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CDD 933
Olá!
Segundo Donner1, a história de Israel deve ser apresentada a partir das fontes
bíblicas, epigráficas e arqueológicas disponíveis, que devem ser usadas para fundamentar
a pesquisa. E essa abordagem é aplicada também no estudo de outros povos antigos,
como egípcios, assírios, hititas, babilônios, fenícios, etc., posto que os seus materiais
literários e arqueológicos se constituem em verdadeiras janelas de acesso ao passado
histórico, sem o qual não se pode entender a vida dessas pessoas que os produziram. A
proposta desse estudo é percorrermos a História de Israel desde a época patriarcal até o
período helenístico, obviamente com o auxílio dos seus inúmeros achados arqueológicos,
que por sua vez, possibilitarão uma abordagem comparativa entre literatura e
arqueologia. Pretende-se neste trabalho estudar a história israelita desde suas raízes mais
remotas, isto é, as suas origens nômade-pastoris e agrícola-sedentárias, até seu período
urbano-citadino, em que são encontradas as bases do que chamamos hoje de Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo.
Este estudo não pretende enfatizar a história factual, isto é, analisar a sucessão de
fatos que se sucederam seguindo uma rígida linearidade histórica, enfatizando detalhes
estatísticos e nomenclaturas desnecessárias, mas sim analisar os processos históricos que
caracterizam as diversas fases pelas quais o povo israelita passou. Para facilitar o nosso
estudo, pretendo usar o esquema de divisão didática da História de Israel em seis partes
ou blocos, como propõe Werner Schmidt:2
1
DONNER, H. História de Israel e dos Povos Vizinhos: Dos primórdios até a formação do Estado. V. 1.
São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 17.
2
SCHMIDT, W. H. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 17.
APRESENTAÇÃO 5
Pré-História Nômade XV(?)-X a.C.
Bom Estudo!
6 APRESENTAÇÃO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para tanto, espera-se que discentes leiam as unidades, assistam aos vídeos
recomendados, realizem as leituras sugeridas e as atividades propostas. Nas unidades,
pois, você encontrará:
- leituras complementares;
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 7
8 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1 PRÉ-HISTÓRIA NÔMADE
1 PRÉ-HISTÓRIA NÔMADE
Roteiro de Aprendizagem
UNIDADE 1 9
ao longo de três gerações, num horizonte muito restrito, quase sem
efeitos para fora e a partir de fora3.
Na Bíblia há textos que narram a vida dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, suas
peregrinações e anseios por adquirirem direitos sobre a posse da terra (aquisição da
sepultura em Macpela, Hebrom, Gn 23). Outras narrativas afirmam que esses antigos
ancestrais viviam em tendas, baseado na confissão que faziam por ocasião da oferta das
primícias: “Arameu errante foi meu pai” (Dt 26,5). Para Schmidt6 os antepassados de
Israel falavam originalmente aramaico, mas, depois do assentamento, adotaram a língua
local, o hebraico.
3
DONNER, 2004. p. 83.
4
GERSTENBERGER, E. Teologias no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2007. p.148.
5
DONNER, 2004, p. 93.
6
SCHMIDT, 2004, p. 19.
10 UNIDADE 1
considerado que Israel e suas tribos surgiram somente na terra
agricultável. Isso quer dizer que a estrutura tribal foi cunhada por
famílias camponesas sedentárias e comunidades aldeãs, com todas as
marcas que uma vida agrária pode imprimir numa formação social desse
tipo e nas atitudes e noções de Deus porventura nela existentes.7
7
GERSTENBERGER, 2007, p.149.
8
GERSTENBERGER, 2007, p.139.
9
Esse texto confirma que as praticas dos patriarcas bíblicos tem um fundo histórico - FINKELSTEIN,
I.; SILBERMAN, N. A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003.p. 431-432. Entretanto o
título original do livro é The Bible unearthed (A Bíblia desenterrada). O título alternativo dado ao livro
tem causado desconfiança e afastamento de muitos pesquisadores dessa valiosa obra que se tornou um
best seller em vários países do mundo.
