota biográfica do autor, com
indicações das suas eventuais filiações académicas e institucionais;
bem como um resumo do artigo com extensão máxima de 100
palavras, em versão portuguesa e inglesa.

564
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS

b. Referências Bibliográficas:

1) Monografias

1.1) Monografias: ÚLTIMO APELIDO, nomes próprios e outros


apelidos, Título (em itálico), Local de publicação, Editor,
Ano de publicação.
1.2) Partes ou volumes de monografias: ÚLTIMO APELIDO,
nomes próprios e outros apelidos, Título do volume ou parte
(entre aspas), in Último apelido (do autor da monografia),
nomes próprios e outros apelidos (do autor da monografia),
Título da monografia (em itálico), Local de publicação,
Editor, Ano de publicação, pp.__-___.
1.3) Contribuições em monografias (artigos, capítulos, etc.):
ÚLTIMO APELIDO, nomes próprios e outros apelidos,
Título da contribuição (entre aspas), in Último apelido (do
autor da monografia), nomes próprios e outros apelidos (do
autor da monografia), Título da monografia (em itálico),
Local de publicação, Editor, Ano de publicação, pp.__-___.

2) Publicações em série

2.1) Publicações em série: Título. Complemento do Título (em


itálico), Responsabilidade, numeração (num e / ou data)
2.2) Artigos de publicações em série: ÚLTIMO APELIDO,
nomes próprios e outros apelidos, Título do artigo (entre
aspas), Título da publicação em série (em itálico), Volume,
Número, Ano de publicação (algarismo entre parêntesis),
pp.__-___.

3) Teses, dissertações e outras provas académicas:


ÚLTIMO APELIDO, nomes próprios e outros apelidos, Título
(em itálico), Circunstâncias de apresentação, Ano de apresentação.

4) Actas de congressos:
A ordem e os elementos das referências bibliográficas das actas são
os mesmos das monografias (Veja-se 1).

565
ARMAS E TROFÉUS

5) Documentos electrónicos: monografias (E-books), bases de dados e


programas:
ÚLTIMO APELIDO, nomes próprios e outros apelidos, Título
(em itálico), Tipo de suporte (entre parêntesis rectos), Local de
publicação, Editor, Ano de publicação, Data de actualização ou
revisão. Data de consulta (entre parêntesis rectos). Disponibilidade
e acesso.
Ex. OOLSON, Nancy B. [et. al.], Cataloguing Internet resources
[Em linha], Dublin, OCLC,1997, actual. 22 Jun. 1999. [Consult.
24 Mar. 2001], Disponível em www.uc.pt/foz-coa/arqgrav.html

6) Publicações em série electrónicas

6.1) Documentos completos: Título (em itálico), Tipo de suporte


(entre parêntesis rectos), local, Editor, Data, Data de consulta
(entre parêntesis rectos), Série, Disponibilidade e acesso
Ex. Sociological Research Online [Em linha], Manchester,
SRO, 1996- , [Consult. 19 Mar. 1997]. Disponível em www.
uc.pt/foz-coa/arqgrav.html
6.2) Publicações em série, artigos e outras contribuições em
documentos electrónicos: ÚLTIMO APELIDO, nomes
próprios e outros apelidos, Título (entre aspas), Título
da publicação em série (em itálico), Tipo de suporte (entre
parêntesis rectos), Volume, Número, Ano de publicação
(entre parêntesis), Páginas, Data de actualização ou revisão,
Data de consulta (entre parêntesis rectos), Disponibilidade e
acesso.
Ex. JORGE, V. O.; ALMEIDA, C. A. F.; SANCHES, M. J.,
“Gravuras rupestres de Mazouco”, Arqueologia [Em linha],
3 (1981) 3-12, actual. 1 Jul. 1996 [Consult. 6 Jul. 1996],
Disponível em www.uc.pt/foz-coa/arqgrav.html

7) Fontes Manuscritas:

7.1 – Documentos completos: Título (em itálico), Data,


Instituição detentora, Fundo, Série, Cota
Ex. Actas das Cortes Gerais e Extraordinários da Nação
Portuguesa, 1821-1822, AHP, Cortes Constituintes,
L. 82 a 84.

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REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS

7.2 – Documentos inseridos em livro, maço, rolo: Título


(em itálico), Data, Instituição detentora, Fundo,
Série, Cota
Ex. Carta de mercê do ofício de cirurgião, 1495, ANTT,
Chancelaria de D. João II, Mercês, L. 2, fol. 23v.

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