Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Impressão e Acabamentos:
ISSN: 0518-6994
Depósito Legal:
Tiragem: 300 exemplares
ARMAS E TROFÉUS
REVISTA DE HISTÓRIA, HERÁLDICA, GENEALOGIA E ARTE
IX SÉRIE
TOMO XVIII
2016
Armas e Troféus
SUMÁRIO
Julia Hartmann, The Japanese Mon and the European Coats of Arms – A
Comparative Study ................................................................................ 87
Luís Ferros, Manuel Ferros e Rui do Amaral Leitão, Paço de Molelos – He-
ráldica, História e Património .............................................................. 115
7
ArmAs e Troféus
8
CORPOS SOCIAIS
Conselho Director:
Presidente – Miguel Metelo de Seixas
Chanceler – Lourenço Correia de Matos
Secretário da Mesa – Jorge de Brito e Abreu
Conselho Administrativo:
Secretária Geral – Leonor Calvão Borges
Tesoureiro – João António Portugal
1.ª Vogal – Maria de Lourdes Calvão Borges
2.º Vogal – Lourenço Correia de Matos
3.º Vogal – Carlos da Câmara Bobone
Conselho Fiscal:
Presidente – Rui Amaral Leitão
1.º Vogal – Segismundo Pinto
2.º Vogal – Maria Zaida de Bivar Guerra
Comissão de Análise:
Pedro Sameiro
Maria de Lourdes Calvão Borges
Lourenço Correia de Matos
9
ArmAs e Troféus
Corpo de Consultores:
Adrian Ailes (National Archives, London)
Alberto Montaner Frutos (Universidad de Zaragoza)
Alessandro Savorelli (Académie Internationale d’Héraldique)
Christian de Mérindol (Académie Internationale d’Héraldique)
Clive Cheesman (Richmond Herald, College of Arms)
Eduardo Pardo de Guevara y Valdés (Instituto Padre Sarmiento de Estudios Gallegos,
Compostela)
Faustino Menéndez Pidal de Navascués (Académie Internationale d’Héraldique)
Hervé Pinoteau (Académie Internationale d’Héraldique)
José Antonio Guillén Berrendero (Universidad Rey Juan Carlos, Madrid)
Laure Fagnart (Université de Liège)
Laurent Hablot (Ecole Pratique des Hautes Etudes, Paris)
Luisa Gentile (Archivio di Stato, Torino)
María Narbona Cárceles (Universidad de Zaragoza)
Matteo Ferrari (Université de Poitiers)
Nigel Ramsay (University College London)
Torsten Hiltmann (Universität Münster)
Werner Paravicini (Universität Kiel)
10
LISTA DE SÓCIOS
PRESIDENTE DE HONRA
S.A.R. o Senhor Dom Duarte João
Duque de Bragança
SÓCIOS HONORÁRIOS
Baron Pinoteau
4 Bis Boulevard de Glatigny – F 78000 Versailles – França
11
ArmAs e Troféus
12
LisTA de sócios
13
ArmAs e Troféus
SÓCIOS CORRESPONDENTES
14
LisTA de sócios
15
ArmAs e Troféus
16
LisTA de sócios
17
ArmAs e Troféus
Cecil R. Humphery-Smith
Grã-Bretanha
Janet S. Ladner
4610 Connaught Dr. – Vancouver 9 – BC – Canadá
Per Nordenvall
Borjegatan 8B, 4TR. – S 752, 24 Uppsala – Suécia
18
LisTA de sócios
19
ArmAs e Troféus
SÓCIOS AGREGADOS
20
LisTA de sócios
Robert F. Illing
Rua Marechal Saldanha, 454 – 4150-652 Porto
21
ArmAs e Troféus
22
LisTA de sócios
Dra. Dona Maria das Dores Dias Egydio Nobre Galante de Carvalho
Av. Conselheiro Fernando de Sousa, 27 – 6º – 1070-072 Lisboa
23
ArmAs e Troféus
24
LisTA de sócios
25
ArmAs e Troféus
26
LisTA de sócios
27
ArmAs e Troféus
28
SIGILLVM PORTVGALIAE: O CORPUS DOS SELOS
PORTUGUESES A TOMAR FORMA
Abstract: This paper presents the project SIGILLVM PORTVGALIAE, its objectives
and the different phases in which it is being carried out in order to lead, in the end, to
a complete catalogue of Portuguese seals or seals that existed in Portugal during all the
Ancient Regime. In its first stage, carried out between 2014 and 2015, the attention
was focused on the medieval secular clergy seals.
29
mAriA do rosário BArBosA morujão
português, para o qual constituem muitas vezes os únicos testemunhas das armas
usadas, dada a ausência de armoriais anteriores ao século XV 1.
A preservação dos selos ao longo dos séculos, porém, foi de um modo geral
muito deficiente, e continua hoje em dia a constituir um desafio para as institui-
ções onde os documentos selados se conservam. Pequenos e frágeis, feitos maio-
ritariamente de cera, apensos a pergaminhos através de suspensões normalmente
têxteis que se desfiam com o tempo, ou gravados sobre pedaços de papel unidos
aos documentos por finas camadas de cera ou massa de farinha que com facili-
dade se despegam, a maioria deles não chegou aos nossos dias e os que lograram
sobreviver não foram, infelizmente, objecto de grande atenção ou cuidado, desde
logo no que toca ao seu acondicionamento 2.
Por outro lado, ao contrário do que sucedeu em outros países, de entre
os quais a França e a Bélgica se destacam, em Portugal não se procedeu à catalo-
gação dos selos existentes, não se fizeram campanhas de moldagem das impres-
sões conservadas, e muito menos foram estas objecto de estudo senão de modo
ocasional 3. Chegámos, assim, ao século XXI sem possuir nenhum catálogo de
selos, e as matrizes subsistentes, que se encontram em geral em colecções de
museus ou nas mãos de particulares, não estão, na sua larga maioria, identificadas.
Os estudos sigilográficos em Portugal começaram a conhecer uma verda-
deira e nova dinâmica a partir da década de 1990, começando então a compaginar-
1
Não é decerto por acaso que os selos são a primeira fonte para o estudo da heráldica medieval
portuguesa mencionada em SEIXAS, Miguel Metelo de, “Bibliografia de heráldica medieval
portuguesa”, in SEIXAS, Miguel Metelo de, ROSA, Maria de Lurdes (coord.), Estudos de
heráldica medieval, Lisboa, IEM / CLEGH / Caminhos Romanos, 2012, p. 539.
2
A este respeito, vejam-se os dados apresentados em MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa;
LIRA, Sérgio; SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa; PINTO, Pedro, “The Portuguese sigillographic
heritage: SIGILLVM, a new research project on a remarkable and mostly neglected heritage”,
in AMOÊDA, Rogério; LIRA, Sérgio; PINHEIRO, Cristina (eds.), Heritage 2014. Proceedings
of the 4th International Conference on Heritage and Sustainable Development, Barcelos, Green
Lines Institute, 2014, pp. 583-590 e MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, “The SIGILLVM
project – the Portuguese sigillographic heritage in the light of a project’s results”, in AMOÊDA,
Rogério; LIRA, Sérgio; PINHEIRO, Cristina (eds.), Heritage 2016. Proceedings of the 5th
International Conference on Heritage and Sustainable Development, vol. 1, Barcelos, Green Lines
Institute, 2016, pp. 957-965.
3
Uma panorâmica acerca da sigilografia portuguesa entre a década de 1950 e 2010 pode ser
vista em MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, “Working with medieval manuscripts and
records: Paleography, Diplomatics, Codicology and Sigillography”, in MATTOSO, José (dir.),
The Historiography of Medieval Portugal (c. 1950-2010), Lisboa, IEM, 2012, pp. 45-65. Acerca
da evolução desta ciência em outros países, leia-se a síntese apresentada por BAUDIN, Arnaud,
Emblématique et pouvoir en Champagne. Les sceaux des comtes de Champagne et de leur entourage
(fin XIe-début XIVe siècle), Langres, Éditions Dominique Guéniot, 2012, pp. 31-37.
30
SIGILLVM PORTVGALIAE: O corpus DOS SELOS PORTUGUESES A TOMAR FORMA
31
mAriA do rosário BArBosA morujão
32
SIGILLVM PORTVGALIAE: O corpus DOS SELOS PORTUGUESES A TOMAR FORMA
33
FFEGURAS & SINAEES IV.
OS TÚMULOS ARMORIADOS DE POMBEIRO
DE RIBA-DE-VIZELA
35
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
com a atribuição do maior dos túmulos a João Fernandes de Lima IV, pertencente à
família patronal por sua mãe Urraca Vasques de Soverosa. No entanto rejeitamos a
possibilidade de o menor dos túmulos pertencer ao primeiro Conde de Barcelos, João
Afonso, como defendido por quase todos os autores que abordaram o tema. De facto,
há uma clara inconsistência entre as cinco flores-de-lis esculpidas no túmulo e as armas
existentes nos dois selos conhecidos do Conde de Barcelos. Os autores apresentam por isso
uma identificação alternativa coerente com a heráldica presente no túmulo e com as
características iconográficas do jacente. Partindo do trabalho do Marquês de Abrantes,
que demonstrou que os Soverosas usavam cinco flores-de-lis, e da história do mosteiro,
identificamos o tumulado como sendo Martim Vasques de Soverosa. Este cavaleiro
morreu na batalha de Alfaiates, provavelmente lutando ao lado de seu cunhado galego
Fernando Fernandes de Lima. Assim, o túmulo foi possivelmente encomendado por
sua irmã Urraca, mãe do dito João Fernandes de Lima IV, que se encontra sepultado
no outro túmulo. Concluímos argumentando que a heráldica medieval portuguesa já
tem conquistado um conjunto suficientemente robusto de conhecimentos, que infeliz-
mente é muitas vezes ignorado por outros autores.
Abstract: two imposing tombs with armouries and funerary effigies lie at the Monas-
tery of Pombeiro. Due to the absence of inscriptions and paucity of the contemporary
sources, the identification of their original occupants has eluded many attempts by
illustrious scholars. In this article, the authors critically revise the arguments presented
so far, resorting mainly to the substantial but largely ignored heraldic literature. On one
hand, the authors agree that the larger tomb was carved for João Fernandes de Lima
IV, the son of Urraca Vasques de Soverosa, who belonged to the patronal family, rather
than the alternative hypothesis. On the other hand, the authors reject the possibility
that the smaller of these tombs had belonged to the 1st Count of Barcelos, João Afonso,
as claimed by nearly all the scholars who tackled this issue. In fact, there is a clear
inconsistency between the five fleur-de-lis carved in the tomb and the signs found in
the two surviving seals of the Count of Barcelos. We present an alternative identifica-
tion that fits both the heraldry and the iconographical traits of the effigy. Building on
the work of the Marquis of Abrantes who claimed that the Soverosa family bore five
fleur-de-lis and on the history of the monastery, we identify the owner of the tomb as
Martim Vasques de Soverosa. This knight died childless in the battle of Alfaiates, very
likely fighting alongside his Galician brother-in-law Fernando Fernandes de Lima.
Thus, the tomb was probably commissioned by his sister Urraca, who was the mother
of the aforementioned João Fernandes de Lima IV, who rests in the other tomb. We
conclude by arguing that Portuguese heraldry has already attained a considerable body
of knowledge, which is all too often sadly overlooked by the leading authors.
36
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
Introdução 1
37
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
3
SOUSA, Manuel Faria e, “Notas”, in FILGUEIRA VALVERDE, José (Ed.), Nobiliario de Don
Pedro Conde de Barcelos..., Compostela, Colección de los Bibliófilos Gallegos, 1974, p. 44.
38
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
Este “venerável adorno” foi derribado por volta de 1600. Por essa altura, os
beneditinos de Pombeiro recuperaram a lápide sepulcral de Vasco Mendes de
Sousa (+1240) e embutiram-na nas novas estruturas 4 e, já neste século, os arqueó-
logos desenterraram do mesmo local algumas lajes tumulares, aparentemente não
armoriadas. 5 Um vislumbre deste
esplendor perdido só encontra o visi-
tante quando atravessa o portal
românico da igreja onde o esperam
dois grandes sarcófagos cujas cabe-
ceiras são ocupadas por dois grandes
escudos: o do lado do evangelho (Fig.
2 e 3) com cinco flores-de-lis em
sautor e o outro com um campo
palado (Fig. 4 e 5). Cada uma das
faces laterais do primeiro destes
túmulos apresenta a figuras de um
cavaleiro empunhando uma lança e
com um escudo liso. Uma figura
semelhante, com o escudo também
liso, aparece na face esquerda do
segundo mas no pendão encontra-se
desenhado um escudo palado (fig. 6),
Figura 3 – Escudo com cinco flores-de-lis na
No pomo da espada, assim como na
cabeceira do mesmo túmulo. Fotografia de Tiago
fivela da espada encontram-se ainda
de Sousa Mendes, 2016.
representados escudos palados.
Na ausência de inscrições,
datação segura ou de testemunhos documentais a identidade dos dois sepultados
tem motivado alguma discussão desde o momento em que foram descritos por
Frei António da Assunção Meireles nas suas Memórias de 1797. No volume 2 da
História de Portugal José Mattoso atribui o primeiro destes a D. João Afonso de
Albuquerque, o 1º Conde de Barcelos, enquanto a bibliografia recente tem atri-
buído o segundo a D. João Fernandes de Lima IV, o genro de D. João Peres de
Aboim. A secção inicial deste artigo é dedicada à revisão crítica das sucessivas
4
Na parede da igreja, do lado da epístola, vê-se ainda um túmulo trapezoidal sem nenhum sinal
ou inscrição.
5
Dizemos “aparentemente” porque apenas as podemos espreitar em 2013 quando amontoadas
numa divisão do convento, depois da sua exumação. Nestas condições apenas conseguimos ler
parte da inscrição daquela que pertenceu ao cavaleiro Vasco Gonçalves Peixoto.
39
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
40
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
6
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), “De novo o selo de D.
Constança Gil”, in Armas e Troféus, V série, tomo I, 1980, pp. 21-33.
7
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Os Patronos do Mosteiro de Grijó́ (Evolução e
Estrutura da Família Nobre. Século XI a XIV), Ponte de Lima, Ed. Carvalhos de Basto, 1995, p.
202.
8
MORAIS, Cristóvão Alão de, Pedatura Lusitana (...), vol. 1, Porto, Livr. Fernando Machado,
1954, p. 202.
9
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, “A Família Lima entre a Galiza e Portugal
(Séculos XII a XVI)” in SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de; BARROCA, Mário
Jorge (eds.) O Paço de Giela. História de um Monumento, Arcos de Valdevez, CM, 2015, pp.
15-65.
41
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
10
PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, “Las armas de los Limia y sus derivaciones
(siglos XIII-XV)”, in e-Spania, 11 junho 2011, posto online no dia 05 julho 2011, consultado a
04 agosto 2016. URL : http://e-spania.revues.org/20540.
11
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Memorias do Mosteiro de Pombeiro Escritas por (...),
Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1942, p. 171, doc. 32.
12
Agradecemos o esclarecimento a José Augusto de Sottomayor-Pizarro que nos salientou que
as origens bastardas e camponesas de Rui Vasques pelo lado paterno se enquadravam mal com
tamanha monumentalidade.
42
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
onde estava relevado um escudo com 3 palas 13 e ainda era usado cinco gerações
volvidas: por volta de 1400 quando Fernando Anes de Lima II vem a Portugal, a
linhagem ainda conserva nas suas armas as ancestrais palas 14. A sigilografia fornece
ampla representação das armas antigas de Ribeiros, nos selos Afonso Peres da
Ribeira (fl. 1248-89) e de sua mulher Maria Raimundes de Sequeira usados em
1258, bem como do cavaleiro Pedro Afonso da Ribeira (fl. 1270-1311), filho de
ambos num instrumento de 1282 15. Note-se que todos os três selos apresentam
escudos palados, se bem que em número variável de palas (4, 3 e 5, por ordem de
menção), o que torna o número de palas do túmulo (v. Fig. 6) pouco importante.
No túmulo, mandado fazer por João Mendes de Vasconcelos em 1418 para albergar
o corpo de seu pai Rui Vasques Ribeiro II (bisneto do anteriormente referido Rui
Vasques Ribeiro enterrado em Pombeiro) na igreja matriz de Figueiró dos Vinhos
encontramos as armas dos Ribeiros, partidas com as dos Vasconcelos, possivel-
mente com a policromia original: em campo de vermelho, quatro palas de ouro 16.
13
PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, Op. cit.
14
Vide Pedra de armas com palas reaproveitada no aparelho manuelino, identificado por Mário
Barroca. BARROCA, Mário Jorge, “O Paço de Giela: Um «Palimpsesto» Arquitectónico”, in
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de; BARROCA, Mário Jorge (eds.), Op. cit., pp.
170-1. Vide ainda o túmulo atribuído a este Lima na igreja de Fiães, com um escudo com 3 palas
e referido por PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS, Eduardo, Op. cit.
15
Catalogados como exemplares 208, 209 e 266. ABRANTES, Marquês de, O Estudo da
Sigilografia Medieval Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1983, pp. 198-9 e
223.
16
Desde o Livro do Armeiro-Mor que as famílias Ribeiro e Lima apresentam os mesmos metais e
esmaltes, sendo que o mais antigo exemplar policromado de qualquer destas famílias é o túmulo
de Figueiró dos Vinhos (v. Fig. 7), sendo que não há certeza da data da policromia, podendo
resultar de repintes posteriores.
43
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
Ou seja, tanto Rui Vasques Ribeiro (fl. 1336-55) como João Fernandes de
Lima IV (fl. 1288-1310) se fizeram enterrar em Pombeiro e tinham uma ligação
à família patronal. O segundo descendia dos Sousãos e, como tal, era membro da
família patronal. Com efeito, o seu avô Fernando Eanes de Lima (+1264) casara-
-se com Teresa Anes da Maia, filha de Guiomar Mendes de Sousa, filha por sua vez
do Conde D. Mendo Gonçalves, o Sousão. A relação de Rui Vasques Ribeiro com
Pombeiro é menos evidente já que nada liga os Ribeiros ao mosteiro 17, mas este
cavaleiro casara-se em segundas núpcias com Maria (ou Margarida) Gonçalves de
Sousa. Não obstante a sua varonia ser Briteiros, esta dama era trineta do Conde D.
Mendo, o Sousão, por via de outra filha de Guiomar Mendes de Sousa chamada
Elvira Anes da Maia. Nem a heráldica, uma vez que ambas as linhagens usavam
um palado, nem as informações históricas, uma vez que tanto Rui Vasques
Ribeiro quanto João Fernandes de Lima estariam enterrados em Pombeiro, favo-
recem claramente uma das hipóteses. Neste cenário, a preferência da literatura
pelos Limas é justificada apenas pelo juízo emitido por Mário Barroca quanto à
cronologia do monumento, uma vez que a data de óbito de Rui Vasques Ribeiro
é posterior à datação atribuída ao monumento, início do seculo XIV. Claro parece
ser que este túmulo não pertenceria tanto à galilé, mas sim às capelas funerárias
lavradas na igreja.
O ocupante do túmulo armoriado com as flores-de-lis teve igualmente
atribuições bastante diferentes, sendo que nos últimos anos a atribuição a D. João
Afonso de Albuquerque, 1º Conde de Barcelos, tem sido largamente consen-
sual 18. Parece-nos que José Mattoso teve um papel determinante a este respeito,
quando numa extensa legenda da fotografia do túmulo publicada na sua História
de Portugal em 1993 aborda as anteriores propostas do Marquês de Abrantes, que
atribuía o túmulo a João Gil de Soverosa, referindo no entanto que a proposta de
Manuel Real e Mário Barroca de que este seria o túmulo do Conde de Barcelos
lhe parecia a mais adequada. Cita para isso dois argumentos “[O Conde de
Barcelos] usava as mesmas armas e a tipologia do jacente aponta para a segunda
17
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
Estratégias (1279-1325), Porto, Universidade Moderna, 1999, vol. 2, pp. 79-120 e 221-30.
18
MATTOSO, José, “1096-1325”, in MATTOSO, José (ed.), História de Portugal. II: A Monarquia
Feudal (1096-1480), Lisboa, Estampa, 1993; FERNANDES, Carla Varela, “Vida, fama e morte.
Reflexões sobre a colecção de escultura gótica”, in ARNAUD, José Morais; FERNANDES, Carla
Varela (coord.), Construindo a Memória. As colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa,
Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2005, pp. 300-55; SOTTOMAYOR-PIZARRO,
José Augusto de, Aristocracia e Mosteiros na Rota do Românico, Lousada, Centro de Estudos
do Românico e do Território, 2014; RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas funerárias e
espaços religiosos associados da rota do românico, Lousada, Centro de Estudos do Românico e do
Território, 2014.
44
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
época” 19, ou seja o início do século XIV. Começaremos a nossa revisão crítica
destas atribuições analisando o argumento heráldico.
19
MATTOSO, José, Op. cit., p. 176.
20
SOUSA, J. M. Cordeiro de, “Contenda entre Afonso Saches e o Conde Dom Martim Gil”,
in Armas e Troféus, II série, tomo VI, n. 3, 1965, pp. 251-9; FREITAS, Eugénio de Andrea da
Cunha e, “O Conde D. Martim Gil. Quem era? Quando morreu?” in Armas e Troféus, II série,
tomo VI, n. 3, 1965, pp. 260-9; MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, “El sello
de Doña Constança Gil”, in Armas e Troféus, II série, tomo VII-1, 1966, pp. 3-5; SÃO PAYO,
Marquês de, “O selo de D. Constança Gil”, in Armas e Troféus, II série, tomo VI, n. 3, 1965, pp.
270-1; ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33.
45
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
cynquo froles e polos escudetes das rodas tynha cruzes pequenas per meyo” 21. O desafio
foi respondido pelo Marquês de São Paio no mesmo ano. Sem identificar a
linhagem, associou as cynquo froles a D. João Afonso de Albuquerque, 1º Conde
de Barcelos cujo selo, aposto a um documento de 1303 e conservado no Arquivo
Distrital de Braga 22, trazia ao centro um escudo com um carbúnculo adossado de
cinco rodas incompletas cada uma carregando uma flor-de-lis. Menéndez-Pidal,
profundo conhecedor da heráldica do país vizinho, demonstrou no número
seguinte das Armas e Troféus que as flores provinham dos Soverosas, já que nenhum
outro avô de D. João Afonso tinha como sinais as flores-de-lis. Aliás, os Soverosas
eram o denominador comum a outras duas manifestações heráldicas: a) as quatro
flores-de-lis postas em torno do escudo com o leão à maneira de “memórias herál-
dicas” no selo de Dona Sancha Afonso, filha ilegítima de Afonso IX de Leão
havida em Dona Teresa Gil de Soverosa; b) as flores-de-lis acrescentadas com que
D. Constança Gil de Soverosa ladeou as armas do marido 23. Esta cadeia de
estudos demonstrou com grande robustez que a linhagem de Soverosa tinha por
armas cinco flores-de-lis. Mais recentemente, Sottomayor-Pizarro confirmou esta
tese ao descobrir a descrição do selo de Martim Anes de Soverosa “Tio”, o último
varão da linhagem. “Seelada nas costas do seelo de don Martim Anes no qual
seelo avia no meogo huum scudo e V froles figuradas in el” 24. A esta tela pacien-
temente urdida por tão eminentes autores não temos mais fios a juntar senão duas
outras ocorrências das armas dos Soverosas e uma hipótese mais aventurosa: a)
21
A descrição foi recolhida por João Pedro Ribeiro de um documento de Tarouquela, igualmente
consultado por Sottomayor-Pizarro e datado de 1292.
22
Valemo-nos da fotografia do selo que está na capa da dissertação de doutoramento de José
Augusto de Sottomayor-Pizarro entregue à Universidade do Porto. Apesar dos nossos esforços
junto do Arquivo Distrital de Braga, não foi possível encontrar este documento. Na fotografia
apresentada por Faustino Menéndez-Pidal o motivo do escudo não é muito perceptível mas não
se trata seguramente de um escudo liso, como as armas tradicionais dos Meneses. Na Sigilografia
Medieval Portuguesa, o selo é descrito como sendo constituído por um carbúnculo, motivo que
Faustino Menéndez-Pidal atribui as armas primitivas dos Meneses. Sobra ainda um fragmento
de uma impressão do mesmo selo em 1294 mas o escudo central não tem qualquer leitura,
observando-se apenas os vestígios de duas flores-de-lis (Figura 8).
23
MENÉNDEZ PIDAL DE NAVASCUÉS, Faustino, Op. cit., pp. 3-5.
24
Compare-se com a descrição do selo da sua mãe Constança Gil: “selo feito em cruz de roda e em
cada uma das rodas tinhas escudetes senhos e no meogoo tinha hum scudete mayor e com cynquo froles
e polos escudetes das rodas tynha cruzes pequenas per meyo e deredor do selo tinha letras que dezião
«seello de Dona Constança Gil»” (TT, MST 76 (AD 1292). (Lisboa, 9 de Março, 1287; REPAS,
Luís, Quando a nobreza traja de branco: a comunidade cisterciense de Arouca durante o abadessado de
D. Luca Rodrigues (1286-1299), Leiria, Magno, 2003, doc. 16). SOTTOMAYOR-PIZARRO,
José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 2,
p. 219.
46
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
outra descrição do selo de Martim Anes “Tio” igual à recolhida por Pizarro
(seelado nas costas do verdadeyro seelo de don Martim Anes assi como scrito era a redor
desse seelo no meyo do qual seelo era hua figura d’escudo no qual escudo eram flores
figuradas; Lisboa, 9 de Março, AD1287) 25; b) a arca tumular que se encontra ora
no claustro de Arouca que se trata certamente de uma mulher casada com um
Soverosa 26. Podemos ainda sugerir que houve transmissão das armas dos Sove-
rosas por via da vassalidade. Esta hipótese explica o uso das flores-de-lis ainda no
século XIII por duas famílias da órbita dos Soverosas: os Casal e os Gosende.
Figura 9 – Lápide Sepulcral de Sancha Garcia do Casal no Museu de São João de Alporão em
Santarém. Note-se no escudo central com as cinco flores-de-lis em sautor, e nos escudos com as
mesmas armas localizados em cada canto. Fotografia do Comandante Sérgio Avelar Duarte, a
quem agradecemos a autorização de publicação.
25
REPAS, Luís, Op. cit., doc. 17.
26
Esta arca tumular anepígrafa contém dois escudos (um com cinco flores-de-lis em sautor e outro
com um faixado ondeado). O indivíduo sepultado é muito possivelmente uma mulher que
assim exibia o escudo da sua linhagem e o da família em que se casou. É provável que se trate de
Aldonça Eanes da Maia, porque é a única dama casada com Soverosa que se pode relacionar com
o mosteiro de Arouca. No entanto, a bibliografia existente não fornece explicação para o escudo
ondeado.
47
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
27
BARROCA, Mário Jorge, Epigrafia medieval portuguesa (862-1422), vol. 2, tomo 2, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2000, pp. 1666-71.
28
De notar também que os esmaltes nas armas de Casal se encontram invertidos relativamente
às dos Soverosas, o que confere ainda mais probabilidade a uma transmissão por via da relação
vassálica. Já de inícios do XVI existe a capela de Fernão do Casal na igreja Matriz de Alhos
Vedros, apesar de nesta o escudo policromado apresentar num campo vermelho cinco flores-
-de-lis de ouro. A invulgaridade desta representação pode sugerir que este ramo usava as armas
com as cores aproximadas às dos Albuquerque. Talvez este ramo tivesse as suas armas com estas
cores, ou que em alguma campanha de repintura na igreja as mesmas foram aproximadas das
armas dos Albuquerque, possivelmente por desconhecimento.
29
Em 1240, uma doação de Aires Nunes à Sé do Porto foi selada com o selo de D. Martim Gil
de Soverosa (SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas.
Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 2, p. 211). Este dado é indicativo de que nessa
data Aires Nunes ainda não possuía selo próprio e, possivelmente, tendo em data posterior
adotado os mesmos elementos presentes no selo de D. Martim Gil para as suas armas. Como
Martim Gil, Aires Nunes esteve também exilado de Portugal em 1249 para só emergir nos
documentos portugueses em 1265, ou seja depois da morte de Martim Gil no seu exílio
castelhano (MENDES, Tiago de Sousa; HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees
III – A Heráldica do Mosteiro de Almoster”, in Armas e Troféus, n. 32, 2015, p. 99).
30
Em Beja, na Ermida de Santo Estevão, está o túmulo do cavaleiro Estevão Vasques datado
de finais do XIII, com um escudo com cinco flores-de-lis. Na Sé de Silves, no pavimento da
48
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
Muitos anos depois, o Marquês de Abrantes passou pela heráldica dos Sove-
rosas enquanto estudava as armas dos Riba-de-Vizela. 31 O Marquês não só corro-
borou a identificação de Menéndez-Pidal como ainda elencou mais três mani-
festações heráldicas relativas à linhagem que nos ocupa: o selo de Teresa Martins
de Albuquerque (uma elaborada composição em que intervinham uma lisonja
com as armas do marido, três flores de lis e três leões) 32; o fecho de abóboda da
capela-mor do mosteiro de Vila do Conde (com um escudo de azul, com cinco
flores-de-lis em ouro) fundado em 1314 por Teresa Martins de Albuquerque e
por Afonso Sanches, filho de D. Dinis (Fig. 11) 33; por fim, o túmulo armoriado
de Pombeiro. O Marquês de Abrantes identificou a linhagem mas não foi tão
incisivo a identificar o individuo concreto que ali jazia. Como o Conde D. Pedro
mencionou o enterro em Pombeiro de D. Gil Vasques de Soverosa (fl. 1205-40),
o Marquês de Abrantes sugeriu que o túmulo em causa podia ser deste rico-
-homem, o ascendente de todos os Soverosas cujas armas se conhecem. Em nota
de rodapé, porém, o Marquês de Abrantes sugeriu também uma atribuição alter-
nativa: poderia pertencer o jacente a D. João Gil, um dos filhos de Gil Vasques.
A causa para esta hesitação era o facto de o jacente se apresentar sem barba, o que
sugeria um cavaleiro mais jovem. Em todo o caso, um Soverosa 34.
capela-mor, encontra-se uma laje tumular danificada em que ainda se vislumbra um escudo que
teria cinco flores-de-lis, mas onde hoje já só se conseguem ver 3. Não há qualquer inscrição neste
túmulo (vide LIMA, João Paulo Abreu e, “Ensaio de um método para o estudo da heráldica
medieval portuguesa. Dois túmulos armoriados da cidade de Beja e outro da sé patriarcal de
Lisboa dos séculos XIII e XIV”, in Tabardo, n. 3, 2005, pp. 199-222).
31
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33;
BARROCA, Mário Jorge, Epigrafia medieval portuguesa (862-1422).
32
Vide reprodução in MATTOSO, José, Op. cit., p. 162.
33
O fecho de abóboda da capela-mor deste mosteiro encontra-se um escudo azul de tipo francês
com cinco flores-de-lis de ouro. Os esmaltes e a forma do escudo sugerem um trabalho
muito posterior ao da fundação do mosteiro. Podemos supor que esta policromia foi aplicada
aquando da reforma da capela dos fundadores em 1611, assinalado por uma lápide ainda
existente, enquanto o fecho de abóboda pode ser atribuído às campanhas de 1514, altura em
que se lavraram os jacentes dos fundadores. O escudo vermelho com uma flor-de-lis passou à
posteridade esquartelado nas armas dos Albuquerques e dos Meneses de Cantanhede (Fig. 12).
34
ABRANTES, Marquês de (D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora), Op. cit., pp. 21-33. A
propósito deste tema João António Portugal em comunicação recente em 15 de Janeiro de
2014 sugere que na realidade no selo de D. Constança Gil, ao redor do escudo não estavam
lóbulos carregados de escudetes com cruzes páteas como sugeriu o Marquês de Abrantes, mas
apenas um escudete em cada lóbulo, o que seria mais adequado face ao termo senhos. Ver nota
de rodapé infra. Queremos deixar aqui o nosso agradecimento a João António Portugal por esta
informação.
49
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
35
Documento transcrito em SOUSA, J. M. Cordeiro de, “Duas inscrições portuguesas em
Espanha : (a questão da data das lápidas do castelo de Albuquerque)”, in O Arqueólogo Português,
2ª série, vol. 2, 1953, pp. 261-82.
36
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Op. cit., p. 171, doc. 32. Não conhecemos qualquer
testemunho relativamente a este túmulo (que poderia ou não ser um sarcófago ou uma campa).
50
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
37
SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
Estratégias (1279-1325), vol. 2, p. 219.
38
Como nos foi esclarecido pessoalmente por José Augusto de Sottomayor-Pizarro, Teresa era
a mais velha das irmãs. Mesmo ficando o título de conde para Martim Gil, casado com a
secundogénita Violante, pode-se dizer que as partilhas definidas por D. Dinis prejudicaram
este rico-homem em favor do cunhado, o bastardo Afonso Sanches. É de referir que os Teles
portugueses nunca usam o apelido Meneses em Portugal até à extinção do ramo dos senhores de
Meneses em Castela. Apenas aí começam a fazer uso do apelido Meneses. Mais uma vez devemos
este informe à gentileza de José Augusto de Sottomayor-Pizarro.
51
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
com o seu senhorio. Ficava assim explicado o uso das cinco flores-de-lis pelos
Albuquerque e a identidade do tumulado de Pombeiro de Riba de Vizela. Esta
identificação tem sido aceite na subsequente literatura 39.
A justificação apresentada por Sottomayor-Pizarro é plausível. Não
obstante a preferência pela transmissão varonil dos signos heráldicos verificável
no século XIII, não faltariam boas razões, designadamente as patrimoniais, para
adotar armas maternas. Vem a propósito o caso dos Pimentel que sucederem
na honra de Resende por extinção da linha masculina e adotaram as armas e
o apelido epónimos 40. Já empregámos argumentos semelhantes para o caso de
linhagens como os Briteiros ou os Barretos na primeira metade do século XIV 41.
No caso concreto, há que reconhecer que a linhagem materna pesava: a filha de
João Afonso ficou conhecida como Teresa Martins, o nome da avó Soverosa, em
contravenção da regra do patronímico. Apesar do casamento de Teresa Martins
com um bastardo de D. Dinis, a descendência continuou a usar as armas do
Soverosa que assim transitaram até ao seu neto, combinadas com os símbolos de
Portugal 42. Menos convincentes nos parecem os conceitos de “representação” ou
de “chefia” aplicados a estes séculos 43. Considerações mais concretas e demons-
tráveis como a sucessão em honras, em morgados ou mesmo em cargos parecem
ser os factores determinantes nas mudanças da armaria.
No entanto, há duas ordens de razão que nos levam a rejeitar a atribuição
do túmulo ao Conde D. João Afonso. Em primeiro lugar está a existência de duas
impressões sigilares feita com a mesma matriz em instrumentos de 1294 e 1303.
39
RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas funerárias e espaços religiosos associados da rota do
românico, Lousada, Centro de Estudos do Românico e do Território, 2014; FERNANDES,
Carla Varela, Op. cit., p. 300-55.
40
MENDES, Tiago de Sousa e HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees I - As Armas
Antigas dos Pimentéis”, in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n. 3, 2009, pp. 225-35.
41
HENRIQUES, António Castro e MENDES, Tiago de Sousa, “Ffeguras & Sinaees II - As Armas
dos Briteiros,”, in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n. 7, 2012, pp. 41-51; MENDES,
Tiago de Sousa e HENRIQUES, António Castro, “Ffeguras & Sinaees III – A Heráldica do
Mosteiro de Almoster”, pp. 79-100.
42
É de referir que, nas partilhas realizadas por D. Dinis em 1312, couberam a Afonso Sanches e
sua mulher Teresa Martins os bens em Soverosa, assim como os bens que eram de avoenga de
Dom Gil Vasques [de Soverosa]. Vide documento transcrito em SOUSA, J. M. Cordeiro de, Op.
cit., pp. 251-9.
43
Recentemente José Augusto de Sottomayor-Pizarro argumentou que o conceito de chefia de
linhagem só é verdadeiramente aplicável a partir do século XIV, mais concretamente a partir
do estabelecimento dos morgadios, sistema esse que, de resto argumenta este autor, só adquire
visibilidade no século XV. Vide SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de, “A Chefia da
Linhagem aristocrática (Sécs. XII-XIV). Reflexões em torno de uma prática idealizada”, in Studia
Zamorensia, vol. XII, 2013, pp. 27-40.
52
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
Figura 14 – Por-
menor do mesmo
túmulo, vendo-se
na bainha da espa-
da um escudo com
quatro palas. Fo-
tografia de Tiago
de Sousa Mendes,
2016.
44
A forma do escudo que fecha de abóbada da capela dos fundadores Vila do Conde não parece
ser de inícios do século XIV. Poderá dever-se à restauração da capela em 1514, data dos novos
jacentes, ou de inícios do século XVII quando houve novas obras.
53
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
Figura 15 – Túmulo atribuído a Martim Vasques de Soverosa (+1286), vendo-se uma de duas fi-
guras com cavaleiros. Fotografia de Tiago de Sousa Mendes, 2016.
54
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
ao de qualquer outro nobre do reino. Ora, a comparação dos dois túmulos sugere
precisamente o contrário. O jacente do túmulo da nave Sul, de forte compleição,
repousa numa postura hierática e solene com a espada firmemente segura. O
pomo da espada e o fim da bainha ostentam escudos com as palas da linhagem.
O cavaleiro esculpido na face esquerda exibe um escudo palado no pendão e na
própria gualdrapa. As próprias vestes, mais cuidadas, e com um manto destacam-
-se das vestes atribuídas ao Conde de Barcelos, comprometedoramente confun-
didas com “a cogula d’uma Freira Beneditina” por Frei António da Assunção
Meireles. O Lima ou Ribeiro, sobretudo, exibe uma venerável barba, enquanto
que o jazente do primeiro túmulo apresenta o rosto pelado e a sua posição é
menos solene, quase casual ou até displicente. Seguindo as reflexões de Carla
Varela Fernandes, não estamos perante a imagem da “boa morte”, preparada no
decurso de uma longa existência mas sim da imagem de uma vida bruscamente
interrompida 45. Não é crível que o mais destacado membro da Corte de D. Dinis
se fizesse representar dessa forma.
II
45
FERNANDES, Carla Varela, Op. cit., p. 311.
46
Os argumentos estilísticos são difíceis de manejar, devido à escassez de materiais comparáveis
bem datados. Em todo o caso, encontram-se semelhanças nas vestes e na forma com o túmulo
de Rodrigo Sanches que, de acordo com o aturado estudo de Mário Barroca, data forçosamente
da década de 1260. Com o túmulo de Grijó os de Pombeiro partilham o formato trapezoidal
que é também o da arca tumular da rainha D. Mafalda (+1256), que se encontra hoje na igreja
do convento de Arouca. Os equipamentos militares figurados, designadamente as gualdrapas,
os pendões e os elmos estariam perfeitamente à vontade nas mesnadas das iluminuras que
acompanham o manuscrito do Escorial das Cantigas de Santa Maria (cantigas 63 e 181). Estas
iluminuras são datáveis de 1284. Nestes túmulos é também visível a ausência de motivos
ornamentais, como acontece com túmulos de meados do século XIV, os de D. Gonçalo Pereira,
de Balsemão, de João Gordo, de Fernão Sanches, além da total ausência de motivos religiosos.
55
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
47
A genealogia, as datas e outras informações sobre esta família foram retiradas de SOTTOMAYOR-
-PIZARRO, José Augusto de, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-
1325), vol. 2, pp. 210-20.
56
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
jaziam os restos mortais de seu pai 48. O seu primo Gil Vasques desceu à terra no
mosteiro de Salzedas depois da sua morte na Lide de Gouveia em 1277 (Pizarro
2, 214). Deste modo, os plausíveis tumulados cingem-se a quatro: Manrique Gil,
Vasco Gil, Martim Vasques e Martim Gil II.
A nossa proposta é que o moimento foi criado para receber o corpo de
Martim Vasques de Soverosa (+1286). De entre os quatro possíveis Soverosas, só
este é compatível com a iconografia e só este tem uma relação próxima com uma
linhagem que usa o escudo palado: os Limas. Comecemos pela questão familiar:
Martim Vasques foi cunhado de D. Fernão Fernandes de Lima, casado com a
sua irmã Sancha Vasques, e como tal era tio de D. João Fernandes de Lima IV.
À partida, faria mais sentido que a arca tumular encerrasse o seu cunhado. Esta
identificação é compatível com a heráldica e com a iconografia mas é difícil de
conciliar com os dados biográficos relativos a Fernão Fernandes 49. Como tal,
corroboramos a identificação de J. A. de Sottomayor-Pizarro do cavaleiro do
escudo palado com João Fernandes de Lima IV.
48
É possível que esta sepultura se encontre hoje no Museu do Carmo numa arca que apresenta
uma estátua jacente sendo que ao redor da mesma encontram-se vários escudetes lisos,
semelhantes aos que se encontram no túmulo do bastardo régio Fernão Sanches, conservado no
mesmo museu. O facto de se tratar de escudos (atualmente) lisos impede a confirmação desta
hipótese mas, considerando a possibilidade de pinturas, também não a invalidam. Segundo
Carla Varela Fernandes este túmulo tem várias semelhanças estilísticas com o de Fernão Sanches.
FERNANDES, Carla Varela, Op. cit., p. 309.
49
No entanto, é evidente que os conhecimentos empíricos sobre estas duas famílias não são muito
seguros; em particular, é difícil concatenar o Fernão Fernandes de Lima documental com o
Fernão Fernandes de Lima genealógico. O primeiro confirma diplomas régios castelhanos entre
1295 e 1312 e, ao confirmar o instrumento do Tratado de Alcanices, apresenta-se como pai de
João Fernandes de Lima que confirmou o mesmo acordo pelo lado de Portugal. João Fernandes
frequentou a corte de D. Dinis entre 1297 e 1310 e, como referido, fez-se sepultar em Pombeiro.
Ora, este Fernão Fernandes da corte castelhana que floresceu em 1295-1312 parece pertencer a
uma geração posterior ao dos Livros de Linhagens. Sancha Vasques de Soverosa a sua mulher era
irmã de Gil Vasques que, ao morrer em 1277, tinha idade suficiente para deixar três filhos. Há,
aliás, um grande hiato de três décadas entre a morte do seu pai, Fernão Eanes de Lima, ocorrida
antes de 1266, e o seu protagonismo na corte castelhana. Com efeito, poderão haver dois
indivíduos com o nome “Fernão Fernandes de Lima”, o primeiro casado com Sancha Vasques
de Soverosa e o segundo (o filho deste casamento) casado com Maria Fernandes de Gondiães.
Outra possibilidade é entroncar o Fernão Fernandes de Lima casado com Sancha Vasques num
certo Fernão Gil da Galiza documentado entre Novembro de 1255 e Julho de 1261 na corte
afonsina por Leontina Ventura (VENTURA, Leontina, A nobreza de corte de Afonso III. Tese de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1992, vol. 2, p.
664).
57
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
Figura 17 – Pormenor do túmulo que atribuímos a Martim Vasques de Soverosa, com a figura de
um cavaleiro com um escudo liso. À partida poderia considerar-se este escudo como representan-
do as armas dos Meneses, mas no túmulo de D. João Fernandes de Lima IV encontra-se o mesmo
escudo liso no pormenor da figura de cavaleiro que apresenta o escudo dos Limas no pendão. No-
te-se que no selo do 1º Conde de Barcelos o escudo de Meneses tem um carbúnculo. Fotografia
de Tiago de Sousa Mendes, 2016.
50
Este relato é aceite por Sottomayor-Pizarro. SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto de,
Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias, vol. 2, p. 2215.
58
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
e Leão foi disputada entre Sancho IV e o infante Afonso de Lacerda. Ora, entre
os partidários de Sancho contava-se Fernão Fernandes de Lima, cunhado do
Soverosa. Aliás, a parcialidade dos Limas dificilmente seria outra, já que Sancho
IV era casado com a infanta Maria de Molina que, sendo neta de Maria Eanes de
Lima, era prima segunda de Fernão Fernandes. 51 Desta forma, Martim Vasques
de Soverosa morreu a defender uma causa que interessava ao cunhado. 52
51
GAIBROIS DE BALLESTEROS, Mercedes, Historia del Reinado de Sancho IV, Sevilha, s.n.,
1922-28, p. 29.
52
“estaria ao serviço dos Lara, então exilado em Portugal, contra hostes castelhanas infiéis (sic) a
Sancho IV de Castela. Assim sendo Martim Vasques estaria ao serviço dos Lara, como sucedera a
outros cavaleiros portugueses, por exemplo F. S. de Barbudo”. Sobre Alfaiates, há uma referência
no volume V da Monarquia Lusitana, V (pp. 122-3). KRUS, Luís. A concepção nobiliárquica do
espaço ibérico: geografia dos livros de linhagens medievais portugueses (1280-1380), Lisboa, F. C.
Gulbenkian, 1994, p. 68 (nota 52). Para contexto, GAIBROIS DE BALLESTEROS, Mercedes,
Op. cit., pp. 173-4.
59
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
53
BARROCA, Mário Jorge, “As quatro faces de Rodrigo Sanches”, in Portvgalia, Nova Série, vol.
34, 2013, pp. 151-89.
54
A contemplação do jacente suscitou a mesma ideia no espírito de Frei António da Assunção
Meireles que entendeu que aquela figura representava um “mancebo ouzádo que na verdura dos
anos, quando ainda lhe não despontava a barba, manejava armas”. MEIRELLES, Frei António da
Assunção, Op. cit., p. 71.
55
ROSAS, Lúcia (coord.), Monografia do Mosteiro de Pombeiro, Lousada, Rota do Românico, p.
285.
60
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
aos torreões seiscentistas 56. Era precisamente aqui que os vira Fr. António da
Assunção Meireles cem anos antes: “debaixo do pórtico à entrada principal da
igreja (...) encostados à face interior de cada torre” tinham sido “mudados de
dentro da Igreja para fora dela pelo capricho não sei de que prelado” 57. Este teste-
munho aproxima estes dois túmulos das capelas funerárias fundadas na igreja. A
igreja apresenta hoje seis capelas, das quais duas são absidais. Estas, dedicadas a
S. Brás e à Nossa Senhora da Assunção, mantêm a fábrica românica bem visível,
enquanto as outras foram remodeladas nas campanhas rococó do século XVIII.
Os informes recolhidos nas Memórias Manuscritas dão a entender que a capela
de S. Brás esteve ocupada pelo Abade Martim Peres 58. Não há certeza quanto
à família deste abade mas um instrumento de 1294 alude às imagine stelle que
se viam no seu selo enquanto prior 59, o que ainda mais o afasta dos Soverosas
ou Limas. Já nas capelas abertas nas naves laterais conhecemos os moradores de
duas capelas: as ossadas de Gonçalo Gonçalves Peixoto, raçoeiro de S. Gens de
Montelongo, cónego de Guimarães e abade de Unhão, fundador do morgadio
de Pousada em 1302, aguardavam o Juízo Final na capela de Nossa Senhora da
Piedade 60, enquanto na capela de São Pedro ficava o moimento de Rui Vasques
Ribeiro. Duas das três restantes, acolhiam as capelas do Conde de Barcelos e de
D. João Fernandes de Lima com D. Marinha Afonso de Aboim. Como tal, posto
que a estrutura das naves românicas foi respeitada pelas obras setecentista 61, falta
apenas saber os moradores de uma única capela. Mais uma vez, ficamos na dúvida
se o corpo de Martim Vasques se associou à capela do seu sobrinho ou a uma
hipotética capela planeada pela sua irmã para o seu cunhado.
Conclusão
56
Vide Imagens in VASCONCELOS, António de, A Arte Românica em Portugal, Lisboa, D.
Quixote, 1992 [1918], pp. 105-10; ERASUN CORTÉS, Ricardo, “A fundição de sinos no
mosteiro de Pombeiro”, in Oppidum, n. especial, 2008, p. 142.
57
MEIRELLES, Frei António da Assunção, Op. cit., p. 71.
58
Idem, p. 71.
59
ANTT, Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães, Documentos particulares, mç. 15,
27.
60
MEIRELLES, Op. cit., p. 22 e 72.
61
ROSAS, Lúcia (coord.), Op. cit., p. 287.
61
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
62
Cumpre aqui reagir à opinião de Jorge Rodrigues que se refere à transição entre os século XIII
e XIV como uma “fase de heráldica não fixada” (RODRIGUES, Jorge, Panteões, Estruturas
funerárias e espaços religiosos associados da rota do românico, Lousada, Centro de Estudos do
Românico e do Território, 2014, p. 75). Se a heráldica não adquirira ainda a rigidez estabelecida
nos regimentos manuelinos, no século XIII o uso de sinais não deixava de ser determinado por
princípios. Os nossos trabalhos têm sugerido que a escolha dos elementos heráldicos é inteligível
considerando a herança de honras (MENDES, Tiago de Sousa; HENRIQUES, António Castro,
“Ffeguras & Sinaees I - As Armas Antigas dos Pimentéis”, pp. 225-35), o exercício de tenências
(HENRIQUES, António Castro e MENDES, Tiago de Sousa, “Ffeguras & Sinaees II - As Armas
dos Briteiros”, pp. 41-51) ou mesmo a participação na hoste do concelho (Idem, “Coerências
62
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
Ao falar-se de Pombeiro, cumpre deixar uma nota final para a sua impor-
tância no domínio da heráldica. A importância heráldica de Pombeiro terá residido
na coexistência de várias famílias e, como tal, de várias armarias. Esta variedade
seria bem visível nas capelas encomendadas por diferentes famílias (isto deixando
de lado a espinhosa questão da galilé). Ao contrário dos panteões quatrocen-
tistas e quinhentistas, marcadamente agnáticos (Coutinhos em Salzedas, Silvas
em Tentúgal, Lemos na Trofa, Castros na Covilhã ou Almeidas em Abrantes), o
critério para a sepultura em Pombeiro é o da família patronal. Assim, as ossadas
de “muitos fidalgos” (Limas, Soverosas, Meneses, Ribeiros, Ervilhões, Peixotos,
Sousas, Briteiros...) aguardavam juntas pelo Juízo Final, desafiando os juízos, falí-
veis, dos vivos.
Documentos Manuscritos
“Instrumento pelo qual Afonso Peres, reitor da igreja de Santa Eulália de Palmeira,
escamba com Francisco Peres, monge de Pombeiro, uma vinha em Fonte Boa por
outra vinha”, 1294, ANTT, Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães,
Documentos Particulares, mç. 15, 27.
Bibliografia
Heráldicas das famílias de Lisboa” in KRUS, Luís; OLIVEIRA, Luís Filipe; FONTES, João Luís
(eds.), Lisboa Medieval. Os Rostos da Cidade, Lisboa, Livros Horizonte, 2007, pp. 406-12).
63
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
FERRO, Adérito Gomes Ferreira Paulo, “Inquérito à vida dos Mosteiros na arqui-
diocese de Braga sob D. Fr. Bartolomeu dos Mártires”, in Actas do II Encontro
sobre História Dominicana, tomo III. Porto, Arquivo Histórico Dominicano,
1987, pp. 161-206.
64
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
João Luís (eds.), Lisboa Medieval. Os Rostos da Cidade, Lisboa, Livros Horizonte,
2007, pp. 406-12.
65
ANTÓNIO DE CASTRO HENRIQUES E TIAGO DE SOUSA MENDES
SÃO TOMÁS, Frei Leão de, Benedictina Lusitana, 2ª edição, Lisboa, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1974 [1644-51].
SEIXAS, Miguel Metelo de; PORTUGAL, João António (2012), “À Sombra dos
Príncipes. A heráldica no Mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha”, in
REDOL, Pedro; GOMES, Saul António, A Capela dos Sousas no Mosteiro da
Batalha, Batalha, Câmara Municipal, 2012, pp. 27-63.
66
FFeguras & sinaees iV – Os túmulOs armOriadOs de POmbeirO de riba-de-Vizela
67
WHO AUTHORED THE FAMOUS ARMORIAL ÉQUESTRE
DE LA TOISON D’OR?
Torsten Hiltmann*
69
TorsTen HiLTmAnn
case is the Armorial Équestre de la Toison d’or, which I would like to discuss in
more detail in this essay. Some unfounded assumptions have been made on the
authorship of this well-known armorial which have come to dominate the liter-
ature. It is generally accepted in heraldic circles that this manuscript would have
been made by Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms, maybe with the assistance
of some other heralds. However, the questions of who created the manuscript and
exactly how it was made remain pertinent. The answer to these questions have an
important influence not only on the way we read and interpret this manuscript
but, in the end, also on our understanding of medieval heraldry and its place in
medieval culture and society.
The intention of this paper is not to exclude Jean Lefèvre or any other
herald as the potential author. Its purpose is to emphasise the necessity of both
clear evidence and a certain openness for alternatives answers. In this case, the
attribution of authorship has been very quickly made, solely based on plausibility.
Once the presumption is made, it becomes exclusive, leaving no space for any
other possibilities. I will not argue, that one should rule out the authorship of a
certain herald for this armorial. What I will argue is that any presumption made
on the authorship needs to be proved by evidence. Otherwise it is just a simple
presumption. And too easily, also in scientific literature, presumptions become
facts by the mere virtue of repetition. But this doesn’t make them more true.
1
See on this subject: HILTMANN, Torsten, “La paternité littéraire des hérauts d’armes et les
textes héraldiques. Héraut Sicile et le Blason des couleurs en armes”, in ROSA, Maria de Lurdes;
SEIXAS, Miguel Metelo de (coord.), Estudos de Heráldica Medieval, Lisboa, 2012, pp. 59-83.
For the discussion on the Armorial Equestre, see for instance: CLEMMENSEN, Steen, “Show
me a coat-of-arms: The Lyncenich armorial.”, in: Heraldica nova. Medieval Heraldry in social
and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 5. Nov. 2016 [Consult. 10. Fev. 2017],
Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/5145. On the medieval armorials as such, see
Elmar Hofman’s forthcoming PhD thesis, which he is preparing at the University of Münster,
studying medieval armorials as a historical phenomenon.
70
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
2
Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55009806h [Consult. 10. Fev. 2017].
3
LARCHEY, Lorédan (ed.), Ancien armorial équestre de la Toison d’or et de l’Europe au XV e siècle,
fac-similé contenant 942 écus, 74 figures équestres, en 114 planches chromotypographiées d’après le
ms 4790 de la bibliothèque de l’Arsenal, Paris, Berger-Levrault, 1890, p. IX. Disponível também
em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k503935j [Consult. 10. Fev. 2017].
4
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., pp. IX-X.
71
TorsTen HiLTmAnn
5
See, on this manuscript, HOFMAN, Elmar, “The material of the Berry armorial”, in Heraldica
nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 25. Mai.
2016 [Consult. 10. Fev. 2017], Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/4590. The
Armorial was edited by BOOS, Emmanuel de, Armorial de Gilles Le Bouvier, héraut Berry,
Paris, 1995. Disponível também em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b85285803 [Consult.
10. Fev. 2017].
6
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. IX.
7
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. IX. As a matter of fact, Jean Lefèvre de Saint-Rémy served
first, until 1431, as herald Charolais, before he became Toison d’or, King of Arms. As Toison
d’or, King of Arms, he was the principal herald at the court of the Duke of Burgundy.
72
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
Lefèvre to be the author of the armorial ‘dès le début’. 8 The further Larchey
followed down this line of thought, he admits, the more evidence he found
to corroborate this assumption. For instance that all knights of the order that
were depicted in the armorial had been appointed before Jean Lefèvre left
office.
Furthermore, Larchey observes that of the knights of the first three
promotions of the order that feature in the armorial, two are missing. While
they are depicted in an official manuscript from the seventeenth century, they
are absent in the Armorial Equestre. This would make sense as the first of the
two died before he could receive the collier of the order, while the second
was cast out of the order because he had fled the battlefield and failed to
explain this dishonourable behaviour during the next chapter of the order.
Jean Lefèvre was evidently well aware of these incidents, since he refers to
them in his chronicle. 9
While Larchey is willing to admit that the statutes of the Order of the
Golden Fleece concerning the offices of the order do not mention any particular
obligation for Toison d’or, King of Arms, to create an armorial, he still argues
that this would not matter since, in the Middle Ages, each and every herald had
armorials, which they eagerly shared with each other. 10
Larchey explicitly refers to a treatise on the office of Montjoie, which
mentions the oath of the King of Arms of France that obliged him to keep a
register of the nobility of the kingdoms and their coats of arms. There is, however,
a fundamental flaw in this interpretation of Montjoie’s oath, namely that it
reflects an idealised concept of the office rather than reality. 11 Similarly flawed
is Larchey’s reference to another armorial allegedly authored by a herald, and
8
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. X.
9
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. X.
10
LARCHEY, Lorédan (ed.), ob. cit., p. XI. For a more precise assessment of the relation between
heralds and heraldry see my forthcoming article “No need for heralds. The Place of Heraldry
and Heraldic Knowledge in Medieval and Early Modern Society”.
11
On this treatise and particularly on the oath, see HILTMANN, Torsten, Spätmittelalterliche
Heroldskompendien. Referenzen adeliger Wissenskultur in Zeiten gesellschaftlichen Wandels
(Frankreich und Burgund, 15. Jahrhundert), München, 2011, pp. 262-281. Disponível também
em http://www.perspectivia.net/publikationen/phs/hiltmann_heroldskompendien [Consult.
10. Fev. 2017].
73
TorsTen HiLTmAnn
in whose title Larchey could read: Recueil des armes des roys, pairs et seigneurs de
France et autre roys et seigneurs de pluiseurs pays fait par Secille herault, mareschal
d’armes de Hainault, demeurant en la bonne ville de Mons, pris en partie dans le
Recueil de Vermandois, herault du noble roy Charles de France, faict en l’an m iiijc
vingt cinq. 12
Yet the oldest copy of this armorial dates from the seventeenth century,
and the title on its frontispiece—in the case of this copy—does not quite corres-
pond to its actual contents, since the description of the coats of arms of the
French king refers to Jean du Tillet, a historical and legal scholar of the sixteenth
century. 13 Besides, there is no other mention of a herald in this manuscript so far.
This source is therefore not a convincing argument for a herald’s innate obligation
either.
In essence, from the start Lorédan Larchey’s train of thought boils down
to heralds being ‘the usual suspects’ for the creation of armorials. Obviously, he
considered heralds to be the natural authors of armorials, since, as he seems to
be convinced, they would have been the professionals in all matters pertaining
to heraldry - an idea that can be found in almost every introduction to heraldry,
and which is still quite widespread among heraldists today. 14 Even if there was a
certain relationship between heralds and heraldry at the end of the Middle Ages,
and Lorédan Larchey certainly takes the pain to prove it by a whole string of
evidence, they were far from being the only ones interested in coats of arms and
dealing with heraldry itself. 15
Lorédan Larchey even goes further by assuming that every herald must
have had his armorial and that kings of arms were obliged to keep registers
of coats of arms of their area of office. It is true that in at least the second
half of the 15th century we see heralds instructed to compile such lists. They
were not only to include coats of arms, but most of all the names and titles of
noblemen, in order to accumulate knowledge about the nobility of the land and
its associated dignities, which, as a matter of fact, was the foremost expertise of
12
Paris, Bibliothèque nationale de France [hereafter BnF], fr. 4366, fol. 1r. Lorédan Larchey himself
cites Paris, BnF, Arsenal, 5257, fol. 370, a manuscript from the 18th century in the former
collection of Du Cange. For more examples of such doubtful attributions see HILTMANN,
Torsten, “La paternité littéraire” (ob. cit.), pp. 77-81.
13
Paris, Bibliothèque nationale de France, fr. 4366, fol. 1r: … reduitz a trois fleurs de Lys par
Charles sixiesme selon Jehan du Tillet. Disponível também em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
btv1b90595466/f3.item.r=4366 [Consult. 10. Fev. 2017].
14
See, only to cite the latest example, SCHEIBELREITER, Georg, Wappen im Mittelalter,
Darmstadt, 2014, pp. 131-152.
15
See HILTMANN, Torsten, No need for heralds (ob. cit.).
74
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
heralds. 16 But there is almost no evidence that such registers have actually ever
been executed. 17
What is more important here is that Lorédan Larchey never took into
consideration any alternative to his first assumption. Since this manuscript must
have a link to Burgundy and the Order of the Golden Fleece, as suggested by the
depictions of the knights of the order, Larchey concludes, it must have been made
by a Burgundian herald with the closest possible links to the order, namely Toison
d’or, King of Arms.
But there is no evidence whatsoever in the manuscript itself. His attribu-
tion of authorship is a mere assumption based on his idea of the office of heralds
and some observations in the face of the manuscript’s contents.
16
Montjoie King of Arms had to swear to visit the different marches of arms of the kingdom in
order to gather information about the nobility of the kingdom and make a book for each march
to register “leurs noms, et surnoms, les cris de leurs armes et leurs blasons et timbres naturelz”
(Wrocław, BU, Akc. 1994/249, p. 108) when asked by the king to do so. It was primarily
important for the heralds to know and to recognise the different knights and noblemen, as they
were the foremost experts, observers and publicists of the nobility and their noble deeds. Thus,
heraldry was often of interest to them, but only as a means to an end.
17
See for instance the Armorial Berry, which contains particular persons in particular regions, or
the Armorial de Revel, which indeed gives an overview of the noblemen and their coats of arms
in a given region. However, there is no mention that they produced their armorials, which took
a very different shape as well, on the instruction of their masters. The only official evidence is a
letter of appointment in 1487 for Gilbert Chauveau, herald Bourbon of the Duke of Bourbon,
who is appointed marshall of arms of France and instructed to collect the coats of arms of the
noblemen of France, the Dauphiné, the Provence and the other territories of the French king
into a book (Paris, BnF, Clairambault, 902, fol. 30r–32r). There is no evidence of a book of such
kind.
75
TorsTen HiLTmAnn
a reference to the author nor to its contents; all one is left with are pictures and
their accompanying labels.
The problem notwithstanding that Larchey’s attribution relied on
persuasive plausibility rather than solid evidence, by means of pure repetition
this assumption became fact. Hence, the belief that the Armorial Équestre was
authored by Jean Lefèvre, Toison d’or King of Arms, found its way into many
studies and has become part of accepted knowledge on the topic. 18
This belief has been further substantiated in the form of the second edition
of the armorial by Michel Pastoureau and Michel Popoff. This edition is preceded
by a larger study on the manuscript, analysing the style of its decoration, its
dating, the circumstances of its productions etc. When it comes to the question
of authorship, the editors, referring to Larchey’s argument, leave no place for any
doubt:
18
Just to cite one example, but an influential one, see: “Certains hérauts, cependant, comme
Jean de Saint-Rémy, Toison d’or, l’auteur du fameux armorial équestre (TO), nous ont laissé
de précieux mémoires.” (GALBREATH, Donald Lindsay; JÉQUIER, Léon, Manuel du blason,
Lausanne 1977, p. 63). Here, the alleged authorship of the Armorial Équestre is even used to
introduce and to describe Jean Lefèvre, who was, by marriage, also seigneur de Saint-Rémy.
19
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), Grand armorial équestre de la Toison d’or, 2
vol., Saint-Jorioz, 2001, t. 2, p. 37.
20
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 38.
76
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
mention of the production of armorials in the oath of Toison d’or’s, Popoff and
Pastoureau conclude:
According to the editors, Toison d’or was commissioned to oversee the use
of heraldry and the adherence to the laws of arms as well as to establish the ‘Armo-
rial of the Order’. This is presented as an established fact, despite an apparent
lack of evidence for any of these claims. In the statutes, no such heraldic duties
are defined; Toison d’or is supposed to act as the messenger of the order, and to
inform the greffier of the order about the feats of arms of its knights so that they
can put them on record. 22
In the face of the size of the armorial, Popoff and Pastoureau are further-
more led to assume that such a piece cannot have been authored by a single
person alone, which is why they conclude that Toison d’or must have had help
from a team of heralds and painters. While Toison d’or must have had some sort
of supervision of the project, the editors propose, the heralds had to gather the
information, record the blazons (which are not contained in the manuscript),
and draw the sketches. One or two painters then carried out the final work. 23
However, the authors do not provide any evidence to back this assumption, but
only speculative convictions.
Moreover, they also attempt to narrow down the date of the production of
the manuscript. Since it contains only the coats of arms of the knights admitted
to the order between 1430 and 1433, but not those who joined next, in 1440
and afterwards, it must have been done between 1433 and 1440 when the heralds
21
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 39.
22
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), Die Protokollbücher des Ordens vom Goldenen Vlies, vol. 1: Herzog
Philipp der Gute 1430–1467, Ostfildern, 2002, pp. 209, 211. See also the report made by Jean
Lefèvre in 1468 about chapters of the Order from 1431 onwards, where he mentions the names
of the participants of the different chapters and those who died in between them. Sometimes
he also adds how the new members were introduced by him, took the oath and received the
collar of the Order. But there are no mentions of any heraldic obligations of his office, see
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit. pp. 141-156. For the activities of Jean Lefèvre, Toison d’or
King of Arms, see also the recent PhD thesis by Alexandre GROSJEAN, Toison d’or et sa plume.
La «chronique» de Jean Lefèvre de Saint-Rémy (1408-1436), Turnhout, 2017.
23
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 37-38.
77
TorsTen HiLTmAnn
had time to update their notes and compile an armorial, since there were no new
knights admitted to the order. 24 As luck would have it, in 1435 the great congress
of Arras took place, which would have offered the chance to encounter and record
many noblemen and their coats of arms from abroad. The particular presence
of some Polish coats of arms in the armorial, which were already mentioned by
Larchey, may be explained this way. Finally, creating an armorial on the occasion
of an important event would not be unprecedented since there are other armo-
rials whose origins lay in similar gatherings, for example the Armorial of the Peace
of Arras 25 or the Armorial Richental for the Council of Constance. 26
Still, this explanation is only plausible to a certain extent. As a matter of
fact, Popoff and Pastoureau themselves stated earlier in their writing that many
parts of the Armorial Équestre were copies taken from other manuscripts, partially
dating to at least in the 1420s, possibly going back to the 1370s and 1380s. 27
Furthermore the Armorial Équestre does not mention the congress at Arras at
all, unlike other armorials such as the Armorial Richental, which is closely linked
to the corresponding chronicle of this event 28. But this armorial was rather the
result of ‘armchair scholarship’ than ‘field work’ during the Concile.
The same is, to some extent, true for the so called Armorial of the Peace of
Arras as well. It contains the coats of arms of the participants of the conference
at Arras, but it also includes lists of English noblemen who, in fact, could not
have participated in the congress. As Steen Clemmensen has shown, the coats of
arms given there go, for the most part, back to the end of the 14th century. More
importantly, the English part of the Armorial Équestre is a mere copy of this part
of the Armorial of the Peace of Arras. 29 Finally, concerning the Scottish section of
24
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., p. 32.
25
CLEMMENSEN, Steen, Armorial de la Paix d’Arras. A roll of arms of the participants of the Peace
Conference at Arras 1435, Copenhagen, 2006. Disponível também em http://www.armorial.dk/
arras/Armorial_Paix-de-Arras.pdf [Consult. 10. Fev. 2017].
26
CLEMMENSEN, Steen, Arms and people in Ulrich Richental’s Chronik des Konzils zu Konstanz
1414-1418. Introduction and edition, Farum, 2011. Disponível também em http://www.
armorial.dk/german/Richental.pdf [Consult. 10. Fev. 2017].
See also the series of Blogposts on [Em linha], Heraldica nova, [Consult. 10. Fev. 2017],
Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/tag/richental.
27
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 23, 24.
28
RADDATZ, Tina, „[Project:] Die Welt zu Gast in Konstanz? Ein Vergleich der
Wappenhandschriften von Ulrich Richentals Chronik des Konstanzer Konzils“, in Heraldica
nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 26. Jan.
2015 [Consult. 10. Fev. 2017], Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/2543.
29
CLEMMENSEN, Steen, “The English in the Golden Fleece Group of Armorials”, in Coat of
Arms 3rd series, 2 (2006), pp. 11-44, pp. 11-12.
78
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
the Armorial Équestre, Colin Campbell has shown that it also includes the coats
of arms of the Earl of Avandale, a title created for James Douglas of Balvany in
1437. 30 So the quite convincingly expressed idea that this armorial should have
been made during the congress of Arras, where heralds could gather information
and do some ‘fieldwork’, does not hold.
Another fundamental assumption which has been made concerns the
initial attribution of the production of the Armorial Équestre to the Order of
the Golden Fleece. In the presentation of the Armorial in its second edition, it
is taken for granted that the origin of this armorial lays with the Order and that
the manuscript must thus have been part of the Order’s archive. This leads Popoff
and Pastoureau to ponder how the armorial had left the archives of the Order
and came to be in the possession of the Bibliothèque de l’Arsenal 31. The more
interesting question, however, is why the manuscript should have been part of the
archive of the Order of the Golden Fleece in the first place.
30
CAMPBELL, Colin, “Scottish arms in the Armorial Equestre”, in Coat of Arms 12:86 (1971),
pp. 58-68, p. 60.
31
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, p. 20.
32
HILTMANN, Torsten, “No need for heralds” (ob. cit.).
79
TorsTen HiLTmAnn
adherence to heraldic rules, nor did they have any right to exercise authority over
heraldic expressions. Indeed, the hitherto taken-for-granted relationship between
heralds and heraldry has to be reassessed, something which eventually allows us
to acknowledge heraldry’s importance within much a broader part of medieval
society. It remains true, of course, that heralds were skilled specialists in heraldry.
Yet they had no monopoly on heraldry. This was also underlined by the results
of the conference ’Heraldic Artists and Painters’, held in Poitiers in April 2014,
which demonstrated that heralds were in fact quite absent in the production of
heraldic works of art and similar kinds of heraldic representations 33. Heraldic
painters were not just executing the instructions of heralds—they were perfectly
able to produce heraldic artwork all by themselves.
Furthermore, the manuscript is not necessarily closely linked to the Order
of the Golden Fleece either. So far, the most scholarly attention has been attracted
by the depictions of knights of the order. While they are, of course, a major and
striking feature of this armorial, this must not deter from the fact that aside
from these 34 knights (plus 13 sketches, indicating the intention to continue this
register) there are also 45 drawings executed to the same high standard which
depict dignitaries who did not belong to the Order of the Golden Fleece, namely
the emperor, the prince-electors, the 12 pairs de France, and other European kings
and princes. In addition, at least in the manuscript’s current state, it contains a
huge number of coats of arms of noblemen linked to these full-page depictions
of princes.
If the Armorial Équestre were an armorial particular to the Order of the
Golden Fleece, one has to wonder, why is most of the manuscript dedicated
to dignitaries and persons that were not part of the order? Why are representa-
tions of France (the king and the 12 pairs de France, a rather abstract representa-
tion of the kingdom of France 34) and the Empire (emperor and prince-electors)
so prominently displayed in this manuscript, as well as the shields of Austrian,
English, Scottish and even Polish nobility? It is not at all absurd to search for the
author outside the ranks of the Order. After all, the famous Armorial Grünenberg,
for instance, was made by a member of the urban elite of the city of Constance,
33
The results will be published in HILTMANN, Torsten; HABLOT, Laurent (coord.), Heraldic
Artists and Painters in the Middle Ages, Ostfildern, 2017 (forthcoming).
34
Some of the titles represented here no longer existed in the 15th century. See HILTMANN,
Torsten, “Potentialities and Limitations of Medieval Armorials as Historical Source. The
Representation of Hierarchy and Princely Rank in Late Medieval Collections of Arms in France
and Germany”, in HUTHWELKER, Thorsten; PELTZER, Jörg; WEMHÖNER, Maximilian
(coord.), Princely Rank in late Medieval Europe, Ostfildern, 2011, pp. 159-200, pp. 181-183.
80
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
and celebrated the nobility of the surrounding region even though Grünenberg
himself was not part of it. 35
If the Armorial Équestre were the official armorial of the order, one could
ask further, considering the exquisite miniatures, why was this manuscript written
on paper and not vellum?
Most importantly, however, why is there no explicit reference to the Order
of the Golden Fleece? Would one not expect to see, for example, the statutes of
the Order on such a manuscript? As a matter of fact, there are manuscripts featu-
ring the statutes and the coats of arms of the knights of the Order. One of them
was edited by Arthur Dinaux in 1842, which back then was in the possession
of a certain Laure d’Assignies. 36 It contains the statutes of the Order, a list of
the knights admitted to the Order (whether as a textual list or as an armorial is
unfortunately not mentioned in the description), a treatise on nobility by Diego
de Valera translated into French by Hugues de Salve, and an armorial of the
noblemen of Hainault, Flanders, Artois and Cambrésis. Here we have a manus-
cript containing the coats of arms of the very first knights of the Order of the
Golden Fleece as well as the statutes of the order, but also other sections which
seem to suggest that this was a collection reflecting certain personal interests.
There is another manuscript that contains some kind of armorial and the
statutes of the Order of the Golden Fleece. But this manuscript, KB 76 E 10 in
the Royal Library in The Hague, in comparison, has the appearance of an official
document 37. Written on vellum, it contains full-page portraits of all the knights
of the Order in the Order’s habit, accompanied by their respective coats of arms
in the upper right or left corner. The manuscript begins with the statutes of the
35
On the Armorial Grünenberg see CLEMMENSEN, Steen, Conrad Grünenberg’s Wappenbuch.
Introduction and edition, [Em linha], 2009, Disponível em www.armorial.dk/german/
Grunenberg.pdf, [Consult. 10. Fev. 2017]; ROLKER, Christoph, “Konrad Grünenbergs
Wappenbuch: acta et agenda”, in Zeitschrift für die Geschichte des Oberrheins 162 (2014), pp.
191–207. See as well the very complete series of Blogposts on [Em linha] Heraldica nova,
Disponível em http://heraldica.hypotheses.org/tag/konrad-grunemberg [Consult. 10. Fev.
2017].
36
DINAUX, Arthur (ed.), “Les blasons et cris d’armes des chevaliers des comtés de Flandre,
Hainaut, Artois et Cambrésis vers l’an 1500”, in Archives historiques et littéraires du Nord de
la France et du Midi de la Belgique IV (1842), pp. 5-26. Unfortunately, I could not find any
information about the current whereabouts of this manuscript.
37
For a description of the manuscript see: KORTEWEG, Anne S., “Un présent offert au chapitre
de 1473: le livre des Statuts avec armorial, La Haye, KB, Hs 76 E 10”, in L’ordre de la Toison
d’or, de Philippe le Bon à Philippe le Beau (1430-1505). Idéal ou reflet d‘une société?, Bruxelles,
1996, pp. 50-55. For images of the miniatures of this manuscript see [Em linha], Disponível em
http://manuscripts.kb.nl/show/images/76+E+10 [Consult. 10. Fev. 2017].
81
TorsTen HiLTmAnn
Order, the first folio of which is lavishly decorated with a bordure featuring the
devise of the Order, while the initial letter ’P’ contains the coats of arms of the
Duke of Burgundy surrounded by the collar of the Order. The folio on the oppo-
site side is decorated with a miniature representing a chapter of the order.
This manuscript was officially presented to Charles the Bold, Duke of
Burgundy and sovereign of the Order of the Golden Fleece, at the order’s chapter
in 1473. The minute book of the order registers for the session on 4 May 1473
runs as follows:
38
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), Die Protokollbücher des Ordens vom Goldenen Vlies, vol. 3: Das
Ordensfest 1473 in Valenciennes unter Herzog Karl dem Kühnen, Ostfildern, 2009, p. 61.
39
Before he followed Jean Lefèvre in the office of Toison d’Or, King of Arms, in 1468, he served
the duke of Burgundy first as persevant and later on as herald under the name Fusil and was a
kind of assistant to Jean Lefèvre, Toison d'Or King of Arms.
40
For an image of this manuscript see [Em linha], Disponível em http://manuscripts.kb.nl/show/
images_text/76+E+10 [Consult. 10. Fev. 2017], here fol. 38v.
82
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
sible for a register of all the members of the Order and their coats of arms, which
is officially presented to the Order’s sovereign and explicitly mentioned in the
Order’s minutes.
What is not mentioned in these minutes or other material relating to the
Order’s chapters is any other armorial. It may be tempting to assume that, in
order to compile the manuscript Giles Gobet offered to Charles the Bold, the
compiler of this manuscript used the Armorial Équestre as a source. However,
this seems unlikely in the face of the complaints Gobet’s manuscript caused. 41
When the duke and the knights examined the manuscript, they noticed that it
also contained the portraits of two knights who had been cast out of the Order,
a blunder that had to be rectified. One of the disgraced knights was Jean de
Neufchâtel, who was not represented in the Armorial Equestre.
41
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit., p. 61.
42
For the watermarks of this manuscript and its coherence, see MÉRINDOL, Christian de,
“Le Grand armorial équestre de la Toison d’Or, le Petit armorial équestre, l’armorial équestre,
l’armorial Gaignières”, in COCKSHAW, Pierre; VAN DEN BERGEN-PANTENS, Christiane
(coord.), L’ordre de la Toison d’or, de Philippe le Bon à Philippe le Beau (1430-1505): idéal ou reflet
d’une société?, Bruxelles, 1996, pp. 56-61, p. 56.
43
PASTOUREAU, Michel; POPOFF, Michel (ed.), ob. cit., t. 2, pp. 16-17.
83
TorsTen HiLTmAnn
know if it was produced as a coherent whole in the first place. 44 Apparently there
are two pages in the British Library which may originally have been part of this
manuscript 45, although this needs to be checked more carefully since this infor-
mation is based, for the moment, on an assumption made by Anthony Richard
Wagner. 46
But there seem to be more manuscripts and parts of manuscripts that were
made by the same writers and painters or at least by the same workshop. There is,
for instance, the manuscript BL Add Ms 11542 in the British Library in London,
which contains the Armorial of the Peace of Arras, already mentioned above, which
seems to have served as a source for the Armorial Équestre, executed in a very
similar style and hand. There is also the so called Petit Armorial Équestre 47, which
contains 47 mounted knights (and women), among others the Nine Worthies
and their female counterparts. Whether this manuscript was actually made by
the same workshop still needs to be ascertained. A more thorough codicological
and art historical study of the different manuscripts may give us more insight into
the relationships between the different manuscripts and their content, and thus
perhaps also into the circumstances under which the Armorial Équestre may have
been produced.
In order to find out more about the content of the manuscript and where
its information was taken from, one could examine the relations between this
manuscript and other armorials, as Steen Clemmensen is currently doing 48 or
compare it with the Armorial Gaignières (a 17th c. copy with at least similar
content) and the content of the Petit Armorial Équestre as Christian de Mérindol
has done. 49 That it actually was the result of ‘fieldwork’ during the congress at
Arras appears rather unlikely, as has been shown above.
Concerning the depictions of the knights of the Order of the Golden
Fleece in particular, one could ask how else this information might have been
gathered. Because, there were other possible models. On the one hand, there
were copies of the coats of arms of the members installed above the stalls of every
44
At least the watermarks seem to suggest so, following MÉRINDOL, Christian de, ob., cit., p.
56.
45
London, British Library, Add. 45133, fos. 175r, 177r.
46
WAGNER, Richard A., A Catalogue of English Medieval Rolls of Arms, p. 96: “Part of a French
Roll, 175, 177 (in the same hand, I think, as Toison d’or and the foreign roll in Brit. Mus. Ms.
Add. 11542)”.
47
Paris, BnF, Clairambaut 132, f. 237-283. For an illustration [Em linha], Disponível em http://
expositions.bnf.fr/arthur/grand/049.htm [Consult. 10. Fev. 2017].
48
See for instance CLEMMENSEN, Steen, ob. cit.
49
MÉRINDOL, Christian de, ob. cit.
84
WHo AuTHored THe fAmous ArmoriAL équesTre de LA Toison d’or?
church were the order’s annual chapter was held. 50 On the other hand, still more
pertinent for our question, there was a permanent armorial of the Order held in
the Sainte Chapelle in Dijon as the order’s headquarter. 51 There, plates with the
coats of arms of the current members were suspended and displayed in the choir.
The first series of the coats of arms of current members of the Order was executed
in 1433 by the painter Hue de Boulogne for the chapter held at this very loca-
tion. 52 During this chapter, the members of the Order decided to also have the
coats of arms of the four members already deceased painted and, for their part,
displayed in the nave of the church 53. This armorial of the current and deceased
members of the Order at the Sainte Chapelle in Dijon was kept up to date until
1456 and it was, in this case, the responsibility of the treasurer of the Order (and
his deputy) to do so 54. So whoever wanted to have an exact template for the coats
of arms of the first members of the Order of the Golden Fleece could find it in
this chapel as well.
To conclude: for the moment, we have to admit that without any more
information we cannot say how, why and by whom the Armorial Équestre was
truly made. This means acknowledging that there is no proof as to the authorship
of this armorial. It might have been Toison d’or alone, it might have been Toison
d’or and an entire team of heralds, but it might also have been someone else enti-
rely. We should keep all those possibilities in mind and not too hastily opt for one
solution, in order to keep an open mind for a better understanding of medieval
heraldic culture and things which may yet be discovered in the field.
50
For this series of heraldic representations of the members of the Order of the Golden Fleece
see the ongoing PhD project by Marjolijn Kruip (Radboud University Nijmegen): KRUIP,
Marjolijn, “Heraldry, politics and art: The Order of the Golden Fleece”, in Heraldica nova.
Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives [Em linha], actual. 13. Abr. 2016
[Consul. 10. Fev. 2016], Disponível em https://heraldica.hypotheses.org/4488.
51
The possibility of a link between the armorial and the chapel was already pointed out by
MÉRINDOL, Christian de, ob. cit., p. 61, who did not pursue the thought any further. The
idea, mentioned in this article, that the depictions in the armorial are directly linked to an actual
tournament can surely be dismissed, considering the representation of some of the pairs de
France, foreign kings and the recently-born Charles the Bold.
52
GRUBEN, Françoise de, Les chapitres de la Toison d’or à l’époque bourguignonne (1430-1477),
Leuven, 1997, p. 64.
53
DÜNNEBEIL, Sonja (ed.), ob. cit., p. 46. If one compares this to the list given by MÉRINDOL,
Christian de, ob. cit., pp. 58-59, the question becomes more complicated. On the one hand, the
knights of the Order are represented in the armorial the very way one could expect them to be
seated in the choir: the latest members at the ends, i.e. at the very beginning and at the end of the
list, with the duke as the sovereign in the middle, as if the painter had gone around the choir. On
the other hand, the dead are depicted amidst the current members, in their very own places.
54
GRUBEN, Françoise de, ob. cit., p. 65.
85
THE JAPANESE MON AND THE EUROPEAN COATS OF
ARMS – A COMPARATIVE STUDY
Julia Hartmann*
Abstract: do the Japanese mon provide an equivalent to the European coats of arms?
This article seeks to discover the commonalities and differences between the two (sign)
systems. Firstly, their form, content, tincture and blazon will be compared. Secondly,
emphasis will be put on cultural and social significance and the function and use of
mon. Much like the origin of the coats of arms, the emergence of mon is similarly
difficult to trace back. Other important questions might arise: Can we apply heraldic
terms to the system of Japanese mon? Can we speak of “Japanese coats of arms” or
* Julia E. Hartmann was born in Germany in 1992. During her schooling, she completed a
six-month exchange at the Yamashiro High School in Kyōto (Japan) and chose Japanese as a
subject in high school in Germany later on. She currently studies History and English Studies at
the University of Münster (Westfälische Wilhelms-Universität Münster, Germany). In 2014/15
she studied Classics and History at the University of Durham (UK) for one academic year.
Since 2014 Hartmann has acquainted herself with the topic of the Japanese mon. So far, she has
published three articles on the subject matter on the scholarly blog Heraldica Nova, focussing
especially on the form and the origin of mon**. She is associated to the research project “Die
Performanz der Wappen” (coats of arms in practice), directed by Torsten Hiltmann at the Univer-
sity of Münster.
** HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon – The Aim to Capture the Moment of Perfection”,
Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives (blog on Hypoth-
eses.org), published: 30/09/2014, Internet: https://heraldica.hypotheses.org/1501.
“The Japanese Mon – An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (I): Form,
Content, Tincture and Blazon”, Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-histor-
ical perspectives (blog on Hypotheses.org), published: 02/02/2015, Internet: https://heraldica.
hypotheses.org/2456.
87
juLiA HArTmAnn
I. Introduction
The Japanese aim for perfection can be perceived in every aspect of their
culture, especially regarding arts: the art of creating a kimono, 1 ikebana 2 or the
mere arrangement of a zen garden 3 mirror this strive towards perfection and
aesthetics. This sophistication has also been employed for the creation of mon.
Like their counterpart, the European coats of arms, they are still ubiquitous today:
you can discover them on every temple, shrine or restaurant, even on kimono.
At first glance they do not seem to have much in common. Not only their
form is quite different since a coat of arms (mostly) appears in the shape of a
shield, the mon – on the other hand – is presented in a (mostly) circular shape.
Also the images used for the content seem very different at first sight. As one pays
closer attention to what exactly some mon display, similarities can be drawn to the
images of the coats of arms. For example, plants, animals, elements of nature like
a mountain, or stars and the moon are displayed in both systems. Naturally, the
way in which they are depicted is different, but in quite a few cases mon and coats
of arms share images. Regarding the way of depiction, the mon can probably be
best compared to the plainer and earlier coats of arms.