UNIDADE 1 11
(no tempo da compilação) de uma tradição anterior10. As escavações arqueológicas
mostraram que Judá não atingiu nível significativo de alfabetização antes do final do
século VIII a.C. Por isso, as narrativas dos patriarcas estão repletas de referências a
realidades monárquicas do século VII a.C. Refletindo novamente sobre documentos de
Nuzi, percebeu-se que as práticas nele registradas eram comuns também no primeiro
milênio, período da monarquia em Judá.
O fato é que em sua história original, Israel jamais esqueceu sua origem nômade
pastoril associada a um Deus de migrantes. Com o processo de sedentarização, houve
uma fusão de elementos teológicos associados às culturas agrárias e urbanas, originando
aquilo que chamamos hoje de povo de Israel. Mas há um elemento comum que une todos
esses grupos que convivem nesse ambiente hostil: a necessidade de gerar filhos, isto é, a
fertilidade tanto de homens, como de animais.
Abraão foi chamado por Deus para ser uma grande nação, um povo inumerável
como as estrelas do céu. As narrativas patriarcais revelam indícios históricos daquilo que
seria um rito de fertilidade doméstico. As matriarcas Lia e Raquel possuíam deuses da
fertilidade chamados de terafins, que eram pequenas estatuetas de terracota que
acompanhavam os nômades no deserto, geralmente associadas à fertilidade e proteção,
desde a concepção até o parto. Muitas dessas imagens estão expostas no Museu de Israel,
conforme a Figura 1.
12
Figura 1 - Teraphim ou ídolos menores
10
FINKELSTEIN, 2003, p. 433.
11
FINKELSTEIN, 2003, p. 433.
12
Disponível em: <http://huntsmansintheholyland.blogspot.com.br/2012/07/a-day-at-museums.html>.
12 UNIDADE 1
Segundo George Ernest Wright13, os documentos de Nuzi comprovam que esses
terafins tinham grande importância para a família, pois sua função era garantir a vida
próspera e também a segurança de quem os possuía. Por isso a narrativa revela a grande
preocupação de Labão pela perda desses terafins: “por que furtaste os meus deuses?” (Gn
31,30). Gottwald14 afirma que entre as práticas legais usuais evidenciadas nas tabuinhas
de Nuzi está a possessão dos deuses da família (terafim), que era um direito à propriedade
hereditária (Gn 31,34).
13
WRIGHT, George Ernest. Arqueologia Bíblica. Madrid: Ediciones Cristandad, 1975. p.63.
14
GOTTWALD, K. N. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica. São Paulo: Paulinas, 1988. p.135.
15
ALBERTZ, Rainer and SCHMITT Rüdiger. Family and Household Religion in Ancient Israel and the
Levant. Winona Lake Indiana: Eisenbrauns, 2012. p. 60.
16
BECKING, Bob; DIJKSTRA, Meindert; KORPEL, Marjo C. A.; VRIEZEN, Karel J. H. (Ed.).Only
one God? Monotheism in Ancient Israel and the Veneration of Goddess Asherah. London: Sheffield
Academic Press, 2001. p. 66.
17
TOORN, Karel van der; BECKING, Bob; HORST, Pieter W. van der. Dictionary of deities and
demons in the Bible. 2nd extensively rev. ed. Leiden; Boston; Köln: Brill, 1999. p. 846.
UNIDADE 1 13
Raquel. Mas tinha tomado Raquel os ídolos e os tinha posto na albarda
de um camelo, e assentara-se sobre eles; e apalpou Labão toda a tenda, e
não os achou. E ela disse a seu pai: Não se acenda a ira aos olhos de meu
senhor, que não posso levantar-me diante da tua face; porquanto tenho o
costume das mulheres. E ele procurou, mas não achou os ídolos. (Gn
31,19;33-35)
Nesse caso, a diferença básica entre os terafins dos nômades e as divindades dos
sedentários cananeus está no fato de que elas estão relacionadas ao estilo de vida dos seus
adoradores, pois as divindades dos povos sedentários são predominantemente ligadas a
um lugar. Nesse caso, ir a um deus significava visitar o seu santuário, local de sua
habitação. Ali ele recebia as ofertas dos devotos e a seguir dava-lhes sua bênção. Já o deus
dos nômades nem sempre está ligado a um local. Ele os acompanha, está presente no
caminho, protegendo, garantindo a fertilidade ao seu povo errante.
