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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO


ENGENHEIRO COELHO
LICENCIATURA EM MÚSICA

EDUARDO MANOEL LUSTOSA DOS REIS

O PATRIMÔNIO MUSICAL E A PARTICIPAÇÃO ATIVA: UM ESTUDO SOBRE A MÚSICA SACRA


CATÓLICA

ENGENHEIRO COELHO
2015
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EDUARDO MANOEL LUSTOSA DOS REIS

O PATRIMÔNIO MUSICAL E A PARTICIPAÇÃO ATIVA: UM ESTUDO SOBRE A MÚSICA SACRA


CATÓLICA

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro


Universitário Adventista de São Paulo do curso
de Educação Artística/Licenciatura em Música,
sob a orientação da Prof. Dr. Jetro Meira de
Oliveira.

ENGENHEIRO COELHO
2015
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Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário de São Paulo, do curso de Educação


Artística – Licenciatura em Música apresentado e aprovado em 29 de Novembro de 2015.

Prof. Dr. Jetro Meira de Oliveira

Prof. Me. Lineu Formighieri Soares


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Dedico este trabalho aos meus pais que sempre


me incentivaram no caminho pelo saber,
buscando suprir todas as necessidades e pela
alegria de me oferecer tudo o que as
circunstancias da vida não lhes proporcionou.
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AGRADECIMENTOS

 A Deus Pai, Filho e Espírito Santo pela regência da minha história.


 Aos meus pais pelo apoio e incentivo incondicional.
 Aos colegas de turma com quem pude partilhar de muitas alegrias neste quatro anos.
 Aos professores do curso, em especial à professora Ailen Balog por todo o amparo e
suporte, à professora Maria Flávia Silveira Barbosa pelo auxílio na pesquisa acadêmica
e consciência de nossa prática social como professores de música e à professora Denise
Scandaroli pelo estímulo e incentivo.
 Ao querido professor e orientador Jetro Meira de Oliveira por toda a dedicação e
confiança em mim depositada.
 Aos meus alunos e coralistas, que são a grande motivação do meu fazer musical.
 Aos Coros Infantil, Juvenil e Polifônico da Basílica de Americana com quem pude
experimentar mais intensamente alguns dos ideais relatados neste trabalho.
 Ao clero da Diocese de Limeira, em especial ao reitor Padre Pedro Leandro Ricardo
pela preocupação com a música sacra e confiança no meu trabalho.
 Ao querido Clayton Dias por todo o material disponibilizado, pelas orientações e pela
exemplar diligencia no trabalho com a música sacra.
 Ao professor e amigo Virgilio Solli pelos infindos saberes aos quais me apresentou
diante da historicidade da música.
 À querida professora Elisabete Almeida por todo ensinamento e respeito da arte do
belo canto, como também por me mostrar que todos possuem o direito de poder
cantar.
 Ao professor e amigo Angelo Fernandes pelas orientações sobre a prática coral.
 Às queridas amigas Eneida Whitehead e Ana Paula Rotger com quem pude partilhar
sobre os ideais contidos neste trabalho, como por todo auxílio e incentivo.
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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade apresentar ao regente de coro católico um estudo
bibliográfico a fim de formar um primário subsídio para a reflexão de dois aspectos da
presentes na música sacra católica: a urgente busca pela preservação do patrimônio da música
sacra e a participação ativa dos fiéis. Para estes fins, decidimos buscar nas naturezas da liturgia
e da música sacra, bem como em seu paralelo com a música pagã, aspectos que confirmam
sua peculiaridade e firmam sua identidade como prática musical. Este trabalho apresenta
também uma ilustração das práticas deste autor na Basílica de Americana, São Paulo, de onde
surgiram os questionamentos e a constante busca pela consciência e reflexão na liturgia.
Dessa forma, o regente de coro católico pode ter em mãos um subsídio para sua prática e
assim evitar graves erros que poderiam o afastar das orientações eclesiais. Este trabalho
possui um significado histórico, visto o crescente número de regentes e coros católicos na
última década juntamente com os questionamentos diante da ausência de ambientes de
formação em liturgia e música. Busca-se, contudo, vislumbrar a orientação dos próprios
documentos e levantar a discussão sobre música sacra católica na contemporaneidade, a fim
de que as práticas sejam regidas pelos princípios presentes nos documentos e seja promovida
a participação consciente, ativa e frutuosa dos fiéis ao mesmo tempo que seja respeitado e
devolvido à população católica um tesouro que lhes é próprio: a música sacra.

Palavras-chave: Música Sacra; Regente Católico; Patrimônio musical; Participação ativa; Canto
Coral.
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ABSTRACT

This study aims to present to the conductor of the Catholic choir a bibliographic study in order
to form a primary subsidy for the reflection of two currenst aspects in the Catholic sacred
music: the urgent quest to preserve the heritage of sacred music and the active participation
of believers. For these purposes, we decided to seek the nature of the liturgy and sacred music
as well as its parallel with pagan music, all of which confirm its peculiarity and signed its
identity as musical practice. This paper also presents a practical illustration of this author in
Basílica de Americana, São Paulo, where the questioning and the constant search for
awareness and reflection on the liturgy came out. Thus, the regent of Catholic choir may have
at hand a subsidy for their practice and avoid serious mistakes that could ward off the ecclesial
guidelines. This work has a historical significance, given the growing number of conductors
and Catholic choirs in the past decade along with the questions in the absence of training
environments in liturgy and music. Ir persuits, however, envision the orientation of the
documents themselves and raise the discussion of Catholic sacred music in contemporary
times, so that the practices are governed by the principles found in the documents and could
be promoted to conscious, active and fruitful participation of the believers while it is respected
and returned to the Catholic population a treasure that belongs to them: the sacred music.

Keywords: Sacred Music; Regent Catholic; Musical heritage; Active participation; Choir.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9
2 METODOLOGIA......................................................................................................... 11
3 DESENVOLVIMENTO ................................................................................................. 12
3.1.1 Missa e Liturgia ........................................................................................... 12
3.1.2 Missa: Definição.......................................................................................... 14
3.1.3 Estrutura do Rito Romano ........................................................................... 15
3.2 A MÚSICA SACRA E A ‘OUTRA MÚSICA’ .............................................................. 16
3.2.1 A ‘Outra Música’ ......................................................................................... 16
3.2.2 A Música Sacra ............................................................................................ 18
3.2.3 Fontes bíblico-patrísticas da música litúrgica ............................................... 19
3.3 O PATRIMÔNIO MUSICAL E A PARTICIPAÇÃO ATIVA ........................................... 22
3.4 EDUCAÇÃO MUSICAL E A PRÁTICA LITÚRGICA .................................................... 27
3.4.1 Coro Polifônico ........................................................................................... 29
3.4.2 Coro Juvenil ................................................................................................ 39
3.4.3 Coro infantil ................................................................................................ 39
3.4.4 Grupo de Camara ........................................................................................ 40
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 41
5 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 43
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“Ó Senhor eu cantarei eternamente o vosso amor”.

Salmo 89
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1 INTRODUÇÃO

Desde o princípio, o cristianismo utiliza a música nas suas celebrações.


Depois dos modelos musicais da sinagoga judaica, foi acrescentando a arte
dos povos que foram progressivamente evangelizados. Este vastíssimo
repertório, tão importante na cultura musical do Ocidente, foi o modelo
inspirador da grande polifonia sacra do período áureo da Renascença e
continua a ser o manancial recomendado pela autoridade da Igreja como
fonte de inspiração para os atuais compositores de música litúrgica, sem
prejuízo para outras fontes que possam verdadeiramente enriquecer a
criação de novos trechos musicais (ORTIGA, 2009, p.3).

Através de um dos documentos vigentes sobre a liturgia católica, a “Sacrossantum


Concilium – Constituição sobre a sagrada liturgia”, sabemos da importante responsabilidade
dos coros católicos acerca da preservação da música sacra, expresso no artigo 114 do referido
documento. Porém, uma prática pós-conciliar muito frequente fundamentada num equívoco
de interpretação sobre a “participação ativa dos fiéis”, presente em outro artigo do mesmo
documento, tem empobrecido a liturgia da Igreja e afastado a população católica de um
tesouro que lhes é próprio. Esta precária situação da música sacra é denunciada pelo cardeal
Ratzinger citado em Meloteca (2009, p.2):

E, apesar disso, muitos liturgistas puseram de lado esse tesouro, declarando-


o 'esotérico', 'acessível a poucos', abandonaram-no em nome da
'compreensão por todos e em todos os momentos' da liturgia pós-conciliar.
Portanto, não mais 'música sacra', relegada quando muito a ocasiões
especiais, às catedrais, mas somente 'música utilitária', canções, melodias
fáceis, coisas corriqueiras. [...] Torna-se cada vez mais perceptível o pavoroso
empobrecimento que se manifesta onde se expulsou a beleza, sujeitando-se
apenas ao útil. A experiência tem demonstrado que a limitação apenas à
categoria do 'compreensível para todos' não tornou as liturgias realmente
mais compreensíveis, mais abertas, somente as fez mais pobres. Liturgia
'simples' não significa mísera ou reles: existe a simplicidade que vem do banal
e uma outra que deriva da riqueza espiritual, cultural e histórica.