The kanji 4 紋 (= mon) signifies “pattern” and can be translated with “family
crest”, 5 but it is rather an umbrella term; 家紋 (kamon) means “family crest”, it
is a term which especially refers to “family”, the meaning of the first kanji (家
“The Japanese Mon – An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (II): The Emer-
gence of Mon”, Heraldica nova. Medieval Heraldry in social and cultural-historical perspectives (blog on
Hypotheses.org), published: 21/12/2016, Internet: https://heraldica.hypotheses.org/5212.
1
The traditional Japanese garment. All the Japanese terms in this article have been placed in italics
and transcribed into roman letters. Also note that there is no distinction between singular and
plural in Japanese grammar.
2
The art of flower arranging.
3
I am thinking of the rock garden of the Ryōan-ji or the Ginkaku-ji, both famous temples in
Kyōto.
4
Kanji are Chinese characters employed in the Japanese writing system.
5
http://jisho.org/search/%E7%B4%8B (03/10/16); LANGE, Rudolf, “Japanische Wappen”,
Mittheilungen des Seminars für Orientalische Sprachen an der Königlichen Friedrich Wilhelms-
Universität zu Berlin, vol. 6,1 (1903), pp. 63-281; see pp. 66-67.
88
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
6
http://jisho.org/word/%E5%AE%B6%E7%B4%8B (03/10/16); LANGE, “Japanische Wappen”,
p. 67.
7
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 63-281 and STRÖHL, Hugo G., Japanisches Wappenbuch.
Nihon Monchō, Wien, Verlag Anton Schroll & Co., 1906, re-edited and commented by
Wolfgang Ettig (Monographien zur Kunst- und Kulturgeschichte Japans, vol. 4), Treisberg,
Tengu-Publishing, 2006. There are some publications in French as well: see e.g. BOULY DE
LESDAIN, Louis, “Les armoiries japonaises”, Annuaire du Conseil Héraldique de France, 1905,
pp. 225-235 (re-edited in Études héraldiques, Paris, Le Léopard d’Or, 1978, vol. I, pp. 87-97);
LE JUGE DE SEGRAIS, René, “Nihon no moncho ou le blason japonais”, Emblèmes, Totems,
Blasons, Paris, Musée Guimet, 1964, pp. 145-154 and more recently MARILLIER, Bernard,
Mon – héraldique japonaise, Puiseaux, Pardès, 2000.
8
TURNBULL, Stephen, Samurai Heraldry, Oxford, Osprey Publishing, 2009.
9
According to LANGE, “Japanische Wappen”, p. 63, the system arose without any influence of
China.
89
juLiA HArTmAnn
10
This chapter is based on a previous article of mine: HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon
– An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (I): Form, Content, Tincture and
Blazon”.
11
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74.
12
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 75.
13
SPIEGEL, Paul M., “Japanese Heraldry. A Study of Mon”, Coat of Arms, vol. 9 (1966-1967),
pp. 128-138, 166-176, 204-208; see p. 131.
14
Cf. STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 33–42.
15
Taken from MORIMOTO, Yūya, Nihon no kamon daijiten, Tokyo, Nihon jitsugyō shuppansha,
2014. The crane itself can form a circular shape.
16
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74-75; SCHEIBELREITER, Georg, Heraldik, Wien –
München, Oldenbourg, 2006, p. 32. There is, however, a device which reminds me of the
European crest: the matoi. For further information cf. the chapter on “Cultural and Social
Significance & Functions and Usage”.
90
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
the mon to some extent as well, since they depict both geometrical figures and
images of plants, animals, elements of nature and objects. 17 Even though these
images appear different in style at first sight, when we have a closer look at
the mon we can see that many of them are depicted with same or (rather) similar
figures as coats of arms. Immediately, one can recognise another common feature:
much like their European counterpart, the images of the mon are not depicted in
a natural but a stylized way, more precisely in a typical Japanese way which can
still be observed in Japanese arts today. 18
The charges can be subdivided into four main thematic categories. The
plants constitute the first and most common category of charges. The chrysan-
themum (kiku, see figure 3) might be the most famous mon since it is the impe-
rial mon, but there are many other different flowers, blossoms and plants of which
I will list the most important ones: the popular cherry blossom (sakura, figure 4),
the plum blossom (ume, see figures 23 a-d), 19 the paulownia (kiri, figure 5), the
17
BOUDREAU, Claire, L’Héritage symbolique des hérauts d’armes. Dictionnaire encyclopédique de
l’enseignement du blason ancien (XIVe – XVIe siècles) (préface de Michel Pastoureau), Paris, Le
Léopard d’Or, 2006; BRAULT, Gerard J., Early Blazon, Woodbridge, The Boydell Press, 1972;
cf. STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 33-42.
18
See also LANGE, “Japanische Wappen”, p. 75.
19
Cf. chapter “Legends: The Example of Sugawara no Michizane”.
91
juLiA HArTmAnn
hollyhock (aoi, figure 6) and leaves of maple (momiji, figure 7), ivy (tsuta), and
bamboo (take), but also trees or branches of them (e.g. cedar, pine: figure 8). 20
20
See these figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 73-128; see also pp. 36-37; LANGE,
“Japanische Wappen”, pp. 122-124.
21
Maybe a differentiation into mammals might be worth considering.
22
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, see figures on pp. 60-66.
23
Cf. figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 36-37, 59-66, 69; LANGE, “Japanische
Wappen”, pp. 120-121.
24
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 119-120; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 23, 33.
25
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76.
92
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
The third big category comprises elements of nature. Waves (nami, figure
16) are frequently depicted, so are mountains (yama). Another similarity to the
coats of arms are celestial bodies like stars (hoshi, figure 17), the moon (getsu,
figure 17) and the sun (hi), or even lightning (inazuma) or a variation of them
like the crescent (hangetsu), which for that matter looks like its European coun-
terpart. Stars on the other hand are not serrated but depicted as circles. 26
Objects, the last category, can be further divided into subgroups: arma-
ment, tools, elements of architecture and other objects. The category of armament
can also be found in European charges, though once again the style of depic-
tion is quite different due to cultural developments. The images mostly consist of
arrows (ya, figure 18), helmets (kabuto, figure 19), etc. Tools, another similarity to
the European charges, include hammers (tsuchi), axes (ono) and so on. The most
prominent element of architecture is the torii (“gate”, figure 20). 27 Other objects
range from drums to fans (ōgi, figure 21) or clothing, like hats. Another common
image are kanji which can either signify a specific word or a number. 28 There can
be found some similarities between the European “ordinaries” and the geomet-
rical figures depicted on the mon too. 29 They range from squares to circles, rings
26
Cf. the figures in STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 139-153; LANGE, “Japanische
Wappen”, pp. 124-125.
27
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p. 164.
28
See STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, figures on pp. 174-180.
29
However, without marshalling; see STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, figures on pp. 181-193.
93
juLiA HArTmAnn
and bars (see e.g. figure 22). Initially, the circle around the content was not as
common. This convention rather developed with time. 30
Whereas in Europe colours are used to distinguish between different coats
of arms, tincture is not particularly important for the Japanese mon. 31 Mon are
mostly depicted in one light colour upon a dark background or vice versa. 32
There are, however, interesting ways of how to achieve a variety of mon without
using different colours. The first one is, as already established, the combination of
two or more elements, which offers a vast amount of combinations (see figures 23
a-d for the various depictions of the plum blossom). Marshalling and cadency, as
they appear in European heraldry for distinction, do not exist. 33 However, a
distinction is created by a very unique fusion of elements (see figure 24), 34 which
30
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 77, 83.
31
Interestingly, there is some regional variation: Lange (“Japanische Wappen”, p. 71) writes of very
colourful mon (consisting of five colours), a phenomenon which is said to have existed already
in the first half of the 15th century. However, this was not a widespread practice.
32
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 72.
33
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76; Spiegel (“Japanese Heraldry”, p. 167) is right in his
conclusion that, “[a]s the mon represented the whole family, there was not the problem of
developing distinguishing marks for each member of the family”. However, “distinguishing
marks” were necessary for differentiating between different branches of one family.
34
STRÖHL, Hugo G., “Imitationsfiguren der japanischen Heraldik”, Mitteilungen des Seminars
für Orientalische Sprache an der Königlichen Friedrich-Wilhelms-Universität zu Berlin, vol. 13
(1910), pp. 1-17; p. 3.
94
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
Figure 9: Wild goose (Taken from Figure 10: Turtle (Taken from
MORIMOTO, p. 135) MORIMOTO, p. 134)
There are various kinds of mon with different terms but I will try to
confine myself to the most important ones. 37 Besides the mon and the kamon
(“family crest”), there can be found a so-called kaemon (替え紋), an “informal
35
Cf. STRÖHL, “Imitationsfiguren der japanischen Heraldik”, pp. 1-17.
36
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 64 and 130.
37
For further kinds of mon see LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 69-71.
95
juLiA HArTmAnn
family crest” or more precisely an “auxiliary crest”. 38 A mon was rather that of
a family, not the individual. Spiegel gives a plausible reason for this: “In Japan,
the primary social unit was the family, not the individual”. 39 Like the European
coats of arms, mon were hereditary and passed on from generation to generation
within a family. 40 However, unlike in some of the European countries, in Japan
there were no methodical alterations made for the different members of a family,
no cadencies. Alterations of a given mon are only known for family branches, not
their individual members: a branch of a main family would either use the same
mon as the main family or a slightly modified version of it. 41
Families with different names could bear the same mon. This was either
due to a change of names (but sharing the same ancestor), or a bestowal of mon
Figure 11: Butterfly (Taken from Figure 12: Horse (Taken from
MORIMOTO, p. 142) MORIMOTO, p. 131)
(e.g. through a feudal lord). Furthermore, a family could take on a new mon in
order to avoid confusion with another family’s mon or in celebration of a special
38
For the translation see http://jisho.org/search/%E3%81%8B%E3%81%88%E3%82%82%
E3%82%93 (03/10/16). Lange (“Japanische Wappen”) calls it “Wechselwappen”, p. 69.
39
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 167.
40
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 74.
41
On this issue cf. MENÉNDEZ PIDAL, Faustino, Los emblemas heráldicos, Sevilla, Real
Maestranza de Caballería, 2014; see also SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 136, 167, 204–205
and LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 67-68.
96
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
occasion. This was, however, a rather seldom phenomenon because families were
afraid a change of mon could bring misfortune upon them. 42
Families could bear one or even several kaemon (“auxiliary crests”). These
could either be a variation of the initial kamon (“family crest”) or a completely
Figure 13: Rabbit (Taken from Figure 14: Falcon feathers (Taken from
MORIMOTO, p. 131) MORIMOTO, p. 139)
new mon. Another possibility for a kaemon was the kamon of the wife’s family that
she brought into the new family once she married. This might seem to be a very
confusing system, but these kaemon were used for informal occasions (like the
translation already suggests). Furthermore, they were very convenient for travel-
ling incognito. 43 One more kind of mon worth mentioning might be mon which
did not refer to a specific family but could be used by anyone. People who could
not afford a traditional garment for a special purpose (e.g. funeral) could borrow
the appropriate haori (mantle). These “everyone’s mon” were displayed on such
garments. 44
In contrast to Europe, in Japan (at least during medieval times) there were
no regional or city coats of arms. The Japanese national flag, a red sun (displayed
as a circle; hi no maru) on a white background, only emerged with Western influ-
ence in the 19th century. However, the symbol has existed much longer. 45
42
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 68 and 85.
43
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 69.
44
See further in LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 70-71.
45
The flag was adopted in 1870, the symbol can be traced back to the 12th century. See SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, pp. 132 and 205; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74, 108 and 111.
97
juLiA HArTmAnn
Mon that are affixed to a Buddhist temple (o.tera) or a Shintō shrine (jinja)
are associated with their respective gods that are worshipped, not the buildings
themselves. They are called shinmon (神紋), translated into English as “shrine
Figure 15: Dragon (Taken from Figure 16: Wave (Taken from
MORIMOTO, p. 148) MORIMOTO, p. 29)
crest” or “shrine emblem”; the first kanji means “god” (a better translation might
be the German “Gotteswappen”, i.e. “a god’s mon”). 46 These mon were assigned
to the gods by the people, maybe comparable to the shield of the Trinity (scutum
fidei). 47
Yet another point of comparison is worth mentioning: the canting arms.
The infamous and powerful family Fujiwara bore a fuji, the “wisteria” or “wisteria
sinensis”, as their mon. Another example is the mon of the family Torii. Torii
means “gate” (or rather the traditional Japanese Shintō gate; see figure 20), which
in turn was the content of their mon. 48 Moreover, there was also the possibility to
display kanji on a mon in order to refer to the family name. 49
46
http://jisho.org/search/%E7%A5%9E%E7%B4%8B (03/10/16).
47
DENNYS, Rodney, The Heraldic Imagination, London, Barrie & Jenkins, 1975, pp. 89-112;
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 132; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 74 and 99.
48
STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, pp. 20-21; LANGE, “Japanische Wappen”, p. 76.
49
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 76-78.
98
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
How could one acquire a mon for the family? The process of bestowing a
mon is also similar to the one in Europe: the emperor or a shōgun or daimyō
(feudal lord) could award their loyal subjects for special merits. 50 A feudal lord
could either confer his own mon or create an entirely new one for this purpose.
The unauthorized bearing of a feudal lord’s or shōgun’s mon could be punished by
death. 51 Another possibility to acquire a new mon was a marriage alliance. In
addition, the victor of a battle could take the mon of his defeated enemy. 52 Family
branches could take the main family’s mon, modify it and thus gain their own
mon. The yet simplest solution was creating one’s own mon. Most ancestors chose
this way and left them for future generations of the family. There are quite a few
legends on how and for what reason a family acquired their mon. 53
Figure 17: Moon and star (Taken from Figure 18: Arrows (Taken from
MORIMOTO, p. 27) MORIMOTO, p. 207)
50
HABLOT, Laurent, Affinités héraldiques. Concessions, augmentations et partages d’armoiries en
Europe au Moyen Age. Thèse d’habilitation inédite, École pratique des hautes études, Paris, 2015.
51
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 90 and 107, see also the chapter on „Rules, Laws and
‘Heralds’”.
52
It is questionable whether this was a way to acquire a mon or only an ideal conception; SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, p. 131.
53
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 70, 83, 87, 89-90; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 136.
99
juLiA HArTmAnn
Since this has all been rather theoretical and descriptive so far, the afore-
mentioned aspects shall be demonstrated by an example of a shinmon (a god’s
Figure 19: Helmet (Taken from Figure 20: Gate (Taken from
MORIMOTO, p. 167) MORIMOTO, p. 225)
mon) to illustrate a specific mon and its attribution to a god and also in order to
present to you the topic of legends of mon.
The Kitano Tenmangū (北野天満宮; see figures 25 a-d) in Kyōto is a very
old shrine famous for the worship of the deified Sugawara no Michizane (in 986
54
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 170.
55
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 170.
100
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
as Tenjin). Although this is not the only shrine where Tenjin is revered, 56 this one
leaves a special impression. It is especially impressive during the plum blossom
season (February – March), which is a few weeks earlier than the famous sakura
Figure 21: Fan (Taken from MORIMOTO, Figure 22: Two bars in a circle (Taken from
p. 158) MORIMOTO, p. 253)
(cherry blossom, March – April) season. During these few weeks, the shrine is
crowded with Japanese people visiting, commemorating Michizane and admiring
the hundreds of plum trees with their delicate blossoms. This is an important
annual event for them.
Sugawara no Michizane (菅原道真; 845–903; see figure 26 57) is not only
of interest to Japanese scholars because he was posthumously deified as the god
(kami) Tenjin – the historical figure is equally intriguing. The list of professions
is long: “Michizane was a poet, scholar, teacher, diplomat, provincial governor,
and minister of state”. 58
Due to rivalling nobles (members of the powerful Fujiwara family) he lost
his high-rank position as a minister at court, being accused of treason and was
punished with exile at Kyūshū (Dazaifu). His enemies at that time thought the
56
BORGEN, Robert, Sugawara no Michizane and the Early Heian Court, Honolulu, University of
Hawaii Press, 1994, p. 2; together with the Dazaifu Tenmangū (Kyūshū), these two are the most
renowned.
57
Taken from “Sugawara Michizane”. Encyclopædia Britannica. Encyclopædia Britannica Online.
Encyclopædia Britannica Inc., 2016. Web. 06 Nov. 2016, Internet: https://www.britannica.
com/biography/Sugawara-Michizane.
58
BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 2.
101
juLiA HArTmAnn
catastrophes (death, drought, etc.) that occurred at the capital a few years later
after his death, were caused by Michizane’s ghost as an act of revenge. In order to
a b
c d
Figure 23 a-d: Various depictions of the plum blossom (Taken from MORIMOTO, pp. 48-51)
102
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
conciliate with his revenge ghost, Michizane was pardoned and raised in rank.
Later on, he was even deified and worshipped as a god, the patron of learning and
literature. 59 In 947, the shrine Kitano Tenmangū was dedicated to him. 60
Figure 24: Ströhl’s “Imitationsfiguren”: The Example of the crane (Taken from STRÖHL
1910, p. 3)
59
BORGEN, Sugawara no Michizane, pp. 2-3, 8, 17, 308; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p.
21.
60
BORGEN, Sugawara no Michizane, pp. 308-309.
103
juLiA HArTmAnn
Michizane loved the plum blossom and in the years in exile he wrote his famous
poem:
104
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
105
juLiA HArTmAnn
According to one of the legends that arose with time, the plum tree from
Michizane’s garden (figure 27) flew to him, following him into exile as a response
to this poem. A descendant plum tree of the one in the story supposedly still
exists today at the Dazaifu Tenmangū, one of the shrines where Tenjin is revered. 62
Because of Michizane’s love of the plain
plum blossom, the mon umebachi (ume means
“plum”, bachi signifies “pot”; see figure 28) was
posthumously attributed to him. It is a further
geometrical stylization of the already stylized
ume. It is, however, highly unlikely that he bore
this mon as kamon during his lifetime and there
is no evidence which could support this. 63 The
image of the ume blossom was presumably used
as a pattern in the early Nara period (8th century)
and it is assumed that Michizane used this pattern
on objects of his possession. 64 As a shinmon for
Tenjin, however, the umebachi can be dated back
to the Kamakura period (1185–1333). During
this period, nobles and warriors took this mon
Figure 26: Sugawara no for remembrance and reverence and possibly
Michizane the Sugawara family employed this mon as their
kamon and the ume as such with its different vari-
eties was increasingly used. 65 During the late Muromachi period (1333–1573)
Tenjin’s name appears on the flag of a daimyō, as one of the gods of the religious
invocation presented on the flag, displayed together with the daimyō’s mon. 66
When paying closer attention, the mon referring to Michizane can be
discovered many times at the Kitano Tenmangū shrine. It is displayed on the
61
Quote taken from BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 290.
62
BORGEN, Sugawara no Michizane, p. 291.
63
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 79; ŌKUMA, Miyoshi, Nihon no kamon jiten. Yurai to
kaisetsu, Tokyo, Kinensha, 2015, p. 99; STRÖHL, Japanisches Wappenbuch, p. 21, note 5; p. 53,
and on p. 154 see fig. 285. According to Lange, this mon is seen as one of the first mon but he
recognizes that this is highly unlikely, due to the aforementioned aspects.
64
ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 99.
65
ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 99.
66
TURNBULL, Samurai Heraldry, p. 18.
106
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
lanterns (figures 25 a and c, left lantern), the roofs (figure 25 d, affixed to the roof
in gold), and even curtains (figure 25 b, on the curtains attached to the gate).
Significance, function and use of mon are similar to that of the European
coats of arms. Both serve as a symbol of identification as well as a possessive
symbol and as a means for distinction, more precisely to distinguish oneself from
Figure 27: Sugawara no Michizane and his plum tree (Taken from BORGEN, pp. 292-293)
67
However, this is the case for classical heraldic areas like France, England or Germany; but it
is not true for marginal areas like Italy, Spain, Portugal, Poland, where all the members of a
107
juLiA HArTmAnn
represented a symbol of belonging and descent. 68 “The mon […] could be regar-
ded as a symbol of family continuity and a connection with one’s ancestors from
family could use exactly the same arms, as a way to express their belonging to that family. Cf.
MENÉNDEZ PIDAL, Los emblemas heráldicos, pp. 265-335.
68
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 138.
69
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 138.
70
HILTMANN, Torsten, “L’héraldique dans l’espace domestique. Perspectives historiques sur les
armoiries et le décor héraldique dans l’espace profane (espace germanique, XIIIe-XVIe siècle)”,
Le Moyen Age (forthcoming).
108
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
tion. The mon developed, unlike the coat of arms, separately from the shield (and
its shape). 71 Whereas in Europe coats of arms were shown on amour and shield,
in Japan mon were displayed on body amour or helmet. Further items decorated
with mon were e.g. banners. These were attached to the back of the amour, thus
achieving a good visibility of the mon (see the sashimono, figure 29). 72 The 16th
century brought forth an interesting appearance of mon, comparable in shape and
appearance to the “crest” of European heraldic achievements, called matoi (figure
30). At this time mon were displayed three-dimensionally, constructed out of
gold, silver or another metal, the only difference being that it was not attached to
a helmet but a stick. This was the mon of the commandant. 73
71
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 73.
72
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 166, 172; SCHEIBELREITER, Heraldik, pp. 24, 133-137.
73
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 111; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 176.
109
juLiA HArTmAnn
With the end of the Muromachi period (1333–1573) mon were increas-
ingly born on the ceremonial gowns of warriors (and eventually on their civil
clothes). The mon was attached to various fixed positions of such a gown, either
by means of dyeing or painting the silk (cloth), or by weaving the mon in or
embroidering it, respectively. Only during the Edo period (1603–1868) mon
were born by the whole population, also on clothes. 74
Apart from armour and garment, mon were displayed on numerous other
objects as well such as lanterns, carriages and other possessive items, but also
buildings, i.e. castles, temples and shrines, and in later Edo (1603–1868) times
on the warehouses and ship sails of merchants. At this time, in addition to the
purpose of indicating possession, the function of mon also became increasingly
decorative and they were spreading throughout Japan, as the coats of arms in
Europe. 75
Aside from certain cultural and customary differences regarding mon and
coats of arms, it becomes clear that the significance of the mon as a symbol and its
function as a medium for communication of all the aforementioned aspects was
equally vital to Japanese society as the coat of arms for Europe. Then again, why
are we missing an institutionalization of this system of mon?
110
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
all, but only regarding the prohibited usage of the imperial or shōgun’s or daimyō’s
mon or another family’s mon.
First (written) laws for the usage of mon can be dated as early as the
Muromachi period (1333–1573), concerning the unauthorized bearing of
another family’s mon. In 1595 especially the mon of the imperial family (chry-
santhemum and paulownia) was prohibited. 79 The Tokugawa shōgun (during the
Edo period, 1603–1868) issued decrees to protect their mon (triple-hollyhock)
from unlawful bearing as well. 80 A violation of these decrees could lead to execu-
tions, as described by Lange for the year 1722. 81 This was also the case for the
mon of a daimyō (feudal lord). Lange gives evidence of a man who was punished
by death alongside his family (wife and child) for bearing the mon of the lord
Date Masamune (1567–1636) without permission. 82
Besides the decrees mentioned above, there was a different law passed in
1642 by the shōgun Tokugawa Iemitsu (徳川家光). He ruled that both daimyō
and samurai should use their kamon and kaemon in order to distinguish their
family from others bearing the same mon. Moreover, the mon passed down to the
next generation was not to be altered. 83 Aside from these rules, “there appears to
have been no further official regulation of the use of mon”. 84 Spiegel assumes that
there have been rules, which were not fixed, but accepted and followed by society:
“The general absence of regulatory legislation does not mean that there were no
established usages as to the bearing of mon”. 85
The origin of mon is the issue of this last chapter because all other aspects
mentioned before have to be taken into account. The question of the emergence
79
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 133. It would be interesting to know whether there were
orally passed-down rules before the Muromachi period in the different regions while there were
no fixed, written laws.
80
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 133-134.
81
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 97: “Ein Rōnin Namens Yamana Sanai (山名佐内) hat
auf Kleidern das Malvenwappen aufsticken lassen und überdies verschiedene Gegenstände
betrügerischer Weise an sich gebracht. Deshalb ist er [...] mit dem Tode bestraft worden”.
82
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 90 and 107.
83
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
84
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
85
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 135.
86
This chapter is based on a previous article of mine: HARTMANN, Julia, “The Japanese Mon –
An Eastern Equivalent to the European Coats of Arms? (II): The Emergence of Mon”.
111
juLiA HArTmAnn
of mon is similarly difficult to solve as that of the European coats of arms and one
has to rely on quite a few assumptions as to how, why and when the mon emerged.
The main problem is: we do not have reliable sources and therefore a lot of legends
have arisen. However, according to some early writers, one of the plausible and
accepted theories is the following one: the mon may have developed out of the
patterns worn on clothes (kimono) by the nobility at the court of Kyōto during
the Heian period (794–1185). 87 Another possible influence are the patterns on
lacquered palanquins (oxen carts) used by the nobles. Especially patterns
Figure 31: Section of the Heiji Monogatari Emaki, displaying the Heiji Rebellion (1160).
This is presumably the earliest finding of mon. See the mon (nine stars) on the cart. (Taken
from TURNBULL, p. 4)
displaying flowers or other plants were very popular even before the emergence of
the mon. 88 However, it is difficult to establish the moment when these patterns
“assumed a symbolic function and became hereditary”. 89 Their emergence and
87
The problem with this theory is that, according to the Japanese writers, mon were displayed only
later on the clothes, maybe even as late as the end of the 14th century. See LANGE, “Japanische
Wappen”, p. 79.
88
TURNBULL, Samurai Heraldry, pp. 6-7; LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 78-79; SPIEGEL,
“Japanese Heraldry”, p. 129.
89
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
112
THe jApAnese mon And THe europeAn coATs of Arms – A compArATive sTudy
development as symbolic signs have been dated by some scholars as early as 900
AD. 90 This date, however, is based on the assumption that Michizane’s ume was
the first mon, which is highly debatable. According to Rudolf Lange the symbolic
function and the symbols’ belonging to certain families did not occur until the
11th century. 91
The social change that occurred between the Heian period (794–1185)
and the Kamakura period (1185–1333), 92 the beginning of the feudal era, also
had an impact on the emergence of mon. The development of the mon at the court
of Kyōto was “interrupted” by this change. 93 Warriors were increasingly drawn
to court; they were needed by the court nobles to assist them in their conflicts.
Their struggle for power and the development of the warrior class coincided; the
warriors were in need of a sign of identification in order to be able to distinguish
between friend and foe on the field. 94 Accordingly, the process of emergence
accelerated. 95 Warriors increasingly used individual signs to set themselves apart
from other warriors. By the end of the 13th century the warriors’ use of indi-
vidual symbols had spread and mon were born among the whole warrior class
throughout Japan. 96 These causes of emergence show that there are two streams
of origin, namely the court nobles (more decorated and adorned patterns) and
the warriors (less “artful” patterns due to the military context). However, it is still
debatable whether the symbolic and hereditary function arose with or before the
rise of the warrior class.
But when did the “family mon”, the kamon, develop? The term kamon
emerged in literary texts since the middle of the 11th century. But it is not possible
to identify when the mon obtained its meaning as kamon and was inherited by
future generations. During the Kamakura period (1185–1333), certain mon were
connected to certain warrior families – in the beginning only the most powerful
ones. 97 In the Muromachi period (1333–1573), families increasingly started to
distinguish between the mainline of a family and the different branch lines – a
cause of civil war, where relatives of one family fought each other. 98 Eventu-
90
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
91
LANGE, “Japanische Wappen”, pp. 78-79.
92
HAMMITZSCH, Horst (ed.), Japan-Handbuch. Land und Leute, Kultur- und Geistesleben,
Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1990, see pp. 285-288.
93
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
94
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409; SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 129.
95
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409; ŌKUMA, Nihon no kamon jiten, p. 20.
96
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, pp. 129 and 131; HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409.
97
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
98
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
113
juLiA HArTmAnn
ally, the military purpose started to decline and the civil use of mon increasingly
predominated. Warriors started displaying their mon on ceremonial gowns (and
eventually civil clothes). 99 First fragments of rolls of arms and evidence of mon
in literary texts have survived from this time. 100
Only since the Edo period (1603–1868), a time of peace in which the mili-
tary purpose of mon had no significance anymore, individual mon were used by
all people of society. 101 Like in Europe, there were no laws which determined who
was allowed to wear a mon. In the beginning only nobles, officials and warriors
bore them. Moreover, they too were a sign of patronage and bestowing benefits.
Thus, officials or servants wore the mon of their lords. This, however, changed
with the ending of the feudal era. 102
IX. Conclusion
The comparison of the Japanese mon and the European coats of arms has
shown that although both have their origin in different cultures, these systems
have developed similarly and almost simultaneously. This is especially fascinating
since they developed without influencing each other during this process. There
are various similarities: their function as hereditary symbols of identification and
distinction and the parallels of usage. Furthermore, they emerged and evolved
in similar historical contexts (nobility – warriors). Both were of great impor-
tance and significance for the respective society and indispensable as a medium
of communication. It is especially remarkable that phenomena like canting arms
or the Japanese version of the crest (matoi) developed alongside independently.
Taking into account all the similarities and all the differences which necessarily
root in the differences of these two cultures, we could speak of mon as “Japanese
coats of arms” indeed, but with caution – and maybe even of “Japanese heraldry”.
This very diverse and promising topic is, however, still in need of further, deeper
research. Furthermore, it might open a whole new point of view, an intercultural
perspective so to speak, on the study of European heraldry.
99
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
100
HAMMITZSCH, Japan-Handbuch, p. 409.
101
SPIEGEL, “Japanese Heraldry”, p. 131.
102
LANGE, “Japanische Wappen”, p. 84.
114
PAÇO DE MOLELOS – HERÁLDICA, HISTÓRIA E
PATRIMÓNIO
Abstract: this study focuses on the heraldic patrimony of the county of Tondela. Project
by Luis Ferros (1936-2012), Manuel Ferros and Rui do Amaral Leitão, started in
2010 and with publication scheduled for this year 2017. We have chosen to publish in
115
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
this magazine the example of the Paço de Molelos because it is one of the most emble-
matic and ancient houses of the Besteiros Valley.
Introdução
116
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
117
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
Molelos - Paço
Paço de Molelos
GPS: N: 40.345160, O: - 8.060854
Heráldica I
Localização: Na fachada principal do paço,
ao centro, junto à cornija.
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Cartela em forma de escudo,
e nesta, um escudo sob elmo e
timbre, ornado de paquife.
Escudo: Armas plenas, com uma
merleta por diferença.
I - Esteves.
Timbre - Esteves (mutilado).
Material: Granito.
Época: Séc. XVI (C.B.A. de 31 de
agosto de 1542 em nome de
Henrique da Veiga, nº II na
genealogia).
Heráldica II
Localização: Na fachada do paço, sobre o
pórtico.
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Escudo de fantasia em cartela
de volutas, sob elmo e timbre.
Escudo: Partido.
I - Vieira (mal representado,
cinco em vez de seis vieiras 4);
II - Silva.
Timbre - Vieiras (mutilado).
Material: Calcário.
Época: Séc. XVII.
Notas: De Martim de Távora e Noro-
nha.
4
D. Pedro Vieira da Silva, pai do referido Martim, usou, nas suas armas, as cinco vieiras em vez
de seis.
118
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
Heráldica III
Localização: Inexistente, ficava no portão
nascente da quinta(*).
Tipo: Heráldica de família.
Descrição: Escudo sob coronel de conde
e timbre.
Escudo: Partido.
I - Magalhães;
II - Tovar.
Timbre - Magalhães.
Material: Granito.
Época: Séc. XIX.
(*) Este pórtico foi demolido num acidente
de viação nos finais do Séc. XX. Fica a
imagem do mesmo, que se encontra pintada
nos espaldares dos bancos do oratório da
casa, e nos dois bancos que foram retirados
da capela do morgado na igreja paroquial de
Molelos, a mando do pároco atual. Um dos
bancos, que tinha sido retirado para o coro
da igreja, foi recuperado para o oratório da
casa, sendo desconhecido o paradeiro do
segundo. Este brasão também se encontrava
pintado no teto de maceira do salão de
entrada, hoje inexistente.
Notas
Arquitetura civil habitacional,
edifício de planta em “L” na origem, sendo
atualmente em forma de “H” depois de
sucessivas transformações e ampliações.
Fachadas em alvenaria e cantaria de granito,
rebocadas e pintadas de branco, excetuando
alguns paramentos que abrem para o Pátio
dos Porcos e jardim, em cantaria de granito
aparente, flanqueadas por cunhais apilastrados de ordem toscana colossal e rema-
tadas em friso e cornija, sendo todos os vãos de perfil retilíneo e emoldurados a
cantaria de granito. Fachada principal, virada a NE, bastante ampla, rasgada regu-
larmente por vãos retilíneos e ostentando, sobre o portal principal, uma pedra de
119
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
120
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
fontes conhecidas. Muito perto do Paço, encontramos o lugar da Silvã, que era o
nome dado ao lugar reservado a floresta junto de uma villae romana. Em algumas
paredes da casa são ainda visíveis pedras que terão feito parte de fustes de colunas
e um silhar almofadado.
Até ao final da idade média não conseguimos obter quaisquer fontes
escritas. Sabemos que em 1101, a igreja e terras de Molelos foram oferecidas
ao mosteiro de Lorvão pelo presbítero Ermígio, e que as mesmas teriam sido
tomadas aos mouros por presúria pelos seus pais, Truquesindo e Araguntes.
Pelas Inquirições de 1258 sabe-se que a maior parte das terras estava sob
domínio dos milites Estevão Dias e Gonçalo de Sá.
A 8 de maio de 1284, D. Dinis passou uma carta de foro de um “quinhão
de Monte que chamam Salgueira que iaz em termo da aldeia de Mollelos em Terras
de Besteiros, a Savaschão Perez de Molelos e a Maria Perez sua molher e todos seus
sucessores”.
A 28 de fevereiro de 1288, D. Dinis deu nova carta de foro de um casal
em Molelos e este, por existir em publica forma no Arquivo da Casa de Molelos,
deverá ser o casal que dá origem ao Paço de Molelos. Diz a carta de foro o seguinte:
5
Chancelaria de D. Dinis - liv. 1, fl. 222.
121
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
6
Chancelaria de D. Dinis - liv. 2, fl. 69.
7
DURÃES, Margarida e Ana Maria Rodrigues - “Família Igreja e Estado - A salvação da
alma e o conflito de interesses entre os poderes”, in: JORNADAS SOBRE FORMAS DE
ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO DOS PODERES NA EUROPA DO SUL (SÉCULOS
XIII-XVIII), 1, Lisboa, 1988 - Arqueologia do Estado : actas. Lisboa: História & Crítica, [1989].
p. 817-836.
8
SOVERAL, Manuel Abranches - Ascendências Visienses. Ensaio genealógico sobre a nobreza de
Viseu. Séculos XIV a XVII, Porto, 2004, vol. 1, p. 58.
122
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
“umas casas sobradadas que partem do nascente com a rua pública e igreja e
adro dela, e do norte e poente com casas térreas do mesmo morgado, e do sul
com pátio e terreiro dele. têm estas casas uma sala grande com repartimentos de
taipa e tabuada que nela fazem quatro casas, e para a parte do poente tem uma
cozinha e uma câmara e outra antecâmara todos grandes, e a sala e câmara
bem forradas e por baixo lojas adega e tulhas e estrebarias, tem de comprido
de nascente a poente vinte e cinco varas, e de norte a sul entrando uma casa
térrea que fica à banda do norte, encostada a estas, e à entrada do pátio, o
alicerce de uma torre que à banda do sul esteve e que ainda há parte
das paredes e pedra lavrada, tem 23 varas para a banda da rua, tem
o pátio à banda do sul e poente pardieiros e alicerces de casas que o cercavam,
e o mesmo tem do poente, os quais alicerces partem todos com terras pomar e
oliveiras do dito morgado. a quinta a que chamam do paço, que parte do norte
e do poente com as casas e pátio acima, a qual toda está circuitada de parede,
tem dentro em si coisa de cento e cinquenta oliveiras e dez ou doze laranjeiras,
e uma vinha que levará quarenta homens de cava, anda bem granjeada, e
dentro da parede tem carvalhos e castanheiros, terras de monte e de pão, que
tudo levará de semeadura trinta alqueires de pão, parte do nascente com o
caminho que vai da igreja para Tondela, e do poente com o caminho que vai
para o porto da barra, do norte com o ribeiro que vai do lugar, e do sul parte
com terras do mesmo morgado”.
123
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
cidas no antigo concelho de Besteiros e das quais não existem quaisquer vestígios
materiais.
No salão de entrada do Paço de Molelos, foram descobertos nos anos 80 do
séc. XX, três nichos emparedados que correspondiam a antigas portas. Duas delas
ficam na mesma parede, em cujo seguimento se encontra a janela manuelina já
referida. A peça de torça de uma delas é feita de madeira, e tem também a quina
biselada no seguimento das ombreiras, a outra porta abre-se sob um arco de volta
perfeita, feito em tijolo “romano”, que assenta em ombreiras também de quina
biselada. Ao fundo do salão, a Sul, encontra-se a terceira porta, de aspeto mais
rude, também aberta sob um arco de volta perfeita, igualmente em tijolo, que
sugere poder ter sido a entrada no 2º piso da referida torre.
Desde os finais do séc. XV e até finais do séc. XVI, a casa foi sendo habi-
tada por Henrique Esteves, pelo seu filho, que viveu em Aveiro até à morte do pai,
e pelo seu neto, conforme diversa documentação confirma.
Em 1577, Maria da Veiga, a única herdeira de Henrique Esteves da Veiga,
2º morgado de Molelos, casa em Lisboa com Sancho de Tovar. Porque os Tovares
tinham grande parte dos seus bens na zona de Lisboa e sul do Tejo, pouco tempo
terão passado no Paço de Molelos, tendo as gerações seguintes optado por fazer
vida em Lisboa.
Alguns anos a seguir à Restauração, em 1651, a herdeira da casa, Ana de
Tovar, ainda menor de idade e já órfã de pai e mãe, estava recolhida, junto com
suas irmãs, no convento de Santos. O seu tutor era Gaspar Faria de Severim 9, que
por ter notícia dos abusos e roubos que sofriam os bens do morgado por parte dos
seus procuradores e outros, mandou confirmar os bens e organizar o Tombo do
Morgado de Molelos, empresa que só viria a estar finalizada oito anos mais tarde.
Coincidência ou não, este Gaspar Faria de Severim foi Secretário de Estado
de D. João IV ao mesmo tempo que D. Pedro Vieira da Silva, futuro bispo de
Leiria, e foi com um filho deste último que casou a morgada de Molelos, a já refe-
rida Ana de Tovar. Por sua vez, a filha desta irá casar com o tio, também filho de
D. Pedro Vieira da Silva. Terá sido, provavelmente, Martim de Távora e Noronha
o responsável pelas obras na fachada principal que a transformaram no que hoje
conhecemos e o detentor do brasão que se sobrepõe ao pórtico principal. A sua
presença em Molelos comprova-se pelo grande número de assentos paroquiais
onde figura como testemunha.
Por essa altura, a casa teria pouco mais do que a dimensão da fachada
principal e do núcleo manuelino. Durante o séc. XVIII foram compradas diversas
9
Comendador de Moura na ordem de Avis, secretário das mercês de D. João IV, conselheiro de
Estado de D. Afonso VI, poeta, genealogista, etc.
124
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
casas que eram contíguas ao Paço e o mesmo foi sendo sucessivamente aumen-
tado até à planta que hoje conhecemos. Foi último morgado de Molelos o Dr.
António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque, que morreu no seu Paço
de Molelos a 3 de maio de 1920.
De 1920 a 1970 a casa foi utilizada com muito pouca regularidade, o que
levou a uma forte degradação do edifício. A partir desta época a casa passou a
ter ocupação sazonal, tendo inicialmente passado por pequenas recuperações de
estruturas, e algumas intervenções ao nível da cobertura.
Nos anos 80 do século passado, a pedido da então chamada Comissão de
Moradores de Molelinhos, foi doada uma faixa de terreno da quinta, junto ao
caminho que seguia da igreja para Molelinhos, de forma a que se construísse a
atual estrada do cruzeiro.
No final da década de 1990 foram detetadas fissuras no imóvel que amea-
çavam o desmoronamento de toda a fachada principal.
Como resposta às intervenções urgentes que a casa necessitava, foi deci-
dido pelos proprietários, em negociação com a Junta de Freguesia de Molelos,
lotear uma parcela de terreno a Sul da quinta. Do negócio referido, ficou deci-
dido que a Junta de Freguesia de Molelos assumiria todas as despesas inerentes ao
processo de loteamento, e obras de infraestruturas, e que em troca receberia dos
proprietários, os “Passais” 10, cerca de 40.000m2 de terreno agrícola junto à igreja
de Molelos. Assim dizia o acordo, mas, e embora os “Passais” tenham ficado de
facto para a Junta de Freguesia de Molelos, as obras de loteamento viriam a ser
inauguradas anos mais tarde pelo presidente da Câmara Municipal de Tondela,
como tendo sido uma requalificação do local, e não um processo de loteamento
particular, pago com 4 hectares de terreno, conforme placa que hoje se pode ver
no local. Coisas da política…
Em 1998 a casa passou a ser permanentemente habitada, e no ano de 2000
fizeram-se as obras de restauro e consolidação da estrutura das fachadas, cobertura
rebocos e pintura. Foi um projeto executado pela empresa S.T.A.P., com o apoio
técnico da Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, mas totalmente
custeada pelos proprietários, que para o efeito, lotearam uma faixa da quinta,
a Sul, conforme anteriormente se referiu. Nos últimos anos tem sido privile-
giado o restauro dos espaços interiores, tendo já sido recuperada toda a ala Este,
e muito recentemente, o oratório da casa. A quinta encontra-se certificada para
a produção em modo biológico, sendo os principais produtos o mirtilo, desde
2001, e o cogumelo shiitake em 2014.
10
Uma parcela destes Passais já tinha sido doada à Paróquia de Molelos, alguns anos antes, para a
construção do Centro Social de Molelos, junto à igreja.
125
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
Genealogia
Ramo I
11
Existe alguma polémica em relação a esta Carta de Brasão de Armas. No suplemento de “Brasões
Inéditos”, Sousa Machado faz uma curta referência a esta carta, informando apenas que foi
passada a 25 de maio de 1509, em nome de Henrique Esteves, morador em Besteiros, filho de
João Esteves e neto de Leonardo Esteves. Em 1995, o Sr. Barão de São Roque, publicou nesta
revista (VI Série - Tomo VI - 1995), a transcrição de uma cópia notarial, passada em Aveiro,
em 1737, de uma certidão, pedida em 22 de setembro de 1509, por Vasco Henriques, filho de
Henrique Esteves. Segundo o mesmo autor, trata-se de uma C.B.A. falsa, embora “centenária”.
A principal razão invocada prende-se com a diplomática do documento, argumentando que as
expressões usadas não correspondem às utilizadas na época, apontando também, sem grandes
desenvolvimentos, a questão das armas atribuídas serem dos Fazendas e não as dos Esteves.
Nesta mesma revista, no número seguinte (VII Série - Tomo I - 1996), o autor João António
Portugal veio opor-se a esta tese, argumentando que se conhecem outras cartas de armas do
mesmo período, tidas como verdadeiras, onde os textos são semelhantes. Não nos cabendo a nós
a análise formal do documento, e reconhecendo a falta de autoridade para nos pronunciarmos
acerca da sua autenticidade, podemos no entanto afirmar que há de facto algo que não bate
certo, principalmente no que respeita às armas atribuídas, as dos Fazendas. São várias, e algumas
muito discutíveis, as ascendências prováveis de Henrique Esteves, pelo que se torna um caminho
arriscado tentar encontrar nele uma ascendência de Fazendas que justificasse a atribuição dessas
mesmas armas, até porque se há um aspecto em que os genealogistas parecem concordar, é
que seu pai se chamava João Esteves e este era filho de um Leonardo Esteves. Também as
C.B.A.’s dos seus descendentes conhecidas, tal como esta que tratamos, os referem como sendo
da linhagem e geração dos Esteves. Por outro lado, se a Henrique Esteves foram atribuídas armas
de Fazendas, porque é que nenhum dos seus descendentes as usou? Este filho Vasco Henriques,
que pediu a certidão e que curiosamente não é citado no testamento de Henrique Esteves, teve
um filho chamado Manuel Henriques Barreto, a quem foi atribuída C.B.A. em 13 de fevereiro
de 1540, com um esquartelado de Esteves e Barretos e timbre de Esteves. Da descendência
de outro filho de Vasco Henriques, de seu nome Francisco Henriques Barreto de Quadros,
conhecemos a pedra de armas da Quinta de Cacía, Aveiro, onde encontramos as mesmas armas
de Esteves no timbre e no primeiro quartel, seguindo-se as armas de Henriques, Rangeis e
Quadros, juntamente com a data 1683. Outro filho de Henrique Esteves, logo, irmão de Vasco
Henriques, foi Henrique da Veiga, 1º morgado de Molelos, a quem foram atribuídas em 31
de agosto de 1542 armas plenas de Esteves com uma merleta preta por diferença. Também foi
filho de Henrique Esteves, Fernão Nunes Esteves da Veiga, que herdou a Honra de Nandufe.
Dele não se conhecem armas, mas seu neto, que nasceu Diogo Esteves da Veiga e morreu Diogo
Esteves da Veiga e Nápoles, teve Carta de Brasão de Armas passada a 20 de maio de 1637 para
126
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
mercê de uma tença anual de 10.000 reais brancos, a serem pagos a partir de
janeiro de 1476 12.
Nas palavras de Felgueiras Gayo: “porque deixando os serviços que lhe fez
neste reino, e em África, o serviu mais de um ano na guerra de Castela quando foi
da Excelente Srª com mais de 50 homens à sua custa de pé e 22 de cavalo aos quais
chamou o dito rei serviços de eterna memória por ser um grande gasto que fez na dita
guerra, e lhe mandou o rei pagar estando na batalha do Toro um cento de libras da
moeda antiga que ainda se lhe devia do casamento de seu avô Leonardo Esteves em a
cidade de Samora”.
Instituiu a Capela do Espírito Santo no Convento de Orgens em Viseu,
ao qual doou um cálice dourado e galhetas de prata, e onde foi sepultado 13. Em
11 de abril de 1506, doou ao convento de Jesus de Aveiro, onde sua filha Joana
Henriques professou, umas casas na Rua Direita, as quais “herão sobradadas, com
seu exido e posso e limoeyro e larangeiras, que partião com chão do dito convento”,
com condição de não as poderem vender. No Séc. XVIII estavam aforadas a João
António Rangel.
Instituiu a capela e morgado de Molelos em nome de seu filho segundo,
Henrique da Veiga, por testamento de mão comum com a sua mulher, feito em
Molelos a 16 de maio de 1520. Neste testamento 14 o casal instituiu também o
morgado de Nandufe, no seu filho primogénito, Fernão Nunes.
Henrique Esteves era Filho de João Esteves, fidalgo que viveu em Besteiros,
grande letrado, do conselho de el-Rei D. João I, que lhe fez mercê de muitas
terras, entre elas a da Veiga de Santa Maria, que depois perdeu por ter tomado o
partido do infante D. Pedro na batalha de Alfarrobeira (foi deste senhorio que
lhe veio o apelido “Veiga”). Era neto paterno de Leonardo Esteves, legitimado
pelo seu pai, João Esteves, a 23 de março de 1448, conforme consta na folha 119
da Chancelaria de D. Afonso V, em legitimação passada por Afonso Fernandes
Veigas (de Nápoles) facto que não nos ajuda para o caso que estamos a tratar e que em si só dava
um artigo.
12
Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 7, fl. 104.
13
A capela do Espírito Santo ficava do lado do evangelho, contudo, com a reedificação do séc. XVII,
a capela foi trasladada de lugar, passando para a zona da nave, no lado do evangelho, tendo-se
perdido parte do epitáfio gótico da sepultura, a pedra de armas e a cruz, que foi reutilizada no
remate da empena da igreja. Os herdeiros do fundador abandonaram-na, passando a ser reparada
pelos frades, mas perante o declínio do culto do Espírito Santo, frei Marcos transformou-a em
portaria, no ano de 1693 (monumentos.pt).
14
Aparece mencionada no testamento uma Marinha Fernandes, que os autores não conseguem
entroncar na família. Transc.: “assim mandara dizer o dito administrador em cada um ano por dia
dos santos, três missas pela alma de Marinha Fernandes, porque esta quinta é obrigada toda, uma
cantada e duas rezadas”.
127
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
Trigo 15. Casou com Filipa Nunes, f. a 9 de fevereiro de 1531 16, irmã de Lopo
Fernandes de Azevedo 17. Esta fez um codicilo ao testamento de mão comum com
seu marido, em Molelos, a 7 de fevereiro de 1525, em que, além do mais, manda
que a sepultem na capela-mor da igreja de Molelos, à qual deixa também “uma
cruz de três marcos de prata.” e que se “mande dizer um trintário em São João de
Nandufe”. Deixa a sua terça disponível a seu filho Henrique com a “condição que
lhe mande alevantar, à Igreja de São Pedro, todo um covado, e por dentro a mandará
rebocar de cal, e que mande ladrilhar a dita capela de tijolo vermelho da terra, e mais,
que lhe mandem dizer em toda a sua vida dele, dito Henrique da Veiga, uma missa
em cada dia dos finados com um responso sob sua sepultura”. Era filha de Fernão
Nunes Cardoso, Fidalgo da Casa Real, senhor da Torre do Quintal, onde viveu,
e das honras do Telhado, de Real, Molelos, Botulho, Nandufe, Castanheira, Stª
Ovaia, Casais de Vila Verde, etc. e de sua 2ª mulher Leonor de Azevedo.
Filhos:
15
A.N.T.T. - Genealogias manuscritas, Genealogias de Pombal, 21F, 46 - TTº Veigas.
16
NÁPOLES, João Carlos Metello - “Linhagem dos Nápoles”, in: Revista Beira Alta, 2009.
17
Juiz ordinário do Concelho de Besteiros (conforme refere no codicilo do dito testamento),
Escudeiro fidalgo da Casa do Rei D. Manuel, Corregedor-mor das comarcas da Beira e Riba-Coa
(1511-17), presidente do Senado da Câmara de Viseu (1511-17) e fidalgo das Casas de Dom
João II e Dom Manuel I. Instituiu o morgadio de S. Sebastião de Besteiros.
18
Dá-se a separação das Honras de Nandufe e Molelos, seguindo o morgado de Nandufe na
descendência de Fernão Esteves da Veiga, e o de Molelos na de Henrique da Veiga.
19
MAIA, Luís da Gama Ribeiro Rangel de Quadros e - Genealogias de famílias nobres aveirenses,
Oficinas Gráficas de Coimbra, Aveiro, 1957.
128
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
20
Certidão original passada pelo Real Arquivo da Torre do Tombo a 30 de janeiro de 1804,
existente no arquivo da casa.
21
A.N.T.T. - Corpo Cronológico, Parte II, mç. 109, nº 121.
22
Exerceu no Desembargo do Paço e fez exame em Lisboa a 23 de abril de 1550 perante quatro
desembargadores, tendo sido aprovado por todos. Foi despachado para a Guarda em 8 de julho
de 1550.
23
C.R. de 18 de março de 1564.
24
A.R. c/ força de carta de 15 de maio de 1566.
25
C.R. de 17 de janeiro de 1568.
26
A.D.A. - Arquivo do Districto de Aveiro, nº 163, Aveiro, C.M.A., 1975.
27
“III Jornadas de Estudo - Norte de Portugal - Aquitânia”, in: Actas, Pub. da Univ. do Porto,
1996, p. 401.
129
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
para 20$000 reis o ordenado do recebedor das sisas” 28. Fez testamento em Lisboa,
no Paço da Ribeira, aos 8 de agosto de 1575, escrito por seu primo António
Henriques, e aprovado no mesmo dia. Manda que seja sepultado na Capela do
Bispo de Coimbra, D. Gil Alma, no Mosteiro de S. Domingos de Lisboa de que
é administrador, caso não haja litígio sobre a sua posse. Havendo, que seja enter-
rado na Sé de Lisboa, na sepultura de seu sogro, o Licenciado Jorge Afonso (pai
da 2ª mulher). Casou 1ª vez 29 com Leonor de Ortiz, filha de Fernão de Ortiz de
Vilhegas, fidalgo da casa do rei D. João III, chantre da Sé de Viseu e abade de São
Salvador de Castelões. Foi ele que mandou construir a Casa do Miradouro em
Viseu 30. Era sobrinho de D. Diogo de Ortiz de Vilhegas 31. Casou segunda vez
com Violante do Quintal 32, filha do Licenciado Jorge Afonso. Morreu em Lisboa,
na Sé, aos 20 de agosto de 1589. Fez testamento nomeando testamenteiros o
Bispo da Guarda e Tristão de Azevedo. Está sepultada na Sé de Lisboa junto ao
coro 33. Não houve filhos deste 2º casamento.
Filha:
28
FARIA, Lopes João - Efemérides Vimaranenses : 18 de Setembro - em http://pedraformosa.blogspt.
com/2007/09/efemerides-vimarenenses-18desetembro.html.
29
SOUSA, D. António Caetano de - História Genealógica da Casa Real - vol XII, p. 340.
30
A Casa do Miradouro em Viseu foi mandada construir na 1ª metade do séc. XVI por D.
Fernando Ortiz de Vilhegas. Herdou-a sua filha, D. Leonor Ortiz, e ficou na descendência desta
até 1750, quando foi comprada por Luís António de Almeida, Tesoureiro-mor, que procedeu a
grandes remodelações e ampliações e colocou lá o seu brasão com as armas plenas de Almeidas.
Passando pela posse da família dos morgados de Torredeita, foi vendida ao advogado Dr. Ribas
de Sousa, acabando por ser comprada pelo Senado da Câmara de Viseu em 1982, para lá ser
instalada a sede da então criada, Região Turística do Dão-Lafões (in: ALVES, Alexandre - “Notas
e Comentários”, Revista Beira Alta, XLII, vol. 2, 1983).
31
Foi o primeiro bispo de Ceuta, Capelão-mor e testamenteiro de D. João II, bispo do Algarve e
depois de Viseu, grande matemático. Sagrou a Sé de Viseu em Julho de 1516 e a reedificou de
novo. Tomou por armas uma estrela. Morreu em Almeirim em 1519 e está sepultado em Santa
Maria da Serra.
32
Violante do Quintal instituiu um morgado que deixou à neta do seu marido, Violante de
Vilhena (nº VIII - 2) que casou com Henrique Jaques de Magalhães, com obrigação de este
morgado sempre andar em fêmeas que se deveriam chamar Violante.
33
PRESTAGE e AZEVEDO, Edgar e Pedro - Registo da freguesia da Sé desde 1563 até 1610,
Coimbra, 1927, Imprensa da Universidade, 2º vol, p. 340.
130
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
ferido e feito cativo, sendo depois remido, já viúvo de D. Maria de Sousa 34 sua
1ª mulher. Na batalha de Alcântara foi capitão de cavalos por D. António prior
do Crato. Era filho de Pedro de Tovar 35 e sua mulher Brites de Vilhena ou da
Silva, a quem o mesmo matou, “por uma simples desconfiança” 36. Neto paterno de
Sancho de Tovar, 6º senhor de Cevico e de Boca de Huérgano, Capitão de Sofala
e comandante de uma das naus da armada de Pedro Álvares Cabral que viajou
pela primeira vez ao Brasil em 1500.
Filho:
34
Filha de João Rodrigues de Sequeira, o da “Banda de Além”.
35
Depois de viúvo de D. Maria da Veiga, casou em terceiras núpcias com D. Isabel de Castro, filha
de Cristóvão de Melo e de D. Luísa de Barros.
36
HENRIQUES, Nuno Gorjão e Miguel Gorjão Henriques - Gorjão Henriques, sl, 2006, vol. 1,
p. 555.
37
A.N.T.T. - Índex das notas de vários Tabeliães, Tomo I, fl. 41.
38
A.P.M. – “Documentos de Família” in: Códice facticio do Arquivo do Paço de Molelos, fls. 74 -
certidão passada pela Torre do Tombo e extraída do Liv. 38 da Chancelaria de Filipe III, fl. 259
vº.
39
A.N.T.T. - Índex das Notas de Vários Tabeliães - Tomo I, p. 41.
131
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
nasceu em local e data que ignoramos, e morreu depois de 1637, dado que ainda
vivia no estado de viúva e era tutora de seus filhos, quando prorrogou o contrato
de arrendamento de umas lojas de que era senhoria. Morava então em Lisboa, à
Misericórdia, na casa que havia sido de seu marido 40. Era filha de Afonso Carcome
e Figueiroa e sua mulher D. Luísa de Vargas, neta paterna de Diego de Cárcamo y
Angulo e de Mencia de Figueroa, e materna de Pedro Vargas e Sancha Ponce de Leão.
Filho:
40
Idem - ibidem, Tomo 3º, p. 129.
132
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
Casou com Catarina Vicência da Silva, filha de Manuel Giz natural de Sacavém
no termo de Lisboa.
Filho:
41
Alvará de 14-11-1779.
133
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
de abril de 1801, e de sua mulher e prima D. Clara Maria Pinto Boto, falecida a
27 de março de 1801.
Filha:
42
Embora sem efetividade oficial deste título.
43
Carta de 23 de setembro de 1851, igualmente sem efetividade oficial durante o período de
monarquia constitucional.
44
Sem efetividade oficial durante o período de monarquia constitucional.
134
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
Ramo II
45
Título criado por D. Carlos I, rei de Portugal por decreto de 3 de agosto de 1907 a favor de
António de Assis Teixeira de Magalhães, 1º conde de Felgueiras.
135
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
46
Por alvará do Conselho de Nobreza de 16 de outubro de 1973.
47
Por alvará do Conselho de Nobreza de 28 de novembro de 1987.
136
pAço de moLeLos – HeráLdicA, HisTóriA e pATrimónio
com que, quer o cinema, quer o teatro, não mais o deixassem de chamar 48; passou
pelas maiores companhias de teatro das décadas de quarenta e cinquenta, como a
companhia Rey-Colaço/Robles Monteiro 49; foi agraciado pelo Presidente da Repú-
blica 50 com a comenda da Ordem Militar de São Tiago de Espada, a 10 de junho
de 1995; e de Maria Luísa Perry Vidal Gaya, que nasceu em Lisboa, Coração de
Jesus, a 24 de outubro de 1906 e faleceu em Cascais, São João do Estoril, a 26 de
fevereiro de 2000.
Filhos:
48
Filmografia de Paiva Raposo: 1935 - As Pupilas do Senhor Reitor, Leitão de Barros; 1940 - Pão
Nosso, Armando de Miranda; 1946 - Camões, Leitão de Barros; 1946 - A Mantilha de Beatriz,
Eduardo Garcia Maroto; 1947 - Aqui Portugal, Armando de Miranda; 1949 - A Morgadinha
dos Canaviais, Caetano Bonucci; 1959 - O Primo Basílio, António Lopes Ribeiro; 1959 - O
Passarinho da Ribeira, Augusto Fraga; 1962 - Um Dia de Vida, Augusto Fraga; 1987 - O Desejado
- As Montanhas da Lua, Paulo Rocha.
49
Participou em centenas de peças, tais como: Um Marido Ideal e É Preciso Viver ambas em 1946;
Outono em Flor e Espada de Fogo ambas em 1949; Nau Catrineta em 1951; A Ceia dos Cardeais
em 1952; A hora da Fantasia em 1954; As Árvores Morrem de Pé em 1965, entre muitas outras.
50
Dr. Mário Soares.
137
LUÍS FERROS, MANUEL FERROS E RUI DO AMARAL LEITÃO
138
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE
PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES NA COLEÇÃO DO
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
Abstract: coins are excellent sources for understanding a particular historical period
because they carry a rich set of information about economical, political and cultural
aspects of the society that generated and consumed them. In this article, the authors
analyze a set of coins of the United Kingdom of Portugal, Brazil and Algarves period
(1815-1822), present in the Numismatic Collection of the National History Museum,
139
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
from the point of view of the object as a documentary source. Through consultation
with specialized catalogs, collection survey in storage, analysis of the intrinsic and
extrinsic attributes of the selected material, and based on the concepts of material
culture and musealization, we sought to understand the meaning and the context of
the simbolic aspects present in the coins of this United Kingdom.
Introdução 1
1
Uma versão deste artigo foi publicada, com pequenas alterações, na revista brasileira Tempo
Amazônico.
140
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
141
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
estava longe, posto que a moeda, por seu valor intrínseco, era querida em
qualquer âmbito” (GARCÍA-BELLIDO, 1992, p. 237 – tradução nossa).
142
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
(...) Faço saber aos que a presente carta lei virem, que tendo sido servido
unir os meus Reinos de Portugal Brazil e Algarves, para que juntos consti-
tuissem, como effectivamente constituem um só e mesmo Reino, é regular
e consequente o incorporar em um sí Escudo Real as Armas de todos os
tres Reinos (...) e occorrendo que para este effeito o meu Reino do Brazil
ainda não tam Armas que caracterisem a bem merecida preeminencia a
que me aprouve exaltal-o: Hei por bem, e me praz ordenar o seguinte.
I. Que o Reino do Brazil tenha por Armas uma esphera armillar de ouro
em campo azul.
II. Que o escudo real Portugues, incripto na dita esphera armillar de ouro
em campo azul, com uma Corôa sobreposta, fique sendo de hoje em diante
as armas do Reino Unido de Portugal e do Brazil e Algarves, e das mais
partes integrantes da minha Monarchia.
III. Que estas novas armas sejam por conseguinte as que uniformemente
se hajam de empregar em todos os estandartes, bandeiras, sellos reaes e
143
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
cunhos de moedas, assim como em tudo mais em que até agora se tenha
feito uso das armas precedentes [...]. 2
2
PORTUGAL, Carta de Lei de 13 de maio de 1816.
144
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
Brasil Portugal
145
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
146
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
147
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
148
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
5
SEIXAS, Miguel Metelo. As Armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Olisipo,
Lisboa, II série, n.º 14, p. 110-127, 2001, p. 116.
149
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
outro valor: “UTILITATI PUBLICÆ”. Estas palavras, que podem ser traduzidas
como “utilidade pública” ou “para utilidade pública”, tem relação direta com o
propósito de criação da moeda. Esta pesada moeda de bronze foi um recurso
utilizado desde 1811, pelo Estado português, para sanar problemas econômicos
de ordens variadas.
As amoedações com valores de 10, 20, 37 ½, 40, 75 e 80 réis, cunhadas em
cobre, a partir de 1818 no Brasil, apresentavam no reverso a legenda: “PECUNIA
TOTUM CIRCUMIT ORBEM”, que pode ser traduzida como “o dinheiro
circula pelo mundo todo”. Por possuírem menor valor comercial, essas moedas
eram, certamente, as mais vistas pela grande maioria da população. Não há uma
explicação definitiva para a seleção dos dizeres destes valores, mas a questão da
circulação do dinheiro pode, entretanto, ser associada à intenção do Estado sob
duas óticas diferentes: a primeira diz respeito à afirmação frente aos súditos acerca
da grandiosidade dos domínios da Coroa que, à época, espalhavam-se por 4
continentes; em segundo lugar, a legenda em questão pode ser encarada como
uma orientação para a dinamização da economia através da circulação da moeda,
haja visto que em diferentes ocasiões tanto a capital quanto as colônias passaram
por dificuldades devido à escassez de meio circulante.
Uma questão que foge ao teor das legendas, mas é de importante
compreensão para o pesquisador que se depara com as moedas produzidas em
território Português, durante o período em questão, é o acréscimo percentual dos
seus valores. Algumas amoedações da época – como mostra o quadro abaixo –
apresentavam valores diferentes dos praticados.
Essa diferença, entre o que consta na moeda e seu valor de mercado, deve-se
a uma legislação expedida pelo Rei Pedro II de Portugal mais de um século antes
de nosso período de estudo. Em 4 de agosto de 1688, o então rei português
levantou em 20% o valor das moedas de prata e ouro correntes do reinado. O
objetivo desta mudança conta no próprio conteúdo da lei:
150
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
Considerações finais
6
PORTUGAL, Lei monetária de 4 de agosto de 1688.
7
Para melhor compreensão destes aspectos, consultar LIMA, 2005.
151
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
Referências
BRUNO, Maria Cristina Oliveira, “Museologia: algumas ideias para a sua orga-
nização disciplinar”, Cadernos de Sociomuseologia. Lisboa, ULHT, nº 9, (1996),
pp. 9-33.
152
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
153
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
154
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
155
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
Reverso
156
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
1818, 1819 e 1821, Escudo, Reino Unido, Casa da Moeda de Lisboa - Ouro
Anverso 1600 Réis 1821 Ouro Ø20mm Peso3,58g
Anverso: Reverso:
No campo, busto lau- No campo, Brasão do Reino Unido de
reado de D. João VI, Portugal, Brasil e Algarves, encimado
orientado à direita. pela Coroa Real, ladeado por ramos de
Na legenda a inscrição café e tabaco que se cruzam nas extremi-
JOANNES. VI. D. G. dades inferiores.
PORT. BRASIL. ET.
ALG. REX.
Reverso
157
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
158
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
159
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
160
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
161
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
162
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
163
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
164
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
165
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
166
ANÁLISE DAS CUNHAGENS DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES...
167
PAULA MOURA ARANHA E PEDRO COLARES HERINGER
168
A HERÁLDICA DOS BEATLES.
DE LIVERPOOL A BUCKINGHAM
Resumo: este artigo começa por contar o início da história dos famosos Beatles, desde
a sua cidade natal, Liverpool, passando pela decadente Hamburgo, e mostrando a
sua ascenção prodigiosa até ao lançamento do primeiro single. Na segunda parte, indi-
vidualmente, descreve a origem de cada um dos membros da banda e o lugar onde
viveram. Numa terceira parte, com base na publicação inglesa Burke’s (1938), faz-se
uma pequena abordagem à Ordem do Império Britânico e aos Cavaleiros Bacharel para
enquadrar o momento em que os FAB 4 de Liverpool são agraciados como Membros do
Império Britânico. A parte final do trabalho descreve uma análise crítica sobre os brasões
de armas concedidos a Sir Paul McCartney e a Sir George Martin, produtor da banda.
Abstract: this article starts at the beginning of the story of the famous Beatles, from their
hometown, Liverpool, through decadent Hamburg, and showing their prodigious rise
until the release of their first single. In the second part it describes the origin of each of
the members of the band individually and the places they lived. In a third part, based
on the english publication Burke’s (1938), an extract from is made to the Order of the
British Empire and to the Knights Bachelor to frame the moment in which the FAB 4
of Liverpool are graced as Members of the British Empire. The final part of the work
describes a critical analysis of the coat of arms given to Sir Paul McCartney and Sir
George Martin, the band’s producer.
169
duArTe viLArdeBó Loureiro
“The Beatles were so big that’s it’s hard for people not alive at the time to realize
just how big they were... They were huge!”
1. O início
170
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
quer outra banda, o objectivo principal de John é actuar ao vivo para o maior
número de pessoas. E para isso, qualquer lugar serve! Até no meio da rua, se for
preciso, ou em festas de amigos. E foi esse o
desejo de John!
O dia 6 de Julho, desse ano de 1957,
vai alterar para sempre o rumo da História da
música popular. Os Quarry Men actuaram
na festa da Igreja Paroquial de St. Peter, em
Woolton, e para assistir ao concerto, Ivan
Vaughan levou um amigo do Liverpool
Institute para ir vê-los tocar. No final, fez
questão de apresentar a John o seu amigo:
Paul McCartney! No início, John foi frio
no trato como sempre, mas passado pouco
tempo, quando Paul mostrou que sabia
tocar bem e até afinar uma guitarra, este
jovem rapaz de quinze anos foi convidado
para entrar para a banda. E tinha outra coisa
em comum com Lennon: também gostava
de compôr. E a dupla estava formada!
Pela primeira vez, no dia 7 de Agosto, 6
os Quarry Men tocaram no Cavern Club, Fig. 1 - Programa da festa da Igreja de St.
Peter. (Rep. / Col. do Autor)
em Liverpool. Paul McCartney não esteve
presente por estar num acampa-
mento de Verão dos escuteiros. O
Cavern era uma antiga adega que
tinha sido usada durante a
segunda Guerra Mundial como
abrigo. O bar, situado no número
10 da Mathew Street, abriu as
suas portas em Janeiro de 1957,
pela mão de Alan Sytner, que
tinha planeado fazer um local
semelhante ao “Le Caveau Fran-
çais”, um clube de jazz parisiense, Fig. 2 - Cartão de Visita dos Quarry Men. (Rep. / Col.
do Autor)
biógrafos darem a autoria ao primeiro. Aqui neste trabalho, decidimos adoptar a grafia usada no
cartão de visita da banda.
6
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 14-15.
171
duArTe viLArdeBó Loureiro
172
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
criação do Liverpool Institute for Performing Arts (LIPA) em 1995. Paul McCartney continua
intensamente ligado ao LIPA, comparecendo todos os anos à entrega de diplomas e também
dando aulas ao seus estudantes. In JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide,
Liverpool, Liverpool History Press, 2014, pp. 28-31.
13
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 45-49.
14
INGHAM, Chris, The Rough Guide to The Beatles, London, Rough Guide Limited, 2003, p. 6.
15
Mark Lewisohn escreve no “The Complete Beatles Chronicle”, na página 13, que os Quarrymen
estavam todos na sessão com a excepção da participação de Colin Hanton e que este não estava
presente nesta sessão de gravação em Kensington, Liverpool, no Verão de 1958. Mas segundo
as próprias palavras de Paul McCartney numa entrevista a Lewisohn, para além de John, Paul e
George, estavam presentes Colin Hanton na bateria e Duff Lowe no piano, este último amigo
da escola de McCartney. Mas nesta mesma entrevista McCartney também se engana ao afirmar
que é ele que está na voz principal. Na verdade é Lennon e Macca está apenas nas harmonias.
Nos áudios desta sessão, pode-se ouvir perfeitamente a bateria como parte do conjunto. A
música “In Spite of All The Danger” foi baseada na música “Tryin’ to Get to You”, do primeiro
álbum editado no Reino Unido por Elvis Presley. In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles
recording sessions - The Official Story of The Beatles Abbey Road Years, Introductory interview with
Paul McCartney, London, EMI Records Limited, 1988, pp. 6-7.
16
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 176-179.
17
ROBERTSON, John, The Art & Music of John Lennon, London-New York-Sidney, Omnibus
Press, 1990, p. 4. (Nota do Autor: John Robertson é o pseudónimo de um distinto jornalista
musical britânico. Existem fortes indícios para que Robertson seja na realidade Peter Doggett,
jornalista e colaborador das revistas Record Collector, Mojo, Q e GQ, com um extenso trabalho
escrito sobre os Beatles.)
173
duArTe viLArdeBó Loureiro
membros, Ken Brown, perguntou a Harrison se tinha alguma solução para resolver
o problema. George chamou John e Paul e, juntamente com Brown, actuaram no
Casbah durante seis semanas, todos os sábados, até ao dia 10 de Outubro de 1959.
Devido a confusões com pagamentos, John, Paul e George foram-se embora
e deixaram de tocar no bar e com Ken. Após estas semanas, com alguma experiência
e confiança, os Quarry Men inscreveram-se para participar, em Manchester, no
concurso de talentos de Carroll Levis, mas re-baptizam temporariamente o nome
da banda para Johnny and The Moondogs. Por causa de algumas eventualidades,
a meio da participação, tiveram que voltar para Liverpool principalmente por não
terem dinheiro onde passar a noite. 18 O ano de 1959 acaba numa dissipação nebu-
losa sem muitas expectativas para o futuro próximo da banda.
Começa agora uma nova fase... e um novo ano de 1960!
Em Janeiro do novo ano, John traz o seu amigo íntimo e colega no Art
College, para a banda. Stuart “Stu” Sutcliffe, um artista original e brilhante, de 19
anos de idade, não tinha qualquer ambição nem talento musical. Após ter ganho
algum dinheiro com os seus quadros na Bienal John Moores Exhibition, uma
exposição na célebre Walker Art Gallery, em Liverpool, John conseguiu convencê-
-lo a “investir” essa quantia num baixo eléctrico, um Höfner President.
Liverpool é uma cidade portuária onde chegava facilmente bastante merca-
doria vinda dos Estados Unidos através dos navios mercantes. Para os jovens
rapazes daquela época, o principal era obter discos de música vinda do outro
lado do Atlântico, como Elvis Presley, Eddie Cochran, Bill Haley, etc. Um desses
artistas que John Lennon admirava bastante era Buddy Holly and The Crickets.
Influenciado pela nome Crickets (grilos, em português), surgiu-lhe a ideia de
Besouros (Beetles, em inglês), e resolveu fazer um trocadilho com o termo musical
Beat. 19 Numa entrevista para o jornal Mersey Beat, 20 John Lennon afirma que o
18
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 12-13.
19
ERWING, John, The Beatles, London, Carlton Books, 1994, p. 18.
20
Mersey Beat, publicação musical que se editou entre meados de 1961 e o final 1964. Mersey
Beat é também a designação genérica para o pop/rock originário das centenas de conjuntos
musicais, provenientes da região de Merseyside, com Liverpool à cabeça, do final da década
de 50 e início de 60, do séc. XX. Saber qual surgiu primeiro, é o mistério, mas uma coisa
é certa, a ligação é umbilical. Em 1961 Liverpool era um viveiro de conjuntos de rock’n’rol,
embora não passassem de êxitos locais, tirando algumas excepções, como Billy Fury, que teve
êxito a nível nacional. Perante este cenário, Bill Harry, que era amigo de muitos dos músicos da
época, tendo sido colega de escola de John Lennon, ou de elementos dos Rory Storm and The
Hurricanes, Derry and Seniors ou dos Cass and The Cassnovas, verdadeiras estrelas da região
de Merseyside, tinha pretensões a jornalista, começou a registar tudo o que ia acompanhando.
Desde concertos a alterações nas formações ou curiosidades sobre o meio musical de Liverpool,
do qual era testemunha privilegiada. A ideia de editar um jornal sobre a musica local, surgiu
174
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
nome Beatles surgiu-lhe numa visão, em que um homem em cima de uma torta
em chamas (flaming pie) 21 lhe disse: “A partir de hoje vocês vão chamar-se Beatles,
com um A!” 22 23
Segundo Hunter Davies, não há certeza de quem foi ao certo o “autor” do
nome The Beatles. Mas pensamos que não é bem assim! Paul e George recordam
que foi John que um certo dia veio com a ideia. E Lennon ainda chegou a pensar
em Crickets, o que provocou o riso em McCartney por já existir uma banda com
esse nome. 24 John e Stu viviam no mesmo apartamento no número 9, da Gambier
Terrace, em Liverpool. 25 E sabe-se que foi no seu apartamento que numa noite o
nome surgiu. Stuart Sutcliffe ainda sugeriu que fosse Beatals, mas Paul e George prefe-
riram a versão de Lennon. Foi aqui que nasceu o nome da banda: THE BEATLES!
depois de ver goradas as tentativas de publicar os seus artigos no “Liverpool Echo” ou no “Daily
Mail”, jornais generalistas que não davam qualquer importância à emergente cultura juvenil
ligada ao rock n rol. As publicações nacionais, “Melody Maker” ou “New Musical Express”,
apenas publicavam sobre os grupos que atingiam o estrelato nacional, pelo que também não
eram alternativa para os artigos de Bill Harry. Tendo arranjado um financiador, avançou então
com a publicação quinzenal do “Mersey Beat”, dedicado ao fenómeno musical local, e tendo
beneficiado também do crescimento deste, essencialmente através de bandas como Gerry and
The Pacemakers, Searchers e, acima de todos, The Beatles, com os quais sempre teve relações
muito próximas. Através da já referida amizade com Lennon, este escreveu vários artigos para
o “Mersey Beat” nos primeiros anos. Mas também através de Brian Epstein, futuro empresário
dos Beatles e proprietário de uma das maiores lojas de Discos de Liverpool, que mantinha uma
coluna na publicação, falando sobre os novos lançamentos discográficos de então. Esta ligação
era tão forte, que alguns dos concorrentes locais dos Beatles, chegaram a apelidar, a publicação,
de “Mersey Beatles”, aludindo a alegados favorecimentos na divulgação do trabalho dos Fab
Four, em detrimento de outros conjuntos da região. (texto do meu amigo Paulo Bastos, músico
e especialista em assuntos sobre a British Invasion)
21
Por curiosidade, Flaming Pie é o nome do 10º disco a solo de Paul McCartney editado em
1997. Este álbum saiu a seguir à “Beatles Anthology” (1995), e por influência, o título foi
inspirado no célebre sonho que Lennon teve sobre o nome da banda. In ROBINSON, John, An
affectionate remembrance of Fab time past, “The Ultimate Music Guide - Paul McCartney”, Issue
#10, London, UNCUT Magazine - Time Inc., 2014, p. 86.
22
ERWING, John, “The Beatles”, London, Carlton Books, 1994, p. 11.
23
Numa entrevista em 1964, John Lennon disse: “I was looking for a name like the Crickets that
meant two things, and from Crickets I got to Beetles. And I changed it to B-E-A because it didn’t
mean two things on its own as B-double-E. So I changed the E to A and it meant two things - when
you said it people thought of crawly things, and when you read it, it was beat music.” (entrevista a
Jim Steck, KRLA-AM, Los Angeles, a 26 de Agosto de 1964)
24
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 69.
25
JONES, Ron, The Beatles’ Liverpool - The Complete Guide, Liverpool, Liverpool History Press,
2014, pp. 33-34.
175
duArTe viLArdeBó Loureiro
Mas como o nome não era apreciado pelas pessoas fora da banda e, por
sugestão de Brian Cassar (dos Cass and The Cassanovas), foram aconselhados
a alterar o nome para Long John and The Silver Beetles, porque estava na moda
bandas com nomes extensos. Como John Lennon recusou a ser apelidado de Long
John, resolveram alterar só para The Silver Beetles. Assim, partir de Abril de 1960,
os Quarry Men voltaram a actuar, mas agora como The Silver Beetles!
Durante o mês de Maio, os americanos Eddie Cochran e Gene Vincent
foram cabeças de cartaz no Liverpool Empire, promovido pelo famoso empresário
londrino da época, Larry Parnes. Nesta altura, os Silver Beetles estavam a ser agen-
ciados por Allan Willams, o qual geria o bar Jacaranda, entre outros. Allan conse-
guiu arranjar uma parceria Parnes-Williams para um espectáculo de uma só noite
no Liverpool Stadium, na Bixteth Street, onde figuravam para além de Cochran e
Vincent, Davy Jones, The Viscounts, Colin Green and The Beat Boys (incluindo
Georgie Fame), Peter Wynne, e várias bandas de Liverpool, tais como Cass and
The Cassanovas e Rory Storm and The Hurricanes, esta última tendo como bate-
rista Richard “Ritchie” Starkey.
Parnes estava impressionado com o poder dos Merseyside rock and rollers e
começou a perceber que havia muitos artistas com talento em Liverpool, mas a
maior parte com falta de banda de suporte.
Infelizmente, antes do concerto, a 17 de Abril, com destino ao aeroporto
de Londres, vindos de um concerto em Bristol, Eddie Cochran e Gene Vincent
tiveram um desastre de carro que resultou na morte do primeiro e ferimentos
graves em Vincent. Larry Parnes não quis cancelar o concerto, contratou entre
outros, mais algumas bandas de Liverpool, como Gerry and The Pacemakers.
Mas todo este movimento entre Parnes e Williams teve bons resultados
para o lado de John, Paul, George e Stu. Como a banda estava incompleta, Allan
Williams tinha assegurado como baterista, Tommy Moore, de 36 anos de idade.
Numa das viagens que fizeram, houve um pequeno acidente de viação, levando
Moore a desistir da carreira de músico e a regressar à sua antiga profissão. No dia
14 de Maio, foram actuar em Seaford, Liverpool, e num pequeno cartaz aparecem
como The Silver Beats. Logo a seguir, a 21 desse mês, aparece entre outras bandas,
Johnny Gentle and his Group. Claro que “his Group” eram os Silver Beetles, que
companharam como banda de suporte o cantor pop Johnny Gentle na sua tourné
pela Escócia. Em outras participações, aparecem designados como Johnny Gentle
and the Silver Beetles. 26
Através de Allan, os Silver Beatles, agora com um “A”, actuaram num club
ilegal de strip que lhe pertencia assim como, várias vezes, no Jacaranda, que [ainda]
26
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 18-27.
176
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
177
duArTe viLArdeBó Loureiro
noite, começaram logo a tocar no Indra Club. E aí, tocaram 48 noites até ao dia
3 de Outubro. No dia a seguir, a partir do dia 4, actuaram mais 58 noites no The
Kaiserkeller, na mesma rua que o anterior, até ao dia 30 de Novembro. Neste
último, costumavam tocar alternado com os Rory Storm and The Hurricanes.
As condições de alojamento não eram as melhores em Hamburgo. E às vezes
as coisas não corriam da melhor maneira e, quando os Beatles estavam deprimidos,
a pensar que o grupo não iria a lado algum, John Lennon costumava dizer: 32
178
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Para agravar a situação, George tinha menos que 18 anos e, segundo as leis
germânicas daquela altura, não podia estar num bar nocturno depois da meia-
-noite. 35 Harrison foi deportado e em pouco mais de 24 horas estava de novo em
casa, mas sem dinheiro. Entretanto, para concluir calendário, os Beatles tocaram
o mínimo indispensável no Kaiserkeller, preferindo antes irem socializar e tocar a
sua música para o Top Ten. Peter Eckhorn ofereceu aos 4 uns beliches no sótão do
seu bar. Não era um hotel de 5 estrelas, mas comparado com os alojamentos ante-
riores, era um verdadeiro luxo. Por causa de uns incidentes, Paul e Pete foram presos
e também deportados pela polícia de Hamburgo. Antes de serem deportados, os
Beatles negociaram com Peter Eckhorn o agendamento de um mês no Top Ten
Club para Abril. Allan Williams não tinha conhecimento destes acordos...
A Paul e Pete, seguiu-se John. A polícia alemã já andava no encalço de
Lennon que voluntariamente regressou de comboio na manhã de 10 de Dezembro
com destino a Inglaterra. Apesar de Stuart estar também a ser seguido pela polícia,
este conseguiu esconder-se na casa de uma amiga por quem se tinha apaixonado,
Astrid Kirchherr. 36 Sutcliffe só regressou a Liverpool no final de Fevereiro. 37
Em Dezembro regressaram a casa. Voltaram a actuar no Casbah, o bar de
Mona Best, que os recebera com cartazes a anunciar o “Return of the Fabulous
Beatles!”, desenhados por Neil Aspinal. 38 Na ausência de Stuart, durante umas
quatro actuações, este foi substituído no baixo por Chas Newby. 39 Durante este
período, os Beatles actuaram, para além do Casbah, em vários lugares, entre eles,
Cassnova Club e Jacaranda. Allan Williams agendou para a banda na véspera de
35
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 24.
36
Astrid Kircherr (1938, Hamburgo), é uma fotógrafa e artista alemã que teve um papel de
relevo na vida e na imagem dos Beatles. As fotografias mais emblemáticas da banda da fase de
Hamburgo são de sua autoria. Foi namorada de Stuart Sutcliffe até à sua prematura morte. In
BLACK, Johnny, Scaling The Toppermost, Issue #9, London, MOJO - Special Edition - John
Lennon, Winter 2000, p. 25.
37
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 25.
38
Neil Aspinall é, para além de amigo chegado dos Beatles, considerado o seu braço-direito. Colega
de escola de Paul e George e amigo de Pete, começou por ser o motorista e road manager da
banda. Mais tarde viria a ser o executivo da Apple Corps, empresa dos Beatles. In LEWISOHN,
Mark, I’m with the band, Issue #24, London, MOJO - The Music Magazine, Special Collectors
Edition, November 1995, pp. 40-41.
39
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 24-25.
Os Beatles estavam periodicamente sem baixista porque Stuart continuava em Hamburgo e,
Pete Best, começou por sugerir Ken Brown, antigo membro dos Blackjacks, para substituir
Stuart. Como Brown estava a viver em Londres e havia alguns conflitos entre eles, declinou a
oferta e tiveram que tentar outro ex-membro da antiga banda de Pete, o guitarrista Chas Newby,
o qual aceitou ajudar a banda. Newby tem duas particularidades em comum com Paul: nasceu
a 18 de Junho e também era canhoto.
179
duArTe viLArdeBó Loureiro
180
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
181
duArTe viLArdeBó Loureiro
47
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 444-445.
48
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 33.
49
“Cry For A Shadow” (Harrison-Lennon) foi editado como single em 1964, tendo como Lado
B, “Why” (Crompton-Sheridan). O single está em nome dos Beatles, mas “Why” está creditado
como Tony Sheridan and The Beat Brothers.
182
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
50
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 36-37.
51
As músicas gravadas foram: “Besame Mucho” (Velasquez-Shaftel), “Hello Little Girl” (Lennon-
McCartney), “The Sheik of Araby” (Smith-Snyder-Wheeler), “September In The Rain” (Dubin-
Warren), “Three Cool Cats” (Leiber-Stoller), “Love Of The Loved” (Lennon-McCartney),
“Menphis Tennessee” (Berry), “Till There Was You” (Willson), “Crying, Waiting, Hoping”
(Holly), “Like Dreamers Do” (Lennon-McCartney), “Money” (Gordy-Bradford), “Searchin’”
(Leiber-Stoller), “Sure To Fall” (Perkins-Cantrell-Claunch), “To Know Her Is To Love Her
(Spector) e “Take Good Care Of My Baby” (Goffin-King). In ROBERTSON, John, The
Complete Guide To The Music Of The Beatles, London-New York-Sidney, Omnibus Press, 1994,
p. 129.