18
GASS. Ildo Bohn. Formação do Povo de Israel: Uma introdução à Bíblia. São Leopoldo: CEBI, 2011. p.
43.
19
GUNNEWEG, A. H. J. História de Israel: dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl até os
nossos dias. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005. p. 46.
14 UNIDADE 1
suposições hipotéticas subsidiárias e de improbabilidades. Também não
são melhores as tentativas de definir os pais histórica e
cronologicamente com mais exatidão por meio de observações histórico-
culturais: através de reflexões sobre seus nomes, seus costumes e hábitos,
sobre as concepções jurídicas da tradição sobre os patriarcas, o
relacionamento da tradição com os textos cuneiformes de Nuzi-Arrapha,
e outras mais. Com isso tudo não se avança além da afirmação genérica
de que os patriarcas e as sagas sobre eles enquadram-se no amplo
ambiente da cultura do Oriente Antigo do 2° e do início do 1º milênio
a.C.20
20
DONNER, 2004, p. 95.
21
RENDTORFF, R. A formação do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1979. p. 6.
22
NOTH, M. apud FINKELSTEIN, 2003, p. 67-69.
UNIDADE 1 15
A geografia desses três patriarcas levou Noth a sugerir uma leitura da Bíblia
diferente da tradicional. E com base nesses locais geográficos, tornou-se compreensível a
tentativa de vincular esses três personagens, e conforme a história se desenvolveu
procurou-se entender como esses grupos humanos estão relacionados entre si. Isso levou
a uma espécie de genealogia patriarcal, com Abraão, Isaac e Jacó. Noth deduziu que havia
no início três tradições separadas e os patriarcas não tinham relação de parentesco. No
norte foi narrada a história de Jacó. Em Hebron, a de Abraão. E em Beercheva a de
Isaque.
Para Noth, a ideia de que os três patriarcas provinham da mesma família é uma
invenção tardia daqueles que redigiram a Bíblia Hebraica. Eles queriam mostrar que
havia um elo entre os três patriarcas, mas de fato não havia nenhum. Isso poderia ser um
indicativo de diversas tradições orais que posteriormente foram registradas nos textos,
isto é, histórias de várias origens entrelaçadas. Algumas associadas ao reino do norte, e
outras ligadas ao reino do Sul, Judá.
Noth concluiu que há então três tradições distintas inseridas no contexto de três
áreas geográficas diferentes. O intrigante é que a história de Abraão está no centro, e vem
em primeiro lugar como o patriarca fundador. É possível que o texto tenha sido redigido
em Jerusalém no século VII a.C. Portanto, é dali que surgiu essa história23.
Não se pode perder de vista a ênfase teológica que o Gênesis dá a tais relações,
posto que Deus ocupa o papel proeminente na narrativa, dirigindo os destinos segundo a
sua vontade divina. O hábil narrador24 conta essas histórias enriquecendo-as com as
tradições do seu próprio tempo. Esses teólogos são narradores muito hábeis e, usando
três gerações, oferecem uma grandiosa construção histórica. Um grande mosaico de
muitas gerações, esse material narrativo possibilita uma memória de grupo que se
conecta com eventos que interessam a toda história de um povo. A narração dessas
23
FINKELSTEIN, 2003, p. 70.
24
RENDTORFF, 1979, p. 13. As ideias teológicas diretrizes que, tanto na história do princípio como na
história dos patriarcas, em Gênesis, sobressaem claramente, permitem a conclusão de ter sido seu autor
aquele que ajuntou as diversas tradições de maneira bem planejada. Este autor é chamado o «Javista».
Essa denominação é motivada pelo fato que ele usa permanentemente, em sua apresentação, o nome
hebraico de Deus: «Javé» (na versão portuguesa é traduzido por «o Senhor»). Representa ele um teólogo
do tempo da monarquia em Judá.