Diante deste impasse e na observação da prática musical católica da última década no


Brasil com o suporte e divulgação das redes sociais e sites, notamos o surgimento de vários
coros e com eles desponta a figura do regente. Fundamentado na prática empírica deste autor
na Diocese de Limeira, interior de São Paulo, vemos que o perfil e formação do regente de
coro católico neste território eclesiástico é muito heterogêneo, embora este trabalho não
possua a finalidade de analisar as peculiaridades deste líder. Porém, atentos a este fato e
preocupados com a reflexão e o esclarecimento quanto ao impasse acima evidente, este
trabalho se destina a compreensão da natureza da liturgia cristã e da música sacra, reunindo
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um subsídio para a reflexão sobre o patrimônio musical da Igreja e a participação ativa dos
fiéis, dois aspectos que acreditamos serem primordiais para a atuação do regente católico.
Neste propósito e diante do apelo ao retorno às bases da liturgia cristã evocado pelo
Concílio Vaticano II, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre as raízes da música e liturgia
da Igreja, fundamentando-se nas observações e estudos de RATZINGER (2013), LUTZ (2005),
ERNETTI (1990), FERREIRA (2009), GODINHO (2008) juntamente com as contribuições de
RATZINGER (2010), ORTIGA (2009), FARINA (2011) com suas publicações no sítio MELOTECA,
além do que consta no documento conciliar “Sacrossantum Concilium”.
À luz desses autores pode-se identificar e compreender os autênticos princípios que
regem a música sacra e que devem alicerçar o fazer musical na liturgia de nossos dias, tendo
na ausência destes saberes a infeliz possibilidade de uma prática musical oposta ou desconexa
do proposto pelo referido Concílio, ora tendendo ao exibicionismo ou ao empobrecimento da
liturgia.
Ainda, ao abordar a natureza da música sacra julgamos ser necessário o paralelo com
a música secular, profana ou pagã. Desta forma buscamos também compreender o
pensamento sobre a música entre os pagãos e assim identificar as diferenças nas concepções
de música, o que é mais próprio para este momento inicial do que uma análise dos elementos
musicais que as compõe.
A reflexão e o aprofundamento nestes saberes são muito necessários ao regente pois
é este o responsável pela formação musical e litúrgica de seus coralistas ou agentes de canto
litúrgico, que ao exercerem sua função ministerial de forma consciente e ativa, podem
contribuir na participação de todos os fiéis na liturgia e os aproximar do que lhes é por direito:
o patrimônio da música sacra.
Este trabalho foi divido em quatro capítulos. No primeiro, Missa e Liturgia, serão
abordadas a concepção de Liturgia e Missa e as bases da liturgia cristã. No segundo capítulo,
Música Sacra e a ‘outra música’, enuncia-se os princípios da Música desde o culto herdado do
povo judeu em contraste com a prática pagã até os escritos dos Pais da Igreja sobre a música.
No terceiro capítulo, chamado O patrimônio musical e a participação ativa, serão expostas as
informações contidas nos documentos sobre ambos e por último, no quarto capítulo,
chamado Educação Musical e prática Litúrgica, será abordado o trabalho desenvolvido na
Basílica de Americana desde a sua criação em Agosto de 2013 até o presente momento,
enunciando os processos de aprendizado e as formas assumidas no trabalho.
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2 METODOLOGIA

Este trabalho, em sua primaria ideia de contribuição ao leitor sobre Música Sacra, foi
constituído nos seguintes passos:

 Um estudo bibliográfico sobre Liturgia e Missa;


 Um estudo bibliográfico sobre os princípios e bases da Música Sacra e prática pagã;
 Um estudo bibliográfico sobre o Patrimônio Musical da Igreja e a Participação Ativa;
 Estudo do trabalho de Educação Musical realizado na Basílica de Americana, narrando desde
o seu início até o atual momento;

Sobre o trabalho acima mencionado é importante esclarecer que este vem sendo
desenvolvido por este autor desde Agosto de 2013, fruto do estudo e das reflexões litúrgicas
enumeradas nos capítulos deste registro acadêmico e no corpo do próprio relato das
fundamentações propriamente musicais do autor relacionadas principalmente ao ensino do
canto coral e o desenvolvimento de diversas linguagens musicais.
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3 DESENVOLVIMENTO

3.1.1 Missa e Liturgia

Um olhar sobre as bases da liturgia cristã

A paz do Universo através da paz com Deus, a união de cima e de baixo, pode
ser, depois das considerações feitas até agora, apontada como a verdadeira
intenção dos cultos de todas as religiões mundiais. [...] A consciência da culpa
pesa sobre a Humanidade. Em toda a História, o culto contém sempre a
tentativa de vencer a culpa, repondo desta maneira o mundo e a nossa vida
na ordem certa (RATZINGER, 2013, p.27).

A religião cristã, como sabemos através da narrativa bíblica e de outros relatos


históricos, se originou dentro da cultura judaica. Este fato possui importância fundamental
para o caminho ao encontro dos princípios da liturgia e música no culto cristão. Dessa forma,
se faz necessário conhecer as raízes e bases da liturgia do povo de Israel.
Ao dar este primeiro passo em direção à compreensão litúrgica é preciso observar a
origem de Israel como o povo. Diante disto, fundamentando-se em LUTZ (2005), é possível
adentrar na narrativa bíblica do Êxodo, precisamente no relato da passagem do mar Vermelho
contido no capítulo 14 deste livro histórico. Na continuidade da narrativa, já estando o povo
no deserto, nota-se que Deus chamou a Moisés e quis fazer com esse povo uma aliança, como
revela a escritura:

Subiu Moisés a Deus, e do monte o SENHOR o chamou e lhe disse: Assim


falarás à casa de Jacó e anunciarás aos filhos de Israel: Tendes visto o que fiz
aos egípcios, como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim. Agora,
pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança,
então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque
toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São
estas as palavras que falarás aos filhos de Israel (Ex 19:3-6).

É necessário abordar a compreensão a respeito do termo “nação santa” encontrado


no texto acima. O autor entende esse termo como “nação consagrada ao serviço e ao culto
do Senhor (LUTZ, 2005, p. 9). A enunciação desta compreensão ilumina e se conecta com o
catecismo da Igreja Católica ao entender o termo liturgia originalmente como “obra pública”,
“serviço da parte do povo e em favor do povo” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1998,
p.302).
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Um fato que aos olhos menos atentos pode não ser percebido mas que é de
fundamental importância, é o pedido de Deus para seu povo. Neste texto do livro do Êxodo
encontra-se o rudimento da liturgia do povo de Israel, a escuta e vivência da palavra de Deus.
Este princípio é de fundamental importância para a fé cristã sendo expresso em diversas
orações da Igreja, como vemos no prefácio número V da quaresma, no Missal Romano:

Vós abris de novo à Igreja o caminho do Êxodo, através do deserto


quaresmal, para que, aos pés da montanha santa, de coração contrito e
humilhado, tome consciência da sua vocação como povo da aliança, reunido
para cantar o vosso louvor, escutar a vossa palavra e viver a experiência
admirável dos vossos prodígios (MISSAL ROMANO, 1992, p.336).

Dado isto, caminha-se à questão da importância do sacrifício encontrado nos cultos.


Em outros momentos da narrativa bíblica, como no pedido de Deus à Abraão, o sacrífico
possui demasiada importância e é carregado de significados. Porém, denota-se que após a
saída do Egito, o sacrifício de animais perde sua importância diante da significativa ordem de
guarda da palavra (LUTZ, 2005) como lembra o profeta Jeremias:

Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Ajuntai os vossos


holocaustos aos vossos sacrifícios e comei carne. Porque nada falei a vossos
pais, no dia em que os tirei da terra do Egito, nem lhes ordenei coisa alguma
acerca de holocaustos ou sacrifícios. Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai
ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; andai
em todo o caminho que eu vos ordeno, para que vos vá bem (Jr 7:21-23).

O texto do profeta Jeremias confirma e expressa a importância da escuta e vivência da


palavra de Deus. Firma-se, dessa forma, um aspecto de grande valor para a liturgia cristã: o
caráter dialogal entre Deus e seu povo.
Nessa continuidade histórica vemos que, com a existência do templo e da liturgia dos
levitas, esse caráter dialogal foi se perdendo. Houve então um profundo distanciamento da
dimensão espiritual e material existente nos sacrifícios oferecidos no templo, marcado
também pela instituição e organização do sacerdócio levítico. Consequentemente, o culto
perdeu o caráter comunitário e o templo se tornou um lugar somente para o oferecimento de
sacrifícios. Com essa modificação, há o surgimento da mentalidade de que o ser humano
estaria quitado com Deus se apresentasse o sacrifício material, não necessitando mais de uma
sincera atitude interior, o que contraria a essência da liturgia de Israel (LUTZ, 2005).
O Exílio na Babilônia é marco de uma mudança positiva na prática litúrgica do povo de
Israel. Não havendo templo na Babilônia, nem sacerdotes, foram extintos os sacrifícios, fato
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que obrigou o retorno do povo à escuta da palavra. Assim, animados e confortados pelos
profetas que foram os promotores do retorno às bases do culto espiritual original de Israel,
foram estabelecidas as assembleias semanais, chamadas de sinagoga, onde o povo era
motivado à escuta da palavra e fidelidade na aliança (LUTZ, 2005).
Com o fim do exílio, LUTZ (2005) mostra que os israelitas mantiveram as reuniões
semanais para a escuta da palavra de Deus e a oração. Porém, a existência das sinagogas não
superava a totalidade do Templo de Jerusalém, que reconstruído e após restabelecimento do
sacerdócio levítico, voltou a ser o local dos sacrifícios onde todos os judeus peregrinavam três
vezes ao ano. O antigo problema se repete: o ritualismo volta a ser exercido no templo e a
liturgia que os profetas haviam realizado, em parte, foi perdida.
Aos relatos do Novo Testamento, com a vida de Jesus Cristo, um novo seguimento
religioso se inicia. Jesus de Nazaré nasceu e cresceu em um lar judaico que vivia fielmente as
tradições religiosas, prova disso é a sua circuncisão e a apresentação no templo (LUTZ, 2005).
A Igreja cristã vê em Cristo a plena realização do culto espiritual prefigurado no antigo
testamento. O culto revelado na pessoa de Jesus Cristo é muito mais que uma celebração, é o
sacrifício de sua vida: “Pela oblação do seu Corpo na cruz, levou à plenitude os sacrifícios
antigos e, entregando-Se a Vós pela nossa salvação, tornou-Se Ele mesmo o sacerdote, o altar
e o cordeiro” (MISSAL ROMANO, 1992, p.344).
Ao término desta abordagem histórica do culto na liturgia de Israel existem os escritos
dos apóstolos. Verifica-se então a presença de ritos que buscam exprimir grande atitude
espiritual como o batismo, a fração do pão e a unção dos enfermos. Isto aponta claramente a
importância do rito em função de uma atitude espiritual na igreja primitiva, o que será uma
sólida base para liturgia da Igreja e para a concepção dos sacramentos no catolicismo (LUTZ,
2005).

3.1.2 Missa: Definição

Entende-se por Missa como “o serviço religioso mais importante da Igreja Católica”
(GROUT; PALISCA, 2007, p.52), tendo como base memorial a última ceia de Cristo com seus
discípulos, em que ele diz: “[...] Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória
de mim” (Lc 22:19). Paralelo a isso, GODINHO (2008) nos apresenta que:
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Etimologicamente, o termo Missa designa a despedida dos componentes de


uma reunião qualquer, seja ela cívica ou litúrgica. Estabeleceu-se de uma
derivação da fórmula de despedida – ite, missa est – que encerrava a Missa
dos catecúmenos nas celebrações dos primeiros séculos do cristianismo
(GODINHO, 2008, p.14)

Observa-se também na própria escritura sagrada o uso de vários termos para se referir
aos encontros litúrgicos que eram realizados, tais como: “[...] Ceia do Senhor” (1Co 11:20),
“[...] Partir do Pão” (At 2:42) e “[...] Ação de Graças”(DIDACHÉ, 14.1).
Os pais da Igreja chegam também a definir o encontro litúrgico da Igreja primitiva
como oblação, sacrifício e oferenda (FORTESCUE, 2015).
Sabe-se que com o decorrer da história da Igreja houve a evolução da liturgia cristã,
que é devidamente analisada no capítulo “Evolução histórica da liturgia” da dissertação de
mestrado de Josinéia Godinho, autora presente nas referências bibliografias contidas no final
deste trabalho, porém este aspecto da evolução litúrgica não será abordado.