52
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 52.
53
Numa visita que Brian Epstein fez aos escritórios da Decca, em Londres, Dick Rowe e Sidney
Arthur Beecher-Stevens insistiram que “The Beatles won’t go, Mr. Epstein. We Know this things.
You have a good record business in Liverpool, why not stick to that?” Epstein ripostou de imediato:
“You must be out of your minds, these boys are going to explode. I am completely confident that one
day they will be bigger than Elvis Presley!” In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle,
London, Pyramid Books, 1993, p. 53.
54
BEAUMONT, Mark, The World’s Greatest Rejects, Beatles Anniversary Issue, London, NME -
The Beatles - The Inside Story of The Audition That Nearly Destroyed Them, 31 December
2011, pp. 10-41.
183
duArTe viLArdeBó Loureiro
55
A Parlophone é uma label da EMI Records que naquela altura tinha um baixo orçamento,
poucos artistas de sucesso e pouco prestígio. In LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles
Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 53.
56
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 56-58.
57
Mesmo George Harrison estava com vontade de ver Best fora da banda e foi falar com os pais de
Ringo para saber se podia abordá-lo acerca da hipótese de se juntar aos Beatles. In LEWISOHN,
Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, p. 58.
184
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Esta fase foi uma mancha na história dos Beatles. Pete Best esteve com eles
durante dois anos e, no final, foi Brian Epstein que deu a infeliz notícia a Best no
dia 16 de Agosto. Não merecia esta falta de coragem por parte dos seus band-
-mates. Quando se soube desta notícia em Liverpool, os fãs de Best ficaram irri-
tados ao ponto de destruírem o carro novo
de Brian e de este precisar de andar com
seguranças durante alguns dias na Mathew
Street.
No dia 4 de Setembro, John, Paul,
George and Ringo apanharam um avião
para Londres para gravar uma segunda
sessão. Gravaram duas músicas: “Love Me
Do”, de Lennon e McCartney, e “How
Do You Do It”, de Mitch Murray. George
Martin não ficou satisfeito com o take de
“Love Me Do”. Para o dia 11 de Setembro,
Martin chamou o músico de estúdio, Andy Fig. 5 - Single Love Me Do / P. S. I Love You
White, para gravar “Love Me Do”. Nesta (Parlophone 45-R 4949). (Col. do Autor)
185
duArTe viLArdeBó Loureiro
58
LEWISOHN, Mark, The Complete Beatles Chronicle, London, Pyramid Books, 1993, pp. 58-59.
59
N. do A. - Apesar de ter devolvido as insígnias de MBE, penso que John Lennon não perdeu o
estatuto.
60
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 5.
61
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 5.
62
Jack Lennon e Mary “Polly” Maguire aparecem como casados no registo do seu primeiro filho,
John Lennon, primeiro do nome. Mas de facto não eram por ter havido impedimento devido a
ele ser católico e ela protestante. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years,
vol. 1, New York, Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, pp. 21-22.
63
Cerca de meio milhão de irlandeses emigrou para Liverpool durante os anos de 1845 e 1854. In
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 21.
186
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
64
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 21-22.
65
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 6.
66
Seu pai, outro William Henry Stanley (1814-1902), era natural de Londres foi casado com
Susannah Sarah New, natural de Parramatta, New South Wales, arredores de Sidney, Austrália.
187
duArTe viLArdeBó Loureiro
George Ernest e Annie Jane não se pôde efectuar por impedimento de serem
católicos e protestantes. 67
Desta relação nasceram duas das pessoas mais importantes na vida de John
Lennon: a sua mãe Julia Elizabeth (12.3.1914, Liverpool - 15.7.1958, Liverpool)
e a sua tia Mimi, Mary Elizabeth (24.4.1903, Liverpool - 6.12.1991, Poole).
Fred Lennon e Julia Stanley casaram a 3 de Dezembro de 1938, no
Mount Pleasant Register Office, às 10 horas da manhã. A família Stanley não
ficou muito contente com este casamento, principalmente a sua irmã Mimi. No
Verão de 1940, Julia descobre que está grávida. Ninguém sabe onde está Fred.
John Winston Lennon nasce no Maternity Hospital, na Oxford Street. Chama-se
Winston em homenagem a Winston Churchill.
Por volta dos seus quatro anos, a sua mãe foi viver com outra pessoa, 68 e
John passou a viver entre a casa da mãe e de a casa da tia Mimi e do tio George,
em Woolton. Entretanto, Fred Lennon foi buscar o seu filho a Woolton e levou-o
para Blackpool. Mas quando estava de partida para a Nova Zelândia, Julia foi
buscar John. Esta foi a última vez que Fred Lennon viu o filho até ele se tornar
famoso em meados dos anos sessenta. 69
John voltou para Liverpool, mas não foi viver com a sua mãe, Julia. Em
vez disso, foi viver definitivamente para a casa de sua tia Mimi e de seu tio George
Smith. Quando estava com sua mãe, esta ensinou-o a tocar banjo que tinha
aprendido com o seu pai, o avô de John.
O número 251 da Menlove Avenue, em Woolton, era conhecido como
Mendips. A casa geminada, com as suas janelas art nouveau, onde Lennon viveu
até à sua adolescência, ficava situada nos subúrbios de Liverpool, num sítio onde
viviam médicos e advogados, como disse Lennon, numa entrevista. 70 Comparado
com os outros Beatles, de facto Lennon era o que vivia numa situação melhor.
Julia Stanley passava cada vez mais tempo em casa de sua irmã Mimi. A
sua relação com John estava cada vez mais próxima e tinham muitas coisas em
67
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 22-23.
68
Ainda casada com Alfred Lennon, Julia teve uma relação amorosa com um soldado galês que se
chamava Taffy Williams de quem teve uma filha, em 1945, que deu para adopção. Em 1964,
quando John Lennon teve conhecimento desta irmã, tentou encontrá-la, mas sem êxito. Esta
sua imã, Victoria Elizabeth, nunca chegou a conhecer John. Um ano depois do nascimento de
Victoria, Julia começou a sair com John Dykins. Desta relação nasceram mais duas filhas: Julia
(1947) e Jacqueline (1949).
69
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 8-9.
70
“MENDIPS - Woolton, Liverpool”, The National Trust, 2014.
188
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
comum para partilhar. 71 Numa dessas visitas, e quando saía às 21h40 foi atrope-
lada ao atravessar a Menlove Avenue, por um polícia que estava fora-de-serviço. 72
Morreu no dia 15 de Julho de 1958. Foi um momento de grande perda para John
que, três anos antes, tinha visto morrer o seu tio George com quem tinha uma
enorme afinidade. 73
_______________
71
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 52.
72
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 53.
73
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 180-185.
74
LENNON, John, Walls And Bridges, United Kingdom, PCTC 253, EMI Records Limited -
Apple Record, 1974.
75
MACLYSAGHT, Edward, Irish Families, Their Names, Arms and Origens, Dublin, Allen Figgis
and Company Limited, 1972.
189
duArTe viLArdeBó Loureiro
James (IV) Paul McCartney nasceu a 18 de Junho de 1942, numa ala privada
do Hospital de Walton, em Liverpool. A sua família pertencia à classe trabalhadora
comum e nesta altura estava-se no auge da guerra, mas Paul teve esse privilégio uma
vez que a sua mãe tinha sido enfermeira encarregada da maternidade. E foi-lhe
dado um tratamento especial quando o seu primeiro filho estava para nascer. Mary
Patricia tinha largado o hospital no ano anterior e para se tornar parteira. 77
Paul é filho de James (III) “Jim” McCartney (n. 7.7.1902, Liverpool - †
18.3.1976, Liverpool), que estava ausente no seu nascimento devido ao seu trabalho
como bombeiro voluntário durante a segunda Guerra Mundial, e de Mary Patricia
Mohan (Mohin) (n. 29.9.1909, Liverpool - † 31.10.1956, Liverpool). Deste casa-
mento, houve mais um filho, Peter Michael (n. 7.1.1944, Liverpool) 78. Apesar de
ambos serem baptizados na fé Católica por causa da sua mãe, o pai passou de protes-
tante a agnóstico. 79 Mary Patricia é filha de Owen Mohin (n. 19.1.1880, Mona-
ghan, Irlanda) e de Mary Theresa Danher (n. 1.4.1877, Liverpool). Tanto o lado
paterno como materno são originais da Irlanda e ambos os ramos são católicos. 80
James (III) McCartney trabalhou no comércio do algodão. Naquela altura era
um trabalho para a vida. Com 28 anos ganhava £250 81 por ano. Não era um grande
76
MAYER, Allan J., AGREST, Susan, YOUNG, Jacob, Death of a Beatle, in “John Lennon 1940-
1980”, Number 51, New York, Newsweek Inc - The Washington Post, December 22, 1980, pp.
15-26.
77
N. do A. - Em inglês Health Visitor ou Midwives.
78
N. do A. - Michael “Mike” McCartney é fotógrafo e, nos anos sessenta, fez parte de uma banda
chamada “Scaffold”, com o pseudónimo Mike McGear, para não haver nenhum vínculo ou
influência do irmão Paul.
79
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 23.
80
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, p. 26.
81
Em 1930, o valor de £1, comparável com o valor da libra em 2013, era de £43,46. Por isso,
Jim McCartney ganhava o equivalente a £10,865 por ano. In LEWISOHN, Mark, Tune In
190
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
salário, mas ainda assim razoável. Jim era novo demais para ter lutado na primeira
Guerra Mundial e demasiado velho para a segunda. Quando o comércio do algodão
foi encerrado por causa da guerra, McCartney foi mandado para a Napiers, uma
empresa de engenharia de máquinas. James and Mary casaram em 1941. Durante o
dia continuava a trabalhar na Napiers e à noite como bombeiro voluntário. 82
James (III) é filho de Joseph “Joe” McCartney 83 (n. 23.11.1866, Liver-
pool) e de Margaret Florence “Florrie” Clegg (n. 2.6.1874, Liverpool), cuja a
família era oriunda de Onchan, na Ilha
de Man, que se estabeleceu em Everton.
O avô paterno de Florrie chama-se
Robert Clegg e era oficial de justiça 84.
Esta família vivia em plena harmonia
musical e Jim gostava de tocar piano.
Por volta de 1916, os McCartney
compraram um piano em segunda-
-mão numa loja perto deles de nome
NEMS 85. Em 1919, Jim McCartney
começou a tocar em público e formou
uma banda de jazz chamada “Jim
Mac’s Band”.
Joe é filho de James (II) McCar-
tney que veio para Liverpool na altura
da Grande Fome, na Irlanda (1845-
1849), com os seus pais, Jeremiah
“James” McCartney e Ann Tate,
natural da Escócia. Em 1864, James Fig. 9 - Famine Memorial, em Dublin, da autoria
McCartney casou em Liverpool com de Rowan Gillespie. (Fotografia do Autor)
- The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype - Penguin Random House
Company, 2013, pp. 5-6.
82
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, p. 23.
83
Joseph “Joe” McCartney tocava a sua enorme tuba na banda de metais do seu trabalho, do estilo
de música north-country, em festas de igrejas e nos coretos dos parques. Foi o primeiro da família
a actuar em público. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New
York, Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, p. 25.
84
Robert Clegg tinha como profissão coroner, que traduzido para o português quer dizer “oficial de
justiça que investiga os casos de morte violenta ou por acidente”, ou seja, o equivalente a médico
legista. In Dicionário Inglês - Português, Porto, Porto Editora Lda, 1992, p. 159.
85
N. do A. Nesta altura a NEMS ainda não pertencia à família Epstein.
191
duArTe viLArdeBó Loureiro
A família de Jim e
de Mary foram viver em
1947 para uma parte da
cidade chamada Speke,
a Sul de Liverpool.
Em 1955, mudaram-
-se para o número 20
da Forthlin Road, casa
que hoje pertence ao
National Trust. Fica a
cerca de 22 minutos a
pé (1,1 milhas = 1770
metros) de Mendips, a
casa de Lennon. 87
_______________
Paul McCar-
tney casou a primeira
vez, a 12 de Março de
1969, 88 com Linda
Louise Eastman (n.
24.9.1941, Nova Iorque
- † 17.4.1998, Arizona),
Fig. 10 - Casa onde viveu Paul McCartney, em Forthlin Road. filha de Leopold Vail
(Fotografia do Autor) Epstein, imigrante russo
86
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 24-27.
87
“20 FORTHLIN ROAD - Allerton, Liverpool”, The National Trust, 2015.
88
COLEMAN, Ray, McCartney - Yesterday & Today, London, Boxtree Limited, 1995, p. 119.
192
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
judeu e advogado de boa reputação que mais tarde alterou o nome para Lee
Eastman, e de Louise Sara Lindner, também de uma abastada família judia alemã.
Deste casamento nasceram Mary Anna (n. 28.8.1969, Londres) 89, Stella Nina,
OBE (n. 13.9.1971, Londres) 90 e James (V) Louis (n. 12.9.1977, Londres) 91.
89
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, p. 133.
90
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, pp. 141-142.
91
CLAYSON, Alan, Paul McCartney, London, Santuary Publishing Limited, 2003, pp. 186-187.
92
George Harrison foi registado no dia seguinte e no certificado de baptismo como tendo nascido
a 25 de Fevereiro de 1943. Em 1990, George decidiu anunciar que afinal tinha nascido a 24
desse mês. In LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York,
Crown Archetype - Penguin Random House Company, 2013, pp. 34 e 805.
193
duArTe viLArdeBó Loureiro
_______________
93
O apelido French em irlandês, escreve-se Ffrench. In DAVIES, Hunter, The Beatles - The
authorized biography, London, William Heinemann Lda, 1968, p. 38.
94
DAVIES, Hunter, The Beatles - The authorized biography, London, William Heinemann Lda,
1968, pp. 37-39.
95
LEWISOHN, Mark, Tune In - The Beatles : All These Years, vol. 1, New York, Crown Archetype
- Penguin Random House Company, 2013, pp. 27-29.
96
SULLIVAN, Robert, All Things Must Pass, “TIME - George Harrison 1943-2001”, New York,
Time Inc., December 10, 2001, pp. 73.
97
JONES, Allan (Editor), 1943-2001 GEORGE - The full story of an extraordinary life, Take #57,
London, UNCUT Magazine - Time Inc., February 2002, pp. 38-61.
194
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
195
duArTe viLArdeBó Loureiro
196
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
3.1 - Ordem do Império Britânico - Order of The British Empire (OBE) 115
A “The Most Excellent Order of the British Empire” está inserida nas British
Orders of Knighthood e foi instituída, no reinado de Rei George V (1865-1936),
a 4 de Junho de 1917. Esta Ordem de Cavalaria (British Order of Knighthood)
compreende o Soberano, o Grão-Mestre e cinco classes 116 respectivamente desig-
nadas:
197
duArTe viLArdeBó Loureiro
117
N. do A. - A cruz denominada de “patonce”, que provavelmente deriva do francês “potencé”, é
uma mistura entre a cruz floretada florida e a cruz pateada entre curvas.
118
N. do A. - Rose-pink é um cor-de-rosa tipo salmão.
119
N. do A. - Penso que “pearl grey” significará prata.
198
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
199
duArTe viLArdeBó Loureiro
200
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Majestade o Rei Edward VII nesse ano - passa a superintender a todos os proce-
dimentos relacionados com promoções e cerimonial, com algumas excepções.
Uma dessas excepções diz respeito aos Cavaleiros Bacharel e determinadas ques-
tões com si relacionadas, que permanecem sob a tutela do Ministério do Interior
(Home Office).
O Ministério do Interior, no entanto, outorgou um reconhecimento oficial
à Sociedade, e, nessa conformidade, remete à Sociedade uma notificação oficial da
nomeação de todos os Cavaleiros Bacharel.
Para muitos, constituirá sem dúvida uma surpresa saber que desde o dia 28
de dezembro de 1902 até à formação da Sociedade, não existia uma lista oficial ou
registo de Cavaleiros Bacharel, pelo que a primeira tarefa da Sociedade consistiu
em suprir essa lacuna.
Na Idade Média os Arautos faziam anotações ocasionais das honras dos cava-
leiros, mas tais documentos, embora conhecidos, são considerados incompletos. No
século XVII, o Registo de Nobreza (Register of Knighthood) foi instituído pelo Rei
James o Primeiro. Este registo está preservado no College of Arms, e estende-se até o
ano de 1902, mas não representa em si mesmo, nem se assume, como um registo
completo de todos as investiduras de cavaleiros durante esse período.
Existia a forte preocupação entre Cavaleiros Bacharel de criar e manter
actualizada uma lista devidamente autenticada e oficialmente reconhecida de
Cavaleiros (Roll of Knights); esse dever de manter um arquivo permanente, a
Sociedade assumiu como seu. Além da sua própria lista de Cavaleiros, a Sociedade
estabeleceu procedimentos com vista a registar no College of Arms cada cavaleiro
devidamente autenticado.
Por Alvará Régio, datado de 21 de Abril de 1926, Sua Majestade concedeu
autorização para uso pelos Cavaleiro Bacharel de um crachá (placa), a ser usado
no lado esquerdo do casaco ou outra roupa exterior. O emblema (insígnia), mede
aproximadamente três polegadas (76,20mm) de comprimento e 2 polegadas
(50,80mm) de largura, encontrando-se descrito no Alvará da seguinte forma:
sobre um medalhão oval de vermelho, com uma bordadura ornada de floreado,
uma espada (cross-hilted sword) com cinto e bainha com alças para cima, entre
duas esporas, com as suas rosetas para cima, o conjunto rodeado pelo cinto da
espada, tudo de ouro.
A honra de Cavaleiro Bacharel é uma dignidade concedida através de
Alvará Régio a um indivíduo, mas este não pertence a nenhuma das estruturadas
Ordens de Cavalaria e é o grau mais baixo da classificação das várias ordens britâ-
nicas.
201
duArTe viLArdeBó Loureiro
122
ROGERS; Ken (Executive Editor), The Beatles Hello... Godbye, Daily Mirror, London, Trinity
Mirror, s/d, pp. 52-53.
123
The Story of The Beatles, Second Edition, Bournemouth, Imagine Publishing Ltd, 2016, pp.
78-81.
202
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
responsável pela fama e ascenção dos Beatles. O título de Quinto Beatle pertence-
-lhe com justa causa!
A 18 de Junho de 1965 foi anunciado no jornal de música, New Music
Express (NME), que os Fab Four receberam a dignidade outorgada por S. M. a
Rainha Elizabeth II, que achou por bem fazer-lhes Membros do Império Britâ-
nico 124 (MBE), caso sem precedentes na história do show business mundial. A
investidura irá ser realizada no Palácio de Buckingham. 125 Houve protestos em
Buckingham e chegaram a ser devolvidas medalhas na sequência do anúncio de
que os Beatles iriam receber tal distinção. 126
Paul acabara de chegar ao aeroporto de Londres, vindo de Portugal.
A 26 de Outubro, os Beatles foram receber as insígnias relativas ao MBE,
“The Most Junior of the Orders of the British Empire”. Os quatro ficaram comple-
tamente surpreendidos. 127 A cerimónia de investidura realizou-se no Palácio de
Buckingham, estando no exterior do palácio mais de 4000 fãs, seguras por um
cordão policial, a gritar: “Long Live The Queen! Long Live The Beatles!”
À volta deste acontecimento, criou-se o boato na imprensa inglesa que os
Beatles teriam fumado marijuana nas casas-de-banho do Palácio de Buckingham
antes de receber as honrarias da mão de S. M. a Rainha, na sala do Grande Trono
(Great Throne Room). Os próprios Beatles vieram desmentir este boato várias
vezes ao longo dos anos. 128
124
Em inglês, Members of the British Empire.
125
NME Originals, UNCUT presents The Beatles 1962-1970, Volume 1, Issue #1, London, s/d, pp.
70-71.
126
NME Originals, Volume 1, Issue #10, London, s/d, p. 32.
127
SANDALL, Robert, Joint Honours, in “1000 Days That Shook The World - The Psychedelic
Beatles - April 1, 1965 to December 26, 1967”, London, MOJO - Special Limited Edition,
Number 29384 of a limited edition of 90,000, pp. 20 e 26-27.
128
SUTHERLAND, Steve (Editor), John Lennon, Volume 1, Issue #10, London, NME Originals,
s/d, p. 32.
203
duArTe viLArdeBó Loureiro
Estados Unidos da America na guerra do Vietnam. Foi dada uma cópia ao Primeiro
Ministro, Harold Wilson, que tinha recomendado a nomeação dos Beatles. 129
Numa entrevista, Lennon alegou que os Beatles tinham recebido o título
na qualidade de propagarem a Paz e não a Guerra. Ao contrário de McCartney,
que sempre teve orgulho de ter recebido tal honra, Lennon nunca lhe deu grande
importância. Este acto de Lennon teve ecos no parlamento britânico e, Tony
Benn, então Ministro da Tecnologia, aproveitou para se pronunciar: “The Beatles
have done more for the Royal Family by accepting MBEs than the Royal Family has
done for The Beatles by giving them.” O Primeiro Ministro considerou o compor-
tamento de Lennon ingénuo e a imprensa ridicularizou a sua atitude declarando
que a piada na carta acima referida sobre Cold Turkey era mais um sinal do seu
monstruoso ego. Posteriormente, Lennon lamentou ter incluído esta piada.
Um comunicado foi feito por parte do Palácio de Buckingham: “The
first MBEs to be returned were from people protesting that Mr. Lennon was given
the award in the first place.” Mas houve quem achasse que o devolução iria ter
impacto positivo como um protesto de Paz. Ringo Starr comentou acerca deste
assunto: “The MBE was awarded to John for peaceful efforts and it was returned as a
peaceful effort. That seems to be a full circle.”
John tinha produzido o single “Give Peace A Chance” e, em Dezembro de
1969, deu início à sua campanha de protesto a favor da paz, colocando em 11
cidades espalhadas pelo mundo gigantes cartazes com a afirmação: “War Is Over
- If You Want It”. 130
129
“To Her Majesty the Queen / 25th November 1969 / Your Majesty, / I am returning this MBE
in protest against / Britain’s involvement in the Nigeria - Biafra / thing, against our support of
America in / Vietnam and against Cold Turkey slipping down the / charts. / With Love / John
Lennon / John Lennon of Bag”, in DAVIES, Hunter (Edited and with an introdution by), The
John Lennon Letters, London, Orion Publishing Group Ltd, 2012, p. 168.
130
LEIGH, Spencer, Return To Sender, in “1000 Days Of Revolution - The Beatles’ Final Years- Jan
1, 1968 to Sept 27, 1970”, London, MOJO - Special Limited Edition, Number 50375 of a
limited edition of 95,000, pp. 120-121.
131
COLLINS, Andrew, Meet The New P.M., in “Meet... The Beatle!”, #129, London, Q Magazine,
June 2007, pp. 108-114.
204
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Tal como Brian Epstein, houve outros elementos próximos dos Beatles em
que se justificaria conferir o título de “Quinto Beatle”. Sir George Henry Martin
é uma dessas pessoas! 133 A sua experiência musical veio a influenciar os arranjos e
o som dos 4 de Liverpool.
Martin tocava oboé e, com apenas 24 anos, foi-lhe oferecido um trabalho
a tempo inteiro como assistente na Parlophone Records. Hoje em dia, é conside-
rado o produtor mais famoso do mundo! 134
George Martin nasceu a 3 de Janeiro de 1926, em Highbury, Londres.
O seu pai era serralheiro e, segundo Martin, foi “quem fez todos os móveis em sua
casa e era uma pessoa bastante criativa.” Durante a depressão nos anos 30, antes da
segunda Grande Guerra, o seu pai ficou sem trabalho e acabou vendendo jornais
em Cheapside, na City of London. Nesta altura viviam com bastantes dificuldades
económicas! A mãe de George Martin era enfermeira, mas para ajudar a aumentar
os rendimentos familiares, fazia serviços extras de limpeza e trabalho-a-dias.
132
SOUNES, Howard, FAB : An Intimate Life of Paul McCartney, Cambridge (Massachusetts), Da
Capo Press, 2010, pp. 470-471.
133
BICKNELL, Arwen, Fith Beatles, in “The Beatles - Celebrating 50 Years of Beatlemania in
America”, Irvine (California), I-5 Publishing, LLC, 2014, pp. 70-77.
São também considerados 5th Beatle, as seguintes pessoas: Neil Aspinall (1941, País de Gales
- 2008, Nova Iorque) - Road manager a assistente pessoal dos Beatles e, mais tarde, director da
Apple Corps; Pete Best (1941, Madras, Índia Britânica) - Baterista dos Beatles de 1960 a 1962;
Stuart Sutcliffe (1940, Edinburgo - 1962, Hamburgo) - Artista plástico e Baixista dos Beatles
de 1960 a 1961; Brian Epstein (1934, Liverpool - 1967, Londres) - Empresário dos Beatles
desde 1961 até à sua morte.
134
IRVIN, Jim (Interview by); FALLON, Andy (Portrait by), Sir George Martin, in “Mojo Sgt.
Pepper Anniversary Edition - The Beatles”, Issue #160, London, EMAP Performance Ltd,
March 2007, pp. 36-40.
205
duArTe viLArdeBó Loureiro
135
O propósito de convidar Martin, com apenas 29 anos, a gerir a label Parlophone, foi um
“presente envenenado”. Na realidade, a administração da EMI tinha a intenção de fechar a
Parlophone. Como o próprio George Martin referiu numa entrevista: “It was: this brash young
man, bit of a maverick, he’s cheap, he’d love to do it, he’s that kind of idiot, if he fails we were going
to shut it down anyway.” In IRVIN, Jim (Interview by); FALLON, Andy (Portrait by), Sir George
Martin, in “Mojo Sgt. Pepper Anniversary Edition - The Beatles”, Issue #160, London, EMAP
Performance Ltd, March 2007, p. 38.
206
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
O responsável pela concessão das armas de Sir Paul McCartney foi Hubert
Chesshyre, Rei de Armas Clarenceux. As armas foram concedidas a 18 de Julho
de 2001, 137 por Peter Gwynn-Jones, Garter Principal King of Arms, e Hubert
Chesshyre, Clarenceux
Kings of Arms.
136
N. do A. - Esta informação sobre o brasão de armas de Sir George Martin e de Sir Paul McCartney
foi obtida através do College of Arms, em Londres, com o apoio de John Allen-Petrie, MSc, Arauto
Rouge Croix, e de Mark Scott, MA, Assitente de Pesquisa para o Arauto Rouge Croix.
137
A Carta de Brasão foi passada a 18 de Junho de 2001, no 59º aniversário de Paul McCartney.
207
duArTe viLArdeBó Loureiro
138
Tradução: Escudo: de ouro, flanqueado de negro com uma burela firmada nos flancos de ouro;
duas arruelas de negro postas em pala e sobre elas, seis cordas de guitarra em pala atravessantes,
entrecambadas. Elmo: de prata, aberto, guarnecido de ouro, forrado de vermelho. Paquife e
virol: de ouro e negro. Timbre: Um corvo-marinho de negro, segurando com a garra dextra
uma guitarra clássica de ouro encordoado de negro. Listel: branco, forrado de vermelho, com a
seguinte divisa a negro: “Ecce Cor Meum”.
139
N. do A. - O autor deste trabalho é também músico e toca guitarra regularmente numa banda
chamada Discovers.
208
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
negro representam os quatro Beatles. Por parte do College of Arms, nada foi refe-
rido a esse respeito. Aliás, nada nas armas de McCartney faz alusão aos Beatles.
No timbre está representado o liver bird, o símbolo de Liverpool, terra
natal de Sir Paul e dos restantes Beatles. Desde a idade média que aparece um
pássaro representando Liverpool. Em 1668, o Conde de Derby deu à cidade um
bastão onde estava gravado com um leaver, a primeira referência conhecida com
o nome liver bird. Em 1797, o College of Arms concedeu um brasão oficial à
cidade de Liverpool em que retrata o pássaro em destaque. Actualmente, o College
of Arms refere-se ao pássaro como sendo um cormorão (em inglês: great cormorant
ou apenas cormorant), tendo um raminho de laver, um tipo de alga, no bico,
resultando assim que a denominação do pássaro vem dessa alga.
O cormorão, ou seja, corvo-
-marinho de negro (Phalacrocorax
carbo), é um pássaro de grande
dimensão, com o pescoço comprido
e grosso. A plumagem é negra, com
reflexos azulados e verdes, asas pretas
e escamosas com matizes cor de
bronze. É uma ave que está presente
todo o ano na zona de Liverpool,
mas reproduzem principalmente no
Báltico e depois migra. 140
A divisa, “Ecce Cor Meum”,
que em inglês significa “Behold My
Heart” (Eis o meu coração), foi inspi-
rado pela inscrição numa estátua
de Jesus Cristo existente na Igreja
de Santo Inácio em Nova Iorque.
Portanto, refere-se ao Sagrado
Coração de Jesus. Após a concessão
deste brasão de armas em 2001,
Sir Paul adoptou “Ecce Cor Meum” Fig. 19 - Pilarete numa praça de Liverpool com
como sua divisa. o símbolo da cidade, o Cormorão ou Corvo Ma-
Em 2006, Paul McCartney rinho. (Fotografia do Autor)
lançou um CD com este título, “Ecce
140
SVENSSON, Lars (Texto e Mapas), MULLARNEY, Killian e ZETTERSTRÖM, Dan
(Ilustrações e Legendas), Guia das Aves - O guia de campo das aves de Portugal e da Europa, Porto,
Assírio & Alvim - Porto Editora, Lda, 2014, pp. 78-79.
209
duArTe viLArdeBó Loureiro
Cor Meum”, gravado nos estúdios da Abbey Road, através da EMI Classics. É um
oratorio em 4 movimentos, produzido por John Fraser. Foi fonte de inspiração a
sua mulher, Linda McCartney.
Fig. 20 - CD (EMI Classics / MPL Comunications Lda - Limited Edition - 0946 3704232 8 -
2006) com o título Ecce Cor Meum, de Paul McCartney. (Col. Luís Pinheiro de Almeida)
O responsável pela concessão das armas de Sir George Martin foi Henry
Paston-Bedingfeld, Arauto de York. 142 As armas foram concedidas a 15 de Março
de 2004, por Peter Gwynn-Jones, Garter Principal King of Arms, e Hubert Ches-
shyre, Clarenceux Kings of Arms.
141
SLATER, Stephen, The Illustrated Book of Heraldry, London, Hermes House - Anness Publishing
Ltd, 2005, p.63.
142
O cargo de Arauto (Herald of Arms) é um oficial de amas que está entre o Arauto Assitente ou
Passavante (Pursuivant) e o Rei de Armas (King of Arms). Henry Paston-Bedingfeld tinha nesta
altura o título de “York Herald of Arms” e, mais tarde, foi-lhe dado o título de Sir e o cargo de
Rei de Armas de Norroy e Ulster.
210
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
143
Tradução: Escudo: de azul, faixa nublada de prata carregada de cinco filetes de negro, entre
três besouros de ouro. Sob o escudo, um listel circular de vermelho, perfilado de ouro, com a
divisa da Ordem do Império Britânico do mesmo: “FOR GOD AND THE EMPIRE”. Elmo:
de prata forrado de vermelho. Paquife e virol de prata e azul. Timbre: Uma andorinha-de-casa
(ou andorinha-dos-beirais) de sua cor, segurando sob a asa sinistra uma flauta, com o bocal para
baixo, de ouro. Listel: branco, forrado de vermelho, com a seguinte divisa a negro: “Amore
Solum Opus Est”. Pendentes: à dextra, insígnia de Cavaleiro Bacharel (Knight Bachelor) e, à
sinistra, a insígnia da Ordem do Império Britânico (Most Excellent Order of the British Empire).
Empresa: Uma zebra de sua cor segurando com a pata dianteira dextra um báculo de ouro.
211
duArTe viLArdeBó Loureiro
Ao contrário das armas anteriores, Sir George tem representado nas suas
armas as insígnias de Kinght Bachelor e de Commander of the British Empire (CBE)
pendentes no escudo, pintadas na carta patente. E sob o escudo, o listel circular
com a divisa da Ordem do Império Britânico: For God and the Empire.
No escudo, os escaravelhos (beetles) referem-se à famosa banda pop-rock
de qual George Martin foi produtor. Os Beatles eram quatro elementos e no
escudo estão representados apenas três escaravelhos. A opção escolhida pode ter
sido esta porque a Heráldica vive de equilíbrio e simetria e, o autor do desenho,
considerado que a representação de quatro peças teria quebrado a harmonia do
desenho. Ou os escaravelhos no chefe estão a representar, em plural, os Beatles e o
escaravelho em ponta o próprio armigerado, como o quinto beatle.
Ainda no escudo, as cinco linhas horizontais representam o pentagrama
(pauta) musical e a faixa nublada representa a criatividade.
O timbre, também ele falante, refere-se ao próprio apelido de Sir George
Martin. O pássaro representado no timbre é um House-Martin, ou seja, uma
Andorinha dos Beirais (Delichon urbicum). É um pássaro de pequenas dimensões
que se reproduz em vilas, quintas, cidades e em todo o tipo de áreas abertas, com
forte atracção por habitações. É um pássaro sociável com os humanos, contrói o
seu ninho de lama nos beirais, vigas de pontes ou mesmo em ferry-boats. Encontra-
-se por toda a Europa. É frequente ver as Andorinhas dos Beirais em grande
número, empoleiradas lado-a-lado em fios telefónicos (pauta de música). 144 No
timbre, o House-Martin, na sua asa à sinistra, segura uma flauta, em inglês recorder,
que representa a carreira de produtor musical de Martin.
144
SVENSSON, Lars (Texto e Mapas), MULLARNEY, Killian e ZETTERSTRÖM, Dan
(Ilustrações e Legendas), Guia das Aves - O guia de campo das aves de Portugal e da Europa, Porto,
Assírio & Alvim - Porto Editora, Lda, 2014, pp. 260-261.
212
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
213
duArTe viLArdeBó Loureiro
estas armas, a sua profissão, mercês e título. Peças como o House-Martin com o
recorder, a zebra com o báculo ou os besouros, conduzem-nos para múltiplos
significados e símbolos que
nos transportam directa-
mente para o estúdio 2 da
Abbey Road na companhia
de Sir George Martin e dos
quatro fabulosos de Liver-
pool.
6. Conclusão
147
“The Beatles were in a different stratosphere, a different planet to rest of us. All I know is when I heard
‘Love Me Do’ on the radio, I remember walking down the street and knowing my life was going to be
completely different now the Beatles were in it.” (Justin Hayward, membro dos Moody Blues)
214
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
O disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band 148 é considerado o melhor
álbum de todos os tempos pela New Musical Express em 1974, Rock and Roll Hall
of Fame 149 e pela revista Rolling Stone 150. Esteve quinze semanas em primeiro
lugar nos Tops. 151 Com a realização de Sgt. Peppers, houve uma segunda viragem
no rumo da História da Música. 152 153
Na revista Q, John Lennon (#1) e Paul McCartney (#2) foram consi-
derados os maiores artistas do século XX. Ringo Starr (#26), foi considerado
“provavelmente” o melhor baterista do mundo, e George Harrison (#36) também
figurou naquela classificação. 154 A nível vocal, John Lennon (#4) e Paul McCar-
tney (#13) ficaram entre os quinze primeiros lugares na revista Mojo. 155
Existe alguma relação com Portugal e pelo menos três dos Beatles passaram
por Terras Lusas. A primeira vez foi em 1964, quando Paul McCartney e Ringo
Starr ficaram uma noite em Lisboa, a caminho das Ilhas Virgens. Em 1965 e
1968, Paul esteve por duas vezes de férias no Algarve, onde escreveu parte da
música Yesterday. E nessa segunda vez, em Dezembro de 1968, Paul encontrava-se
num bar de hotel e onde foi convidado para fazer uma jam com a banda de serviço
nessa noite. Na brincadeira, Paul escreveu a música Penina, em homenagem a esse
Hotel, que depois “ofereceu” à banda Jotta Herre, que mais tarde gravou num EP.
George Harrison também esteve de férias no Algarve no princípio dos anos
70. Como apaixonado por F1 que era, veio ao autódromo do Estoril, em 1996,
assistir ao Grande Prémio de Portugal.
Em Outubro de 1995, Sir George Martin dirigiu a Orquestra Clássica do
Porto, no Coliseu dos Recreios, onde foram interpretadas canções dos Beatles.
148
THE BEATLES, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Made in Gt. Britain, Parlophone, PMC
7027, 1967.
149
pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_200_álbuns_definitivos_no_Rock_and_Roll_Hall_of_Fame
[Consult. 13 Nov. 2016].
150
pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_500_melhores_álbuns_de_sempre_da_revista_Rolling_Stone
[Consult. 13 Nov. 2016].
151
pt.wikipedia.org/wiki/Álbuns_número_um_na_Billboard_200_em_1967 [Consult. 13 Nov.
2016].
152
HARRIS, John, The Day the World turned Day-Glo, Issue #160, London, MOJO - Sgt. Pepper
Anniversary Edition, March 2007, pp. 72-77.
153
IRVIN, Jim, The Big bang!, Issue #160, London, MOJO - Sgt. Pepper Anniversary Edition,
March 2007, pp. 78-80.
154
PEMBERTON, Andy (Editor), 100 Greatest Stars Of The 20th Century, #155, London, Q
Magazine, EMAP Metro Ltd, August, 1999, pp. 43-71.
155
SNOW, Mat (Editor), 100 Greatest Singers Of All Time, Issue #59, London, MOJO - Collectors
Edition, October 1998, pp. 46-89.
215
duArTe viLArdeBó Loureiro
156
ALMEIDA, Luís Pinheiro de; LAGE, Teresa, Beatles em Portugal, Lisboa, Documenta,
Novembro de 2012, pp. 35, 39, 63-80, 141.
157
THE BEATLES, Abbey Road, Mfd. in U.K., Apple Records, PCS 7088, 1969, side 2, Sun King
(Lennon-McCartney), Northern Songs.
158
Quero agradecer a preciosa colaboração dos meus Amigos Paulo Bastos, pelo seu vasto
conhecimento acerca da British Invasion, Pedro de Freitas Branco, da qual posso sempre contar
com a sua vasta “enciclopédia” musical, Luís Pinheiro de Almeida, pela ajuda e disponibilidade
de material, Teresa Lage e Paulo Marques, pela inspiração e partilha por este gosto comum.
E também quero agradecer ao meu primo e Amigo Lourenço Botelho de Sousa pelo apoio e
revisão do texto e ao meu filho Joe pela ajuda na tradução em inglês. À Sofia, Luísa, Joe e Quico.
216
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Patrick Lennon, James McCo- William Henry Susannah Thomas Mill- Jane Williams,
n. 1800, Down, nville. C.c. Stanley, n. Sarah New, ward, n. 1788, n. 1806, Nant-
Ulster, Irlanda. Bridget. 1814, Londres. n. 6.1.1828, Flintshire, País glyn, País de
Agricultor. C.c. † 10.9.1902, Austrália. de Gales. † Gales. † 1887,
Elizabeth. Austrália. 1882, Denbigh- Denbighshire,
shire, País de País de Gales.
Gales.
James Lennon, Jane McCon- William Eliza Jane John Dumbry Mary Elizabeth
n. 1829, Down. ville, n. 1831, Henry Stanley, Gildea, n. Millward, n. Morris, n.
† 13.2.1907, Down, Ulster. n. 1848, 1849, Omagh, 26.5.1838, 14.3.1851,
Toxteth Park, † 1869, Liver- Birmingham, Tyrone, Irlanda. Bridgend, País Bridgend, País
Liverpool. pool. West Midlands. † 1916. Filha de Gales. de Gales. Filha
Armazenista † 21.9.1904. de Charles de William
de Tóneis. C. Gildea. Morris e de
29.4.1849, Ann Roberts.
Capela de St.
António, Liver-
pool.
John “Jack” Lennon. Mary “Polly” George Ernest Annie Jane Millward,
† 3.8.1921, Toxteth Maguire. † Stanley, n. n. 1873, Chester. †
Park, Liverpool. 30.1.1949, Liverpool. 22.8.1874, Liver- 1941, Liverpool.
Irmão do Padre pool. Marinheiro
William Lennon. Mercante. Proprie-
Escriturário. Casou a tário de uma quinta
1915, em Everton. em Woolton. † 1949,
Liverpool.
217
duArTe viLArdeBó Loureiro
Jeremiah George Robert Thomas Michael Michael John Danher. John Baines,
“James” Williams. Clegg. Claque, n. Mohan. McGough. nat. de
McCartney, C.c. Eliza Oficial 1790, Ilha Worcester.
n. 1816. † Whitfield. de Justiça de Man. (McGeogh - C.c. Eliza-
1846. C.c. (Coroner). C.c. Esther - McGeough) beth Cook,
Ann Tate, Kneen, n. nat. de
nat. da 10.5.1792, Dudley.
Escócia. Ilha de Man.
James Elizabeth Paul Clegg, Jane Claque, Owen Mary John Danher, Jane Baines,
McCartney, Williams, n. 1817, Ilha n. 1834, St. Mohan, nat. McGough, nat. da n. 13.5.1848,
n. 1843, n. 1844, de Man. Ann, Ilha de Monaghan, nat. Irlanda. Dudley, West
Irlanda. Birkenhead, Man. Irlanda. † Monaghan. Midlands.
Merseyside, 18.1.1903,
Liverpool. Monaghan.
Joseph “Joe” McCartney, n. Margaret “Florrie” Florence Owen Mohin (Mohan), Mary Theresa Danher, n.
23.11.1866, Liverpool. Casou Clegg, n. 2.6.1874, Liverpool. n. 19.1.1880, Ballybay, 1.4.1877, Toxteth Park,
a 17.5.1896, Kensington, † 1944, Liverpool. Monaghan, Irlanda. Carvoeiro. Liverpool.
Liverpool. C. 24.4.1905, na Igreja Cató-
lica de St. Charles.
218
A heráldicA dos BeAtles. de liverpool A BuckinghAm
Edward Elizabeth James N…, nat. James Darby Ellen John Jane Daniels.
Harrison, n. Hargreaves. Thompson, da Ilha de Ffrench, Whelan, Woollam,
31.1.1848, Filha de John nat. da Man. n. 1825, n. 1831. † nat. de
Liverpool. Hargreaves. Escócia. Irlanda. † 1906. Shropshire,
Casou em 1906. West
1868. Midlands.
Jardineiro e
agricultor.
Henry Harrison, n. 21.1.1882, Jane Thompson. John French, n. 1870, County Louise Woollam, nat. de
Liverpool. Wexford, Irlanda. Liverpool.
Casou em 1902.
219
duArTe viLArdeBó Loureiro
John Parkin, N…, nat. de David Bower. Joseph Catherine Peter James
n. 1823, Hull, East Parr, nat. Rodenhurst, Johnson, n. Cunningham,
Hull. Yorkshire. de Neston, n. 1813, 20.5.1824, nat. de Mayo,
Foram viver Cheshire. Oswesty, Orkney & Irlanda. Jardi-
para o Dingle Shropshire. Shetland, neiro.
em 1862. Ilhas do
Norte,
Escócia.
Pescador. C.c.
Phiilias Tait.
John Parkin, N… Alfred Bower, Margaret William Mary Kate Andrew Mary
n. 1865, nat. de Ellen Parr. Gleave. Conroy. Johnson, n. Elizabeth
Liverpool. (teve uma Liverpool. 2.1.1852, Cunningham,
Perfurador- segunda Latoeiro. Caldeireiro. Dingle. Mari- nat. de
-Operário e relação Casou a nheiro. Casou Liverpool ou
marinheiro com Henry 10.11.1873, a 14.4.1875, Irlanda.
empregado Starkey, St. Michael’s St. Thomas,
no navio-farol de quem Walton-on- Liverpool.
“Formby”. adoptou o -the-Hill.
apelido)
John Alfred Parkin Starkey, n. Annie Bower, n. 22.4.1889, John Gleave, n. 11.4.1891, Catherine Martha Johnson,
1890, Toxteth Park, Liverpool. Toxteth Park, Liverpool. Casou Toxteth Park, Liverpool. n. 21.4.1891, Toxteth Park,
Caldeireiro e pintor da Câmara a 31.7.1910, na Igreja de St. Caldeireiro. Casou a 12.4.1914, Liverpool.
de Liverpool. Matthews, Liverpool. St. Matthews, Toxteth Park,
Liverpool.
220
PROVÉRBIOS GENEALÓGICOS
Carlos Bobone*
221
cArLos BoBone
Abstract: in this article we tried to collect a corpus of the portuguese proverbs wich
have a genealogical meaning, and to fix the oldest written source in wich each one
is mentioned. The work of recollection has imposed the need to define what is meant
when we speak of proverbs with a genealogical message. Those proverbs refered to the
personal side of the family relations have been put aside, and we have privileged the
ones presenting the parenthood relations as sources of obligations, privileges, reputation
or social status.
Besides those proverbs having a clear genealogical meaning, since they are explicitly
refered to the traditional matters studied by the genealogical science, we have also
collected those that reveal, through their quantity and through the insistence on a
single message, the intention of stating or denying the importance of lineage in the
portuguese society of the “ancien regime”.
222
provérBios GeneALóGicos
223
cArLos BoBone
mais realista, mas nem por isso menos respeitador. Note-se que não pretendo
confundir genealogia com nobiliarquia, mas quando se nega a importância do
sangue, da linhagem, da filiação, aquilo que se atinge é o conceito de nobreza
hereditária. Quando se diz que todos somos filhos de Adão ou que todo o sangue é
vermelho, nega-se o valor das distinções de nascimento. A nobreza é a única classe
social que viveu sempre acompanhada de viva discussão em torno da sua razão
de existir, por isso é também a mais afectada pelo choque de conceitos opostos
que se manifestam no rifoneiro tradicional, e que reflectem velhos debates. Desde
a antiguidade clássica ficaram na literatura europeia multiplicados vestígios das
opiniões antagónicas que se confrontaram sobre o valor que se devia reconhecer
ou negar à ascendência ilustre. Alguns argumentos, de tão usados, já causavam
náusea. Nas obras de Francisco de Morais damos de caras com o diálogo entre
um fidalgo e um escudeiro, que se atacam mutuamente sobre os méritos das
respectivas ordens. A certa altura o escudeiro pergunta: mas afinal o que é isso da
nobreza? E o fidalgo replica, agastado: “responder-vos-ei, desde que me não digais
que todos descendemos de Adão, que tão baixos sois que este é um couto a que
logo vos acolheis” 1. Já não havia paciência que suportasse estribilhos tão gastos.
Para além do seu significado explícito, os ditados que afirmam ou negam
o valor da linhagem introduzem-nos numa sociedade onde as origens familiares
gozam de alta reputação, e se a sabedoria anónima se exerceu repetidamente contra
tal escala de valores, fê-lo para dissipar ou acautelar um pouco da larga aceitação
que lhes era conferida. O verdadeiro sentido dos ditados que recolhemos não é
hostil à genealogia, mas sim aos desvarios da prosápia genealógica, que adulteram
o significado da distinção das linhagens. Este espírito revela-se quando enqua-
dramos os provérbios no meio em que nasceram e na sua evolução histórica.
O que nos leva a tratar outro ponto prévio: Até que ponto pode ir o nosso
conhecimento da evolução histórica dos adágios portugueses?
Naturalmente, não é possível localizar com precisão a data de nascimento
de nenhum deles. O que se pode fixar é a data em que começam a ser mencio-
nados nas fontes escritas, e as alterações que sofrem ao longo dos séculos, o que
nos traz sempre num certo atraso em relação ao percurso oral das sentenças, pois
quando uma delas chega ao papel, alcançou já o estatuto de sabedoria antiga.
O primeiro livro de provérbios que se publicou em Portugal foi a obra do
Padre António Delicado, “Adágios Portugueses reduzidos a lugares comuns”, que
saiu à luz no ano de 1651. No entanto, o conhecimento que podemos alcançar
dos ditados antigos recua alguns séculos, graças à riqueza da nossa literatura. Dos
provérbios correntes em finais da Idade Média, temos notícia pela colheita que
1
Obras de Francisco de Morais, Lisboa, 1852.
224
provérBios GeneALóGicos
2
BRAGA, Theophilo, Historia do Theatro Portuguez. A Baixa Comedia e a Opera. Seculo XVIII,
Porto, Imprensa Portugueza Editora, 1871.
225
cArLos BoBone
226
provérBios GeneALóGicos
que lhe dá um carácter absurdo: “A inveja traz o peão à limpeza e ao nobre mais
nobreza”. Aqui se revela a total incompreensão do sentido original da sentença.
Não se pode dizer que os provérbios sejam o manifesto ideológico de uma
classe, pois não só os apanhamos empenhados na defesa de todas as opiniões e
das suas opostas, como neles encontramos ditos mordazes sobre cada um dos
estratos sociais, dando voz aos rancores e aos preconceitos de cada “estado” sobre
os outros. Todas as ordens da sociedade antiga saem beliscadas, mas se for preciso
apontar a grande vítima, aquele que sofre os mais duros tratos, salta à vista que
é o vilão quem alcança a palma do martírio. Dele só se diz mal: ele é aquele em
quem não se pode confiar, pois quem fia de vilão é parvo de antemão; aquele que
não pára de pedir, ao vilão dá-se o pé e toma a mão, e de quem não se espera
gratidão: quanto se faz ao vilão, tudo é maldição; quando a sorte lhe sorri, renega
os amigos e os parentes: quando o vilão é rico, não tem parente nem amigo, embora
não consiga esconder a sua origem: se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na
mão. Através dos provérbios podemos acompanhar a degradação do conceito de
vilão. No século XVI este nome ainda é associado a uma classe e a certas profis-
sões, como na “parvoíce” do Chiado que desaconselha o deixar-se uma cesta de
merenda nas mãos do barqueiro, porque “quem fia de vilão é parvo de antemão”.
Aqui a profissão do barqueiro classifica-o na categoria de vilão. Ao longo dos
séculos XVI e XVII os rifoneiros vão desfiando os incontáveis defeitos do vilão,
e em meados do século XVII aparece-nos um provérbio que dá a nova definição
desta malfadada figura: “não é vilão o da vila, senão o que faz vilanias”.
O primeiro livro de provérbios em língua portuguesa é, como vimos, o do
padre António Delicado, que foi dado à estampa em 1651. Nesta obra aparecem
já largas centenas de provérbios, agrupados por temas, e dentro deles, por ordem
alfabética. Aqueles que nos interessam encontram-se, pela maior parte, reunidos
sob a mesma epígrafe: Honra. Debaixo deste motivo encontramos sentenças
sobre linhagens, fidalgos, nomes e sobrenomes, parentescos; sobre preeminência
social e o lugar de cada um, e ainda sobre a honra pessoal – aquela que todo o
homem pode ganhar ou perder. O critério com se agruparam estes ditados pode
merecer reservas, mas elucida-nos sobre a classe temática em que, no século XVII,
se incluíam as sentenças sobre matéria genealógica. O conceito que preside ao
conjunto – a honra – aparece-nos, assim, entronizado como o valor essencial da
genealogia. A honra significando o prestígio moral que se conquista, se deixa em
património aos descendentes e se acrescenta a cada geração, é o bem que o homem
honesto mais cobiça – quem com sua honra não sonha vem-lhe de ter pouca
vergonha, diz um ditado que encontramos desde o século XVI – e mantê-la
ilesa é preocupação de quem se quer furtar a enxovalhos – quem com sua honra
não tem conta não teme afronta - diz-nos outro ditado de sabor quinhentista.
227
cArLos BoBone
Repare-se que a honra é uma coisa com que se sonha, não está imediatamente ao
alcance de qualquer um, pois não se confunde com a simples integridade moral.
A honra tal como é entendida no Portugal antigo, nasce do valor individual, mas
alimenta-se do reconhecimento público, dá esplendor às famílias e constitui o
património genealógico por excelência. É a soma das acções valorosas acumuladas
em sucessivas gerações que faz a grandeza de uma estirpe. Por isso, tudo o que
diz respeito às famílias pode ser incluído no tema da honra: nome, sucessão de
gerações, herança, fidalguia, parentesco, precedências, ascensão social, tudo se
encaminha ao mesmo fim – a honra, que se conquista geração a geração: “barba
a barba honra se cata”.
Num primeiro relance de olhos sobre os provérbios que recolheu o Padre
António Delicado (1651), a perspectiva surge desanimadora, quando reparamos
que, na sua maior parte, exprimem desdém pelo esplendor do sangue herdado.
Mas não nos devemos iludir com esta amostra do espírito de quinhentos e seis-
centos. A verdade é que tão altivas demonstrações de desafecto ao nome herdado
convivem com as mais rigorosas expressões de fidelidade à ordem social assente
em distinções de nascimento. Na mesma atmosfera, e às vezes pela mesma voz
ou pela mesma pena que fustiga a prosápia genealógica, encontramos a defesa
das barreiras sociais e o ataque feroz a quem as queira galgar. Esta característica
aparentemente contraditória da mentalidade portuguesa encontra-se também
disseminada por toda a literatura quinhentista inspirada na linguagem popular.
As “Parvoíces” do poeta Chiado castigam repetidamente as manifesta-
ções da vaidade genealógica: “Fidalgo que manda cadeira de estado à igreja
– parvoíce”; “Quem conta proezas em sepultura – parvoíce”; “Quem compra
pedra de muito preço para trazer em anel – parvoíce”; “o que gaba geração
– parvoíce”; “o que é perdido por honra e antes quer ir a pé embuçado que
em besta de albarda – parvoíce”. Mas é o mesmo Chiado que se mostra agas-
tado com quem não respeita a hierarquia social: “o que se senta onde sabe que
o mandarão levantar – parvoíce”. A sua mordacidade não poupa o vilão, e
parecem-lhe particularmente parvos o fidalgo que convive com “vilão ruim”, o
“homem branco perdido por negra”, ou o homem honrado que conversa com
mancebos vadios. Por sua vez, o escudeiro Gregório Afonso, que pôs em verso
uma longa lista das coisas que “renegava”, também não se absteve de lançar as suas
farpas contra tudo o que ultrajava a ordem hierárquica em vigor: “arrenego das
façanhas / feitas por quem pouco val” … “renego de quem presume / e mostra
mais do que he”… “arrenego dos que negam / parentes e natureza”… “renego
do cavaleiro / que nam tem bem de comer”… “renego dos que sassentam /
228
provérBios GeneALóGicos
onde nam devem estar” … “renego de gentil dama / que quer bem a homem
vil”… “arrenego dos vilãos / postos em alguma honra” 3.
Do mesmo modo, nas “Sentenças de D. Francisco de Portugal”, encon-
tramos pensamentos destinados a refrear o orgulho genealógico: “o que está na
pessoa se deve estimar: tudo o mais é da fortuna” … “os velhos são quem eles são,
não os honram seus pais”… “para conhecer quem cada um é não há diferença
de estados”. Mas não se pense que ele daí retire o menosprezo dos pergaminhos de
família, pois “Grã soberba é de quem ousa / desdenhar da honra antiga”.
A sabedoria vertida nos provérbios foi ao longo dos séculos acolhida com a
veneração que se reserva a um tesouro de bom senso apurado pelo tempo. Embora
não se colha nela uma filosofia coerente, raros foram os que ousaram contestar
tão vetustas sentenças. Os únicos adversários da sua incontestada sabedoria foram
outros provérbios que proferiam sentenças contrárias. “Ditados velhos são evan-
gelhos”, é uma frase que exprime a larga aceitação da sabedoria popular, quase
elevada aos altares. Mas no meio de tanto acatamento, também se manifestaram
vozes contrárias à submissão geral com que eram recebidas frases proverbiais por
vezes desprovidas de fundamento racional. Na primeira década do século XVIII
a sabedoria popular encontrou o seu carrasco na pessoa de Frei Bento Espínola,
frade bernardo com ambições enciclopédicas, que publicou uma vasta obra em
12 tomos, a “Escola Decurial”, onde oferece ao leitor uma visão crítica de quase
todos os assuntos que ocupavam então a mente humana, da Alquimia à Heráldica,
e da Bruxaria à Origem dos Apelidos. Sem sombra de modéstia e desconhecendo
os limites das suas capacidades críticas, não se deixa atemorizar pelo prestígio das
teses consagradas, contra as quais investe com desassombro. Numa obra de grande
fôlego e erudição, mistura conceitos acertados com grandes asneiras, fazendo juz
à fama de grandes asneirentos que no século XVIII se estendeu a todos os frades
bernardos, dando origem a uma colectâneas onde se reuniam as verdadeiras ou
fantasiosas “bernardices” 4. Num dos últimos tomos da sua “Escola Decurial”,
Frei Bento Espínola arremete impetuosamente contra os ditados populares e o
crédito de que gozavam. Insurgindo-se contra a veneração que os rodeava, contra
a autoridade que lhes era atribuída, logo abaixo dos evangelhos, pois corria entre
o povo que “ditados velhos são evangelhos”, propunha-se dar o antídoto contra
tão pernicioso prestígio num apanhado de notas críticas com que submeteu às
razões do seu bom senso quatro dezenas de sentenças emanadas da voz do povo.
3
Arrenegos que fez Gregoryo affonso criado do bispo Devora, in “Cancioneiro Geral de Garcia de
Resende”, tomo IV, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1915.
4
No século XIX publicaram-se as “Bernardices do Século”, as “Novas Bernardices” e as “Bernardices
vulgarizadas às principais classes da sociedade”.
229
cArLos BoBone
Entre os ditados que sujeitou a exame e contestou, encontram-se três que versam
matéria genealógica: “Bem haja quem com os seus se parece”, “Quem não
mente não vem de boa gente”, e “Quem não sabe do avô não sabe do bem”.
As objecções aos dois primeiros não se afastam muito do senso comum: “Bem
haja quem com os bons se parece … e não com os seus se forem maus, ingratos,
invejosos, enredadores, ladrões, desonestos, más línguas, etc.” … “Quem mente
não vem de boa gente: que a boa gente não he mentirosa, porque é muito mau
o mentir: qual é o demo, tal é a mentira”. O terceiro, no entanto, foi objecto de
uma crítica desconcertante. Contra a sentença que incita cada um a conhecer
a história dos seus maiores, Frei Bento replica: “Quem sabe do avô, não sabe
do bom – pois sabe de um mecânico, que pode ser o haja sido, e outras cousas
peyores” (1707). Nesta destemperada investida contra o conhecimento dos ante-
passados, dá voz à bem conhecida aversão aos avós mecânicos, sentimento com
fundas raízes e corrente ainda hoje entre os genealogistas.
Para além destes reparos sobre a matéria dos provérbios genealógicos, cada
um dos temas em que os dividimos merece também um punhado de observações
prévias.
Parentesco
A abrir este tema apresenta-se-nos um ditado com vetustas raízes, que mergu-
lham no fundo da idade média: mais perto estão dentes que parentes. A versão
castelhana é mais explícita: Mas caros tengo mis dientes que mis parientes (Marquês
de Santillana), ou seja, tenho mais amor aos meus dentes que aos meus parentes. O
professor José Mattoso, no seu opúsculo sobre os provérbios medievais 5, dá grande
importância a este provérbio, vendo nele o testemunho de “uma fase de transfor-
mação da estrutura do parentesco”, e uma contestação dos deveres de solidariedade
familiar: “Põem-se em causa os primitivos deveres de solidariedade familiar, para
lhes antepor os interesses imediatos, a subsistência, aqui metaforicamente designada
pelos dentes” 6. Neste ponto, discordo do ilustre medievalista. Em primeiro lugar,
5
MATTOSO, José, O essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses, Lisboa, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, s.d.
6
“Noutro provérbio, já citado, põe-se em causa o respeito devido aos parentes: “Primeiro são
dentes que parentes”(D. Francisco Manuel de Melo e Marquês de Santillana). Trata-se, é
evidente, de um dito que testemunha uma fase de transformação da estrutura do parentesco.
Põem-se em causa os primitivos deveres de solidariedade familiar, para lhes antepor os interesses
imediatos, a subsistência, aqui metaforicamente designada pelos dentes. Note-se, porém, que a
frase não contesta propriamente o princípio da solidariedade familiar, mas apenas o seu carácter
230
provérBios GeneALóGicos
Sangue
231
cArLos BoBone
a linhagem impõe. Por isso merece que dediquemos alguma atenção ao seu signi-
ficado, e às circunstâncias em que costumava ser invocado.
Encontramo-lo, no século XVI, num dos “contos e histórias de proveito e
exemplo”, de Gonçalo Fernandes Trancoso, e é invocado a propósito da história
de um homem rico com dois filhos, um dos quais é deserdado pelo pai, ficando
na miséria. Mais tarde pede ao irmão que lhe dê umas casas inacabadas, e este,
“vendo a necessidade de seu irmão, e como dizem, porque o sangue não se roga,
entregou-lhe as casas, e fez-lhe delas sua carta de doação livre e desembargada”.
Aqui encontramos claramente definido o valor do ditado, embora dentro de laços
de sangue muito próximos. Mas podemos encontrá-lo a exercer a sua influência
num campo de parentesco muito mais alargado. A “História de São Domingos”,
de Frei Luís de Sousa, chama à colação este provérbio, dando-lhe um significado
nitidamente linhagístico. Falando da muito ilustre casa dos Meneses, marqueses
de Vila Real, e da sua régia ascendência, acentua a benignidade que estes titulares
sempre dedicaram a todos os religiosos regulares, “porém aos de S. Domingos
com mais particular inclinação e favor. Aqui cabe bem o que diz o Proverbio
Portuguez, que o sangue não se roga pois sabemos que pollo que tem de tantos
Reis participão do illustrissimo de nosso Sancto Patriarcha” 7. Isto é, os marqueses
de Vila Real, tendo sangue de tantas famílias reais, também tinham o de S.
Domingos de Gusmão, e daí lhes vinha uma natural inclinação para protegerem
os dominicanos, pois “o sangue não se roga”. Fica assim bem expresso o signi-
ficado deste provérbio: aos do mesmo sangue não é preciso rogar para se obter
protecção, pois ela é ditada pela própria natureza.
Fidalguia
7
História de S. Domingos particular do reino e conquistas de Portugal, Por Fr. Luis de Cacegas refor-
mada ... por Fr. Luis de Sousa, vol. III, Lisboa, Typ. Do Panorama, 1866.
232
provérBios GeneALóGicos
e XX. Significará isto que foram concebidos nos nossos dias? Parece mais provável
que as suas origens sejam remotas, mas a sua difusão se tenha confinado a meios
rurais, longe dos meios literários, sendo postos a descoberto pela pesquisa de
campo dos etnólogos.
Como quer que seja, nos séculos XVI, XVII e XVIII, encontramos uma
imagem do fidalgo que lhe é, geralmente, favorável. Associa-se a fidalguia a rari-
dade, abundância, honra, dignidade. “Fidalguia sem divisa não se divisa”,
diz-nos a “Feira de anexins” de D. Francisco Manuel de Melo. E este ditado,
com um cheirinho heráldico, pode significar, em sentido estrito, que cada família
nobre tem a sua divisa. Mas num sentido mais amplo e com maior força moral,
se admitirmos que a divisa heráldica encerra uma filosofia de vida ou um propó-
sito orientador das acções de cada um, propósito que se supõe nobre e generoso,
concluiremos que o teor deste ditado impõe uma critério de exigência moral
para a nobreza. “Fidalguia sem divisa não se divisa” significaria, assim, que
a condição de fidalgo só toma sentido quando acompanhada de um princípio
orientador que dirija e nobilite a acção de cada membro de uma linhagem.
Já nos séculos XVI e XVII encontramos o tema do fidalgo pobre, que
no correr dos tempos vai ganhando espaço no adagiário. Desde os cancioneiros
medievais, sempre foi esse um tema dilecto da sátira literária em Portugal. Mas
mesmo assim, é-lhe conferida, a esta pobreza, alguma aura de dignidade, que
transparece no ditado: “fidalgo, antes roto que remendado”. Aqui, a superiori-
dade do roto sobre o remendado só pode ser entendida no sentido da supremacia
espiritual do que é genuíno e original, embora decaído. O roto só pode sobrepor-
-se ao remendado quando se reconhece que o mais puro, aquilo que não tem
misturas, é o que mais vale.
Nos séculos XIX e XX passa para segundo plano essa imagem da fidalguia,
e o que vem ao de cima, em multiplicados exemplos, é o fidalgo da triste figura,
não o da Côrte, nem o do solar provinciano, mas o que se encontra reduzido à
condição vil, conservando no entanto intacta toda a sua presunção, invocando
constantemente os seus pergaminhos para se esquivar aos trabalhos pesados. É
este mesquinho carácter que dá o tom predominante aos adágios sobre fidal-
guia: insiste-se com ferocidade no doloroso paradoxo que forma o fidalgo sem
dinheiro, a fidalguia sem comedoria, o fidalgo gastador, preguiçoso, pretensioso e
pelintra. São muitas as comparações que se lhe dão: castelo sem ameias, gaita que
não assobia, alforge sem merenda, em suma, objecto que não cumpre o seu papel.
E finalmente, chega um ditado em forma de veredicto, que o destitui da sua tão
prezada fidalguia: “fidalgo sem pão é vilão”.
Depois de passarmos os olhos pelos ditados cujo conteúdo genealógico é
mais evidente, passamos àqueles cuja ligação à genealogia exige uma interpretação
233
cArLos BoBone
de conjunto, pois o seu significado explícito nem sempre nos fala de linhagens ou
parentescos, mas transmite-nos, quando eles são observados no seu alinhamento,
uma mensagem com claro sentido genealógico. São aqueles muitos ditados que
afirmam ou negam a importância das origens, os que reprovam os casamentos
desiguais, os que aconselham cada um a cingir-se ao seu lugar ou a dar-se com os
seus iguais, e os que afirmam ser impossível esconder as origens. Estas categorias
de provérbios formam um circuito que, na sua conjugação completa, nos dá o
retrato de uma sociedade altamente hierarquizada, onde as ascensões repentinas
são mal vistas e onde se ridicularizam os que esquecem o seu lugar ou as suas
origens, onde casamento por amor é sinónimo de aliança desigual e por conse-
guinte vivamente desaconselhado. É neste ambiente ideológico que a genealogia
ganha um papel de primeiro plano, pois o lugar de cada um é ditado em grande
medida pelo seu nascimento, pela ilustração dos seus maiores. Por muito que se
prezem as qualidades individuais, toma-se por assente que o valor de cada um
deve vir coroar a obra que os seus antecessores já construíram, ou preparar o
terreno para os descendentes fazerem crescer a obra começada.
234
provérBios GeneALóGicos
evidência, e por isso não corresponde a nenhuma sabedoria apurada pelos séculos.
E proclamar verdades evidentes não é o espírito dos provérbios. Aquilo que os
caracteriza é o partir de verdades evidentes para, por comparação, sugerir as que
o não são. Em geral o objectivo que se pretende atingir é o das relações humanas.
E nesse domínio, se há matéria que sempre se alimentou de comparações suges-
tivas, foi a dos caracteres hereditários. Antes da descoberta das leis de Mendel, as
convicções correntes sobre a transmissão de virtudes e defeitos de pais para filhos,
eram tão vivas quão imprecisas. Desde a mais remota antiguidade os observadores
da natureza perceberam que as qualidades dos pais se transmitiam muitas vezes aos
filhos, mas de forma aparentemente caprichosa, contando frequentes excepções,
aberrações e desconcertantes inversões. Quando um filho herdava as virtudes do
pai dizia-se que “de tal pai tal filho se esperava” (Camões, falando de D. Afonso
Henriques, Lusíadas, canto III), mas quando o filho se mostrava em tudo contrário
ao pai, comentava-se filosoficamente o desconcerto da natureza (Camões, falando
de D. Fernando: “do justo e duro Pedro nasce o brando / vede da natureza o
desconcerto / remisso e sem cuidado algum Fernando”, Lusíadas, canto III). Para
fugir às incertezas desta matéria, tão melindrosa nas relações sociais, não havia pois
melhores argumentos que as comparações sugestivas. Até aos finais do século XIX
procuraram-se várias fórmulas que definissem a herança genética transmitida de
pais a filhos, mas raramente se passou destas associações de ideias que encontramos
nos provérbios, e de que o exemplo clássico é a antiga sentença: “de boa árvore
bom fruto”. Quando muito, a sabedoria dos povos podia encarar provisórias
violações da lei da natureza, confiando que no desfiar das gerações a normalidade
se recompunha. O abade de Baçal recolheu em Trás os Montes um ditado onde se
fixa o grau mais complexo a que este pensamento genético pode ascender:
Se o filho do mau é bô, lá vem o neto que sai ao avô (1948), de onde se
conclui que se a natureza pode abrir de vez em quando uma excepção, o desfiar
do tempo e das gerações traz de volta a ordem natural Mas mesmo este raciocínio
apresenta um carácter de excepção, pois onde as sentenças tradicionais encontram
o seu poiso natural é nos inúmeros ditos que glosam o tema definido no nosso
clássico exemplo. Amparados em várias razões podemos tomar esta vetusta frase,
“de boa árvore bom fruto”, por padrão das sentenças genéticas. Antes de mais,
porque toda a linguagem da genealogia se inspira no reino vegetal: as famílias
têm raízes, troncos e ramos, são de boa ou de má cepa, formam estirpes (tronco
ou cepa), frutificam, criam ramificações, têm a sua árvore genealógica. Mas ainda
mais forte razão a favor dele, tem este provérbio a sua autoridade evangélica. Tanto
em São Lucas como em São Mateus, encontramos esta afirmação: “de boa àrvore
bom fruto”, embora nos evangelhos a frase tenha um significado espiritual, pois
aqui os frutos são os nossos actos e a àrvore o nosso coração. Os moralistas da
235
cArLos BoBone
236
provérBios GeneALóGicos
ainda mais claro quando nos debruçamos sobre as outras categorias de ditados
que completam o circuito genealógico.
237
cArLos BoBone
238
provérBios GeneALóGicos
Linhagem
Não há geração sem rameira ou ladrão (1651). Esta sentença agrava-se no século
seguinte:
Nem rio sem vau, nem geração sem mau (1621, 1651 e 1841)
Deixemos pais e avós, e por nós sejamos bons – nostra nos virtute decet non
sanguine
Niti (o que nos fica bem é a nossa virtude, e não o resplendor do sangue) (1669
e 1841)
8
1669 equipara-o ao ditado latino “Urget praesentia”, que se pode pôr a par do francês “noblesse
oblige”.
239
cArLos BoBone
Bons costumes e muito dinheiro farão a meu filho cavaleiro (1669) 10. No século
XVIII deixa-se cair o requisito dos bons costumes, e a abundância monetária
torna-se a condição única de acesso à cavalaria:
Outro provérbio do século XVII admite a ascensão social em pouco tempo, e não
se embaraça com explicações:
ontem vaqueiro, hoje cavaleiro (1651)
A cabo de cem anos os reis são vilões, e a cabo de cento e seis, os vilões são reis
(1621, Hernan Nuñez, em espanhol). Esta sentença aparece entre os séculos XVII
e XIX com variantes, umas vezes com o número cento e seis(1621, 1841), outras
com o número cento e dez (1651). O que prevaleceu no fim foi o número cento
e seis porque rima com reis, mas o que é de notar é que em qualquer das versões,
a decadência vem mais depressa do que a ascensão.
Pai, galego; filhos, fidalgos; netos, ladrões (1902ª, 1945, 1978, 2005)
Pai rico, filho nobre, neto pobre (1945, 1978, 1997, 2005)
9
O compilador deste ditado, Padre Firmino Martins, esclarece o significado: “isto é, inquire da
geração da pessoa a quem te queres unir.
10
Costumbres, y dineros hazen hijos cavalleros (1621).
240
provérBios GeneALóGicos
Sangue
Sangue não é àgua – Sugere que sendo o sangue um líquido espesso, ao contrário
da àgua que não tem espessura, o primeiro, por onde correr, há de deixar os seus
vestígios.
Sangue nobre não afronta a quem lhe obedece, antes aceita toda a desculpa (1619)
Parentesco
Nem moço, parente, nem rogado tenhas por criado. Este provérbio encontra-se
nas obras do poeta Chiado, e figura como antítese de uma das parvoíces que ele
condena: “Quem tem em casa parente por criado – parvoíce”(Chiado).
A fiuza de parentes cata que merendes (1561, 1618, 1841, 1936) 11.
11
Em 1945 temos: em viúva de parentes, busca que merendes.
241
cArLos BoBone
Avarento rico não tem parente nem amigo (1561, 1651, 1669 e 1987)
Quando o vilão está rico, não tem parente nem amigo (1841)
Bom é ter pai e mãe; mas comer e beber rapa tudo (1669)
Mas caros tengo mis dientes que mis parientes (Marquês de Santillana)
Mais quero para meus dentes, que para meus parentes (1936)
Nem sapateiro sem dentes, nem escudeiro sem parentes (1750 e 1841)
Quem ama a Beltrão ama a seu irmão = qui me amat meos diliget (1750)
Não digas mal d´El Rei, nem entre dentes, porque em toda a parte tem parentes
(1841)
242
provérBios GeneALóGicos
Nobreza
Serve senhor nobre inda que pobre (Ulysipo). Este provérbio do século XVI,
enriquece-se nos séculos seguintes com uma justificação. No século XIX tem esta
forma: Serve ao nobre ainda que pobre, que tempo virá que to pagará (1841 e
1873)
243
cArLos BoBone
Fidalguia
Homem não Fidalgo que consente sua mulher aprenda a ler, ou é já cornudo ou
anda para o ser. (Chiado)
O fidalgo e o galgo e o taleigo de sal, junto do fogo os hão de achar (1651, 1841,
1945, 1999)
Nem ruim letrado, nem ruim fidalgo, nem ruim galgo (1841)
Andar a pago, não pago, não é obra de fidalgo (1621, 1651 e 1841) 12
244
provérBios GeneALóGicos
Fidalguia sem comedoria, é gaita que não assobia (1941, 1945, 1988, 1997, 2005)
Fidalgo sem renda é alforge sem merenda (1945, 1988, 1997, 2005)
Fidalgo sem dinheiro, castelo sem ameias (1945, 1988, 1997, 2005)
245
cArLos BoBone
Fidalgos vadios, cães raivosos e vento noroeste, não há pior peste (1999)
Fidalgos vadios, cães raivosos e vento nordeste, não há pior peste (2005)
Cavalaria
Nomes e Apelidos
Também João Vaz tem besta =também a formiga tem catarro (1669 e 1750)
Ainda que João Vaz tem besta, não deixam de lhe apontar à testa (1841)
246
provérBios GeneALóGicos
No Alentejo, por onde quer que andes, sempre encontrarás porcos, potes e
Fernandes (1978)
De Amarais, viúvas com corais e viagens a pé, libera nos domine (1978)
Se fores a Seia e o não saibas, livra-te de Melos, Motas e Saraivas. Mas, quer
queiras quer não queiras, estarás metido com Oliveiras (1941)
Se fores a Seia que não saibas, livra-te de Mota Veigas, Melos e Casais (1978)
247
cArLos BoBone
Heranças
13
Mulher, mula e moleta, tudo se escreve com a mesma letra (1948).
14
A tu hijo, buen nombre, y oficio (1621).
248
provérBios GeneALóGicos
Quem não mente não vem de boa gente (Gil Vicente, I, 343). Este provérbio foi
corrigido nos séculos seguintes, ganhando em conteúdo moral: quem mente não
vem de boa gente (1669), quem não se sente não é de boa gente (1956)
Tais fomos nós, tais sereis vós (1651 – incluído no capítulo “filhos”)
De tal madeiro tal acha – Fortes creantur fortibus (os fortes são criados pelos
fortes) (1669)
De tal acha tal racha – Mali corvi malum ovum (do mau corvo mau ovo) (1669)
Nunca de corvo bom ovo – Nunquam ex malo patre bonus filius (1669)
Nunca de rabo de porco bom virote (1651 e 1669 – vide quem torto nasce, tarde
se endireita).
249
cArLos BoBone
250
provérBios GeneALóGicos
De pai mau, filho bô; lá virá neto que sai ao avô (1936)
251
cArLos BoBone
Não com quem naces, senão com quem paces (1561, 1621)
15
O compilador deste provérbio, padre Firmino Martins, esclarece o seu significado:“isto é,
inquire da geração da pessoa a quem te queres unir”(1927).
16
“renego dos que se assentam / onde não devem estar”, nos “arrenegos de Gregório
Afonso”, incluídos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
252
provérBios GeneALóGicos
Cada qual com seu igual, ou cada ovelha com sua parelha (1750)
Lê com lê, e crê com crê, cada um com os de sua relê (1750)
17
Dá-lhe por equivalente latino “non omnia possumus omnes” – nem todos podemos tudo.
253
cArLos BoBone
Por amor que não convem nasce muito mal e pouco bem (1561)
O que não vem de seu natural não se finge muito tempo (1561)
Ainda que mude de pele a raposa, seu natural nunca despoja (1936)
18
Casar, y compadrar, cada cual con su ygual (1621).
254
provérBios GeneALóGicos
Bibliografia
Mattoso - José Mattoso, o essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses.
Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, sem data.
Regateiras - Auto das Regateiras de Lisboa, composto por hum frade Loyo filho
de uma dellas. Lisboa, Academia das Sciencias de Lisboa, 1919 (o original é do
século XVI ou XVII)
255
cArLos BoBone
256
provérBios GeneALóGicos
1997 – José Pedro Machado, O Grande Livro dos Provérbios. Lisboa, Círculo de
Leitores, 1997.
257
A LINHAGEM DOS BRAGANÇÃOS – PARTE I
Abstract: continuing criticism about the genealogy of the great lineages from the
time of Portugal´s foundation as a kingdom, and the consultation of coeval docu-
ments not having been taken in account up to now, the author approachs that of
“Bragançãos” which, in the traditional vision, has being troubled with some errors
and somewhat important faults. Among them, it can be pointed out the inverisi-
militude of the version that indicates D. Fernão Mendes, o “Bravo”, as an Alfonse
VIIth´s grandson. It can also be pointed out the probability of the famous D. Afonso
IIIrd´s “meirinho-mor”, D. Nuno Martins de Chacim, being, by legitimate male
line, a “Braganção”, to whom chieftaincy of lineage belonged.
259
AuGusTo ferreirA do AmArAL
Esta foi durante muitos séculos uma linhagem mal conhecida, não obstante
as notícias dadas pelos nobiliários medievais e por frei António Brandão. Estu-
dada, já nos nossos dias, por Almeida Fernandes 1 e por José Mattoso 2, constituiu
o tema único duma obra genealógica por Soares Machado 3 e veio a ser tratada e
avaliada no seu papel histórico por Sottomayor Pizarro 4. Não obstante, creio útil
uma revisão.
§ 1º - *Alão
1
FERNANDES, A. de Almeida, “Território e política portucalenses (séculos VI-XII)”, O Tripeiro,
Porto, 4ª série, ano XII (1972), pp. 229-254, e “Guimarães, 24 de Junho de 1128”, Revista de
Guimarães, vol. LXXXVIII (1978), p. 78.
2
MATTOSO, José, Ricos-Homens Infanções e Cavaleiros, Guimarães & C.ia, Editores, Lisboa,
1982, pp. 65-68.
3
MACHADO, José Carlos Soares, Os Bragançãos, Lisboa, Associação Portuguesa de Genealogia,
2004.
4
PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e
estratégias (1279-1325), Porto, Universidade Moderna do Porto, 1999, vol. I, pp. 227-252,
e “O regime senhorial na fronteira do Nordeste português. Alto Douro e Riba Côa (séculos
XI-XIII)”, Hispania, Revista Española de Historia, Madrid, vol. LXVII, nº 227 (2007), pp.
849-880.
5
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 35.
260
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
chamado Alanos 6 com origem no norte do Cáucaso central, junto desta cordi-
lheira 7, invasor do continente europeu a partir de fins do séc. IV d.C.
Esses topónimos e antropónimos acham-se desde a alta Idade Média
em diversas regiões da Europa 8, com destaque para a Armorica (Bretanha) e a
Normandia. 9
Soares Machado, na esteira de Luiz de S. Payo, admite que Alão fosse da
família dos condes de Nantes e que daí se tivesse deslocado para o norte da Penín-
sula Ibérica, para participar nas operações de guerra da reconquista 10.
A hipótese é no entanto demasiado especulativa para poder ser tida por
consistente, no actual estado do conhecimento.
Além disso, só escassos topónimos transmontanos parecem vagamente
susceptíveis de candidatar-se a uma origem alana, tanto mais quanto se desco-
nhece quase tudo da língua que os Alanos falavam quando invadiram a Europa.
Entre esses topónimos figura Sambade, cujo étimo tem sido considerado obscuro
e que se aproxima de Sambida, comandante dos Alanos, a quem o imperador de
Roma Valentiniano III, em 440, entregou terras junto de Valence, na Gália 11.
Mas é pouco, quase nada.
É ainda de notar que em 1032 vivia um certo Alon presbítero, que
confirmou documento de doação, entre particulares, de vinhas situadas nos arre-
dores de León 12.
6
KEATS-ROHAN, K. S. B., “’Billichildis’. Problèmes et possibilities d’une etude de l’onomastique
et de la parenté de la France du nord-ouest”, Onomastique et parenté dans l’Occident medieval (ed.
K. S. B. Keats-Rohan et C. Settipani), Oxford, Prosopographica et Genealogica, 2000, p. 58.
7
Onde existia, ainda na Idade Média, a Alania da qual falam algumas fontes, conforme
OGNIBENE, Paolo, Alani. I: “La riscoperta”; il nome; l’Alania medioevale, Mimesis, Milano –
Udine, 2012, p. 66.
8
LE CALLOC’H, Bernard, Des Asiatiques en Hongrie. Khazars, Kabars et Alains, Paris,
L’Harmattan, 2013, p. 38.
9
BACHRACH, Bernard, A history of the Alans in the West, Minneapolis, University of Minnesota,
1973, pp. 77-99, e LEBEDYNSKY, Iaroslav, Sur les traces des Alains et Sarmates en Gaule, Paris,
L’Harmattan, 2011, pp. 138 e 221.
10
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 44
11
ALEMANY, Agustí, Sources of the Alans, Brill, Leiden – Boston – Köln, 2000, pp, 119 e 168;
é de notar contudo que o nome Smbat era frequente entre reis e príncipes arménios da alta
Idade Média (ver ARTSRUNI, Thomas, History of the House of Artsrunik, Detroit, Wayne State
University Press, 1985, p. ex., pp. 293 e 345), além do que houve mistura, nessa época, de
nomes alanos e arménios, como é o caso dum Alan Artsruni (ibidem, p. 134).
12
CAVERO DOMÍNGUEZ, Gregório, e MARTÍN LÓPEZ, Encarnación, Colección Documental
de la Catedral de Astorga, I (646-1126), León, Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro»,
pp. 230-231.
261
AuGusTo ferreirA do AmArAL
§ 2º - Mendo Alão
262
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
vários membros dessa família, que ao tempo eram padroeiros do mosteiro» 19. E
isso inculca que um antepassado comum deles o haja fundado, ou pelo menos
que o tenha dotado com importantes bens fundiários.
Mas não considero provado que a fundação do mosteiro houvesse sido
anterior ao séc. XII 20, como tradicionalmente se pretendia. E não sei de notícia
documental que se lhe refira, portuguesa, leonesa ou galega, mais antiga do que
29 de julho de 1145 – data de uma doação de herdades que ao mosteiro fez D.
Afonso Henriques 21.
Mais. É mesmo questionável que antes de Fernando Mendes Braganção e
de um de seus irmãos, esta estirpe tivesse sido designada como de Bragança. E nem
o pai nem o avô deste, como se verá, aparecem identificados em escrito contem-
porâneo, como tenentes de Bragança; o avô aparece como tenens, mas de Chaves.
Não consta portanto abonação documental contemporânea deste Mendo
Alão, nem de seu casamento, nem das terras que tivesse, nomeadamente as de
Bragança.
Os fundamentos destes dados são exclusivamente os três livros medievais
de linhagens portugueses. E estes, sem embargo de ainda hoje serem conside-
rados uma fundamental base de informação para aquela época, são, sobretudo
o chamado Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, fontes bastante inquinadas
e enganadoras, merecendo uma leitura crítica sistemática e um crivo apertado,
mormente quanto a factos passados em séculos anteriores. Como observa Salazar
y Acha, «estos nobiliarios son tanto más veraces cuanto más cercanos están al
autor, tanto en el espacio como en el tiempo» 22.
Segundo o Livro Velho,
«dom Alam, que foi clérigo filho d’algo e filhou a filha d’el rei de Armenia
quando foi em oração a Santiago, e foi sa hospeda em Sam Salvador de
Crasto de Avelãas, e filhou-a com seu linhagem e enviou as companhas
suas para sa terra, e ficou ele com ela, e fege nela dous filhos donde vieram
os linhagens dos Bragançãos».
19
OLIVEIRA, Carlos Prada de Oliveira, “O mosteiro beneditino de São Salvador de Castro de
Avelãs no povoamento da região bragançana”, Brigantia, vol. XI, nºs 1-2, Bragança, 1991, p. 35.
20
BORGES, José Cardoso, Descripsão topográfica da Cid.e de Bragança, manuscrito, B.N.L.,
Colecção Pombalina, nº 248, fls. 84-85v.
21
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, por AZEVEDO, Rui Pinto de, vol. I,
tomo I, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1958, p. 259; certo documento datado de
1144, relativo a uma doação pelo mesmo rei, não deve ser levado em conta, pois é considerado
falso.