16 UNIDADE 1
memorias se constrói sobre o fato de que um grupo de pessoas, um povo, ou parte dele se
reconhece num personagem fundador que une e identifica todo o grupo25.
Por isso, essas sagas são mais do que simples contos do que passou. Nelas
tudo isso está presente como parte integrante da própria história
daqueles que as narram e ouvem. Reconhecem, naquilo que Abraão, Jacó
e Moisés passaram, uma representação de suas próprias experiências que
tiveram e ainda têm. Porque Israel entende sua história sempre como
história com Deus. E assim como Ele agiu com os patriarcas, livrou a
geração posterior do Egito e a levou para a terra prometida, assim está
agindo em todos os tempos com seu povo27.
No ciclo de Jacó e Esaú está a relação entre irmãos. É interessante notar que as
narrativas de traição entre irmãos começam com Caim e Abel, perpassam o ciclo de Jacó,
e se repetem em José, que por sua vez perdoa seus irmãos traidores. A história de José
fala também da boa relação dos hebreus com o estado egípcio, refletindo assim a amistosa
relação entre os judeus e o governo persa no século V a.C, sobretudo os benefícios
concedidos a Judá pelos reis persas. Baseado nessas construções literárias, constatamos
que é difícil reconstruir historicamente o período patriarcal. De fato, as histórias dos
patriarcas constituem-se na confissão de fé de Israel em seu Deus.
25
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G. ll mondo della bibbia. lmmagini e parole . Milano: Paoline
Editoriale Libri, 2006. p. 25.
26
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 24.
27
RENDTORFF, 1979, p. 6-7.
UNIDADE 1 17
O Antigo Testamento conserva e testemunha uma história de fé - a fé
num mesmo e único Deus (Êx 6.2s. e outras) - e integra o crente
contemporâneo (tanto a comunidade cristã como o indivíduo) nesta
história de fé. Para quem tem fé não é importante ter e conhecer além
dos irmãos também os pais na fé (cf. Rm 4.10 a respeito de Abraão; Hb
11)?28
Não visam o castigo por si mesmo, mas são um meio para que o povo se
converta. É o que nos diz Am 4,6-11, onde após cada praga se repete o
28
SCHMIDT, 2004, p. 357.
29
SCHMIDT, 2004, p. 21-23.
18 UNIDADE 1
estribilho “e não vos convertestes a mim”; e também Is 9,7-20, onde a
chave para interpretar todos os castigos se encontra no versículo 12:
‘‘mas o povo não voltou para aquele que o feria, não buscou o Senhor dos
exércitos”.30
A última praga revela a origem da Páscoa, que está ligada ao ambiente nômade
onde o sangue ovino era aspergido nas entradas das tendas com finalidades apotropaicas,
isto é, ritos de proteção. Os trajes e a postura de migrante refletem esse ambiente nômade
pastoril.
A festa da Páscoa e a dos pães asmos são uma justaposição de memórias, tanto do
ambiente nômade como do agrícola.
30
SCHREINER, Josef. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p. 20.
31
GASS, 2011, p. 44.
32
GASS, 2011, p. 57.
UNIDADE 1 19
filmagem e não uma interpretação, um fato qualquer sem significado
“teológico”, nada mais do que essa presença fantástica de Deus33.
33
CROATTO, 1986, p. 26.
34
SCHIMIDT, 2004, p. 19.
35
SCHIMIDT, 2004, p. 22
36
REIMER, H. A construção do Uno. Pistis Praxis, Curitiba, v. 4, p. 177-195, 2012.
20 UNIDADE 1
1153 a. C.) no templo de Mednet Habu. Nota-se nas representações dos guerreiros Shasu
duas semelhanças: o medalhão no peito e o estilo do cabelo.
"Destruí o povo de Seir entre as tribos Disse pois: O SENHOR veio de Sinai, e
Shasu. Arrastei suas tendas: seu povo, sua lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o
propriedade e seu gado também, sem monte Parã, e veio com dez milhares de
número; Eles foram empurrados e levados santos; à sua direita havia para eles o fogo
em cativeiro, como o tributo do Egito.” 40 da lei. (Dt 33, 2).