3.1.3 Estrutura do Rito Romano

Busca-se agora apresentar a estrutura da Missa no rito romano atual, que conta com
uma divisão em duas partes: O Ordinário e o Próprio. O Ordinário se refere às partes fixas que
não se modificam sendo: Kyrie, Glória, Credo, Sanctus-Benedictus e Agnus Dei. O próprio são
partes que variam de acordo com a época do ano litúrgico, festas dos santos ou ainda de
acordo com a diocese, ordem religiosa ou monastério em que é celebrada. Ilustra-se na tabela
a seguir essa divisão de forma clara e na ordem cronológica da estrutura:
ORDINÁRIO PRÓPRIO
Introito
Kyrie
Glória
Leituras
Gradual (Aleluia ou tracto, sequência)
Credo
Ofertório
Sanctus-Benedictus
Agnus Dei
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Comunhão

É importante ressaltar que os textos do Ordinário da missa não se modificam. Os textos


do Próprio, como abordado acima, se sujeitam ao caráter celebrativo do dia ou época do ano
litúrgico. Embora na prática musical católica atual encontre-se o texto do ordinário
modificado, quer para acentuação de algum aspecto ou para união com a música, esta prática
é totalmente oposta aos referenciais apresentados.
Preocupante também é a irresponsabilidade constatada referente ao caráter mutável
dos textos do próprio. Essa constante mudança encontrada no Próprio da Missa é muitas
vezes erroneamente associada a uma total liberdade textual onde se pode expressar qualquer
aspecto da fé e até mesmo de sensações e humores, fato que não contém nenhum
fundamento. Embora de caráter mutável, existem textos corretos e autorizados para o
preenchimento das funções do Próprio na liturgia. Tais são encontrados nos hinários das
conferencias episcopais, ou preparados por cuidadosos e atentos estudiosos da música
litúrgica, como é o exemplo da Arquidiocese de Campinas que apresenta um excelente
modelo para todo o decorrer do ano litúrgico.

3.2 A MÚSICA SACRA E A ‘OUTRA MÚSICA’

As enormes discussões sobre o que realmente é sacro e o que é secular e profano em


música nos revelam que esta questão é mais complexa, pela reunião de diversos fatores, do
que pode-se imaginar. Após a apresentação histórico-litúrgica do capítulo anterior, a atenção
se volta agora para a compreensão da música sacra.
O termo ‘outra música’ refere-se à música entre os pagãos, bem como sua concepção.
Este é primeiro ponto tratado neste capítulo, pois a enunciação dos aspectos particulares
desta ‘outra música’ ajudará a identificar as diferenciações para com a natureza da música
sacra, nosso objeto de pesquisa.

3.2.1 A ‘OUTRA MÚSICA’


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“A mitologia grega atribuía à música origem divina e designava como seus inventores
e primeiros interpretes deuses e semideuses, como Apolo, Anfião e Orfeu” (GROUT; PALISCA,
2007, p.17).
Na cultura pagã, em todas as épocas, é notável o aspecto mágico que se atribui à
música. Por possuírem crenças nas forças da natureza, nos espíritos e em seus poderes, os
pagãos cultivaram as práticas musicais com foco nessa perspectiva, seja em seus plantios e
colheitas, nas suas liturgias e cultos, ou no próprio cotidiano pagão, a música sempre era
associada à magia. Atribui-se então à música três valores fundamentais com base nesta
concepção: o valor cultural, terapêutico e moral (ERNETTI, 1990).
O valor cultural está no poder suplicante da música em que o homem comunica à
divindade sua profunda devoção. Dessa forma a música não apenas parte do culto pagão, mas
possui primazia e é essencial (ERNETTI, 1990). O ensino musical nas práticas dos antigos
egípcios, assírios e babilônicos era reservado aos sacerdotes, e de acordo com WAESBERGHE,
no culto cabia à música três funções:

Música que acompanhava mais estreitamente o ritual, para torná-lo mais solene
e mais festiva a cerimônia, ou para dominar os ruídos desagradáveis (por
exemplo, os estrondos externos, os gritos das crianças ou dos animais
sacrificados): neste caso não se tratava de virtude mágica da música, mas
simplesmente de uma sua utilidade prática; Música que acompanhava, ou
melhor formava a função ritual em quanto parte integrante de uma cerimônia:
aqui encontramos o conceito de música dotada de virtudes mágicas; Música
com funções rituais independentes. (WAESBERGHE Apud ERNETTI, 1990, p.1)

O segundo valor da música, o terapêutico, está ligado a virtude medicinal.


Fundamenta-se na ideia de que se a música provoca modificação nas paixões, nos afetos e
sentimentos, provoca assim alterações fisiológicas também (ERNETTI, 1990).

É a todos notável quando Teofrasto assegura que as doenças chamadas


“coxalgia” são curadas unicamente com uma música em modo frígio.
Sabemos também que Plutarco conta o caso de Theletas, valente musicista
de Creta, o qual libertou Esparta da peste somente com a ajuda da música.
Macrobio fala do uso comum de cantar e tocar enquanto se aplicam os vários
remédios, sejam durante as doenças, sejam nos casos de feridas (ERNETTI,
1990, p.2).

O terceiro valor da música para os pagãos é o valor moral. A música era considerada
pelos antigos como um dos meios mais eficazes para a elevação moral podendo modificar as
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paixões, afetos, sentimentos, vontades e potencias do homem. Desta ideia surgem os


pensamentos sobre a educação musical para a juventude (ERNETTI, 1990).
Segundo Platão (Apud ERNETTI, 1990, p.1) vigorava um pensamento a respeito do
‘dom’, uma concessão dos deuses aos humanos para os celebrar:

os animais não têm a percepção do que constitui a ordem regular e irregular


dos movimentos aos quais nós damos os nomes de ritmo e sucessão
melódica. Nós, pelo contrário, recebemos dos deuses, que presidem os
nossos corações, a faculdade e o prazer de gozar da beleza do ritmo e da
melodia.

A criação e o uso de instrumentos no culto pagão também são características


importantes, pois acreditava-se que agregavam maior louvor aos deuses e afastavam dos
homens os espíritos maus (ERNETTI, 1990).
A última característica que será enunciada, porém não menos importante, é a crença
da incorporação da divindade pagã. Esta característica chama muito atenção e pode ser o
aspecto que mais diferencia as práticas pagãs e judaico-cristãs em seus primórdios:

Esta música tinha como último escopo aquele de elevar os homens à união
com a divindade, ao êxtase (έν δεω ειναι), no qual o homem sente em si a
presença viva dos deuses que louvam ou suplicam propriamente, vem
possuídos da divindade por meio da música, enquanto a divindade vem
através da música e do seu mérito (ERNETTI, 1990, p.2).

À este fato sobre a música pagã antiga erguem-se questionamentos sobre toda a
prática musical presente em cultos de denominações religiosas que na contemporaneidade
fazem repetir este aspecto, como nos rituais das religiões afro-brasileiras. Por esta mesma
lente que se enxerga esta peculiaridade da música pagã, nota-se um paralelo nos dias atuais
com as práticas musicais de movimentos cristãos que buscam também a incorporação da
divindade. Este fenômeno observado nos movimentos pentecostais de toda a cristandade e
de modo mais especifico no próprio catolicismo, é um aspecto que carece de um estudo
aprofundado mas que deve ser enunciado.

3.2.2 A MÚSICA SACRA

Já se tornam evidentes neste momento, após as fundamentações anteriormente


citadas e esmiuçadas, algumas das diferenciações das naturezas do culto cristão e da prática
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musical pagã, que é chamada de ‘outra música’. Porém, agora adentra-se no território da
música sacra e compreende-se sua ligação com o culto cristão e dessa forma, um maior
distanciamento das práticas pagãs.

3.2.3 FONTES BÍBLICO-PATRÍSTICAS DA MÚSICA LITÚRGICA

Nada de admirar, pois, que o canto sacro e a arte musical também tenham
sido usados, conforme consta de muitos documentos antigos e recentes,
para ornamento e decoro das cerimônias religiosas sempre e em toda parte,
mesmo entre os povos pagãos; e que sobretudo o culto do verdadeiro e
sumo Deus desde a antiguidade se tenha valido dessa arte. O povo de Deus,
escapando incólume do mar Vermelho por milagre do poder divino, cantou
a Deus um cântico de vitória; e Maria, irmã do guia Moisés, dotada de espírito
profético, cantou ao som dos tímpanos, acompanhada pelo canto do povo.
E, posteriormente, enquanto se conduzia a arca de Deus da casa de Abinadab
para a cidade de Davi, o próprio rei e "todo Israel dançavam diante de Deus
com instrumentos de madeira trabalhada, cítaras, liras, tímpanos, sistros e
címbalos". O próprio rei Davi fixou as regras da música a usar-se no culto
sagrado, e do canto; regras que foram restabelecidas após o regresso do
povo do exílio, e fielmente conservadas até a vinda do divino Redentor (PIO
XII, Musicae Sacrae Disciplina, 1955).

Através destas palavras do Papa Pio XII, em 25 de Dezembro de 1955, é possível ter o
extrato de todo o desenvolvimento musical do povo de Deus e duas figuras bíblicas ganham
destaque: Moisés e Davi. Sabe-se dos alicerces da liturgia cristã, o pedido feito por Deus a seu
povo por Moisés, mas agora ao se referir propriamente à música somos remetidos à figura de
Davi.

Foi Davi quem, com cerca de 38 mil pessoas envolvidas no serviço do Templo,
instruiu 4.000 como cantores distribuindo por vinte e quatro grupos com o
maior número possível, sob a direção de Asaph, Eman e Etan; cada grupo
tinha doze instrumentistas que tocam címbalos, harpas, cítaras e saltérios.
Os cantores, vestidos de linho, cantavam sobre os degraus especialmente
construídos diante do tabernáculo, da parte oriental do altar (ERNETTI, 1990,
p.2).