22
SALAZAR y ACHA, Jaime de, Manual de Genealogía Española, Madrid, 2006, p. 154.
263
AuGusTo ferreirA do AmArAL
«Dom Mendo Alão de Bargança filhou por força uma filha d’el rei
d’Armenia que ia em romaria a Santiago» 23.
Dúvidas fortes se põem à veracidade desta “estória”. Uma delas é que, como
o dito “Alão” não atingiu sequer as décadas finais do séc. XI, não poderia dar
hospedagem à suposta princesa em Castro de Avelãs se, como parece provável, este
mosteiro só foi construído no séc. XII. Além do que se não vê como este cenóbio,
a existir já no séc. XI, fosse incluído num itinerário arménio para Santiago.
Soares Machado, contudo, aceita no essencial a versão do Livro Velho. E
sugere que essa princesa fosse filha do rei de Van 24. Baseia-se, para tanto, em
Binayan Carmona 25, encurtando porém, com isso, por razões cronológicas, uma
geração.
Qualquer das hipóteses está longe de poder passar disso – simples hipótese
- tanto mais quanto não vejo vestígios antroponímicos arménios na descendência
de “Mendo Alão”.
Segundo os nobiliários medievais, de Mendo Alão foram filhos Fernando
Mendes e Ouroana Mendes.
§ 3º - Ouroana Mendes
Esta teria casado, com geração, com Fafe Sarracines, rico-homem, que,
segundo a mesma fonte, foi morto «com grão peça de cavaleiros» no combate
entre Garcia II da Galiza e Sancho II de Castela 26. O combate, no qual por banda
do rei de Castela terá combatido Ruy Díaz, o “Cid”, que segundo jograis tardios
23
“Livro Velho de Linhagens”, Portugaliae Monumenta Histórica. Nova Série, vol. I, Livros Velhos
de Linhagens, por PIEL, Joseph, e MATTOSO, José, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa,
1980, p. 23; “Livro de Linhagens do Deão” cit., p. 161; e Portugaliae Monumenta Histórica.
Nova Série, Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, vol. II, tomo I, por MATTOSO, José, Lisboa,
Academia das Ciências de Lisboa, 1980, p. 451.
24
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 55.
25
BINAYAN CARMONA, Narciso, “Una princesa armenia en Compostela en el siglo XI:
su genealogía”, Estudios Genealogicos, Heraldicos y Nobiliarios en honor de Vicente de Cadenas
y Vicent, con motivo del XXV aniversario de la Revista Hidalguía, Madrid, 1978, tomo I, pp.
131-153.
26
“Livro de Linhagens do Deão”, cit., p. 186.
264
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
«había librado a Sancho [de Castela] de las manos de los caballeros gallegos» 27,
travou-se em Santarém, em fins de abril, princípios de maio de 1071 28, e nele foi
aprisionado o dito rei da Galiza.
Mas a existência desta filha de Mendo Alão e o seu casamento com Fafe
Sarracines assentam apenas na indicação fornecida pelos livros de linhagens.
É pouco, para se considerarem seguros tais dados. Tanto mais quanto houve,
algumas gerações após, um Godinho Fafes, também dos de Lanhoso, que casou
com uma Ouroana Mendes (da linhagem de Ribadouro e não da de Bragança) 29,
nomes que não são dos mais frequentes. Simples coincidência ou confusão de
nomes e gerações?
De qualquer forma, não excluo reservas quanto à mencionada informação
dada pelos nobiliários medievais. Vendo-a pelo preço por que eles a vendem.
§ 4º - Fernando Mendes
27
MENÉNDEZ PIDAL, Ramón, La España del Cid, 5ª edição, Madrid, 1956, vol. I, p. 170.
28
PORTELA SILVA, Ermelindo, Garcia II de Galicia. El Rey y el reino (1065-1090), Burgos,
2001, pp. 122-123.
29
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, edição
de LOPES, Filipa, e SILVA, Maria João Oliveira e, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa,
2015, p. 295.
30
FERNANDES, A. de Almeida, “Território e Políticas Portugalenses ... etc.” cit., ano XI, nº 11
(1971), p. 342.
31
SOARES, Torquato de Sousa, “Um testemunho sobre a presúria do bispo Odoário de Lugo no
território Bracarense”, Revista Portuguesa de História, Coimbra, Universidade de Coimbra, tomo
I, 1941, pp. 153 e 159.
32
DAVID, Pierre, Études historiques sur la Galice et le Portugal, Lisboa, Institut Français au
Portugal, 1947, p. 133.
265
AuGusTo ferreirA do AmArAL
33
LÓPEZ FERREIRO, Antonio, Historia de la Santa A. M. Eglesia de Santiago de Compostela,
Santiago de Compostela, 1900, vol. II, Apendices, pp. 176-186, e SÁNCHEZ-ALBORNOZ,
Claudio, El Reino de Asturias, Oviedo, Instituto de Estudios Asturianos, tomo III, 1975, p. 434,
e Estudios sobre Galicia en la temprana Edad Media, La Coruña, Fundación «Pedro Barrié de la
Maza», 1981, pp. 170 e nota 50, 176,177 e 192-193.
34
PÉREZ DE URBEL, Justo, “Los primeiros siglos de la Reconquista (Años 711-1038)“, Historia
de España Menéndez Pidal, 6ª edição (dir. José María Jover Zampra), Madrid, Espasa Calpe,
tomo VI, 1992, pp. 156-159.
35
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio, La España Musulmana, 7ª edição, Madrid, Espasa Calpe,
tomo I, 1986, p. 496, MESTRE CAMPI, Jesús, e SABATÉ, Flocel, Atlas de la «Reconquista»,
Barcelona, Ediciones Península, 1998, p. 21, SÉNAC, Philippe, Al-Mansur. Il flagello dell’anno
mile, trad. italiana, Roma, Salerno Editrice, p. 117, e ECHEVARRÍA ARSUAGA, Ana,
Almanzor. Un califa en la sombra, Madrid, Sílex Ediciones 2011, pp. 155-157.
36
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio, El Reino … etc. cit., tomo III, p. 21.
266
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
37
PÉREZ DE URBEL, Justo, Sampiro. Su Cronica y la Monarquía Leonesa en el siglo X, Madrid,
Escuela de Estudios Medievales, 1952, p. 280.
38
Liber Fidei, publicado por COSTA, Avelino de Jesus da, tomo II, Braga, 1978, p. 40.
39
ibidem, p. 86.
40
ibidem, p. 90.
41
MÍNGUEZ, José María, Alfonso VI, Hondarribia, Editorial Nerea, 2000, p. 49, MENÉNDEZ
PIDAL, Ramón, La España del Cid, 5ª edição, Madrid, Espasa Calpe, 1956, vol. I, pp. 189-191,
e REILLY, Bernard F., El reino de León y Castilla bajo el Rey Alfonso VI. 1065-1109, tradução
espanhola, Salamanca, 1989, pp. 83 e 88.
42
REILLY, ob. cit., pp. 80-82.
267
AuGusTo ferreirA do AmArAL
43
RIBEIRO, João Pedro, Dissertações Chronologicas e Criticas, tomo I, Lisboa, 1860, pp. 62-63,
parecia admitir que houvesse uma ordem ascendente nos títulos de infans, princeps, rex, usados
em documentos por D. Afonso Henriques, contudo AZEVEDO, Rui de, “Período de formação
territorial”, História da Expansão Portuguesa no Mundo, vol. I, p. 8, nota 1, esclareceu que o
termo princeps não é uma alusão à estirpe régia, mas sim «corresponde apenas à sua alta função
directiva», PIMENTA, Alfredo, Notas de diplomática, Lisboa, 1939, pp. 7-9, mostrou que nem
tinha necessariamente esse significado, e ERDMANN, Carl, “A adopção do título de rei por
D. Afonso Henriques”, Congresso do Mundo Português. Publicações, II vol. Lisboa, 1940, p. 58,
confirmou que os títulos de princeps e infans «se não deveriam interpretar como implicando
categoria superior e inferior»; ver, sobre o significado da palavra princeps, TORRES SEVILLA
Quiñones de León, Margarita, Linajes nobiliarios de León y Castilla, León, 1999, pp. 35-36,
BARTON, Simon, The aristocracy in twelfth-century León and Castille, Cambridge, 1997, p.
30, MATTOSO, José, Ricos-homens, … etc. cit., p. 90, VENTURA, Leontina, “A nobreza – da
guerra à corte”, Nova História de Portugal (dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), vol.
III, Lisboa, 1996, p. 206, e COELHO, Maria Helena da Cruz, e HOMEM, Armando Luís de
Carvalho, Nova História de Portugal, cit., “O quadro institucional”, vol. III, pp. 547 e 549.
44
Há que registar o esclarecimento de Inés Calderón: «El princeps terrae tenía atribuiciones jurídico-
administrativas, y solía poseer un importante património en la tierra que gobernaba; además de
tener un gran poder, delegado del rey, sobre su circunscripción. El término además tenía una
fuerte connotación militar. Se empleó en escasas ocasiones, aunque sempre para denominar
a algunos de los poderosos dignitários que constituían el círculo más próximo al monarca»,
CALDERÓN MEDINA, Inés, ‘Cum magnatibus regni mei’ La nobleza y la monarquía leonesas
durante dos reinados de Fernando II y Alfonso IX (1157-1230), Madrid, 2011, p. 253.
45
Liber Fidei, cit., tomo III, p. 119.
46
PIZARRO, Sottomayor, “O regime senhorial na fronteira do Nordeste … etc.”, cit., p 853.
47
No que aderiu à hipótese de FERNANDES, A. de Almeida, “Território e Política Portugalenses
... etc.”, nº 11 (1971), cit., nota 11, p. 345.
268
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
3 - No nosso país tem-se dito, ao que creio com base apenas num dos
nobiliários medievais, que teria casado com uma filha bastarda do rei Afonso VI,
de Leão. Aceitaram-no Almeida Fernandes, o Marquês de São Payo, Mattoso,
Pizarro, Luiz de São Payo e Soares Machado 50.
Mas é de impugnar essa suposta aliança matrimonial, que os autores espa-
nhóis aliás nunca mencionam. Ela não é referida, que eu saiba, em documento
algum anterior ao séc. XIV, quer das chancelarias régias, quer dos arquivos ecle-
siásticos. E nenhuma das crónicas medievais conhecidas alude a tal matrimónio,
nem aponta indício de que uma filha do imperador Afonso VI pudesse ter casado
com Fernando Mendes.
O suposto casamento haveria de ter sido celebrado não depois de 1080 51,
uma vez que, conforme expõe Soares Machado, o filho de ambos, Mendo
Fernandes, não terá casado depois de 1100 52. Ora, se Fernando Mendes fosse já
em 1086 genro de Afonso VI, certamente não figuraria no aludido documento
no último lugar dos confirmantes, depois de doze bispos, seis condes, três altos
dignitários régios e onze confirmantes sem qualificativo. A menos que não fosse
ele o Fredenandus Menindiz que confirmou o documento. Mas então ficaria por
explicar a razão por que, sendo à data (por mera hipótese, claro) o único genro
do rei, nem ele nem a mulher figuraram em acto tão solene, no qual outorgou a
infanta irmã do monarca.
Também é de estranhar que Fernando Mendes não tivesse ascendido por
essa época à dignidade de conde, geralmente atribuída aos nobres que casavam
com infantas.
A fonte mais próxima que fala em tal casamento é o Livro do Deão que
foi escrito mais de dois séculos e meio depois, entre 1337 e 1343 53. E ainda
48
Liber Fidei, cit., tomo II, p. 90.
49
GAMBRA, Andrés, Alfonso VI. Cancillería, Curia e Imperio, León, Centro de Estudios e
Investigación «San Isidoro», vol. II, 1998, p. 229.
50
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 61-63.
51
ibidem, p. 62.
52
ibidem, p. 77.
53
MATTOSO, José, Naquele Tempo, Círculo dos Leitores, 2009, p. 274.
269
AuGusTo ferreirA do AmArAL
que aceitando, com Pizarro, que o autor do Livro do Deão houvesse colhido tal
informação na parte perdida do Livro Velho, de qualquer forma, este último terá
sido redigido entre 1284 e 1290 54, ou seja, decorridos cerca de dois séculos sobre
o hipotético casamento e muito depois do óbito de todos os bisnetos de Afonso
VI.
De resto, nem o dito Livro do Deão fornece sequer informação sobre o
nome ou qualquer circunstância relativa a uma tal filha de tão destacado monarca.
A hipótese será aliás, cronologicamente, pouco menos que impossível se
tiver razão Jaime de Salazar quando propõe a revisão da data de nascimento de
Afonso VI para 1047 55. É que, se o nascimento do suposto neto de Afonso VI,
Mendo Fernandes (de Bragança), filho do Fernando Mendes em causa, ocorreu
não depois de 1080, como considero acertado, então aquele rei teria sido avô com
33 anos de idade, ou menos, o que é bastante inverosímil. Nessa hipótese, não
poderia ter gerado a suposta filha depois de 1065, ou seja, com mais de 18 anos.
E, mesmo assim, seria preciso que a filha tivesse casado e consumado o casamento
com 14 anos.
Acresce ainda o seguinte: se o casamento entre Fernando Mendes e a hipo-
tética filha de Afonso VI se tivesse efectuado, o neto deles – Fernando Mendes,
o “Bravo” - não poderia ter casado, como casou, com uma irmã de D. Afonso
Henriques, sem uma difícil dispensa papal, pelo impedimento da consanguini-
dade, já que seria um conúbio entre primos co-irmãos e o Concílio de Roma de
1059 interditara o casamento entre parentes até o 7º grau, impedimento que só
no Concílio de Latrão de 1215 veio a ser reduzido para o 4º grau 56.
Fernando Mendes não era portanto genro de Afonso VI.
54
ibidem, p. 273.
55
SALAZAR y ACHA, Jaime de, “Política matrimonial de Alfonso VI de Castilla”, in Anales de la
Real Academia Matritense de Heráldica y Genealogía, vol. II, Madrid, 1992-1993, pp. 302-305;
porém esta hipótese está longe de ser considerada consagrada; e será inaceitável se dermos crédito
(e não sei de razões para dão dá-lo) ao documento datado de 24 de abril de 1043 (publicado em
Colección Documental del Monasterio de San Andrés de Espinareda 1043-1428, por JIMÉNEZ
SUÁREZ, María Jesús, León, 2005, pp. 69/70), no qual se refere ter Fernando I concedido
privilégios à igreja de San Andrés de Espinareda, sendo já nascidos cinco filhos, entre os quais
um, pelo menos (Garcia), era mais novo do que Afonso VI, e nascido antes de 1041, segundo
autores como MENÉNDEZ PIDAL, Ramón, La España del Cid, Madrid, 1956, vol. II, p.
707, MIRANDA CALVO, José, La reconquista de Toledo por Alfonso VI, Toledo, 1980, p. 33,
ESTEPA DÍEZ, Carlos, El reinado de Alfonso VI, Madrid, 1985, p. 17, REILLY, El reino …
Alfonso VI … etc. cit., p. 35, e LINAGE CONDE, Antonio, Alfonso VI, el Rey Hispano y Europeo
1065-1109, Burgos, 1994, p. 26.
56
SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, e PIZARRO, José Augusto Sotto Mayor, “A família – estruturas
de parentesco e casamento”, in (dir. José Mattoso) História de Vida Privada em Portugal. A Idade
Média, Lisboa, 2010, p. 128.
270
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
Não obstante, a notícia em causa, dada pelo Livro do Deão, talvez tivesse
um certo fundo de verdade. Como adiante direi, poderia ter sido adulterada pela
confusão entre ele e um presumível filho.
57
Descripcion genealogica y historial de la ilustre Casa de Sousa, Madrid, Imprenta Francisco Xavier
Garcia, 1770, p. 83.
271
AuGusTo ferreirA do AmArAL
58
FERNANDES, A. de Almeida, “Guimarães … etc.” cit., p. 70.
59
Que o foi, por breve tempo, como se vê em REILLY, The kingdom … Urraca, cit., pp. 78 e 333.
272
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
60
É de assinalar que Zamora fora dada em honra por D. Urraca a sua meia-irmã, D. Teresa
(Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 43), pelo que a tenência de
Fernando Mendes, nesta data, inculca a confiança simultânea de ambas as irmãs.
61
Liber Fidei cit., tomo III, 1990, p. 7.
62
SENRA GABRIEL y Galán, José L., “Mio Cid es de Bivar e nos de los Condes de Carrión.
Los Banu-Gómez de Carrión a la luz de sus epitáfios”, Quintana, Santiago de Compostela,
Universidade de Santiago de Compostela, nº 5, 2006, p. 251.
63
AZEVEDO, Luís Gonzaga de, História de Portugal, Lisboa, Edições “Bíblion”, vol. 3º, 1940, p.
108.
273
AuGusTo ferreirA do AmArAL
para chegar a tal afirmação, e não vejo razões para considerá-los seguros, tanto
mais quanto ele, logo no trecho em que afirma que Fernão Fernandes era filho de
Fernão Mendes, chama a este “o Braganção”, que creio nunca ter sido seu qualifi-
cativo, e confunde-o com o seu neto homónimo, Fernão Mendes (“o Bravo”, esse
sim, “Braganção”), que foi quem confirmou em 1124 uma doação de D. Teresa
ao arcebispo de Braga.
Equacionemos o problema.
Sabe-se pela crónica de D. Pelaio e por outras, posteriores, que Afonso VI
teve duas filhas da sua concubina Ximena Munionis 64. Uma, a mais nova, foi a
nossa rainha D. Teresa, mulher do conde D. Henrique. A outra filha foi D. Elvira,
que nasceu provavelmente em 1079 65, casou com o conde Raimundo de Tolosa
(«Xemenam Munionis, ex qua genuit Geloiram, uxorem comitis Raimundi
Tolosani») 66, e o acompanhou na sua ida para a Terra Santa ao comando dum
exército de cruzados 67. Tendo este Raimundo morrido em 1105, de doença,
durante o assédio de Tripoli 68, a infanta resolveu deixar Jerusalém e voltou para
a península Ibérica, onde já se encontrava em 1115. Cerca de dois anos depois,
por julho de 1117, passou a segundas núpcias com Fernando Fernandes, figura
importante da corte de D. Urraca, às vezes qualificado como conde 69, que veio
a falecer entre setembro de 1125 e julho de 1129, provavelmente, com mais
precisão, em 1126 70.
274
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
4.1 - Desde logo pelo ano que lhe é atribuído, o qual não pode ser 1130.
Com efeito, a palavra vicena, que nessa forma, será talvez um erro de
72
CANAL, ob. cit., p. 276.
73
QUINTANA PRIETO, Temas Bercianos, cit., tomo III, p. 344.
275
AuGusTo ferreirA do AmArAL
276
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
78
ibidem, p. 250.
79
RUIZ ASENCIO, José Manuel, RUIZ ALBI, Irene, e HERRERO JIMÉNEZ, Mauricio,
Colección Documental del Monasterio de San Román de Entrepeñas (940-1608), León, Centro de
Estudios e Investigación «San Isidoro», 2000, pp. 54 e 55.
277
AuGusTo ferreirA do AmArAL
imperador Afonso VI, mas que a rainha Urraca, quando subiu ao trono, reexa-
minado o assunto, lho restituíra, a ela e à sua dita filha. Figura, a confirmar a
doação, um Fernando Fernandes que é decerto o outro filho dela, Aldonça, e que
obviamente não participou na doação porque era filho de outro pai.
A ira régia em que tombara o conde Monio Fernandes é referida por Afonso
VI na doação, que fizera, em 25 de janeiro de 1100, do dito mosteiro, à abadia de
Sahagún, conforme um trecho para o qual proponho a seguinte tradução:
«E o mosteiro assim desse modo e a vila na qual está situado ficam no vale
de Vidriales, o qual me veio parar, pela norma consuetudinária do país,
da sucessão ao conde Monio Fernandes, relegado em exílio da sua pátria
por causa da sua soberba; o qual eu dera à minha diletíssima mulher a
rainha Berta em sua vida; pela morte dela dou-o, para vestimenta, comida
e bebida em S. Fagundo [Sahagún], onde o seu corpo está tumulado, dos
monges servidores a Deus, para remédio da minha alma e da dela.» 80.
80
O texto em latim é como segue, «Et sic monasterium quomodo et illa uilla in qua est positum
iacent in Ualle de Uidriales, quod michi accidit per consuetudinem patrie ex successione comitis
Monnini Fernandiz, a patria exilio propter superbiam suam religati; quod in uita sua dederam
diletissime uxori mee Berte regine, ad cuius mortem do illud ad uestimentorum, cibi et potus
monachorum in Sancto Facundo, ubi corpus eius tumulatum est, Deo seruientium, pro remedio
anime mee ac sue.», segundo GAMBRA, ob. cit., p. 404 (ver também BERNARD, Auguste, e
BRUEL, Alexandre, Recueil des Chartes de l’Abbaye de Cluny, tomo 5º, Paris, 1894, p. 84).
81
RUIZ ASENCIO, José Manuel, Colección Documental del Archivo de la Catedral de León (775-
1230), León, Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro», vol. IV, 1990, p. 597.
82
AYALA MARTÍNEZ, Libro de privilegios, cit., pp. 145-146.
278
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
O que pode dar-se como provado é que Fernando Fernandes de que venho
tratando foi filho de um Fernando (que ele, o filho, qualifica como conde), e de D.
Aldonça Gomes; e neto materno dos condes de Carrión. Casou com a infanta D.
Elvira Afonso, foi efectivamente tenens de Malgrado na fase final da vida e veio a
morrer no mesmo ano que a rainha D. Urraca - 1126.
6 - Margarita Torres Sevilla acrescenta que ele foi um «conde galego» 83;
e não será menos certeiro o qualificativo dado por Reilly - «Leonese noble» 84.
Bishko, baseado na cronologia e na posterior conexão com Toro, sugere que ele
foi o mesmo que entre 1108 e 1112 estava ao serviço do conde D. Henrique de
Portucale, mandando em Lamego em 1111, e que, falecido este último em 1112,
desapareceu dos documentos portugueses 85.
E pode admitir-se, sem forçar nem distorcer, que as referências documen-
tais a Fernando Fernandes com que deparei dizem respeito à mesma pessoa.
Mas quem era, então, este Fernando Fernandes?
«pro anima mea et pro anima patris mei Fernandi comitis et anima uxoris
meae predicte infantae, et pro animabus omnium aviorum et parentum
meorum» (pela minha alma e pela alma de meu pai Fernando conde e pela
alma da dita infanta minha mulher, e pelas almas de todos os meus avós
e parentes).
«de hereditate mea propria, quam habeo de patre meo et de avibus meis»
(da herdade minha própria, a qual tenho de meu pai e de meus avós).
279
AuGusTo ferreirA do AmArAL
«totam quartam partem meam integram, sicut mihi competit inter meos
heredes, id est casas ecclesias, víneas, terras populatas et non populatas, tota-
mque hereditatem per ubicunque eam invenire potuerint» (toda a minha
quarta parte integral, como me corresponde entre meus consanguíneos
colaterais, ou seja as casas, igrejas, vinhas, terras povoadas e não-povoadas
e toda a herdade que em qualquer lugar para ela possam vir a ser obtidas).
86
LINAGE CONDE, Antonio, Los orígenes del monacato benedictino en la Península Ibérica, León,
Centro de Estudios e Investigación «San Isidoro», 1973, vol. III, p. 184.
87
FREIRE CAMANIEL, José, El monacato gallego en la Alta Edad Media, A Coruña, Fundación
Pedro Barrie de la Maza, 1998, vol. II, pp. 720-721.
88
YÁÑEZ NEIRA, Damián, El monasterio cisterciense de Ferreira de Pantón, Lugo, Consellería de
Educación e Cultura, 1985, p. 3.
89
SÁ BRAVO, Hipolito de, El monacato en Galicia, La Coruña, 1972, pp. 438-439.
90
FERNÁNDEZ DE VIANA y Vieites, José Ignacio, Colección Diplomática del Monasterio de
Santa María de Ferreira de Pantón, Lugo, 1994, pp. 22-26.
91
CANAL SÁNCHEZ, J. M., “El conde leonés Don Fruela Díaz y su esposa, la navarra Doña
Estefanía Sánchez”, Principe de Viana, revista editada pelo Governo de Navarra, Pamplona, ano
47, nº 177, 1986, p. 39, PARDO DE GUEVARA y Valdés, Eduardo, Los Señores de Galicia, A
Coruña, 2000, vol. I, p. 50, TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 161.
280
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
numa doação feita nesse ano, é referenciado o mesmo prócere como tenens de
Lemos e de Sarriá.
Contudo esta notícia não subsiste em documento mais antigo do que uma
versão de 1613, pelo que não será totalmente segura 92. De qualquer modo, o
mais que ela indica é que nessa data o referido conde usufruía então da tenência
de Lemos. Como não há notícia de que essa tenência fosse anterior e como os
bens, que se sabe possuía então, eram muitos distantes de tal território, é lícito
admitir que ele só pouco antes, isto é, em inícios do séc. XII, haja sido encarre-
gado desse poder, que de resto seria mais ad imperandum do que ad possidendum.
Não há pois razões para partir do princípio de que a igreja do mosteiro de
Pantón pertencesse ao dito Froila Dias.
Por outro lado, ele não teve, que se saiba, qualquer irmão nem filho
chamado Fernando. Apenas um tio irmão de seu pai foi Fernando Peres, mas este
não teve filho conhecido com o dito nome Fernando e mais dificilmente poderia
ser o pai do Fernando Fernandes de quem estamos a tratar, pois morreu antes de
1067 93.
O senhorio de Monforte de Lemos por Froila Dias em 1104 não contradiz,
portanto, a hipótese, que proponho, de o pai do conde Fernando Fernandes
ser Fernando Mendes, tenens de Chaves e avô paterno de Fernando Mendes
Braganção, o “Bravo”. É compatível com o senhorio duma parte do mosteiro
de Ferreira de Pantón, em 1117, por Fernando Fernandes, marido da infanta D.
Elvira, provinda do pai dele - Fernando Mendes, segundo sugiro.
8.1 - Dir-se-á, contra, que Fernando Mendes não poderia ser o pai do
conde Fernando Fernandes casado com D. Elvira porque, na doação
acima mencionada de julho de 1117, ele declara fazê-la pela alma
92
O que talvez explique que BARTON (ob. cit., p. 245) a não haja incluído nos senhorios ou
tenências que menciona, relativos ao conde Froila Díaz.
93
TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 147, 148 e 161.
281
AuGusTo ferreirA do AmArAL
de seu pai. Declara também que a parte que doava lhe provinha de
seu pai e avós. Ora nesse ano e em princípio do seguinte, Fernando
Mendes ainda era vivo, pois confirmou documentos régios, como
acima se viu.
Não creio porém que o sentido dessas duas declarações
implique necessariamente que o pai, à data, já tivesse morrido.
No mesmo documento ele próprio declara fazer a doação
também pela sua própria alma e pela de sua mulher. E ambos eram
vivos.
Era aliás frequente naquelas circunstâncias de tempo e de
lugar, que as doações para benefício da alma fossem também por
intenção de pessoas vivas, do tipo pro remedio anime mee et parentum
meorum tam vivorum quam defunctorum 94.
Por outro lado, quanto à parte que lhe pertencia no bem
doado, não é obrigatório que lhe tivesse ido parar às mãos mortis
causa. Bem podia ter-lhe sido doada ou trocada em vida por seu pai.
Deste modo, a hipótese não é invalidada pelo conteúdo do
documento de Julho de 1117; não é incompatível com ele.
8.2 - Além disso há razões para preferir a identificação do pai de Fernando
Fernandes como o Fernando Mendes avô paterno do homónimo
braganção.
94
CALDERÓN MEDINA, ob. cit., p. 63.
95
REILLY, The Kingdom … Urraca, … etc. cit., pp. 297-298.
282
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
96
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, Lisboa, Academia das Ciências de
Lisboa, vol. I, 1864, p. 141, b).
97
Veja-se DAVID, Henrique, e PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor, “Nobres Portugueses
em Leão e Castela (Século XIII)”, Revista de História, vol. VII, Porto, 1986-1987, pp. 142-143.
283
AuGusTo ferreirA do AmArAL
98
Ver MATTOSO, José, Portugal medieval – novas interpretações, Lisboa, Imprensa Nacional /
Casa da Moeda, 1984, p. 27 e nota 50, e FERNANDES, A. de Almeida, “Do Porto ... etc.” cit.
284
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
99
GAMBRA, ob. cit., p. 5.
100
ibidem, pp. 6-7.
101
ibidem, p. 16.
102
ibidem, p. 208.
103
ibidem, p. 214.
285
AuGusTo ferreirA do AmArAL
mento com D. Aldonça, que não nasceu depois de 1058 e seria uns 40 anos mais
nova do que ele.
As outras referências ao nome Monio Fernandes parecem dizer respeito a
um mesmo membro da cúria régia. Mas é de notar que de nenhuma delas consta
qualquer indicação de que tivesse dignidade condal. Subsiste por isso alguma
dúvida sobre se foi ele quem casou com D. Aldonça.
Mas, mesmo sendo-o, como parece mais provável, a verdade é que o mais
tardio documento em que ele interveio datou de 22 de fevereiro de 1085. Fica-
se, por conseguinte, com a impressão de que o seu tempo foi anterior ao do
Fernando Mendes de quem tenho vindo a tratar como o outro marido de D.
Aldonça.
De qualquer maneira é necessário ponderar o seguinte.
Entre março e dezembro de 1085 haveria Monio Fernandes de ter incor-
rido na ira régia, ter-se exilado e ter morrido, para que D. Aldonça pudesse ter
casado em 1086 e ter gerado o seu filho do novo matrimónio (hipoteticamente
com Fernando Mendes) antes de agosto de 1087. Convenhamos em que é um
período muito curto para que tudo isso houvesse acontecido. Não é impossível,
mas dá que pensar.
O que pareceria mais inverosímil é que Fernando Fernandes tivesse
nascido pouco depois de 1085. Com efeito, ele aparece a confirmar diplomas
régios já em 1100 104, portanto com o máximo de 14 anos, idade pouco própria
para fazê-lo.
A menos que o Monio Fernandes de 1085 fosse outro, que não o conde
que desposara D. Aldonça Gomes e dela tivera a citada Elvira Munhós. E é perti-
nente essa dúvida, pois numa das versões do documento régio de 1085, posto
que suspeita, o nome dele surge como simples testemunha e não como confir-
mante 105, e na própria versão, aceite pelo editor atrás citado (a qual, aliás, provém
unicamente de cópias dos sécs. XIII e XIV), apesar de confirmar, aparece em
penúltimo lugar dos confirmantes, depois de 36 leigos, entre os quais quatro
condes - o que parece pouco apropriado para quem possuísse então a dignidade
condal.
Estas últimas considerações não são contudo decisivas para excluir a
possibilidade de o “conde exilado” 106 Monio Fernandes, marido de D. Aldonça
Gomes, ter morrido depois de agosto de 1085.
104
ibidem, p. 413.
105
ibidem, p. 214.
106
Ver GAMBRA, ob. cit., p. 404.
286
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
107
SALAZAR y ACHA, “Politica matrimonial … etc.” cit., p. 333.
108
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc. cit., p. 142.
109
Dado que Fernando Fernandes confirma, em lugar subalterno, um documento de 17 de junho
desse ano e já como conde, em 15 de outubro.
110
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., p. 273.
111
QUINTANA PRIETO, Augusto, Tumbo Viejo de San Pedro de Montes, León, Centro de
Estudios e Investigación “San Isidoro”, 1971, pp. 248 e 267.
112
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 286-287.
113
BARTON, ob. cit., p. 236, nota 4.
287
AuGusTo ferreirA do AmArAL
1121 114. Sancha Gonçalves, a mulher legítima de Fernando Peres de Trava, era
filha do conde asturiano Gonçalo Pais (da linhagem dos Ordonhes das Astúrias),
de sangue real, e da condessa Maior Munhoz 115. As arras seriam decerto uma
compensação pelo divórcio, que se impunha talvez por uma mistura de razões de
Estado com a ambição do Trava.
- Garcia Fernandes, que morreu entre 1134 e 1136, num dia 16 de julho,
ao que parece sem geração 117;
- Diogo Fernandes, que é mencionado em documentos entre 9 de março
de 1144 e 3 de março de 1159 como tenens de Ribera 118, confirmou
uma doação de sua mãe em 1150-04-29 119, e morreu num dia 1 de
julho, depois de 1150 120;
- Teresa Fernandes, que morreu depois de 1163-04-09, tendo casado em
janeiro de 1141 com o conde Osório Martins, filho do conde Martim
Flaínes e de sua mulher Sancha Fernandes. Deixaram descendência 121.
§ 6º - Mendo Fernandes
Foi atrás referido como filho de Fernando Mendes. Se era irmão do conde
Fernando Fernandes, que acabei de estudar, não é despropositado supor que fosse
o mais velho, em razão dos praenomines de um e doutro.
Pode ser o Menendo (ou Menendus) Fernandiz que figurou como um dos
confirmantes, em 1097-04-14, da doação dum mosteiro, pelo rei Afonso VI à
igreja de Santa María de Leão 122, e da doação, pelo mesmo rei, do burgo de
114
LÓPEZ SANGIL, ob. cit., p. 84.
115
TORRES SEVILLA, ob. cit., p. 112.
116
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 276, e BARTON, Simon, ob. cit., p. 236.
117
ibidem.
118
QUINTANA PRIETO, Tumbo Viejo … etc. cit., pp. 261, 262, 264 e 266.
119
ibidem, p. 273.
120
CANAL SÁNCHEZ, ob. cit., pp. 276.
121
BARTON, ob. cit., p. 271, e CALDERÓN MEDINA, ob. cit., p. 163.
122
GAMBRA, ob. cit., p. 364.
288
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
§ 7º - Mendo de Bragança
123
ibidem, p. 444, e LUCAS ÁLVAREZ, Manuel, La documentación … etc. cit., p 197.
124
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., pp. 117, 189 e 520.
125
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, série Reis de Portugal, Círculo dos Leitores, 2006, p.p.
41 e 44; ver também SOARES, Delfim Bismarck, na sua notável obra A Terra de Vouga nos
séculos IX e XV. Território e Nobreza, Aveiro, 2008, pp. 184, 186 e 187; e Documentos Medievais
Portugueses. Documentos régios, cit., tomo I, pp. 62, 110, 189, e tomo II, p. 520.
126
MATTOSO, José, Ricos-homens … etc. cit., p. 66, no entanto, atribui-lhe tal governo.
127
PIZARRO, Sottomayor, “A família … etc.” cit., pp.853-854.
128
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 82-85.
129
ibidem, p. 84, e nota 94.
289
AuGusTo ferreirA do AmArAL
Ao que parece, depois deste último ano e antes da segunda metade de 1152
passou ao serviço do rei de Leão, onde confirmou documentos e recebeu a quali-
dade de alferes não depois de 1153. Logo após a morte de Afonso VII, o filho e
sucessor Fernando II, escolheu-o para o mesmo cargo em 21 de agosto de 1157 130.
Em março de 1159 ainda confirmou um documento como alferes do rei
leonês. Mas em 23 de maio seguinte, já esse cargo era exercido por outro 131.
Inés Calderón acrescenta outras menções em documentos leoneses, das
quais a última é de 12 de maio de 1161 132.
Vê-se, portanto, que esta personagem nunca foi nomeada pelo patroní-
mico 133, ao contrário do que nos nossos dias tem sido escrito 134.
Nem mesmo numa confirmação de julho de 1146 (ou 1147). Não parece
estar nela escrito um patronímico. Mas mesmo que estivesse, não seria decerto
Fernandi.
Entre o Menendus e o Bargantia, aparece a estranha palavra fintandi. Nela
talvez tenha José Mattoso visto uma corruptela de Fernandi, o que explicaria que
o insigne mestre haja geralmente designado o alferes de D. Afonso Henriques
com o nome Mendo Fernandes de Bragança. Desconheço em que outro docu-
mento com o patronímico Fernandes possa ter-se baseado.
Que a palavra em causa seja uma má leitura do original, parece inquestio-
nável, pois fintandi não aparece em mais documento medieval algum, que eu saiba.
Além disso, tenha-se em conta que Rui de Azevedo manifestou sérias
dúvidas sobre a própria autenticidade do documento 135.
Por outro lado, este apenas é conhecido através de duas cópias, dos sécs.
XVII e XVIII, as quais contêm «erros comuns» e «algumas palavras muito
deturpadas» 136.
Na cópia portuguesa a menção em questão é lida por Reuter 137 como
Menendus furtandi Bragantiae alferes; e na cópia francesa a leitura feita pelo editor
do documento foi Menendus … Burguncia Alterei, sem conseguir portanto,
sequer, ler a palavra que se segue a Menendus.
130
ibidem, pp. 21-22.
131
ibidem, p. 185.
132
CALDERÓN MEDINA, ob cit., p. 205.
133
ibidem, p. 203.
134
MATTOSO, José, Ricos-Homens … etc. cit., p. 67, e VENTURA, Leontina, A Nobreza de Corte
… etc. cit., vol. I, p. 339, nota 2.
135
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., vol. I., tomo II, p. 703.
136
ibidem, p. 702.
137
REUTER, Abiah Elisabeth, Chancelarias medievais portuguesas, vol. I, Coimbra, 1938.
290
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
«strenuo et dilecto militi quem cordis mei totis visceribus a fixum teneo»,
«pro amore cordis mei et pro servitio quod michi fecisti et facies»,
138
Segundo o “Livro Velho de Linhagens”, cit., pp. 55 e 58, que aponta também a descendência.
139
BARTON, ob. cit., pp. 284 e 286.
140
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., tomo I, p. 129.
141
ibidem, p. 151.
291
AuGusTo ferreirA do AmArAL
as duas vilas de Figueirolas, junto ao rio Maçãs em Aliste 142. Terá participado na
batalha de Ourique, indo na vanguarda com o rei 143.
Participou com seus irmãos Fernando e Nuno na batalha de Ourique,
acompanhando na vanguarda D. Afonso Henriques. É o que diz frei António
Brandão, que vai mesmo ao ponto de pormenorizar:
Neste particular, pelo menos, a fonte, posto que hoje desconhecida, salvo
pela dita referência daquele seguro historiador alcobacense, merece bom crédito 145.
Um documento supostamente de 29 de dezembro de 1144, relativo a um
alegado couto do mosteiro de Castro de Avelãs, com a sua confirmação, não
conta, pois é manifestamente falso 146.
Segundo o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, travou um combate com
seu irmão Fernando, tendo sido cegado e depois morto. Se assim foi, tal ocorreu
depois da primavera ou do verão de 1139, data da dita batalha de Ourique 147.
Não consta que tenha deixado descendência.
142
ibidem, tomo II, Lisboa, 1962, pp. 788 e 789, e ALFONSO Antón, ob. cit., p. 293, e
MOURINHO, António Maria, “Acção e influência dos monges de S. Bernardo no Nordeste-
Transmontano (ss. XII-XVI), partindo de Santa Maria de Moreruela, em Leão”, Brigantia, vol.
XXII, nº 3/4, Bragança, 2002.
143
Segundo BRANDÃO, frei António, Terceira Parte da Monarchia Lusitana, Lisboa, 1632, p.
123, que se baseou, segundo diz, numa «memoria de Santa Cruz que nos veio á mão»; sobre a
credibilidade de frei António Brandão ver, além do mais, BASTO, Artur Magalhães, “As fontes
de Frei António Brandão”, introdução à Crónica de D. Afonso Henriques de Rei António Brandão,
Porto, Livraria Civilização, 1945, p. XII, e SERRÃO, Joaquim Veríssimo, A historiografia
portuguesa, Lisboa, Editorial Verbo, vol. II, 1973, p. 58.
144
BRANDÃO, frei António, loc. cit.
145
VEIGA, A. Botelho da Costa, “Investigação sobre combatentes d’Ourique em documentos
medievais”, separata da Nação Portuguesa, Série V, tomo I, Lisboa, 1928.
146
ibidem, p. 257.
147
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, Rio de Mouro, Círculo dos Leitores, série Reis de
Portugal, 2006, p. 118.
292
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
148
BRANDÃO, frei António, ob. cit., p. 123.
149
FERNANDES, A. de Almeida, Livro das Doações de Tarouca, I/2, Braga, 1992, pp. 98 e nota
113, e 526-532.
150
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, cit., p.
296, e MEIRELES, Frei António da Assunção, Memórias do Mosteiro de Paço de Sousa & Index
dos Documentos do Arquivo, publicadas por PIMENTA, Alfredo, Lisboa, Academia Portuguesa
da História, 1942, pp. 112-113.
151
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 184-198 e 247-249, expõe esta parte genealógica minuciosa
e correctamente, distinguindo esta Urraca Nunes de uma outra, que foi casada com Fernando
Peres de Lumiares.
152
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
153
MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 186 e segs.
154
Nesse sentido ver PIZARRO, Linhagens … etc. cit., vol. I, pp. 531-532.
293
AuGusTo ferreirA do AmArAL
155
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, vol. V, Diplomata et Chartae – Chartularia, cit., p. 295.
156
“Livro Velho de Linhagens”, cit., p. 59.
157
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., p. 83, e Liber Fidei, cit., tomo II, p. 282.
158
Liber Fidei, cit., tomo II, p. 99.
159
Documentos Medievais Portugueses. Documentos régios, cit., pp. 114 e 116, e AZEVEDO, Luís
Gonzaga de, História de Portugal, cit., vol. 3º, p. 151.
160
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, vol. I, parte II, Lisboa, 1917, p. 1095.
161
Portugaliae Monumenta Histórica, Leges et Consuetudines, vol. I, Lisboa, 1868, pp. 368-370.
162
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 127.
163
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc. cit, p. 194.
164
ibidem.
165
ibidem.
294
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
Em 4 de fevereiro de 1129 dela era tenens Ponce de Cabrera 166. Mas logo
em 1131 era-o Fernando Mendes de Bragança. Em 12 de fevereiro de 1140
tinha-a novamente Ponce de Cabrera, que aí se mantinha em 7 de abril, em 6
de junho de 1142 e até 1157. Não obstante, há notícia documental de que a
tenência da fortaleza pertencia ao conde Rodrigo Martins entre 1130 e certo
dia do ano de 1135 167. E de que em 1146 metade de tal tenência pertencia a
García García de Aza 168. São difíceis de explicar tais mudanças e discrepân-
cias. Cinjo-me por isso a sugerir apenas, que a tenência de Zamora haja sido
objecto de importantes hesitações por parte do poder real e que tenha havido
mesmo alguma disputa, não sei se surda, se declarada, entre Ponce de Cabrera
e Fernando Mendes, em inícios da década de 30.
Fernando Mendes de Bragança, o “Bravo”, surge a confirmar outra doação
de D. Afonso Henriques em dezembro de 1138 169, outras de D. Afonso Henri-
ques “rei”, em 19 de abril 170 e 7 de julho de 1140 171, em 29 de março 172 e 11 de
novembro de 1141 173, em 29 de dezembro de 1144 174 e 29 de julho de 1145 175,
sendo tenens de Bragança.
Em de junho de 1145, com a sua mulher, a infanta D. Sancha, e com os
filhos (dele), fez carta de doação do castelo de Longroiva, com todos os termos
antigos que lhe pertenciam, à ordem do Templo 176.
Em 5 de abril de 1147, ele e sua mulher, a referida infanta, deram o assen-
timento à concessão de couto em Agostém, concelho de Chaves, à sé de Braga 177.
166
Para as notícias documentais sobre a tenência de Ponce de Cabrera, segui FERNÁNDEZ-
XESTA, ob. cit., pp. 82-83, levando em conta as observações de BARTON, Simon,
“Comes et maiordomus Imperatoris: más apuntes sobre la vida del Conde Ponce Giraldo de
Cabrera”, Anales de la Real Academia Matritense de Heráldica y Genealogía, vol. III, Madrid,
1994-1995, pp. 9-20, que para o presente caso não afectam os dados fornecidos por aquele
autor.
167
REILLY, The kingdom … Alfonso VII … etc cit., p.173.
168
ibidem, p. 187.
169
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 203.
170
ibidem, p. 216.
171
ibidem, p. 223.
172
ibidem, p. 229.
173
ibidem, p. 233.
174
ibidem, p. 257.
175
ibidem, p. 260.
176
ALBOM, Marquis d’, Cartulaire général de l’Ordre du Temple 1119?-1150, Paris, 1913, pp. 230-231.
177
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 273.
295
AuGusTo ferreirA do AmArAL
«e outra filha ficou hi do conde dom henrrique que auia nome Doña Sancha
que foi casada com Dom Fernam mendes. Este conde Dom Fernando era
em aquella sazão o milhor homem Despanha que rej naõ fosse, e per esta
razaõ se alçou toda a terra a Dom Affonso henrriquez com sua madre» 184.
178
ibidem, p. 274.
179
ibidem, p. 289.
180
ibidem, p. 309.
181
VENTURA, Leontina, e OLIVEIRA, António Resende de, Chancelaria de D. Afonso III,
Coimbra, 2011, Livros II e III, pp. 51-55.
182
Historia Compostelana, edição por FALQUE Rey, Madrid, 1994, p. 542; texto publicado em latim
por FLÓREZ, Enrique, España Sagrada, Madrid, Revista Agustiniana, 2006, tomo XX, p. 733.
183
BRANDÃO, frei António, ob. cit., p. 123.
184
Crónica de Cinco Reis de Portugal, de autor anónimo quatrocentista, ed. BASTO, A. de
Magalhães, Livraria Civilização, Porto, 1945, pp. 53-54; o qualificativo usado no texto para D.
Fernão Mendes - “melhor homem de Espanha que rei não fosse” - usara-o um autor medievo,
mas para referir-se ao conde D. Fernando Peres de Trava, pelo que é natural que este autor
quatrocentista haja feito confusão ao referir-se ao Braganção.
296
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
185
Não valerá contra esta conclusão o argumento de que em 1136 Fernando Mendes confirmou
um documento de Afonso VII “Imperador”; isto porque tal documento é de Zamora e diz
respeito a doações à sé de Salamanca, territórios de que D. Afonso Henriques se não considerava
rei; e tal confirmação poderá justificar-se pelo facto de Fernando Mendes ser também senhor ou
tenens de terras situadas nesses territórios.
186
Se bem que, mais tarde, se tenha passado para o serviço do rei de Leão, como se verá.
187
Como sempre foi dito pelos genealógicos; não vale em contrário a menção dos filiis meis que
Fernando Mendes fez, na doação de Longroiva em 1145, acima referida, pois, se esses filhos
fossem de sua segunda mulher, mais provavelmente teria dito filiis nostris.
188
Uma vez que em 1129-07-15 a infanta D. Sancha Henriques estava casada com Sancho Nunes
(de Celanova), como se alcança da venda que eles fizeram, ao mosteiro de Ferreira de Pantón, de
várias herdades no território de Lemos, publicada por FERNÁNDEZ DE VIANA y Vieites, ob,
cit., p. 23.
189
Data em que outorgou uma doação em Zamora, sem que interviesse ou fosse mencionado
marido ou filhos, a qual foi publicada por FERNÁNDEZ CATÓN, Colección … León … etc.
cit., V, pp. 207-208.
190
Data em que, como acima disse, figuram num documento Fernando Mendes e sua mulher D.
Sancha Henriques.
191
PIZARRO, Sottomayor, Linhagens … etc. cit., vol. I, p. 529, e FERNANDES, A. de Almeida,
Livro das doações de Tarouca, I/2, Braga, 1992, pp. 518 e 528.
192
Todas as testemunhas, na 3ª alçada das inquirições de D. Afonso III concordaram com o
seguinte: «Fernandus Gonsalvi juratus et interrogatus dixit quod, ut ipse audivit semper, villa de
Trevoes fuit regalenga, et Dominus Rex Alfonsus, proavus Domini Alfonsi Portugalie et Comitis
Bolonie, dedit villam de Trevoes sedi de Lameco. Et addit etiam quod Dominus Rex Alfonsus,
proavus predicti Regis Alfonsi Portugalie et Comitis Bolonie, dedit istam villam de Trevoes ad
297
AuGusTo ferreirA do AmArAL
Note-se que, entre a data em que tenha casado com a dita irmã de D.
Afonso Henriques, e o nascimento do primeiro filho legítimo do rei, em 1147
(D. Henrique), D. Fernando Mendes de Bragança deveria ser o maior apoio com
que o rei podia contar para, no caso de morrer sem geração, lhe suceder sua irmã
D. Sancha Henriques. Havia uma irmã mais velha, D. Urraca Henriques, mas
dificilmente o fundador na nacionalidade veria nela uma sucessora, visto que
era casada com Bermudo Peres de Trava, irmão do magnate galego Fernando
Peres de Trava, contra cuja ingerência em Portugal ele tão decisivamente lutara.
O Braganção haveria de, aos olhos de D. Afonso Henriques, poder assegurar
melhor a independência, nessa época ainda tão periclitante, no caso de ele
próprio morrer sem deixar descendência. Além do mais, comandava uma pode-
rosa mesnada e estendia as terras que senhoriava por toda a fronteira noroeste
do novo reino.
Do primeiro casamento teve Fernando Mendes de Bragança pelo menos
um filho e uma filha que parece ter casado e deixado descendência 193. Abordemos
aquele.
Este filho varão de Fernando Mendes o “Bravo” - o único que se acha iden-
tificado em documentos - nasceu provavelmente antes de 1130 pois, nesse ano,
seu pai outorgou foral a Numão «una cum filiis meis» 194.
populandum per suam cartam de foro, quam dedit populatoribus predicte ville cum Donno
Fernando Menendi et cum Donna Sancia Anriquiz. Et nos inquisitores vidimus cartam Domini
Regis Alfonsi de foro, et de qua est noticia in roolo, que fuit facta sub Era.M.C.Lx.vij. Et
modo sedes de Lameco habet istam villam et ecclesiam, et nullum forum facit Regi» (Portugaliae
Monumenta Historica, Inquisitiones, vol. I, parte II, Lisboa, 1917); mas este texto não impõe
necessariamente a interpretação de que nesse foral, que se presume bem datado de 1129, D.
Sancha Henriques tivesse sido declarada mulher de Fernando Mendes; não pode pois tirar-se
deste documento a conclusão de que o casamento deste com ela se tenha efectuado ainda no ano
de 1129, hipótese que pressuporia que o foral tivesse sido outorgado para o final do ano, que
Sancho Nunes, o 1º marido de D. Sancha Henriques tivesse morrido no 2º semestre desse ano e
que, sem qualquer período de turbatio sanguinis, ainda nesse ano houvesse casado de novo com
Fernando Mendes, pressupostos que à primeira vista parecem demasiado exigentes.
193
Fernando Mendes pode ter tido mais do que um filho e uma filha, uma vez que na citada doação
de Longroiva de 1145, a palavra filiis, na expressão una cun filiis, poderia significar dois ou mais
filhos varões, e não um filho e uma filha, ou um filho e duas ou mais filhas (caso em poderia ter
usado *cum filio et filia ou *cum filio et filiabus); mas não achei documento que os identificasse.
194
Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 370.
298
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
195
Liber Fidei, publicado por COSTA, Avelino de Jesus da, tomo II, Braga, 1978, pp. 110-111.
196
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., pp. 113 a 116, e MACHADO, Soares, ob. cit., pp. 136 a 142.
197
Publicado por PEREIRA, Marcelino, “Um desconhecido tratado entre Sancho I de Portugal e
Afonso IX de Leão”, Revista Portuguesa de História, tomo XVII, II, Coimbra, 1977, pp. 132 a
134, e por AZEVEDO, Rui de, COSTA, Avelino de Jesus da, e PEREIRA, Marcelino Rodrigues,
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., pp. 113 a 116.
198
Veja-se o que sobre ele diz TORRES SEVILLA, ob. cit., pp. 92-93.
199
RADES y Andrada, frei Francisco de, Chronica de las tres Ordenes y cauallerias de Santiago-
Calatraua y Alcantara, Toledo, 1572, p. 16v.
299
AuGusTo ferreirA do AmArAL
200
MATTOSO, José, D. Afonso Henriques, série Reis de Portugal, Rio de Mouro, Círculo dos
Leitores, 2006, p. 283, e BRANCO, Maria João Violante, D. Sancho I, mesma série, Rio de
Mouro, 2005, p. 271.
201
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., p. 112.
202
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, cit., p. 348.
203
ibidem, p. 352.
204
ibidem, p. 435.
205
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, Ángel, El Tumbo del Monasterio de San Martín de Castañeda,
León, Centro de Estudios e Investigación “San Isidoro”, 1973, ob. cit., p. 114.
300
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
O mais provável é que haja morrido em vida de seu pai e, portanto, antes
de 1894.
Segundo um nobiliário medieval, terá casado com uma dona das Astú-
rias 206. Contudo, ignora-se quem ela fosse.
Soares Machado deduziu - e bem, a meu ver - que ele teve pelos menos dois
filhos: um Fernando, outro Pedro. Vejamos o primeiro.
206
“Livro Velho de Linhagens”, cit., p. 59.
207
QUINTANA PRIETO, Augusto, “Un brigantino en Astorga. Fernando Fernandez de Braganza”,
Brigantia, vol. IV, n.ºs 1/2, Bragança, 1984, pp. 121-157.
208
PIZARRO, Sottomayor, “A família … etc.” cit.
209
FERNÁNDEZ-XESTA y Vázquez, Ernesto, “Dos sellos del linaje de Cabrera en el siglo XIII:
el sello de doña Sancha, Vizcondesa de Cabrera y el sello de don Fernando Fernández”, Actas
del Primer Coloquio de Sigilografía, Madrid, 1990, pp. 329-342, e Un magnate … etc. cit.,
BECEIRO PITA, Isabel, “Los poderes señoriales en los territórios fronterizos al norte del Duero
(siglo XIII-inicios del XIV)”, História, série II, vol. 15, nº 2, Madrid, 1998, 1086 a 1093, e
CALDERÓN MEDINA, ob. cit., pp. 218 a 227.
210
Este dado e os que se seguem, que integram o essencial do que é conhecido da biografia de D.
Ponce de Cabrera, baseiam-se no notável estudo de FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc.
cit., acima citado.
301
AuGusTo ferreirA do AmArAL
211
Conhecido por cópia posterior, em Mondéjar, Colección Salazar y Castro, B-3, citado por
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 72 e 189.
212
Mondéjar, como consta da Colección Salazar y Castro, B-3, loc. cit., e RODRÍGUEZ
GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 227-228; é provável que lhe diga respeito também o registo duma
outra doação, em 1198, por um «D. Fernando Fernandez, hijo de D. Fernan Perez, el mayor»,
se Perez for erro de cópia por Poncii, em FERNÁNDEZ DURO, Cesáreo, Memorias históricas
de Zamora, su província y su Obispado, tomo I, p. 404.
213
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 227-228.
214
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 65 e 184.
215
Publicados em ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp. 346-347.
216
Documentos de D. Sancho I … etc. cit., p. 156.
217
ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp. 386 a 389 e 479-480.
302
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
218
FERNÁNDEZ-XESTA, Un magnate … etc. cit., pp. 49, 72 e 189.
219
Portugaliae Monumenta Historica – Leges et Consuetudines, vol. I, cit., p. 620.
220
BERNARDINO, Sandra Virgínia Pereira Gonçalves Bernardino, Sancius Secundus Rex
Portugalensis. A Chancelaria de D. Sancho II (1223-1248), Coimbra, 2003 (dissertação de
mestrado em História da Idade Média), p. 278.
303
AuGusTo ferreirA do AmArAL
entre eles o próprio chefe dos Bragançãos, D. Fernando Fernandes, pelo que
logrou repelir o ataque 221.
Este, em abril de 1199 e março de 1203 continuava tenens de Panoias 222.
Voltou depois, entre setembro de 1204 e antes de junho de 1217, a servir
o dito rei de Leão, como um dos seus mais destacados próceres. Foi tenens de
Extremadura, de Transserra, de Zamora, de Villafáfila, de Castro Nuevo, de
Alcañiz, de Limia, de Benavente, de Castro Torafe, de Sanabria e de Alba de
Liste.
Veio a ser um dos 14 cavaleiros encarregados de ter os castelos do rei de
Leão Afonso IX em situação de fiança ao de Castela, Afonso VIII, como cláusula
do tratado de paz entre ambos assinado naquele último ano. E desempenhou o
cargo de signifer (alferes) do rei.
Em 1 de janeiro de 1214, o mesmo rei Afonso IX, deu-lhe, para sempre, a
herdade de Villanova, em Freiras, «pro bono et grato servicio quod mihi fecistis
in terra sarracenorum et aliis multis locis» 223. Os serviços invocados, para Sotto
Mayor Pizarro, teriam envolvido a participação na batalha de Navas de Tolosa,
mas tal hipótese é muito duvidosa, uma vez que nem o rei de Leão nem o
de Portugal participaram nessa grande peleja contra os almohadas. Do lado
cristão o exército vitorioso era composto pelo exército do rei de Castela, Afonso
VIII, pelos dos reis Pedro II de Aragão e Sancho VIII, o “Forte”, de Navarra,
e por um contingente de europeus estranhos à Península Ibérica 224. Afonso
IX de Leão não quis participar porque exigia que, primeiro, o seu homónimo
de Castela lhe devolvesse algumas povoações que lhe havia tomado no âmbito
de lutas internas que entre ambos havia algum tempo ocorriam e aproveitou
até a campanha de Navas de Tolosa para retomar alguns desses castelos 225. Os
serviços em terra dos sarracenos poderiam ter sido a campanha que, reconci-
liado com Afonso VIII, Afonso IX levou a cabo no outono de 1213, em que
tomou Alcántara e pôs cerco a Cáceres 226. Alcántara foi entregue à Ordem de
221
Ver BRANCO, Maria João Violante, ob. cit., pp. 153 e 156, e MARQUES, Maria Alegria, e
SOVEREIRA, João, A Corte dos primeiros reis de Portugal, Afonso Henriques, Sancho I. Afonso II,
Gijón, 2009, pp. 87-89.
222
COSTA, Avelino de Jesus da, O Bispo D. Pedro e a organização da Diocese de Braga, Universidade
de Coimbra, 1959, vol. I, p. 125.
223
RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, ob. cit., pp. 400-401, e ALFONSO ANTÓN, ob. cit., pp.
376-377.
224
HUICI MIRANDA, Ambrosio, Las grandes batallas de la reconquista durante las invasiones
africanas, edição fasimile, Granada, 2000, p. 255.
225
ibidem, p. 276.
226
LOMAX, Derek, The reconquest of Spain, London and New York, 1978, p. 130, e LADERO
QUESADA, Miguel Ángel, “Castilla y León”, História de España Menéndez Pidal, tomo IX,
304
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
Calatrava e depois cedida por esta, conforme desejo de Afonso IX, à de S. Julián
de Pereiro 227.
Regressou entretanto a Portugal, onde esteve ao serviço de D. Afonso II
em 1216 e 1217.
Tornou depois, novamente, ao serviço do rei de Leão. Subira ao trono de
Castela em meados do ano, o filho de Afonso IX, Fernando III. O pai resolveu-
-se a invadir Castela para disputar os direitos do filho. E foi Fernando Fernandes
quem comandou o contingente que penetrou em terras castelhanas, tomando
algumas aldeias cerca de Arévalo. Veio porém a ficar prisioneiro num combate
que se deu fora das muralhas de Ávila. Afonso IX e Fernando III resolveram então
pôr termo às hostilidades celebrando tréguas em 26 de novembro de 1217 228.
Nesse pacto Fernando Fernandes jurou paz por banda do monarca de Leão.
Durante todo o ano de 1218, nova ausência total de Fernando Fernandes
nos documentos leoneses. Em março confirmou, como tenens de Bragança, um
documento de abade do mosteiro de Castanheda em que este renunciou ao
mosteiro de Castro de Avelãs, que ocupara sem consentimento do arcebispo de
Braga 229.
Em 13 de fevereiro de 1219 era tenens de Sanabria e Benavente e em 13 de
junho assinou, entre os 10 vassalos do rei de Leão, a paz que este convencionou
com o rei de Portugal, D. Afonso II, em Boronal 230. Do mesmo mês datam duas
outras confirmações suas de documentos do rei leonês, na segunda das quais
é dito tenens de Cabrera 231. Desde julho figurou como mordomo-mor do rei
leonês, cargo que desempenhou até maio de 1222. Desde então e até morrer
passou novamente ao serviço do rei de Portugal que, a partir de 1223, era já D.
Sancho II. Teve o cargo de alferes-mor deste rei. Na primavera de 1226 acom-
panhou D. Sancho II na expedição contra os muçulmanos de Elvas, articulada
com a de Afonso IX de Leão contra Badajoz. Mas a expedição fracassou, perante
a defesa renhida dos maometanos 232. Em 1232 continuava a intitular-se tenens
305
AuGusTo ferreirA do AmArAL
de Bragança. Confirmou documentos do rei português até março 233, mas em fins
desse mês deixou de figurar. Deve ter morrido então, ou pouco depois.
Casou em 1192, ou ano anterior, com uma D. Maria Pires, ao que creio,
sem geração.
Soares Machado, com base na leitura que faz da carta de filiação do mosteiro
de Castro de Avelãs no de Castanheira, reproduzida pelo Abade de Baçal 234 e com
base numa escritura de troca 235 também reproduzida por este, afirma que ele
deixou descendência. Mas eu discordo.
Quanto a esta escritura: o documento identifica o outorgante da troca
(que é nomeado com mulher e filhos) com o homónimo que era tenens de
Bragança. Tal é contudo inaceitável. O outorgante nomeia-se a si próprio
“Fernão Fernandes”, mas omite qualquer qualificativo. Ora no próprio docu-
mento é declarado que à data era “dominantem bragancia fernan fernandis”. Se
este fosse o outorgante da escritura, isso teria sido dito ou sugerido de alguma
forma no próprio documento, e não é. Ora o outorgante nomeia-se a si próprio
sem qualquer referência a que mandasse em Bragança. E não deixa de mencionar,
a seguir um “Fernando Fernandes”, dominante da Bragança. Não é pois provável
que seja o mesmo.
Quanto ao documento de filiação do mosteiro de Castro de Avelãs no
mosteiro de Castanheira: Trata-se dum acto solene, outorgado em 1199 pelos
patronos daquele cenóbio, o primeiro dos quais é Fernando Fernandes. Identi-
ficam-se seguidamente outros, após o que figura a expressão «cum filios et filiabus
meis». Soares Machado interpreta esta expressão como reportada a Fernando
Fernandes por, em sua opinião, “referir-se ao sujeito da proposição anterior”.
Mas julgo que não tem razão. A referida menção dos filhos e filhas não se reporta
a Fernando Fernandes, mas sim a Teresa Peres – sujeito dessa proposição - visto
que todos os outorgantes herdeiros do mosteiro, incluindo ela, usam a primeira
pessoa (do singular ou do plural), quando mencionam filhos ou parentes. Eles
todos outorgam «propter nos filli, et filiabus, et nepotibus Domno Petro Fernandi
hi sumus». Fernando Fernandes não representa os demais. É apenas o primeiro
dos signatários.
Acresce que já com certa idade, em 1212 e 1214, D. Fernando Fernandes
outorgou com a dita sua mulher trocas e doação de propriedades ao mosteiro de
233
ROCHA, Ana Rita, A Corte de D. Sancho II (1223-1248), Revista Portuguesa de História, tomo
XLIV (2013).
234
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
235
BAÇAL, Abade, Memórias … etc. cit., tomo IV, 1983, pp. 461-462.
306
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
Este foi o segundo filho do atrás referido Fernando Peres. Era, portanto,
irmão mais novo de D. Fernando Fernandes de quem acabei de tratar.
Decerto foi ele quem, com o nome “Pedro Fernandes”, outorgou em 1199
a carta de filiação do mosteiro de Castro de Avelãs no de Castañeda 236, como bem
sugere Soares Machado 237.
Note-se que os outorgantes dessa carta são apresentados por uma ordem
que provavelmente não é indiferente e ajuda a enquadrá-los no conjunto familiar.
À cabeça vêm os filhos, as filhas e os netos de D. Pedro Fernandes de
Bragança I, atrás estudado.
Outorga primeiro o neto D. Fernando Fernandes, filho de Fernando Peres
(decerto já falecido). Vai nessa posição pois era, à data, o chefe da linhagem e
tenens de Bragança. A seguir vêm os demais filhos varões ainda vivos de D. Pedro
Fernandes de Bragança I – Garcia Peres, Nuno Peres e Vasco Peres, certamente
por ordem de idades. Segue-se Pedro Fernandes, obviamente irmão mais novo
de D. Fernando Fernandes e, como este, filho de Fernando Peres e neto daquele
outro D. Pedro Fernandes de Bragança I. Só depois vêm as senhoras, todas irmãs
de Fernando Peres e filhas também deste último D. Pedro Fernandes de Bragança
I: Sancha Peres, Teresa Peres, com filhos e filhas.
A data deste documento, assim como o lugar e o modo como se refere
àquele Pedro Fernandes, tornam impossível que se trate do dito D. Pedro
Fernandes de Bragança I, filho de Fernando Mendes o “Bravo”.
E o mesmo se passa com uma das várias personagens identificadas como
Pedro Fernandes, D. Pedro Fernandes ou D. Pedro Fernandes de Bragança, mencio-
nados em alguns passos das inquirições de 1258.
O D. Pedro Fernandes de Bragança I, filho de Fernando Mendes “o Bravo”
morreu provavelmente antes de 1195, já quase septuagenário, como avisada-
mente sustenta Soares Machado 238. A 1199 é que ele não chegou; quando não,
seria o chefe da linhagem e o primeiro outorgante da carta de filiação do mosteiro
236
BORGES, Cardoso, ob. cit., fls. 84 a 85v, publicada por BAÇAL, Abade de, Memórias … etc.
cit., tomo III, pp. 266-267.
237
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 161.
238
ibidem, p. 163.
307
AuGusTo ferreirA do AmArAL
239
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1268, e BAÇAL, Abade
de, Memórias … etc. cit., tomo IV, p. 29.
308
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
240
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, pp. 1303-1305, e tomo III, pp. 339-340, 342 e 343.
241
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1308, e tomo III, p. 349.
242
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1314, e tomo III, p. 364.
243
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1315, e tomo III, p. 365.
244
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1304, e tomo III, p. 341.
245
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1269, e tomo IV, p. 30.
246
ibidem, respectivamente, vol. I, parte II, p. 1349, e tomo IV, p. 69.
309
AuGusTo ferreirA do AmArAL
casais em Parada e traziam-nos seus filhos por honra. Foi decidido que
estivesse tudo como estava até que el-rei soubesse mais do assunto 247.
j) – da aldeia chamada Paço, costumava o quarto ser foreiro do rei, o
qual foi dado por D. Sancho II a um homem. D. Pedro Fernandes
ganhou-o desse homem e entregou-o ao mosteiro de Castro de Avelãs
que o trazia por honra. Assim toda a freguesia era trazida por honra.
Foi decidido que fosse devassada e que aí entrasse o andador de
Bragança pelos direitos do rei, salvo se mostrasse privilégio 248.
k) – quatro aldeias da freguesia de Guide, no julgado de Torre de Dona
Chama tinham sido dos Bragançãos; em tempo do avô duma
testemunha, D. Pedro Fernandes estava em Guide, que era sua, e por
encargo do rei povoou Fradizela, Vale Maior de S. Pedro 249.
No que diz respeito à alínea a), parece evidente que o D. Pedro Fernandes
Braganção a que ela alude era o filho de Fernando Mendes “o Bravo”. Ele é
dito “vetero”, ou seja “o velho”. Mas esse qualificativo é também uma indicação
implícita de que outro com idêntico nome (mas “o novo”) existia ou existira, era
conhecido das testemunhas e posterior àquele. Isto inculca que este último seria
o irmão de D. Fernando Fernandes, e neto do “vetero”.
Quanto à alínea b), trata-se também certamente do filho de Fernando
Mendes “o Bravo”. Com efeito, como adiante se verá, a Sancha Peres a que alude
o testemunho nas inquirições é a filha daquele mais antigo D. Pedro Fernandes,
que fora o primeiro a ter o quinhão na vila de Parada. E ela morreu não antes de
julho de 1126, o que acerta cronologicamente com o facto de ter deixado o seu
quinhão à Ordem do Templo e ao mosteiro de Castro de Avelãs a tempo de isso
permanecer na memória das testemunhas. Além disso extinguira-se a sua descen-
dência, o que reforça a plausibilidade dessa deixa.
Quanto à alínea c) é de notar que Vimioso tinha sido doada por D. Sancho
I, em 1196, a D. Fernando Fernandes. Faz portanto sentido que este, quando
poucos anos depois saiu de Portugal para integrar a cúria do rei de Leão (e tendo
presente que não teve filhos), haja passado a seu irmão Pedro Fernandes a dita
247
Portugaliae Monumenta Histórica, Nova Série, vol. IV/2, Inquisitiones. Inquirições Gerais de D.
Diniz de 1288. Sentenças de 1290 e Execuções de 1290, editado por PIZARRO, José Augusto
de Sottomayor-, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 2015, p. 263, e BAÇAL, Abade de,
Memórias … etc. cit., tomo III, p. 327.
248
Inquirições Gerais de D. Diniz ... etc. cit., p. 265, e BAÇAL, Abade de, Memórias … etc. cit.,
tomo III, p. 328.
249
Inquirições Gerais de D. Diniz ... etc. cit., p. 226.
310
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
vila. Pedro Fernandes deixou filhos e netos, que em 1258 tinham as ditas vila e
igreja, pelo que terá morrido antes deste ano.
Sobre a alínea d), como o facto relatado é manifestamente recente em
relação à inquirição, faria pouco sentido que o seu autor tivesse morrido mais
de 60 anos antes. Assim, deve tratar-se do filho do mencionado Fernando Peres,
também com o nome Pedro Fernandes, mas que. terá morrido pouco tempo
antes da inquirição.
O D. Pedro Fernandes de Bragança da alínea e) parece ser esse mesmo.
E o referido na alínea f ) era também o mesmo Pedro Fernandes de Bragança
II, neto do I, pois estava vivo em tempo já de D. Afonso III.
A opção por um ou outro Pedro Fernandes de Bragança não parece fácil,
no caso versado na alínea g).
Mas no da alínea h) impõe-se a identificação de D. Pedro Fernandes como
o neto, uma vez que em 1258 eram vivos filhos e netos dele, o que dificilmente
se aconteceria se esses filhos o fossem de um homem que nascera antes de 1130.
A alínea i) refere-se aos mesmos factos dos mencionados na alínea b), pelo
que trata do D. Pedro Fernandes avô.
Porém, na alínea j), o D. Pedro Fernandes é obviamente o neto, visto que
os factos relatados se passam no reinado de D. Sancho II.
E algo de semelhante ocorre com o da alínea k): o D. Pedro Fernandes em
causa fora povoador de aldeias de Guide em tempo dum avô da testemunha, o
que dificilmente poderia ter ocorrido mais de 60 anos antes, isto é, antes de 1220.
Está pois bastantemente documentada a existência de um irmão de D.
Fernando Fernandes, D. Pedro Fernandes de Bragança, o “II”. Este filho perma-
neceu em Portugal, possuiu bens imóveis no actual distrito de Bragança, aí
praticou também, segundo alguns depoimentos das Inquirições, actos conside-
rados abusivos, e teve filhos e netos.
No entanto, por estranho que pareça, nem este Pedro nem os filhos e os
netos vêm mencionados nos nobiliários medievais.
Isso talvez explique por que até agora nenhuma proposta foi feita, que seja
do meu conhecimento, sobre o nome desses filhos e netos.
O próprio Soares Machado, que com agudeza arrancou ao esquecimento
a dita personagem, admite que o segundo Pedro Fernandes de Bragança tivesse
ficado solteiro, decerto influenciado pelo facto de os nobiliários medievais o
omitirem.
Penso, no entanto, que as referências que apontei indicam que haja deixado
geração.
Mais: o seu neto paterno veio a ser o célebre magnate D. Nuno Martins
de Chacim.
311
AuGusTo ferreirA do AmArAL
250
Apontem-se, entre outros, SÃO PAYO, Marquês de, “A problemática de um brazão de armas
(São Payo)”, Armas e Troféus, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, II série, tomo IX, 1968,
p. 164, MARQUES, A. H. de Oliveira, “O poder e o espaço”, Nova História de Portugal, Lisboa,
vol. III, 1996, p. 129, MATTOSO, José, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, Lisboa, 1982, p.
67, VENTURA, Leontina, A nobreza de corte de Afonso III, Coimbra, Faculdade de Letras de
Coimbra, 1992, vol. I, p. 168, e “A nobreza – da guerra à corte”, Nova História etc. cit., III, p.
219, e PIZARRO, Sottomayor, Linhagens … etc. cit., vol. I, p. 241.
312
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
251
“Livro do Deão”, cit., p. 164.
252
MACHADO, Soares, ob. cit., p. 259.
253
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones … etc. cit., vol. I, parte II, p. 1266-1267, e
BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo IV, p. 25.
254
A tradução para português e a pontuação dos trechos das Inquirições que se seguem é por mim
proposta.
313
AuGusTo ferreirA do AmArAL
terço da mesma vila, que era reguenga, a João Peres de Chacim e agora
têm-na os seus filhos e seus netos e não fazem daí foro ao Senhor Rei; e
os mesmos reclamantes venderam outro terço a Pedro Anes de Bornes
e agora têm-na os filhos e netos do dito Pedro Anes e nada daí tem o
Senhor Rei; e aquele outro terço que foi dos cavaleiros têm-no agora três
escudeiros que foram da geração dos ditos cavaleiros; e sabe que Afonso
Mendes de Bornes comprou de um terço de Travanca que era reguengo
aos filhos de Pedro Anes de Bornes em tempo do Rei D. Sancho irmão
deste … etc.» 255
«… sabe que a mesma igreja [de Travanca] é agora dos herdeiros dos filhos
e netos de Pedro Anes de Bornes; interrogado donde a tiveram, disse que
ouviu dizer a homens que sabiam que duas partes da mesma vila foram
reguengas do senhor Rei e o outro terço foi dos cavaleiros e herdeiros; e
daqueles dois terços que foram do Senhor Rei vendeu daí um terço um
certo homem que se chamava Mendo Mela, que reclamou Bragança, a
João Peres de Chacim, cavaleiro, e agora têm-na os seus filhos e não fazem
daí foro ao Senhor Rei e o outro terço têm os filhos de Pedro Anes que a
tiveram de seu pai, que reclamou a terra com o dito Mendo Mela, e não
fazem daí foro ao Senhor Rei» 256.
«… ouviu dizer a homens que sabiam que duas partes de Travanca foram
reguengas e agora têm-nas os netos de João Peres e não fazem daí foro ao
Senhor Rei … etc.» 257.
Por aqui se vê que João Peres de Chacim adquiriu uma terça parte de Travanca
no tempo do rei D. Sancho I e que em 1258 tal terça parte pertencia aos filhos e
netos, decerto porque ele e algum filho com descendência teriam já morrido.
255
ibidem, p. 1309a e b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.
256
ibidem, p. 1309b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.
257
ibidem, p. 1310a, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 353.
314
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
«disse que duas partes da mesma vila de Banreses são do senhor Rei, e a igreja
está numa herdade foreira ao senhor Rei, e o arcebispo leva daí um terço das
décimas da igreja, e o concelho de Bragança leva outro terço, e o prelado
da mesma igreja leva o outro terço com morturas e ofertas. Interrogado
sobre por que o arcebispo e o concelho levam daí aquelas duas terças, disse
que assim têm consuetudinariamente, e os homens da mesma vila que têm
assento na herdade foreira do Rei abadam a mesma igreja porque assim têm
consuetudinariamente. E sabe que os homens da mesma vila que são foreiros
deixaram a herdade à própria igreja pela intenção das suas almas no tempo
do Rei D. Sancho irmão deste e não faz daí foro mas fazem daí foro aqueles
que permaneceram com a herança dos que deixaram a herdade à predita
igreja. E sabe que a Ordem do Hospital tem um terço da mesma vila. Inter-
rogado sobre donde a tem, disse que ouviu dizer aos homens que sabem que
João Peres e Martim Peres lha deram por intenção das suas almas no tempo
de Rei D. Sancho irmão deste e disse que ouviu dizer aos homens que sabiam
que o reguengo de Chacim era pelo ribeiro de Porcas e depois por onde o
mesmo ribeiro de Porcas entra no ribeiro de Cabras e depois onde do mesmo
modo entra o ribeiro de Cabras no Sabor. E destes termos filhou D. Pedro
Fernandes quando tinha a terra e deu-a aos homens da vila de Sambade que
então era sua e agora os homens da mesma vila têm daqueles termos e não
fazem daí foro ao senhor Rei. Interrogado sobre em que lugar filhou daqueles
termos D. Pedro Fernandes disse que não sabia e disse que ouviu dizer aos
homens que sabiam que toda a herdade que têm Nuno Martins e Fernando
Eanes e a sua fraternidade em Chacim que foi toda reguenga. Interrogado
sobre donde os mesmos a tiveram disse que não sabia, e disse que ouviu dizer
aos homens que sabiam que Martim Peres cavaleiro filhou a um homem de
Chacim a herdade reguenga que tinha no tempo do Rei D. Sancho irmão
deste pelo dano que dano que o mesmo homem fizera ao predito cavaleiro
e o mesmo cavaleiro deixou a mesma herdade ao Templo e agora tem-na e
não faz daí foro ao senhor Rei. E sabe que Nuno Martins e Fernando Eanes
e outros cavaleiros têm em Chacim una devesa e dela metade era do senhor
258
ibidem, p. 1315b, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., p. 366.
315
AuGusTo ferreirA do AmArAL
Rei e os mesmos cavaleiros têm-na e não fazem daí foro ao senhor Rei. E sabe
que a igreja de Chacim comprou uma herdade reguenga na mesma vila no
tempo deste Rei e não faz daí foro e sabe que Fernando Eanes comprou uma
herdade reguenga em Chacim no tempo deste Rei e fez aí um casal e não faz
dele foro ao senhor Rei.» 259
«e sabe que uma herdade que o Hospital tem em Banreses que foi foreira
ao senhor Rei e sabe que o avô de Nuno Martins filhou a mesma herdade
a um homem foreiro do senhor Rei de Banreses e deu-a ao Hospital por
razão de que o mesmo avô de Nuno Martins dizia que o mesmo homem
que era foreiro do Rei lhe matara um mouro e agora tem-na o Hospital e
não faz daí foro ao senhor Rei».
259
ibidem.
260
ibidem, p. 1316, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc. cit., tomo III, p. 367.
261
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1309.
316
A LinHAGem dos BrAGAnçãos – pArTe i
262
ibidem, p. 1238.
263
ibidem, p. 1239.
264
ibidem, p. 1309.
265
ibidem, pp. 1288, 1289, 1311, 1317 e 1318.
266
ibidem, p. 1289.
267
Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288 ... etc. cit., p. 266, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc.
cit., p. 329.
268
Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288 ... etc. cit., p. 241, e BAÇAL, abade de, Memórias … etc.
cit., p. 322.
269
Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, cit., vol. I, parte II, p. 1315.
317
AuGusTo ferreirA do AmArAL
(continua)
270
ibidem, p. 1313.
271
ibidem, p. 1315.
272
ibidem, p. 1309.
318
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA: LA
TRAYECTORIA DE LOS ACUÑA Y LA CONSTRUCCIÓN
DE LA IDENTIDAD NOBILIARIA EN LA CASTILLA
BAJOMEDIEVAL Y MODERNA
Álvaro Pajares*
319
áLvAro pAjAres
Abstract: there was a constant exchange of noble families between Castile and Portugal
throughout the Middle Ages and the Early Modern period. This migratory flow was
motivated by the conflicts between monarchs and aristocratic elites that were derived
from the strengthening of royal power and the involvement of the nobility in the
different struggles to seize the throne. Considering this, the purpose of this paper is
to examine the development of a Portuguese noble family, the Acuña, who settled in
Castile at the end of the fourteenth century, after the Portuguese crisis of 1383-1385.
1. Introducción
Las relaciones entre los reinos de Castilla y Portugal como territorios fron-
terizos han sido constantes a lo largo de su historia desde que en el año 1095
Alfonso VI (1065-1109) decidiera conceder, en concepto de dote, el llamado
condado portucalense a su hija la infanta Teresa Alfónsez de León, quien había
contraído matrimonio con el caballero de origen francés Enrique de Borgoña.
Los condados asturleoneses se constituían como simples entidades administra-
tivas regidas por un conde con el fin de favorecer el control y repoblación de un
determinado territorio pero que, en última instancia, dependían del monarca y
formaban parte del reino. La elevación de este territorio a la distinción condal
tenía como objeto asegurar la frontera suroccidental del reino frente al avance
almorávide. Empero, aprovechando la situación de debilidad interna del reino
castellano-leonés, que todavía volvería a separarse hasta su definitiva unificación
con Fernando III el Santo en 1230, el hijo y sucesor de los condes de Portugal,
Alfonso I Enríquez, proclamó la independencia del reino luso tras la victoria
contra los almorávides en la Batalla de Ourique en 1139, intitulándose Rex Portu-
gallensis. Con todo, Alfonso VII no reconocería su independencia hasta 1143
a través del Tratado de Zamora, aceptando a Portugal como reino vasallo para
afianzar su proclamación como Imperator totius Hispaniae, ceremonia que había
tenido lugar en la Basílica de San Isidoro de León en 1135. La nueva realidad
peninsular no sería definitivamente sancionada por el Papado a través de la Bula
de Alejandro III Magnifestus Probandus en 1179. Asimismo, Alfonso I Enríquez,
como medio de legitimación, inició una importante política de reconquista,
extendiendo hacia el sur las fronteras de su recién reconocido reino, llegando a
tomar Lisboa en 1147.
El nexo entre ambos reinos no sólo ha estado marcado por la confronta-
ción bélica, sino que siempre han existido estrechos vínculos, entre los que cabe
destacar los constantes enlaces matrimoniales entre ambas casas reales. Los lazos
sanguíneos entre ambas casas permitió a los monarcas de ambos reinos alegar en
320
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
2
MITRE FERNÁNDEZ, Emilio, “La emigración de nobles portugueses a Castilla a fines del
s. XIV”, Hispania, tomo XXVI, 104, (1966), 513-525; o, en el caso de Portugal, MORENO,
Humberto Carlos Baquero, “Exilados portugueses em Castela durante a crise das finais do
sécxulo XIV (1384-1388)”, Estudos de História, 113, (1990), pp. 26-56 o SOTTOMAYOR-
PIZARRO, José Augusto de, “De e Para Portugal. A Circulação de Nobres na Hispânia Medieval
(Séculos XII a XV)”, Anuario de Estudios Medievales, 40, 2, (2010), pp. 889-924.
3
ROMERO PORTILLA, Paz, “Exiliados en Castilla en la segunda mitad del siglo XIV, origen
del partido portugués”, in REGLERO DE LA FUENTE, Carlos Manuel (coord.), Poder y
sociedad en la Baja Edad Media hispánica: estudios en homenaje al profesor Luis Vicente Díaz
Martín, Valladolid, Universidad de Valladolid, 2002, Vol. 1, pp. 519-539.
321
áLvAro pAjAres
4
MOXÓ Y VILLALEJOS, Salvador de, Feudalismo, señorío y nobleza en la Castilla Medieval,
Madrid, Real Academia de la Historia, 2000.
5
SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis, Nobleza y monarquía. Entendimiento y rivalidad. El proceso de
la construcción de la corona española, Madrid, La Esfera de los Libros, 2003.
6
QUINTANILLA RASO, María Concepción, “Los grandes nobles”, Medievalismo: Boletín
de la Sociedad Española de Estudios Medievales, 13-14, (2004), pp. 127-142; y, de la misma
autora, Títulos, grandes del reino y grandeza en la sociedad política: sus fundamentos en la Castilla
bajomedieval, Madrid, Siruela, 2006.
322
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
por tanto, que el régimen señorial tiene una clara continuación, incluso con remi-
niscencias medievales, a lo largo de la Edad Moderna y, en palabras de Alfonso
María Guilarte, “el régimen señorial con los rasgos apuntados es un producto
de remotos antecedentes que pasa a la Edad Moderna tal y como se advierte del
alcance y contenido de las prerrogativas del señor y de la extensión territorial
del solariego y de la cifra de vasallos”. Y, por ello, “la historiografía tradicional,
al enfrentarse a la modernidad, prefirió eludir posibles contradicciones entre el
régimen señorial y el absolutismo prescindiendo del primero” 7.
El estamento nobiliario, por tanto, adquirió en la etapa bajomedieval unas
características que iban a perdurar durante siglos y se iban a convertir en su iden-
tidad durante toda la Edad Moderna: la creación de una nobleza titulada, apun-
talándose así la diferenciación jurídica dentro del propio estamento nobiliario, la
protección y consolidación del patrimonio señorial a través de la institución del
mayorazgo y el incremento tanto cuantitativo como cualitativo de los estados
señoriales a través del afianzamiento del llamado señorío jurisdiccional pleno.
Todo ello les permitió arrogarse la potestad jurisdiccional sobre los vasallos, así
como la asunción de prerrogativas administrativas y gubernativas como la elec-
ción de cargos concejiles, la administración de justicia en primera instancia o
la percepción de diferentes rentas y tributos. Por último, en la Baja Media se
produjo también, como consecuencia de todas estas transformaciones, una evolu-
ción de la propia identidad nobiliaria desde un ideal caballeresco y militar a un
ideal cortesano basado en el servicio al soberano a través de los cargos cortesanos,
lo que les permitiría acceder a la privanza del rey, que era el único con potestad de
repartir gracias y mercedes mediante el uso de la gracia real y, por lo tanto, era la
clave de bóveda del llamado sistema cortesano que se desarrolló en las monarquías
autoritarias y absolutistas de la Europa moderna 8.