37
STAUBLI, Thomas. Das Image der Nomaden im alten Israel und in der Ikonographie seiner
sesshaften Nachbarn. Orbis Biblicus et Orientalis 107. Freiburg (Suíça); Göttingen: Vandenhoeck &
Ruprecht. 1991. p. 340.
38
STAUBLI, 1991, p. 341.
39
RÖMER, Thomas. The Invention of God. Cambridge: Harvard University Press, 2015. p. 38.
40
RÖMER, 2015. p. 38. O texto se encontra no Papiro Harris I (da era de Ramsés IV, 1150 a.C.) nele o
Faraó se vangloria por ter derrotado os Shasus.
UNIDADE 1 21
Essas conexões surpreendentes estão levando os estudiosos a reexaminarem
novamente a história do êxodo. Há uma teoria que fala de um grupo de escravos
cananeus fugidos do Egito, que passaram por Midiã e ouviram histórias sobre o Deus dos
shasus e então passaram a atribuir essa experiência de libertação a esse Deus. No regresso
a Canaã, seguiram para as regiões montanhosas, integrando-se aos grupos em Canaã. Ao
transmitir-lhes suas histórias de libertação, impactaram essa sociedade igualitária,
disseminando a ideia de um Deus que representava a liberdade de usufruir do seu
próprio trabalho. A mensagem era tão forte que uniu as pessoas sob uma nova
identidade. Israel era, no início, um aglomerado de multidões, mas o espírito
revolucionário estava com eles desde o início. Depois essas histórias foram registradas
por escrito e se tornaram o tema central da Bíblia e o nascimento do monoteísmo.
Para Finkelstein,41 o Êxodo de lsrael do Egito não é um fato histórico, mas sim a
expressão contundente da memória e da esperança, nascida num contexto de mudanças.
Por isso, o confronto entre Moisés e faraó (anônimo no texto bíblico) é uma projeção do
confronto entre o rei Josias e o faraó Neco, recentemente coroado. Fixar essa memória
bíblica em uma só data, porém, é trair o significado mais profundo da história do povo de
Deus.
41
FINKELSTEIN, 2003, p. 105.
42
<http://airtonjo.com/site1/historia-de-israel.htm>.
22 UNIDADE 1
PARA RESUMIR:
Para Martin Noth, a ideia de que os três patriarcas provinham da mesma família é
uma invenção tardia. E que, isso é um indicativo de diversas tradições orais que
posteriormente foram registradas nos textos, histórias de várias origens entrelaçadas
oriundas tanto do reino do Israel, como do reino do Sul, Judá.
Há três tradições distintas inseridas no contexto de três locais diferentes, sendo que a
história de Abraão está no centro e vem em primeiro lugar, como o patriarca
fundador. Essa teoria afirma que tal tradição vem de Jerusalém no século VII e é dali
que essa história é contada.
UNIDADE 1 23
APLICAÇÃO
DE CONCEITOS
"Destruí o povo de Seir entre as tribos Disse pois: O SENHOR veio de Sinai, e
Shasu. Arrastei suas tendas: seu povo, lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o
sua propriedade e seu gado também, sem monte Parã, e veio com dez milhares de
número; Eles foram empurrados e santos; à sua direita havia para eles o
levados em cativeiro, como o tributo do fogo da lei. (Dt 33, 2)
Egito.” [RÖMER, 2015, p. 38.]
43
<https://youtu.be/9whxupPO-M8>
24 UNIDADE 1
2 ÉPOCA PRÉ-ESTATAL
2 ÉPOCA PRÉ-ESTATAL
Roteiro de Aprendizagem
Posteriormente veremos o período caótico dos juízes, que por sua vez quer
mostrar a monarquia como solução para esse contexto de inseguranças e anarquias. Na
verdade, o período dos juízes findará com a história de Samuel, um sacerdote, juiz e
profeta que, na transição para o sistema tributário dos reis, será o personagem que
introduzirá a monarquia em Israel.
44
CROATTO,1986, p. 26.