De acordo com os inúmeros textos que se referem a Davi e a música, é possível ter
certeza de que ele era um grande músico e compositor. Dessa forma, pela importância com
que seu trabalho é apresentado nas escrituras, torna-se de grande valor a observação desta
figura bíblica para todo aquele que deseja estudar a natureza da música sacra.
É curioso o questionamento a respeito dos conteúdos das letras presentes na música
sacra se é apresentado, na própria escritura, um livro com exatamente 150 canções. É no livro
20

dos Salmos que encontra-se o maior exemplo do caráter dialogal de Deus com seu povo. É
através da música e poesia presentes, que vê-se claramente o diálogo de Deus com o homem,
na escuta ou na resposta. Os salmos oferecem um patrimônio vasto, de aspecto atemporal,
em que passado, presente e futuro se encontram e refletem uma imensidão de situações e
sentimentos, desde as lembranças do cativeiro da Babilônia até a espera da Jerusalém Celeste.

Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de
Sião. Ali, nos salgueiros penduramos as nossas harpas; ali os nossos captores
pediam-nos canções, os nossos opressores exigiam canções alegres, dizendo:
"Cantem para nós uma das canções de Sião! "Como poderíamos cantar as
canções do Senhor numa terra estrangeira? (Sl 137:1-4)

Dentre as diversas instrumentações presentes no Saltério, à voz humana é concedido


o papel principal, constatado pela ausência de uma peça somente instrumental dentre os 150
salmos escritos por Israel. Assim, no templo ou nas sinagogas, o canto sálmico foi a principal
expressão de diálogo entre a criatura e o criador (FERREIRA, 2009).
No Novo Testamento o canto dos Salmos não foi abandonado, mas ganhou nova
dimensão sendo usado pelos judeus-cristãos, de acordo com PERROT citado por FERREIRA
(2009, p.1), conforme “o costume sinagogal ou, pelo menos, o saltério rapidamente foi o
objeto da sua meditação cristológica”. Nota-se então, além desta influência judaica na música
cristã primitiva, as contribuições das modificações culturais que, de acordo com cada lugar e
sua realidade, foram agregando características à música (FERREIRA, 2009). O próprio apóstolo
Paulo em sua carta aos Colossenses, revela a existência de outras formas e práticas musicais
que não somente salmos: “instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria,
louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração”
(Cl 3:16).
Um outro aspecto importante da prática dos primeiros cristãos é a não utilização de
instrumentos musicais e da dança, distanciando-se de algumas práticas judaicas e os
diferenciando claramente da prática pagã. “Esta atitude chegou mesmo a suscitar, de início,
uma grande desconfiança em relação a toda a música instrumental” (GROUT; PALISCA, 2007,
p.35).
Na primeira carta aos Coríntios, Paulo revela um outro aspecto sobre a música cristã
que marcará a concepção dos pais da Igreja: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas
também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente”
21

(1Co 14:15). Firma-se um importante valor da música cristã primitiva, o ideal de que “o canto
cristão deve dizer algo, sem se ficar pela simples emoção espiritual” (PERROT Apud FERREIRA,
2009, p.2).
O livro de Apocalipse constitui um fator de influência no pensamento dos pais da Igreja
sobre a música. A expressão vocal é tida com grande importância neste livro, visto os vários
momentos em que aparecem as aclamações cantadas (FERREIRA, 2009).

Ouvi uma voz do céu como voz de muitas águas, como voz de grande trovão;
também a voz que ouvi era como de harpistas quando tangem a sua harpa.
Entoavam novo cântico diante do trono, diante dos quatro seres viventes e
dos anciãos. E ninguém pôde aprender o cântico, senão os cento e quarenta
e quatro mil que foram comprados da terra (Ap 14:2-3).

É neste momento que o canto das comunidades cristãs, por influência da cultura grega
e sua teoria musical, receberá uma sólida base técnica. Essa união resulta em duas práticas
musicais: No Oriente e em língua grega, o Canto Bizantino e, no Ocidente, em latim, o Canto
Gregoriano. Este último trará grandes contribuições para a música Ocidental, bem como o
desenvolvimento dos rudimentos da notação musical que evoluirá até os dias atuais. Em 313
é concedida a liberdade de culto pelo Edito de Milão o que trouxe o florescimento de novas
formas na liturgia e também de novas maneiras de estruturar o canto como as difundidas por
Santo Ambrósio (FERREIRA, 2009).
Nos escritos dos pais da Igreja encontramos sólidos fundamentos da prática musical
na liturgia cristã. Um dos primeiros a se manifestar a respeito do canto e da música foi Santo
Agostinho. Vemos, com a história de sua conversão, que a música que ouviu na Catedral de
Milão, contribuiu muito para sua decisão e o motivou a escrever um tratado chamado “De
Música”, em que com suas bases da filosofia platônica, evidencia a influência da música no
homem e em sua moral. Para ele, a música poderia elevar o homem e essa era sua principal
utilidade.

Contudo, quando me lembro das minhas lágrimas, que derramei ao ouvir os


cânticos da Igreja, nos primórdios da recuperação da minha fé, e quando
mesmo agora me comovo, não com o canto, mas com as coisas que se
cantam, quando são cantadas com uma voz clara e uma modulação
perfeitamente adequada, reconheço de novo a grande utilidade desta
prática (SANTO AGOSTINHO, Confissões, Livro X, 2008, p.82).
22

São João Crisostomo foi outro doutor da Igreja que também escreveu sobre a
importância da música. Em um de seus sermões ele nota que “os cantos são um grande
atrativo para a nossa natureza, a ponto de secarem as lágrimas e calarem o pranto dos
meninos de peito” (SÃO JOÃO CRISOSTOMO Apud FERREIRA, 2009, p.2). Em outro sermão,
São João Crisostomo recorda as palavras de São Basílio, outro santo da Igreja que também
escreveu sobre música: “no salmo, a melodia é uma espécie de mel que Deus juntou ao
medicamento (as palavras), para torná-lo mais fácil de tomar” (SÃO BASÍLIO Apud FERREIRA,
2009, p.2).
Ao enxergar por essas lentes a palavra e a música, nota-se que os padres utilizavam a
capacidade de “impressão da música em benefício da Palavra de Deus e viram no salmo um
lugar privilegiado para estruturar e enriquecer a fé do povo” (BASURKO Apud FERREIRA, 2009,
p.3). As ideias de indivíduo e do coletivo são contempladas pelo canto da liturgia cristã e assim
as assembleias são incentivadas a cantar formando um só coro, onde conectam a vivência
litúrgica aos comportamentos morais, se harmonizam as diferenças existentes, sejam sociais,
étnicas ou etárias, promovendo uma prática litúrgica rica e um maior alcance catequético
(FERREIRA, 2009).
As implicações práticas deste canto coletivo na liturgia cristã são inúmeras, o que
aponta para as dificuldades pastorais da época e que de certa forma não são muito diferentes
das encontradas hoje. Atento a esse aspecto unificador da música, São Basílio ainda observa:
“o canto do salmo restabelece a amizade, reúne os que estavam desavindos, converte em
amigos os que mutuamente se hostilizavam. Quem será ainda capaz de considerar como
inimigo aquele com quem elevou uma só voz para Deus?” (SÃO BASÍLIO Apud FERREIRA, 2009,
p.3)
Assim constata-se que a real preocupação dos pais da Igreja alusiva à música não
consiste em escrever tratados sobre a técnica musical, mas em revelar aos fiéis a riqueza
espiritual e teológica existentes nesta prática. Dessa forma, somos impulsionados às práticas
rituais do povo de Israel, sendo o canto também uma expressão de uma atitude espiritual e
não mero ritualismo como nos lembra Santo Agostinho citado por FERREIRA (2009, p.3): “não
podereis experimentar a verdade do que cantais, se não começardes a praticar o que cantais”.

3.3 O PATRIMÔNIO MUSICAL E A PARTICIPAÇÃO ATIVA


23

Pode-se neste momento ocorrer o questionamento quanto à validade e importância


dos saberes trazidos nos capítulos anteriores sobre as naturezas da liturgia cristã, da música
litúrgica e também da ‘outra música’ na compreensão destes dois itens que agora
abordaremos: o patrimônio musical e a participação ativa. Porém, acredita-se que estes dois
termos só podem ser de fato compreendidos em sua totalidade diante de toda a
fundamentação feita anteriormente.
Ora, se encontramos na base da liturgia de Israel o aspecto dialogal entre Deus e seu
povo, tendo como maior exemplo o livro dos salmos que fora tido com demasiada importância
pelos pais da Igreja e até nossos dias não tendo se esgotado sua riqueza, a música sacra então,
o chamado patrimônio musical católico, tem como principal característica a fala, o diálogo, o
mistério do encontro entre a criatura e o criador.

Através das várias épocas e em suas diversas linguagens, a música sacra


traduziu a liturgia em melodia, sublinhando os momentos importantes,
revelando o mistério do encontro entre Deus – o verdadeiro protagonista da
ação litúrgica – e o coração do homem que escuta. A música sacra agrega ao
paladar uma ressonância que conduz às profundezas do Mistério (FARINA,
2011, p. 3).

O patrimônio musical da Igreja não se trata de uma enorme listagem de composições


‘antigas’, ‘acessível à poucos’, ‘monótonas’ ou qualquer termo que possa soar pejorativo, ao
passo que alguns liturgistas queiram afirmar, como nos lembrava o Cardeal Ratzinger no início
deste trabalho.
A primeira frase do capítulo sobre música sacra do documento “Sacrossantum
Concilium” rompe com uma série de ideias equivocadas à respeito da música católica: “A
tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras
expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto,
constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene [...]” (SC, 112).
Encontra-se neste curto texto do documento conexões com as fundamentações
apresentadas nos capítulos anteriores: a importância do canto sagrado e seu vínculo com a
liturgia. A música sacra católica não é independente como a ‘outra música’, mas será “[...]
tanto mais santa quanto mais intimamente unida estiver à ação litúrgica, quer como expressão
delicada da oração, quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior solenidade
nas funções sagradas” (SC, 112).
24

A terminologia usada no documento é clara e objetiva. Não vemos então nenhum fato
que fundamente uma prática musical que se distancie de sua função ritual, orante e solene.
Ao se tratar do tesouro musical da Igreja, deve-se lembrar do canto gregoriano. Ao
passo de seu esquecimento na maioria dos seminários, catedrais e basílicas, a constituição
conciliar nos afirma:

A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto


gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de
circunstâncias, o primeiro lugar. Não se excluem todos os outros gêneros de
música sacra, mormente a polifonia, na celebração dos Ofícios divinos, desde
que estejam em harmonia com o espírito da ação litúrgica, segundo o
estatuído no art. 30 (SC, 116).