El linaje Acuña había ido adquiriendo cada vez mayor peso dentro del
reino portugués, recibiendo ya en el siglo XII el señorío que se convirtió en el
solar de origen de su apellido, la pequeña freguesía de Cunha-Alta, perteneciente
7
GUILARTE, Alfonso María, El régimen señorial en el siglo XVI, Valladolid, Universidad de
Valladolid, 1987.
8
MARTÍNEZ MILLÁN, José, “La corte de la Monarquía Hispánica”, Studia Historica. Historia
Moderna, 28, (2006), pp. 17-61.
323
áLvAro pAjAres
9
FERNÁNDEZ DE BETHENCOURT, Francisco, Historia genealógica y heráldica de la
Monarquía española, Casa Real y grandes de España, Tomos II y III, Madrid, Establecimiento
Tipográfico de Enrique Teodoro, 1897-1912.
10
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje”, in PASTOR
DE TOGNERI, Reyna (coord.), Relaciones de Poder, de producción y parentesco en la Edad Media
y Moderna: aproximación a su estudio, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas,
1990, pp. 330-331.
11
Remitimos a nuestro Trabajo Fin de Máster dedicado al estudio de una de las ramas de este
linaje, la casa condal de Buendía: PAJARES GONZÁLEZ, Álvaro, Diferentes aspectos del
régimen señorial-municipal en la Castilla bajomedieval y moderna: el caso de los condes de Buendía
(1439-1592) [CD-ROM], Madrid, Servicio de Publicaciones de la UAM, 2015.
12
Algunos autores como el obispo-cronista de los siglos XVI y XVII fray Prudencio de Sandoval les
consideran descendientes de la poderosa casa gallega de Traba, tesis mantenida hasta la actualidad
por algunos autores como GÁNDARA Y ULLOA, Felipe de la, Nobiliario, armas y triunfos de
Galicia: hechos heroicos de sus hijos y elogios de su nobleza y de la mayor de España y Europa, Tomo
III, cap. XXII, Madrid, Por Iulian de Paredes, impresor de libros, 1677; CRESPO POZO, José
Santiago, Blasones y linajes de Galicia, Tomo I, La Coruña, Boreal, D.L., 1997; o ATIENZA Y
NAVAJAS, Julio de (barón de Cobos de Belchite y conde del Vado Glorioso), Nobiliario español:
Diccionario heráldico de apellidos españoles y de títulos nobiliarios, Madrid, Aguilar, 1948.
324
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
13
PORTUGAL, Pedro de (conde de Barcelos), Nobiliario del conde de Barcelos, hijo del rey don
Dionis de Portugal. Traduzido, castigado y con nuevas ilustraciones de varias notas por Manuel de
Faria i Sousa, cavallero de la orden de Christo i de la Casa Real, Madrid, por Alonso de Paredes,
1646, Tít. LV.
14
BRANDÓN, Fray Antonio, Monarquía Lusitana. Tomo III, Libro IX.
15
CLAVERO, Bartolomé, El mayorazgo: propiedad feudal en Castilla 1369-1836, Madrid, Siglo
XXI de España Editores, 1989.
325
áLvAro pAjAres
Penalva, Ginde, Celorico y Aceve 16. A lo largo de su dilatada vida llegó a servir a
cuatro reyes: Alfonso IV (1325-1357), Pedro I (1357-1367), Fernando I (1367-
1383) y Juan I (1385-1433), con quien acabó enemistándose al plantearse el
problema sucesorio en Portugal. Contrajo matrimonio con Beatriz Suárez de
Albergaría, con quien tuvo cinco hijos entre los que cabe destacar a Martín, Gil
y Lope Vázquez de Acuña.
Vasco Martínez de Acuña, con el apoyo de sus hijos, lideró la postura de la
facción legitimista-nacionalista en la crisis sucesoria que se produjo tras la muerte
de Fernando I de Portugal sin herederos varones en 1383 (ver cuadro genealógico
II). Los Acuña apoyaron, así, al infante don Juan, primero, y tras su prematura
muerte hacia 1396, a su hermano don Dionis, hijos de Pedro I e Inés de Castro,
frente a las pretensiones de su hermanastro, el Maestre Juan de Avís, hijo también
de Pedro I con una dama lisboeta. Finalmente, en las Cortes de Coímbra de
1385, es proclamado rey de Portugal Juan I de Avís, exiliándose los infantes Juan
y Dionis a Castilla, cuyo monarca, Juan I, reclamaba también el trono portu-
gués por su matrimonio con la única hija del recientemente fallecido Fernando I,
Beatriz de Portugal. En un primer momento, los Acuña se mantuvieron fieles a
Juan I de Avís gracias a la política iniciada por el nuevo monarca para poner fin
al conflicto sucesorio y reconciliarse con la facción contraria. Así, en Porto, el 11
de junio de 1385, reconociendo los servicios de este linaje, hizo merced en juro
de heredad a Vasco Martínez de Acuña de la Alcaidía Mayor de Liñares, de la villa
de Piñel y del lugar de Lousada. De este modo, los Acuña pasan al servicio del
de Avís y participan en las derrotas castellanas del Trancoso y de Aljubarrota en
1385, poniendo fin a las pretensiones del monarca castellano, y llegando a pene-
trar en Castilla, tomando algunas villas como Castro-Calbón, a cuatro leguas de
Benavente, Roales, Valderas y Villalobos. Pero, como ya indicaba Romero Portilla,
los Acuña, junto con otros importantes linajes portugueses como los Pacheco o
los Portocarrero, formó parte de un grupo de exiliados entre 1396 y 1400, apro-
vechando la reactivación de la guerra entre ambos reinos. La alta nobleza lusitana
se oponía a la política iniciada por Juan I de Avís una vez asentado en el trono,
quien contó con el apoyo del llamado santo condestable, Nuno Alvares Pereira,
tendente a “un fortalecimiento de la autoridad real mediante la ampliación de las
16
Pinheiro y Angeja se encontraban cerca de las antiguas posesiones de la familia Acuña, recibidas
ya en los siglos XI y XII, en el norte de Portugal, en los Distritos de Viseu (donde se encontraba
la propia Cunha Alta) y Aveiro (donde se encontraba Albergaría, cabeza del señorío de la familia
de Beatriz Suárez de Albergaría, mujer de Vasco Martínez de Acuña), respectivamente, mientras
que Bemposta se sitúa ya más al sur, pues es una freguesía del municipio de Abrantes en el
Distrito de Santarém..
326
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
17
ROMERO PORTILLA, Paz, op.cit. p. 530.
18
LÓPEZ DE AYALA, Pedro, Crónicas de los Reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don
Juan I, Don Enrique III, En Madrid: en la imprenta de Don Antonio de Sancha. Se hallará en su
Librería en la Aduana Vieja, 1779.
19
Se trata, por tanto, de uno de los primeros títulos ducales concedidos en Castilla, pues en los
reinos peninsulares no se crea una nobleza titulada hasta el siglo XIV por influencia francesa:
DE MOXÓ MONTOLIU, Francisco, “Jaime II y la nueva concesión de títulos nobiliario en la
España del siglo XIV”, Historia Medieval, Anales de la Universidad de Alicante, 9 (1992-1993),
pp. 133-143.
327
áLvAro pAjAres
Martín se casaba, así, con la hija del infante que había recibido el apoyo de la
facción legitimista-nacionalista liderada por el linaje Acuña durante la crisis de
sucesión portuguesa.
Entre los descendientes del primer matrimonio con Teresa Téllez Girón,
cabe destacar a su hijo Alfonso, quien adoptó los apellidos maternos y fue el
progenitor de dos de los linajes más importantes de Castilla a través de sus dos
hijos (ver cuadro genealógico III). Contrajo matrimonio con María Pacheco,
nieta de Diego López Pacheco, linaje exiliado también de Portugal a finales del
siglo XIV. Sus hijos Juan Pacheco (1419-1474), nombrado marqués de Villena
(Alicante) por Juan II en 1445 y duque de Escalona (Toledo) por Enrique IV
en 1472, y Pedro Girón (1423-1466), Maestre de Calatrava, desempeñaron un
importante papel en la política del reino durante el conflicto sucesorio desenca-
denado durante el reinado de Enrique IV 20.
El meteórico ascenso del linaje fue posible gracias a la influencia de Juan
Pacheco sobre Enrique IV 21, emulando así la privanza que había ejercido el
condestable Álvaro de Luna 22 sobre Juan II. Había sido el condestable quien
había favorecido su acceso a la corte como doncel del príncipe don Enrique,
lo que le permitió fraguar su amistad con el futuro monarca desde la infancia,
convirtiéndose en su camarero mayor en 1442. Apoyó a Juan II y su valido en la
lucha contra los Infantes de Aragón, hijos de Fernando de Antequera, tío de Juan
II que había ejercido de regente durante su minoría de edad hasta que fue elegido
rey de Aragón tras la muerte sin herederos de Martín I de Aragón, instalándose
la dinastía Trastámara también en el trono aragonés gracias al Compromiso de
Caspe de 1412. Sin embargo, debido a su origen, los llamados Infantes de Aragón
poseían amplias posesiones y fuertes intereses en el reino castellano y, por lo tanto,
protagonizaron intensas luchas de poder durante el reinado de su primo Juan II,
casado con una de ellos, María de Aragón. Juan Pacheco participó así en la deci-
siva Batalla de Olmedo de 1445, recibiendo como recompensa el marquesado
20
Sobre este monarca destaca el estudio pionero realizado por MARAÑÓN, Gregorio, Ensayo
biológico sobre Enrique IV de Castilla y su tiempo, Madrid, Espasa-Calpe, 1998
21
Ante la inexistencia de un estudio global sobre el marquesado de Villena, podemos destacar
algunos trabajos dedicados a su figura más destacada, Juan Pacheco, como los de FRANCO
SILVA, Alfonso, Juan Pacheco, privado de Enrique IV de Castilla: la pasión por la riqueza y el
poder, Granada, Universidad, 2011; o la tesis de FRÍAS PONCE, Irene, Don Juan Pacheco,
marqués de Villena (1419-1474), Madrid, Universidad Nacional de Educación a Distancia,
1990.
22
Los Acuña estaban emparentados con el condestable ya que su abuela paterna, Teresa de
Albornoz, pertenecía a uno de los linajes castellanos más destacados, los Albornoz, que, como
veremos, emparentaron también con los Acuña a través del matrimonio de Lope Vázquez de
Acuña con Teresa Carrillo de Albornoz, siendo ambas Teresas primas (ver cuadro genealógico V)
328
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
23
VAL VALDIVIESO, Isabel del, “La sucesión de Enrique IV”, Espacio, tiempo y forma. Serie III,
Historia Medieval, 4, (1991), pp. 43-78.
329
áLvAro pAjAres
inmediata del favorito y el nombramiento del infante don Alfonso como nuevo
príncipe de Asturias. Como vemos, esta liga de nobles va a apoyar como legítimo
heredero al hermanastro del rey, el infante don Alfonso, hijo de Juan II y su
segunda esposa Isabel de Portugal y, tras su prematura muerte en 1468, pasarán a
defender los derechos de su hermana Isabel. Ante la oposición del monarca, la liga
de nobles llegó a proclamar rey al infante en la llamada Farsa de Ávila el 5 de junio
de 1465, en la cual participaron los tres principales miembros del linaje Acuña,
despojando a la efigie del rey Enrique IV de los símbolos reales: la corona, el cetro
y la espada. Así nos refiere estos acontecimientos el escritor coetáneo conocido
como el Arcediano del Alcor:
Juan Pacheco recibió también por parte del infante importantes mercedes
como el título de Gran Maestre de la Orden de Santiago, la orden religiosa y
militar más importante de Castilla, concedido en 1467. Tras la prematura muerte
24
FERNÁNDEZ DE MADRID, Alonso (Arcediano del Alcor): Silva Palentina, Palencia,
Diputación de Palencia, 1976, p. 314.
330
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
del infante, acaecida en Cardeñosa (Ávila) el 5 de julio 1468 con tan sólo catorce
años, pasan a apoyar a su hermana Isabel. En ambos casos, estos nobles preten-
dían controlar al monarca, bien por su juventud en el caso del infante, bien por
su condición de mujer en el caso de la infanta Isabel. Sin embargo, la fuerte
personalidad de Isabel llevó finalmente a Juan Pacheco a enemistarse con ella.
Ya desde el primer momento la todavía infanta se negó a ser proclamada reina
en vida de su hermanastro Enrique IV, tal y como había ocurrido con el infante
don Alfonso en la Farsa de Ávila y, así, a través de los Pactos de Guisando (Ávila)
en septiembre de 1468 el rey la reconoce como heredera, apartando a su propia
hija de la línea de sucesión y fortaleciendo la postura de los que la consideraban
ilegítima. A cambio, Enrique IV se reservaba el derecho de casar a la ahora prin-
cesa con un pretendiente de su elección. Trato que la ahora reconocida princesa
no cumplió pues, gracias a las negociaciones del arzobispo Carrillo y Gutierre de
Cárdenas, al año siguiente, en Cervera (Lérida) el 5 de marzo de 1469, se cierran
las capitulaciones matrimoniales con el hijo y heredero de Juan II de Aragón, su
primo Fernando de Aragón. Ante el temor de que Enrique IV se opusiera a este
enlace, Isabel huye de Ocaña (Toledo), villa propiedad del marqués de Villena,
bajo cuya custodia había quedado la princesa, y se refugia en Valladolid, villa
afín a los Enríquez, señores de Medina de Rioseco (Valladolid) y almirantes de
Castilla, partidarios también de la princesa y parientes del heredero aragonés,
pues la madre de Fernando, Juana Enríquez, pertenecía a este importante linaje
castellano, única hija del almirante Fadrique Enríquez y su primera mujer María
Fernández de Córdoba y Ayala.
Finalmente, ante las continuas muestras de resistencia a su autoridad por
parte del joven matrimonio, en sus últimos años de vida Pacheco pasó a apoyar
al bando de Juana la Beltraneja, casada con Alfonso V de Portugal. El marqués
de Villena muere el 4 de octubre de 1474, dos meses antes del fallecimiento del
propio Enrique IV el 11 de diciembre de ese año y del inicio, por tanto, de la
guerra de sucesión castellana. Será su primogénito, Diego López Pacheco, quien
continúe, sin la autoridad y carisma de su padre, con el apoyo al bando de la
Beltraneja, respaldada por Portugal y por numerosos nobles castellanos, algunos
de origen portugués y con importantes posesiones y castillos en la frontera entre
ambos reinos como Extremadura, Salamanca, Zamora, León o Galicia, adecuados
para servir como base de operaciones durante el enfrentamiento bélico. Por ello,
tras el fin del conflicto, la reina Isabel permitió a los Pacheco seguir utilizando de
forma honorífica el título de marqueses de Villena pero la jurisdicción y las rentas
del señorío pasaron a pertenecer de nuevo a la corona, recuperando así su condi-
331
áLvAro pAjAres
ción realenga 25. Gran parte del marquesado, además, se había visto afectado por
una auténtica revuelta antiseñorial aprovechando el enfrentamiento bélico, donde
cabe destacar, en la propia Villena, la llamada rebelión de las cinco campanadas
en febrero de 1476. Algunas villas, no obstante, se mantuvieron fieles al marqués
como Belmonte, Escalona, Alarcón o Castillo de Garcimuñoz. Para hacerse con
el control de las villas afines a Pacheco, los reyes enviaron a las tropas reales bajo
las órdenes de Jorge Manrique y Pedro Ruíz de Alarcón, resistiéndoseles algunas
villas como Garcimuñoz, en cuyo asedio falleció el poeta Jorge Manrique. El
marquesado de Villena tiene su origen en el señorío concedido por Alfonso X a su
hermano el infante don Manuel a mediados del siglo XIII, posteriormente entre-
gado por Enrique IV a Juan Pacheco con título de marquesado en 1445. Abarcaba
una vasta extensión en el suroeste del reino castellano, extendiéndose por el sur
de Cuenca, Albacete y el reino de Murcia. Su villa cabecera, Villena (Alicante),
había sido definitivamente reconquistada por Jaime I de Aragón en 1240, a pesar
de que los Tratados de Tudilén (1151) y Cazola (1179) habían reconocido que se
encontraba en la franja de expansión natural del reino castellano. Por ello, en el
Tratado de Almizra de 1244, se devolvía a Castilla, estableciéndose así definiti-
vamente la frontera entre ambos reinos. Contaba además con importantes plazas
como Belmonte, Castillo de Garcimuñoz o Alarcón, en tierras conquenses, Chin-
chilla de Montearagón, Almansa, Hellín o la propia Albacete en dicha provincia y
algunas villas alicantinas y murcianas. La amplia extensión de este señorío obligó
a dividirlo en dos partidos, el meridional y el septentrional y, en 1586, tras su
retorno al realengo, fue divido también en dos corregimientos independientes: el
de Chinchilla de Montearagón (Albacete) y el de San Clemente (Cuenca).
A partir de entonces, el linaje Pacheco sigue ostentando un importante
papel en la corte castellana, aunque sin el protagonismo alcanzado por Juan
Pacheco, y, aunque privados del marquesado de Villena, mantuvieron impor-
tantes estados señoriales, al haber heredado las amplias posesiones del valido de
Juan II, el condestable Álvaro de Luna, tras su ejecución en Valladolid en 1453,
tanto en tierras castellano-manchegas a través del ducado de Escalona (Toledo),
como castellanoleonesas, como el condado de San Esteban de Gormaz en Soria o
los señoríos de Maderuelo y Ayllón en Segovia, entre otros. A través de las prác-
ticas endogámicas de la élite nobiliaria castellana a lo largo de la Edad Moderna 26,
25
FRANCO SILVA, Alfonso, La pérdida definitiva del marquesado de Villena: Don Diego II López
Pacheco, Cádiz, Universidad, 2007.
26
ATIENZA HERNÁNDEZ, Ignacio, “Nupcialidad y familia aristocrática en la España
moderna: estrategia matrimonial, poder y pacto endogámico”, Zona abierta, 43-44, (1987), pp.
97-112
332
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
27
El estudio realizado por Ignacio Atienza sobre la cada ducal de Osuna es uno de los trabajos
pioneros en el estudio de la nobleza española, ATIENZA HERNÁNDEZ, Ignacio, Aristocracia,
poder y riqueza en la España moderna. La casa de Osuna siglos XV-XIX, Madrid, Siglo XXI de
España editores, S.A., 1987.
333
áLvAro pAjAres
de Enrique III en 1397, tras exiliarse de Portugal y asentarse de Castilla, las villas
alcarreñas de Buendía (Cuenca) y Azañón (Guadalajara). Consolidó su posición en
Castilla a través de su matrimonio con Teresa Carrillo de Albornoz, uno de los linajes
más importantes de la región conquense, hija de Gómez Carrillo y Castañeda, señor
de Paredes (Cuenca) y Ocentejo (Guadalajara), Alcalde mayor de los Hijosdalgo de
Castilla, ayo del futuro rey Juan II de Castilla, Alcalde mayor y Entregador de Mestas
y Cañadas, y de su mujer Urraca Álvarez de Albornoz, señora de Portilla (Cuenca),
Valdejudíos (Cuenca) y Navahermosa (Toledo), siendo su hermano el arzobispo
de Sigüenza y Cardenal de San Eustaquio Alonso Carrillo de Albornoz, linaje que
cuenta además con una capilla funeraria en la catedral conquense. Asimismo se
involucró en el gobierno municipal de Cuenca, ejerciendo en su concejo los cargos
de alcalde (1417), fiel caballero de la sierra (1422) y almotacén (1443). El 3 de
agosto de 1446 estando en su villa de Portilla, redactan su testamento donde crean
dos mayorazgos 28, uno sobre las villas de Buendía y Paredes para su primogénito,
Pedro Vázquez de Acuña, y otro sobre las villas de Azañón y la mitad de Valtablado
para su hijo Lope Vázquez de Acuña, progenitor de la rama afincada en Cuenca y
titulado de forma efímera duque de Huete (Cuenca), pues tras la guerra de sucesión
castellana los Reyes Católicos revocan este nombramiento. En la región alcarreña,
no obstante, la política patrimonial del linaje se vio afectada por el avance de una de
las ramas de los Mendoza, señores de Cañete (Cuenca), título elevado a marquesado
por Carlos I en 1530. Por último, entre los hijos de este matrimonio cabe destacar
también la figura de Alfonso Carrillo de Acuña, arzobispo de Toledo, quien jugó
también un trascendental papel en los sucesos que sacudieron Castilla en el siglo
XV (ver cuadro genealógico VI).
Lope Vázquez de Acuña fallece en Cuenca el 7 de septiembre de 1447, día
en el que se abrió y se publicó su testamento, y es sucedido por Pedro Vázquez de
Acuña y Albornoz, II señor de Buendía, quien había ido ascendiendo en la corte
de Juan II y Enrique IV, ejerciendo dos importantes cargos cortesanos, Oficial
del Cuchillo o Trinchante al menos desde 1427, encargado de servir en la mesa
al monarca, y Guarda Mayor desde 1436, jefe de la guardia militar encargada de
la protección personal del rey. Asimismo, esta rama del linaje Acuña consiguió
patrimonializar el cargo de Alcalde Entregador de las Mestas y Cañadas, máxima
autoridad jurisdiccional del poderoso Honrado Concejo de la Mesta y que había
pertenecido a los Carrillo de Albornoz hasta la renuncia de Gómez Carrillo en
1417. Participó activamente en la vida política, social y militar del turbulento siglo
28
Escritura de fundación de mayorazgo de Buendía, otorgada por don Lope Vázquez de Acuña y doña
Teresa Carrillo de Albornoz, su mujer, 1446, Real Academia de la Historia [RAH], Colección
Salazar y Castro, 9/228, fol. 5-15.
334
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
29
Privilegio de Juan II, rey de Castilla, por el que hace merced de la villa de Dueñas (Palencia) a don
Pedro de Acuña, (después I conde de Buendía), 1439, RAH, Colección Salazar y Castro, 9/228,
fol. 72-74.
30
Cédula del infante Alfonso, rey que se tituló de Castilla, por la que concede el título de conde de
Buendía a Pedro de Acuña, 1465, RAH, Colección Salazar y Castro, M.35, fol. 137.
31
MORALES MUÑIZ, Dolores Carmen, “La concesión del título de (I) conde de Buendía por el
rey Alfonso XII de Castilla (1465) como expresión de poder del linaje Acuña”, Espacio, Tiempo
y Forma. Historia Medieval, 19, (2006), pp. 197-210.
335
áLvAro pAjAres
Enríquez. Por ello, siguiendo al cronista Alonso de Palencia 32, tras las capitula-
ciones matrimoniales, cuando Isabel huye de Ocaña en 1469, refugiándose con
los Enríquez en Valladolid, Fernando emprende en secreto un viaje hacia Castilla,
atravesando la frontera de ambos reinos disfrazado de arriero a través del Campo
de la Gomara soriano y terminado su periplo el 9 de octubre de 1469 en Dueñas,
alojándose en el palacio de los condes de Buendía. El 14 de octubre se traslada a
Valladolid para conocer a Isabel e intercambiarse los presentes acostumbrados y
esa misma noche retorna a Dueñas para, el día 18, trasladarse definitivamente a
Valladolid y contraer matrimonio en una doble ceremonia celebrada entre el 18
y el 19 de octubre en el Palacio de los Vivero de Valladolid. Este palacio en esos
momentos se encontraba vinculado también a los Acuña, pues su dueño, Juan
Pérez de Vivero, había contraído matrimonio en 1456 con María de Acuña, hija
de Pedro Vázquez de Acuña, I conde de Buendía, quien ejerció de madrina en los
desposorios, junto a Fadrique Enríquez, abuelo del novio, que ejerció de padrino.
Este enlace suponía la ruptura de los Pactos de Guisando (1468), pues la princesa
Isabel se había comprometido a aceptar que fuera su hermanastro, Enrique IV,
quien habría de dar su consentimiento a la princesa para contraer matrimonio.
Enrique no aprobó este enlace y, en la llamada Ceremonia de Val de Lozoya
(25 de noviembre de 1470), vuelve a reconocer como heredera a su hija Juana.
Enrique amenaza con avanzar sobre Valladolid e Isabel y Fernando deciden, en
mayo de 1470, refugiarse en Dueñas permaneciendo el resto del año en el palacio
de los condes de Buendía, donde nace su primogénita, Isabel de Aragón, futura
reina de Portugal 33.
De nuevo, al igual que le había ocurrido a Pacheco, la tensión entre los
futuros monarcas y el arzobispo Carrillo, quien había sido uno de sus principales
valedores en su conquista del trono, llevó también al prelado a enemistarse con
ellos por la determinación de los príncipes de no depender de ningún noble como
había ocurrido en los reinados anteriores. Pasa a apoyar así al bando de la Beltra-
neja en la guerra de sucesión y, tras la victoria de Isabel y su consolidación en el
trono con la firma del Tratado de Alcaçobas-Toledo en 1479, se retira a sus pose-
siones. Alejado de la corte y pérdida toda influencia, fallece en su villa de Alcalá
de Henares (Madrid), entonces villa dependiente del arzobispado de Toledo, en
1482. Por el contrario, su hermano Pedro Vázquez de Acuña, I conde de Buendía,
se mantuvo fiel a Isabel, quien aprueba en 1480 el nuevo mayorazgo fundado por
32
PALENCIA, Alonso de, Crónica de Enrique IV. Introducción de Antonio Paz y Meliá, Madrid,
Atlas, 1975. Tomo II, Década II, Libro II, Capítulos III y IV.
33
VALERA, Diego de, Memorial de diversas hazañas: crónica de Enrique IV. Edición y estudio por
Juan de Mata Carriazo, Madrid, Espasa-Calpe, S.A., 1941, p. 179.
336
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
337
áLvAro pAjAres
37
LÓPEZ DE HARO, Alonso, Nobiliario genealógico de los reyes y títulos de España: dirigido a la
majestad del rey Don Felipe IV nuestro señor, Madrid, 1622.
38
DOMÍNGUEZ ORTIZ, Antonio, La sociedad española en el siglo XVII, 1. El estamento
nobiliario, Granada, Universidad de Granada, 1992.
39
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje en la Castilla
bajomedieval”, en Relaciones de poder, de producción y parentesco en la Edad Media y Moderna.
Madrid, (1990), pp. 338-339.
338
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
no son ajenos a la realidad castellana y se han propuesto varias hipótesis sobre sus
orígenes, vinculándoles incluso con la casa real asturleonesa.
Que sean tenudos y obligados de traer vuestras armas derechas que vos
agora tenedes de vuestro solar de Acuña que son cuñas y por orlas quinas
y asimismo ellos tomando y teniendo todavía para toda su vida vuestro
apellido y nombradía de Acuña y el que ansí lo no ficiere que por el mesmo
fecho e por eso mesmo derecho pierda el dicho maioradgo 40.
40
Escritura de fundación del segundo mayorazgo de la casa de Buendía (Cuenca), otorgada por don
Pedro de Acuña, I conde de Buendía, y doña Inés de Herrera, su mujer, 1475, RAH, Colección
Salazar y Castro, 9/288, fol. 18-30.
339
áLvAro pAjAres
El escudo de los Acuña estaba formado, por tanto, por nueve cuñas de
punta roma en azur, colocadas de tres en tres sobre campo de oro. La elección
de las cuñas como símbolo de representación del linaje se debe a su solar de
origen, a su señorío sobre la
freguesía de Cunha-Alta, en
Portugal. Aunque para otorgarle
mayor alcurnia se elaboró también
un relato legendario sobre su
origen y significado en el que se
relata como Alfonso I Enríquez
concedió a Fernando Peláez el
privilegio de usar las cuñas como
símbolo distintivo por su heroica
participación en la toma de Lisboa
de 1147 frente a los almorávides,
sirviéndose de unas cuñas bien
para anclar las puertas de la
muralla o bien para que sus huestes
escalaran los muros de la ciudad
para tomarla. Como recompensa,
el rey, agradecido, le permitió
Fig. 1: Escudo de armas de los condes de Buendía utilizar este símbolo como su
sobre la puerta de acceso a la iglesia del Hospital escudo de armas, relato narrado
de Santiago Apóstol en la localidad palentina de por Julio de Atienza y Navajas, II
Dueñas Barón de Cobos de Belchite, en su
Nobiliario español:
Estando sitiados los moros en la ciudad, [...] para evitar que saliese ninguno
de los sitiados y que tampoco pudiesen recibir refuerzos, cerró con cuñas
de hierro los pasos por donde podían entrar o salir personas por lo que
don Alonso I de Portugal le concedió usar, como armas, nueve cuñas en
campo de oro 41.
Estas cuñas, por tanto, forman parte de los escudos de armas de las dife-
rentes ramas del linaje Acuña asentadas en Castilla. Asimismo, en la borla del
escudo aparecen, sobre fondo de plata, cinco escudetes de azur con cinco bezantes
41
ATIENZA Y NAVAJAS (BARÓN DE COBOS DE BELCHITE), Julio de, Nobiliario español:
diccionario heráldico de apellidos españoles y de títulos nobiliarios, Madrid, Aguilar, 1948.
340
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
341
áLvAro pAjAres
de sangre y linaje. Sin embargo, como ha apuntado Beceiro Pita 42, la concreción
de la memoria familiar en Castilla se produce de forma tardía respecto al resto de
la Europa feudal debido a la características peculiares que se desarrollaron en la
Península a raíz de la ruptura de las estructuras sociales visigodas y su sustitución
por otras relativamente poco rígidas que acarreó la conquista musulmana y la
posterior repoblación de los núcleos cristianos. Por ello, hemos de esperar hasta
la Baja Edad Media, entre los siglos XIII y XIV, para encontrarnos los primeros
signos claros de esta memoria, en una época clave para la consolidación de la
transmisión hereditaria. Hasta el siglo XIII, en la Europa feudal se impuso el
derecho germánico, que en el caso peninsular es heredado del corpus legal visi-
godo conocido como Liber Iudiciorum, recopilado por Recesvinto en el siglo VII,
y conocido en la Castilla medieval como Fuero Juzgo, siendo traducido al caste-
llano durante el reinado de Fernando III en el siglo XIII. Entre los principios de
este derecho germánico cabe destacar el de la sucesión forzosa entre los hijos, por
el cual todos los hijos e hijas habían de recibir la misma parte en la herencia, lo
que fomentaba la disgregación del patrimonio y dificultaba la creación de una
conciencia de linaje. Será a partir del siglo XII cuando se produce la recepción del
Derecho Romano en el ámbito de las incipientes ciudades y universidades, que
en Castilla se refleja en los corpus legislativos del siglo XIII como El Espéculo, el
Fuero Real (1255) o Las Siete Partidas (1265) con Alfonso X o los diferentes Orde-
namientos de los siglos XIV y XV, tendentes al fortalecimiento el poder monár-
quico. Por su parte, la nobleza también se vio indirectamente beneficiada por el
triunfo de los conceptos de primogenitura y masculinidad, que se consolidarían
a través de la institución del mayorazgo. Así, en este orden jurídico, las Partidas
sancionan ya la primacía del sistema agnaticio, al igual que las mejoras de tercio
y los primeros mayorazgos. Prácticamente un siglo después, el Ordenamiento de
Alcalá de 1348 43, principal corpus legislativo de Castilla hasta el Ordenamiento
de Montalvo de 1484, que pretendía ser una recopilación de las diferentes leyes
y disposiciones regias de la Corona de Castilla desde Las Partidas, no sólo recoge
ya como una pujante realidad social y administrativa el señorío jurisdiccional,
sino que incluso admite que los señores puedan ganar la justicia por prescripción,
abriendo cauce con ello para que dominios nacidos simplemente como solariegos
adquieran también el carácter jurisdiccional. La mejora del tercio se puede consi-
derar como un antecedente del mayorazgo en el sentido de que habitualmente
42
BECEIRO PITA, Isabel, “La conciencia de los antepasados y la gloria del linaje en la Castilla
bajomedieval”, in PASTOR DE TOGNERI, Reyna (coord.), Relaciones de poder, de producción
y parentesco en la Edad Media y Moderna: aproximación a su estudio, Madrid, Centro Superior de
Investigaciones Científica, 1990, p. 330.
43
Ley III, tít. XVII
342
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
343
áLvAro pAjAres
44
Algunos de estos elementos hoy desaparecidos fueron estudiados en la década de los 70 por
LAVADO PARADINAS, Pedro José, “Carpintería y otros elementos típicamente mudéjares en
la provincia de Palencia, partidos judiciales de Astudillo, Baltanás y Palencia”, Publicaciones de la
Institución Tello Téllez de Meneses, 38, (1977), pp. 5-234.
344
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
345
áLvAro pAjAres
palacios y/o fortalezas y otros bienes bajo jurisdicción señorial como molinos o
aceñas, así como de otros bienes terrenales como huertas, viñas, tierras, montes,
etc. En todos los casos, los actos simbólicos se representan siguiendo un ritual
prácticamente similar que consiste en pasearse por el recinto del que se toma
posesión, expulsar, cerrándoles la puerta, a los encargados de su administración,
para luego volverla a abrir y aceptarles de nuevo en su cargo. La toma de pose-
sión se refuerza siempre a través de la utilización de objetos naturales tangibles,
físicos, como las varas o las llaves pero también, en el caso de bienes terrenales,
ramas, hojas, racimos, piedras, etc 47. A modo de ejemplo, podemos destacar aquí
las tomas de posesión del palacio y de la fortaleza de Dueñas ejecutadas en 1592
por el administrador de María de Acuña, VII condesa de Buendía, el marqués de
Montesclaros, efectuadas por el guardarropa y el alcaide, respectivamente 48:
47
Para el análisis de una toma de posesión relacionada con el linaje Acuña, en concreto la
protagonizada por María de Acuña, VII condesa de Buendía, en Dueñas (Palencia), en 1592,
remitimos a nuestra contribución en el II Congreso Internacional de Jóvenes Investigadores
“Mundo Hispánico: Cultura, Arte y Sociedad” de la Universidad de León, todavía pendiente
de publicación, bajo el título “La consolidación de los señoríos jurisdiccionales en la castilla
bajomedieval y moderna. Su reflejo en las concesiones de señoríos y las tomas de posesión”.
48
Toma de posesión del mayorazgo, condado de Buendía, por D. Juan de Mendoza, marqués de Montes
Claros, administrador de Dña. María de Acuña, condesa de Santa Gadea, viuda de Juan de Padilla,
adelantado de Castilla ,1592, Archivo Municipal de Dueñas [AMD], Instalación Especial [I.E],
C.7, D.8
346
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
347
áLvAro pAjAres
51
RUBIO SÁNCHEZ, Mª Soledad, El colegio-universidad de Osuna (1548-1824), Osuna,
Biblioteca de los Museos de Osuna (Sevilla), 2006.
348
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
52
Sobre la instrumentalización del mundo funerario existen también numerosos trabajos,
pudiendo destacar aquí los de JARA FUENTES, José Antonio, “Muerte, ceremonial y ritual
funerario: Procesos de cohesión intraestamental y de control social en la Alta Aristocracia del
Antiguo Régimen (Corona de Castilla S.XV-XVIII)”, Hispania: Revista española de Historia,
LVI/3, 194, (1996), pp. 861-883; para el ámbito monárquico VARELA, Javier, La muerte del
rey. El ceremonial funerario de la monarquía española (1500-1885), Madrid, Turner, 1990; y,
desde el punto de vista social, GUIANCE, Ariel, Los discursos sobre la muerte en la Castilla
medieval (siglos VII-XV), Valladolid, Consejería de Educación y Cultura, Junta de Castilla y
León, 1998; o GARCÍA FERNÁNDEZ, Máximo, Los castellanos y la muerte: religiosidad y
comportamientos colectivos en el Antiguo Régimen, Valladolid, Consejería de Educación y Cultura,
Junta de Castilla y León, 1996.
349
áLvAro pAjAres
53
Para este caso remitimos a nuestra contribución en PAJARES GONZÁLEZ, Álvaro,
“El mecenazgo de la nobleza: los condes de Buendía y su villa de Dueñas”, in LOBATO
FERNÁNDEZ, Abel et al. (coords.), El legado hispánico: manifestaciones culturales y sus
protagonistas, León, Universidad de León: Área de publicaciones, 2016, pp. 369-392.
350
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
351
áLvAro pAjAres
5. Conclusiones
352
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
lidad interna provocada por el enfrentamiento con los Infantes de Aragón y, sobre
todo, por la guerra de sucesión castellana generada por los problemas sucesorios
que tuvieron lugar al final del reinado de Enrique IV. Podemos decir, incluso,
que fueron los principales actores de este conflicto y del ascenso al trono de los
futuros Reyes Católicos. Todo ello les permitió consolidar su posición y conver-
tirse en progenitores de algunos de los linajes aristocráticos más importantes que
participaron en la configuración de la Monarquía Hispánica junto a los Austrias
en los siglos XVI y XVII. Finalmente, algunas de estas ramas fueron perdiendo
peso y sus estados y títulos acabaron integrándose en casas más poderosas, bien
por agotamiento dinástico, bien por alianzas matrimoniales endogámicas entre la
nobleza castellana.
Junto al desarrollo de una nueva concepción del régimen señorial, se
produjo también la configuración de una nueva identidad nobiliaria, consoli-
dándose como un estamento privilegiado que participa activamente del poder
político y social de los llamados Estados Modernos a través de su servicio a la
corona, garante de la conservación y engrandecimiento de sus estados y privile-
gios. Por ello, la élite nobiliaria va a imitar las prácticas y principios de la monar-
quía no sólo desarrollando verdaderas cortes señoriales que copian la estructura
y organización de la corte real, sino a través de la reproducción de la etiqueta y
comportamiento de la realeza. Cabe destacar, así, la utilización de la imagen y
los símbolos como un instrumento para la legitimación y representación de su
poder a través de ceremoniales completamente ritualizados, la construcción de
residencias señoriales que exteriorizasen su dominio sobre sus estados y vasallos,
la utilización de la muerte como un recurso para fortalecer la conciencia del linaje
mediante la construcción de panteones familiares o la proliferación de sus escudos
de armas, etc. Asimismo, desplegaron una intensa política de beneficencia social a
través de la fundación de hospitales y obras pías o el patronato sobre monasterios
e iglesias. Con todo ello se convirtieron, junto a la monarquía y el clero, en los
grandes mecenas de las artes y las letras durante la Edad Moderna, contribuyendo
a la creación del actual legado patrimonial. Por lo que respecta a los Acuña, se han
conservado numerosos ejemplos de este proceso de configuración de la identidad
nobiliaria diseminados por lo que fueron sus estados señoriales a lo largo de toda
la geografía peninsular. Todos estos elementos se convirtieron en eficaces instru-
mentos empleados por la élite nobiliaria para construir el discurso de su identidad
y hacer visible ante sus vasallos su poder e influencia política y social, por lo que
se convirtieron también en un elemento legitimador y propagandístico del esta-
mento aristocrático a lo largo de todo el Antiguo Régimen.
Con el presente trabajo, en fin, pretendemos rescatar del olvido el impor-
tante papel desempeñado por las diferentes ramas de un linaje que, en muchas
353
áLvAro pAjAres
6. Bibliografía
ALEGRE CARVAJAL, Esther, Las villas ducales como tipología urbana, Madrid,
Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2004.
BECEIRO PITA, Isabel, “La imagen del poder feudal en las tomas de posesión
bajomedievales castellanas”, Studia historica. Historia medieval, 2, 2, (1984), pp.
157-162.
BECEIRO PITA, Isabel, “El escrito, la palabra y el gesto en las tomas de posesión
bajomedievales”, Studia historica, Historia medieval, 12, (1994), pp. 53-82.
354
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
GUIANCE, Ariel, Los discursos sobre la muerte en la Castilla medieval (siglos VII-
XV), Valladolid, Consejería de Educación y Cultura, Junta de Castilla y León,
1998.
355
áLvAro pAjAres
MORALES MUÑIZ, Dolores Carmen, “La concesión del título de (I) conde
de Buendía por el rey Alfonso XII de Castilla (1465) como expresión de poder
del linaje Acuña”, Espacio, Tiempo y Forma. Historia Medieval, 19, (2006), pp.
197-210.
356
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
ORTEGA GATO, Esteban, “La villa de Dueñas y los condes de Buendía durante
los Reyes Católicos”, Publicaciones de la Institución Tello Téllez de Meneses, 6,
(1951), pp. 279-344.
357
áLvAro pAjAres
VAL VALDIVIESO, María Isabel del, “La sucesión de Enrique IV”, Espacio,
tiempo y forma. Serie III, Historia Medieval, 4, (1991), pp. 43-78.
VALERA, Diego de, Memorial de diversas hazañas: crónica de Enrique IV. Edición
y estudio por Juan de Mata Carriazo, Madrid, Espasa-Calpe, S.A., 1941, p. 179.
358
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
Lourenço Fernandes de
Sancha Lourenço
Cunha, 1180-1225, II
Maceira
señor de Tábua
Gómez Lourenço da
Cunha, señor de Acuña Vasco Lourenço
Alta cuya descendencia Fernandes da Cunha, Teresa Pires Portel,
varonil terminó en su 1210, III Señor de (n. 1210-1291)
hijo Vasco Gómez de Morgado y Tábua
Acuña
Estevao Vasques de
Martim Vasques de
Cunhas, muerto de
Juana Ruiz Nomaens Cunha, IV señor de
forma prematura y sin
Tábua (1235 - 1305)
sucesión
Vasco Martins da
Senhorina Fernandes
Cunha, V señor de
da Chacim
Morgado y Tábua
(1265-1330)
(1260-1325)
Martim Vasques da
Violante Lopes
Cunha, VI señor de
Pacheco
Tábua (n. 1310)
Vasco Martínez de
Acuña, VII señor de
Tábua (1325-1407)
359
áLvAro pAjAres
Constanza
Pedro I de
Inés de Castro Manuel de
Portugal
Castilla
Dionisio de
Juan de Portugal Fernando I Leonor Téllez
Portugal
(1349-1387) de Portugal de Meneses
(1354-1397)
Juan I de
Avís
Beatriz de Juan I de
Portugal Castilla
Infantes apoyados por el bando legitimista-nacionalista encabezado por los Acuña frente a su hermano
bastardo Juan de Avís
360
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
Vasco Martínez
de Acuña, VII Beatriz Suárez
señor de Tábua de Albergaría
(1328-1407)
Lope Vázquez
María de
Martín de Acuña,
Portugal,
Vázquez Teresa Téllez Teresa Carrillo I Señor de
señora de
de Acuña Girón de Albornoz Buendía
Valencia de
(1357-1417) (5-XI-1397)
Campos
(m.1447)
Alfonso Téllez
Girón, I Señor María Pacheco
Pedro de de Belmonte
Acuña y
Portugal, II
conde de
Valencia de
Don Juan
Ducado
de Osuna,
Grandes de
España
361
áLvAro pAjAres
Pedro I de
Inés de Castro
Portugal
(1325-1355)
(1320-1367)
Pedro de Acuña,
II conde de Leonor de
Juana de Zúñiga
Valencia de don Quiñones
Juan
Juan de Acuña, II
duque y III conde
de Valencia de
Teresa Enríquez,
don Juan. Muere
Juan de Robles María de Acuña hija del I conde de
asesinado por su
Alba de Liste
cuñado en 1475
durante la guerra
de sucesión
Enrique de Acuña
Aldonza Manuel,
María Cabeza de y Portugal, IV
Alonso de Acuña hija del II señor
Vaca conde de Valencia
de Belmonte
de don Juan
Manuel Manrique
María Téllez- de Lara, IV duque
Girón, hija del IV de Nájera y VI
conde de Urueña conde de Valencia
de don Juan
362
UN LINAJE PORTUGUÉS EXILIADO EN CASTILLA...
Alvar García
de Albornoz,
Teresa Rodríguez
V señor de
Albornoz
Juana de
Pimentel,
Álvaro de Luna,
Elvira de condesa de
Condestable de
Portocarrero Montalbán, hija
Castilla
del III conde de
Benavente
363
áLvAro pAjAres
54
Extraído de ORTEGA GATO, Esteban, “La Villa de Dueñas y los tres primeros condes de
Buendía en el Reinado de los Reyes Católicos”, Publicaciones de la Institución Tello Téllez de
Meneses, 6, (1951), pp. 279-344.
364
A TENTATIVA DE LEGITIMAÇÃO DE D. JORGE, FILHO
BASTARDO DE D. JOÃO II: O ESTADO DA QUESTÃO
Abstract: this article presents a historiographic review on the attempt to legitimize the
bastard D. Jorge, promoted by king John II, his father, to the Pope, after the unex-
pected death of prince D. Afonso, presumed heir to the throne.
365
joão BernArdo GALvão-TeLLes
a Excelente Senhora; e sobre o final do mês, a 28, morreu o rei D. Afonso V, sendo
aquele príncipe aclamado rei, como D. João II, já no primeiro dia de Setembro.
O rebento chegou ao mundo com o estigma da bastardia, pois seu pai
achava-se casado há alguns anos com D. Leonor, sua prima direita, de quem aliás
tinha um filho legítimo, D. Afonso, nascido em 1475 e que se tornou no herdeiro
da coroa após a morte do avô 1.
As circunstâncias aconselhavam, portanto, a que D. Jorge fosse criado fora
da corte. Assim, com apenas três meses, a criança foi entregue aos cuidados de sua
tia D. Joana, irmã do novo monarca, que havia professado no mosteiro de Jesus,
em Aveiro, e com ela viveu nesse ambiente de recolhimento – sendo também
confiado, a partir de 1487, aos ensinamentos do mestre humanista Cataldo Parísio
Sículo – até que a morte surpreendeu aquela que para a História perduraria como
Santa Joana Princesa. Foi em Maio de 1490 e D. Jorge estava então prestes a
completar os nove anos de idade. O filho espúrio de D. João II, a instâncias deste
junto da mulher, pôde vir habitar na corte, sendo criado na casa da rainha por
vontade da própria D. Leonor. D. António Caetano de Sousa, o autor da setecen-
tista História Genealógica da Casa Real Portuguesa, chegou a afirmar que a mulher
de D. João II acolheu D. Jorge como se de seu filho se tratasse. Instalada então em
Évora, diga-se que a família real recebeu o bastardo com a dignidade que exigia
a sua condição de filho do rei, ainda que o facto de todos estarem concentrados
nos preparativos do casamento do príncipe D. Afonso com D. Isabel, filha dos
Reis Católicos, D. Isabel de Castela e D. Fernando de Aragão, tenha relegado a
presença de D. Jorge para um certo segundo plano.
Quis a roda do destino, porém, alterar inesperada e repentinamente o
rumo do que parecia ser um futuro previsível. Em meados de Julho de 1491,
casado há pouco mais de sete meses, ainda sem descendência, D. Afonso morreu
vítima de um acidente a cavalo. O súbito desaparecimento do príncipe herdeiro
da coroa transformou a situação de D. Jorge, seu meio-irmão: não deixando de
ser bastardo, este passava à condição de único filho do rei D. João II. A questão
da sucessão acendeu-se. Estava aberto o conflito interno que marcaria os últimos
anos do reinado do Príncipe Perfeito, vividos em turbulência 2.
1
A promessa de casamento do príncipe D. João com D. Leonor ocorreu a 22 de Janeiro de 1471,
celebrando-se o respectivo contrato matrimonial a 16 de Setembro de 1473. FONSECA, Luís
Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 284-285.
2
Para este breve escorço sobre o nascimento e infância de D. Jorge socorri-me das seguintes
obras: SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa,
Coimbra, Atlântida – Livraria Editora, Lda., 1953, tomo XI, pp. 1-21. PIMENTA, Maria
Cristina Gomes, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o Governo de D. Jorge”,
[Porto], Fundação Eng. António de Almeida, 2001 (colecção Militarium Ordinum Analecta, n.º
366
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
5). FONSECA, Luís Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005]. COSTA, João Paulo
Oliveira e, D. Manuel I, s.l., Círculo de Leitores, [2005]. LENCASTRE, D. António de Queiroz
de Vasconcelos e, Dom Jorge, 2.º Duque de Coimbra (1481-1550), [Porto], Caminhos Romanos,
[2011]. SÁ, Isabel dos Guimarães, De princesa a rainha-velha. Leonor de Lencastre, s.l., Círculo
de Leitores, [2011].
3
Crónicas de Rui de Pina (introdução e revisão de M. Lopes de Almeida), Porto, Lello & Irmão
– Editores, 1977, pp. 988-989. Crónica de dom João II e miscelânea por Garcia de Resende
(introdução de Joaquim Veríssimo Serrão, edição conforme a de 1798), Lisboa, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1973, p. 201.
4
SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Coimbra,
Atlântida – Livraria Editora, Lda., 1953, tomo XI, pp. 1 e 3-4.
367
joão BernArdo GALvão-TeLLes
fazê-lo reconhecer como herdeiro do trono, desejo a que se opôs a Rainha D. Leonor,
secundada por uma parte da Corte”. E rematou: “Foi pois D. Jorge o único descen-
dente, ainda que ilegítimo, de El-Rei D. João II” 5.
Mais proximamente, alguns trabalhos de carácter enciclopédico veicu-
laram entendimentos diferentes a respeito da questão da legitimação de D. Jorge.
Enquanto na Nobreza de Portugal e do Brasil, por exemplo, se afirmou que “não
tendo outro filho, tentou D. João II que a Coroa passasse para D. Jorge e para isso
procurou legitimá-lo, solicitando com instância as licenças de Alexandre VI”, acres-
centando-se que “o Papa, porém, não deu o consentimento pedido”; já no Dicionário
das Famílias Portuguesas, D. Luiz de Lancastre e Távora, marquês de Abrantes,
a propósito da origem do apelido Lancastre (ou Lencastre ou Alencastro), veio
declarar que “foi ele dado por D. João II a seu filho natural legitimado, o chamado
Senhor D. Jorge” 6.
Este último autor, em estudo mais alargado sobre o mesmo filho do Prín-
cipe Perfeito, publicado em Julho de 1990, afirmou que D. João II, logo após a
morte do príncipe, “terá começado a gizar o plano de vir a colocar o filho bastardo
no lugar do legítimo”, pois o monarca reunia as condições e tinha “o tempo neces-
sário para transformar D. Jorge no seu sucessor e herdeiro”. A este projecto opôs-se
a rainha D. Leonor, mas D. João II afastou o filho da corte e procurou criar-lhe
uma grande casa, “para o que começou por fazê-lo mestre da Ordem de Santiago e
administrador perpétuo da de Avis, para o que impetrou e obteve do papa Inocêncio
VIII as bulas necessárias”. E mais escreveu o marquês de Abrantes: “Já então o legi-
timara e criara duque de Coimbra, no que aparentava constituir nova e mais forte
legitimação visto que este título fora o do avô materno de D. João II, o infante-regente,
que tombara vítima das intrigas do 1.º duque de Bragança”. Com D. Jorge legiti-
mado, titulado e detentor do poder que lhe advinha daquelas ordens militares,
mais do que a capacidade daqueles que objectavam os planos do rei – opinou o
marquês de Abrantes –, terá sido a falta de tempo, motivada pela doença e morte
precoce, que impediu D. João II de concretizar em D. Jorge a desejada sucessão
no trono 7.
O erudito Jean Aubin debruçou-se especificamente sobre o tema da
sucessão de D. João II num trabalho também divulgado em 1990 e republi-
5
CANEDO, Fernando de Castro da Silva, A Descendência Portuguesa de El-Rei D. João II, Lisboa,
Edições Gama, Limitada, 1945, vol. 1, p. 11.
6
ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (direcção), Nobreza de Portugal e do Brasil, Lisboa,
Editorial Enciclopédia, Lda., 1960, vol. 2, p. 531. TAVORA, D. Luiz de Lancastre e (Marquês
de Abrantes), Dicionário das Famílias Portuguesas, Lisboa, Quetzal Editores, 1989, p. 216.
7
TAVORA, D. Luiz de Lancastre e (Marquês de Abrantes), “O senhor D. Jorge”, Oceanos, n.º 4
(Julho de 1990, número dedicado à Ordem de Santiago), pp. 82-92.
368
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
cado dez anos depois numa colectânea de estudos da sua autoria 8. Integrando a
forma como o rei português lidou com a questão da sua sucessão no plano das
complexas relações internacionais, designadamente no que respeita à disputa com
os Reis Católicos pelo controlo da navegação e das actividades relacionadas com
os descobrimentos, o historiador francês revelou algumas fontes, entre as quais a
crónica de Zurita, onde não se deixou de mencionar “l’affaire de D. Jorge touchant
la succession” ou que “le roi de Portugal travaillait et insistait de tout son pouvoir
pour laisser sa succession à D. Jorge son fils”. O mesmo autor referiu que a embai-
xada enviada por D. João II a Alexandre VI, a que adiante farei nova menção,
tinha por objectivo “obtenir du Pape la légitimation de D. Jorge”, acrescentando
– com base na obra coeva de Marino Sanuto, intitulada La Spedizione de Carlo
VIII –, que D. Pedro da Silva, um dos embaixadores, parando em Siena, fez saber
“qu’il ne gagnerai Rome que si le Pontife légitimait le fils naturel de son Roi, afin qu’il
puisse hériter du royaume”.
Manuela Mendonça, em biografia de D. João II publicada pela primeira
vez em 1991 e reeditada em 1995, foi a primeira em Portugal a analisar com
pormenor a questão sucessória daquele rei 9. Depois do desastre que vitimara o
príncipe, o soberano desejava efectivamente que D. Jorge lhe pudesse suceder
no trono. Na verdade, o projecto de “assegurar no bastardo a sucessão do reino
de Portugal” era o caminho que impediria a ascensão da casa de Beja-Viseu e
a reabilitação da casa de Bragança. Evidenciou a mesma autora que 1492 foi o
ano da esperança para D. João II, mas também o último ano da esperança. O rei
agira com rapidez. A permanência de D. Jorge na corte era insustentável e por
isso o monarca colocou-o logo à guarda de D. João de Almeida, 2.º conde de
Abrantes, fidalgo da sua inteira confiança. Claro que esta medida tinha o propó-
sito de não avivar em D. Leonor a dor pela morte do filho, mas não deixou de ter
igualmente uma finalidade política: afastar D. Jorge da corte era também tentar
evitar que se levantassem de imediato suspeitas sobre o propósito de o legitimar
e tornar sucessor. Prosseguindo a sua estratégia e beneficiando da influência que
gozava junto da corte pontifícia, D. João II alcançou a bula Eximiae devotionis
affectus et integra, dada em Roma por Inocêncio VIII a 29 de Dezembro de 1491
e pela qual D. Jorge era nomeado no governo dos mestrados das Ordens de Avis
8
AUBIN, Jean, “D. João II devant sa succession”, in Le Latin et l’Astrolabe. Recherches sur le
Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, Lisbonne-Paris,
Centre Culturel Calouste Gulbenkian / Comission Nationale pour les Commémorations des
Découvertes Portugaises, 2000, vol. 2, pp. 49-82.
9
MENDONÇA, Manuela, D. João II. Um percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade
em Portugal, 2.ª edição, [Lisboa], Editorial Estampa, 1995, em especial as pp. 285, 449-451,
453, 456-459, 471 e 474-475.
369
joão BernArdo GALvão-TeLLes
10
Esta bula encontra-se em Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Bulas, maço 26, doc. 18. Existe
um segundo exemplar da mesma no maço 11, doc. 4, inserto num instrumento de D. João de
Azevedo, bispo do Porto, nomeado executor da mesma bula. Foi sumariada por ABRANCHES,
José dos Santos, Fontes do Direito Ecclesiastico Portuguez – I – Summa do Bullario Portuguez,
Coimbra, Tipografia do Seminário, 1895, p. 49, n.º 304, e por SANTARÉM, Visconde de,
Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potências do
mundo desde o princípio da monarchia até aos nossos dias, Lisboa, Typographia da Academia Real
das Sciencias, 1866, tomo X, p. 110.
370
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
11
Veja-se o teor desta oração de obediência, em fac-simile do latim original e traduzida em
português, em Oração de Obediência ao Sumo Pontífice Alexandre VI dita por D. Fernando de
Almeida em 1493 (edição fac-similada, com nota bibliográfica de Martim de Albuquerque e
tradução portuguesa de Miguel Pinto de Meneses), Lisboa, Edições Inapa, 1988 (colecção
Orações de Obediência. Séculos XV a XVII, n.º 4). Jean Aubin contestou a data atribuída a esta
oração, 1493, defendendo que a mesma foi proferida apenas em 1495. Cfr. AUBIN, Jean,
“D. João II devant sa succession”, in Le Latin et l’Astrolabe. Recherches sur le Portugal de la
Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, Lisbonne-Paris: Centre Culturel
Calouste Gulbenkian / Comission Nationale pour les Commémorations des Découvertes
Portugaises, 2000, vol. 2, p. 71, em particular as notas 75 e 76.
12
O relato desta embaixada encontra-se no Arquivo Geral de Simancas, Patronato Real, n.º 4163,
leg. 49, fl. 58, estando publicado em TORRE, Antonio de La; SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis
(edição), Documentos referentes a las relaciones con Portugal durante el reinado de los Reyes Católicos,
Valladolid, CSIC, 1960, vol. 2, pp. 412-420.
13
MENDONÇA, Manuela, D. Jorge da Costa «Cardeal Alpedrinha», s.l., Edições Colibri, 1991,
em especial as pp. 58-60 e 99.
371
joão BernArdo GALvão-TeLLes
relacionados com Portugal. Mas depois a posição pessoal de D. Jorge da Costa foi
contrária à “tentativa de legitimação que D. João II pretendeu para o mesmo Senhor
D. Jorge, seu filho bastardo; essa legitimação nunca foi conseguida e estamos certa que
isso assim aconteceu por vontade do Cardeal”. Afirmou Manuela Mendonça que
D. Jorge da Costa não apoiou as pretensões do rei português junto do Papa por
considerar que, do ponto de vista institucional e jurídico, o herdeiro do trono
seria D. Manuel. Apesar de respeitar e admirar D. João II enquanto soberano,
D. Jorge da Costa não nutria simpatia por aquele que o expulsara do reino; “não
lhe faria, pois, um favor pessoal”. Acresce que D. Manuel estava do lado de todo o
grupo que D. João II perseguira e espoliara, estava do lado da rainha D. Leonor,
que sempre manteve com o cardeal um contacto estreito. “Daí a nossa convicção
que D. Jorge, bastardo, só não foi Rei porque D. Jorge Cardeal, o não consentiu”,
concluiu a historiadora.
Atentando no afastamento da corte a que D. Jorge foi votado, nas tenta-
tivas feitas por D. João II de o legitimar em Roma ao mesmo tempo que soli-
citou e obteve para o filho os mestrados de Avis e de Santiago, para além de
outras doações que outorgou ao bastardo, tudo isto – na opinião de Maria Cris-
tina Gomes Pimenta – “aponta para uma coerência de atitudes da parte do rei de
Portugal que, rapidamente, fez levantar toda uma série de questões à volta do que
globalmente dá pelo nome de sucessão de João II. E isto acontece fruto do paralelo
que o Rei pretende traçar entre este bastardo e o seu filho legítimo, há pouco falecido”.
Com efeito, o conjunto de doações de bens e cargos que haviam pertencido a
D. Afonso, transitando para D. Jorge, revelavam um “desejo muito claro de trans-
ferir integralmente para D. Jorge o status que D. Afonso detinha em vida, abrindo
assim caminho para que o bastardo lhe pudesse suceder” 14.
As recentes biografias régias de D. João II, de D. Manuel I e de D. Leonor,
alinham em geral com o que acima ficou dito. Luís Adão da Fonseca, que escreveu
sobre o Príncipe Perfeito, afirmou: “Sucedem-se então as diligências de D. João II
no sentido de promover e conferir um novo estatuto ao filho que lhe resta: a par dos
esforços de legitimação em Roma, segundo parece, dificultados pelos Reis Católicos, é
solicitada ao papa a concessão do governo dos mestrados de Avis e Santiago, o que lhe
veio a merecer uma resposta positiva da parte de Inocêncio VIII, pela bula Eximiae
devotionis affectus de 1491” 15. Também João Paulo Oliveira e Costa, autor de
D. Manuel I, revelou que, logo após a morte do príncipe, D. João II começou a
14
PIMENTA, Maria Cristina Gomes, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o
Governo de D. Jorge”, [Porto], Fundação Eng. António de Almeida, 2001 (colecção Militarium
Ordinum Analecta, n.º 5), pp. 81-82.
15
FONSECA, Luís Adão, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 128, 165, 172 e
224-228, em especial a p. 226, de onde se extraiu a citação.
372
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
16
COSTA, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, s.l., Círculo de Leitores, [2005], pp. 69-71.
17
SÁ, Isabel dos Guimarães, De princesa a rainha-velha. Leonor de Lencastre, s.l., Círculo de
Leitores, [2011], pp. 9, 62-63, 147, 152-154, 156 e 202.
18
RAMALHO, Américo da Costa, “Cataldo e D. João II”, in O Humanismo Português, 1500-
1600. Primeiro Simpósio Nacional, 21-25 de Outubro de 1985, Lisboa, Academia das Ciências,
1988. Republicado em RAMALHO, Américo da Costa, Para a História do Humanismo em
Portugal, s.l., Fundação Calouste Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica, [1994], vol. 2, pp. 17-33.
373
joão BernArdo GALvão-TeLLes
o intuito de “a levar a aceitar melhor a imaginação do poeta naquilo que vai seguir-
-se até à conclusão do poema”. E o que concebeu Cataldo? Nesses versos finais, o
educador de D. Jorge imaginou “que o rei D. João II fora em tempos visitado, em
sonhos, por uma personagem, anjo ou mensageiro divino, que lhe lembrara como a
sucessão do reino era precária com um só descendente, o seu filho único D. Afonso”.
Por isso, a mística figura exortava o monarca: “Liberta os membros, liberta-os do
sono pesado e entorpecente, e de entre a multidão das raparigas nobres escolhe uma
que, com toda a segurança, dará à luz um filho teu que há-de ser excelente de físico,
excelente de cultura. Tua mulher Leonor será a primeira a aprovar esta decisão, porque
tudo quanto resolveres obedece a ordens divinas, é feito com concordância do Alto,
aconselhado pelo espírito celeste. Deixa que eu tome sobre mim este cuidado. Virá
ao pensamento dela (de tua mulher) Sara que, sendo estéril, apresentou alegremente
ao marido relutante uma criada, para aumento da prole, e não quebrou os deveres
do sagrado leito”. O poema prossegue, evidenciando a reacção do então príncipe
D. João ao sonho – “Eis que recebo de boa mente as tuas palavras e vou cumprir
as tuas ordens” –, dando conta da aprovação do desígnio por parte do conselho
régio – pois “se não se apressar a cumprir com acatamento as ordens divinas / talvez
um grande desastre venha a acontecer aos seus reinos e aos seus povos” – e revelando,
por fim, o esperado nascimento de D. Jorge – “Eis que do ventre grávido o próprio
deus fez sair um macho”.
Tratando-se naturalmente de uma obra literária – escrita, não nos esque-
çamos, por um contemporâneo bem próximo das personagens e dos aconteci-
mentos –, ao retroprojectar o contexto em que o bastardo foi concebido, procu-
rando justificá-lo, parece claro o propósito de legitimar moralmente a relação
adulterina de D. João II e, consequentemente, o nascimento de D. Jorge, cuja
existência Cataldo procurava exaltar.
Num outro escrito, datado de 1989-1990 19, Américo da Costa Ramalho
veio afirmar que “há provas inequívocas de que D. João II, depois da morte do filho
legítimo D. Afonso, preferia que lhe sucedesse o outro filho, D. Jorge, a ver sentado no
trono seu primo e cunhado D. Manuel”. E acrescentou: “Há muitos anos que estou
convencido de que a missão de D. Fernando de Almeida, bispo de Ceuta, em Roma
em 1493, não foi apenas a de saudar o novo papa Alexandre VI, na sua elevação ao
sólio pontifício, mas também a de negociar a legitimação de D. Jorge e lhe preparar a
sucessão do trono. De resto, o partido contrário tinha na cúria papal um aliado pode-
roso em D. Jorge da Costa, «cardinalis ulyxbonensis», que estava nas melhores relações
19
Intitulado “Cataldo, a Infanta D. Joana e a educação de D. Jorge” e reeditado em RAMALHO,
Américo da Costa, Para a História do Humanismo em Portugal, s.l., Fundação Calouste
Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, [1994], vol. 2, pp. 51-68.
374
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
com o novo Papa e não tinha boas lembranças de D. João II. Isso não impediu que
o rei lhe escrevesse a encomendar o seu legado. Assim, D. Fernando de Almeida […]
partiu para Itália, levando consigo um impressionante número de cartas de recomen-
dação, redigidas em latim por Cataldo e publicadas em Epistolae I. Desde o Papa
Alexandre VI e seu filho César Borgia, então ainda cardeal, até a variados membros
da cúria, o Rei de Portugal a todos pede apoio para as questões que o bispo de Ceuta
vai tratar”.
As epístolas de Cataldo Parísio Sículo estão hoje traduzidas e publicadas 20.
Na primeira parte dessa obra, editada em 2010, encontram-se quarenta e duas
cartas escritas pelo humanista ao serviço do rei D. João II. Reportando-se a uma
parte dessas missivas (as que se encontram numeradas de 125 a 138), escreveram
os organizadores da edição que sendo “dirigidas ao papa Alexandre VI e a cardeais
e outros magnates da Cúria Romana, encontramos um assunto, tratado de forma
sigilosa, e que deve ser a legitimação de D. Jorge, filho bastardo de D. João II. Todas
estas cartas têm como finalidade principal fazer a apresentação de D. Fernando de
Almeida, bispo de Ceuta, que vai como embaixador de D. João II residir em Roma.
Esse é o pretexto oficial, mas fica em suspenso, e nunca é mencionado, o objectivo prin-
cipal da missão do bispo, objectivo que aliás não foi conseguido”.
Conclusão
20
SÍCULO, Cataldo Parísio, Epístolas (fixação do texto latino, tradução, prefácio e notas
de Américo da Costa Ramalho e de Augusta Fernanda Oliveira e Silva), 2 volumes, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005-2010.
375
joão BernArdo GALvão-TeLLes
Bibliografia
21
O testamento de D. João II encontra-se transcrito e publicado em SOUSA, D. António Caetano
de, Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Coimbra, Atlântida – Livraria
Editora, Lda., 1947, tomo 2, 1.ª parte, pp. 206-217.
376
A TenTATivA de LeGiTimAção de d. jorGe, fiLHo BAsTArdo de d. joão ii: o esTAdo dA quesTão
377
joão BernArdo GALvão-TeLLes
378
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA
COMEDIA SOBRE A DEVISA DA CIDADE DE COIMBRA
E A CORTE DE DOM JOÃO III
Paulo Morais-Alexandre*
Abstract: an attempt to understand the sense of comedy in the play of Gil Vicente
Comedy about the coat of arms of the city of Coimbra, resorting to such the analysis of
the court of the king of Portugal, John III, the cult of nobility and a staging specifically
produced for a very special audience
379
pAuLo morAis-ALexAndre
Introdução
380
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
de criar uma personagem que permitisse citar que Inês de Castro havia estado na
sala onde a função se representava, Gil Vicente associou o apelido desta figura
histórica a um nome com algumas semelhanças com o seu apelido, neste caso
Belicastra, efabulando depois sobre a diferença da grafia de ambas as palavras.
Trata-se de uma das obras mais menosprezadas do teatro vicentino que,
após a estreia, raramente foi levada à cena, sendo de registar a sua apresentação em
1993-94 pela “Escola da Noite”, tendo este espectáculo sido reposto em 2004 6.
Em 2010, sob a designação de Divisa, sob direcção de Álvaro Correia foi também
representada pelos alunos 2.º ano do curso de Teatro no Estúdio João Mota da
Escola Superior de Teatro e Cinema 7.
O presente texto deriva de uma pesquisa iniciada a partir do convite da
professora Maria José Palla, para que o autor do mesmo estudasse e publicasse um
conjunto de textos relativos às personagens da peça em apreço no Dicionário das
Personagens do Teatro de Gil Vicente 8.
6
“A Escola Da Noite / Gil Vicente, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra” [Em
linha], [Ficha de espetáculo], Cetbase, Teatro em Portugal / Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, reg.º n.º 409, s.d. [Consult. 2015, Setembro, 5], Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/
CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espectaculo&ObjId=409.
7
A Partir de Comédia sobre a Devisa da Cidade de Coimbra e Auto Pastoril Português de Gil Vicente
[Folha de Sala], Amadora, Escola Superior de Teatro e Cinema, 2010
8
PALLA, Maria José (coord. e org.), Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente, Lisboa,
Chiado Editora, 2014.
381
pAuLo morAis-ALexAndre
9
AUBIN, Jean, “La noblesse titrée sous D. João III, inflation ou fermeture?” in AUBIN, Jean, Le
Latin et l’Astrolabe, Recherches sur le Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et ses relations
internationales, Lisboa-Paris, Centre Culturel Calouste Gulbenkian / Commission Nationale
pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, 1996, p. 371.
10
BARCELOS, D. Pedro, 3.º Conde de, Nobiliário de Espanha escrito pelo senhor conde D. Pedro,
1340-1344, ANTT, Livro de Linhagens, n.º 144.
A este respeito são significativas as palavras de Miguel Metelo de Seixas: «A produção medieval
portuguesa revelara-se substancial neste âmbito, desde o Livro Velho de Linhagens de finais do
século XIII e o Livro de Linhagens do Deão do segundo quartel da centúria seguinte, até ao
pouco posterior Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, sem dúvida a obra genealógica medieval
de maior alcance e difusão não apenas em Portugal como nos restantes reinos peninsulares, onde
foi largamente copiado, acrescentado e glosado.» Cit. SEIXAS, Miguel Metelo de – “Recensão
Crítica a GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, (Edição crítica
de António Maria Falcão Pestana de Vasconcelos), Lisboa, Instituto Português de Heráldica /
CLEGH / CEPESE, 2014, 628 pp.” in Armas e Troféus, Revista de História, Heráldica, Genealogia
e Arte, Lisboa, Instituto Português de Heráldica, 2014, 9.ª série, tomo 16, p. 443.
Ainda a respeito dos livros de linhagens medievais veja-se a obra de MATTOSO, José, “A lite-
ratura genealógica e a cultura da nobreza em Portugal (sec. XIII-XIV)” in Portugal medieval, novas
interpretações, Lisboa, Casa da Moeda, 1985 e sejam consultadas as várias edições críticas nas quais
este investigador participou, nomeadamente: Livros Velhos de Linhagens (Edição crítica de Joseph Piel
e José Mattoso), Lisboa, Academia das Ciências, 1980 e Livro de linhagens do Conde D. Pedro (Edição
crítica de José Mattoso), Lisboa, Academia das Ciências, 1980. Será ainda de consultar: PIZARRO,
José Augusto de Sotto Mayor - Linhagens Medievais Portuguesas, Genealogias e Estratégias (1279-
1325), Dissertação de Doutoramento em História da Idade Média [em linha], Porto, Universidade
do Porto, 1997, [Consult. 2017, Março, 24]. Disponível em https://www.google.pt/url?sa=t&rct=
j&q=&esrc=s&source=web&cd=9&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiN6ZG34O_SAhUBw4
MKHao4AkUQFghMMAg&url=https%3A%2F%2Frepositorio-aberto.up.pt%2Fbitstream%
2F10216%2F18023%2F2%2F1712TD01P000079037.pdf&usg=AFQjCNHRLLMWBv5O_
VVQ9cpe0XDS-9kQuw&sig2=pdIzvyxsVkIVyxOmcVQXCw&bvm=bv.150729734,d.d24.
11
«Os livros de linhagens foram compilados em momentos diversos entre o século XIII e XIV,
sofrendo sucessivas interpolações até assumirem a sua forma definitiva. São conhecidos
382
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
basicamente três livros de linhagens: o Livro velho (LV), o Livro do Deão (LD) e o Livro de
linhagens do Conde Dom Pedro, que aqui chamaremos de Livro de linhagens (LL). Os períodos
presumíveis para as suas compilações vão de 1282 a 1290 para o LV, de 1290 a 1343 para
o LD, e de 1340 a 1343 para o LL.» BARROS, José D’Assunção, “Os Livros de Linhagens
na Idade Média Portuguesa, A constituição de um gênero entre a genealogia e a narrativa” in
RCL, Convergência Lusíada [Em linha], Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura,
2011, Janeiro-Junho, n.º 25, p. 77. [Consult. 2017, Março, 26], Disponível em http://www.
realgabinete.com.br/revistaconvergencia/?p=138.
12
TAVARES, Xisto, Liuro das Prencipaes Linhagens de Portugal, s.d., BNP, COD. 1328.
13
GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, (Edição crítica de António
Maria Falcão Pestana de Vasconcelos), Lisboa, Instituto Português de Heráldica / CLEGH /
CEPESE, 2014. Veja-se ainda a este respeito o relevante texto de SEIXAS, Miguel Metelo de –
“Recensão Crítica a GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de Portugal de Damião de Góis, …,
pp. 441-449.
Esta obra terá sido iniciada na sequência da nomeação de Damião de Góis para Guarda-mor
da Torre do Tombo em 1945 e terminada em data posterior a 1555. Cf. VASCONCELOS,
António Maria Falcão Pestana de, “Introdução” in GÓIS, Damião de, Livro de Linhagens de
Portugal de Damião de Góis, ob. cit., p. 17.
14
«[…] a memória linhagística era, na maioria das vezes, alicerçada em situações concretas e
registros vários, somente libertando-se para vôos mais fantasiosos onde havia lacunas que o
permitissem. Com freqüência, passava-se de maneira imperceptível da lenda interpolada à
narrativa, que era construída sobre bases mais conhecidas e em torno de figuras cuja existência
podia ser comprovada historicamente.» Cit. BARROS, José D’Assunção, “Os livros de linhagens
medievais e a reconstrução da memória – as operações genealógicas nos nobiliários portugueses
dos séculos XIII e XIV .” in Diadorim, Revista de Estudos Lingüisticos e Literários, Rio de Janeiro,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006, n.º 1, p. 163.
15
S.A., “Breves notas sobre Genealogia e Heráldica” in ZÚQUETE, Afonso (dir. e coord.),
Armorial Lusitano, Lisboa, Representações Zairol, 1987 [reed.], vol. 2, p. 707.
383
pAuLo morAis-ALexAndre
[...] importancia del fundador del linaje, iniciador de una historia fami-
liar siempre limpia y gloriosa, destinada a justificar y legitimar la posi-
ción alcanzada por sus descendientes. [...] frecuentemente, los genealo-
gistas, más que embaucar a aquéllos para los que realizaban sus trabajos,
les secundaban en su afán por reconstruir un pasado ficticio, mucho más
adecuado y conveniente. [...] En otros casos, las falsificaciones genealógicas
surgen de la necesidad de ocultar un pasado que no se consideraba apro-
piado para sustituirlo por otro, ficticio, pero idóneo; un pasado inventado
destinado a legitimar la posición socioeconómica alcanzada, pero también
a proyectar el linaje hacia el futuro [...] 16.
Registe-se que a este nível a própria Bíblia Sagrada pode dar azo a especula-
ções, já que o “Primeiro Livro das Crónicas” estabelece uma linhagem de Abraão
que remonta até Adão 17.
Sobre as genealogias fantasiosas no tempo de Gil Vicente cite-se uma,
claramente na peugada do texto bíblico, da responsabilidade do infante D.
Fernando, duque da Guarda e de Trancoso, irmão de D. João III. Este príncipe
era, segundo Diogo Barbosa Machado na obra Bibliotheca Lusitana, «[...] dado
ao estudo das Historias verdadeiras, e inimigo das fabulosas, e principalmente
nas de seus progenitores trabalhou muito por saber sua origem. Compoz Arvore
Genealógica deduzida do tempo de Noé, atè ElRey seu Pay.» 18
Para denunciar genealogias abusivas foram surgindo obras, designadas em
Espanha como libros verdes ou tições que relatavam o que as famílias queriam
esconder na sua ascendência, nomeadamente aquilo que se designava como a
limpeza de sangue ou bastardias. O investigador João Figueirôa-Rêgo refere a
«[...] feitura e circulação, restrita mas efectiva, de nobiliários negros – Tições –
nos quais se expunham as mazelas genealógicas, em especial as originadas por
pretensas intrusões de raças, ditas infectas, mas também as mésalliances que ofus-
cavam o brilho e limpidez das linhagens.» 19. Destes, o mais famoso seria escrito
16
RÁBADE OBRADÓ, María del Pilar, “La Invención como necesidad, Genealogía y
Judeoconversos” in LADERO QUESADA, Miguél Ángel (coord.), Estúdios de Genealogía,
Heráldica y Nobiliaria, anejos de «En la España Medieval», Madrid, Universidad Complutense,
2006, p. 186-187.
17
Bíblia Sagrada, Lisboa, Difusora Bíblica, 1992, 1 Cr 1,1-27.
18
MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana, Historica, Critica, e Cronologica, Lisboa,
Officina de Ignacio Rodrigues, 1747, tomo 2, p. 12.
19
FIGUEIRÔA-RÊGO, João, “A limpeza de sangue e a escrita genealógica nos dois lados do
Atlântico entre os séculos XVII e XVIII , Alguns aspectos” in Actas do Congresso Internacional
O Espaço Atlântico de Antigo Regime, poderes e sociedades [Em linha], Lisboa , Instituto Camões,
384
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
385
pAuLo morAis-ALexAndre
coroa [...]» 26. Mais é dito que «[...] quem conhecer a época e o espirito palaciano
da nobresa d’então preocupada constantemente, desde o livro velho das linha-
gens, com a série dos seus avoengos, o lustre da sua casa, o grau da sua fidalguia,
poderá avaliar o interesse que deveriam ter causado as trovas de João Rodrigues
de Sá. [...] havia-se preocupado quasi apenas com as familias cujos chefes ou
membros brilhavam na corte luzidia do faustoso e literario senhor da Conquista e
Comercio da Etiopia.» 27, declarando «[...] alguns escudos darmas dalguas lynha-
gens de Portugall que sabya donde vinham [...]» 28.
A corte do rei D. João III era bastante vasta e incluía desde logo os oficiais
da sua casa e da casa da rainha. Francisco d’Andrada na crónica que escreveu
relativa ao reinado de D. João III dá conta do estabelecimento, por parte de seu
pai, D. Manuel I, da casa daquele quando era apenas príncipe real referindo que
o rei veio a «[...] ordenarlhe os officiaes que lhe erão necessarios para ella [...]» 29.
Os oficiais nomeados são referidos pelo cronista, verificando-se que alguns das
pessoas então nomeadas haviam de acompanhar O Piedoso ao longo de toda a sua
vida. A título de exemplo citem-se João da Silva, conde de Portalegre que foi na
altura nomeado mordomo-mor e, por guarda-mor, Luís da Silveira que viria a ser
feito Conde de Sortelha, considerado da total confiança do príncipe 30. Na altura,
entre outros oficiais maiores e menores, foram também nomeados Cristóvão de
Melo, que era alcaide-mor de Serpa e que recebeu as funções de mestre-sala e o
cargo de monteiro-mor foi atribuído Jorge de Melo 31.
Um grupo muito particular e fulcral da corte era o conselho real, dentro
do qual o rei tinha um núcleo mais restrito, o conselho privativo, do qual, apenas
um ano depois da representação, faziam parte 32: o infante D. Luís – irmão do rei,
condestável de Portugal, duque de Beja, que viria a ser pai de D. António, prior
26
Ibidem, p. 22.
27
-. O conde de S. Paio refere ainda outros autores, nomeadamente um, um pouco posterior,
«D. João Ribeiro Gaio, bispo de Malaca e presidente das Justiças de Goa, de 1581 a 1601,
compondo a sua obra ‘Templo da Honra de Portugal’, que assim parece ter intitulado uma
colecção de Coplas ás armas da Nobreza de Portugal». Ibidem, p. 23.
28
Ibidem.
29
ANDRADA, Francisco d’, Crónica do Mvyto Alto e Mvito Poderoso Rey destes Reynos de Portugal
Dom João o III deste nome, Lisboa, Iorge Rodrigues, 1613, f. 3v.
30
Ibidem.
31
Ibidem.
32
BUESCU, Ana Isabel, D. João III 1502-1557, Rio de Mouro, Temas e Debates, 2008, p. 241.
386
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
33
Foi nomeado em 30 de Setembro de 1527. Cf. CRUZ, Maria Leonor Garcia da, A Governação de
D. João III , A fazenda real e os seus vedores , Dissertação de Doutoramento em Letras, área de História
Moderna [Em linha], Lisboa, Universidade de Lisboa, 1996, vol. 2, pp.261-262 [Consult.2015,
Outubro, 5], Disponível em http,//repositorio.ul.pt/bitstream/10451/585/1/17857_mlgc_
Tese_Doutoramento.pdf.
34
O levantamento destes oficiais poderá ser feito a partir dos documentos publicados por António
Caetano de Sousa. Cf. SOUSA, António Caetano de, Provas da Historia Genealogica da Casa
Real Portugueza, Lisboa, Officina Sylviana, 1742. Cite-se a título de exemplo a “Carta de
Védor da Fazenda ao Conde de Penella, D. Joaõ de Menezes e Vasconcellos” Coimbra: 1527,
Setembro, 30 (Cf. idem, tomo 2, livro 4, p. 759). Poderá ser também feito na documentação
existente no Arquivo Nacional Torre do Tombo, nomeadamente na Chancelaria Régia e no
Corpo Cronológico.
35
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, p. 103.
36
“Mandado de D. Rodrigo Lobo vedor da fazenda para o almoxarife de Cabo Verde pagar aos
herdeiros de Leonis Correia corregedor na dita ílha o ordenado que se lhe devesse”, 1527,
Setembro, 15, ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 144, n.º 102.
37
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, pp. 15 e 38.
38
A nomeação deste vedor está publicada em CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 2,
261-262.
387
pAuLo morAis-ALexAndre
39
REBELO, J. I. de Brito, Gil Vicente , (1470 (?) – 1540 (?), Lisboa, Livraria Ferin, Editora, 1912,
p. 11.
40
BUESCU, Ana Isabel, “D. João III e D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, novas razões para um
ódio velho” in Revista de História da Sociedade e da Cultura [Em linha], Coimbra, Centro de
História da Sociedade e da Cultura, 2010, n.º 10, tomo 1, p. 158 [Consult. 2015, Outubro, 10],
Disponível em http,//run.unl.pt/bitstream/10362/11238/1/06%20-%20Ana%20Isabel%20
Buescu.pdf.
41
CARVALHO, Joaquim Barradas de, s.v. “PEREIRA, Duarte Pacheco” in SERRÃO, Joel,
Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1981, vol. 5, p. 53.
42
BUESCU, Ana Isabel, “D. João III e D. Miguel da Silva, bispo de Viseu, novas razões para um
ódio velho”, …, n.º 10, tomo 1, 162.
43
“Conhecimento em que se declara que Fernão de Aguiar, uchão do rei D. João III, recebeu do
almoxarife de Lamego, Simão Figueiredo, as coisas no mesmo declaradas.”, 1523, Maio, 15,
ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 108, n.º 14.
388
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
também fazia questão de distinguir alguns dos seus súbditos com cargos nas casas
dos infantes, designando nomeadamente mordomos-mores para todos estes.
Refira-se, por fim, uma miríade de pessoas ligadas à corte, com maior ou
menor notoriedade e onde se pode incluir o próprio Gil Vicente.
Como se verificou pelos nomes citados, os cargos mais relevantes eviden-
ciam as muito estreitas ligações entre as principais famílias da nobreza e a família
real. Há uma intrincada rede de relações familiares nesta altura. Cite-se, por
exemplo, o caso de D. Luís da Silveira, 1.º conde de Sortelha, guarda-mor de
D. João III e cunhado do vedor Nuno da Cunha já que era casado com uma
sua irmã 44. Ainda sobre as ligações familiares dos detentores de ofícios na corte
veja-se a teia que o 3.º barão de Alvito, D. Rodrigo Lobo estabelece quando
«Casou com Dona Guiomar de Castro, filha de Joaõ da Sylva, Senhor de Vagos,
Regedor de Justiças, e de sua mulher Dona Joana de Castro, filha de Dom Diogo
Pereira, II. Conde da Feira [...]» 45. Paralelamente D. Pedro de Castro, 3.º conde
do Monsanto, foi casado com D. Joana de Meneses, neta do Conde de Viana
e, posteriormente, em segundas núpcias, com D. Inês da Silva y Ayala, irmã do
Mordomo-Mor, D. João da Silva 46.
Agora compare-se os apelidos referidos com as linhagens que aparecem
citadas por Gil Vicente e resulta óbvio que não se trata de qualquer coinci-
dência, mas que o dramaturgo claramente criou as personagens de acordo com os
presentes no espectáculo.
Considerar-se com um elevado grau de certeza que Gil Vicente estabe-
leceu, com a organização e com o próprio discurso das damas da princesa Coli-
mena, um claro paralelismo com a corte portuguesa.
44
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., vol. 1, p. 36.
45
SOUSA, António Caetano de, Memorias históricas, e Genealogicas dos Grandes de Portugal, que
contém a origem, e antiguidade de suas Familias, os Estados, e os Nomes dos que actualmente vivem,
suas Arvores de Costado, as alianças das Casas, e os Escudos de Armas, que lhes competem, até ao anno
de 1754, Lisboa, Officina Sylviana, 1755, p. 443.