Após estas constatações à respeito do patrimônio musical da Igreja, resta-nos agora


entender o termo ‘participação ativa’. O equívoco trazido por alguns liturgistas com ideias que
se alastraram, tornam ainda mais difícil o trabalho com música na Igreja católica. Contrasta-
se o ideal amplamente promovido de que o Concílio do Vaticano II se desfaz e se desvincula
da tradição com a própria afirmação do documento, ainda em seus primeiros artigos:

O sagrado Concílio, guarda fiel da tradição, declara que a santa mãe Igreja
considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente
reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios
promovidos, e deseja que, onde for necessário, sejam prudente e
integralmente revistos no espírito da sã tradição e lhes seja dado novo vigor,
de acordo com as circunstâncias e as necessidades do nosso tempo (SC, 4).

A compreensão de que o Concílio do Vaticano II é guarda fiel da tradição, como se


afirma, é o primeiro passo para se evitar equívocos. Retornemos então ao documento e
vejamos o que o próprio nos diz sobre o polêmico termo ‘participação ativa’:

Para assegurar esta eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis celebrem
a Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que
pronunciam, cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem
em vão. Por conseguinte, devem os pastores de almas vigiar por que não só
se observem, na ação litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita,
mas também que os fiéis participem nela consciente, ativa e frutuosamente
(SC, 11).

É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena,
consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas que a própria
natureza da Liturgia exige e que é, por força do Batismo, um direito e um
dever do povo cristão, «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo
adquirido» [...] (SC, 14).
25

Diante destas afirmações, é possível questionar: como promover, através da música


sacra, este direito e dever do cristão que é a participação ativa nas celebrações litúrgicas?
Antes de responder esta questão, é necessária ao menos uma breve observação sobre
o estado atual da música sacra e a importância do regente como educador musical e litúrgico.
Através de nossa prática, das informações trazidas pelas redes sociais e por diversos sites que
se pronunciam como promotores da música litúrgica, bem como ao observar as letras e
melodias de diversos compositores para a liturgia, nota-se a constatação feita pelo Cardeal
Ratzinger, sendo necessária novamente a citação:

E, apesar disso, muitos liturgistas puseram de lado esse tesouro, declarando-


o 'esotérico', 'acessível a poucos', abandonaram-no em nome da
'compreensão por todos e em todos os momentos' da liturgia pós-conciliar.
Portanto, não mais 'música sacra', relegada quando muito a ocasiões
especiais, às catedrais, mas somente 'música utilitária', canções, melodias
fáceis, coisas corriqueiras. [...] Torna-se cada vez mais perceptível o pavoroso
empobrecimento que se manifesta onde se expulsou a beleza, sujeitando-se
apenas ao útil. A experiência tem demonstrado que a limitação apenas à
categoria do 'compreensível para todos' não tornou as liturgias realmente
mais compreensíveis, mais abertas, somente as fez mais pobres. Liturgia
'simples' não significa mísera ou reles: existe a simplicidade que vem do banal
e uma outra que deriva da riqueza espiritual, cultural e histórica (RATZINGER,
2009, p.2).

A não compreensão do documento conciliar e a falta de atenção para com as


publicações eclesiais relacionadas à música sacra no século XX que intermediaram a reforma
litúrgica foram, por parte de muitos liturgistas e músicos, os promotores do distanciamento
do fiel católico de sua cultura musical como também do empobrecimento musical do
catolicismo. Diante desse fato e pela ausência de questionamentos e discussões nota-se o
quanto esse distanciamento é tido como um fato natural, fenômeno que traz preocupações.
Quantos institutos, escolas ou centros de formação para os agentes da música litúrgica
existem no Brasil? Quantas dioceses, catedrais, basílicas e paróquias realizam um trabalho de
formação e educação litúrgica? Quais são os passos que estão sendo dados em direção a
divulgação e compreensão da música sacra?
Estes questionamentos são por demais pertinentes a todo fiel católico e de forma
ainda mais categórica ao clero que é responsável por promover a formação de seu povo. Aos
professores e regentes que trabalham com a música católica, à quem primariamente se
destina este trabalho, todos estes questionamentos ganham uma proporção ainda maior.
26

Ao entender a prática educacional como um fator humanizador, depara-se com o


pensamento do pai da didática moderna, Comenius, que pela perspectiva da educação em sua
“Didática Magna – Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos” afirma que “o homem
tem necessidade de ser formado, para que este se torne homem” (COMENIUS, 2001, p.101).
Logo, o que Comenius quer dizer é que o homem é um ser social, e que não basta apenas
possuir o substrato biológico da espécie humana: é preciso se apropriar do saber que a
humanidade produziu para se constituir, de fato, homem.
Essa instigante ideia comeniana, à luz da discussão acima abordada, atribui ao regente
de coro católico uma grande responsabilidade diante do quadro musical atual, pois se é ele o
educador musical, ao distanciar seus alunos como também toda a população católica de um
conhecimento que lhes é próprio, este acaba assim desenvolvendo uma prática que
desumaniza, distancia o homem dele mesmo e dos outros.
Juntamente com essa ideia encontra-se a chamada “Utopia comeniana”. Este
pensamento define que “se deve ensinar tudo a todos” (COMENIUS, 2001, p. 134).
Comenius expõe que não há limites para o saber, ao passo que em sua época
prevaleciam ideias de desigualdades. Ele afirma, portanto, que se pode ensinar qualquer saber
para qualquer pessoa, independentemente de cor, gênero, idade e classe social. Diante dessas
contribuições no tocante a educação verifica-se que o regente de coro católico, responsável
então pela educação musical, está inserido num campo de discussões muito amplas.
Ao alimentar a equivocada ideia de que a música sacra é ‘distante do povo’, ‘algo
esotérico’, ‘acessível a poucos’, o regente, além dos problemas litúrgicos já apresentados,
adentra num terreno onde se nutrem ideias de desigualdades entre classes e culturas,
tornando a música sacra e erudita um produto para apreciação e compreensão das elites
enquanto contribui-se para o processo de massificação e empobrecimento cultural das classes
subordinadas.
Ao concluir essa necessária observação, volta-se ao documento conciliar em que se
nota seguinte orientação para com a participação ativa:

Para fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as


respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos
e atitudes corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um
silêncio sagrado (SC 30).
27

Entende-se então que os equívocos para com a participação ativa e o patrimônio


musical da Igreja vieram a constituir um triste e inegável fato da história da música sacra.
Contudo, houveram tentativas por parte de diversos compositores e pelo clero de um sério
estudo sobre elementos da cultura brasileira e sua incorporação na música sacra, como se
nota no livro “Música brasileira na liturgia”, publicado pela editora Paulus no ano de 2005
como uma reedição da obra de 1969. Neste livro são reunidos proveitosos estudos realizados
nos quatro encontros nacionais de música sacra, realizados entre os anos de 1965 e 1968.
Nesses estudos econtra-se uma clara visão dos princípios aqui enunciados e a constante
preocupação com o patrimônio musical e a participação dos fiéis.
No campo das reflexões sobre o uso de elementos da cultura brasileira na composição
sacra é importante citar a obra organizada pela etnomusicologa brasileira Marlui Miranda,
com enfoque na música indígena. Sua “Missa Kewere” reúne, além dos elementos musicais e
linguísticos da cultura indígena, letras de autoria do Padre José de Anchieta, constituindo
assim um outro e importante olhar sobre a chamada “enculturação”. Ainda que não seja tão
próprio para as liturgias é um exemplo por sua riqueza musical e importância histórica.
A busca pela identidade nacional na música sacra apresenta-se também na obra de
outros compositores eruditos brasileiros. Este fato e suas peculiaridades serão objetos de
estudo deste autor num futuro projeto.

3.4 EDUCAÇÃO MUSICAL E A PRÁTICA LITÚRGICA

Após delimitar nos capítulos anteriores as questões que são primordiais para uma
adequada compreensão da música sacra, descreve-se aqui o trabalho realizado na Basílica
Santuário de Santo Antônio de Pádua em Americana do período de Agosto de 2013 até o atual
momento com ênfase na prática musical e seu ensino.
Em Agosto de 2013 se inicia o projeto de Educação Musical no então Santuário Santo
Antônio de Pádua de Americana – SP com o propósito de promover uma real educação musical
e litúrgica inicialmente através do canto coral. Após uma profunda reflexão por parte do reitor
do Santuário sobre a importância da música na liturgia, vislumbrando a possibilidade de
requerer à titulação de basílica e o retorno às origens e significações da construção do Templo,
foi estruturado um projeto coral que contemplasse todas essas expectativas e pudesse
oferecer aos fiéis um ambiente de estudo, conhecimento e produção litúrgica e musical. O
28

templo localizado na região central de Americana é o maior do Brasil em estilo neoclássico e


foi idealizado pelo Monsenhor Nazareno Magi, um grande incentivador da arte sacra e a quem
nos é importante destacar neste trabalho.
Nazareno Magi nasceu em 27 de dezembro de 1912 na cidade paulista de Amparo,
filho de Ermete Magi e Assunta Mastreghi Magi. A convite de um tio que era padre foi para a
Itália aos 8 anos de idade e concluiu o curso primário na cidade de Torrita, diocese de Pienza.
Entre 1923 e 1924 completou o curso ginasial no Seminário Episcopal de Torrita. De volta ao
Brasil, em 1929, iniciou o curso de Filosofia no então Seminário Diocesano de Campinas – SP
e após, Teologia no Seminário Central do Ipiranga de São Paulo – SP, sendo ordenado
presbítero da Igreja no dia 29 de Dezembro de 1935, em Campinas. Em 1948, instalou-se na
cidade de Americana e assumiu a única paróquia da cidade, Paróquia de Santo Antônio de
Pádua em 14 de Janeiro de 1949 (MILANI, 2015).
Monsenhor Magi teve uma grande importância eclesial na cidade estruturando mais
de sete paróquias e também esteve envolvido na construção da Casa da Misericórdia de
Americana. O Município recebeu pelas mãos de Nazareno Magi um crescimento educacional
muito notável devido às instalações dos Salesianos e das irmãs Salvatorianas que promoveram
desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Fundou também duas equipes teatrais que,
com a venda dos ingressos, arrecadavam fundos para a construção do novo templo. Por sua
influência no meio político e seu amplo relacionamento pessoal com a elite da época, o
Monsenhor impulsionou fortemente o crescimento econômico da cidade. Foi através do
Monsenhor que Americana pode ouvir as primeiras melodias de sua banda, denominada
“Corporação Musical Americanense” e chamada carinhosamente de “Banda do Padre” que,
além da atuação na liturgia, realizava também concertos cívicos (MILANI, 2015). Aqui está um
fato importante para a compreensão da idealização do projeto de Educação Musical na atual
basílica.
Nos primórdios da construção da Nova Matriz de Santo Antônio, o Monsenhor
Nazareno Magi, que era um apaixonado pela música, lecionava para as crianças e jovens da
cidade as bases musicais nas quais se estruturaram a Banda acima mencionada e o Coral de
Santo Antônio, ocupando também os ofícios de professor de música e regente. Em 22 de Abril
de 1972 a voz do professor cessou, as melodias e harmonias daquele organista foram
silenciadas e os braços e mãos daquele que regeu o crescimento de Americana não se moviam
mais: falecia o Monsenhor. Anos após sua morte os músicos da então Corporação Musical
29

Americanense ingressaram na “Banda Municipal de Americana” que levou o nome do


Monsenhor e possui grande atividade até hoje1 (MILANI, 2015).
O Coro de Santo Antônio fundado por Magi, após desentendimentos pastorais,
encerrou suas atividades no então Santuário, mas continou realizando concertos e animando
liturgias tanto na cidade como na região.
Na busca pelo retorno às bases da construção do templo e em vista a possível elevação
do Santuário ao Título de Basílica, se fazia necessária a existência de um Coro Polifônico,
requisito presente no questionário para a titulação. Dessa forma em Junho de 2013 foi
solicitado pelo reitor do então Santuário a este autor um projeto. Desde então foram criados,
além do referido Coro Polifônico, um coro juvenil, um coro infantil e um grupo de câmara. Foi
também realizada uma nova formatação na prática litúrgico-musical para com as equipes de
canto, buscando uma vivência litúrgica mais significativa.

3.4.1 Coro Polifônico

Com o propósito de fomentar a participação dos fiéis através do canto litúrgico,


promover a divulgação da música sacra e ser um ambiente de educação musical e litúrgica, foi
iniciado o trabalho musical no então Santuário de Santo Antônio de Pádua com o Coro
Polifônico em Agosto de 2013. Com as características acima mencionadas, neste formato de
educação musical e conduzido por um músico, o Coro Polifônico foi o pioneiro na Diocese de
Limeira e único até presente momento. O incentivo das autoridades eclesiais foi
imprescindível para o início e a continuidade deste trabalho, tendo o reitor da Basílica e o
Bispo Diocesano como grandes responsáveis pela concretização do Coro. Como principal
função o serviço na liturgia, o Coro também realiza concertos de música sacra, utilizando
desde o canto gregoriano até a linguagem mais contemporânea. É formado por jovens,
adultos e idosos com ou sem conhecimento musical, sendo um grupo bastante heterogêneo.
Atualmente conta com cerca de 50 coralistas, com idades dentre 13 e 73 anos e tem se
destacado pela reprodução de um adequado repertório litúrgico, além da sonoridade muito
própria, e pela divulgação de novas peças para a liturgia católica de compositores
contemporâneos.

1
As informações colhidas sobre a vida do Monsenhor Nazareno Magi organizadas por José Eduardo Milani
constam no site-projeto <http://www.oconstrutor.art.br/> acesso em 26 de Maio de 2015.
30

O Início

O Coro Polifônico iniciou suas atividades em 12 de agosto de 2013, com a presença de


55 participantes entre 17 e 72 anos. Após a divulgação nas missas durante o mês de Julho de
2013, os interessados fizeram inscrição na secretaria do então Santuário, preenchendo uma
ficha com os dados pessoais e breve relato das experiências musicais.

Entrevistas

Foram realizadas entrevistas com os interessados com o propósito de classificá-los


vocalmente e também de conhecê-los em suas práticas e vivências musicais. Durante as
entrevistas realizadas em uma sala da Basílica, os candidatos tiveram um tempo de 5 minutos
para contar um pouco de como se relacionavam com a música. A seguir foram realizados três
vocalizes para a classificação vocal a partir da tonalidade de Dó, todos em modo maior: a)
graus conjuntos do primeiro ao quinto grau; b) Saltos entre o primeiro, terceiro e quinto grau,
e fazendo seu retorno ao primeiro grau; c) Arpejos ascendentes em modo maior;
Verificou-se assim o nível de afinação dos interessados como também sua tessitura,
produção e timbre vocal. Após os vocalizes, foi realizada uma leitura de um trecho bíblico
onde foi utilizado o Salmo 23 e os versos de 2 ao 7 do capítulo 14 do livro de Apocalipse 14.
Esse exercício teve como propósito avaliar o domínio expressivo através do texto. Em geral,
poucos candidatos apresentaram um nível satisfatório de afinação e técnica vocal, sendo
aprovados muitos candidatos com diversas dificuldades musicais. Essa escolha se deve-se ao
fato de se buscar um trabalho de pesquisa em prática vocal voltada a coro amador. Somente
duas pessoas não foram classificadas para o Coro por não conseguirem se aproximar da
afinação de nenhuma das alturas e foram aconselhadas a voltar no próximo semestre, visto
que o ponto de partida do trabalho requeria ao menos a execução de uma altura junto do
piano. O coro contava neste início com 24 sopranos, 17 contraltos, 6 tenores e 8 baixos. Deste
total de 55 cantores, 9 pessoas já haviam cantado em coro, 11 cantavam em equipes de canto
nas paróquias da cidade e 35 pessoas não haviam jamais cantando em algum grupo.
31

Primeiros Ensaios

Os primeiros ensaios foram muito desafiadores visto que havia um grupo muito
heterogêneo e se tinha o período de dois meses para a primeira apresentação. Entre as
maiores dificuldades estavam: a afinação geral do coro, a afinação no naipe de contraltos, a
falta de técnica na produção vocal geral do coro, a ausência de homogeneidade e equilíbrio
sonoro e a reprodução dos modelos vocais da música sertaneja e do rock. Dessa forma, foi
estruturada uma aula semanal com duração de duas horas e uma aula quinzenal para cada
naipe com duração de uma hora e meia. Na aula semanal de canto coral todo coro estava
presente e na quinzenal alternava-se entre mulheres e homens.
Desde o início deste trabalho, foi buscado o refinamento da sonoridade, em seus
aspectos de afinação e crescimento em técnica vocal. Com este propósito as aulas se iniciavam
sempre com cerca de trinta minutos de preparo vocal, seguido do repertório. Essa parte inicial
da aula, voltada especificamente ao crescimento em técnica vocal, bem como o
desenvolvimento dos sensos rítmicos e de afinação foram imprescindíveis para a realização
do trabalho, o que requereu por parte do regente um aprofundado estudo da arte do canto.
Uma preocupação pertinente era de que a aula ficasse exaustiva por essa carga de
exercícios vocais e explicações logo no início, embora fosse necessário, porém os alunos
reagiram de uma forma totalmente positiva e logo, ao perceberem o crescimento musical do
grupo, constataram a grande eficácia de um preparo vocal.
Os conteúdos de liturgia foram sendo introduzidos durante o desenvolvimento do
repertório, com explicações e contextualizações por parte do regente, acreditando nesse
formato rizomático de ensino.
Com base na dissertação de doutorado de Angelo Fernandes intitulada “O Regente e a
Construção da Sonoridade Coral: Uma Metodologia de Preparo Vocal para Coros” foram a
cada ensaio, elaborados preparos vocais que focavam as dificuldades do grupo,
principalmente em relação à afinação, o aumento e controle das capacidades respiratórias e
uma produção de voz frontal.

Primeiras participações
32

Para o primeiro semestre de atividades, foi elaborado um cronograma de participações


curtas do coro que aconteceriam após o término de algumas missas. A consciência de que o
trabalho do coro tinha como foco o serviço litúrgico e o respeito e zelo pela liturgia fez este
autor optar neste primeiro momento por este formato. O coro estava iniciando seu trabalho
com um grupo muito heterogêneo e para a realização de um bom serviço à liturgia era preciso
mais preparo. Dessa forma, o coro realizou quatro apresentações no formato acima
mencionado, sempre em consonância com a liturgia celebrada ainda que não fizesse parte da
mesma.
A primeira participação ocorreu após a Missa de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de
Outubro de 2013, exatamente dois meses após o seu início. Foram preparadas duas peças de
caráter popular e religioso para o primeiro contato com os fiéis. Por não haver um trabalho
com música sacra na cidade, foram escolhidas neste primeiro momento duas peças que
continham elementos musicais mais comuns para aquela assembleia de fieis, tendo a
responsabilidade e a consciência que este era um ponto de partida e não o de chegada. Dessa
forma, após o término da missa, executamos as peças “Maria Maria” de Milton Nascimento e
Fernando Brandt e também “Lá no altar de Aparecida”, do célebre compositor católico
brasileiro, Padre Zezinho. Foi utilizado o arranjo de “Maria, Maria” para quatro vozes a
cappella de Jocelei Bohrer e o arranjo de “Lá no altar de Aparecida” foi feito pelo regente, com
desafios de uma harmonia mais dissonante e abertura de seis vozes, com auxílio do piano,
ambas em tonalidade maior. Por pouco tempo após seu início, ainda se faltava
homogeneidade e equilíbrio sonoro; as vogais ainda estavam muito abertas e de forma geral
o grupo soava um pouco pesado por ainda não ter desenvolvido um maior controle dos
mecanismos de produção e ressonância vocal. A reação dos fiéis diante deste primeiro contato
foi muito calorosa, o que incentivou ainda mais o grupo na continuidade de seu trabalho.
Em 02 de Novembro de 2013 ocorreu a segunda participação do coro. Após a Solene
Missa pelos Fiéis Defuntos, foram executadas quatro peças e, neste segundo momento de
contato do coro com os fiéis, o repertório já se aproximava dos ideais para a liturgia. A
primeira peça foi “Bless the Lord, my Soul” de Taizé, seguida de “Justo és Senhor” que tem
sua letra extraída do Salmo 145, música de Lowell Mason adaptado por João Gomes da Rocha.
A terceira peça foi “Amém, Aleluia! Vi cantar no céu”, retirada do Hinário litúrgico da CNBB e
terminamos com “Eu sou o pão da vida” de Richard Proulx. Os desafios musicais se faziam
maiores, visto que o repertório trazia uma diversidade de formas que foi considerada
33

importante para o desenvolvimento da musicalidade e o não engessamento da mesma. Em