46
VASCONCELOS, António Maria Falcão Pestana de, Nobreza e Ordens Militares, Relações
sociais e de Poder (Séculos XIV a XVI), Dissertação de Doutoramento em História Medieval e do
Renascimento, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008.
389
pAuLo morAis-ALexAndre
47
VICENTE, Gil, O Velho da Horta e Auto da Barca do Inferno, Texto integral com comentários, São
Paulo, Editora DCL – Difusão Cultural do Livro, 2013.
48
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521 in José Camões (Org.), CETbase, Teatro em
Portugal / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002, [Consult.2015, Outubro, 24],
Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/Publicacoes/Pecas/Textos_GV/
Cortes%20de%20Jupiter.pdf.
49
Ibidem, vv. 272-273.
50
Ibidem, vv. 292-296.
51
Ibidem, vv. 302-303.
52
Ibidem, vv. 307-309.
53
Ibidem, vv. 318-319.
54
Ibidem, vv. 328-329.
55
Ibidem, vv. 342-343.
56
Ibidem, vv. 232-233.
390
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
57
PEREIRA, Silvina Martins Pereira, Tras a nevoa vem o sol, As comédias de Jorge Ferreira de
Vasconcelos , Doutoramento em Estudos Artísticos / Estudos de Teatro [Em linha], Lisboa, Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, 2010, p. 22 [Consult.2015, Outubro, 29], Disponível
em https,//www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&cad=rja&uact=8
&ved=0CDk QFjAFahUKEwjgpPqP7efIAhWHWx4KHVHMAYo&url=http%3A%2F%2F
repositorio.ul.pt%2Fbitstream%2F10451%2F6274%2F1%2Fulsd65248_td_Silvina_Pereira.
pdf&usg=AFQjCNE3qmP-rV5GH9pb1E4g-c-8ejsbOw&sig2=lbiR8DFLELMTYFFZwweIqw
&bvm=bv.106130839,d.d2s.
58
“Provisão para o almoxarife dos escravos que vêm da Guiné dar a Jorge de Vasconcelos um
escravo de preço de 10.000 réis”. 1514, Abril, 25, ANTT, Corpo Cronológico, parte II, mç. 46,
n.º 117.
59
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 238-243.
60
“A Pero do Porto, Mestre da Capela do Cardeal, Mercê dos Ofícios de Escrivão dos Agravos
e Desembargo do Paço como o era Fernão Rodrigues, Cantor Real, que por seu falecimento
ficaram vagos, a qual mercê é feita por um Alvará feito em Lisboa a 4 de Fevereiro de 1521”,
1521, Março, 4, ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 39, fl. 10v.
61
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 257-258.
62
Ibidem: vv. 287-288.
63
Ibidem: vv. 297-299.
64
Ibidem: vv. 312-314.
65
Ibidem, vv. 323-324.
66
“Recibo de como Francisco Homem, Estribeiro-mor de D. Manuel I, recebeu de Rui Leite,
Recebedor do Tesouro, 2 selas givetas cor de tâmara.”. 1515, Janeiro, 10, ANTT, Corpo
Cronológico, Parte II, mç. 54, n.º 55.
67
VICENTE, Gil, Cortes de Júpiter [Em linha], 1521, …, vv. 337-338.
68
Ibidem: vv. 357-360.
391
pAuLo morAis-ALexAndre
Na peça Nau de Amores 69, datada de 1527 70, são também chamadas à
colação várias figuras da corte: «sam assi sem ventura / como Manoel de Melo» 71,
provavelmente o capitão da Índia com este nome; «Simão de Sousa do Sem / que
a todas mostra dores» 72, trata-se de um comendador da Ordem de Cristo, filho de
António do Sem e de D. Filipa de Sousa, parente do governador da Índia Diogo
Lopes de Sequeira 73; «Sabeis quem é dessa clima / desses de vós e de mi? [...] Dom
Fernando de Lima» 74, certamente D. Fernando de Lima Pereira, senhor de Castro
d’Aire «hum dos mais valídos delRey d. Joaõ III., e Capitaõ de Ormuz, onde
morreo [...]» 75; um fidalgo da casa do rei e seu pajem 76 «Fernão Soares também
/ irmão do porteiro mor» 77; «Dom Jorge fora ditoso / mas casou-se temporão» 78,
é pouco provável que se referisse a D. Jorge de Lancastre, o filho bastardo de D.
João II que foi o segundo duque de Coimbra e teve os muito relevantes cargos de
Grão-Almirante de Portugal e de mestre da Ordem de Santiago, que havia nascido
no já remoto ano de 1489, pelo que mais provavelmente a referência era a Jorge
de Melo monteiro-mor do rei que havia casado com D. Margarida de Mendonça;
D. João Coutinho que foi capitão de Arzila, «[...] conde do Redondo assi / se
nam fora tam casado / fora o mais santo alfaqui» 79; «Olhai cá Simão Galego /
amassai o rei d’espadas» 80, trata-se de um capitão, citado por Fernão Mendes
69
Veja-se a este respeito a obra de Teresa Castro Nunes – Nau, Lisboa, Quimera, 1988.
70
VICENTE, Gil, Nau de Amores [Em linha], 1527 in CAMÕES, José (Org.), CETbase, Teatro
em Portugal / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002, [Consult.2015, Setembro,
10], Disponível em http,//ww3.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/Publicacoes/Pecas/Textos_
GV/nau_damores.pdf.
71
Ibidem, vv. 709-710.
72
Ibidem, vv. 715-716.
73
“Diogo Lopes de Sequeira” in Genealogias dos Vice-Reis e Governadores do Estado Português
da Índia no século XVI [Em linha], Lisboa, Centro de História de Além-Mar FCSH-UNL,
2004 [Consult. 2015, Outubro, 29], Disponível em http,//www.cham.fcsh.unl.pt/ext/
GEN/P%E1ginas/Sequeira.htm.
74
VICENTE, Gil, Nau de Amores, …, vv. 717-720.
75
SOUSA, António Caetano de, Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, …, tomo
12, parte 2, livro 14, 809.
76
A sua lápide proveniente do Mosteiro de Nossa Senhora da Serra de Almeirim está presentemente
em exposição no Museu Municipal de Almeirim e ostenta a seguinte inscrição: «SEPVLTURA
DE FERNÃO SOARES FIDALGO DA CASA DEL REI DO JOAO TERCEIRO DESTE
NOME E SEU PAJE DO LIVRO FALECEO AOS XXII DIAS DO MÊS DE JVNHO NA
ERA DE 1544 ANOS».
77
VICENTE, Gil, Nau de Amores, …, vv. 723-724.
78
Ibidem, vv. 733-734.
79
Ibidem, vv. 738-740.
80
Ibidem, vv. 743-744.
392
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
Pinto na sua obra Peregrinação 81; e ainda «Dom Francisco Lobo diz / nam sei, esta
seri’ela» 82 provavelmente o irmão do barão do Alvito e sucessor de «[...] D. Aleixo
de Menezes na Embaixada de Castella [...]» 83, talvez o que viria a embarcar para a
Índia na Armada que levava o vice-rei D. Constantino de Bragança 84.
Castros
393
pAuLo morAis-ALexAndre
a primeira das donzelas a falar. Afirma que foi a edificadora da vila do Crato,
cujo nome original, depois corrompido, seria Crasto, que recebeu o nome da sua
fundadora, dela procedendo também todos os “Crastos” ou Castros, ou seja, a
personagem afirma-se como o tronco da linhagem dos Castro: «Todos os Crastos
procedem de mi [...]» 88.
A partir do nome Belicastra, sem qualquer fundamento, Gil Vicente esta-
belece uma relação tão fantasiosa quanto caricata com a fundação da vila do
Crato e com a linhagem dos Castros, o que é feito de forma indubitavelmente
imaginativa e sem qualquer fundamento histórico. Esta relação entre a fundação
da vila do Crato e a linhagem dos Castros é totalmente absurda, até porque,
segundo Afonso Martins Zúquete no Armorial Lusitano, foi a família Crato que
retirou o seu nome desta vila 89, não se estabelecendo qualquer ligação aos Castros
cuja origem se reputa em Castela 90.
Haverá, no entanto, que afirmar que, quer no período em que a Comedia
foi representada, quer até anteriormente, havia efectivamente a dupla grafia deste
apelido sem remeter para linhagens diversas, sendo, a título de exemplo, o próprio
irmão de Inês de Castro designado por mais que uma vez como “Alvaro Perez de
Crasto” 91.
Registe-se a propósito desta fala de Belicrasta, onde são enunciadas as
qualidades das mulheres da família Castro, que Gil Vicente nos dá uma infor-
mação muito curiosa quando afirma que: «As molheres de Crasto são de pouca
fala / fermosas e firmes como sabereis / pola triste morte de dona Inês / a qual de
constante morreu nesta sala.» 92.
Neste caso o texto não se preocupa em estabelecer qualquer diferença entre
os Castros portugueses, ditos de treze, pelo número de arruelas que entram na
composição do seu escudo de armas (de ouro treze arruelas de azul), com os da
Galiza ou os que aí têm origem, os de Inês de Castro, cujo brasão apenas apre-
senta seis arruelas (de prata, seis arruelas de azul), conforme se aferir no túmulo
daquela rainha localizado no mosteiro de Alcobaça e que surge também represen-
88
Idem, v. 786.
89
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir e coord.), Armorial Lusitano, Lisboa, Representações
Zairol, 1987 [reed.], p. 186.
90
Ibidem, p. 152.
91
«É inegável que as formas Castro e Crasto […] eram simultaneamente usadas amiudadas vezes,
ainda em pleno séc. XVI, sem com isso se pretender insinuar ascendência genealógica diversa.»
Cit. MONTEIRO, Fernando Moreira de Sá, “Castros e Sousas, Senhores de Parderrubias, da
honra de Remoães e morgados do Peso” in Boletim de Trabalhos Históricos, Guimarães, Arquivo
Municipal Alfredo Pimenta, 1988, vol. 39, pp. 165-166.
92
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 790-793.
394
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
Silvas
Silveiras
93
CRÓ, João do, Livro do Armeiro-Mor, ANTT, Casa Real, Cartório da Nobreza, liv. 19, 1509, f.
49.
94
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 794-795.
95
Ibidem, vv. 798-799.
96
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Selivenda” in PALLA, Maria José (coord. e org.),
Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente, Lisboa, Chiado Editora, 2014, p. 417-419.
97
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 502.
98
Ibidem, p. 503.
99
Ibidem, p. 502.
395
pAuLo morAis-ALexAndre
há qualquer fonte histórica que comprove esta matriz mítica vicentina pelo que
se pode concluir que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não
realizou qualquer investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica
divulgada na época.
Considera-se que a razão da referência à família Silveira na peça será certa-
mente devida à presença entre a audiência de um membro desta família, um
importante membro da hierarquia da Corte Portuguesa, o vedor da Fazenda D.
Rodrigo Lobo da Silveira, terceiro titular do primeiro baronato português, o do
Alvito. Dele se preservam algumas histórias sendo que uma, que prova antes de
mais a proximidade com o rei D. João III, narrada por autor anónimo em Ditos
portugueses dignos de memória : História íntima do século XVI é bem elucidativa:
El-rei mandou ao barão que fosse da sua parte visitar ao imperador Carlos
Quinto, seu cunhado, que chegara de Itália a Espanha. E o barão entrando já por
Castela com dezoito homens de cavalo com que corria à posta, perguntou-lhe
um castelhano, vendo-o tão bem acompanhado, se ia tomar Castela. E o barão
respondeu-lhe:
Este episódio anedótico mostra uma pessoa plena de jactância, pelo que se
acredita que uma tal figura, verdadeiro ferrabrás que não tinha medo de recorrer
a fanfarronadas, se prestaria certamente à ironia vicentina, para gáudio da restante
corte. Paralelamente, pode-se aventar como hipótese da razão desta figura da corte
se ter tornado alvo do dramaturgo se dever às funções que desempenhava, as de
vedor da Fazenda, o que obrigaria Gil Vicente a com ele lidar e, eventualmente a
conflituar, já que seria este que lhe garantiria o financiamento para as suas ence-
nações e espectáculos régios.
Sousas
396
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
Pereiras
397
pAuLo morAis-ALexAndre
toponímica derivada de uma quinta que tinha este nome, situada junto ao rio
Ave, e que terá sido tomado por D. Rui Gonçalves de Pereira 108.
Desta linhagem sairiam várias linhas, uma das quais daria origem aos
condes da Feira e outra ao condestável D. Nuno Álvares Pereira. Gil Vicente não
faz referência a tais ilustres varonias, o que, aliás, seria muito fácil já que, por
exemplo e no que à primeira diz respeito, D. Manuel I havia criado este condado
poucos anos antes da representação desta peça, a 2 de Janeiro de 1515, sendo o
primeiro conde D. Diogo Pereira, que já era alcaide-mor da Vila da Feira. De igual
forma, não conseguiu estabelecer qualquer ligação verídica entre as referidas vilas
e qualquer ramo dos Pereiras, pelo que se considera que não há qualquer fonte
histórica que comprove esta matriz mítica vicentina pelo que se pode concluir
que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não realizou qualquer
investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica divulgada na época.
Ainda sobre a família Pereira veja-se a designada Genealogia de D. Manuel
Pereira, 3.º Conde da Feira, datada de 1534, com armas iluminadas pelo passa-
vante João Menelau e feita por solicitação deste titular para evidenciação das
estreitas ligações que a sua família tinha com a família real de Portugal 109.
Melos
108
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 428.
109
HOLANDA, António de e MENELAU, João, Genealogia de D. Manuel Pereira, 3.º Conde da
Feira, 1534, ANTT, Genealogias Manuscritas n.º 106
110
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Melidónio” in PALLA, Maria José (coord. e org.), ob.
cit., Lisboa, Chiado Editora, 2014, pp. 322-323.
111
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, didascália.
112
Ibidem, v. 849.
113
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 354.
398
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
entre a referida vila e qualquer ramo dos Melos, pelo que se considera que não há
qualquer fonte histórica que comprove esta matriz mítica vicentina, o que leva a
concluir que se trata de um mero exercício fantasioso do autor que não realizou
qualquer investigação ou se baseou sequer em qualquer origem mítica divulgada
na época.
A indicação que existiriam Melos “contrafeitos” é muito curiosa e dá a
entender a existência no mundo da corte portuguesa de uma polémica impor-
tante e que Gil Vicente aproveita para a sua comédia, não se coibindo de lançar a
polémica questão da falsificação das linhagens ou genealogias.
Numa época onde a evidenciação da linhagem impera e onde a impor-
tância social e o lugar na corte derivam exactamente da genealogia do indivíduo,
num tempo em que os livros de linhagem são referências fulcrais, as genealogias
foram obviamente cultivadas e eventualmente falsificadas. Uma boa referência
genealógica será a já citada obra escrita na primeira metade do século XIV, Livro
de Linhagens do Conde de Barcelos, da autoria de D. Pedro Afonso, filho bastardo
de D. Dinis 114.
Meneses
Última a falar será Colimena 115 que afirma ter nela origem a família
Menezes: «E de Colimena vem os Meneses / que foram e são mui claros barões» 116.
Segundo Afonso Zúquete a linhagem dos Meneses remonta a Ordonho de
Leão, sendo o apelido tomado de uma terra com este nome por D. Telo Peres de
Meneses 117 depois passando ao reino de Portugal onde continuaram o apelido. A
pesquisa revela que há vários títulos associados à família Meneses, nomeadamente
o de marquês de Vila Real, o de conde de Alcoutim, o de conde de Valença, o de
conde de Tarouca, sendo que este título foi pela primeira vez atribuído por D.
Manuel I a D. João de Meneses, ou seja, poucos anos antes da representação da
peça em apreço, entre vários outros, mas nenhum relacionado com a cidade de
Coimbra.
Registe-se assim que uma das mais importantes e prestigiadas personali-
dades da corte seria D. Pedro de Meneses, 3.º marquês e 5.º conde de Vila Real,
2.º Conde de Alcoutim e 3.º conde de Valença, que havia sido governador de
114
BARCELOS, D. Pedro, 3.º Conde de, ob. cit..
115
MORAIS-ALEXANDRE, Paulo, s.v. “Colimena” in PALLA, Maria José, ob. cit., pp. 99-102.
116
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, vv. 879-880.
117
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, ob. cit., p. 361.
399
pAuLo morAis-ALexAndre
Ceuta até 1525, ou seja, que pouco antes da representação da peça havia regres-
sado ao reino.
118
VASCONCELLOS, Carolina Micaëlis de, ob. cit., p. 170.
119
VICENTE, Gil, Comedia sobre a devisa da Cidade de Coimbra, …, v. 849.
400
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
120
Ibidem, vv. 53-54.
121
CRUZ, Maria Leonor Garcia da, ob. cit., p. 38.
122
Ibidem, p. 213.
123
CASTRO, Aníbal Pinto de, ob. cit., p. 55.
401
pAuLo morAis-ALexAndre
Gil Vicente sabe o que faz quando faz as suas personagens zombarem da
cultura nobiliárquica dominante na corte portuguesa, já que esta era uma grande
preocupação uma vez que determinava a posição do indivíduo ou da família junto
ao rei, nomeadamente na ocupação dos diferentes cargos.
Por fim, não pode deixar de ser mencionado que todas estas famílias, que
o dramaturgo fará as suas personagens citar, viram as suas armas ser fixadas e
iluminadas no Livro do Armeiro-Mor, do rei de Armas Portugal, João do Cró,
datado de 1509, poucos anos anterior à peça ter sido escrita e que se admite
que aquele dramaturgo possa ter conhecido 125. Igualmente ter-se-á cruzado certa-
mente muitas vezes com António Godinho, o escrivão da câmara de D. João III,
responsável pelo Livro da nobreza e perfeição das armas 126, um importantíssimo
armorial, iniciado no final do reinado de D. Manuel I 127 e que estaria ainda a ser
iluminado na mesma altura que a peça em análise era representada perante o rei
de Portugal e a sua corte.
Será, aliás, muito interessante cotejar as famílias de que Vicente fala com
a representação das suas armas nestes importantes armoriais coevos. A este nível
há uma evidência que se pode considerar muito estranha e surpreendente. Em
ambas as obras todas as famílias citadas se encontram concentradas num número
muito reduzido de fólios, os que estão logo a seguir às armas dos reis, rainhas e
infantes de Portugal, no lote dos titulares e famílias mais importantes do reino,
salvo uma excepção, a da família Silveira. No Livro do Armeiro-Mor as armas das
famílias citadas estão concentradas entre os fólios 49 e 54, salvo a família Silveira
que apenas surge no fólio 68r, existindo ilustrações de armas até ao fólio 137. No
caso do Livro da nobreza e perfeição das armas tal concentração ainda é mais signi-
ficativa, todas as armas surgem reunidas entre os fólios 9v e 10v, salvo uma vez
mais o caso dos Silveiras que surge no fólio 14, tendo este livro armas iluminadas
até ao fólio 42.
124
Ibidem.
125
CRÓ, João do, ob. cit..
126
GODINHO, António, Livro da nobreza e perfeição das armas dos reis christãos e nobres linhagens
dos reinos e senhorios de Portugal, ANTT, Casa Real, Cartório da Nobreza, liv. 20, 1521-1541,
[Consult. 2017, Março, 27], Disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4162407.
127
FREIRE, Anselmo Braamcamp, Brasões da Sala de Sintra, Lisboa, Francisco Luis Glz, 1899, vol.
1, p. 19.
402
UMA EFABULAÇÃO GENEALÓGICA VICENTINA NA COMEDIA...
Conclusão
403
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS
DE SE LEREM …». HISTÓRIA DE UMA INTRIGA
FAMILIAR DA CASA DE POVOLIDE
* João Caetano de Carvalho Sameiro – Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Master of Arts em Early Modern History pelo
King’s College London, sócio agregado do Instituto Português de Heráldica.
405
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
gerada no seio da sua própria família, nomeadamente entre ele próprio e a tia D.
Elvira Maria de Vilhena, Condessa de Pontével.
O documento expõe a teia de rivalidades familiares que marcaram a sua
emancipação e a dos seus irmãos. É um relato na primeira pessoa de quem anseia
que a História faça justiça dos enganos e mentiras em que se viu enredado. As
contendas avivaram-se após a morte de Luís da Cunha, Senhor de Povolide, pai
de Tristão da Cunha, que deixando os filhos de menor idade pede ao seu irmão
para ser o seu tutor, conforme as disposições do seu testamento.
Em testamento, datado de 28 de Julho de 1668 e feito em Lisboa, Luís da
Cunha começa pelas habituais recomendações pela sua alma, pormenorizando os
procedimentos que devem ser tomados na sua cerimónia fúnebre, pedindo que o seu
corpo seja sepultado na Capela Mor do Convento de Santo António dos Capuchos
da cidade de Lisboa, amortalhado com o hábito da Ordem de São Francisco, e com o
hábito e insígnias da Ordem de Cristo. A cerimónia seria conduzida por seis clérigos
e pelo pároco de São José, e o seu féretro, de madeira de pinho pintada de negro com
uma cruz branca, seria “[...] posto em hum estrado em que caiba somente com seis
vellas que o alumiera e a caza não será armada, nem alcatifada [...]”. 1
Consciente da possibilidade de morrer antes dos filhos atingirem a maiori-
dade e procurando assegurar o bem estar da sua linhagem, 2 Luís da Cunha pede
ao seu irmão Nuno da Cunha, Conde de Pontével que à sua morte se tornasse
tutor dos seus filhos e lhes administrasse as fazendas. 3
À semelhança de sua mulher, Luís da Cunha nomeou como testamenteiro
o seu filho mais velho, e de modo a “[...] evitar demandas nem duvidas entre
meus filhos [...]” 4 obrigou-o a dar um rendimento anual de vinte mil réis à sua
irmã D. Maria, enquanto esta fosse viva e não fosse detentora de outros bens que
desobrigassem o irmão a garantir-lhe rendimento. Esta quantia seria retirada da
terça de Luís da Cunha e dos rendimentos do prazo de Pinhel. D. Guiomar de
Lencastre já tinha pedido a Tristão da Cunha que este retirasse daí dinheiro para
sustento da sua irmã. Luís da Cunha veio assim a manifestar a sua vontade de que
neste rendimento não entrasse na legítima que pertencia a Tristão da Cunha por
morte da mãe, nem por sua morte. 5
1
D. Guiomar de Lancastre, sua mulher, encontrava-se sepultada no dito Convento de Santo
António dos Capuchos. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo dos Condes de Povolide,
Maço 2, N.º15.
2
À data do seu testamento tinha Tristão da Cunha doze anos.
3
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2 N.º15.
4
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
5
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
406
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
6
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
7
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
8
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
9
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º15.
10
RADULET, Carmen M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a
Corte nos Reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde
1.º Conde de Povolide, Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 19.
407
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
11
A sua sobrinha D. Maria de Lencastre ficou em Lisboa, onde vivia na Encarnação com a sua tia D.
Isabel de Meneses. Aliás desde a morte de sua mãe, D. Guiomar de Lencastre, que D. Maria não
vivia com os irmãos, e após a morte do pai tornou-se Dama do Paço. Cf. RADULET, Carmen
M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a Corte nos Reinados de D.
Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde 1.º Conde de Povolide,
Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 19.
12
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 60, N.º 5.
13
D. Catarina de Bragança chegou mesmo a culpar Francisco de Mello Torres, Marquês de Sande,
de não pôr um termo às aventuras extraconjugais de Pontével. CASTELO BRANCO, Teresa
Schedel de, A Vida de Francisco Mello Torres, 1º Conde da Ponte Marquês de Sande e Diplomata da
Restauração 1620-1667, Lisboa, ed. Livraria Ferin, 1971, p. 423.
14
Esta sobrinha de D. Elvira era apelidada em Castela de D. Maria Manuel de Acuña. 3.º Marquesa
de Assentar, Senhora do Barreiro e Senhorim. Casou D. Maria Manuel com Isidro Melchior de
La Cueva y Benevides, 4.º Marquês de Bedmar, 1.º Barão de la Casa de La Cueva. Cf. YAÑEZ,
Juan, Memorias para la Historia de Don Felipe III, Rey de España, Madrid, Oficina Real por
Nicolás Rodrigues Franco, 1713, p. 84.
408
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
primogénito com a filha de um fidalgo português que fugiu para Castela e se aliou
à causa de Filipe IV. 15
Recordamos que Tristão da Cunha possuía ligações de parentesco com seis
dos aclamadores do 1 de Dezembro de 1640. 16 Naturalmente se compreende
que os Cunhas optassem por traçar as suas alianças matrimoniais no quadro das
famílias leais a D. João IV. Por outro lado, o próprio Tristão da Cunha de Ataíde
manifestou a sua antipatia em relação a portugueses com tendências castelhani-
zantes, comentando de modo depreciativo a sua ausência de apoio à causa dos
aclamadores, que como ocorria com o pai da Condessa de Pontével manifestou,
segundo veremos.
Não foi benquista a D. Elvira de Vilhena a recusa de Tristão da Cunha em
casar com D. Maria Manuel. Por outro lado, a Condessa também não pareceu
agradada com o bom entendimento que Tristão da Cunha tinha com o Conde de
Pontével e com o facto de este ter revelado a intenção de querer fazer o sobrinho
seu herdeiro. Neste contexto, D. Elvira procurou denegrir a boa imagem que o
marido tinha do dito sobrinho. 17
Deste modo, D. Elvira confronta o seu marido, dizendo-lhe que Tristão da
Cunha tencionava apoderar-se do remanescente da herança de Luís da Cunha. ,
ou seja a parte sobrante desta herança, uma vez deduzidas as quantias entregues a
Tristão da Cunha para seu sustento.
A esta insinuação o Conde reagiu com alguma desconfiança, mas o caso
pouco se desenvolveu pois Tristão da Cunha mal aconselhado pelo Gaspar de
Tovar, administrador das suas fazendas, “[...] o qual por ordem de meu Tio e
Tutor, cobrava e despendia a minha fazenda e era interessado em questa Conta se
não fizeçe [...]”, deu quitação ao seu tio do remanescente dos seus rendimentos,
perdendo a parte sobrante da herança de seu pai.
As crispações entre tia e sobrinho ganham um novo vigor quando D. Elvira
Maria de Vilhena procura ajustar o casamento da irmã de Tirstão da Cunha, D.
Maria de Lencastre, com D. Carlos de Noronha, 2.º Conde de Valadares. Agora
15
Não só D. Pedro da Cunha, pai de D. Maria Manuel, como D. Lopo da Cunha seu pai haviam
partido para Castela no contexto das Guerras da Aclamação.
16
Tinha designadamente o seguinte parentesco com o Conde de Povolide:Tristão da Cunha de
Ataíde (avô paterno); pai Luís da Cunha de Ataíde; Nuno da Cunha de Ataíde (seu tio, irmão
do pai); D. Manuel Childe Rolim (tio por afinidade, casado com a sua tia D. Francisca); João
Rodrigues de Sá (primo do avô paterno); e D. Álvaro de Abranches (avô materno). Cf. COSTA,
Leonor Freire, CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, Lisboa, ed. Temas e Debates, 2008, p.
341.
17
Tristão da Cunha fala mesmo de um parente seu, que não consegue identificar, ter conspirado
juntamente com a sua tia para o desacreditar junto de seu tio.
409
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
não estavam em causa as afinidades políticas dos contraentes, mas antes a cons-
tituição de um dote para a noiva, que viria a agravar a condição económica de
Tristão da Cunha, constrangido a empenhar os móveis para pagar o dote de sua
irmã. 18
A constituição do dote de D. Maria de Lencastre não se resolveria com o
penhor dos móveis. Os desentendimentos recrudesceram quando as duas partes
se questionaram sobre se as jóias que a Rainha costumava oferecer às suas damas
quando estas casavam, e que valiam dois mil cruzados, deveriam ou não ser consi-
deradas como parte integrante do dote. Pontével desejava que sim, Valadares
opunha-se.
Tornou-se notória a desinteligência entre Nuno da Cunha e o sogro de D.
Maria, D. Miguel Luís de Meneses, em relação a esta questão. No final, o Conde
de Pontével sairia incompatibilizado e zangado com as vozes que se lhe opuseram
durante as negociações, nomeadamente D. Miguel de Meneses, D. Carlos de
Noronha, D. Maria de Lencastre, D. Isabel de Meneses, D. João Rolim, e frei
Manuel da Cunha e frei Pedro da Cunha. 19
Fechando a questão, Tristão da Cunha comprometeu-se em oferecer à irmã
os dois mil cruzados em questão, “[...] a saber dando-lhe quitação dos quinhe-
nhos [sic] e sessenta mil réis que ella me divia a legitima e a Terça e o Resto em
fazenda da Rua Nova ou em dinheiro.”.
No final, a quantia do dote foi refeita em oito mil cruzados, quantia que
acabou por ser abatida nos rendimentos dos Povolides.
Em data incerta Nuno da Cunha de Ataíde foi alvo de uma série de
acidentes que debilitaram o seu estado físico. A ocasião foi aproveitada pela
Condessa de Pontével para armar um complot contra o seu sobrinho Tristão da
Cunha. Desenfreada, D. Elvira de Vilhena aproveitando a debilidade do marido
negou o acesso do sobrinho ao tio, incitando os criados a não transmitirem novas
suas ao tio acamado, e dizendo ao marido que Tristão da Cunha não queria saber
dele. 20
18
RADULET, Carmen M. (dir.), SALDANHA, António Vasconcelos de, Portugal, Lisboa e a
Corte nos Reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias Históricas de Tristão da Cunha de Ataíde
1.º Conde de Povolide, Lisboa, ed. Chaves Ferreira, 1990, p. 21.
19
Ibidem.
20
Nas palavras de Tristão “[...] Condesa sua mulher que pelo grande medo que tinha delle se não
atreuia a me caluniar, nem se atreueo se não despois que meu Tio teue os asidentes, que acabarão,
e pestrarão, de sorte, que não sahia de Caza;” e “[...] despo/is que meu Tio teue os asidentes, que
acabarão, e pos/trarão, de sorte, que não sahia de Caza; e estaua muitas uezes de Cama e quando
eu o buscaua dizia ella / aos criados que lhe não desem Recado, e a elle dizia lhe / que eu não hia
saber delle.”.
410
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
411
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
412
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
23
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 60 Testamentos (1), N.º 13 – 1695 – Testamento
do Senhor Conde de Pontével.
413
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
24
ANTT, Arquivo do Conde de Povolide, Maço 12, N.º 19, Alvará do Principe Regente D. Pedro,
porque fez mercê ao Conde de Pontével Nuno da Cunha de Ataíde de uma vida mais no dito
titulo de Conde de Pontével para o filho que nascer dentre elle e a Condessa D. Elvira Maria de
Vilhena. Assinado pelo punho real.
25
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 2, N.º 20 – 1697 – Escritura de contracto
de dote, e casamento que celebrarão os Condes de S. Vicente, para haver de casar sua filha D.
Arcângela Maria de Távora com o senhor Tristão da Cunha de Ataíde.
414
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
testamentaria na consideração de que como não tenho dividas nem demandas lhe
fará fácil por algum criados fazer executar as minhas despozições.”. 26 Reconfir-
mava-se assim a predilecção da condessa pelo seu sobrinho Cardeal Nuno da
Cunha de Ataíde, em quem tinha depositado de esperanças de fazer segunda
Casa. 27 Não podemos deixar de notar que no seu testamento a condessa nada lega
a Tristão da Cunha.
Pede que o seu corpo seja amortalhado com o hábito de São Francisco e
metido num caixão. Desejou ser sepultada na Igreja de Nossa Senhora da Encar-
nação, construção que amparou com grande empenho. Para o efeito, seria o
corpo do Conde de Pontével trasladado para a dita Igreja para que pudessem ficar
sepultados frente a frente. 28 No dia de seu falecimento seria rezada uma missa de
corpo presente. 29
Por fim, manda que se reparta algum dinheiro pelos seus criados, 30 e outras
partes para alguns familiares, sendo mais beneficiados aqueles que tinham seguido
a vida religiosa. 31
26
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
27
Deixou ao dito Cardeal Nuno da Cunha de Ataíde “um púcaro de cristal guarnecido de ouro
com umas salvinhas de bastiães, que havia dado a Rainha D. Luísa de Gusmão”. D. Elvira dava-o
não pelo seu valor, mas pela estimação que lhe dei em vida. ANTT, Arquivo dos Condes de
Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
28
O terramoto de 1755 devastou a construção original, porém existem hoje dois memoriais dedicados
aos Condes de Pontével no antigo local da Capela Mor. Lêem-se as seguintes inscrições: CHISTO
SACRUM / NONII. CUGNIAE. ATAIDII / COMITIS. PONTEVELENSIS / PRIMO.
MONUMENTO / UNA. CUM. AEDE DIRUTO / OSSA. HEIC / REPOSTA. SUNT
/ REQUIESCAT. IN. PACE / ANNO / DDDCCLXXXIIII; e do lado da epístula, CHISTO
SACRUM / OSSA. D. ELVIRAE. MARIAE / VILLENIAE / COMITIS. PONTEVELENSIS
/ HEIC. QUIESCUNT / PRIMO. MONUMENTO QUOD / IPSA. SIBI. PARAVERAT /
AEDEQUE. QUAM. SUA / PECUNIA. STRUXERAT / TERRAE. MOTU. DIRUTIS /
NOVUM. IN. HAC. NOVA / AEDE. BENEMERENTI / POSUERE. Cf. MONTEJUNTO,
Luís do, Elvira Maria de Vilhena: Condessa de Pontével (1627-1718), 2000, ed. s.l., p. 49.
29
ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
30
Possuía a Condessa na Junta do Comércio seis mil cruzados, os quais mandou que se repartissem
pelos seus serviçais: a Manuel de Azevedo e António Franco, que tinham sido escudeiros do
Conde de Pontével, ordenou que se lhes dessem quinhentos mil reis a cada um; à criada Maria
de Ferreira [?] dava quatrocentos e cinquenta mil reis; à criada Maria Teresa mil cruzados; à
criada Damiana cinquenta e cinco mil reis; a Leonor, sua escrava, deixava forra e lhe dava trinta
mil reis; à mulher do seu criado João Ferreira, já falecido à data, dava cem mil reis; à mulher
de Manuel de Azevedo e suas irmãs mandava dar outros cem mil reis; e outros cem mil reis à
mulher de António Franco e suas filhas. ANTT, Arquivo dos Condes de Povolide, Maço 65, N.º
4 Testamento da Condessa de Pontével.
31
De umas pensões que recebeu de seu marido, a Condessa ordenava que se dessem as seguintes
quantias às seguintes pessoas/parentes: a Soror Magdalena do Sepulcro, do Convento de Santa
415
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
Anexo Documental 33
Marta, dava vinte mil reis cada ano; às sobrinhas, Soror Antonia do Salvamento e Soror Joana
Teresa, religiosas no Convento de Santa Marta, deixava vinte mil reis e doze mil reis cada ano
respectivamente; a frei Pedro da Cunha religioso na Ordem da Santíssima Trindade, quatro mil
reis cada ano; ao seu sobrinho o senhor D. Manuel Rolim de Moura trinta mil reis cada ano.
Não parecendo ser suas parentas, a Condessa deixou ainda: a Bernardina [?] do Sacramento
trinta mil reis, “seja ela que me amortalhe”; a Ana do Sacramento e a Gueria [?] Maria, e Maria
do Sacramento “nossas donzelas e pobres” deixava a cada uma dez mil reis. ANTT, Arquivo dos
Condes de Povolide, Maço 65, N.º 4 Testamento da Condessa de Pontével.
32
CONCEIÇÂO, Frei Cláudio da, Gabinete Histórico, Lisboa, Impressão Régia, 1820, p. 87.
33
A transcrição respeita a generalidade da ortografia original do autor, bem como a sua construção
gramatical. Apenas foram desenvolvidas as abreviaturas que assinalámos a itálico. Foram abertos
alguns parágrafos de modo a descondensar o texto e facilitar a sua leitura, consequentemente
actualizaram-se maiúsculas e minúsculas.
416
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
A isto se siguio que algua pesoa e poderia ser que muito minha parenta,
por ver a grande inclinação que meu tio me tinha e que dizia que tudo me avia
de deixar parecendo lhe fiquaria sem Erdar delle nada procurou fazer me más
auzencia e mal quitarme achado para iso prompta a Condesa de Pontevel em
Rezão do Cazamento dicto.
E he serto que esta tal filha de Dom Pedro da Cunha que fizera em Castella
Marques de Asantar, não avia de vir a Portugal porque tinha la muita Renda e era
erdeira e tinha lá ajustado cazamento com dispois se soube.
A primeira Couza que a Condesa de Pontevel fes foi dizer a meu Tio que eu
detriminava citalo para que me desse conta do Remanesente das minhas fazendas
do que me foi julgado de alimentos e como meu tio era muito desconfiado, e
a Condesa sua mulher buscase dizer, se queichou meu tio muito o que suposto
e aconselhado eu de alguns parentes e presuadições de Gaspar de Tovar Frois
Criado antiguo de meus Pais Avos o qual por ordem de meu Tio e Tutor, cobrava
e despendia a minha fazenda e era interessado em questa conta se não fizeçe, dei
consentimento a que o dicto Gaspar de Tovar levasse a meu Tio hua quitação
minha julgada por sentença de tudo o Remanescente dos meus Rendimentos e
siguo tudo dado por gastado e despendido
A vista desta quitação figurarão desvaneçidas as prezumcões e descon-
fianças que avia, e eu sem dinheiro.
Quando se fizerão partilhas e inventario per morte de meu Pay inportou
cada hua das ligitimas que erao Sinquo tres mil cruzados, (e a terça deichou meu
Pay em Morgado)
Minha Irmã que foi para o passo quando estavamos no Algarve que estava
na encarnação, Levou alem da sua ligitima muitas mais pesas plo que fiquo
devendo a cada hum de seus irmãos coiza de duzentos mil reis poco menos, e a
mim quinhentos e seçenta da minha legitima e da terça.
E se requereo ao Ministro das partilhas que todo o comjunto que inportava
e inventario me fiquase por que me servirião aquelles móveis (o que não era asim)
e que eu pagaria em dinheiro a meus irmãos a suas ligitimas.
Esta partilha fui eu emmendar e fiquo cada hum com os seus moueis, os
quais mandou meu Tio levar para o depozito da Cidade.
Quando Minha Irmã cazou com meu Primo Dom Carlos de Noronha
teve meu Tio o Senhor Conde de Pontevel demandas com elles sobre o dotte
porque como meu Tio era Tutor de minha Irmã e o foi de nós todos dise que
ella tinha isto e aquillo o que foi obrigado a fazer bom em que eu não entrei e
ovindo eu a minha Irmã que a duvida deste negosio topava somente em dous mil
cruzados que erão os da joya que a Raynha costuma dar as Damas, porque dizia
meu Tio avião de entrar no dote e dizia que não o Senhor Dom Miguel Luís de
417
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
Menezes sogro de minha Irmã (e ainda neste tempo estava minha Irmã no paso
por cazar)
A vista disto mandei eu dizer a minha Irmã por hum escrito de compri-
mento em que mandava saber della, que per ovir que a duvida era somente em
dous mil cruzados os queria eu dar, a saber dando lhe quitação das quinhenhos
[sic] e sessenta mil reis que ella me diuia a legitima e a Terça e o Resto em fazenda
da Rua Nova ou em dinheiro.
Porem como a duvida não foi somente nos dous mil cruzados senão em
muitas mais coizas antes e despois della cazar, ficou desvanesida a promesa que foi
feita em a dicta condição.
Despois de varias contendas de juizo ultimamente foi meu tio obrigado a
prefazer a minha Irmã serta coantia que serião oito mil cruzados poco mais ou
menos, de que meu Tio não veio a dar nada de sua Caza porque forão abatidos
dous mil e quinhentos Cruzados da Ametade do Custo da dispencação que
sahirão dos Rendimentos da minha fazenda da Beira que estavão na mão do meu
Rendeiro que meu Tio Cobrou por isso e a outra a metade pagou o senhor Dom
Miguel, e asim mais forão abatidos os tres mil cruzados da legitima de minha
Irmã, e asim mais lhe abaterão os seis sentos mil reis poco menos que ella deuia A
meus Irmãos das tornas da majoria das Ligitimas de que meu Tio lhe deu quitação
como Tutor delles no anno de 1680, e tãobem se lhe abateo a prata que meu Tio
o Reverendissimo Perfeito Manuel da Cunha lhe deu de prezente por asim o fes
querer meu Tio o Senhor Conde de Pontevel.
E asim mais tãobem me dise meu Tio que lhe dese quitação e trespaso da
divida que minha Irmã me devia que erão quinhentos e seçenta mil reis, e o foi
por ele asim o querer, e dizer que mos daria o que não chegou a fazer, e eu fiquei
obrigando a terça que meu Pay fes Morgado parte das benfentorias destas Cazas,
em lugar deste e otras quantas.
Quando meu Tio foi condenado pela sentença a ajustar e prefazer a minha
Irmã a Coantia atras dita tinha elle alegado que minha Irmã tinha os dous mil
cruzados que dizia que eu lhe tinha prometido que foi na forma atras dita pelo
que se mandou na dicta sentença que prefizese elle a Conta e que minha Irmã lhe
fizese trespaso da Acção que elle dizia que ella tinha as tias dous mil cruzados, e
asim lha trespasou.
Porem a acção não he nem pode ser nenhua porque como atras diguo
O escrito foi Comdiçional pois declarava que sendo somente a duvida em dous
mil cruzados os daria eu na forma dita por evitar pleitos; e não sendo a duvida
somente nisso Como não foi senão em otras muitas Coizas o que durou muitos
annos Ceçaua a promesa que foi por hum escrito de Comprimento E quando
meu Tio abateo a minha Irmãa os quinhentos e sesenta mil reis que ella me devia
418
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
de que eu fis trespaso a meu Tio Como atras di/go e sendo esta divida a com que
eu lhe dizia lhe auia de prefazer os dous mil cruzados prometidos com a comdição
dita, não ove duvida a lhes abaterem como com efeito se abaterão a meu Tio em
vertude de meu trespaso.
E a principal Rezão que há he que eu nem a minha Irmã nem a meu Tio
a quem ella trespasou esta acção estava nem estou obrigado a pagar nada pelas
Rezões ditas.
Dispois do Referido se Emanciparão meus Irmãos Alvaro e Nuno e fiquo
meu Tio sempre Tutor de meu Irmão Simão por ser demente que estava, e está,
na Villa da Athouguia per ser parte mais acomodada aonde eu sempre o sustentei
per não ser capas de ser frade e sempre a sua ligitima esteve em poder de meu
tio, e cada hum de nos cobrou a sua eu parte della como pode porque a Condesa
de Pontevel fiquo com muitos brinquos de prata de todas ellas por Coriozidade,
que de prata e oiro hé muito Corioza, e quando minha May morreo já tinha esta
Coriozidade, e baste dizer isto.
Alem do que atras fiqua ditto sobre o dotte de minha Irmãa falta dizer que
aquella Comenda de que meu Pay tinha promesa pelos servissos de meu Vizavo o
Senhor Simão da Cunha de Athajde feitos a Custa do Morgado que vendeo, era
de lotte de trezentos diguo duzentos athe trezentos mil reis de Renda
Esta tal Comenda deiçhou meu Pay a minha Irmã em hum Codiçilho que
se vio no testamento de meu Pay, que deos sabe o como fez e o estado em que meu
Pay estava Quando o dicto Codisilho se fez e afirmou não per meu Pay. O que
suposto dizia meu Tio quando minha Irmãa se ajustou a fazer que tãobem tinha
esta Comenda de trezentos mil reis pelo que foi obrigado na sentença atras dita e
nas mais que se derão a que fizese bons estes trezentos mil reis que disera os quais
se prifizerão nesta forma.
Fez El Rey D. Pedro nosso senhor que então era Principe merce a meu Tio
entre otras por seus Cervissos de sento e oitenta mil reis de Tenca por minha Irmã
com declaração que na dicta tença se incluhia a acção que ella pediria entender que
tinha há dicta Comenda que diguo que meu Pay lhe deichou, que como minha
Irmãa era Dama da Rajnha meteuse El Rey a ajustar estes pleitos de meu Tio a
quem fazia muito favor.
E com estes sento e oitenta mil reis e com Sento e uinte mil reis que se
cudava que era obrigado a pagar a minha Irmã que meu Pay lhe deixou impostos
na Terça que fes Morgado Como tenho ditto foi meu Tio absolvido de tudo e
asim siguo ultimamente julgado, e meu Tio Livre da promesa ou do que tinha
insinuado de ter minha Irmã a Comenda ou a promesa dos ditos trezentos mil reis.
E esta he a Rezão porque eu tenho acção a esta Comenda ou aos servissos
do dicto Simão da Cunha de Atayde meu Vizavo feitos a custa do Morgado que
419
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
venhao por os fazer quando foi a Affriqua com El Rey D. Sebastião, e por se
Resgatar porque fiquo la cativo e a este meu Vizavo tocavão os servissos de hum
seu Irmão que era Nuno da Cunha que morreo em Mosambique o que tudo se ve
dos papeis que tenho. O que meu Pay não podia deichar esta Comenda porque
não a tinha nem Merce del Rey para a nomear e não era por servisso seus que eses
podia elle deichar a quem quizesse, mais era pelos servissos de meu Vizavo
que sendo feitos a Custa do Morgado a mim me pertence a acção de Requerer
merces por eles, já que se não lograrão as que por eles forão feitas. E bem se ve da
[palavra de difícil leitura] dos sento e oitenta mil reis de Tença que se deu a minha
Irmãa que declara ser pelos çervissos de meu Tio suposto que des dezistira ou digo
que nella se incluje a acção que ella poderia entender que tinha que se a tivera
decerto não disera a merce estas tais palavras nem El Rey lhe dera somente sento
e oitenta mil reis de tença nem ella se comtentara com elles quando tivera acção
a hua Comenda de duzentos e trezentos mil reis e porque declaro estas Rezões em
otros papeis baste esta advertençia por agora.
Despois de terem asim ficado todas estas Coizas Refiridas foi meu Tio
comtinuando aquella amizade que teve comigo a qual eu conservava com estudo
particular per lhe saber milhor que todos os parentes e parentas a Comdição; E
a prova disto hé que quebrando meu Tio com todos seus Irmãos e Irmãs e sobri-
nhos e sobrinhas por muitas vezes e não se falando, eu fui o unico com quem
sempre correu apezar da Condesa sua mulher que pelo grande medo que tinha
delle se não atrevia a me caluniar, nem se atreveo se não despois que meu Tio teve
os asidentes, que acabarão, e postrarão, de sorte, que não sahia de Caza; e estava
muitas vezes de Cama e quando eu o buscava dizia ella aos criados que lhe não
desem Recado, e a elle dizia lhe que eu não hia saber delle. E o mais que adiante
direi.
Neste tempo tinha eu Amizade com Dom Manuel de Souza Irmão da
Condesa de Pontevel sendo que em nada paresião Irmãos per que a generozidade
de D. Manuel era tão grande como a mizeria da Condesa sua Irmã ella não correu
muitos annos com senhora nenhua per que nem teve pagens nem copeiro nem
cozinheiro, e não podera atribuir isto a meu Tio, porque dispois delle morto lhe
suçede o mesmo e Dom Manuel pelo contrario, e quando tinha era de todos, e
dizia o que era sua Irmã, vendo ella que eu tinha esta amizade com Dom Manuel
e que estava todas as noites em sua Caza porque dava Caza de jogo tornou a
Comdesa de Pomtevel a intentar o Cazamento da filha do Marques de Santar sem
ter com elle tra/to algum e dise a D. Manuel que me falase neste negocio da parte
de meu Tio que tal não queria mas comtemporizava com ella que não fazia esta
diligencia se/não por que se cudase que seu não queria Cazar com niguem e per
cudar que por este caminho metia cizania entre mim e o meu Tio e que tãobem
420
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
421
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
a merce de Conde e não avia de dar faculdades a ninguem para fazer Condes; e
asim fiquo meu Tio com a sua Teima; e a otras coizas que mais pedia lhe defi-
rirão; e fiquo meu Tio muito raivozo dos Ministros; e eu delle com mais Rezão;
porque se quis despois desculpar com muitos parentes e amigos dizendo que eu
não queria Cazar e que para me obrigar asim fizera aquelle Requerimento e que
me tinha proposto seis senhoras para que escolhese hua e que eu não quizera
Cazar; Sendo que eu sempre disse e mandei dizer varias vezes que bem sabia que
elle me avia de escolher mulher que me comviese e não duvidava de Cazar com
quem elle quizese e que no mesmo Inistate [sic] Cazaria se me elle dese com quem
pudese Cazar Coando não que eu hia comsertando as minhas Cazas e comprando
alguns moveis poco a poco porque bem sabia elle que não tinha com que poder
fazer os gastos de que nesecitava se não nesta forma e que feito isto Cazaria sem
que elle me dese nada e esta he a uerdade; mas a Condesa de Pontevel lhe dizia
falcamente mil testemunhos e mentiras com a sua Lingoa Canina a fim de que elle
a deichase como deichou per sua universal Erdeira; e para que nem ainda aquellas
merces que El Rey fes a meu Tio para Sobrinho me deixase nomeado nellas; nem
em nenhua, porque já meu Tio despunha o seu Testamento neste tempo por estar
muito doente.
Neste tempo entre as mentiras que a Condesa de Pontevel disse a meu Tio
foi que eu detriminava asolala para legitima de Simão meu Irmão como meu Tio
morrese e que tratase elle de se dezobrigar da sua Titoria e que a não deichase com
pleitos comigo e que Requerese ao Juis lhe dese quitação da dicta Legitima e que
me pedise a mim então quitaçam da ligitima para que se eu lha não dese; não me
deichar nada que este era o fim.
Fez meu Tio pitição ao Juis dos Orfãos em que dizia que elle não podia já
ter a tutoria de Simão da Cunha seu sobrinho pelas suas Ocupações e achaques
que eu o poderia ser e que elle queria dar Conta da Sua Legitima e aver quitação
della e fiquar dezobrigado e que declarase eu se queria ser ou não Tutor de meu
Irmão e tudo isto era armarime[?]; fui eu notificado por ser Tutor de meu Irmão
e vi que dizia que não, era hum grande crime para meu Tio e se figurava seu
Tutor avia figurar obrigado há legitima e prejudicado em dous mil cruzados. Fui
dilatando o Responder a notificação e fui sabendo que a Condesa de Pontevel e
algem mais dizião a meu Tio que bem via ella já qual era a minha Tenção que era
esperar que elle morrese e que asim o dizia eu por despois fazer pagar a Condesa a
dita legitima e por isso nem disia que queria nem que não queria ser Tutor de meu
Irmão esperando que meu Tio morrese.
Despois de eu ser Tutor de meu Irmão Simão loguo entrou meu Tio a
querer dar Conta da Sua Legitima e alcançar quitação e a Condesa sua mulher
estava com tanto medo de que meu Tio morrese antes de se dezobrigar e que eu
422
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
lhe fizese despois pagar a ella a legitima que já sabia que fiquava per universal
erdeira, que estando elle doente e de Cama o fez ir falar aos Juis dos Órfãos em
Cuja escada Cahio e se maltratou muito porque já se não podia ter.
Deu meu Tio comta desta Legitima de forma que nenhua das adições que
dava em despeza della lhe foi admitida como constava da sertidão dos Autos que
aqui esta, nem meu Tio estava neste tempo capas de nada nem se lhe entendião
as palavras; e a Condesa sua mulher lhas interpetrava e mandava interpretar por
outra criada a seu modo como ella queria, porque dizia a Conta da despeza da
Legitima que eu tinha tanto, e meus Irmãos tanto, e que o mais estava no depo-
zito, e tanto que se não sabia, e que o mais se gastara com quem benefisiara estes
moveis e que quando isto não bastase dava na minha mão hua cadeja 34 que meu
Pay lhe deichara (a qual eu nunqua vi) e aquele trespaso de dous mil cruzados
que minha Irmã e seu marido lhe fizerão que eu lhe devia o que tal não era como
já tenho dito, e duzentos mil reis que pagara por mim sem dizer a quem, e todas
estas coizas ella era quem as dizia como dellas se deicha ver e conheser bastante-
mente.
E tanto que vio que nada disto se lhe admitio nem era para admitir comesou
a maquinar com meu Tio e a dizer que eu aseitara a titoria para o dezacreditar e
que eu o fazia andar naquelle estado per Caza do Juis e Cartório dos Orfãos para
que cudasem que elle tinha furtado a legitima de meu Irmão; e indo eu saber de
meu Tio e deichando ella darlhe Recado que eu ahi estava me mandou loguo
entrar e me dise que elle queria mandar que me entregaçem a Ligitima de meu
Irmão Simão casy tudo o mais que era meu porque estava no estado em que se
via fazendo o seu Testamento que se a mim me pareseçe dar lhe quitação da dicta
Legitima de se dezobrigar no Juizo dos Orfãos, a vista disto lhe Respondi que logo
lha mandaria e ao outro dia lha mandei; e por acharem que não hia a sua vontade,
della, me escreveo ou mandou escrever meu Tio e se asinou hum papel em que
estava copeada a quitação para que naquella forma a fizese eu e deichou fiquar a
primeira quitação; que devia ser por se eu não mandase a segunda que tudo isto
maquinava a Condesa de Pontevel mandei lhe logo a segunda quitaçam feita pela
copia que me mandou em que eu declarava darme por entregue daquellas adições
da despeza que meu Tio daria tal Legitima e que era sim uerdade como meu tio
dizia na Conta e o mais que disese e asim alcansou quitação julgala por sentença
e eu fiquei o/brigado à ligitima que são tres mil cruzados de que me faltão dous
porque o mais cobrei de que tinha dado Rol por mim e por hum criado meu que
34
À margem do texto: Do Inventario de meu Pay Consta que quando morreo já não tinha esta
Cadeja e da minha Carta da 3.ª
423
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
tãobem lá tem estes papeis agardesem meu tio isto por escrito em que dizia que
mandase cobrar a ligitima mas nãos se entregou mais que o que digo.
Dispois disto me mandou meu Tio chamar e entrando eu na Caza aonde
elle estava na Cama acompanhado-me tres escudeiros seus que oie estão em Caza
da Condesa de Pontevel que de João Ferreira e o Franco, e o Azevedo, aos quais
meu Tio alcancou Officios e esperão que elle lhe deiche alguma coiza e por isto se
não tem ainda ido, entrando eu mando meu Tio que elles fechacem as portas que
hião para o quarto da Condesa Sua mulher que bem sabia elle de donde eu me
podia temer e despois de fechadas as ditas portas mandou meu Tio pelos dictos
criados abrir hua gaveta e tirar hum maso de papeis e que lho puzessem na Cama
e tinteiro, e feito isto pelos ditos criados os mandou sair da Caza e fechar a porta
por onde sahirão para a Sala, isto sabem elles todos, e já neste tempo tinha a
Condesa de Pontevel aberto hua greta da porta e estava escutando o que se pasava,
que foi mão que meu Tio aguardase para a ultima ora fazer o testamento, e o que
nos pasou foi o siguinte.
Dise me meu Tio que vise eu aquelles papeis e lhe fose dizendo o que lia e
via que era o seu testamento em que me deichava a Comenda que tem meu Irmão
com pencões para a Senhora Comendadeira da Encarnação minha Tia e Sobrinhas
dizendo no Testamento que eu o Consintia em [palavra de dificil leitura] do que
me asinava e estava Lugar para eu me asinar como asinei e vio meu Tio o meu sinal
e pegou no testamento e o meteo debacho do traviseiro em o qual me deichava
muitas coizas que sempre elle dise e falava verdade que as comendas e tenças erão
para mim e a Alcajdaria mor e testamento e que dellas daria as pencões como
elle dispuzese ui mais os Alvaras das merces que El Rey lhe fez e Cartas do Secre-
tario de estado Françisco Correja de Laçerda que tudo isto me tocava e servia para
o Requerimento do testamento e tinha meu tio todos os papeis das Comtas que
tivemos todas, o que tudo tinha meu Tio e se fiou em que a Condesa Sua mulher
as satisfizese e feito isto me dise que goardase segredo pondo o seu dedo na boca
mas sua mulher escutando na porta, tornou meu Tio a chamar com a Campaynha
e entrando os criados ditos tornou a mandar por os ditos papeis no Iscritorio de
donde se tinhão tirado, e levar o tinteiro, isto pasou e eu me fui, e meu Tio estava
já muito mal e não se lhe entendia bem o que dizia e deste tal Testamento tinha
asistido Manuel gomes da Palma e Manuel da Costa Pomtes dous Letrados, e o
Manuel gomes da Palma que era o de mais sequito evio os Alvaras das merces de
meu Tio e entre elles aquelle em que El Rey lhe fe merce de poder nomear em
sobrinhos tudo o que tinha para Filho, dise que suposto que a Condesa sua mulher
tinha as tenças della de Dama que foi tãobem para Filho de ambos, como diz que
tem, que podia meu Tio nomear estas ou esta tal Tença della em seus sobrinhos
para que aquella vida que tinha para Filho por morte della fiquase a seus sobrinhos
424
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
delle, em vertude da merce dita de que pudese nomear em sobrinhos tudo o que
tinha para Filho, e levando este Recado o dicto Manuel Gomes da Palma e dizendo
isto a dita Comdesa não quis tal comsentir dizendo que nomeaçe meu Tio o que
era seu se quizese em embargo de que eu lho não mereçia mas que as suas Tencas
della que isso não, e Replicando lhe o dicto Manuel gomes da Palma, que ahi esta
vivo e sam e mo dise diente de muita gente, dise a dicta Condesa que como asy era
ella não podia a ver (que ella tinha oitenta anos) e que se perdia esta merce e que ella
em Sua vida sempre lhe ficavão as Tenças que ninguem lhas podia tirar, e dise que
forão tais os gritos desta perversa mulher blasfemando com a sua Lingoa Canina
dizendo que ninguem se mete com o que era seu que se não falou mais nas suas
tenças, e sem isso se fez o testamento que digo.
Tanto que a Condesa de Ponteuel e vio que meu Tio pasou comigo e eu
fui comesou Logo a maquinar fazer meu Tio outro Testamento em que eu fiquase
com menos, e sem nada me avia de deichar se não temera o poderse anular anular
[sic] o Testamento o que eu poderia procurar e isso temeu ella porque meu Tio
não se lhe entendia nada senão muito poco e pequisimo e muito mal e cada vez
peor, e ultimaente este Testamento não apareseo e se fez outro a que já não asistio
Manuel Gomes da Palma nem Manuel da Costa Ponte, porque os tinhão já per
sospeitos de que fazião as minhas partes e somente foi chamado o Tabalião e Teste-
munhas e asisitio meu Irmão Nuno da Cunha e não se me dise nada e quando
meu Tio faleçeo o mandarão lançar nas notas do Tabalião per hum Criado com
grande sobresalto e a Condesa sua mulher sem embargo de seu marido ter ispi-
rado andava de porta em porta esperando que o Criado viese com o Testamento
que cudava que lho tomavão no caminho, e vindo elle deixandoo nas dictas notas
se Recolheo ella para dentro muito contente, e meu Irmão Nuno da Cunha leo
o Testamento e asim como se hia lendo se olhavam para mim como areçeando
alguma Coiza, eu o vi com grande soceguo, e somente tive a magoa de que meu
Primo Dom João Rolim que prezente estava lhe não ficase Couza alguma de que
elle com grande inteireza fez poco Cazo.
Já se sabe que meu Tio deichou neste Testamento a sua molher por universal
erdeira e huas tencaszinhas a seus Irmãos e sobrinhos e sobrinhas dez ou vinte mil
reis, e que a meus Irmão Nuno da Cunha deichou a major Comenda e quatro
sentos mil reis e sento e vinte â Senhora Dona Joana de Lencastro a a Senhora
Dona Tereza de Abranches que estão com ella, e a mim me deichou a Comenda
mais pequena com hua pencão que já elle pagava e otras que vagarão, e a Alcai-
daria mor que arrendei por sem mil reis, e a vida que tinha no testamento para
filho que se me não tem dado, e nada deichou a meu Irmão Simão da Cunha
porque virão que como eu o sustento o mesmo era deicharlhe a elle alguma Coiza
que a mim, e a minha Irmãa tãobem nada, e este testamento não falava nas comtas
425
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
que eu tinha com meu Tio nem por morte da Condesa universal Erdeira se dizia
que me fiquase nada, mas nem vingados fiquarão os que fiquão prejudiquados por
Cauza de quem teve a Culpa de se prejuizo, porque materias de Restituição em
quem nisso encarregua a Sua Consiencia o paga no outro mundo, e neste ainda,
quando menos o Imagina.
Fui eu dar à Condesa de Pontevel os pezames das morte de meu Tio e
Como me não quis falar da primeira e segunda vez que a busquei não tornei lá. E
meu Irmão Nuno da Cunha lhe falava os mais dos dias e andava nos seus negosios
de noite e de dia.
Procurei eu por via de Dom Manuel de Souza Irmão da Condesa de
Pontevel aquelles papeis tocantes há merce do Titolo que meu Tio me nomeou
que não servião á Condesa de Pontevel e por mais deligencia que D. Manuel fez e
a Senhora Dona Izabel da Silua sua mulher que ainda então corria com ella, não
foi posivel querelos dar por lhe pareser que me fazia dano.
Fez se o meu Cazamento despois disto: e parecendolhe a ella que com os
parentes de minha mulher fiquava com mais poder, quis falar comigo, e o tratou
com meu Irmão, e esperou que eu lhe foçe dar conta de que estava e meu Caza-
mento ajustado (tendo ella ditto sempre a meu Tio que eu não queria Cazar) e
comesou a dizer que tinha boas alcatifas e otras muitas coizas que dava a entender
ma avia de dar (que seria por Restetuição) fui eu dar lhe comta e fez ma ella muita
festa de que fiquei espantado, e fiquamos correndo e eu a vizitava muitas vezes,
neste tempo se lhe dise por algumas senhoras parentas que mandase ella dizer ao
secretario de estado que pedisse a Sua Magestade me defirise ao meu Requeri-
mento do Titolo o que ella não quis fazer e isto foi porque ella tinha dito que tiria
grande pena de que oue/se outro Conde de Pontevel porque lhe Lembrarva seu
Marido, e que este Titolo fora dado a ella para quem Cazase com ella e não a meu
Tio; porque lhe paresia que com isto me fazia dano ao Requerimento e por isso
me não dava os papeis, porem isto inportava poco que ella não me podia fazer mal
nisto porquanto a merce do Titolo que lhe foi feita a ella pelos Cervissos de Dama
que foi com a Raynha a Inglaterra para quem Cazaçe com ella fiquo comprida a
merce em meu Tio, porem a outra uida que se deu a meu Tio para Filho foi muito
despois e foi pelos cervisos de meu Tio, e esa he a que elle me nomeou e pedio no
testamento com que faleçeo a El Rey para mim.
E só em Cazo que ella não tiuese a Idade que tem serão 70 ou 80 annos
e pudese ter Filho, poderia dizer que lhe prejudicava darem me a dicta vida no
Titolo feita para Filho della e ainda asim nam tinha Rezão porque este Filho
tãobem avia de ser de meu Tio.
Comprei eu Tres Alcatifas á Condesa de Pontevel por via de hum Mercador
por ela dizer que não era neseçario dinheiro que bastava que o Mercador se
426
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
obrigase a pagarlhos de que lhe fez escrito, por dous mil cruzados, dizendo ella
sempre a muitas senhoras parentas que mas dava de prezente, compreilhe mais hua
Armação de Raiz de que primeiro que me viese foi o dinheiro e os Criados por
quem correrão estas compras que eu não lhe falei em tal a ella; dizião pelo que lhe
ovião que lhe comprase eu mais algumas couzas por escrito do Mercador como
fora a compra das tres Alcatifas que ella tudo avia de me dar mas eu não quis.
Mandome a Condesa de Pontevel huns panos quando Cazei e a minha
mulher outro prezente que erão humas arrecadas e hum broche e nos deu otras
coizas mais a mim e a minha mulher de menos lote de que eu logo infiri que
dava isto por não dar as Alcatifas que iso era o que mais importava, porem minha
mulher que despois de Cazada a vizitava muitas vezes dizia que ella lhe gavava
muito as tais Alcatifas dizendo lhe que ninguem as avia de tirar de sua Caza e
estrado, e ultimamente dise que mas dera, porem tinha na mão o inscrito de
obrigação do mercador, mas ficamos cudando que quando naçese o primeiro filho
ou filha mandaria o escrito do mercador, e nacendo meu filho Luis a convidei
para Comadre o que não quis aseitar e comvidandoa minha sogra tãobem para o
mesmo não quis, e mandou de prezente a minha mulher duas arquas do charão
e estas arcas me tinha elle prometido antes de eu Cazar e eu cudei que as tinha
vendido nem já me lembravão, e poco tempo despois mandou dizer ao Mercador
que lhe pagase os dous mil cruzados das Alcatifas, de que todos ficarão espanta/dos
athe meu Irmão Nuno da Cunha, só eu me não espantei e tratei logo de buscar
os dous mil cruzados que os não tinha pelos muitos gastos que tinha feito no meu
cazamento e estava fazendo que parese que esperou a Condesa de Pontevel o tempo
de me fazer mais falta e se lhe pagarão os seus dous mil cruzados (ou os meus)
porque com muitos mil cruzados não me paga ella o que me deue com Erdeiro de
meu Tio; e toma por espediente dizer porque lhe não fasem niso o dizer que eu
quero fazer a meu Tio ladrão que asim são todas as suas tretas e falçidades uzadas
comigo e com otros com quem tras sete ou oito demandas mas a senhora Dona
Izabel da Silua a constroe muito bem que lhe queria tomar hum cazal
A frase que uza de dizer que eu quero fazer a meu Tio ladrão he bem tola, e
rredicola [sic], o que senão fora, puderão todos aquelles que pagão dividas de seus
Pais e de otras de quem foraõ Erdeiros dizer aos alredores se lhas pidisem que isso
era fazêlos ladrões, e não lhe pagar, mas se ella não tivera as quitações eu lhe fizera
pagar tudo muito bem pago.
Vendo eu que a Condesa de Ponteuel me pedira o dinheiro das alcatifas que
já lho tinha pago que sempre cudei que me queriria ella ir pagando com aquillo
que dizia que me dava, lhe mandei em/tão o papel Incluzo; a que Respondeo com
outro que aqui tãobem está tão falso e mentiroso como se deixa ver dos duco-
mentos e sertidões autenticas aqui juntas.
427
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
428
«ESCLARECIMENTOS MUITO INTERESSANTES DIGNOS DE SE LEREM …»
legitima no Juizo dos Orfãos, a qual importou 1218€ deu varias adições e partidas
em despeza della,e nenhuma lhe foi admitida nem levada em comta, como dos
autos de conta consta no dicto Juiso dos Orfãos.
E que vendo o dicto Senhor Conde mandou dizer ao dicto senhor Tristão
da Cunha como Tutor que já era do dicto senhor Simão da Cunha seu Irmão que
lhe mandase huma quitação da dicta sua legitima dando se por entregue de todas
aquellas partidas que elle tinha dado em depeza della e que logo se lhe entregarião
ao que o dicto senhor Tristão da Cunha e asim se ve do dicto treslado e da dicta
quitação ser huma mesma
Em verdade da dicta quitação que o dicto Senhor Conde ajuntou aos Auttos
da conta, alcancou quitação da dicta legitima do dicto demente o senhor Simão da
Cunha e fiquo o dicto senhor Tristão da Cunha obrigado aos dictos 1218€ da dicta
legitima em sua Caza há uinte annos de que deu quitação em hum Rol que delles
se fes no dito tempo, que foi quando o dicto Senhor Conde mando levar a dicta
Legitima para o depozito e otros alguns já perdidos que Manoel descarsa cobrou
do dicto senhor Conde des/pois de dala a quitação que dizemos em que entrarão
63€ - em dinheiro o que tudo ualeria 400€ com o que falrão 1818€.
Que mal podia cobrar o dicto senhor Tristão da Cunha os 202€ atras dictos
para o dicto senhor Conde no dicto anno de 1694 dava em despeza da dicta ligi-
tima do dicto demente na mão da dicta senhora Dona Maria sua Irmãa que a dicta
senhora no anno de 1680 os pagou ao dicto senhor Conde como atras disemos
e asim otras adições como era o que o dicto senhor Conde dizia se perdera e se
gastara, e asim se devem os juros de vinte annos de que senão senão [sic] deu
quitação: que tamnto esteve a dicta legitima em poder do dicto senhor Conde
menos o que dizemos fiquo em Caza do dicto senhor Tristão da Cunha.
Dispois do dicto Senhor Conde ter a dicta quitação e estar dezobrigados
da dicta legitima se mostra de seus escritos feitos da letra de seus criados e por ele
asinados, mandar dizer ao dicto senhor Tristão da Cunha que mandase cobrar a
dicta legitima que tudo tinha promto para la entregar de que se mostra que deu
a dicta quitação sem Receber e como o dicto senhor Tristão da Cunha sabia que
o dicto senhor Conde seu Tio avia de dispor que elle fosse pago e emtregue de
tudo o que neste papel temos dicto com aquella muita verdade que sempre uzou
não mandou cobrar mais que somente o que Manuel descarsa Reçebeo do dicto
Senhor Conde de que lhe deichou quitação, nem la tornou a mandar por que
tãobem já o dicto Senhor Conde naquelle tempo padesia muitos achaques e estava
sempre na cama, de que se não levantou.
Tãobem se devem ao dicto Senhor Tristão da Cunha os alugueres das Cazas
grandes em que vive de seu Morgado, de tres annos que viveo nellas a senhora
Dona Deminana de Aguiar emquanto o dicto senhor esteue no Algarve e asim os
429
joão cAeTAno de cArvALHo sAmeiro
annos em que dispois a dicta senhora viveo no quarto bacho das ditas Cazas the
que deos a leuou, e asim 18 annos de alugueis do dicto quarto coarto bacho em
que a dicta senhora viveo em tempo do senhor Luis da Cunha Pay do dicto Senhor
Tristão da Cunha, o qual tem a parte que lhe toqua como a qual quer de seus
Irmãos nos ditos dezoito annos do tempo de seu Pay.
Esta dicta senhora D. Demiana de Aguiar deu todas as suas fazendas de
Raiz ao dito Senhor Conde e elle as vendeo, e por morte della vejo as Cazas aonde
deos a levou e mandou levar tudo o que lhe fiquo sem deichar coiza alguma, o que
tudo he notorio e sabem todos e que o dicto Senhor Tristão da Cunha fiquo por
pagar dos dictos algueis e não Replicou ao que o dicto Senhor Conde fazia.
430
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ENTRE D. MARIANA RITA
BORGES DO COUTO E O DR. JOAQUIM DE ALMEIDA
NOVAIS, FILHO DE «O LOBÃO»
Resumo: o tema deste artigo trata sobre a Escritura de Esponsais celebrada entre os
Senhores D. Mariana Rita Borges do Couto e o Dr. Joaquim de Almeida Novais,
filho de um reputado e respeitado Jurisconsulto que tinha por epíteto: «o Lobão». A
descoberta de duas cópias desta escritura foi encontrada no vasto espólio da Livraria
Chaminé da Mota, no Porto.
Abstract: the following article is about the Bethrothal Scripture between D. Mariana
Rita Borges do Couto and Dr. Joaquim de Almeida Novais, son of a respected and well
reputed Jurist who had the appellation: “o Lobão”. The discover of these two scriptures
took place at Livraria Chaminé da Mota, in Porto.
431
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
CAPÍTULO I
Da Escritura de Esponsais
1
PEREIRA, Maria da Conceição Meireles, “Os esponsais – forma e significado no contexto da
sociedade portuguesa de setecentos”, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II
série, vol. 5 (1988), p. 190.
432
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...
Figura 1
2
Idem, op. cit., p. 191.
3
Ibid., op. cit., p. 192.
433
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
4
As escrituras fazem parte da documentação, não inventariada e não catalogada, que constitui
uma vasta porção do extenso acervo documental da Livraria Chaminé da Mota. Desta forma, nas
transcrições documentais constantes neste artigo, não são mencionados os fólios, uma vez que os
referidos traslados foram retirados de ambas as escrituras de esponsais, independentemente, mas
com a repectiva confirmação e confrontação dos textos – e entre os textos – originais exarados,
de forma relevante e com valimento, merecendo atenção a concordância do propósito das duas
cópias redigidas.
434
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...
***
5
Sempre referido como António do Coito, ao longo das Escrituras de Esponsais.
435
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
436
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...
rizar a sua filha para os esponsais que solenemente e por escritura contrair com
o dito esposo, prestando no mesmo acto [e] em nome dele, constituinte, o seu
expresso consentimento mas também o autoriza para por si, ou seu [bastante]
procurador, contratar os pactos nupciais que lhe parecerem, no caso de haver,
ou não haver, filhos do futuro matrimónio, para o que poderá dotar em seu
nome, o terço de todos os seus bens que por sua morte se acharem, com a reserva
do usufruto em sua vida e duzentos mil réis»;
Primeiro: está de acordo com o autorizado por seu pai e está a favor do
matrimónio e, por isso, «as mútuas e recíprocas promessas que lhe faça o seu
futuro esposo e também para se dotar com seus bens e com quantos lhe derem os
herdar de futuro, para este matrimónio e aceitar quaisquer doações que lhe
façam e contratar com seu futuro esposo»;
Figura 2
Segundo: «que havendo filhos deste Matrimonio que sobrevivam ficará
contrahido conforme o costume do Reino e nam os havendo que sobrevivam
ficará contrahido conforme o Direito comum sem comonicaçam de bens mas
só dos adquiridos constante o Matrimonio e que neste cazo na morte d’ um se
levantará o que sobreviver com os bens da sua parte e a metade dos adquiridos
e os bens do falescido primeiro passaram a seus respectivos consanguineos com a
437
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
outra metade dos adquiridos salvo sempre no cazo de nam haver filhos a liber-
dade de dispor dos seus bens a favor de quem quizer com a condiçam porem de
que nam se effectuando este Matrimonio no prazo de tres mezes da data desta
ficarem estes Esponssaes de nenhum effeito».
***
A tudo concorda o noivo e aceita, «declarando elle Esposo ser filho do Doutor
Manoel de Almeida e Souza e sua molher Donna Maria Josefa Henriques do Loureiro
nascido Baptizado e creado na freguezia de Lobam» e a noiva dá a sua aprovação,
outrossim, para que se efective o casamento, que ocorreu a 18 de Junho de 1810.
*
* *
CAPÍTULO II
Resenha Genealógica
§. 1º
6
Baptizado que foi, em Vouzela, no dia 18 de Setembro de 1691.
7
Baptizada que foi, em Vouzela, no dia 14 de Novembro de 1700.
8
Casados, no dia 17 de Abril de 1690, em Vouzela.
438
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...
9
Nome que consta no Registo de Casamento do mesmo, com D. Maria Josefa Henriques do
Loureiro. CHAVES, Albano, “Descendência do Jurisconsulto Manuel d’ Almeida e Souza [o
Lobão]”, Beira Alta, vol. LXIII, fasc. 1 e 2, 1º e 2º trimestre (2004), p. 74.
10
CHAVES, Albano, op. cit., p. 74.
11
Que foi o 52º Bispo de Coimbra e 17º Conde de Arganil.
12
Idem, p. 75; CORREIA, Arlindo, “Manuel de Almeida e Sousa, de Lobão: e outros Jurisconsultos
de antes do Código Civil (1744 – 1817)”. Disponível em http://arlindo-correia.com/020806.
html.
13
CHAVES, Albano, op. cit., p. 79.
439
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
14
Idem, p. 82.
440
A ESCRITURA DE ESPONSAIS ...
Paula do
Loureiro
Catarina da Manuel
Conceição Henriques
de Almeida Jurista
Novais
bapt.
14.11.1700
Manuel
Rodrigues
bapt.
18.09.1691
Boticário
♥ D. Maria Josefa
17.11.1735 Henriques do
Loureiro
bapt. 24.06.1736 -
m. 11.04.1814
D. Ana Rita
Borges
Manuel de Almeida e António
Sousa «o Lobão» do Couto
bapt. 09.04.1744 -
m. 28.12.1817
Jurista
♥
09.06.1766
JOAQUIM DE ♥
18.06.1810 D. MARIANA RITA
ALMEIDA NOVAIS
bapt. 09.04.1744 - BORGES DO COUTO
m. 28.12.1817 n. 1793 - m. 25.12.1881
Jurista
*
* *
441
Luís miGueL GuApo murTA Gomes
Bibliografia
Fontes manuscritas
Documentos electrónicos:
Agradecimentos
442
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE
PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Abstract: the text presents the lineage of the Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão
Family, one branch of it established in Madeira Island in the end of the first half of
the XIX century, giving notice of the main genealogical connections from the XVII up
to the XX centuries. It is a family of Fidalgos do Livro, with hereditary nobility since
at least 1745 and with a strict legitimate male line up to the XXI century, although
443
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
not identified nor developed in the nobiliarchical type Portuguese literature of the XX
century, such as the well known Livro de Oiro da Nobreza or the more comprehensive
Anuário da Nobreza Portuguesa.
1
Sobre o conceito de linhagem escrevi em Cunha, Miguel Gorjão-Henriques da, «Bibliografia
– Fidalgos e Fazendeiros: aspectos genealógicos de famílias populares do Cadaval, em recensão
a “Memorial das Famílias do Cadaval”», in Armas & Troféus, Lisboa: I.P.H., IX Série, 2014
(2015), pp. 451-508, em especial pp. 454 e 484, nota 62; para mais referências, Monteiro,
Nuno Gonçalo, «Casa e Linhagem: o Vocabulário Aristocrático em Portugal nos séculos XVII e
XVIII», in Penélope: revista de história e ciências sociais, n.o 12 (1993), pp. 43-63.
2
Tem palavras largas sobre as genealogias setecentistas o Prof. João de Figueiroa-Rego, que nos
diz que muitas das genealogias «em circulação» não eram «fiáveis ou isentas de defeitos, muitos dos
quais bem pouco inocentes»; dizendo que, ainda assim, D. Flamínio dava credibilidade a alguns,
ao referir a circunstância de se verificar «a inclusão nos seus códices de certidões rubricadas por
Caetano de Sousa, Monterroio Mascarenhas e Diogo Rangel de Macedo» (Figueiroa-Rego, João,
Reflexos de um Poder discreto: Discurso Académico, Saberes e práticas sociais em Portugal Setecentista
a propósito dos Códices de Dom Flaminio, dissertação De Mestrado, CHAM, 2008, pp. 66-67).
444
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
nobreza do Reino e nos livros dos fidalgos da Casa desde, pelo menos, a primeira
metade do século XVIII. O tema da nobreza é complexo, com variantes signifi-
cativas consoante as épocas históricas e, claro, as geografias políticas, como dão
conta os mais diversos Autores, mas sigo aqui a perspectiva das Ordenações, depois
tratadas, entre muitos outros, por Severim de Faria 3 ou pelo extraordinário portu-
guês que foi o famoso doutor João Pinto Ribeiro (c. 1590-1649), um letrado aliás
não fidalgo, na sua carta a Fr. Frei Francisco Brandão Sobre os títulos da nobreza de
Portugal & seus Privilégios, republicada em 1730 4, justamente na época da nobili-
tação hereditária destes Coutinho de Carvalho nos livros dos Fidalgos do Reino.
E família que aparece também com ascendentes ligados a outras fontes que, não
nobilitando a linhagem, conferiam importantes privilégios (mormente jurídicos,
fiscais, sociais ou pessoais), como o poderoso Santo Ofício, através do estatuto de
Familiar, ou a Ordem de Cristo 5.
Procuro dar uma perspectiva da origem desta linhagem, tão longe quanto
foi possível, entroncando-a não apenas numa varonia legítima com serviços à
cúria régia desde há mais de 350 anos e com foro de nobreza hereditária com
mais de 270 anos; mas também com ligações, ainda que com quebras de varonia,
ao tronco inicial português da família Roquete (e num ramo com serviços desta-
cados) e também, creio, aos Gorjões de que eu próprio descendo.
Foi pelo facto de partilharmos um apelido (parcialmente) igual, razoavel-
mente bizarro e com uma assinalável resiliência à perda de varonia, como adiante
3
Faria, Manuel Severim de, Discursos varios políticos, Chantre, & Conego na Santa Sê de Euora.
- Em Evora : impressos por Manoel Carvalho, impressor da Universidade, 1624. - [6], 185 f.,
[3] grav. : il. ; 4.º (20 cm), III, p. 83: «Há neste Reino cinco graus de Nobreza, segundo a Ord. L. 5,
t. 139, o primeiro são os Vassalos, que têm cavalos; o segundo, os Escudeiros; o terceiro, os Cavaleiros;
o quarto, os Fidalgos de Cota de armas e de geração, que têm insígnias de Nobreza; o quinto é dos
Fidalgos, que têm assentamentos e foro na Casa de El-Rei. Entre estes também há diferença, porque
as leis do Reino fazem menção de três géneros de solares, que são solar conhecido, solar com jurisdição
e solar grande» (grafia e pontuação actualizados, etc.).
4
Obras varias, Compostas pelo Doutor João Pinto Ribeiro…, Coimbra, oficina de Joseph Antunes
da Silva, MDCCXXX, pp. 221 e seguintes (embora com impressão defeituosa, como 121 e
seguintes).
5
Como ensinam Inês Versos e Fernanda Olival, a Ordem de Cristo remunerava essencialmente,
pelo menos desde a bula de 18 de Agosto de 1570, os «serviços feitos à realeza», ainda que
visando «recriar um ideal tipo de pessoa distinta e nobre em sentido amplo», com base no
cumprimento-regra de «três requisitos de ingresso concomitantes: serviços, limpeza de sangue e
limpeza de ofícios» - Versos, Inês/Olival, Fernanda, «Modelos de Nobreza: A Ordem de Malta
e as três Ordens Militares portuguesas. Uma perspectiva comparada (séc. XVII-XVIII»), in
Nobleza Hispana, Nobleza Cristiana: la Orden de San Juan, coord. De Manuel Rivero, Polifemo,
2009, pp. 1126-1155, em especial pp. 1131 e 1139 (acessível em https://dspace.uevora.pt/rdpc/
handle/10174/2574).
445
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
também se verá, que me interessei por estas gentes. O texto constitui, assim, um
pequeno excerto de um trabalho de maior fôlego sobre este apelido, em Portugal,
que envolve um número
reduzido de Famílias,
algumas ligadas e outras
nada tendo a ver com os
meus Gorjão Henriques.
Neste caso, tive o gosto de
conhecer o Prof. António
Coutinho Gorjão, que
poderá bem ser o actual
chefe genealógico desta
Família, por ocasião de um
colóquio no Funchal em
que fui imerecidamente
colocado como palestrante,
aquando de uma ida minha
aí para leccionar matérias
de direito comunitário
numa pós-graduação sobre
estudos europeus em
parceria entre Faculdade de
Direito da Universidade de
Coimbra, onde me licenciei
Série Genealógica da Família dos Snrs. Gorjões e ensinei durante mais de
vinte anos, e uma insti-
tuição madeirense presidida até à sua morte pelo ilustríssimo Dr. José Maria da
Silva 6. Nessas viagens, e por força da ida a livrarias e pequenos alfarrabistas na
belíssima cidade antiga do Funchal, fui também apresentado aos registos escritos
sobre os Coutinho Gorjão madeirenses através dos trabalhos, de que já tinha
breve memória, mas são notáveis, de Luís Peter Clode 7.
E como se ligam? Cruzando o cartório familiar com as fontes primárias e
um notável trabalho feito em 1846, após o casamento dos meus trisavós Francisco
Rafael e Maria Ana Isabel (Bahia), pelo Pd. Rodrigues de Faria, bibliotecário de
6
O Cine-fórum do Funchal (http://aprenderamadeira.net/cine-forum-do-funchal/, acedido a 30
de Novembro de 2016).
7
Em diversos trabalhos, por exemplo em Registo genealógico das Famílias que passaram à Madeira,
Funchal, ed. Tip. Comercial, 1952; ou Registo bio-bibliográfico de madeirenses: sécs. XIX e XX,
Caixa Económica do Funchal, 1983.