“Bless the Lord, my Soul” de Taizé encontra-se uma harmonia em blocos e em modo eólico,
que possui sonoridade modal, muito característico das peças católicas.
A peça em tonalidade maior “Justo és Senhor” se inicia com uma harmonia em blocos,
seguido de uma simples fuga imitativa, que após contrapor texto e as linhas melódicas
formando um encadeamento de acordes, culmina em uma unidade textual enquanto a
harmonia retorna ao tom inicial, ocasionando um interessante efeito musical. É importante
ressaltar o fato da escolha de uma peça musical de origem protestante quando se fundamenta
e se fala de patrimônio musical da Igreja Católica, ainda que este trabalho não tenha como
objetivo discutir a inclusão ou não de obras musicais de outras denominações. Porém, a
escolha da peça “Justo és Senhor” se deve ao fato da busca pela proximidade com os fiéis,
visto que o coral municipal de Americana sempre a executava em suas apresentações na antes
Matriz de Americana, fato que também se conecta a memória de sua maestrina Marília de
Andrade que faleceu em Janeiro de 2012 e foi uma importante figura na condução do
mencionado coro, que após este lamentável fato recebeu então seu nome, sendo atualmente
“CORDA – Coral de Americana Maestrina Marília de Andrade”.
Tanto o refrão meditativo de Taizé, como “Justo és Senhor”, foram realizadas a
cappella. Em “Eu sou o pão da vida” de Richard Prouxl temos os versos em uníssono com a
abertura de vozes no refrão, formato muito utilizado na liturgia, sendo o coro acompanhado
pelo órgão que dobra a melodia e realiza a base harmônica. As três peças mencionadas são à
quatro vozes e somente o “Amém, Aleluia! Vi Cantar no céu”, realizado com um arranjo à seis
vozes, acompanhado por órgão com a peça de Richard Proulx. Esta última peça que será
descrita, possui uma letra muito significativa escrita por um reconhecido letrista brasileiro,
Dom Carlos Alberto Navarro e foi extraída do livro de Apocalipse onde o apostolo João
descreve a visão dos fiéis eleitos que alvejam suas vestes no sangue do Cordeiro. A música
escrita e com arranjo do Padre José Alves é muito singular e contém uma dificuldade rítmica
em mudança de compasso que pode acrescentar um desenvolvimento muito significativo. A
estrutura do arranjo traz o verso em uníssono e o refrão com a abertura de seis vozes
explorando o aumento da tessitura dos naipes. O Coro neste segundo momento apresentava
maior desenvolvimento das habilidades vocais e consequentemente uma melhor sonoridade.
Em Dezembro de 2013 foi realizado o Primeiro Concerto de Natal que trouxe aos fiéis
do então santuário um momento de espiritualidade através da música. Foi elaborado um
34

roteiro que percorria a narrativa bíblica da História da Salvação em que as peças cantadas
ilustravam e se misturavam com o enredo. É interessante mencionar que além de ser o
primeiro concerto do Coro, esta apresentação foi um momento em que se uniram o Coro da
Basílica e o Coro da Paróquia Nossa Senhora do Brasil, formado por agentes de canto que
buscavam uma melhor formação e atuação na liturgia, de forma mais específica em suas
equipes, onde o regente já realizava um trabalho desde 2012, tendo os dois coros
mencionados esta evidente diferença. Com duas récitas de concerto, nas sedes dos dois coros,
o grande coro teve um desempenho muito notável e com um grande número de fiéis
formando o público dos concertos. Foi realizado um repertório com 12 peças que consistiam
em uma diversidade de linguagens musicais variando desde o canto gregoriano e cânones até
a música sacra contemporânea.
Na véspera de Natal, em dia 24 de Dezembro de 2013, o Coro realizou seu último
compromisso deste primeiro semestre de atividades. Repetiu-se quatro peças do concerto de
Natal, sendo executadas duas antes da missa e duas após. O grupo se encontrou reduzido
devido aos já previstos compromissos de muitos coralistas nestas festividades do fim do ano,
mas mesmo assim se mostrou muito seguro. Não eram ouvidos
tão claramente os problemas da abertura horizontal das vogais, que já estavam mais verticais,
havia-se um maior equilíbrio sonoro e certa homogeneidade devido à unificação das vogais,
além do desenvolvimento de um timbre somando as características físicas da estrutura vocal
dos coralistas à técnica vocal aplicada.
Reafirma-se que além dos conteúdos focados neste item, os conhecimentos referentes
à prática litúrgica foram igualmente trabalhados. Mesmo sem o foco na leitura da escrita
musical tradicional, sempre foram entregues aos coralistas as partituras das peças e
explicadas questões que eram realmente importantes neste momento como a localização de
cada voz, conceitos de intensidade e também conceitos de altura. Para um melhor
aprendizado e pelo anseio do desenvolvimento das capacidades auditivas foram introduzidos
os “kits de ensaio”, que consistiam na reprodução da linha melódica de cada voz através do
som do piano. É importante considerar que neste primeiro semestre o coro enfrentou
inúmeras dificuldades com a sonorização dentro do Templo, por este possuir muita
reverberação.
35

O Desenvolvimento no ano de 2014

O planejamento para o ano de 2014 consistia principalmente da participação do coro


nas liturgias, propósito para qual se deve sua existência. O grupo de cantores, que já havia
expandido sua vivência musical, obteve um crescimento em técnica vocal e percepção auditiva
como também uma consciência litúrgica, pode agora se preparar para sua atuação na liturgia.
Houve a inserção de novos coralistas, expandindo a idade inicial dos participantes de 17 para
13 anos de idade.
A primeira missa animada pelo Coro foi realizada em 26 de Fevereiro de 2014 e foi uma
data festiva em comemoração ao aniversário de ordenação presbiteral do reitor do então
Santuário. Após o recesso, o coro teve exatamente trinta dias para preparar toda a liturgia da
Missa o que requereu por parte do regente um maior aproveitamento do tempo de ensaios
como também uma maior exigência do estudo por parte dos coralistas.
O repertório desde a primeira missa foi escolhido com muito zelo litúrgico. O trabalho
de diversos coros católicos foi acompanhado e também de diversos compositores sacros.
Destacamos o excelente trabalho, que é referencial e modelo, desenvolvido pelo Coro da
Arquidiocese de Campinas. O Coro que faz parte de uma estrutura única e pioneira no Brasil
é regido pelo Maestro Clayton Dias, pesquisador da área de Música Sacra. Junto do Coro,
existe o “CEMULC - Centro de Estudos de Liturgia e Música Sacra da Arquidiocese de
Campinas”, sendo o único no Brasil e atendendo dezenas de alunos que são agentes pastorais
nas comunidades e paróquias de Campinas e região. Buscando o mesmo ideal em música
litúrgica, o Coro do então Santuário contou com o auxílio do Coro da Arquidiocese de
Campinas que gentilmente cedeu partituras e arranjos.
As letras presentes no repertório sempre são bíblicas ou de escritos do Magistério da
Igreja, bem como as partes do ordinário conferidas no Missal Romano. Entre os compositores
das peças presentes neste primeiro repertório litúrgico estão Marco Frisina, Irmã Miria
Therezinha Kolling, Padre Joseph Gelineau, Vincenzo Giudici, Frei Luiz Turra, Frei Fabretti,
Padre Ney Brasil além de canto gregoriano e uma peça escrita por este autor. Esta primeira
liturgia animada pelo coro foi muito esperada pelos fiéis e contou com a presença de diversas
autoridades eclesiais, dentre as quais destacamos novamente o apoio e incentivo do Bispo
Diocesano.
36

Iniciou-se, após esta primeira liturgia, o preparo para a Missa do Domingo de Páscoa e
foi encontrada uma situação totalmente inesperada. O reitor comunicou a este autor que faria
uma viagem junto do bispo diocesano ao Vaticano em menos de um mês e que levaria o
questionário com os requisitos para a concretização do título de Basílica. Para isto, era preciso
fazer um registro audiovisual de uma liturgia animada pelo Coro e que, além das peças em
latim que já eram comuns, o coro deveria executar o “Credo III”. Este fato constituiu um
importante desafio ao Coro que se via ainda em seu início e acabara de receber tamanha
exigência. Foi formulado pelo regente um material para o estudo desta importante peça que
consistiu em um guia, no qual o Credo foi dividido em dezoito partes. Foi feito o registro
fonográfico destas partes e distribuído aos coralistas para que pudessem ouvir, compreender
e estudar a peça, além de um simples relatório sobre o estudo para evidenciar os trechos em
que sentiram maior dificuldade e facilidade, bem como promover o envolvimento de todo o
grupo com este momento histórico. Em tempo cronológico, o coro teve quatorze dias para
realizar o estudo da peça, e em tempo de ensaio o grupo teve oito horas divididas em quatro
ensaios, que foram realizados neste prazo de duas semanas, mas que contavam também com
a preparação das outras peças presentes no repertório dessa missa. Além de um preparo vocal
que consistia em um refinamento da afinação, bem como uma produção vocal entre o “meio
cantado” e o “meio recitado” próprio do canto gregoriano, era preciso contextualizar a peça
e nutrir o interesse por seu aprendizado. A cada ensaio, as frases eram faladas em latim
seguidas de sua tradução e também eram ensaiadas as outras peças, de caráter mais simples.
Em 30 de Março de 2014, no Santuário Diocesano de Santo Antônio de Pádua de
Americana, foi realizado o registro audiovisual da atuação do coro na liturgia, e
consequentemente do “Credo”. Este registro foi levado na semana seguinte ao Vaticano e
apresentado junto dos materiais requisitados e do questionário para obtenção do título de
Basílica à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Juntamente do
Bispo Diocesano, o reitor do Santuário e seus assessores puderam ser parabenizados pelo
trabalho do Coro e este então recebeu a aprovação da Santa Sé diante do serviço litúrgico.
Ainda sem a certeza da elevação ao grau de Basílica que possui tempo indeterminado para ser
tanto aprovada como decretada, a notícia de que os esforços de cada integrante do coro
tinham sido elogiados pela Comissão do Vaticano trouxe aos coralistas e aos fiéis uma imensa
sensação de satisfação pessoal e a certeza da contribuição histórica à Igreja, à Diocese de
Limeira e ao Município de Americana.
37

O Coro terminou o primeiro semestre de 2014 continuando seu trabalho com foco na
técnica vocal, desenvolvendo e ampliando seu repertório e animando mais três liturgias:
Domingo de Páscoa, Solenidade de Corpus Christ e a Memória de Santo Antônio, o padroeiro.
Nesta última liturgia, que contava com a presença do Bispo Diocesano, o coro teve a grata
surpresa trazida na semana anterior de Roma e mantida em segredo até o momento: o
decreto de Basílica Menor por sua Santidade, Papa Francisco.
Em quase todos os livros sobre o canto coral encontra-se argumentações sobre a
satisfação pessoal através do canto coletivo, porém vivenciar este momento histórico e único
nos fez experimentar um nível muito alto de satisfação e contentamento.
Em 12 de Agosto de 2014 o Coro completou seu primeiro ano de atividades agora com
cerca de sessenta coralistas. Os fiéis da decretada Basílica já participavam mais através do
canto e das respostas e o coro já tinha uma maior homogeneidade, uma melhor produção
vocal e assim iniciou-se um refinamento na sonoridade que buscava alternar entre um timbre
mais claro e mais escuro. A proposta assumida, trazida por FERNANDES (2009) como uma
metodologia de preparo vocal para Coros consiste em uma produção vocal frontal, e à uma
alternância entre esse timbre chamado “chiaroscuro”:

Há uma extensa terminologia, em muitas línguas, para a descrição da


variação dos timbres vocais encontradas nas diversas escolas [nacionais]. Um
desses termos é o chiaroscuro que, literalmente significa o som claro-escuro,
e que designa o timbre básico da voz cantada no qual a laringe e o sistema
de ressonância parecem interagir de tal forma que apresentam um espectro
de harmônicos percebidos pelo ouvinte treinado como aquela qualidade
vocal desejável – a qualidade que o cantor chama de ressonante (Miller,
1983, 2:135 apud Stark, 1999, tradução livre).2

Importante mencionar que, além dos estudos de FERNANDES (2009), o presente autor
já possuía conhecimentos de prática vocal por estudar canto, o que facilitou o processo de
aprendizagem do coro. Dessa forma, foram realizados no preparo vocal do coro exercícios
descritos na abordagem de FERNANDES (2009). O Coro obteve grande crescimento e
desenvolvimento da sonoridade, tendo o equilíbrio e a capacidade de um controle saudável
entre um som claro e um escuro.