446
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
seu primo co-irmão o 5.° Marquês de Pombal (A Série Genealógica da Família dos
Srs. Gorjões 8), é hoje possível afirmar a existência de uma relação genealógica entre
estes diferentes Gorjões 9, embora o seu esclarecimento final implique investi-
gação adicional que não pude fazer em tempo. É que, quanto ao período anterior
aos registos paroquiais existentes, não pude escolher, entre as diversas hipóteses
expressas pelo Pd. Rodrigues de Faria, uma que esclarecesse de forma definitiva
ou plausível as diversas dúvidas e hipóteses genealógicas (contraditórias entre si)
que resultam da documentação que compulsou e dos testemunhos que ouviu
sobre estes tempos. E que expõe com uma franqueza tal que se tem de caracte-
rizar o seu trabalho como sendo de um rigor anómalo face ao usual nos estudos
genealógicos portugueses da época, do ponto de vista substantivo. Mesmo hoje,
a metodologia que Rodrigues de Faria advoga – facilitada pela democratização e
universalização do acesso às fontes primárias potenciado pela era digital – seria
um bom exemplo para os estudos genealógicos que por aí se vêem:
«Mas como será boa e bem feita uma Série Genealógica? Deve ser bem deduzida, bem
ordenada e verdadeira. Quais são as fontes que se devem consultar para a formar com
estas qualidades? Toda a boa Genealogia deve constar de três partes: 1.ª parte Genea-
8
Manuscrito que tem como base um nobiliário da colecção pombalina, como o Pd. Rodrigues de
Faria escreve nas palavras iniciais (ortografia actualizada): «Entre os muitos e preciosos manuscritos
que existem nos Armários da Livraria do Il.mo e Ex.mo Marquês de Pombal no seu Palácio da vila
de Oeiras, sendo em grande parte livros genealógicos, se acham no Armário n.º 6 no Gabinete de
História, cinco volumes in folio de Genealogia em hum dos quais, que contém os nomes das letras
= G-L = dos volumes atribuídos a José Freire Monterroyo Mascarenhas, se lê o seguinte – Título e
Família de – Gorjão -, sua antiguidade, etimologia de seu apelido, seu estabelecimento no Reino de
Portugal, suas Armas e Genealogia continuada até ao presente, pelos dois Genealógicos José Freire
Monterroyo Mascarenhas e o Padre Pregador Geral de Santo Agostinho Fr. António Roussado». Mais
fiel ao espírito da época, explica ainda a importância das investigações genealógicas: «Todas
as Famílias distintas deviam ter o maior cuidado e desvelo em ter boas séries genealógicas dos seus
Ascendentes, não por vaidade, mas por interesse e glória das suas Casas, e para utilidade pública. Uma
série genealógica bem feita dissipa muitas vezes as dúvidas, que podem ocorrer sobre os bens legados
e morgados duma Casa, eis aqui o interesse das Famílias; é a História das acções heróicas e gloriosas
dos Ascendentes, eis aqui a glória das Famílias; é a fonte da História de uma Nação, eis aqui a
utilidade pública. Ninguém deve querer que a série da sua ascendência seja livre e purgada de alguns
ascendentes, que por qualquer princípio tenham sido maus, porque o Genealogo e o Historiador não
devem faltar à verdade por lisonja ou parcialidade; e é uma regra geral que não há geração sem Santo
e Ladrão, e tanta culpa temos nós nos erros que cometeram alguns dos nossos ascendentes; como todo o
género humano teve no pecado de Adão e Eva. Mas como será boa e bem feita uma Série Genealógica?
Deve ser bem deduzida, bem ordenada e verdadeira. (…)».
9
E o mesmo se poderá dizer, como em próximo trabalho tentarei justificar, com os ascendentes
da actual família “Gorjão Clara”, ligados também, ainda que com várias quebras na varonia, ao
primordial tronco dos Gorjões (ainda que sem qualquer ligação posterior ao século XV).
447
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
lógica propriamente dita; 2.ª parte, jurídica; 3.ª parte, histórica. Quanto à primeira,
devem consultar-se, e até citar-se, os Documentos dos Livros dos Baptizados, Casa-
mentos e óbitos, que se acharem nos cartórios das igrejas paroquiais, ou no Cartório
Geral da Diocese. Quanto à segunda parte, devem consultar-se os Documentos que
cada Família interessada tiver nos seus Cartórios, ou nos Cartórios dos Tabeliães sobre
a natureza dos Testamentos, Legados e Morgados; quanto à terceira parte, relativa-
mente a mercês e promoções, deve consultar-se o Arquivo da Nação, e quanto a factos
históricos, a História do tempo em que eles tiveram lugar. E todos os Documentos
se devem citar nos lugares próprios em que deles se fizer menção; e desejava eu mais
alguma, desejava que uma série genealógica ordenada desta maneira fosse munida com
força e vigor de poder dar fé quando fosse necessário (…)».
10
O testamento de Álvaro Anes Gorjão foi extractado pelo agostinho D. Flamínio (v.g. nota
seguinte) e obtive a seguinte transcrição: “(fl. 92) Gorjão <496>Inst.am de Alvaro Anes Gorjão
do Cazal da Tiritana e sua molher Maria Anes, filha de João Gonçalves e de Violante A.º [Afonso].
Aos 29 de Outubro 1513. Mandão sepultarse na matriz da Roriça sua freguesia vincullão as terças
em seos filhos Francisco e Jeronimo e por morte de ambos chamão a linha do Francisco com successam
regular que tomão na vinha de Val da Poça que foy de Andre Affonso tyo do instituidor que está no
Torcifal e a renda do moinho da Ballieyra que he hum moio de trigo no termo de Obidos e o lagar
com sua caza na Roriça e dos mais que lhes couber na terça com 18 missas 2 por el rey D. João o 2º,
uma pelo dito Andre Affonso e por sua tya, uma pela Biscainha sobrinha do instituidor e 4 por este e
2 na igreja / do Torcifal pelos pays do instituidor com responso sobre o seu Moimento(?) onde jazem
e se dirão no altar de S. Sebastiam e 2 na Roriça pelos pays da instituidora e 2 por seu filho João
Gorjão e por outros filhos e 1 por seu tyo Pero Gonçalves / e 5 pela instituidora a saber as 14 na Roriça
com responsos sobre suas covas e as 2 no Torcifal e a renda do lagar sera pera conservar huma caza
ahy pera os pobres com anexaçam da 3ª da 3ª [sic] nos Administradores testemunhas Pero Nunes E.
[Escudeiro] e Mariscal da Rainha D. Leonor … e certa justificaçam e inventario da 3ª <Nunez>
estará copia na igreja da Roriça. Feita por Alvaro Lopes tabeliam de Obidos”. Pelos vários livros
do cartório familiar com as contas prestadas por caseiros pode seguir-se, até ao final do século
XVIII, a gestão de algumas destas propriedades. Por exemplo, quanto ao lagar na Roliça lê-se
(em Este livro he dos cazeiros e quanto pagavão a Caza dos Snrs Gorjão, cobrindo o período 1668-
1721) que «Domingos João da rouriça pagua de Hú lagar que me traz seis tostões e hua galinha».
Em 1720 lê-se que o foro do lagar «Paçou a Brás Luís e paga seis tostões e húa galinha».
448
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
vras do frade agostinho Dom Flamínio de Sousa (ou Flamínio de Jesus Maria) 11,
um «Cavaleiro honrado que viveu em Torres Vedras nos reinados de D. Afonso V (+
1481), D. João II (+1495) e D. Manuel», estando documentado, nestes dois
últimos reinados, como
Monteiro-Mor das montarias
de Óbidos e seus termos e suas
comarcas (Lourinhã e Atou-
guia), cargo que ocupava até
25 de Fevereiro de 1493 12 e,
tendo perdido, recuperou em
1496, então designado como
Monteiro-Mor de Óbidos e
dos Coutos de Alcobaça 13 e da
vila de Lerdas, «assim e pela
maneira que ele foi até aqui por
carta de Dom João II», como
refere a Chancelaria Régia
(alvará de 26 de Fevereiro de
1496) 14. E nos documentos
régios, mormente nas cartas de
mercê régia de D. Manuel I, é
dito «nosso escudeiro» 15 e «escu- Dom Flamínio de Sousa: parte da sua extractação
sobre Gorjões
11
D. Flamínio de Jesus Maria foi um cónego regrante de Santo Agostinho que dedicou a sua vida
ao Senhor mas, também, a recolher compulsivamente dados em fundos notariais, paroquiais,
familiares, estatais, privados, etc., e que deram origem a diversos códices que se encontram
hoje na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, e que excedem as 3500 fólios (c. 7000
páginas) com letra mínima e com uma extensão impressiva – pela dimensão e seriedade do
fruto do seu trabalho, os seus Códices são considerados uma das “dez maravilhas” da Biblioteca
(http://entremargens.fis.uc.pt/entrelivros/bguc_codices.php), tanto mais quanto alguns dos
fundos extractados por D. Flamínio se perderam ao longo dos séculos – sobre D. Flamínio de
Souza, Figueiroa-Rego, João de, Os Códices de D. Flaminio ou contributo de um cónego de Santo
Agostinho para o conhecimento dos contingentes humanos das monções quinhentistas, Lisboa, 2004;
ou, do mesmo professor, Reflexos de um Poder discreto: Discurso Académico, Saberes e práticas
sociais em Portugal Setecentista a propósito dos Códices de Dom Flaminio, dissertação de Mestrado,
CHAM, 2008.
12
ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 37, fls. 10-10v; ou Liv. 40, fl. 47v. (de 20 de Abril de
1496).
13
Sobre os monteiros-mores e sobre as matas reais de Óbidos, Neves, C. A. Baeta, Dos monteiros-
mores aos engenheiros silvicultores, Lisboa: I Centenário do ensino superior Florestal, 1965.
14
ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Liv. 26, fl. 50.
15
Norton, Manuel/Salgado, José Benard Guedes, Cartas de Brasão de Armas VIII, 1975.
449
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
deiro da casa real 16 e morador no Turcifal» (27 de Fevereiro de 1496). Este casou
16
Dizia João Pinto Ribeiro, referindo-se aos escudeiros antigos e às Ordenações, Liv. I, tt. 66, §
42, «que declara[m] não pagarem finta dos Concelhos: os Fidalgos, Cavaleiros, Escudeiros de
linhagem com clareza confirma esta verdade. Conheceu ela o uso antigo, que os verdadeiros
Fidalgos eram os Escudeiros de linhagem, ainda que não fossem matriculados» (p. 233). Depois
alterado, como também confirma: «Porém o lib. 5, tit. 25, no princípio, parece declarar melhor
estes graus, dando o primeiro ao Fidalgo, o segundo ao Cavaleiro, o terceiro ao Escudeiro. Podem os
Príncipes na estimação, o que na sorte das moedas, que variam a seu arbítrio. Era nos tempos passados
o título de Cavaleiro denotador não só de nobreza, mas de jurisdição e senhorio, e de Escudeiro
de Fidalguia sem jurisdição nem senhorio. (…) os que tinham jurisdições, no tempo del-Rei D.
Fernando, e nos seguintes, se intitularão Cavaleiros (…). Os que não tinham jurisdições se chamavam
escudeiros, sendo a principal Fidalguia. Isto [mostram] as sepulturas antigas (…). Outra coisa parece
ao autor da nobreza política cap. 2, no fim. Os doutos verão com que razão (…)/ Mudou-se isto com
o tempo, e fez-se o foro de escudeiro fidalgo e Cavaleiro Fidalgo nos principais Fidalgos até ao tempo
de El-Rei D. Sebastião. Acima o disse. De então para cá desceu o título de Escudeiro & Cavaleiro
a prémio dos plebeus». Em suma, a categoria dos Escudeiros integrava a nobreza hereditária
mas começou gradualmente a perder peso social ainda a partir do séc. XV, principalmente a
partir de D. Afonso V, que, no dizer de Pascoal de Melo Freire, «quis que se chamassem nobres
principalmente aqueles que ele mesmo inscreveu num livro de nobres especiais, os quais se chamam
propriamente fidalgos», em categorias que D. João III (em cujo reinado havia extensas listas de
privilegiados, nas suas diversas qualidades) e, sobretudo, D. Sebastião (1572) desenvolveram e
reformaram. Citando Francisco de Vasconcelos, «[d]e facto, aqueles, nobres rasos e em geral sem
fortuna nem ilustre linhagem, em termos da linguagem corrente correspondiam em Portugal, ao
escudeiro ou “cavaleiro”». Se a palavra “nobre” e “nobreza” mal aparecia nas Ordenações (uma
única vez, segundo António Manuel Hespanha – Hespanha, António Manuel, «A nobreza
nos tratados jurídicos dos séculos XVI a XVIII», in Penélope: revista de história e ciências sociais,
Lisboa: Cooperativa Penélope, Fazer e Desfazer a História, n.o 12 (1993)), o facto é que inerente
a este estatuto estava o gozo de privilégios face ao “terceiro estado”, tanto jurídicos quanto
sociais. Mas a degradação social da condecoração aumentaria sempre com o tempo e, no início
do século XVII, Belchior Febo escreveria que claramente não eram nobres (1619). Na síntese
de Francisco de Vasconcelos, «Os chamados “foros” de Fidalgo da Casa Real, que remontam
a D. João I, foram institucionalizados por D. Afonso V, regulamentados por D. Sebastião em
1572, transmitiam-se por varonia legítima a todos os agnados. Estavam repartidos em dois
níveis fundamentais - o dos fidalgos, quase todos com “moradias” acima de 1000 réis, e o
dos escudeiros, com “moradias” acima de 400 réis. Os primeiros podiam ser tomados como
Moços Fidalgos enquanto que os segundos podiam ser tomados em Escudeiros ou começar
como Moços de Câmara mas, até 1572, todos eles tinham “acrescentamento” a Escudeiro da
Casa Real, Cavaleiro da Casa Real, Escudeiro Fidalgo da Casa Real ou Cavaleiro Fidalgo da
mesma Casa. A distinção entre os Fidalgos e os Escudeiros aparece nas respectivas moradias,
e nos registos oficiais: nos Livros de Matrícula estavam claramente separados em duas secções,
e nos livros da Chancelaria, onde também estão referidos, os primeiros aparecem designados
simplesmente como Fidalgos da Casa Real, enquanto que os segundos ali estão como Escudeiros
ou Cavaleiros da Casa ou Escudeiros ou Cavaleiros Fidalgos da Casa Real. A destrinça definitiva
entre os dois patamares, ficou ainda mais clara a partir de 1572, quando os Regimentos das
Moradias e do Mordomo-mor estabeleceram tudo em novos moldes: os oriundos de Moço de
450
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
duas vezes, sendo pai, pelo seu primeiro casamento, de Álvaro Gorjão 17; e, pelo
seu segundo casamento e além de outros, de Francisco Gorjão (c.c.g. extinta,
instituidor com sua mulher da Capela do Espírito Santo, na Roliça 18), de João
Gorjão («cavaleiro da linhagem do Duque de Coimbra» D. Jorge, documentado
Câmara continuaram a intitular-se Escudeiros da Casa Real, Cavaleiros da Casa Real, Cavaleiros
Fidalgos e Escudeiros Fidalgos, mas os que tinham vindo de Moço Fidalgo, esses (invertendo-se
a ordem das palavras) passaram a ser Fidalgos Escudeiros e Fidalgos Cavaleiros» - Vasconcelos,
Francisco de, «As qualificações da nobreza contemporânea datam da época da expansão», in
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime, Lisboa, 18 a
21 de Maio de 2011 (ou um sumário em http://www.iict.pt/pequenanobreza/ arquivo/Doc/
res028-pt.pdf ).
17
Diz o agostinho D. Flamínio: «Testamento da Instituidora, já viúva, de 12 de Julho de 1525 põe
mais uma missa por si e pelo Marido na Igreja da Roliça. Diz ter dado pelas legítimas a sua filha e
genro Álvaro da Serra e Mecya Gorjoam mulher deste umas casas e casais e um casal no Turcifal e um
serrado à Portela; e a Gaspar da Serra e a sua mulher Leonor Gorjoa, filha dos instituidores dera os
casais do Barro e Aroeira e as terras da Freixofreira e as vinhas do Bravo e a quinta da Fonte dantre
os vales (?) e 200 em dinheiro no que estavão satisfeitos do que lhes podia vir de legítimas. Disse que
além do que o instituidor dera a seu filho Álvaro Gorjão, enteado da Instituidora, pela legítima de
sua Mãe, ela lhe dera um casal no Carvalhal e a vinha do Carnagral (?) e a do Pinhal e 4 talhos da
vinha na Ribeira do Carvalhal e 260 na Casa da Índia, da herança de seu filho Jerónimo [que terá
morrido, entretanto] pelas legítimas diz pagara a Fernão do Avelar de uma … 60 d. e a P.º de Goes
das abertas das vales 2 que fizera casas nos Barassais. Feito por Gonçalo de Bragança (?), tabelião de
Óbidos» (Sousa, D. Flamínio, Códices, BGUC, Rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386).
18
Os testamentos constam, por transcrição, de processo orfanológico existente no Arquivo
Histórico de Óbidos: «Em nome de Deus Ámen saibam quantos este instrumento de reabrimento de
testamento e de instituição de capela virem que no ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
de mil e quinhentos e sessenta e dois anos, aos três dias do Mês de Julho, em a quinta da teritana
termo da vila de Óbidos que é de Francisco gorjam cavaleiro da casa del Rey Nosso Senhor, sendo ele
presente e jazendo doente (…), e assim tinham ele e a dita sua mulher, feito uma Instituição de capela
e morgado, em que deixavam e tomavam a dita sua quinta da tiritana e deixavam em morgado ao
que derradeiro deles ficasse, e por sua morte ao parente mais chegado dele Francisco Gorjam, com
encargo de duas missas cada semana, que mandam dizer na Igreja de Nossa Senhora da virgem da
Rouriça, termo da dita vila, donde são fregueses e onde está sita a dita sua capela (…) e requer e
há por bem que por sua morte dele haja e suceda logo na administração da dita capela Bernardo
da Serra Gorjam, seu sobrinho, Cavaleiro da Casa de El-Rei nosso Senhor e morador no lugar de
Carvalhal termo da dita vila e assim anexa mais à dita capela e morgado além da dita quinta que
já tem vinculado ao dito morgado (…) o qual Morgado deixa ao Bernardo da Serra seu sobrinho e
por sua morte fique a seu filho mais velho, e não tendo filho, à sua filha mais velha, e havendo filho
varão sempre perderá a Fêmea posto que seja mais velha, e assim será daí em diante, e andará na
geração do dito Bernardo da Serra, e com tal condição que o que andar a suceder no dito morgado e
administração ele se chamará sempre Gorjam, posto que tenha outros apelidos mais honrosos, e depois
do primeiro se chamará Gorjam, tomará o apelido que quiser dizendo mais ele testador que por morte
de seu pai Álvaro Anes Gorjam que Deus tem, ele houvera como seu filho a administração de um
morgado e que ele nomeava ora nele, por administrador por sua morte, ao dito Bernardo da Serra seu
sobrinho; o qual morgado é (…)».
451
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
nas listagens extractadas por Dom Flaminio como «porteiro da Câmara» do mesmo
Senhor D. Jorge em 1499 e que teve CBA para Gorjão, em 4 de Agosto de
1501 19) e de Mécia Gorjão (Gorjoa), que casou com Álvaro da Serra (1489 20-
f.d.1553) – armado Cavaleiro em Tânger por D. Duarte de Menezes (1515) e
confirmado por D. Manuel I (9 de Maio de 1517), e no mesmo ano Escrivão da
Casa da Suplicação 21 (26 de Outubro de 1515 22), apresentado como cavaleiro
desde 1508 (no contrato de dote para casamento), mas também em 1525 (como
«Cavaleiro da Casa de El-Rei N.S.», no requerimento que apresenta contra sua
sogra 23) ou em 1553 (em sentença judicial – «Cavaleiro da Casa d’El Rei», então
19
Sobre esta CBA, vide Cunha, Miguel Gorjão-Henriques da, «Bibliografia – Fidalgos e
Fazendeiros: aspectos genealógicos de famílias populares do Cadaval, em recensão a “Memorial
das Famílias do Cadaval”», Armas & Troféus, IX série, Tomo XVI, 2014, pp. 451-508, nota 48,
pp. 480-481. Note-se que Dom Jorge já era Duque de Coimbra a 26 de Março de 1500 (v.g.
TT, Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 13, fl. 53v.) (ou a 27 de Maio de 1500 – idem, fl. 54),
assim se compreendendo que o momento fosse o adequado para premiar pessoas da obrigação
(criados) da Casa do filho de D. João II e de D. Ana de Mendonça – Vasconcelos, António
Maria Falcão Pestana de, Nobreza e Ordens Militares. Relações Sociais e de Poder (Séculos XIV a
XVI), vol. I, diss. Doutoramento em História Medieval e do Renascimento, Porto, 2008, pp.
119-120 e 192-194 (disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/9376/2/
tesedoutnobrezav 01000065918.pdf, acedido a 30 de Novembro de 2016).
20
ANTT, Chancelaria de D. João III, Perdões e Legitimações, Liv. 1, fl. 302v.
21
Escreve Jorge Veiga Testos sobre estes mesmos exactos tempos e lugares: «No reinado de D.
Manuel I, os Paços da Casa da Suplicação e do Cível fixaram-se em Lisboa, no Palácio do
Limoeiro, junto à igreja de S. Martinho. Damião de Góis, descrevendo as obras feitas no reinado
de D. Manuel, afirma que o monarca «[f ]ez de nouo em Lisboa, junto da Egreja de S. Martinho,
os paços da casa da suplicaçam & do ciuel, & cadea do limoeiro obra muito magnifica, & sumptuosa,
onde dantes fora a casa da moeda & depois paços de Reis ate o tempo del Rei dom Dinis que fez os paços
dalcaçoua» (Góis, op.cit., capítulo LXXXV, p. 601). Sabemos que este monarca encomendou ao
pintor Francisco Henriques uma grande obra de pintura “pera o curucheo do Llimoeyro” (ou “da
Rellaçam desta casa do cyvell”), obra que decorria ainda em 1518, quando a peste assolou Lisboa
e D. Manuel ordenou ao pintor que ficasse na cidade para terminar a obra; o pintor acabou por
falecer de peste, juntamente com vários dos seus colaboradores (Sousa Viterbo, Notícia de Alguns
Pintores Portuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal, Lisboa,
Tipografia da Academia Real das Ciências, 1903, p. 56-64)» – Testos, Jorge André Nunes
Barbosa da Veiga, Sentenças Régias em tempo de Ordenações Afonsinas (1446-1512): Um Estudo
de Diplomática Judicial, Dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011, p. 24, nota
103.
22
ANTT, Chancelaria de D. Manuel, Liv. 24, fl. 158.
23
Do arquivo da Casa constam, entre outros documentos curiosos, uma procuração de Mécia
Gorjão a seu marido e um requerimento de «Álvaro da Serra, Cavaleiro da Casa de El-Rei N. S. e
morador em o Turcifal aos juízes da vila de Óbidos Domingos Álvares e João de Coimbra, Escudeiros
da Rainha N. Sr.ª», relativa a uma acção contra sua sogra Maria Anes, «Dona viúva que ficou
452
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
de Álvaro Gorjão, seus sogros, moradores em o Casal da Tiritana, e por uma acção de libelo intenta
provar que entre os bens dotais atrás mencionados» está uma terra específica.
24
Palavras de João da Fonseca Ferraz nas provanças de Inácio Coutinho de Carvalho, em 1702.
E, de facto, António Gil Pereira renunciou a esse cargo, pedindo ao Rei, que, «em razão de sua
muita idade e achaques» e após 28 anos de serviço, a renúncia tivesse efeito na pessoa que casasse com
sua neta Antónia Pereira de Castanheda (Carta de 6 de Fevereiro de 1670 – ANTT, RGM, Ordens
Militares, Liv. 8, fls. 13-13v.; e RGM, Mercês (Chancelaria) de D. Afonso VI, Liv. 13, fl. 148),
apesar de sabermos que quem toma posse da propriedade do ofício, sete anos mais tarde, é o
genro Francisco Coutinho de Carvalho, por força de Carta de 7 de Julho de 1677 (ANTT,
RGM, Ordens Militares, Liv. 10, fls. 276-276v.).
25
ANTT, RGM, Ordens Militares, Liv. 1, fls. 138-138v.: a renúncia foi feita nas notas do tabelião
Luís do Couto, em 20 de Maio de 1645; ANTT, RGM, Ordens Militares, Liv. 11, fls. 26v.-27.
453
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
3.1. António Gil Pereira 31. Natural da vila de Serzedelo mas que “se
ausentou há muitos anos para Corte” 32. “Cristão velho e dos lavra-
dores honrados daquela freguesia”, e com 34 anos, a 1 de Setembro de
1702. Teve os ofícios de Escrivão dos Contos subordinado ao
Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens (MCO) na repartição dos
Cativos, por ser o praticante mais antigo e ter sido promovido o
anterior titular, António de Freitas Padrão (Alvará de 2 de Outubro
26
Assim o afirmam testemunhas nas provanças de seu neto Diogo. Como é sabido, os registos
paroquiais desta paróquia perderam-se, com o terramoto, e não tenho conhecimento de que este
assento tenha sido reformado.
27
ANTT, RGM, D. Afonso VI, Liv. 3, fls. 320v.-321. O cargo vagou, tendo sido antes ocupado
por Baltasar Frois, de Maiorga. Teve a mercê com «todos os prois e percalços que direitamente lhe
pertencerem».
28
Testemunho de João da Fonseca Ferraz.
29
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. O-1, fl. 88.
30
Assim o afirmam as testemunhas nas provanças do neto Diogo.
31
E não António Gonçalves Pereira, como aparece em www.digitarq.arquivos.pt. ANTT, Leitura
de Bacharéis, Letra J, maço n.º 9, doc. 74.
32
AUM, Registos paroquiais de Serzedelo, Liv. B-227 (1642-1688). Há testemunhas em Pombeiro
que dizem que era Serzedo. A ser assim, não parece haver registos paroquiais dessa era para
Serzedo.
454
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
455
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
com filhos, bem procedido, de boa vida e costumes e que sua mulher é irmã inteira de
Vidal Branco da Fonseca, morador na Índia adonde é Familiar do Santo Oficio na
cidade de Goa».
Dizia a Série Genealógica da
Família dos Srs. Gorjões que era a
sua Família oriunda de Viana, onde
eram das principais pessoas, mas será
confusão com a família da sua mulher,
pois do lado paterno parecem quase
todos ser naturais de Lisboa. Habi-
litou-se para a Ordem de Cristo e para
os lugares de letras 38.
Inácio Coutinho de Carvalho
casou em Lisboa, não na freguesia da
Sé, como aparece em alguma docu-
mentação mas, como se informa na
habilitação do neto, na de São
Lourenço, depois de São Cristóvão e
Guarda-Livros dos Contos da Mesa da Cons- São Lourenço, a 27 de Março de 1689,
ciência e Ordens com D. Maria Jácome da Fonseca 39,
que as provanças do neto dizem que
foi baptizada a 17 de Outubro de
1655 40, «de Ourém, filha legítima de Vasco da Fonseca Bravo, Fidalgo da Casa de
Sua Majestade, e das principais pessoas do Minho» 41, o que será exagerado, pois na
habilitação de seu irmão para FSO se lê que o Pai era natural de Viana do Castelo
(Viana da Foz do Lima), de onde veio para escudeiro, na juventude, do Prior da
Augusto de Castilho, Cavaleiro professo na Ordem de Cristo, criado e Fidalgo da Casa de Sua
Majestade.
No Convento de Santa Maria de Pombeiro foram ouvidos, a propósito dos avós maternos
de Inácio Coutinho de Carvalho, o Pd. Paulo de Azevedo, clérigo de missa; o Pd. António de
Faria, clérigo de missa, Luís Leitão Ferreira, Filipe de Melo Pereira, homem nobre, João Teixeira
Monteiro; João Alves, lavrador; Pedro Martins, lavrador; André de Freitas, lavrador; e Agostinho
Leite, também lavrador (“labrador”, aí se escrevia).
38
ANTT, Leitura de Bacharéis, Habilitações, 1702, Maço 9, n.º 74, “Inácio”.
39
ADL, RPLx, São Cristóvão e São Lourenço, Liv. C-1, fls. 91v.-92. Aí sem “Dona”, com que depois
aparece em diversa documentação, mormente nas habilitações do Santo Ofício.
40
Fls. 98, na Colegiada, afilhada de Manuel Henriques da Charneca. Ela e a Mãe sem “Dona” no
assento de casamento, que depois passam a ter em documentação posterior.
41
Série Genealógica da Família dos Srs. Gorjões, 1846.
456
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Colegiada de Ourém, e que aí casou com 42 Maria de Lima da Costa 43, natural de
Ourém 44. O processo do irmão de Maria Jácome da Fonseca, Vidal da Fonseca
Bravo 45 – natural de Ourém e Corretor-Mor de Goa (Alvará de 31 de Março de
42
No processo de habilitação de Vidal da Fonseca Bravo consta certidão do livro de casamentos da
Colegiada de Ourém, onde se lê a fls. 149 do livro iniciado em 1618, o assento do casamento,
celebrado pelo Pd. Manuel Ribeiro, de Vasco da Fonseca Bravo com Maria de Lima da Costa, a
28 de Setembro de 1649.
43
Referida em diversa documentação primária como Maria de Lima ou Maria de Lima da Costa.
O mesmo sucede na habilitação de Vidal Bravo da Fonseca.
44
Assis, António de/Rocha, Graça de Araújo da/Varella, Luís Soveral, Habilitações para o Santo
Ofício Volume XXV S-Z, Lisboa, 2003, pág. 274.
45
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Vidal, Maço 1, doc. 1. Vidal
Bravo da Fonseca, também apresentado como «homem de negócio», teve carta de FSO (6 de
Março de 1688), «assistente que era na cidade de Goa, Estado da Índia, que foi Familiar do Santo
Ofício e no dito Estado da Índia tomou o juramento aos 24 de Setembro de 1688 (…). E também
foi Fidalgo da Casa de S. Majestade e Cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Declara ainda mais o
suplicante que seu Tio o padre Tomás Coutinho, irmão inteiro e legítimo de seu Pai Diogo Coutinho
da Fonseca, faleceu na vila da Horta, da ilha do Faial, em o ano de 1738, sendo Reitor do Colégio
da Companhia de Jesus na dita Ilha».
Foram testemunhas no processo Frei Augustinho de Jesus, religioso de S. Francisco, Diogo
da Madre de Deus, da mesma Ordem, Frei António de Belém, idem, Duarte Henriques, Almo-
xarife dos Armazéns, Domingos Roiz, natural de Évora e de 70 anos, pouco mais ou menos,
entre outros.
As provanças tiveram lugar em Viana da Foz do Lima, por ser indicada como terra de seu
Pai e avós paternos, mas sem grande sucesso (como adiante se justifica), sendo interrogadas três
testemunhas mas só sendo referido o nome de Gonçalo da Rocha Barreto, de 65 anos (que não
conhecia os avós – o interrogatório foi em 1687).
Em Ourém foram interrogados Mateus Lopes Henriques, homem nobre de 82 anos
(conhecia os Pais, Vasco da Fonseca Bravo há mais de 40 anos, e Maria de Lima da Costa, há
mais de 50 anos; que Vasco da Afonseca Bravo tinha vindo para Ourém para casa do Vasco da
Silveira de Menezes, a servir como seu escudeiro; que os avós maternos eram Belchior de Lima,
contador e distribuidor em Ourém, e Leonarda da Costa, que conhecia há mais de 60 anos, ele
«vindo de Vila Viçosa provido com os ditos ofícios pelo Duque de Bragança os quais serviu enquanto
viveu» – note-se que este era pai do Pd. João Carvalho Henriques), o Reverendo Pd. Manuel
Soares de Abreu, de 55 anos «pouco mais ou menos» como quase todos (disse o mesmo, acres-
centando apenas que Vasco Silveira de Menezes era prior da Colegiada de Ourém), o licenciado
Luís Teixeira de Carvalho, Tesoureiro-Mor da Colegiada de Ourém, de 66 anos, o licenciado
António Vieira, pessoa nobre com 53 anos, Manuel Leitão Salgado, homem que vive de sua
fazenda e com 67 anos, Estêvão Soares, homem que também vive de suas fazendas e com 80
anos, o Reverendo Pd. João Carvalho Henriques, de 46 anos, José Teixeira, que também vivia
de suas fazendas e teria 58 anos, António Gonçalves, de 53 anos, António Dias, lavrador de
60 anos. Beatriz da Silveira, viúva de António Gonçalves e moradora na Quinta da Beltroa, e
Catarina de Seixas Pereira, viúva de João Pereira de Faria, Capitão-Mor de Ourem. Na sequência
das inquirições anteriores, uma nova comissão inquiriu novas testemunhas, apesar de todos os
testemunhos anteriores serem concordantes. Foi então inquirido Filipe Botelho Soares, «orga-
457
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
nista nesta Colegiada e morador na sua Quinta da Beltroa», de 78 anos, que disse conhecera o Pais
de Vasco da Fonseca Bravo, que era Pedro da Fonseca, que morava em perto de Viana do Minho
e a quem conhecera em Mujães «circunvizinho do lugar de Subportela» (termo de Barcelos) e ser
hóspede do dito «Pedro da Afonsequa algumas vezes estava ainda o dito Vasco da Afonsequa Bravo
em casa do dito seu pai e antes que viesse para esta vila de Ourém».
Inconformado ainda, o Santo Ofício ordenou outro inquérito, agora em Mujães, a que
responderam o Pd. Baltasar de Siqueira Camilo (?), Pascoal Ribeiro, lavrador, José Gonçalves,
lavrador, Francisco Gonçalves, também lavrador, Bartolomeu Rodrigues, sapateiro, Domingos
Rodrigues, lavrador, Isabel Gonçalves, viúva, António Rodeiro, «homem que foi do mar» (dizia
que os avós paternos eram «gente muito honrada principal que viviam de suas fazendas à lei da
nobreza»).
E foram ainda fazer interrogatórios a Vila Viçosa, para indagar da “qualidade do sangue”
de Belchior de Lima. Aqui responderam Manuel de Matos, de 80 anos (que ouvira dizer, há
cerca de 70 anos, que «era de boa gente e de limpo sangue e geração»). João Gonçalves Cabeça,
trabalhador, Gaspar Ribeiro, Requerente da Santa Misericórdia, Manuel Gomes, boticário,
António de Andrada de Arruda, Cavaleiro do Hábito de Cristo, Manuel de Abreu, escudeiro
de Ambrósio Pereira de Berredo; João Casado da Fonseca, almoxarife do Castelo, Domingos
Rodrigues, que foi alfaiate, Manuel Lopes Colmieiro e sua mulher Maria Gonçalves, parteira,
o Pd. João da Cruz Vieira, e Antónia Gonçalves, a cambaia, «mulher do Papudo Cardador»;
António Pires, que foi sangrador, João Marinho, que vive de suas fazendas, Domingos Coelho,
assentista, Francisco Pires, que foi sapateiro, Manuel Fernandes, sangrador, Francisco Lopes, que
foi correeiro, Manuel Lopes Cavaleiro do Hábito de Cristo e FSO, João Gomes, sacristão que foi
das religiosas de Santa Cruz, Joana Mendes, viúva de Miguel Pereira, escrivão que foi das Armas,
tudo testemunhas que nada disseram de proveito.
Vidal Bravo da Fonseca
teve pelo menos um filho, de
seu nome Bento Jácome da
Fonseca Bravo, que teve o foro
de Fidalgo Cavaleiro da Casa
Real, por sucessão de seu Pai
(Alvará de 17 de Fevereiro de
1717 – ANTT, RGM, D. João
V, Liv. 8, fl. 481v.; Diccionario
aristocrático contendo os alvarás
dos foros de fidalgos da casa real
que se achão registados nos livros
Liv. Matrículas: averbamento não publicado em 1917
das mercês ojje pertencentes ao
archivo da torre do tombo desde os mais antigos que nelles há até aos actuaes, Tomo I, A-E,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1840, p. 314) e a mercê das Capitanias dos Reis Magos, Terras de
Bardez e Paço de São Lourenço e de Damão, por três anos (Cartas de 22 de Março de 1720 –
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 8, fl. 481v. e 482v.), além de se ter habilitado para FSO (ANTT,
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Bento, Maço 17, doc. 252). Deste foi
filho um António Jácome da Fonseca Bravo, filhado com o mesmo foro de Fidalgo Cavaleiro
por sucessão de seu Pai (Alvará de 25 de Fevereiro de 1744 – ANTT, RGM, D. João V, Liv.
458
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
34, fl. 430v.) e algumas das capitanias que também tinha seu Pai (Cartas de 26 de Março de
1746 – ANTT, RGM, D. João V, Liv. 36, fl. 295). Deste há descendência até à actualidade.
46
Por três anos – ANTT, RGM, D. João V, Liv. 1, fl. 146.
47
ANTT, Matrículas dos Moradores da Casa Real, fl. 375v.
48
ANTT, Registo geral de mercês de D. João V, Liv. 1, fl. 146, com a descrição dos serviços militares
e como Almotacé ou Deputado da Junta Geral do Comércio da Índia.
49
Na declaração do próprio Vidal, que se reproduz, diz que o bisavô, pelo avô paterno, era Gonçalo
da Fonseca, que era o Gonçalo da Fonseca, «natural da Portela, termo de Barcelos» casado com
Isabel da Rocha, que são avôs paternos do habilitando para comissário do Santo Ofício Cónego
Gonçalo da Rocha Bravo, Tesoureiro-Mor na Colegiada de Viana, filho de Baptista da Rocha
Jácome e de sua mulher Maria Gandavo Maciel, moradores na Quinta de Perre, termo de Viana
(os pais desta última, Manuel Gandavo e Isabel Casada, filha de António Parente e de sua mulher
Maria Casada, casaram em Perre, a 29 de Outubro de 1623 – ADVCT, Registos paroquiais de
Viana do Castelo, São Miguel de Perre, Liv. C-1, fls. 66v.-67.).
Em São Miguel de Perre encontrei os registos de baptismos de diversos filhos de Gonçalo
da Fonseca e Isabel da Rocha e, igualmente, a referência ao filho mais velho P.º da Fonseca,
mormente logo na segunda página do livro paroquial onde se lê que, a 11 de Novembro de
1618, foi baptizada em São Miguel de Perre, pelo coadjutor Paulo Roiz Bravo, uma Maria, que é
filha de Gonçalo da Fonseca de sua mulher Isabel da Rocha, e da qual foi padrinho, justamente,
“P.º da Fonseca, seu irmão” [ADVCT, Registos paroquiais de Viana do Castelo, São Miguel de Perre,
Liv. B-1, fl. (1v., na prática)]. Outros filhos que encontrei aí baptizados foram Patrício (a 22 de
Março de 1623 – Liv. B-1, fl. 42?, sendo padrinho Francisco Casado, de Viana), Maria (a 19 de
Julho de 1624 – Liv. B-1, fl. 44v., afilhada de Simão Maciel, de Viana), João e Baptista, gémeos
459
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
(a 11 de Maio de 1627, estes últimos ditos «filhos de Gonçalo da Fonseca e sua mulher Isabel da
Rocha, foram Padrinhos João Miguel da Rocha da Fonseca e Isabel de Barros, mulher de António
Casado, e de Bautista, o mesmo António Casado» – Liv. B-1, fl. 98v.).
50
ADVCT, Registos paroquiais de Viana do Castelo, São Miguel de Perre, Liv. C-1, fls. 54v.-55.
51
E dirá José de Azevedo Vieira, Provedor da Comarca de Barcelos, que «Vasco da Fonseca Bravo [era]
limpo de toda a infecta nação, legítimo cristão velho, sem fama (…) em tempo algum, sem mecânica
alguma, antes ser filho de Pedro da Affonseca pessoa de conhecida nobreza a qual conservarão sempre seus
descendentes os quais se acham aparentados com as melhores desta província».
52
Não existem assentos paroquiais de baptismo em Santa Justa, para o período de 1683 a 1724, mas
o assento está transcrito, por certidão, na habilitação de seu filho para FSO, felizmente. Eram
460
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
os Pais moradores na rua de S. Pedro Mártir e foi padrinho Simião de Amaral de Vasconcelos,
assinando o assento o cura Luís Dias (o assento estava a fls. 134).
53
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 32, fl. 89v. (em sucessão a seu pai e avô).
54
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 35, fl. 477.
55
ADL, RPLx, Santa Maria Maior (Sé), Liv. C-10, fl. 13v. Foram testemunhas o Dr. Francisco Luís
Coutinho de Foyos, juiz do Crime do Bairro da Sé, e D. José Manuel da Câmara.
56
Cujo nome encontrei grafado, quanto ao apelido Gorjão, das mais variadas formas. Entre as
versões menos correctas contam-se as seguintes: “Mariana Josefa de Sá Gorgoa”, no baptismo
do filho “Mariana Josefa da Silva Gorgão” e, no casamento do filho, “D. Mariana Josefa da Silva
Grojoa”. Tem “D.” nos processos do Santo Ofício. Note-se que a utilização do apelido “Silva
Gorjão”, considerando a sua ascendência documentada em fontes primárias, parece supor que
descenda de Luís Afonso da Silva e Sousa. Note-se que encontrei dois irmãos “Silva e Sousa
Gorjão” a serem nomeados Cavaleiros supranumerários, para entrarem como efectivos quando
houvesse vaga, da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa”, por cartas de
7 de Setembro de 1825: Cónego João Berardo da Silva e Sousa (Gorjão) e José António Berardo
da Silva Sousa Gorjão (ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 20, fls. 246 e 244v.; quanto ao primeiro,
sendo Cónego da «Santa Igreja Primacial», teve mercê do tratamento de Senhoria, Alvará de 20
de Maio de 1826 – ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 21, fl. 289v.).
57
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. C-2, fl. 336v.
58
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-3, fl. 25v. Foi seu padrinho António de Saldanha.
461
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
462
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
ser entendida à igreja de São Pedro e não à freguesia, pois a igreja de São Pedro situa-se na
freguesia de São Miguel de Alfama, em Lisboa, onde, de facto, foi baptizado a 7 de Janeiro de
1685. Ocupava-se profissionalmente a “fazer cartas de marear” e “outros instrumentos náuticos”,
passando mesmo a ser o único em Lisboa com capacidade para o fazer após a morte de João
da Costa de Miranda (e por isso teve tença régia de 20$000 rs e 3 moios de trigo de ordenado
cada ano (Alvará de 5 de Dezembro de 1714 - ANTT, RGM, D. João V, liv. 6, fl. 251). Foi
aposentado após 40 anos e 5 meses de serviço, como “Geográfo dos instrumentos náuticos” (Alvará
de 25 de Setembro de 1755 – ANTT, RGM D. José I, Liv. 10, fl. 111). Casou na freguesia
de São Nicolau, em Lisboa, a 10 de Setembro de 1712, com D. Antónia Maria Rosa (uma
testemunha na habilitação de genere de António Gorjão de Abreu dizia que conhecia a irmã do
Pai do habilitando, que era «irmão da mulher de Diogo Coutinho, Escrivão do Crime da Ribeira»),
nascida e baptizada em São Nicolau, a 19 de Novembro de 1693 (os assentos estão transcritos
na habilitação de genere do filho António, fls. 33-33v.) e irmã do Pd. Valentim da Silva e Abreu,
ambos filhos de Francisco da Silva e Abreu, baptizado em Abitureiras (filho de Francisco Lopes
e de Catarina Rodrigues), e de Maria da Conceição Tavares, baptizada em São Nicolau, onde
também casaram. Foram pais dos seguintes filhos baptizados em São Pedro de Alcântara:
463
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
escreve, seguindo a declaração que já antes João de Abreu Gorjão havia feito (em
1750), «que veio de pouca idade para casa de seu Tio Fernão Cabral, Arcediago da Sé de
Lisboa», onde vivia «na Corte ao Beco dos Cegos, e foi este que fundou o convento das
Brígidas de Marvila». A referência a estes consta das Notas do Tabelião António Bravo
(1639), que servia António Roiz Marques em 1745 66. E os relatos são confirmados
pelo neto na habilitação de genere de um filho, e nos paroquiais, que confirmam que
casou a 29 de Dezembro de 1652, «em casa do Arcediago Fernão Cabral», com Maria
de Abreu, «por estar [ele] em perigo de vida» 67, ela natural de Santa Marinha 68. Deve
dizer-se que a Série Genealógica indica, singelamente, a descendência do casamento,
mas o tardio assento de casamento parece mostrar que os filhos foram apenas legiti-
mados per subsequens matrimonium dos pais, o que justifica em parte a dificuldade que
tive em encontrar os assentos de baptismo dos filhos, que foram «Manuel Gorjão de
464
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Abreu. Foi baptizado em Lisboa (St.ª Marinha), em 1638» e que terá casado «com D.
Joana da Gama Lobo, filha bastarda do Conde de Vimieiro, que era parenta de Sebastião
da Gama Lobo, Escrivão da Fazenda. S.g.»; e, claro, o António Gorjão de Abreu, que
o manuscrito já dizia que era «natural de Lisboa [S. João da Praça 69]. Viveu em Lisboa,
onde foi casado [em S. Pedro de Alcântara] com D. 70 Antónia Rodrigues, baptizada
em Lisboa (S. José), a 1655», e os assentos paroquiais comprovam. Qual será a ascen-
dência destes Gorjões? O Pd. Rodrigues de Faria põe diversas hipóteses, uma das quais
se expõe em anexo a este trabalho, ainda que deva ser lida como mera proposta por ter
algumas fragilidades próprias.
Diogo Coutinho da Fonseca de D. Mariana Josefa foram pais, entre
outros, de 71:
465
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
76
Num assento lia-se que eram ambos de Porto de Mós, noutro que era de Tentúgal e num terceiro que
era natural de Maiorca (perto da Figueira da Foz). Foi madrinha a «Ex.ma Duquesa do Cadaval, pela
qual tocou com procuração em sua vez o Dr. Manuel António dos Santos» (se li bem).
77
Cruzando-se a Série Genealógica com os paroquiais. Mantenho ou dou (ou não) o “Dona” às
senhoras conforme esteja ou não na Série Genealógica ou nos paroquiais. Nestes, julgo que em
todos, a Mãe não é identificada com o “Dona”.
78
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. O-1, fl. 39v. A Mãe é
chamada “D. Bernarda Quitéria Coutinho” e são ditos moradores na vila do Cadaval.
466
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
79
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 270v. Foi padrinho o Desembargador Francisco
de Campos.
80
Casas sitas na travessa da Piedade, onde morava quer a noiva quer Diogo Coutinho da Fonseca
Bravo Gorjão, que testemunhou o matrimónio.
81
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. C-8, fls. 174v.-175.
82
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. M-1, fl. 28.
83
ADL, RPLx, São Julião, Liv. C-3, fl. 55. Foram testemunhas Diogo Coutinho da Fonseca Bravo
Gorjão e Manuel José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
84
ANTT, Feitos Findos, Justificações de Nobreza, maço 29, n.° 12. Uma das testemunhas foi o seu
primo Diogo Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
85
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 292.
86
ADL, RPLx, São Julião, Liv. C-3, fls. 64-64v. Foi procurador da noiva o seu cunhado Diogo
Rodrigues dos Santos e Silva e testemunhas o primo da noiva Joaquim Inácio Coutinho Bravo
da Fonseca Gorjão e José António da Mata (que assinam o assento, assim como o procurador).
467
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
87
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-11, fl. 198v.
88
ADL, RPLx, Anjos, Liv. C-11, fl. 42.
89
ADL, Registos paroquiais do Cadaval, Nossa Senhora da Conceição, Liv. B-1, fl. 1 (primeiro
assento!). A Mãe e avós todas com “Dona”.
90
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 62. Foi padrinho António de Saldanha de Castro.
91
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 90. Foi padrinho o Desembargador Luís Quifel.
92
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 115. Foi padrinho D. Henrique de Noronha.
93
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 139. Foi padrinho António de Oliveira de Carvalho.
94
ADL, RPLx, São Miguel de Alfama, Liv. B-4, fl. 162v. Foi padrinho Tomás Correa Monção.
468
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
5.7. José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão. Foi a sua a primeira geração que,
nesta linhagem, usou em conjunto os apelidos Coutinho e Gorjão, que perduram
ininterruptamente há quase 300 anos na linha que derivou para a Madeira.
Foi baptizado a 5 de Setembro de 1725 em S. Pedro de Alcântara 97, sendo
padrinho Fernando Telles da Silva, no exacto ano e freguesia indicados pela Série
Genealógica. Habilitou-se para os lugares de letras e foram-lhe feitas provanças
para Escrivão da Correição do Crime do Bairro da Ribeira 98, ofício que pediu
95
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 141.
96
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 159.
97
ADL, RPLx, São Pedro de Alcântara, Liv. B-3, fl. 121.
98
ANTT, Leitura de Bacharéis, Habilitações, 1758, Maço 31, n.º 2, “José”. As provanças em Lisboa
tiveram lugar em 1757. Foram ouvidos Diogo Martins Lima, Escrivão proprietário da Companhia
do Grão Pará e Maranhão e praticante e do número da Contadoria da MCO (se bem li), Joaquim
Carneiro de Alcáçova e Sousa, FCR, Félix de Almeida Pinto Pereira Forjaz, José Leandro Leitão da
Rocha, António Caetano de Abreu Ravasco Tavares, José Ezequiel da Costa, Bernardo da Costa
Calheiros e Francisco Xavier Soares. Em Barcelos, na freguesia de Santa Maria (Marta) de Mujães
também se realizaram provanças em 1724, que estão no mesmo processo. Nela foram ouvidos
Inês Alves, que ainda conheceu Vasco da Fonseca Bravo e testemunhou a nobreza da família nos
termos canónicos da época, António Gonçalves (que recordou que não conheceu bem Vasco da
Fonseca, porque se ausentou para casar em Ourém, mas que conheceu seu irmão Baltasar da Rocha
e suas irmãs), Semião Gonçalves e o Pd. José de Goes. Em Santa Maria de Mujães foram ouvidos
Constantino de Sousa e Silva, COX, o Pd. João da Costa e o Pd. Miguel da Costa Ribeiro. As
provanças em Ourém tiveram lugar em 1761. Foram ouvidos como testemunhas Diogo Correia
de Abreu, António das Neves, morador na sua Quinta da Cruz, António Nunes Noronha (que
não conheceu Maria Jácome da Fonseca mas «conheceu umas mulheres desta geração dos Limas e uma
delas casada com Vasco da Affonseca que era da obrigação do Reverendo Prior desta insigne Colegiada
Vasco da Silveira de Menezes que era tio do Excelentíssimo Conde de Unhão e daqui se mudaram há
muitos anos para a vila de Setúbal»), o Capitão António Carneiro de Faria, morador na sua Quinta
da Parreira, Francisco Vieira da Cruz, tabelião das Notas da vila de Ourém (diz que achava que
o pai de Maria de Lima era Belchior de Lima e que aquela era natural de Ourém), o Rev.do Pd.
Manuel Luís Fragoso e o Rev.do Pd. António de Abreu, mestre de gramática. Finalmente, em
Lisboa foram ouvidas Catarina João, viúva de Gaspar Gomes, Mariana Gomes, viúva de Manuel
Machado, o Pd. Sebastião Quinta, tesoureiro (…), António Machado, António Cardoso de Brito,
Roque da Costa e Francisco da Costa de Carvalho.
469
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
por ser «filho legítimo e único do dito proprietário» seu Pai (Provisão de 2 de Maio
de 1750 99). No processo lê-se que em 1764, com trinta e nove anos, morava na
Rua de São Vicente de Fora. Correspondeu-se com o autor da memória que o Pd.
Rodrigues de Faria copiou, que indagava sobre a sua ascendência Gorjão, e disso
deu a seguinte nota: «Diz em 1765 José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão» 100 que
«os dois irmãos Manuel e António [Gorjão de Abreu] eram tios de Francisco Barreto
da Silva, por serem primos de seu Pai Mateus Barreto da Silva 101 Gorjão, naturais do
99
Refere que a “Carta do Pai está registada no Liv. 10 de S. Mg.de, a fl. 469”. Tem carta no liv. 25
do mesmo Rei D. José, fl. 20. Segundo mercê ao filho, serviu efectivamente entre 1746 e 1761,
tendo sido praticante e oficial “do Reg.° da Mesa grande dos Contos do Reino”, cargo que terá sido
abolido, sendo então nomeado para “Escrivão da Superintendência da Décima da freguesia de
Odivelas, e suas anexas, de cujo exercício fora tirado para contador das contas pretéritas do Erário,
que exercitara até o tempo do seu falecimento, e portando-se em todos os empregos com aptidão, honra
e verdade e desinteresse” (ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v.).
100
Julgo que em verdade terá sido em 1764, pois são identificados aí só os três primeiros filhos e,
como se vê adiante, em Outubro de 1764 já teria nascido o quarto filho deste, aliás uma filha.
Poderá no entanto não ter sido considerada, por ser ainda muito bébé ou por ter, entretanto,
morrido, naqueles tempos de elevadíssima mortalidade infantil.
101
Mateus Barreto da Silva (Gorjão) foi Moço da Câmara, Pai de Francisco Barreto da Silva Gorjão
e avô de António Caldeira de Araújo (e Mouzinho) Gorjão de Freitas. Documentei os seguintes
filhos do Capitão Francisco Barreto com D. Mariana, cujos nomes vou grafar conforme se
encontram na Série Genealógica ou em documentação pública:
470
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Liv. B-3, fl. 50); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (supra); este Luís será o que foi dotado por
sua avó paterna «para efeito de ser sacerdote», por escritura de 11 de Janeiro de 1726, passada
pelo Tabelião António da Costa Teixeira (Torres Vedras, Liv. 28.9.1725 a 14.5.1726, fls. 66,
apud Figueiroa-Rego, Rogério de, Alguns Sumários das Notas de Vários Tabeliães da Vila de
Torres Vedras nos Séculos XVI a XVIII, Vol. I, Lisboa, 1973, pág. 35); lê-se também que foi
padre e «Capelão da Ermida de Santa Isabel»;
3) José Fogaça do Carvalhal Barreto Gorjão (ou José Fogaça Barreto ou José Fogaça de Lami
Barreto), baptizado no Turcifal a 3 de Junho de 1702, sendo padrinhos António José e D.
Joana Margarida de Menezes, filhos do Conde da Ponte (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-3,
fl. 62v.); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (supra); Obteve em 6.11.1729 alvará para admi-
nistração da Capela instituída pelo Dr. António de Matos Bernardes, que estava vaga para a
Coroa (ANTT, RGM, D. João V, Liv. 21, fl. 44); foi Capitão de Ordenanças da Lobagueira.
Morreu antes de 26 de Junho de 1766 (como se confirma em Borrego, Nuno, As ordenanças
e milícias em Portugal – subsídios para o seu estudo, Vol. I, Guarda-Mor, Lisboa, 2006, p. 357);
referido como Capitão, casou em Lisboa, em Santa Marinha, a 14 de Junho de 1753, com D.
Francisca Rita Xavier de Aguiar e Gouveia, filha legítima de Evaristo Lourenço de Gouveia,
que era Escrivão do Eclesiástico, e de D. Bernardina Miranda de Aguiar e Gouveia (ADL,
RPLx, Santa Marinha, Liv. C-3, fls. 2v.-3)];
4) João Baptista Pereira, baptizado no Turcifal, a 5 de Setembro de 1705, a Mãe chamada «D.
Maria ana Fogaça», e sendo padrinho o Conde da Ponte (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-3,
fl. 82); Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, como seus irmãos (supra). Teve descendência natural,
que rapidamente perdeu o estatuto social. Assim, apresentou-se como João Barreto Pereira
quando teve, com Maria dos Santos (solteira e filha de Domingos Alves e sua mulher Maria
Vieira), a Manuel Joaquim, que foi baptizado por necessidade em casa e recebeu os Santos
Óleos a 5 de Agosto de 1743, sendo pároco Bernardo da Franca Horta (ADL, RPTVD,
Turcifal, Liv. B-4, fl. 182v.) (informação que agradeço ao Dr. Guilherme Maia de Loureiro).
É este o Manuel Joaquim Barreto Caldeira Gorjão de Freitas que seria chamado às respon-
sabilidades das capelas de seu Tio António, em 1773, e que havia casado no Turcifal a 3 de
Julho de 1771, na Ermida de Nossa Senhora das Angústias da Quinta de Feo, com Maria da
Purificação (nascida no Turcifal e filha de Domingos Gomes, natural da Corujeira, freguesia
de S. Domingos de Carmões, e de sua mulher Ana da Conceição, do Turcifal; ele dito filho de
João Baptista Pereira e de Maria dos Santos, “mulher solteira” – ADL, RPTVD, Liv. C-4, fls.
71-71v.). E foram Pais da Maria Joaquina Gorjoa, nascida a 18 e baptizada no Turcifal a 29
do mesmo mês de Agosto de 1772 (o Pai dito filho de “João Baptista moço solteiro e de Maria
dos Santos, mulher que nunca casou” – ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. B-7, fl. 50v.; e no assento
de casamento da filha, a 9 de Agosto de 1816, a Mãe é chamada Maria Joaquina Caldeira)
que casou com José da Cruz a 15 de Junho de 1796 (ele da Melroeira – ADL, RPTVD,
Turcifal, Liv. C-5, fl. 129). C.g. até à actualidade.
E não constando do RGM mas apenas da Série Genealógica e nos registos paroquiais:
5) Mateus Barreto da Silva Gorjão, que terá morrido antes de 1722, mas foi baptizado no
Turcifal, a 9 de Janeiro de 1694, a mãe dita «Dona Mariana de Lamim» e sendo padrinhos o
«Conde de Coculim e Dona Mariana Coutinha, ambos de Lisboa» (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv.
B-3, fl. 17v.);
6) D. Catarina Margarida Gorjoa de Eça, que, sendo mulher, não tinha foro, mas foi baptizada a
10 de Dezembro de 1707, no Turcifal, «filha do Capitão Francisco Barreto da Silva Gorjão e de
471
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
sua mulher Dona Mariana da Fonseca Fogaça», sendo «padrinhos D. Carlos de Noronha, Conde
de Valadares, e D. Mónica Francisca dos Reis, deste lugar» (a avó) (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv.
B-3, fl. 97).
a) Filho de Francisco Barreto da Silva Gorjão, «que viveu no lugar do Turcifal, (…) onde foi
Capitão de Ordenanças, e casou [antes de 1694 e julgo que em 1693] com D. Mariana da
Fonseca Fogaça de Lami [como D. Mariana da Fonseca Fogaça morreu no Turcifal, a 27 de
Abril de 1726 – ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. O-2, fl. 107v.] filha de António da Fonseca Fogaça
de Lami Pereira (…) que era das pessoas principais de Aldeia Galega da Merceana, e de sua
mulher D. Brites Caldeira de Araújo, de Porto de Mós» (nos séculos XVII e XVIII, nos trabalhos
de Manuel Arnao Metello, identificam-se alguns Lamim, Fogaças e Pereiras na Merceana,
mormente Botelhos Fogaça, e no século XVIII, um António Botelho Fogaça, que morreu a
17 de Outubro de 1713, «jaz em sepultura própria», tinha sido casado desde pelo menos 1673
com D. Cecília do Avelar, f. 1698, e depois com Maria de Perada, que morreu em 1708), por
exemplo Metello, «Assentos paroquiais dispersos (Aldeia Galega da Merceana)», Raízes &
Memórias, n.º 7, pp. 204, 209, 215 ou 224; vg. ADL, RPLx, Santa Isabel, Liv. C-3, fl. 38v. –
casamento a 21.7.1760 de uma filha de Gaspar Botelho Fogaça de Lamim). Habilitou-se para
FSO mas a habilitação ficou incompleta (1692-1693, doc. 1628), pelas dúvidas quanto à sua
ascendência materna, o que não impediu que o seu filho obtivesse o foro do avô paterno, 30
anos mais tarde; foi também administrador da Capela de Vasco Varela da Fonseca, instituída
na Igreja de São Miguel de Alfama (v., igualmente, ANTT, Colegiada de São Miguel de Alfama
de Lisboa) e morreu no Turcifal, a 6 de Janeiro de 1732, já viúvo, sendo sepultado dentro da
igreja no hábito de S. Francisco (ADL, RPTVD, Turcifal, Liv. O-2, fl. 135v.);
b) Neto paterno de Mateus Barreto da Silva Gorjão, que foi baptizado em Lisboa (São Miguel
de Alfama), a 27 de Setembro de 1627, «filho de António Pinheiro Estrada e de sua mulher C.ª
Barreta da Silva, padrinho Vasco Fernandes César, madrinha Dona C.ª dalm.da» (ADL, RPLx,
S. Miguel, Liv. B-1, fl. 48v.), e morreu no Turcifal a 18 de Novembro de 1690 (morreu com
todos os sacramentos, fez testamento e «está enterrado na sepultura de seu sogro Tomé da Maia
[f. Turcifal, 2.1.1673], no Hábito de São Francisco» - Liv. O-1, fl. 118). Moço da câmara,
pelos serviços feitos na Armada (30.3.1660 – Liv. 4, fl. 680v., in ANTT, Inventário dos livros
de matrícula dos moradores da Casa Real, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1917, p. 231).
Dele se lê na Série Genealógica que foi «Moço da Camara [assim era identificado em escritura
de 3.11.1673] de D. Afonso VI e Fidalgo de Cota de Armas» para «Gorjões, Silvas, Sousas,
Varelas, Mousinhos e Barretos», e seu filho diz que vivia na Charneca «em uma sua quinta
chamada a quinta nova» (assinaturas suas podem ver-se em casamentos no Turcifal, a 29 de
Outubro de 1668 ou a 13 de Maio de 1669 – Liv. C-1, fls. 20 e 22). Diz a Série Genealógica
e também o filho e outros descendentes que tinha havido os seus filhos, sem casar, em D.
Isabel Correia de Vasconcelos «que era moradora em uma sua quinta chamada a quinta da
granja limite ambas do mesmo lugar e Freguesia onde ele suplicante foi nascido», que é a que
morreu em Lisboa, em São Bartolomeu da Charneca, a 5 de Abril de 1692, filha de João
(na Série Genealógica, “Damião”) Mendes (de Vasconcelos), Meirinho da Inquisição, e de
472
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Maria Correia de Lacerda (ou de Vasconcelos, no óbito); aqui, contudo e por ora, limito-me
a constatar os seguintes factos: (i) o Pároco da Charneca atesta que não encontrou o assento
mas que «é notório, entre muitas pessoas deste lugar, em como o sobredito era filho de D. Isabel de
Vasconcelos, em que nesta terra nascera e se criara, e a mim me consta pelo o ouvir dizer muitas
vezes, Charneca, 4 de Dezembro de 1692 O Pároco António Machado», isto na paróquia da
própria Mãe; (ii) No mesmo processo de habilitação para FSO do filho, António Ferreira da
Cunha, comissário do Santo Ofício de Torres Vedras, diz que «ninguém sabe de certa ciência
quem fosse sua Mãe, por não ser legítimo, e seu Pai o trazer para sua casa de 4 ou 6 anos; e se dizer
geralmente em todo o lugar da freguesia do Turcifal, onde seu pai era morador, que tal rapaz era
filho de uma moça solteira, por nome Maria, filha de um António Roiz já defunto, e de Filipa das
Neves, moradores no mesmo lugar», isto na paróquia do Pai; (iii) Este último testemunho foi
confirmado pelo Deputado do Santo Ofício Fr. Jorge da Madalena, que aditou que a Mãe do
pretendente era mulata (28 de Maio de 1693); contudo ou adicionalmente, note-se que (iv)
a Série Genealógica e o próprio Francisco, filho (no requerimento para FSO), dizem que os
Pais não casaram; mas (v) Nas notas dos tabeliães de Torres Vedras consta uma procuração da
viúva de Mateus, em favor de seu neto, filho de seu filho. Mas é certo que Mateus Barreto da
Silva casou com D. Mónica Francisca do Reis (ou da Maia) (antes de 1673) que, morando
no Turcifal e depois de viúva, «faz dote de património para efeito de ser sacerdote (…) a seu
neto Luís Afonso da Silva e Sousa» (1726), e com ela, aliás, participa em actos autênticos, por
exemplo em relação com a Capela de Vasco Varela da Fonseca, de que foi administrador (sub-
-rogação de casas e pardieiros da Capela, junto à igreja de S. Miguel de Alfama, por vinha
no Barraqueiro, em Torres Vedras; ou sub-rogação a juiz e oficiais da Igreja de S. Miguel de
Alfama, em 1713); esta D. Mónica Francisca, dita «da Maya» no óbito, morre no Turcifal, a
22 de Outubro de 1737, estando sepultada no hábito de S. Francisco dentro da Igreja (ADL,
RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. O-2, fl. 161);
c) Bisneto, pelo avô paterno, de António Pinheiro da Estrada (e Mousinho) [António Pinheiro
Destrada, no casamento, ainda referido nas mercês dos foros dos bisnetos, f.d. 22.3.1655]
e de sua mulher D. Catarina Barreta da Silva Gorjão [Catarina Barreta da Silva, no casa-
mento], casados a 22 de Agosto de 1619 (ADL, RPLx, São Miguel, Liv. M-2, fl. 203), a qual
morreu viúva no Turcifal a 16.12.1669 (“Dona Catarina” - Liv. O-1, fl. 49), pais também
de António (baptizado a 28 de Junho de 1621, em S. Miguel de Alfama – Liv. M-2, fl. 130,
sendo padrinho António Teles de Menezes) e de Maria (baptizada a 9 de Maio de 1624 –
Liv. B-1, fl. 19); ele «Fidalgo de Cota d’Armas e Moço da Câmara de D. João IV e Capitão de
Infantaria do Presídio de Cascais, no tempo da Aclamação, filho de João de Estrada [e de Mónica
Pinheira] e neto de Cipriano Gonçalves Mousinho, que tirou Brasão de Armas»; sobre estes se
encontra a seguinte extractação, que confirma a Série Genealógica: «Doação que faz Mónica
Pinheiro viúva de João de Estrada, moradores na sua Quinta da Fonte Santa, termo da vila de
Almada, a favor de seu filho António Pinheiro de Estrada, casado com Catarina Barreto da Silva,
e lhe doa a dita quinta com suas pertenças e uma terra que partia com D. Marcos de Noronha
(…) e lhe fora dotada por seu Pai dela, Fernão Álvares, e metade da dita quinta era foreira em
vidas a D. Francisco de Faro, Conde do [Vimieiro],(…) em 14 de Março, fl. 106» – Biblioteca
Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e 1747, Lisboa,
1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo 3, p. 172; ela filha de
d) Maria Barreta Gorjoa, 1.a administradora da capela de Vasco Varela, e de seu marido Luís
Afonso da Silva e Sousa, que morreu em S. Miguel de Alfama, a 7 de Abril de 1625 (Liv. O-1,
473
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
fl. 7v.) [Luís Afonso da Silva, no casamento da filha], «Moço da Câmara del Rei D. Sebastião,
a quem acompanhou a África, e foi em Lisboa Provedor da Saúde, filho de Jerónimo Afonso da
Silva e de sua mulher Catarina de Sousa, filha de Afonso Fernandes de Tovar»; Luís Afonso e
Maria Barreta foram pais, entre outros, de Adriana Barreta, baptizada no Turcifal, em Maio
de 1600 (Liv. B-1, fl. 10v. in fine, afilhada do Pd. Francisco Gorjão e de sua irmã Madalena
– f. Turcifal, 18.4.1673, com testamento, Liv. O-1, fl. 58v.), e de outros baptizados em S.
Miguel de Alfama: Inês (b. 9 de Janeiro de 1603, pelo Pd. Baltasar Gorjão – Liv. M-1, fl.
82v., ele dito Luís Afonso da Silva e ela, só neste, “Luísa Barreta”), Francisco (b. 11.4.1605
– Liv. M-1, fl. 96v.) ou António (baptizado a 28 de Abril de 1609, sendo madrinha Catarina
de Sousa – Liv. M-2, fl. 18); por sua vez, esta Maria Barreta Gorjão era filha de:
e) António Varela Gorjão, que terá sido “Fidalgo da Casa Real”, e de sua mulher Guiomar
Barreta; e era António filho de:
f) João Varela da Fonseca, que o Pd. Rodrigues de Faria diz “Moço da Câmara d’El-Rei e Fidalgo
de geração”, e de sua mulher Branca Fernandes Gorjão; esta filha de
g) Bartolomeu Gorjão e de sua mulher Maria Fernandes Vieira; a sua ascendência é explanada
no Anexo; é ele filho de
h) Álvaro Gorjão, Cavaleiro da Casa de El-Rei D. Manuel e filho do primeiro casamento de
i) Álvaro Anes Gorjão, tendo recebido a sua legítima da sua madrasta, segunda mulher de seu
Pai, e como se lê no testamento desta, Maria Anes, já viúva de Álvaro Anes Gorjão, como
acima se reproduziu, na nota 11 – Souza, D. Flamínio de, Códices, Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra, rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386); vide Anexo.
Note-se que do Pd. Baltasar Gorjão diz o Pd. Rodrigues de Faria que «foi Capelão d’El-Rei
e Beneficiado em S. Miguel de Alfama [como se comprova em assentos nessa paróquia, com um
exemplo no Liv. M-1, fl. 115]. Instituiu Capela chamando primeiro para ela a seu sobrinho o Pe.
Francisco Gorjão e a sua irmã, e declara no seu testamento que só poderão suceder no Morgado os
que descenderem de seu Pai e que tenham o apelido de – Gorjão – e que por morte dos primeiros
chamados para o Morgado o nomearão em uma filha de sua sobrinha Maria Barreto». Ainda era
vivo a 21 de Maio de 1609, data em foi padrinho de alguns crismados, na paróquia. A irmã do
Pd. Baltasar foi Antónia Gorjoa (que se refere mais circunstanciadamente no Anexo). Este Pd.
Francisco Gorjão [de Freitas], «em que o seu Tio acima instituiu Capela e ele instituiu outra com
obrigação de se apelidar de Freitas e de ambas é possuidor António Caldeira de Araújo» (c. 1765),
foi Coadjutor no Turcifal, está muito documentado como celebrante e padrinho no Turcifal,
como se dá conta no Anexo. A sua irmã era Madalena de Freitas Gorjão (ou Gorjão de Freitas),
que também se refere no Anexo.
Finalmente, quanto aos Caldeiras de Araújo de Porto de Mós, família da avó materna de
Francisco Barreto da Silva Gorjão, dê-se também breve nota, por o seu filho se apresentar como
António Caldeira de Araújo Gorjão de Freitas. Estou convencido de que estes Araújos são meus
parentes por descenderem do mesmo tronco dos Araújos que vieram de Braga para a Estrema-
dura e compraram em 1533 a Quinta de Abrigada ao filho de Pedro Álvares Cabral, tendo-se
ligado aos Botados e depois à minha própria varonia (em 1723). A linha dos Araújos “de Porto
de Mós” pode encontrar-se em Felgueiras Gayo com a seguinte sequência:
1. Pedro Gonçalves de Araújo. Viveu na cidade de Braga e foi criado dos reis do seu tempo, aos
quais serviu com muito zelo em tudo o que lhe encarregavam. Casou. Foi pai de Gonçalo
474
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
475
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
Conselho Geral, Habilitações, António, maço 7, doc. 292) e filha de Luís de Araújo
(de Porto de Mós, foi FSO – Maço 1, doc. 30, Luís, lendo-se no processo que
era filho de Francisco Frz de Araújo e de Ana Bota, sua mulher, e neto paterno de
Álvaro Pires de Araújo e de sua mulher Isabel Roiz de Magalhães) e de Maria de
São Paio. Casou depois com a sua prima D. Isabel de Mancelos (infra).
7.1.3. D. Brites Caldeira de Araújo. Identifico-a, pela primeira vez, como madrinha
em Pombal a 17 de Dezembro de 1647, provavelmente ainda solteira. Julgo que
foi a que casou com António da Fonseca Fogaça de Lami Pereira e foram pais da
D. Mariana Fonseca Fogaça de Lamim (Fonseca Caldeira) casada com Francisco
Barreto da Silva Gorjão.
7.2. D. Maria Teixeira (“Dona”, depois de casada). Casou com Paulo de Mancelos, natural
de Coimbra (Santa Cruz), Moço-Fidalgo da Casa Real, e foram pais, pelo menos, de:
7.2.1. Paulo de Mancelos. Casou antes de 1628 com D. Cipriana de Carvalho (ainda
viva a 13 de Dezembro de 1644) e foram pais de:
7.2.1.1. Diogo. Baptizado em Pombal a 15 de Maio de 1628 (Liv. B-2, fl. 78v.);
7.2.1.2. Luís de Mancelos. Baptizado em Pombal a 4 de Dezembro de 1629
(Liv. B-2, fl. 91). Julgo que terá sido o que era padre em Pombal;
7.2.1.3. D. Isabel de Mancelos. Foi baptizada em Pombal a 18 de Setembro de
1631 (Liv. B-2, fl. 105). Habilitou-se no Santo Ofício em 1670 para
casar com seu primo António Caldeira de Araújo, FSO e Sargento-mor
de Porto de Mós, o que aconteceu de facto em Pombal, na igreja de
São Martinho, a 20 de Junho de 1671 (ADLRA, Registos paroquiais de
Pombal, Liv. C-1, fl. 172v.);
7.2.1.4. António da Fonseca de Mancelos. Baptizado em Pombal a 12 de Maio
de 1633 (Liv. B-2, fl. 115v.);
72.1.5. Sebastiana. Baptizada em Pombal a 24 de Janeiro de 1635 (Liv. B-2, fl.
125);
7.2.1.6. Maria, baptizada em Pombal a 28 de Abril de 1637 (Liv. B-2, fl. 138v.);
7.2.1.7. Ervilla (sic). Baptizada a 5 de Abril de 1639 (Liv. B-2, fl. 148v.);
7.2.1.8. P.º, baptizado a 8 de Junho de 1641 (Liv. B-2, fl. 162).
Mateus de Araújo Malho terá também casado com Ana Freire, pois em Pombal foram bapti-
zados os seguintes filhos:
7.4. Catarina. Baptizada em Pombal a 26 de Maio de 1639 (filha de Mateus de Araújo Malho
e de sua mulher Ana Freire, sendo padrinhos, além de outros, João da Fonseca Caldeira
(Liv. B-2, fl. 149; vg. fl. 391v.), que encontramos casado com Isabel Curada e a serem
pais de um António, baptizado em Pombal, a 23 de Maio de 1616, tendo por padrinhos
o Licenciado Diogo Rebelo e Marta Freire, mulher de Simão Pais (Liv. B-1, fl. 27);
7.5. Luís. Baptizado a 16 de Setembro de 1640 (Liv. B-2, fl. 158v.);
7.6. Catarina, homónima, baptizada a 21 de Março de 1642 (Liv. B-2, fl. 165v.);
7.7. António. Baptizado em Pombal a 7 de Maio de 1643 (Liv. B-2, fl. 171v.);
7.8. Mariana. Baptizada a 1 de Abril de 1645, sendo padrinhos João da Fonseca Caldeira
(talvez já casado antes de 1650 com Ana Cabral) e Perpétua Caldeira, mulher de Simão
Pais, o novo.
476
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Turcifal e também parentes de Luís Manuel Moniz [Pereira] 102 e de Duarte Gorjão
Henriques, do Bombarral 103». Já tinha morrido a 8 de Fevereiro de 1794.
Escudeiro Fidalgo da Casa Real, por Alvará de 28 de Maio de 1746 104, logo
acrescentado a Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, por sucessão de seu Pai. Habilitou-se
7.3. Filho do primeiro casamento foi ainda Francisco de Araújo Malho que, sendo natural de
Pombal, se habilitou para Cavaleiro de Cristo em 1664 – Borrego, Nuno, Habilitações
nas Ordens Militares, Tomo I, p. 511,consulta de 7.11.1664, maço 34, n.º 32), sendo
morador com sua mulher em Almendra. Casou com Maria Machada de Távora, natural
de Almendra. Foram pais de:
7.3.1. Luís Caldeira de Araújo, Sargento-mor de Porto de Mós. Nasceu em Almendra e
foi, ainda novo, viver para Porto de Mós para casa de seu tio António Caldeira de
Araújo. Foi procurador de Porto de Mós às Cortes de 1697/1698, tendo casado,
antes de 1673, com Mariana Pereira de Azevedo, filha de João Roiz Pereira e de
Leonor das Neves, naturais de Leiria e moradores em Porto de Mós, já mortos em
1698 (v.g. ANTT, RGM D. Pedro II, Liv. 8, f. 464). Foram pais, pelo menos, de:
7.3.1.1. Dionísio Caldeira de Araújo, natural e baptizado em Porto de Mós
pelo prior Simão Carrasco de Lamim. Morador em Porto de Mós, foi
FSO (carta em “Abril de 1699” – ANTT, Tribunal do Santo Ofício,
Habilitações, Dionísio, maço 1, doc. 11) e Cavaleiro professo na Ordem
de Cristo (Borrego, Nuno, Habilitações, cit., p. 362, consulta a
25.11.1694, Maço 12, n.º 109). Era parente do comissário Teodósio
Agorreta (que teve provisão de comissário a 11 de Agosto de 1677),
tesoureiro-mor da Sé de Leiria e natural de Alcobaça, irmão de João
Félix Agorreta. Casou e foi pai, entre outros, de Francisco Caldeira de
Araújo, que teve tença e hábito de Cristo em 1722 - ANTT, RGM, D.
João V, Liv. 13, fl. 366v.].
102
Nascido no Turcifal, foi Familiar do Santo Ofício (Carta de 12 de Outubro de 1707; ANTT,
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Luís, mç. 11, doc. 264) e Moço Fidalgo da
Casa Real por sucessão de seu Pai (Alvará de 2 de Novembro de 1702 – ANTT, RGM, D. Pedro
II, Liv. 15, fl. 116v.). Descendente dos Gorjões primitivos, era filho legítimo de Pedro Moniz
Pereira, natural do Turcifal (que aí morreu a 4 de Dezembro de 1700 – Liv. O-2, fl. 19v.), e de
sua mulher D. Luísa Jerónimo de Mello Noronha, natural de Setúbal (aos quais morre a filha D.
Maria no Turcifal, a 5 de Dezembro de 1699); neto paterno de Manuel Moniz Pereira, natural
de Lisboa (Anjos) e de sua mulher D. Francisca Maria de Brito, natural de Sacavém e moradores
na sua Quinta da Fonte do Louro; neto materno de Manuel de Noronha, natural de Alcácer do
Sal, e de D. Maria (Brites) da Gama, natural de Aljustrel; bisneto, pelo avô paterno, de António
Moniz Pereira e de D. Isabel Sentil da Silva (Gorjão), «que depois de ter vários filhos de seu marido
se meteu freira em Santa Clara de Lisboa, e seu marido se fez frade bento», com o nome de Frei
António das Chagas (Série Genealógica, cit.).
103
Meu 6.º Avô por linha varonil legítima (b. Roliça, 2 de Junho de 1680 – f. Bombarral, Palácio
Gorjão, a 15 de Dezembro de 1745), licenciou-se em Leis na Universidade de Coimbra (11 de
Maio de 1709), foi Fidalgo Cavaleiro da Casa Real (1697 e 1739), Provedor da Misericórdia de
Óbidos (1721-1722) e sucedeu na Casa de seus Pais a seu irmão (em 1714).
104
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 36, fl. 328.
477
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
para FSO, o que obteve por carta de 4 de Setembro de 1747 105, onde se lê que «ele
por si, e seus Pais e Avós paternos e maternos, é legítimo e inteiro X.V. (cristão velho)
limpo de toda a raça de infecta nação sem fama nem rumor em contrário; é de bons
procedimentos de vida e costumes, capaz de ser encarregado de negócios de importância
e segredo, vive limpa e abastadamente na companhia de seus Pais, que são ricos, sabe ler
e escrever, tem mais de vinte anos de idade, nunca foi casado e não consta ter filho algum
ilegítimo, nem que ele ou algum dos seus ascendentes fossem presos nem penitenciados
pelo Santo Ofício nem incorressem em infâmia alguma ou pena vil e tem os mais
requisitos» 106. Fez a habilitação para a Ordem de Cristo (23 de Junho de 1756 107),
de que teve o Hábito e professou com a tença habitual de 12$000 réis 108, pela
renúncia de Pedro Figueiredo (20 de Setembro de 1757, por carta padrão 109).
105
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, José, Maço 57, n.º 879. O
processo está disponível em http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2333824.
106
Parecer da Mesa, de 4 de Novembro de 1746.
107
BORREGO, Gonçalo N. P., Habilitações para as Ordens Militares, tomo II, 2008, pp. 85 (Maço
7, nº 20).
108
«Quase todos os cavaleiros recebiam nem que fosse a tença de 12.000 réis, salvo excepções.
O objectivo visado seria garantir a dignidade do estatuto» – Olival, Fernanda, As Ordens
militares e o Estado moderno – Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), dissertação
de Doutoramento, Estar, 2001, p. 47.
109
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 7, fls. 415v., 424v., 425v. e 426v. O serviço militar em Mazagão,
desde que durasse cinco anos e se atingisse posto militar acima de soldado, era suficiente para
obter o hábito de Cristo, como nota Fernanda Olival (As Ordens militares e o Estado moderno,
cit., p. 520; vide também pp. 246 e seguintes, sobre a renúncia de Hábitos). Pedro de Figueiredo
era natural de Mazagão e filho de Francisco Fernandes Lanhoso. Tinha duas filhas e dizia-se
478
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
muito pobre e com dívidas. E é nesse quadro que obtém e depois renuncia na mercê do Hábito
de Cristo, que tinha tido com os habituais 12$ de tença, que pedia que a mercê se verificasse «em
um contraparente seu José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão», sem especificar, o que obteve com
a condição de o beneficiado cumprir as provanças (Alvará de 22 de Abril de 1755 – à margem:
em 13 de Maio de 1755). Mais adiante, noutra letra, se lê que Pedro de Figueiredo devia a
José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão «muitas obrigações por lhe ter valido nas suas misérias» e
porque «com o produto da dita renúncia podia satisfazer algumas dívidas e porque (…) lhe haviam
feito algumas penhoras». A renúncia tinha sido feita, primeiro, nas notas do tabelião Teodósio José
de Castro, em Outubro de 1755 e ratificada por outra feita nas mesmas notas em 30 de Abril.
110
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 41, fl. 270 v. (v. igualmente, Liv. 36, fl. 328)
479
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
1752 111 e em 26 de Novembro de 1760 112). Diz a Série Genealógica que foi
Escrivão dos Contos do Reino.
Casou em Lisboa, na freguesia de São Vicente de Fora, a 19 de Maio de
1753, com D. Antónia Maurícia Roquette de Moura Feyo 113, esta representada
por seu procurador Rodrigo António Galvão, baptizada em Lisboa (Mártires), a
22 de Dezembro de 1731 114, filha legítima de José Roquete da Silva 115, Capitão
Tenente de Infantaria do Regimento da Armada, nascido em S. Pedro de Alcân-
tara e baptizado na freguesia da Ajuda (Lisboa), a 23 de Setembro de 1700 116,
Escudeiro-Fidalgo com 450 réis de moradia por mês e logo acrescentado a Cava-
leiro-Fidalgo da Casa Real com mais 300 réis em sua moradia, «tendo em conside-
ração [o facto de] haver servido por espaço de 24 anos no regimento da Armada, em
praça de soldado e no posto de Alferes que actualmente está exercitando com satisfação»
(Alvará de 13 de Janeiro de 1743 e apostilha do mesmo dia do ano seguinte 117) e
administrador da Capela instituída por Manuel Moreno Chaves (Carta de 3 de
Fevereiro de 1750 118), e de sua mulher D. Catarina Antónia Josefa de Moura
111
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 5, fl. 48.
112
ANTT, RGM, D. José I, Liv. 15, fl. 270. Neste se explica que «servia de oficial do registo da mesa
grande do despacho dos Contos do Reino e Casa (…) por nomeação do Contador-Mor há mais de 14
anos». Foi-lhe «constituído ordenado de 144$ pagos pelo Cofre dos mesmos Contos, pelo Alvará do
regimento de 29 de Dezembro de 1753, no qual ofício ordenou o dito Sr. se encartasse por Decreto
seu de 18 de Abril de 1755, e ultimamente por resolução de 24 de Setembro do presente ano, que foi
servido tomar em consulta do Conselho da Fazenda (…) Há S. Mg.de por bem fazer-lhe mercê do dito
ofício e com ele tenha e haja os referidos 144$ de ordenado em cada um ano pelos mesmos Contos pelo
tempo somente que o exercitar e o dito Sr. não mandar o contrário».
113
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. C-3, fl. 210. Foram testemunhas o pai da noiva, Capitão
José Roquette (que assina o assento) e o Dr. Francisco Luís Chaves de Carvalho, Ouvidor do
Cadaval (mas a assinatura é de António Luís Soares de Carvalho, cunhado do noivo, que foi
Ouvidor do Cadaval). Antes do casamento foram feitas provanças que estão cosidas às de seu
Marido. Foram aprovadas a 17 de Março de 1752.
114
Apesar de se terem perdido os registos paroquiais da freguesia dos Mártires, a informação consta
das provanças para o seu casamento com o FSO José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão.
115
Uma irmã, de seu nome D. Inácia da Silva Roquete, habilitou-se em 19 de Outubro de 1740
para casar com um FSO, o Dr. Manuel Francisco Anes Gavião (ANTT, Tribunal do Santo Ofício,
Conselho Geral, Habilitações, Manuel, mç. 94, doc. 1754).
116
E não em Outubro, como se lia nas provanças para casamento da filha – ADL, RPLx, Nossa
Senhora da Ajuda, Liv. B-3, fl. 159v. Foram padrinhos D. José de Vasconcelos e Sousa e Teresa
André, e por ela seu irmão.
117
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 34, fls. 437v. Na mesma folha está o alvará de seu irmão Francisco
António Roquete (que servia como praticante na Vedoria Geral do Exército).
118
ANTT, RGM, D. João V, Liv. 40, fls. 523-523v. Trata-se da mercê da administração da capela
instituída por Manuel Moreno Chaves na cidade de Elvas e dos seus caídos, que teve por alvará
a 13 de Dezembro de 1749. A mercê é remuneratória dos serviços militares no regimento
480
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Feyo, natural da freguesia de Santa Ana (então já Nossa Senhora da Pena), aonde
foi baptizada em 24 de Novembro de 1690 119, com quem casou em Lisboa, ao
Santíssimo Sacramento, a 25 de Abril de 1733 120 e de quem terá sido segundo
marido; e neta pela parte paterna do Capitão de Mar-e-Guerra Jerónimo Roquette
da Silva, natural de
Belém, então lugar
da freguesia de
Nossa Senhora da
Ajuda, aonde foi
baptizado a 9 de
Agosto de 1665 121, Assinaturas do Capitão José Roquete e de António Luís Soares de
e que casou nas Carvalho (1753)
Mercês, a 27 de
da Armada como soldado e alferes, durante 28 anos, três meses e 17 dias continuados, sem
interpolação, de 18 de Abril de 1718 até 4 de Junho de 1746 (refere-se ainda outra mercê no liv.