2
An extensive terminology exists, in several languages, for the description of variations of vocal timbre found
within the several [national] schools. One such term is chiaroscuro, which literally means the bright/dark tone,
and which designates that basic timbre of the singing voice in which the laryngeal source and the resonating
system appear to interact in such a way as to present a spectrum of harmonics perceived by the conditioned
listener as that balanced vocal quality to be desired – the quality the singer calls resonant.
38

No segundo semestre de 2014 o coro realizou várias liturgias dentre as quais estavam
a Missa de Nossa Senhora Aparecida, a Missa e o Concerto pelos Fiéis Defuntos. No início do
mês de Novembro, o coro iniciou uma intensa preparação para a Solene Missa de Instalação
da Sacrossanta Basílica de Santo Antônio de Pádua, cerimônia litúrgica de maior importância
que a cidade de Americana viveu. A escolha do repertório se iniciou em Agosto e terminou na
última semana de Outubro, tendo no mês de Novembro a mencionada preparação das peças.
A Solene missa, ocorrida em 30 de Novembro de 2014, foi presidida pelo Legado Pontifício e
então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, Dom Raimundo
Damasceno Assis.
Além da Missa de Natal do ano de 2014, outro evento muito enriquecedor ao coro foi
o IIº Concerto de Natal que contou com um amplo repertório sacro e que requereu um
desempenho mais maduro do coro no tocante à compreensão de outras linguagens musicais:
em destaque as peças “Ave Verum Corpus”, de W. A. Mozart e “The Lord Bless you and keep
you” de John Rutter.

Atualmente

No primeiro semestre de 2015 o coro contou com um grande número de


compromissos, ampliando sua compreensão de linguagens musicais e vivenciando momentos
litúrgicos muito significativos para o seu aprendizado. Dentre estes compromissos destaca-se
o trabalho desenvolvido para a Missa Diocesana do Crisma e o Tríduo Pascal que foram
imprescindíveis para o desenvolvimento do coro como também para sua divulgação.
Ao se preparar para a Missa do Crisma e para o Tríduo Pascal, o coro teve uma
profunda contextualização litúrgica, bem como a explicação do caráter de cada liturgia. A
diversidade musical contida no repertório, com o conteúdo das letras em seguimento aos ritos
fez com que o coro buscasse intensamente um ideal de comunicação através do canto que
neste momento chamou muito a atenção. A carga teológica e a complexidade do sentido
litúrgico presente e relato através do repertório destas liturgias ampliaram a compreensão
litúrgica e motivaram o interesse dos coralistas em buscar mais conhecimento.
Foi na Missa do Crisma que o Coro se torna conhecido a toda a diocese de Limeira que
nota o pioneirismo do coro dentro deste território e a importância da música na liturgia. Assim
se deu também a constatação de que o coro não é um coro de concerto e de que muito menos
39

exclui a participação dos fiéis no canto, mas sim está fundamentado e busca os ideais para a
liturgia enunciados no Concílio Vaticano II. Após esta missa o coro recebeu muitos convites
por toda a diocese e desempenhando seu serviço à liturgia foi tido como referência, sendo
motivador de outros trabalhos em música litúrgica nesta diocese.
Atualmente o Coro tem buscado ampliar seu repertório, transitando pelas diversas
linguagens da música sacra compreendidas por sua historicidade. Além da execução e
divulgação dessas peças na liturgia, o coro também busca a realização de concertos sacros
com obras que apresentem essa diversidade e contribua num maior crescimento espiritual
dos fiéis. A compreensão e a leitura da escrita musical tradicional é uma importante meta que
será iniciada no segundo semestre de 2015, fato que o regente considera importante neste
segundo momento do Coro.

3.4.2 Coro Juvenil

O Coro Juvenil da Basílica foi iniciado em 2014 devido ao grande número de


adolescentes presentes e interessados no Coro Polifônico. A participação destes no Coro com
os adultos não foi anulada, mas se via a necessidade de um trabalho mais direcionado a esse
contingente. O Coro Juvenil conta com 16 adolescentes com idades entre 11 e 17, e possui
uma atividade permanente nas liturgias dominicais da Basílica. Seu repertório é em grande
parte extraído do Hinário Litúrgico da Arquidiocese de Campinas, tendo diversas composições
deste autor como também de outros compositores sacros. Tem, diante do convite das
paróquias, animado liturgias na cidade e região, bem como participado de encontro de Corais
e atividades culturais.

3.4.3 Coro infantil

O Coro infantil, iniciado em Agosto de 2014, conta atualmente com 13 crianças com
idades entre 7 e 10 anos. Seu repertório requer uma alta contextualização devido a sua
atuação permanente nas liturgias dominicais. Além do repertório extraído do Hinário Litúrgico
da Arquidiocese de Campinas, de peças deste autor e de outros compositores sacros, o coro
possui também peças com temática infantil que são recolhidas pelo regente por estarem em
consonância com os princípios cristãos da Instituição ao qual são pertencentes.
40

3.4.4 Grupo de Câmara

O grupo de Câmara foi iniciado em Maio de 2014 com a presença de oito


instrumentistas, tendo em sua composição violino, violoncelo, contrabaixo, flauta, trompete,
órgão e violão. O grupo tem como propósito acompanhar o coro nas missas solenes e assim
contribuir ativamente na liturgia. Devido a seu repertório, os arranjos realizados são escritos
pelo regente ou cedidos pelo Coro da Arquidiocese de Campinas.
41

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão sobre as práticas da contemporaneidade em música sacra podem contribuir


muito no trabalho e no posicionamento de um regente ou da pessoa que exerça liderança
sobre um coro católico. Porém, a vista de uma superfície não contempla a totalidade que está
submersa.
Durante o desenvolvimento deste trabalho foi possível compreender a importância de
ir ao encontro da natureza do assunto tratado, identificar princípios e assim notar sua
presença ou ausência em muitos momentos da história da música.
Ao evidenciar estes saberes e abordar uma reflexão ao regente católico, envolvemos
também aspectos extra acadêmicos. Se trata de um rompimento de gerações da música
católica no Brasil e as concepções que as envolvem. Nosso cuidado e atenção se distanciam
de uma discussão medíocre e desonesta ao ponto de desconsiderar e condenar compositores
e práticas musicais da geração com a qual rompemos, mas sim revelar que ao nosso tempo e
ao nosso ver, diante dos subsídios que apresentamos e princípios que nos norteiam, há sim
um tesouro que precisa ser cuidado e há também uma preocupação com a participação ativa
dos fiéis em música sacra.
Encontramos então aspectos que devolvem à música sacra católica o seu devido lugar.
Contrastamos a incorporação da divindade pagã através da música com a visão judaico-cristã
de um Deus que se faz ouvido e também ouve as súplicas e agradecimentos da obra de sua
criação. Este aspecto ao qual chamamos de caráter dialogal, é então o possível motivo ou
intenção pela qual o homem faz uso de suas linguagens e sonoridades para se constituir o que
chamamos de música sacra. Logo, a música sacra está intimamente ligada ao culto e seus ritos,
tendo nesta união a certeza de sua santidade e sacralidade.
Os salmos ganham ainda mais destaque e se tornam um sinal vivo do diálogo entre
criatura e criador, bem como sua eterna validação. Este fato não exclui a possibilidade de
novas criações, mas fornece um modelo para que o canto sacro não se torne uma explosão
de sentimentos ou sensações e sim uma feliz união entre razão e fé.
A visão sobre música trazida pelos pais da igreja torna-se uma aliada ao músico católico
que na contemporaneidade não busca escrever tratados sobre os elementos musicais como
um fim em si próprios, mas ainda lutam para o reestabelecimento e valorização da música na
espiritualidade cristã.
42

Ao compreender o que é de fato o patrimônio musical da Igreja e a definição do próprio


documento conciliar sobre a participação ativa, verifica-se como os elementos da natureza da
liturgia e da música sacra estão inteiramente conectados a estes. Dessa forma, entende-se
que a profundidade do assunto é maior do que esperávamos e assim encontramos um fértil
campo para reflexões e fundamentações das práticas em música sacra para nossos dias.
Diante de todas as constatações, nota-se então a importância destes saberes e sua
interferência na prática. Portanto acreditamos ser o regente, responsável por esta prática, ser
responsável também pela compreensão e formação musical e litúrgica dos coralistas e dos
fiéis. De forma alguma se busca uma “elitização” da música ou o distanciamento do fiel na
participação litúrgica. Muito pelo contrário, o que de fato deseja-se é a devida compreensão
e democratização da música sacra.
Acreditamos ainda que, ao abordar essa concepção, o regente se faz promotor de um
ensino de música igualitário, diminuindo então as realidades excludentes presentes na
sociedade, contribuindo para uma transformação social e histórica culminando na formação
consciente dos fiéis pela música, enfraquecendo assim os processos de massificação cultural.
O trabalho realizado na Basílica de Americana, mencionado no último capítulo, ilustra
as dificuldades no trilhar deste caminho. Porém, a medida que o assunto é tratado com a
devida profundidade e seriedade, notam-se as contribuições na vida comunitária dos fiéis, na
realidade eclesial e na educação musical da população católica.
43

5 REFERÊNCIAS

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VATICANO II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas,
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44

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