9, fl. 182).
119
ADL, RPLx, Nossa Senhora da Pena, Liv. B-6, fl. 84. Com o nome de D. Catarina Maria Feya,
teve tença remuneratória de 48$ (Padrão de 28 de Abril de 1718) dos serviços de seu Pai o
Capitão de Cavalos José de Moura e de seu irmão, o também capitão de Cavalos João de Moura.
Esta D. Catarina havia casado com o Tenente de Cavalos Leandro Galvão de Araújo e Oliveira,
após o que «ficara com grandes empenhos e encargos de 3 filhas», pelo que pedia para renunciar a
tença numa das suas filhas, «para se recolher e alimentar em qualquer dos Conventos desta Corte ou
fora dela ou tomar qualquer estado por ser pessoa de conhecida nobreza e terem seus Pais e Avós servido
com muito zelo no Real serviço». O rei aceitou a renúncia em favor da filha D. Ana Joaquina
Xavier (Padrão de 19 de Julho de 1748; passou-se-lhe outro a 22 de Março de 1749; a mercê
refere outros registos, no Liv. 8 de D. João V, fl. 172; e no Liv. 28 de D. Maria I, fl. 161, que não
pude consultar).
120
ADL, RPLx, Santíssimo Sacramento, Liv. C-5, fl. 58v. Curiosamente, ou talvez não, na habilitação
para o casamento o noivo informa que os Pais da noiva casaram em 1729, o que teria feito com
que tivesse nascido já na constância do casamento e não dois anos antes.
121
Ele filho primogénito do segundo casamento de «Cláudio de la roqueta», «Sargento da Torre de
Belém», com Grácia de Oliveira (em Lisboa, na freguesia da Ajuda, a 28 de Maio de 1664 –
ADL, RPLx, Nossa Senhora da Ajuda, Liv. C-1, fl. 276), e é varão do tronco original da Família
Roquete portuguesa (sendo que se extinguiu esta varonia, ainda que o apelido, como se sabe,
continue a ser usado), que nasceu em Paris (freguesia de Saint Germain), como se lê num
processo de habilitação para o Santo Ofício, além de noutros; morreu a 17 de Abril de 1675
em Belém, onde morava, sem testamento, sendo «enterrado no Convento de Belém na Capela
dos Irmãos dos Santos Passos aonde têm seu jazigo os irmãos da mesma irmandade» (ADL, RPLx,
Nossa Senhora da Ajuda, Liv. O-2, fl. 56v.) – sobre esta família, vide Azevedo, Marcelo Olavo
Corrêa de, «Estudos Vários», Raízes & Memórias, n.º 3, 1988, pp. 115-117 (à época parecem
por isso os Roquettes de que trato aqui são tão ou mais qualificados do que aqueles de que trata
este excelente genealogista; e quanto ao mais é uma questão de opinião, até porque a varonia de
Cláudio Roquete subsistiu poucas gerações – cfr., p. 116).
481
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
482
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
Capitão , Tenente, Primeiro Capitão Tenente e ultimamente de Capitão de mar e guerra no tempo
referido, se embarcar em 21 armadas de guarda costas e comboio de Frotas, no de (…) [seguem-se
amplos serviços até 1719] e no de 1721 embarcar por Capitão de mar e Guerra da Nau de (…) da
Índia, e se conduzir para o porto (?) de Moçambique tendo notícia que 2 corsários iam atacar (…)»
(o acto de bravura, difícil de ler, mereceu a tença de 50$000 réis em favor de sua filha D. Inácia,
por alvará de 29 de Novembro de 1735).
A terceira mercê é a de renúncia a mercê do Hábito de Cristo e a tença de 30$ 000 réis.
126
Filho de Manuel Martins de Moura e de Catarina de Macedo, o noivo natural da freguesia
de Santa Engrácia. Ela filha do Capitão Mateus Lopes de Abreu e de D. Jacinta Fea, natural
de Lisboa, da freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai. Casaram por procuração, a noiva
representada pelo Capitão João Soares de Carvalho – ADL, RPLx, São Lourenço, Liv. M-1, fl.s
17-17v.
127
Dita aí filha de Mateus Lopes e de Jacinta Feia.
128
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. B-4, fl. 17.
129
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v.
483
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
130
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 23, fl. 290v. Invocando também a obrigação de sustentar sua mãe
e irmãos.
131
Gazeta de Lisboa, n.º 53, de 2 de Março de 1820.
132
Por ter «numerosa Família e falta de meios (…) sendo aliás de distincta família e possuindo
bastantes conhecimentos e serviços que o abonam» – Requerimento de João da Matta Chapuzet
(com assinatura autógrafa do requerente – AHM, Processos individuais, Diogo Coutinho Bravo da
Fonseca, cx. 530). O processo contém também um requerimento do próprio Diogo, com uma
resenha da sua carreira militar e os serviços que não lhe foram remunerados.
133
Que pode ser consultada no Arquivo Histórico Militar, com a cota PT/AHM/DIV/3/02/07/31.
134
Disponível em versão integral em http://arqhist.exercito.pt/ViewerForm.aspx ?id=217121,
acedido a 2 de Setembro de 2015.
135
O processo é muito volumoso e com muita informação – AHM, Processos individuais, cx. 275.
136
ADL, RPLx, São Paulo, Liv. C-4, fl. 26v.
137
Com “D.” no assento de casamento do filho.
484
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
485
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
6.3. Joaquim Inácio Bravo da Fonseca Gorjão. Teve o mesmo foro de seu
irmão Francisco Miguel, nos mesmos termos e data, de Cavaleiro-
-Fidalgo (3.12.1795) 147. Foi testemunha, assinando o assento, do
casamento de sua prima D. Leocádia.
144
ADL, RPLx, São Lourenço de Carnide, Liv. C-6, fl. 10v.
145
O qual assinou o assento de casamento da filha.
146
Tinha casado com este em 6 de Junho de 1824, em Lisboa, em São Lourenço de Carnide (Liv.
C-5, fl. 43v.), sendo ele viúvo de D. Aureliana Rita Pereira da Trindade, «enviuvado na freguesia
de S. Nicolau» (e, de facto, pode encontrar-se o assento de óbito desta no Liv. O-2, fl. 10, da
referida freguesia), a 7 de Fevereiro de 1819. Morreu com os Santos Sacramentos e era moradora
na Rua Bela da Rainha.
147
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 18, fl. 279v.
148
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-10, fl. 112.
149
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-10, fl. 236v.
486
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
150
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. C-10, fl. 74v.
151
ADL, RPLx, São Vicente de Fora, Liv. C-8, fls. 133v.-134. Foram testemunhas, que assinaram o
assento, o pai da Noiva, morador na Rua do Almeida, em Santo Estêvão de Alfama, e Gregório
Bento Marques.
152
ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv. B- fl. 59v. Foi padrinho Joaquim Elias.
153
ADL, RPLx, Santa Engrácia do Paraíso, Liv. B-9, fl. 185.
154
ANTT, RGM, D. Maria I, Liv. 18, fl. 279v.
155
O processo contém transcrição da certidão sobre o assentamento como praça, passada por Dom
Gregório José Ferreira de Eça, Conde de Cavaleiros e em 1805 Comandante do regimento do
Caes. Os demais documentos são certidões abonatórias passadas pelo Marquês de Saya (1808),
Pedro António Virgolino (1809), Frederico, barão de Eben (1808), Domingos Bernardino de
Sousa (1811), de vários (1809), de Carlos Frederico Licor (1810) ou, entre outros, também
de Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda (1810), a maior parte delas reconhecidas por seu
parente o tabelião Manuel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito.
156
Na vaga por promoção de José Jerónimo Granate para o Regimento de Moura. Este processo
contém a sua assinatura autógrafa – AHM, Processos individuais, cx. 170. O requerimento para
promoção foi passado por certidão assinada por seu avô Joaquim José de Brito.
487
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
ocupava em 1804 157 e ainda «quando os Franceses vieram a Portugal, que descarada-
mente manifestaram Sua Traição e pérfidas Tramas, fazendo o mesmo aos Espanhóis,
estes procuraram vingar-se, promovendo a Sua Glória, insurreição animou esta aos
Vassalos de S.M.F. ainda todo o Reino se achava não tranquilo, mas sim conhecida
deliberação quando o Suplicando, unindo a si alguns dos seus Concidadãos, Marcha
Voluntário com seu filho a apresentar-se ao General espanhol D. Gregório de la Costa,
que comandava em Chefe o Reino de Castela a Velha; este General aceitou as suas
ofertas e o nomeou comandante de todos os Portugueses no dia 12 de Junho de 1808
(sic); e vindo o Inimigo a querer tomar a Ponte da vila de Cabeção foi nomeado para
defender a dita Ponte, o que satisfez, sofrendo uma ferida em uma perna, conservou o
posto até que se acabaram as munições, e por cuja acção foi nomeado Tenente Coronel,
em cujo posto se conservava na Batalha de Rio Seco, no dia 14 de Julho do mesmo
ano, e em outras acções que deram ocasião a ser Nomeado Coronel, como prova pelos
Documentos n.os 2.º e 3.º, logo que o Suplicante teve Notícia da sublevação do Porto
e que por Ordem da Junta do Governo nesta estabelecida se mandava recolher os
Portugueses para a Feliz Restauração deste Reino, imediatamente se pôs em marcha
para a dita cidade e se apresentou no Quartel General deixando todos os seus interesses
e Postos que tinha em Castela, e foi Nomeado Capitão de Cavalaria da Leal Legião
Lusitana, e Comandante do 2.º Batalhão da 2.ª Divisão, como consta do documento
n.º 4, e pelos de n.os 5.º e 6.º se prova que o Suplicante organizou o 2.º e 3.º Bata-
lhão e serviu de Manjor (sic) de Brigada na Batalha de Braga e Porto, distribuindo
todas as ordens como se vê do documento n.º 7, animando a todos com seu exemplo; e
desorganizando-se o dito Corpo de Cavalaria foi nomeado no mesmo posto de Capitão
do Regimento de Cavalaria n.º 5, e foi Comandante dos Postos avançados da Beira
Baixa, em Julho de 1810 e se comportou como consta dos Documentos n.º 8.º e 9.º, e
reuniu-se ao seu regimento em Badajoz; foi comandante do 2.º Esquadrão da Acção
de fonte de Cantos, como prova o documento n.º 10». Esta longa narrativa suportava
o pedido de reforma com a patente de Major, após ter tido 34 anos de serviços e
quando lhe faltavam onze meses para poder ter a reforma com a referida patente.
Submeteu um requerimento aos Governadores do Reino em 1811 158. Reformou-
-se com a patente de Major 159, servindo no Regimento de Cavalaria n.º 5, de
157
Ano em que pediu licença para ir ao Porto tratar de negócios «interessante à sua Casa», por dois
meses – AHM, Processos individuais, cx. 170.
158
AHM, Processos individuais, cx. 316. O seu requerimento foi anexado, no ofício do Conde de
Linhares dirigido ao “Snr. Cardeal Patriarca eleito”, aos requerimentos apresentados por António
Joaquim Ramalho Ortigão, Capitão das Ordenanças dos privilegiados da Ordem de Malta,
Bruno Pereira de Azevedo Venegas e Joaquim Manuel Ribeiro de Guimarães.
159
Em 1813 pede o soldo da patente com que lhe deram a reforma. Foi reformado por Carta régia
de 1 de Setembro de 1812 (em mau estado de conservação, consta da cx. 349, no AHM).
488
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
que foi Capitão 160, e como Comandante do 1.º Batalhão da Legião Nacional
do Loreto 161. Em 1816 foi adstrito ao Estado Maior do Exército do Reino do
Brasil (Decreto de 1 de Outubro 162). Nessa qualidade, pediu a remuneração pelos
«seus serviços praticados por tempo de 40 anos, 9 meses e 5 dias, contados desde 6 de
Novembro de 1776, em que assentou Praça de Cadete no Regimento de Cavalaria
n.º 7, até hoje, nos diversos Postos Militares que gradualmente teve, até ao em que se
achava, tendo neste período desempenhado os seus deveres sem nota e com honra na
Guerra da Restauração, e defesa dos meus Reinos contra a invasão dos Franceses, assim
em Espanha como em Portugal». Em resposta, o Rei faz mercê de uma «tença de
100$000 réis no rendimento da Obra Pia, em favor de sua mulher D. Maria Xavier
de Brito e seus filhos ora existentes, repartidamente».
Casou em Lisboa, na freguesia de Santa Marinha, a 28 de Fevereiro de
1786, com D. Maria Casimira Senhorinha Xavier de Brito 163, nascida em
Lisboa (Santa Marinha), filha de Joaquim José de Brito e de sua mulher D.
Mariana Antónia Libânia Xavier Baptista. O pai da noiva, Joaquim José de Brito,
é o tabelião que em 1771 passou uma certidão relativa ao morgado de Diogo
Delgado a pedido de João António de Lemos Pereira de Lacerda Delgado, de
que tratarei em trabalho autónomo com Rita van Zeller, e, além disso, a noiva
era ainda irmã do então Cadete Manuel Joaquim Simpliciano Xavier de Brito,
que aliás está referido no assento, e que foi o tabelião que escreveu o contrato
esponsalício (a 31 de Outubro de 1817) 164 que os meus 4.º avós [D. Maria da
160
O original da Carta patente de nomeação do Capitão de Cavalaria do Leal Legião Lusitana para
Capitão do Regimento de Cavalaria n.º 5 consta do AHM (Processos individuais, cx. 170-A),
passada a 16 de Dezembro de 1809, assinada pelo “Príncipe”, pelo Marquês de Angeja e por
Francisco Veiga Cabral, na sequência de Decreto de S.A.R. de 6 de Outubro.
161
O Marquês de Aguiar, a 1 de Agosto de 1814 no «Palácio da Real Fazenda de Santa Cruz»,
despacha o pedido de prorrogação da licença “com que veio desse Reino”.
162
AHM, Processos individuais, cx. 535. No mesmo dia foram assinados decretos de promoção de
D. Francisco da Costa de Sousa de Macedo e de José Joaquim de Azevedo.
163
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. C-4, fl. 68v. A situação patrimonial da Família não foi sempre
a melhor. No AHM há requerimento de D. Maria Casimira Xavier de Brito, sendo o marido
então Capitão do Regimento de Cavalaria n.º 5, a pedir o soldo de seu marido, visto ter sido
«penhorada pela venda das suas Casas» e porque «tem os seus trastes no Depósito para o fim de
serem pagos».
164
Que pode ler-se em TT, Desembargo do Paço – Corte, Estremadura e Ilhas, mç. 1503, n.º 9. Assistiu
no contrato a “imediata sucessora do vínculo, Dona Maria Francisca de Nápoles Gorjão, de dois anos
de idade”, o advogado Jacinto José Vieira, da Casa da Suplicação, como curador nomeado pelo
Desembargador José Maria Cardoso Soeiro. No contrato, “Duarte Gorjão …” declara a “muita
afeição que tinha à dita” sua noiva, “vendo que a mesma era dotada das mais brilhantes virtudes e
qualidades estas, que adornavam”. Pelo contrato, o noivo ficou de dar à noiva jóias no valor de
dez mil cruzados metálicos, bem como, “mensalmente, a quantia de trinta mil réis, em moeda de
489
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
490
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
mesmo zelo» (Alvará de 23 de Julho de 1822 166). Foram pais, pelo menos, dos
seguintes filhos, que estão documentados 167:
166
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 16, fls. 140v.-141.
167
Curiosamente, enquanto a sua ficha militar do Regimento do Caes diz que tinha 6 filhos em
1806, a primeira ficha que consultei do Regimento de cavalaria n.º 5 (talvez a primeira nesse
posto, pois invoca o pouco tempo que tem aí de serviço) diz que só tinha 2 filhos, o que significa
que pelo menos cinco dos filhos que aqui lhe descobri já tinham morrido entre 1805 e 1809
(de um deles, aliás, consegui documentar o óbito). A ficha de 1806 mostra que não era muito
instruído, mas que tinha boa conduta e boa vontade, além de honra e bom serviço (AHM,
Processos individuais, cx. 1913).
168
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. B-4, fl. 2 (primeiro assento do livro respectivo).
169
ADL, RPLx, Santa Marinha, Liv. O-3, fl. 16v.
170
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 143. Foram padrinhos o seu tio Diogo Coutinho Bravo da
Fonseca Gorjão e Nossa Senhora da Penha de França.
171
AHM, Processos individuais, cx. 1912.
172
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 150.
491
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
173
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
174
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fls. 113v.-114: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p.
Portaria do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro
de 30 de Outubro de 1818».
175
ADL, RPLx, Santo André, Liv. B-4, fl. 107.
176
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-17, fl. 20v.
177
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
492
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
7.2. Mariano José Coutinho Bravo da Fonseca Gorjão (ou Mariano José
Coutinho Gorjão), nasceu em Lisboa (São Tomé), aonde foi baptizado a 8 de
Fevereiro de 1789 182. Teve, como seus irmãos, mercê de «12$500 R. no rendi-
mento da Obra Pia, que é a parte que lhe fica pertencendo nos 100$000 réis da
referida mercê [a sua mãe] com o vencimento de 11 de Agosto de 1817» 183.
178
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-17, fl. 113.
179
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fls. 113-113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p.
Portaria do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro
de 30 de Outubro de 1818».
180
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113v.: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
181
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 114: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
182
ADL, RPLx, São Tomé, Liv. B-4, fl. 128.
183
ANTT, RGM, D. João VI, Liv. 19, fl. 113: «Lisboa, 28 de Setembro de 1817 – Rey – P. p. Portaria
do Ministro Secretário de Estado dos Negócios do Reino datada na Corte do Rio de Janeiro de 30 de
Outubro de 1818».
493
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
494
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
189
ADL, RPLx, Anjos, Liv. B-21, fl. 146.
190
ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv. C-15, fls. 55-55v.
191
ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. B-22, fl. 5v.
192
ADL, RPLx, São João da Praça, Liv. C-5, fl. 39v.
193
Filho de António José de Sousa Magalhães e de Agostinha Maria da Conceição, natural da
freguesia de Santa Justa e recebido na freguesia de Santo Estêvão de Alfama – ADL, RPLx, Santa
Marinha, Liv. B-3, fl. 28v.
495
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
8.1. José Inácio Coutinho Gorjão. O assento do seu casamento diz que nasceu
em Lisboa, na freguesia dos Anjos, mas não o encontrei nos índices da freguesia
e, pelo contrário, encontrei o baptismo de um José, filho destes pais, em Lisboa,
na paróquia de Carnide, a 24 de Novembro de 1811, depois de nascer a 5 de
Outubro 197. Foi em serviço militar para a ilha da Madeira, onde se fixou e deu
origem ao ramo madeirense da Família Coutinho Gorjão 198. O assento do seu
matrimónio mostra quer a razão da sua presença na Madeira quer o contexto
social (castrense, pode dizer-se) do matrimónio. Ele era um jovem «soldado da
primeira Bateria destacada do 4.º Regimento de Artilharia» e ela era filha do «Cabo
de Esquadra da mesma Bateria». Era “empregado no telégrafo”, na Madeira, em
1875.
194
Filha legítima de Manuel José, baptizado na freguesia de Santa Cruz do Castelo (filho de Manuel
Caetano e de Maria Rosa), e de Angélica Rosa (filha de Manuel José de Coimbra e Mello e de
Teodora Maria), baptizada em Nossa Senhora da Pena, que casaram na freguesia dos Anjos, a 15
de Abril de 1779 – ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. B-15, fl. 275; C-8, fls. 187-187v.
195
ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. C-11, fl. 245.
196
São identificados dois filhos, de um dos quais (D. Maria Felicidade de Jesus De Sousa Magalhães,
nascida a 14 de Fevereiro de 1865 e baptizada em Lisboa, S. Estêvão de Alfama, a 20 de Abril,
afilhada do Marquês de Valada, por procuração – ADL, RPLx, Santo Estêvão de Alfama, Liv.
B-19, fls. 76v.-77; e que morreu em S. Sebastião da Pedreira, a 15 de Setembro de 1950, casada
que era nos Anjos, a 18 de Julho de 1891, com José Faustino Rodrigues, empregado público, de
vinte anos, nascido em Lisboa, nas Mercês – ADL, RPLx, Nossa Senhora dos Anjos, Liv. C-15, fls.
280v.-281), não conheço nem investiguei a descendência; e outro (Virgílio Augusto de Sousa
Magalhães, que terá nascido a 10 de Agosto de 1863 e casado duas vezes, a primeira com Palmira
Adelaide Borges Martins Pereira e a segunda com Albertina Amália Ferreira de Carvalho). Deste
parece haver muita descendência até à actualidade, do primeiro casamento, como consta de
www.geneall.net, a qual, nas últimas décadas usará os apelidos Cabral de Magalhães (incluindo
os descendentes da conhecida escritora infantil Ana Maria Magalhães, n. 1946), Aguiar, Lacerda
Magalhães, Luiz Gomes, Moreira Rato, Magalhães do Amaral, Monte Pegado, Pinto Coelho,
Magalhães de Almeida ou Magalhães (Calheiros Ponces Magalhães), porventura entre outros (de
acordo com os dados publicados a 18 de Novembro de 2016).
197
Foram padrinhos Manuel José Coutinho Gorjão e D. Inácia Micaela de Castro – ADL, RPLx,
S. Lourenço de Carnide, Liv. B-8, fl. 30v.
198
Luís Peter Clode dizia que se chamava “João Tiago” Coutinho Gorjão e que tinha ido para
a Madeira «como empregado público (telégrafo e palhetas) pouco antes do lançamento do
cabo telegráfico submarino» (Registo Genealógico de Famílias…, cit., pp. 159-160). Certo é, no
entanto, que em 1840 prestava serviço militar na região.
496
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
199
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. 130, fl. 40.
200
Liv. 127, fl. 195.
201
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fl. 41. Poderá ser este o João
Constantino Gorjão que foi testemunha do casamento de Augusto César e Isabel Figueira.
202
Album madeirense: poesias de diversos auctores madeirenses, Typ. Funchalense, 1884, p. 109.
203
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fls. 124.
204
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. C-1410, fls. 5.
205
Foram pais, entre outros, de Henriqueta (baptizada no Funchal, na freguesia de S. Pedro – ARM,
Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1377, fl. 16) e de Luísa, também baptizada na
mesma freguesia, a 11 de Outubro de 1874 (ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv.
B-1378, fl. 52v.) e que terá morrido a 9 de Dezembro de 1958.
206
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-118, fls. 180-180v.
207
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. C-1413, fl. 8,
208
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1379, fl. 99v.
497
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
10.1. Augusto César Coutinho Gorjão. Foi filho póstumo de seu pai, tendo
sido baptizado na freguesia de São Pedro, a 25 de Março de 1872 212. Morreu em
27 de Outubro de 1947, no Funchal (Santa Luzia), com testamento. Era identi-
ficado como “negociante” no assento de baptismo de sua filha Maria das Mercês.
Comerciante, foi sócio e administrador da firma Romano Gomes, professor de
Contabilidade na Escola Comercial António Augusto de Aguiar (depois Escola
Industrial e Comercial do Funchal e hoje Escola Secundária Francisco Franco).
Vogal da comissão administrativa provisória da Junta Geral do Distrito do
Funchal após a República (Decreto de 13 de Outubro de 1910 213). Passou pela
gestão do Ateneu Comercial e Industrial da Madeira e, porventura, pelo antigo
Banco da Madeira 214.
209
ARM, Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. B-1252, fl. 17v.
210
O seu pai era ainda soldado no Regimento e foi padrinho Manuel Henriques de Freitas – ARM,
Registos paroquiais do Funchal, São Pedro, Liv. 117, fl. 303.
211
Liv. 1408, fl. 22. Noto que foi testemunha João Constantino Gorjão, solteiro e tipógrafo.
212
Liv. 1376, fls. 18v.-19.
213
ARM, GCDFUN, 81, fl. 130v.; JGDFUN-SEC, 2256, 15-16.
214
Informação da Sr.ª Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão. Sobre o Banco da Madeira (1920-
1966), Dicionário da História Empresarial Portuguesa Séculos XIX e XX, vol. I, Instituições
Bancárias, coord. Faria, Miguel Figueira de/Mendes, José Amado, UAL, 2014, confirmando
que a sociedade Viúva de Romano Gomes & Filhos foi uma das outorgantes na constituição
do Banco (a 24 de Abril de 1920); no mesmo ano, Freitas, João Abel de, Salazar na crise da
banca madeirense - Uma teia de muitos nós, Colibri, 2014. O mais antigo diploma legal que
encontrámos sobre o banco foi a autorização dada em 3 de Setembro de 1920 «para emitir guias-
ouro» (Decreto n.º 6882, Diário do Governo, I, n.º172).
498
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
ela 217 nascida “às três horas da tarde” do dia 14 de Dezembro de 1878 e baptizada
em Santa Luzia, a 6 de Janeiro de 1879 218, filha do Comendador João Bernardino
Gomes 219, negociante, natural de Nossa Senhora do Monte (Funchal), e de sua
mulher D. Maria do Monte de Andrade, natural de Santa Luzia, e que casaram
215
http://www.arquipelagos.pt/arquipelagos/newlayout.php?mode=imagebank&details=
1&id=33721, acedida a 17 de Novembro de 2016.
216
http://www.arquipelagos.pt/arquipelagos/newlayout.php?mode=imagebank&details=
1&id=33397, acedida a 17 de Novembro de 2016.
217
Liv. 6498A, fl. 18v. Informa a base de dados que morreu a 9 de Março de 1955 – reg. n.º 256.
218
Liv. 1485, fls. 3-3v. Foi seu padrinho José Freitas Martins, casado e negociante, e madrinha
Adelaide Augusta Gomes Martins.
219
O Comendador João Bernardino Gomes era grande proprietário, sendo dono da herdade
da Bemposta, em Santa Cruz, onde hoje existe o Aeroporto da Madeira; filantropo, foi um
dos principais financiadores e impulsionadores da construção da capela de Nossa Senhora da
Conceição, no Monte (Capela das Babosas), em 1906, para a qual doou o terreno. A capela já
não existe, tendo sido arrasada com o dramático aluvião de 20 de Fevereiro de 2010, que causou
499
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
11.1. Maria Isabel Gomes Coutinho Gorjão, nascida «às nove e meia da
noite» do dia 15 de Maio de 1906, foi baptizada na freguesia da Sé,
no Funchal, a 10 de Junho 222. Casou no Funchal, a 2 de Junho de
1934 223, com o Dr. António Jardim de Azevedo, que morreu a 21
500
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
11.4. Augusto César Gomes Coutinho Gorjão, «que depois abreviou o nome para
Augusto Coutinho Gorjão (o mesmo nome que o pai e avô dele) era Licenciado em
224
Foram pais, pelo menos, de António Gorjão Jardim de Azevedo, que foi setimanista no Liceu do
Funchal em 59/60, bacharel e director da Soalpo (Vila Pery, Moçambique). C.g. (informação da
Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão).
225
Liv. B-6484-A, fl. 7. Foram padrinhos o avô materno e D. Elisa Escórcio de Vasconcelos.
226
CRC do Funchal, Liv. 43, fls. 284-284v.
227
Foram pais de Armando Coutinho Gorjão Leitão Martins, de quem é filho, porventura
entre outros, o Dr. Ricardo José Gorjão Martins, médico especialista em Gastrenterologia,
com prática clínica em Lisboa, a quem enviei, através de um tio direito meu, uma carta com
algumas explicações sobre a ascendência dos Coutinho Gorjão. De acordo com as informações
publicamente disponíveis, casou com Maria Helena Henriques Camacho, de quem entretanto
se terá divorciado. Desse casamento nasceu João Nuno Camacho Gorjão, a 12 de Outubro
de 1985 (http://www.concelhodecamaradelobos.com/ dicionario/henriques_manuel_ justino.
html, acedido a 18 de Novembro de 2016), numa demonstração mais da resistência trans-
geracional do apelido Gorjão.
228
CRC do Funchal, Liv. 83, fls. 90-90v.
229
Informação que agradeço à Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão, da qual fiz ligeiríssima adaptação.
230
Liv. 6485-A, fl. 37v. Foram padrinhos o avô materno e Maria Catarina Gomes Caldeira.
231
CRC do Funchal, Liv. 58, fl. 145-145v.
501
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
232
Informação prestada por seu neto o Juiz de Direito Dr. Bruno Gorjão.
233
Estas e outras informações, mormente sobre os Figueira de Freitas, agradecem-se, em grande
medida, aos Drs. Bruno Gorjão, à Dr.ª Maria Clara Coutinho Gorjão e ao prof. António
Coutinho Gorjão.
234
Liv. 83, fls. 3-3v. (informação constante da base de dados do Arquivo Regional da Madeira).
235
Livro 6437 A, fl. 27. Estes Vale Figueira de Freitas ligam-se também a personalidades de destaque
na Região Autónoma da Madeira, no século XX, como os Homem da Costa. Entre os irmãos
de Benvinda destacam-se, não sei em que ordem de nascimento; (a) Maria das Neves Figueira
de Freitas, uma das primeiras mulheres a concluir o curso da Escola Industrial da Madeira,
co-fundadora de casa bancária na Madeira; (b) João Figueira de Freitas, que foi presidente do
Banco Madeira e da antiga Junta Geral da Madeira (C.g.); ou (c) Maria Ângela Figueira de
Freitas, que casou com o General Ernesto França Machado (c.g.).
236
Os nomes completos que lhes dou seguem também as indicações recebidas do Dr. Bruno
Gorjão, que muito agradeço.
502
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
237
http://angolawar1965-1974.blogspot.pt/2011_07_01_archive.html, acedido a 15 de Novembro
de 2016.
238
https://sites.google.com/site/asdbranco/Home/chegada-a-bissau/o-bachile/a-c-cac-16, acedido
a 15 de Novembro de 2016: «A CCAÇ 16 “ Companhia de Caçadores N.º 16” foi organizada
a 4 de Fevereiro de 1970 no Centro de Instrução Militar em Bolama e tinha como objectivo
o recrutamento provincial, face à dificuldade de o fazer na metrópole de forma a alimentar
as necessidades da província. O desenvolvimento da guerra onde se abriam novas frentes de
combate reclamava reforços. Esta unidade à semelhança de outras congéneres era constituída por
quadros “Oficiais sargentos e praças especialistas” metropolitanos que enquadravam militares
naturais da Guiné, neste caso na sua maioria de etnia Manjaca. Na data da sua formação, foi
colocada em Teixeira Pinto, destacando-se posteriormente para o Bachile, já com o quadro
orgânico de pessoal completo ficando integrada no Batalhão de Caçadores 1905. Passa a
depender do CAOP 1” Comando Agrupamento Operacional Nº1” e a partir de Fevereiro de
1973 do Batalhão de Caçadores 3863 e do Batalhão de Caçadores 4615/73,que assumiram a
seu tempo a responsabilidade do sector em que aquela unidade estava integrada. Foram várias as
acções desencadeadas na defesa do Chão Manjaco e destacou igualmente forças para colaborar
nos trabalhos de reordenamento de Churobrique. Em 26 de Agosto de 1974 esta unidade foi
desactivada e o quartel foi entregue ao PAIGC, recolhendo o pessoal a Teixeira Pinto sendo
extinta a31 de Agosto do mesmo ano. Da curta história desta unidade, há apenas registos
considerados muito incompletos, relativo aos períodos entre 1 de Janeiro a 31 de Setembro
de 1972 e 1 de Janeiro a 31 de Setembro de 1973 que se encontram depositados no Arquivo
Histórico Militar, caixa nº 130- 2ª Divisão/4ª Secção».
239
Por comissão de serviço, renovada por Despacho Conjunto 147/96, de 13 de Abril, publicado
no DR, II série, n.º 88, de 13 de Abril de 1996, pp. 5099.
240
São os pais de:
503
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
Presidente do Conselho
Excerto da extensa ficha curricular do prof. António Couti- Directivo (20 anos) e do
nho Gorjão
net/pt/nome/2126649/maria-leonor-belard-silvano-gorjao-gouveia/>; De Margarida Allen
Vidal, teve Maria Luís Allen Vidal Gorjão de Gouveia;
2) Bruno Mário Coutinho Gorjão de Gouveia, nascido no Funchal (S. Pedro), a 21 de Abril de
1972. Licenciado em Direito e Juiz de Direito. Com a Dr.ª Ana Gabriela Pereira da Fonseca
Freitas, juíza de Direito, teve Gonçalo Freitas Coutinho Gorjão, nascido em Coimbra, a 7
de Abril de 2002, que frequenta a Escola Secundária de Amarante. Com Carla Maria Matias
Cardador, juíza de Direito, foi, mais recentemente, pai de Francisca Maria Matias Cardador
Coutinho Gorjão, nascida em Lisboa, a 14 de Maio de 2013, tendo sido baptizada na Sé.
241
VALENTE, Carlos, Aprender Madeira (actualizado a 20.3.2016, em linha): «A criação do
Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) foi resultado de um trabalho levado
a cabo pelos órgãos de gestão da antiga Secção de Belas Artes da AMBAM, a partir da qual
se formaram as comissões instaladoras que garantiram, nesta transição, os recursos de pessoal
docente e não-docente, assim como de estruturas, edifícios e equipamentos. Neste contexto, foi
elaborado, em fevereiro de 1976, um Anteprojecto de Reestruturação do Ensino Superior Artístico
na Madeira, da autoria de António F. Coutinho Gorjão, diplomado pela AMBAM. Com base
neste anteprojeto, aprovado pelo Prof. Jorge Marques da Silva e por uma comissão de alunos, foi
criado oficialmente, pelo dec.-lei n.º 450/77, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira.
O ISAPM teve a sua sede no n.º 56 da R. da Carreira, onde já vinha funcionando a AMBAM
desde 1971, tendo aí funcionado até 1998. Neste edifício, curiosamente, tinha residido antes
o pintor Alfredo Miguéis, na déc. de 40» (retirado de http://aprenderamadeira.net/ensino-das-
artes/, acedido a 13 de Novembro de 2016).
504
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
242
Diário da República, II série, de 2.2.2007.
243
Informações que agradeço ao prof. António Coutinho Gorjão.
505
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
ANEXO
A dedução do apelido Gorjão na ascendência de António Gorjão, avô de D.
Mariana Josefa da Silva Gorjão, segundo a hipótese principal posta pelo Pd.
Rodrigues de Faria, complementada e corrigida por fontes primárias
1. Álvaro Anes Gorjão. Referido no texto, Escudeiro da Casa Real, foi Monteiro-Mor
de Óbidos e dos Coutos de Alcobaça, etc. Casou duas vezes. Do segundo casamento,
com Maria Anes, nasceu, entre outros, Mécia Gorjão, que casou em 1508 com Álvaro da
Serra e destes descende por linha varonil legítima o autor deste trabalho. Mas do primeiro
casamento, com Aldonça Figueira teve, além de outra, a:
2. Álvaro Gorjão. Cavaleiro da Casa de El-Rei. Recebeu a legítima de seu Pai e foi
também beneficiado no testamento de sua madrasta 244. Casou e teve a:
244
Recorde-se o excerto do testamento de Maria Anes, segunda mulher e viúva de Álvaro Anes
Gorjão: “Testamento da Instituidora, já viúva, de 12 de Julho de 1525 põe mais uma missa por si e
pelo Marido (…). Diz ter dado pelas legítimas a sua filha e genro Álvaro da Serra e Mecya Gorjoam
mulher deste (…) Disse que além do que o instituidor dera a seu filho Álvaro Gorjão, enteado da
Instituidora, pela legítima de sua Mãe, ela lhe dera um casal no Carvalhal e a vinha do Carnagral
(?) e a do Pinhal e 4 talhos da vinha na Ribeira do Carvalhal e 260 na Casa da Índia, da herança de
seu filho Jerónimo [que terá morrido, entretanto]” – Souza, D. Flamínio de, Códices, Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra, rolo 4, fl. 92/496 (pdf 386).
506
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
3. Bartolomeu Gorjão. Viveu no Turcifal. Casou com Margarida Fernandes Vieira, cujos
Pais tinham brasão d’armas. 245 Foram pais, além de outra, de
4.1. Branca Fernandes Gorjão. Casou com João Varela da Fonseca. Na sua descen-
dência seguem os vínculos instituídos pelos Padres Baltasar Gorjão e Fran-
cisco Gorjão de Freitas, como dou conta na nota de rodapé 101.
4.2. «Pedro Fernandes Gorjão. Viveu no Turcifal e casou com Inês Gorjão, como
parece, posto que Monterroio diga nas suas memórias que não teve filhos legítimos
nem mulher, contudo seus descendentes dizem que não sabem que os filhos, que aqui
se declaram, deixassem de ser legítimos, porque se entende que o são:»
5.1. Pe. Baltasar Gorjão. Instituíu Capela com obrigação de vinte e cinco missas
e seu responso, por ele e por seu Pai e Mãe, estando vinculadas na Frei-
xofeira (Turcifal), Bassaqueira (?), à portela da Semineira, além de outras
terras e casas, uma delas junto ao Chafariz dos Cavalos, em Lisboa. Remeto
o leitor para a nota de rodapé 101, que se refere ao próprio e à sucessão
no vínculo por este instituído.
5.2. João Gorjão, que segue
5.3. Antónia Gorjoa. Teve o Prazo de S. Miguel de Alfama, a 23 de Agosto de
1581. É mencionada nas notas do Tabelião Gomes de Abreu como «Irmã
de Baltasar Gorjão, Beneficiado na dita Igreja de Terras no Tojal vagas por
morte de D. Manuel de Menezes, Bispo de Coimbra» 246. Com o Pd. Fran-
cisco Gorjão, foi madrinha no Turcifal, a 23 de Março de 1602 247, mas
também a 6 ou 8 de Setembro de 1603 248, a 27 de Julho de 1605, a 10 de
Dezembro do mesmo ano, a 28 de Fevereiro de 1606; a 8 de Dezembro de
245
Diz a Série Genealógica, citando uma memória, que, «pelo apelido – Vieira – se pode conjecturar que esta
senhora devia ser da Casa dos Hortas Cabrais do Bombarral, porque Lançarote Vieira de Carvalho, filho segundo
de Fernão Vieira de Moura e Pajem da Toalha do Cardeal Rei D. Henrique, muito seu valido, seu Monteiro Mor
e Alcaide-mor de Alcobaça, casado com D. Margarida Varella Mascarenhas, filha de Pedro Varella Mascarenhas,
Alcaide-mor de Leiria, teve entre outros filhos uma filha que casou com Dionísio de Orta Cabral, de que houve
descendência». Duvido mas, por ora, pretendo somente dar conta da ascendência de Mariana
Josefa da Silva Gorjão, como se deduz da documentação primária, conjugada com o livro do Pd.
Rodrigues de Faria.
246
Biblioteca Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e 1747,
Lisboa, 1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo IV, pág. 245.
247
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 15v.
248
No primeiro, juntamente com Francisco de Freitas - ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal,
Liv. B-1, fl. 21.
507
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
5.2. João Gorjão. Filho legítimo ou natural de Pedro Fernandes Gorjão. Casou… Teve:
6.1. «Pd. Francisco Gorjão [de Freitas], em que o seu Tio acima instituiu Capela e ele
instituiu outra com obrigação de se apelidar de Freitas e de ambas é possuidor António
Caldeira de Araújo 250. Administrava a referida Capela em 1625, quando os bens
que a compunham foram tombados. Sobre este, remeto o leitor para a nota
de rodapé 101, que se refere ao próprio e à sucessão no vínculo. Coadjutor
no Turcifal, está muito documentado como celebrante e padrinho no Turcifal,
desde, pelo menos, 5 de Agosto de 1599 251, passando por 3 de Junho de 1601,
juntamente com Madalena de Freitas, a sua irmã 252 e em dezenas de assentos
até 1626. Foi procurador de sua irmã Madalena Gorjoa de Freitas, em 18 de
Janeiro de 1618 253 e documentamo-lo como testemunha no casamento de João
da Ponte com Maria Nunes da Fonseca, a 17 de Setembro de 1626, em Torres
Vedras (Santa Maria do Castelo) 254. Instituiu capela na igreja de Santa Mada-
lena do Turcifal, com obrigação de três missas anuais na mesma igreja, capela
cuja administração pediu Manuel Ferreira Escudeiro, alegando estar vaga para a
Coroa e pretendendo litigar sobre ela, o que teve “em sua vida somente” (Alvará –
10 de Agosto de 1735) 255. Smn 256.
249
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 39v.
250
Em 1773 já era chamado a prestar contas das capelas do Pd. Baltasar e de Vasco Varela da
Fonseca o sobrinho Manuel Joaquim Barreto Caldeira Gorjão de Freitas, morador no Turcifal,
filho de João Baptista Pereira.
251
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. M-1, fl. 14v. (?).
252
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 13. E a baptizar desde 21.4.1601, como
coadjutor (fl. 12v.).
253
Biblioteca Nacional, Index das notas de varios tabelliães de Lisboa, entre os annos de 1580 e
1747, Lisboa, 1930-1949 [B. 3252 V.], Tomo III, pág. 121 (ortografia actualizada, abreviaturas
desdobradas, etc.): «Prazo da Igreja de São Miguel a Tomé Álvares, Tesoureiro da Capela Real, de
2 moradas de casas que parte com as que foram de Luís Álvares Castelo, que comprou a Frei Luís de
Vasconcelos, filha de Joana de Vilalobos, capucho. Notas de Francisco Coelho, de 22 de Outubro de
1615 e as outras a Madalena Gorjoa de Freitas, por seu Procurador o Padre Francisco Gorjão – notas
de P. Coelho de Azevedo, 18 de Janeiro de 1618, fl. 11».
254
ADL, RPTVD, Santa Maria do Castelo, Liv. M-1, fl. 97.
255
ANTT, Chancelaria de D. João V, Liv. 87, fl. 174; e ANTT, RGM, D. João V, Liv. 27, fl. 136v.
Terá perdido o processo pois, quase até ao final do século XVIII, a Capela foi administrada pela linha
referida na nota 101.
256
Um Francisco Gorjão e sua mulher Antónia Franca baptizaram um filho António no Turcifal,
em 9 de Setembro de 1611, sendo padrinho o Pd. Francisco Gorjão; Simão, a 1 de Novembro
508
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
509
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
7.1. Maria 261 Gorjão. «Viveu no Turcifal. Dizem seus descendentes que fora natural do
Turcifal, ou de Freixufeira, que é perto, e que casara no Gradil, uma légua distante, com
João Alves de Azevedo» 262, que num assento aparece como “João Alz pintor”. E de facto
encontram-se filhos deste casal no Turcifal, como se verá abaixo. Foram pais de:
261
O Pd. Rodrigues de Faria diz que a encontrou tanto como Maria como com o nome de Isabel
(de facto, há no Turcifal assento o assento de baptismo de um António, filho de João Alves
e de Isabel da Fonseca, a 3.3.1602 – Liv. B-1, fl. 15v.). O referido autor expõe também a
possibilidade de esta Maria ser filha de Lopo Gorjão e neta de André Gorjão (referido por Diogo
do Couto nas suas Décadas) e mãe de Francisco do Rego Gorjão. Noto aqui que a Quinta da
Farropeira seguiu na linha de outros descendentes de Gorjões, como se documenta nos registos
públicos. Se esta hipótese genealógica fosse correcta, os Coutinho Gorjão descenderiam de
irmã de Álvaro Anes Gorjão. Não acredito. Esta mesma linha para Maria Dias Gorjão já a
expus com base nas mesmas fontes em http://geneall.net/pt/forum/29356/cunhas-de-antanhol-
coimbra/#a30261, em 2002; sobre gerações seguintes, vide João de Figueiroa Rego (por exemplo
em Figueiroa-Rego, João de, «As nobrezas secundogénitas no Império Ultramarino Português.
Um estudo de caso (sécs. XVI e XVII)», Historia y Genealogia, n.º 2, 2012, pp. 87 e 95-96,
disponível em linha); ou João Trigueiros, em trabalho disponível em http://familiatrigueiros.
blogspot.pt/ 2014/05/trigueiros-de-azevedo-botado-de-almeida.html e acedido, por último, a
22 de Novembro de 2016, que dá de Francisco do Rego Gorjão desenvolvida nota biográfica,
no original com fontes: «natural do Turcifal e falecido a 24-VII-1643 na freguesia de Santa
Maria do Castelo, em Torres Vedras, com testamento «he testamenteiro seu cunhado João Botado
D’Almeida, morador na Quinta da Ribeira» e nessa igreja «está enterrado junto à Capella dos
Bottados». Foi capitão de ordenanças da vila de Torres Vedras, almoxarife e juiz dos direitos
reais e dos Órfãos por carta régia de 15-VI-1618, assim como seu vereador [mais velho] pelo
que procedeu à aclamação de D. João [IV] a 18-XII-1640. Foi ainda provedor da Misericórdia
em 1628, assim como voltou a ser eleito para o mesmo cargo em 1637. (…) era filho de Lopo
Gorjão [f. 12 de Dezembro de 1595, «no seu Casal da Feropeira», no Turcifal – Liv. M-1, fl. 55]
(…), Cavaleiro Fidalgo [“Cavaleiro da casa delRey nosso sonor”] que vivia no Turcifal a 30-VI-
1589 e sucedeu na casa de seu pai, tendo levado como dote a Quinta da Farroupeira, no Turcifal,
para casar com sua mulher D. Bebiana do Rego; neto paterno de André Gorjão; neto materno
de Antão do Rego, fidalgo de cota de armas, cavaleiro da Casa Real que serviu no Oriente, e de
sua mulher D. Margarida Varela de Carvalhosa, esta última filha de Álvaro da Ponte, da freguesia
da Ponte do Rol, que foi cavaleiro da Casa Real de D. Afonso V». C.c.g., na freguesia de Santa
Maria do Castelo (Torres Vedras). André Gorjão (que serviu na Índia em 1586) e Francisco do
Rego Gorjão (vereador mais velho e juiz pela ordenação, a quem coube aclamar a D. João IV
em Torres Vedras – Torres, Manuel Agostinho Madeira e, Descripção Histórica e Economica da
villa e termo de Torres-Vedras, 2.ª ed., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1861, p. 38; para a
transcrição do texto, Figueiroa-Rego, Rogério de, «Reflexo da Restauração na vila de Torres
Vedras», Revista dos Centenários, n.º 22, Outubro de 1940, ano II, pp. 23-26, disponível em
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/RevistadosCentenarios /N22/N22_item1/
P29.html) são dois dos notáveis cidadãos do Turcifal nomeados no projecto de Lei n.º 203/
VII de elevação do Turcifal a Vila (DR, II série-A, de 20.7.1996, p. 1401), que veio a acontecer
através da Lei n.º 62/97, de 12 de Julho.
262
Nos assentos não o encontrei com o apelido “Azevedo”.
510
RECONSTITUIÇÃO BREVE DE UMA LINHAGEM NOBRE PORTUGUESA: COUTINHO GORJÃO, DA MADEIRA
8.1. António Gorjão. Seria o que casou com Maria de Abreu em 1652, e segue
no texto. Não encontrei o assento de baptismo do Turcifal, a não ser o dito filho
de João Alves Carreiros 263 e Isabel da Fonseca 264, baptizado no Turcifal a 3 de
Março de 1602.
8.2. Manuel Gorjão. Baptizado no Turcifal a 31 de Dezembro de 1603 265. Solteiro,
morreu antes de seus irmãos António e Francisco, que se habilitaram às heranças
de ambos (1639).
8.3. Gregório Gorjão. Baptizado no Turcifal, a 20 de Dezembro de 1606 266. Casado,
morreu antes de seus irmãos António e Francisco. S.g.
8.4. Nuno. Baptizado no Turcifal a 2 de Dezembro de 1611 267.
8.5. Francisco Nunes Gorjão. Baptizado no Turcifal a 25 de Abril de 1614 268. Iden-
tificado como filho de João Álvares e natural do Turcifal, teve o foro de Moço da
Câmara com a condição de servir na Índia (Alvará de 1 de Abril de 1642). 269.
Principais Abreviaturas
263
Assim na verba da Capela do Pd. Baltasar Gorjão. Era Isabel da Fonseca irmã de Inês da Fonseca.
264
Relembre-se que nos descendentes de Branca Fernandes Gorjão há também o apelido “Fonseca”
– vide a sucessão na Capela instituída Vasco Varela da Fonseca no seu testamento, em 1588.
265
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 23v. Foi padrinho Jorge Gorjão e
Margarida Gomes. Esta Margarida Gomes parece ser a mulher de Álvaro Gomes, da Semineira
(onde, aliás, viviam os meus antepassados mais remotos por varonia até 1562).
266
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 33. Foram padrinhos Luís Alves e Brásia
Nunes.
267
Foram padrinhos Brás Bernardes, filho de Manuel Bernardes e Brites Alves, sua Mãe, moradores
no Turcifal. Um Brás Bernardes, talvez filho, casou com Maria de Almeida Gorjoa e foram pais
de Maria, que foi afilhada de Madalena Gorjoa de Freitas, a 8 de Agosto de 1622; e de Beatriz,
baptizada a 26 de Março de 1626, afilhada do Pd. Francisco Gorjão de Freitas.
268
ADL, RPTVD, Santa Madalena do Turcifal, Liv. B-1, fl. 58.
269
ANTT, Livro da Matrícula dos Moradores da Casa Real, Liv. 1 (5), fl. 7v.
511
miGueL Gorjão-Henriques dA cunHA
512
CONTRIBUIÇÕES DE UMA FAMÍLIA PORTUGUESA
PARA A FORMAÇÃO DO BRASIL
E. R. de Arantes e Oliveira*
Resumo: este meu artigo constitui um resumo de outros artigos que tenho publicado
noutros números da Revista e que dizem respeito a diferentes ramos da minha família.
Ele próprio é pois uma síntese subordinada ao título que lhe dei. Não tendo sentido
elaborar uma síntese de uma síntese, limito-me a dar esta explicação.
Abstract: the present paper is a summing-up of several papers I published about
different branches of my family. It is itself a synthesis subordinated to its own title. As
there would be no meaning in elaborating a synthesis of a synthesis, I bound myself to
this explanation.
* N. em Lisboa em 1933, lic. em eng. civil pelo IST, investigador do LNEC (em Mecânica das
Estruturas e Métodos Computacionais), m. sc. pelo Massachusetts Institute of Technology-
-MIT, prof. cat. por concurso do IST (Resistência de Materiais). Antigo Reitor da Universi-
dade Técnica de Lisboa. Professor emérito do IST. Antigo Presidente, e actualmente membro
honorário, da Academia de Marinha. Antigo Director do LNEC. Sócio efectivo da Classe de
Ciências e antigo Presidente da Academia das Ciências de Lisboa. Membro honorário da Socie-
dade de Geografia de Lisboa. Membro emérito da Academia de Engenharia. Membro honorário
do Instituto Português de Heráldica. Membro da Academia Real das Ciências da Bélgica e da
Academia do Reino de Marrocos. Doutor honoris-causa das Universidades de Liège, Federal do
Rio de Janeiro, Ásia Oriental e Macau. Grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Portugal),
Grã-Cruz da Ordem do Mérito Civil (Espanha), cavaleiro da Legião de Honra (França).
513
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
Senhor
1
Era da família dos “Vaz de Caminha”, fidalgos da Casa dos Duques de Bragança e Alcaides-
mores de Vila Viçosa. Desses descendia também, por via materna, o 1º Conde das Galveias,
Diniz de Melo de Castro, o mesmo que, como adiante se verá, casou com Dona Ângela Maria
da Silveira.
2
Sublinhei o que mais me impressionou.
514
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
E assim continuou:
3
O capitão de uma das caravelas que foram à Índia com Vasco da Gama.
4
O que primeiro dobrou o Cabo da Boa Esperança.
515
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
e levassem dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar
a cada uma sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas
de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos
homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-
-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram
muito.
Ao domingo de Pascoela (26 de Abril) pela manhã, determinou o Capitão de ir
ouvir missa e pregação naquele ilhéu 5. Mandou a todos os capitães que se aprestassem
nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um espe-
ravel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer
missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique de Coimbra 6, em voz entoada, e
oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali.
A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual
esteve sempre levantada, da parte do Evangelho. Acabada a missa, desvestiu-se o padre
e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e
proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e
do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência
viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente,
pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando.
E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação,
levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar
um pedaço.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa
bandeira alta. Embarcamos e fomos todos em direcção à terra para passarmos ao longo
por onde eles estavam, indo, na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias
em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para lho dar; e
nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água,
metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e
muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.
5
Trata-se de uma missa no ilhéu, e não da que costuma ser considerada a 1ª missa no Brasil.
6
Mais tarde Bispo de Ceuta e Primaz da África. O seu nome era Henrique Soares, mas, segundo
a tradição franciscana, associava ao nome próprio o da terra de origem. Frei Henrique pode pois
considerar-se como um contributo de Coimbra.
516
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles, sem impli-
carem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam
aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão;
e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão.
E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às
quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são
tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não pode mais ser. Isto me faz presumir que
não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem
nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.
À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali
vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam
arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-
-se connosco. Abraçavam-nos e folgavam.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz,
dum pau, que ontem para isso se cortou. Muitos deles vinham ali estar com os carpin-
teiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam,
do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua
madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas,
mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que
ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles connosco. E tanto que
saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí. Andariam na praia,
quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me
que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por
qualquer coisa que lhes davam. Comiam connosco do que lhes dávamos. Bebiam
alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem,
o beberão de boa vontade. Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com
suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui
boa vontade, e levavam-na aos batéis. Andavam já mais mansos e seguros entre nós,
do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira
grande e de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma, que vem ter à praia,
e em que nós tomamos água. Ali ficámos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo
dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que
homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e
bons palmitos.
517
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz,
que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é
sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o
acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam,
acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la. Parece-me gente de tal
inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles,
segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão
de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga,
porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente
neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons
corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem
causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve
cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem
ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos
homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos,
que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios,
que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra,
com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu
que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o
lugar, onde fizessem a cova para a chantar. Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos
nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses
religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.
Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim
vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da
praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta.
Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinquenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente
lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa 7 o padre frei Henrique,
a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram connosco a ela obra de
cinquenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
7
Foi esta a denominada “primeira missa no Brasil”, e como tal evocada por famosos pintores,
como Vítor Meirelles no século XIX e Cândido Portinari no século XX.
518
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos
levantadas, eles se levantaram connosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser
acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que
nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos
levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita
devoção. Estiveram assim connosco até acabada a comunhão, depois da qual comun-
garam esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros. Alguns deles,
por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram
e ficaram. Um deles, homem de cinquenta ou cinquenta e cinco anos, continuou ali
com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e
ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo
para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de
bem; e nós assim o tomámos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se
subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos,
cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e
virtuoso, o que nos aumentou a devoção.
Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para
ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros
iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de
estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que
se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao
pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha
primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que
seriam obra de quarenta ou cinquenta. Isto acabado – era já bem uma hora depois do
meio-dia – viemos às naus a comer, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez
aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe
muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca, e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa
para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam
fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem
adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais
devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém
vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhe-
cimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos,
hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual
esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a
redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se
519
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior,
quanto a vergonha. Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se conver-
terá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação. Acabado isto, fomos assim
perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até
à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo
do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra
por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia
parma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito
grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que
nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem
prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de
muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque
neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em
tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das
águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar
esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar,
que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute,
bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza
tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.
Deste Porto Seguro da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, 1º dia de
maio de 1500.
2- Contributos do Alentejo 8
8
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Sobre a varonia da Família Arantes e Oliveira”,
Armas e Troféus, IX série, tomo XVI (2014), pp. 313-344.
9
Obra de referência da autoria do Padre Joaquim José da Rocha Espanca, de Vila Viçosa,
publicada pela Câmara Municipal de Vila Viçosa.
520
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
de Bragança. Uma das duas únicas casas brasonadas de Vila Viçosa era, justa-
mente nela, a chamada “Casa Nobre dos Mascarenhas”.
Segundo o Padre Espanca, foi esta casa construída em meados do século
XVI por iniciativa de Pedro Mascarenhas, fidalgo cavaleiro da Casa Real, que
depois foi viver em Olivença onde casou, a 20/V/1576, com Dona Maria da
Gama, filha de Estêvão da Gama, cavaleiro de Cristo, e de Dona Francisca Lobo,
filha de António Lobo, Senhor do Morgado de Vale-Moreno, o maior e mais
antigo de Olivença. Foi por essa razão que esses Lobos foram chamados os “Lobos
de Vale-Moreno”.
António Lobo casou com Dona Ana Lopes de Ávila, filha de Afonso Lopes
de Ávila e de uma Vasconcelos. Frei Henrique de Coimbra, mais tarde Bispo de
Ceuta e primaz da África (sedeado em Olivença), o sacerdote que celebrou, em
26/IV/1500, a 1ª missa no Brasil, era irmão de Dona Ana e, portanto, tio por
afinidade do dito Pedro Mascarenhas.
Este último, fidalgo cavaleiro da Casa Real e Comendador de Santa Maria
do Touro, era filho de um Fernão Martins Mascarenhas, também fidalgo da Casa
Real por carta de 1579, e de D. Catarina Coelho Lobo, filha de Vasco Coelho e de
sua mulher D. Leonor Machado Lobo, herdeira do Morgado dos Carregueiros,
outro famoso morgado de Olivença. Rui Mendes Lobo, o pai de Dona Leonor
Machado, fora o superintendente das obras que D. Manuel mandou fazer em
Olivença, entre as quais avulta a famosa Igreja da Madalena 10, e fidalgo da Casa
do mesmo Rei. Era tetraneto de Afonso Anes Carregueiro 11 que instituiu o dito
Morgado, do qual constavam “casas-nobres e mais fazenda em Olivença, e uma
herdade com mais de duas léguas de circunferência no termo de Monsaraz” 12.
Pedro Mascarenhas foi pai de outro Fernão Martins Mascarenhas (Gayo,
§19, N9), fidalgo da Casa de Bragança em tempo do Duque D. Teodósio e
fidalgo da Casa Real por alvará de 1595. Embora nascido em Olivença, este
Fernão casou com Dona Isabel Pereira, de Vila Viçosa, filha de Estêvão Ribeiro
Raposo, da linhagem dos Britos, cavaleiro fidalgo da Casa do Duque de Bragança,
Comendador de Parada e Senhor do Forte do Sobral, e de Dona Margarida de
Almeida, filha de Cristóvão de Mures Gançoso e herdeira da capela dos Gançosos
no Alandroal. Viveu este Fernão em Vila Viçosa, na já mencionada “Casa Nobre
dos Mascarenhas” na Corredoura de Vila Viçosa. Possuía ainda, em Bencatel, a
Quinta da Madre de Deus, chamada “do Mascarenhas”. Ele e Dona Isabel foram
10
Erigida para ser a catedral do bispado de Ceuta.
11
Rico-homem do Rei D. Fernando e alferes-mor de D. João I.
12
Ver o capítulo sobre Olivença do Padre António Carvalho da Costa, na sua “Corographia do
Famoso Reino de Portugal”.
521
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
pais de vários filhos, entre os quais Francisco Mascarenhas de Brito que casou com
Dona Brites Lobo da Silveira, baptizada a 18/IX/1606 na Igreja de Nossa Senhora
da Conceição de Vila Viçosa, filha de Manuel Mouro de Andrade (lavrador em
S. Romão, falecido em 20/IX/1612 e sepultado no convento de Santa Cruz de
Vila Viçosa) e de D. Ângela Mendes Lobo, que, tendo enviuvado desse primeiro
marido, casou, em Borba, com Luís da Silveira Vila Lobos.
Dona Brites Lobo, baptizada em Nossa Senhora da Conceição de Vila
Viçosa em 18/IX/1606, era irmã inteira do opulento lavrador André Mendes
Lobo 13, casado em 1629 com Dona Leonor da Silveira, ama-de-leite do futuro
Príncipe D. Teodósio, de quem teve:
– Dona Ângela Maria da Silveira, Condessa das Galveias por ser mulher
de D. Dinis de Melo de Castro, nascido em 1624, 1º Conde desse título.
– Dona Luísa (ou Maria) Lobo da Silveira que casou duas vezes, a primeira
com Álvaro de Távora Miranda Henriques, Alcaide-mor de Fronteira,
e a segunda com Ambrósio Pereira de Berredo. Deste 2º casamento
nasceu Dona Joana Vicência de Meneses que, casando com Bernardim
Freire de Andrade, foi mãe do 1º e do 2º Condes de Bobadela.
De todos estes titulares foi pois tia Dona Brites Lobo (da Silveira), e primos
todos os que desta descenderam.
O 1º Conde das Galveias e D. Ângela Maria da Silveira foram pais do 2º e
do 4º Condes das Galveias. Este último, D. André de Melo de Castro, nascido em
1668 e falecido em 1750, desempenhou o cargo de embaixador extraordinário
junto do Papa Clemente XI. Foi uma personagem chave nas importantes nego-
ciações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé que ocorreram durante o reinado
de D. João V. Passando ao Brasil, o 4º Conde das Galveias foi, entre 1732
e 1736, governador e capitão-geral de Minas Gerais, onde tomou medidas
que aumentaram sensivelmente a produção de ouro, prata e diamantes. Entre
1736 e 1749, foi ele o 5º Vice-rei do Brasil.
O 1º Conde de Bobadela foi, entre 1733 a 1763, governador e capitão-
-general do Rio de Janeiro. Em 1735, foi governador de Minas Gerais e, a
partir de 1748, de S. Paulo, Mato Grosso e todo o Sul do Brasil. Uma vez cele-
brado o Tratado de Madrid, em 1750, coube-lhe delimitar as fronteiras entre
13
Pagador-geral do Exército do Alentejo e Couteiro-mor da Tapada Real de Vila Viçosa, cargo em
que lhe sucederiam os Condes das Galveias.
522
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
3- Um contributo do Ribatejo
523
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
suficiência, vida e costumes hei por bem e me praz de apresentar na dita igreja como
é de efeito apresentar e hei por apresentado que a servirá como cumpre ao serviço de
Deus e bem das almas dos fregueses dela e vos encomendo e mando que nela o confir-
meis e lhe passeis vossas letras de confirmação na forma costumada nas quais se faça
expressa e clara menção de como confirmastes a minha apresentação para guardar e
com evocação do direito da dita igreja haverá mantimento a ela ordenado e os prós e
percalços que ... Nicolau de Carvalho fez em Lisboa aos 29/XII/1640 …”.
António Pereira de Sousa e Dona Violante Mascarenhas da Silveira foram
pais de numerosos filhos, entre os quais Dona Leonor Mascarenhas da Silveira,
que foi baptizada na freguesia de Nossa Senhora da Orada em Avis em 1668 e
casou, em 1685, na freguesia do Lavradio, com António Simões e Sousa. Um
dos filhos chamou-se Caetano da Silveira e Sousa Pereira, baptizado na freguesia
de Nossa Senhora da Consolação da Arrentela, termo de Almada, que, casando
em Lisboa com Vicência Maria, dela teve Cristina Maria Rosa, baptizada em
1735, mulher de Manuel Pedro. Tiveram Cândida Rosa, baptizada nas Mercês
em 1761, que casou com Fernando José d’Oliveira, o primeiro da família do
autor que usou o apelido Oliveira.
4- Contributos da Estremadura 17
17
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Carvalhosas, Palhavãs e Carvalhosas-Palhavãs”,
Armas e Troféus, IX Série (2000-2001), pp. 81-130.
524
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
525
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
22
Ver o “Inventário dos Documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar
de Lisboa”, organizado para a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e
Almeida, R. J., 1913).
23
OLIVEIRA, Eduardo Romano de Arantes e, “Sobre os Carvalhos da Quinta da Figoeira, no
termo de Torres Vedras”, Revista Dislivro Histórica, n.º 2 (2009), pp. 201-223.
24
A Quinta do Ramalhão, situada na freguesia de S. Pedro de Penaferrim, de Sintra, fora comprada
por Dona Maria da Encarnação Correia, tia de Dona Joaquina Clara da Silva, à Família Bivar.
Seria mais tarde adquirida pelo Príncipe Regente D. João para a Casa do Infantado, e habitada
por sua Mulher, Dona Carlota Joaquina, que lá deu à luz o Infante D. Miguel, futuro Rei de
Portugal.
526
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
com Dona Joaquina Clara da Silva. O dote de 8 contos de ouro que a noiva lhe
trouxe, permitiu ampliar o património da família, adquirindo várias propriedades
e introduzindo importantes melhoramentos. Consta da matrícula de bacharel do
filho, o Dr. José Manuel de Carvalho, que sucedeu ao pai no senhorio da Casa
e foi Juiz de Fora de Peniche durante as Invasões Francesas, que os Senhores da
Figoeira “tinham sege, lacaios e cavalos, sendo uma das melhores casas do termo (de
Torres Vedras)”.
O Sargento-mor Elisiário Manuel de Carvalho tinha uma irmã, Dona Ana
Gertrudes Rita de Carvalho que casou com o Dr. António de Barros Gorjão,
da Quinta dos Chãos, na freguesia de Santo Isidoro, do qual teve vários filhos.
Destes, os seguintes tiveram ligações com o Brasil 25:
25
OLIVEIRA, Eduardo R. de Arantes e, “Lisboa, Novembro de 1807. Uma carta e as suas
personagens”, Armas e Troféus, VIII série, tomo II, n.os 1, 2 e 3 (1998), pp. 1-17.
527
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
II
26
ARANTES, Eduardo, “O Casamento Baiano de Joaquim Inácio da Cruz”, Armas e Troféus, VIII
série, tomo I (1998), pp. 31-76.
528
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
III
27
Ver MEIRELES, Mário M. História do Maranhão, S. Luís, Fundação Cultural do Maranhão,
1980.
529
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
IV
VI
530
conTriBuições de umA fAmíLiA porTuGuesA pArA A formAção do BrAsiL
O apelido da minha avó paterna era Galrão de Arantes 28. No que se refere
aos Galrões, o único, mas importante, elo de ligação com o Brasil foi o 2º Bispo
de S. Paulo, religioso franciscano da província de Santa Maria da Arrábida,
que foi frade em Mafra e recebeu, em 24/IX/1735, carta de familiar do Santo
Ofício 29. Era filho de Braz Simões, de Montelavar, no termo de Sintra, e de Maria
de Santo António, irmã inteira de um José Pereira Meireles também familiar do
Santo Ofício. Foi Bispo de 1749 a 1764, com o nome de D. Frei António da
Madre de Deus Galrão 30.
Quanto à Família Arantes, as suas origens têm sido estudadas por vários
genealogistas, entre os quais o Padre Marcelino Pereira 31. O meu 5º avô Arantes,
de nome Francisco de Arantes, e um seu irmão Jerónimo de Arantes, nasceram
na Arquidiocese de Braga, na freguesia de S. Salvador do Couto de Souto, uma
das do actual Concelho de Terras de Bouro (que, juntamente com o Concelho
de Amares constituía a chamada “Terra de Entre Homem e Cávado”), filhos de
Domingos de Arantes, baptizado em 1699 na mesma freguesia, e de Josefa Fran-
cisca Marques, baptizada na de S. Mateus da Ribeira. Pertenciam a uma geração
de dez irmãos (de que foram o 8º e o 10º por ordem de nascimento) que se
fixaram na Estremadura portuguesa.
Dois outros irmãos, João de Arantes Marques e António de Arantes
Marques 32 (o 3º e o 9º da mesma geração), transferiram-se para o Brasil, dando
origem aos dois ramos principais dos Arantes do Brasil (respectivamente, o de
Formiga e o de Aiuruóca, ambos do Estado de Minas Gerais) à qual perten-
ceram, entre outras notáveis personalidades, o Barão de Cabo Verde, o Visconde
de Arantes (filho do anterior), e o Dr. Altino Arantes, 10º Presidente do Estado
de S. Paulo, e 1º presidente do Banco do Estado de S. Paulo-BANESPA (actual
Santander) a cujo edifício, outrora o mais alto de S. Paulo e do Brasil, foi dado o
seu nome. Um neto de Maria de Arantes (a primogénita dos 10 irmãos), o cirur-
28
OLIVEIRA, Eduardo Romando de Arantes e, “Os Arantes da Estremadura e as suas Relações
Familiares”, Armas Troféus, IX série (2013), pp. 117-150.
29
Os processos de habilitação dos familiares do Santo Ofício são altamente fiáveis, pelo que não
há dúvidas sobre a ligação com os Galrões.
30
Confundido por vezes, erradamente, com “Galvão”.
31
PEREIRA, Padre Marcelino, Colecção de Memórias genealógicas, volume 2, Arquivo Distrital de
Braga manuscrito n.º 876.
32
Ambos usavam o apelido Marques da mãe (que, como ainda hoje em Espanha, era
frequentemente usado depois do do pai), pelo que vários Arantes do Brasil adoptaram o apelido
Arantes Marques.
531
e. r. de ArAnTes e oLiveirA
gião João Manuel de Sousa Arantes, chegou ao Brasil com a Família Real em
1807, e deu origem ao ramo dos Arantes de Cunha (S. Paulo).
A Família Arantes do Brasil começou por ser estudada por Arnaldo Arantes
que, em 1953, publicou uma obra de 370 páginas, resultado de dez anos de
fecundo labor. Esta foi continuada pelo Dr. Américo Arantes Pereira. O volume
final 33, editado pela filha deste, Flávia Meirelles Pereira, já depois da morte do pai,
compreende cerca de 1200 páginas e constitui uma fonte importante para quem
pretenda conhecer essa Família. Encontros anuais em diversas cidades brasileiras
contribuem para manter viva a recordação da comum origem portuguesa dos
Arantes do Brasil.
33
ARANTES, Arnaldo, PEREIRA, Américo Arantes, A Família Arantes. Estudo Genealógico, 2.ª
edição, Ribeirão Preto (SP), Editora Legis Summa, 1993.
532
TÍTULOS E BRASÕES. LEGISLAÇÃO E NORMAS NO
IMPÉRIO BRASILEIRO
Abstract: the nobility titles and coats-of-arms were granted in Brazil, through mercy
in recognition of services to the nation, without hereditary right. The concession rights
issues of titles were theme in many sections in the Brazilian Imperial Parliament
during the early years of the second reign. The searched documentation allowed me to
write about the trajectory and the challenges expressed in parliamentary speech until
the extinction of the nobility with the advent of the Republic.
533
verA LuciA BoTTreL TosTes
Introdução
534
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
mil réis por bens, indústria, comércio ou emprego. Os príncipes da Casa Imperial
tinham direito ao senado a partir dos 25 anos de idade. As sessões eram públicas
e funcionavam por quatro meses. Durante o governo de D. Pedro I, a Câmara dos
deputados nunca foi dissolvida nem as sessões interrompidas ou adiadas. No de
seu filho, D. Pedro II, houve 11 dissoluções.
O Império do Brasil manteve um corpo de nobreza formado por um
grupo de indivíduos que gozavam de situação privilegiada. Apesar de calcar sua
organização na aristocracia portuguesa, difere do sistema europeu. A concessão
de títulos e brasões por cartas, durante o Império não conferia hereditariedade.
Foram concedidos 1.211 títulos nos os 67 anos de Império. As questões relativas
às concessões, ao seu mérito e ao direito exercido pelos imperadores Pedro I e
Pedro II foram tema de longos debates no Parlamento do Império até a Repú-
blica.
535
verA LuciA BoTTreL TosTes
1
MONTEZUMA, Francisco Gomes Brandão, Discurso Parlamentar, Anais da Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, fl. 10.
2
Anais do Parlamento Brasileiro – Assembléia Constituinte, Parlamento do Império, 1823, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1823, l tomo VI, pp222-224. Todo debate transcorreu devido ao
fato de D. Pedro I elevado o Almirante Cochrane a marquês do Maranhão e na mesma data
concedido o grau de grão-cruz da Ordem Imperial do Cruzeiro.
536
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
537
verA LuciA BoTTreL TosTes
dades públicas nunca puderam ver com bons olhos essas distinções que arreme-
davam a aristocracia europeia, não vendo nenhuma [...] ¨conveniência em se querer
conservar no Brasil essa nobreza ridícula, com bem poucas exceções¨ 6.
Na conclusão dos trabalhos, foi definido que, durante a Regência, não
seriam distribuídos títulos, condecorações ou honras, mas esses não seriam
abolidos. Durante oito anos, a Câmara não voltou ao assunto das distinções
nobiliárquicas. O tema caiu sobre item também relacionado à nobreza: os bens
vinculados ou morgados.
Somente em 1839, o deputado Venâncio Henriques de Rezende apresentou
nova proposta justificando a distribuição de títulos como forma de recompensar o
mérito e estimular as aspirações legítimas, e ironizou D. Pedro I por ter dado do
título de duquesa de Goiás a D. Maria Isabel Brasileira, sua filha ilegitimada com
Domitila de Castro Canto e Melo. Pediu um projeto de lei para regulamentar a
criação e distribuição de títulos e condecorações, uma vez que estava próxima a
maioridade de D. Pedro de Alcântara. Acrescentou, ainda, que a regulamentação
traria maior legalidade às concessões.
Enquanto a Câmara dos Deputados pedia regulamentação do direito
da nobreza, o Senado debatia o assunto procurando definir sua existência e
enquadrá-la como uma camada intermediária entre o monarca e o povo. Muitos
foram os discursos e debates nos quais a omissão da palavra nobre ou nobreza na
Constituição era questionada. A justificativa para tal foi que a Constituição trazia
um texto moderno e, portanto, não precisaria exemplificar as classes da socie-
dade. Em sessão de 1832, o visconde de Cairu investiu na defesa da Constituição
dizendo que¨em nenhuma parte menciona a aristocracia de nobreza hereditária ou
da riqueza, bem ou mal adquirida. Ela só reconhece para cargos públicos a aristo-
cracia dos talentos e das virtudes¨ 7.
Sem conclusão para as questões apresentadas, terminou o período regen-
cial, iniciou o governo de D. Pedro II (1840-1889) e as discussões continuaram
em ambas as Casas legislativas sem definição. Apesar do grande número de
discursos que pediam a regulamentação da nobreza, nada foi conseguido. Os
próprios parlamentares não estavam convictos quanto a existência da nobreza,
o que contribuiu para prolongar a situação de indefinição e favorecer o arbí-
trio governamental. Com D. Pedro II, procuraram evitar o excesso de concessões
anterior. Mesmo assim, numerosos títulos foram concedidos por decretos.
6
CUNHA , Rui Vieira, O Parlamento e a Nobreza Brasileira, Brasília, Senado Federal / Arquivo
Nacional, 1979, p. 143.
7
LEÃO, Policarpo Lopes, Considerações sobre a Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Topografia
Perseverança, 1872, p. 5.
538
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
Processo de Nobilitação
8
MAIA, Jose Antonio da Silva, A Nobreza Brasileira, Anuário do Museu Imperial, Petrópolis,
Museu Imperial, 1940.
539
verA LuciA BoTTreL TosTes
540
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
12
CUNHA, Rui Vieira da, Figuras e Fatos da Nobreza Brasileira, Rio de Janeiro,Arquivo Nacional,
1975, p. 56. O autor cita que alguns agraciados como Pedro Dias Paes Leme precisou de três
dispensas de pagamento por lapso de tempo para cumprir o tempo de registro do título de barão
com grandeza. As dispensas de taxa aos militares, em especial no período da Guerra da Tríplice
Aliança entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai , muitos foram os que receberam títulos e
condecorações pelo desempenho durante a guerra que durou de 1864-1870.
13
Coleção de Leis do Império, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1847, Parte 2, p. 17.
541
verA LuciA BoTTreL TosTes
14
Carta Manuscrita de Solicitação de Brasão, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1854, Lata Verde.
542
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
papeis não pagos dentro do prazo, havia multa revalidando o pagamento em dez
vezes maior que marcado na tabela.¨ 15 As despesas eram ainda acrescidas pelo
papel ou pergaminho no qual se lavrava a carta. O Armorial Brasiliense, de Luis
Aleixo Boulanger, Rei de Armas do Império, detalha os custos que, em 1870, no
total, chegavam ao 547$000 réis para a concessão do uso do brasão, depois de
registrada no Livro de Registro de Cartas e Brasões de Armas da Nobreza e Fidal-
guia 16. Na carta, era esclarecida a não hereditariedade: “[...] nunca podendo seus
sucessores usar deste brasão, sem que cada um deles seja por mim confirmado”. Para
os descendentes, o procedimento obedecia do Decreto de 1847 e, no registro, era
assinalado à condição de filho.
Só podiam ser registradas as armas conferidas oficialmente pelo governo.
Muito poucas podem ser confirmadas, uma vez que os códices de registro do
Cartório da Nobreza foram perdidos. Segundo Paulo Braga de Menezes, oito
livros foram escriturados, todos extraviados, à exceção do número 2, o último
do Império. Durante recente pesquisa, além do livro número 2 e de alguns origi-
nais junto às cartas, há m códice avulso, no Arquivo Nacional, sem informações
precisas e controle da sua origem, nos quais há os registros do marquês de Paraná
e dos barões do Amparo, Bela Vista, Carapebus, Pati do Alferes, São Gonçalo e
São João da Barra, todos da Província do Rio de Janeiro. 17
Apesar de alguns escritores acreditarem que todos os Avisos deram, efeti-
vamente, origem às cartas dos nomes neles indicadas, não se pode confirmar com
total precisão. Além das fontes referidas, os Avisos eram publicados nos perió-
dicos de circulação autorizados a divulgar atos oficiais, como o Correio Mercantil
(1848), Diário do Rio de Janeiro (1848-1854), o Jornal do Comércio (1855-1862)
e a partir de 1862, passaram a ser publicados no Diário Oficial.
A simbologia nos brasões é que melhor retrata o segmento nobre que pode
ser interpretado de acordo com a sua representação. Os atributos de origem euro-
péia apesar da superioridade não são os que emprestam singularidade a heráldica
brasileira. A introdução de símbolos nacionais ocorreu, sobretudo na zona rural
e é a responsável pela espontaneidade tropical no uso das cores e figuras nitida-
mente locais como, o índio marcando a posse da terra e a catequese cristã, a mais
15
Coleção de Leis do Império de 1841, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, parte I, pp. 51-63. Cabe
lembrar que o Segundo Reinado foi marcado por crises econômicas com forte desvalorização da
moeda e inflação alta.
16
Armorial Brasiliense Luis Aleixo Boulanger, 1870, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro,
Arquivo da Nobreza, anexo 3.
17
MENEZES, Paulo Braga; BEZERRA, Roberval Francisco de, Armas Hipocráticas do Império do
Brasil, Rio de Janeiro, s/d.
543
verA LuciA BoTTreL TosTes
Conclusão
544
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
Bibliografia
Manuscritos
Avisos do Ministério do Império dos Senhores Titulares, (1855 -1887) que pertenceu
a Ernesto Aleixo Boulanger Escrivão da Nobreza e Fidalguia do Império do Brasil,
1855-1887, Instituto Histórico e Geográfico Nacional, Cadernos 1 e 2, lata 186.
se inspirou no verso apócrifo, do período de D. Maria II (1834-1853): ¨ Corre, cão, que te fazem
barão/ Correr para onde, me fizeram visconde¨ , quando era grande o descontentamento com a
excessiva liberalidade na concessão de títulos nobiliárquicos.
20
Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, Museu Imperial, 1956, p. 20.
545
verA LuciA BoTTreL TosTes
Carta Manuscrita, 1882, Arquivo Nacional, pasta Luiz Octavio de Oliveira Roxo.
Requerimentos para uso de Armas, onde ocorrem algumas certidões, s/d, Arquivo
Nacional, pasta Titulares do Império.
Registro Geral das Mercês, 1827, Arquivo Nacional, Cod. 137, Livro 72, fls.
113-114.
Livro de Registro de Leis, Alvarás e Cartas, 1824 a 1867, Arquivo Nacional, Cod.
528, vols. 1-10.
Livro de Registro de Leis, Alvarás e Cartas, 1849, Arquivo Nacional, Cod. 526, vol.
9, fl. 145.
Fontes Impressas
Legislação
546
TíTuLos e BrAsões. LeGisLAção e normAs no império BrAsiLeiro
Anais da Câmara dos Deputados, 1841, 1843 e 1846, Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, vol. I, p. 590.
Coleção de Leis do Império, 1831, 1841, 1850, 1883, 1888, Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, tomos I – XXIII.
Obras Impressas
CUNHA, Rui Vieira da, Estudo da Nobreza Brasileira, Cadetes, Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, 1966.
547
verA LuciA BoTTreL TosTes
548
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS DO
INSTITUTO PORTUGUÊS DE HERÁLDICA NAS ÁREAS
DE HERÁLDICA E GENEALOGIA
Ano de 2015
AVILA, Christovão de
“Heráldica da Casa da Torre de Garcia d’Ávila. Origens e vínculos, no
Brasil e Além-Mar”, Armas e Troféus, IX Série, tomo XVII (2015), pp.
217-243.
FIGUEIROA-REGO, João de
“Branco da Terra”, in SERRÃO, J. V.; MOTTA, M.; e MIRANDA, S. M.
(direcção), e-Dicionário da Terra e do Território no Império Português, Lisboa:
CEHC-IUL no Império Português, 2015, disponível em: https://edittip.
net/2015/08/10/branco-da-terra/.
549
ArmAs e Troféus
“From the House of David to the tribe of Levi. The concept of nobility among
communities of Sephardic origin”, in TAVIM, José; MUCNICK, Esther
(eds.), In the Iberian Peninsula and Beyond: A History of Jews and Muslims.
Language and Culture (15th-17th Centuries), Cambridge Publishing House,
2015, 1.º vol., pp. 211-227.
550
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015
551
ArmAs e Troféus
PORTUGAL, João
“Dr. Francisco de Simas Alves de Azevedo (1933-2014)”, Armas e Troféus, IX
série, tomo XVII (2015), pp. 29-32.
552
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015
REI, António
“Ascendências moçárabes nas linhagens do «Livro Velho»”, Xarajîb, n.º 8
(2015), pp. 183-193.
553
ArmAs e Troféus
“Santos Simões, Jorge de Moser and Luiz Ferros ‘Tile Heraldry’: a pionee-
ring project and cooperation” in DigiTile Library: Tiles and Ceramics on line,
Susana Varela FLOR (coord.), Artis – IHA/Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Lisboa/ Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian/
Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto de I&D
[PTDC/117315/2010], Lisboa, 2015. URL: http://digitile.gulbenkian.pt/
cdm/ref/collection/est/id/24
554
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DOS SÓCIOS REFERENTE AO ANO 2015
555
ArmAs e Troféus
556
ACTAS DO ANO ACADÉMICO 2015-2016
13-X-2015
Reunião Geral
Comunicação do convidado Prof. Doutor Torsten Hiltmann, com o título:
Anciennes définitions et nouvelles perspectives : Que sont les armoiries?
19 Presenças
18-XI-2015
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof.ª Doutora Alexandra Pelúcia, com o título: Em Torno
de Afonso de Albuquerque - Laços de Sangue e Artifícios de uma Identidade Familiar
20 Presenças
15-XII-2015
Conselho Director
Ordem de Trabalhos:
1) Admissões e promoções de sócios
2) Situações de sócios em incumprimento
3) Prémio
4) Publicações
12 Presenças
16-XII-2015
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof.ª Doutora Carla Varela Fernandes e do sócio
efectivo Prof. Doutor Miguel Metelo de Seixas, com o título: A imagem gótica de
Nossa Senhora da Cinta de Alcácer do Sal: iconografia e heráldica
28 Presenças
557
ArmAs e Troféus
20-I-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. Augusto Ferreira do Amaral, com o título: Os
nobiliários medievais portugueses como fonte da genealogia – avaliação crítica
26 Presenças
17-II-2016
Reunião geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. João Bernardo Galvão Teles, com o título: A
tentativa de legitimação de D. Jorge, filho bastardo de D. João II
23 Presenças
16-III-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio efectivo Dr. Fernando Correia da Silva, com o título:
Duas Cartas de Armas do reinado de D. Afonso VI: algumas reflexões heráldicas,
genealógicas e políticas
15 Presenças
28-IV-2016
Reunião Geral
Comunicação do sócio Prof. Doutor Vicente de Paiva Brandão, com o título: O
Palácio do Raio: Memória institucional e genealógica
17 Presenças
23-V-2016
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof. Doutora Roberta Stumpf, com o título: A
nobreza por 8 arrobas de ouro: Minas Gerais, séc. XVIII
28 Presenças
29-VI-2016
Reunião Geral
Comunicação da convidada Prof. Doutora Isabel Corrêa da Silva, com o título:
Os apontamentos de João Camelo Lampreia: memórias de um luso-brasileiro (1896-
1910)
34 Presenças
27-XII-2016
Conselho Director
Ordem de Trabalhos:
1) Relatório e contas do ano 2015.
2) Adenda ao regulamento da revista Armas e Troféus.
558
AcTAs do Ano AcAdémico 2015-2016
559
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS
1. Escopo
2. Órgãos
561
ARMAS E TROFÉUS
3. Exercício
4. Funções
a. Cabem ao Director:
b. Cabem ao Redactor:
562
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS
563
ARMAS E TROFÉUS
5. Normas redactoriais
a. Apresentação do artigo:
564
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS
b. Referências Bibliográficas:
1) Monografias
2) Publicações em série
4) Actas de congressos:
A ordem e os elementos das referências bibliográficas das actas são
os mesmos das monografias (Veja-se 1).
565
ARMAS E TROFÉUS
7) Fontes Manuscritas:
566
REGULAMENTO DA REVISTA ARMAS E TROFÉUS
567