UNIDADE 2 25
Note-se ainda que Js 3-5 tem um interesse fortemente religioso: a
travessia do Jordão e a tomada de Jericó são, na verdade, liturgias
processionais; a dimensão religiosa continua com o rito da circuncisão e
a celebração da Páscoa. Essas narrativas foram costuradas, formando um
quadro uniforme da fase de ocupação da Terra na parte da Cisjordânia.
Trata-se de uma história maravilhosa, mostrando que não é a força do
povo e sim a força de Javé que conquista a vitória sobre os inimigos. O
autor está interessado em mostrar que Javé foi fiel às promessas,
entregando ao povo a Terra que outrora havia prometido aos
antepassados (Ex 3,7-9; Dt 8,7-9).45
45
STORNIOLO, I. Como ler o livro de Josué: terra = vida, dom de Deus e conquista do povo. São Paulo:
Paulus, 1997. p. 16.
46
Esse quadro comparativo foi retirado na íntegra do livro: STORNIOLO, 1997. p. 30-31.
26 UNIDADE 2
As leis defendem os interesses do rei. As leis defendem o sistema igualitário. Os
Graças ao seu poder, a palavra do rei é mandamentos se baseiam no compromisso
lei para o povo (Ex 1,8-10.22; 5,6-9). mútuo, preservando a liberdade e
prescrevendo relações sociais justas e
fraternas (Ex 20,1-17; Dt 5,1-21).
Culto centralizado para celebrar o mito Culto descentralizado para celebrar a vida e
que legitima o poder do rei. Poderoso a história. Realizado nas famílias e depois
meio de dominação, sujeito a um nos santuários, celebra a presença e a ação
esquema rigoroso. Nada deve mudar de Javé, que liberta o povo e o põe em
(1Sm 5; 1Rs 11,1-8). marcha para a vida (Ex 19,1-18; Dt 26,1-11;
Js 24,1-28; Jz 17).
Então eu fui de noite e lutei contra ele E tudo quanto havia na cidade
desde o início até o meio dia, levando-o e destruíram totalmente ao fio da espada,
matando todos, sete mil homens, desde o homem até à mulher, desde o
meninos, mulheres, meninas e servos, menino até ao velho, e até ao boi e gado
porque eu os dediquei à destruição para miúdo, e ao jumento. (Js 6, 21)
Kemosh.47
47
PRITCHARD, James. Pritchard (Ed). Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament.
Princeton: Princeton University Press, 1969. 320.
UNIDADE 2 27
Lemos na Bíblia como Deus, a pedido de Josué, ajudou os israelitas a vencer a
batalha de maneira miraculosa. Deus estendeu a duração do dia durante a batalha,
ordenando que o sol permanecesse sobre a cidade de Gibeão e a lua no vale de Aijalão. O
texto bíblico prossegue afirmando que “jamais houve antes ou depois um dia como
aquele, no qual Deus ouviu a voz de um homem” (Js 10, 13-14).
48
FINKELSTEIN, 2003, p. 118.
28 UNIDADE 2
desde o início do século XX. A Bíblia Hebraica narra a história da tomada de Jericó.
Todos conhecem o método utilizado para derrubar as muralhas da cidade: as famosas
"trombetas de Jericó": "Rodeareis a cidade sete vezes e os sacerdotes tocarão as trombetas;
quando ouvirdes o som da trombeta todo o povo dará um grande grito e a muralha virá
ao chão.”
49
FINKELSTEIN, 2003, p. 119.
UNIDADE 2 29
Egito. De fato, do século XV ao início do XII, antes de nossa era, a terra de Canaã era
uma província egípcia.
Portanto, a “história da conquista” não pode ser entendida como literal, pois seu
significado é teológico e se identifica como palavra de Deus. A história de Josué é o
começo de uma grande história que culmina na história da realeza. O Livro de Josué é o
primeiro ato de uma narrativa que mostra porque Israel escolheu um rei da mesma forma
que outros povos o fizeram. Mas isso não aconteceu do dia para a noite. Poderíamos
dizer, ao ler a Bíblia, que Josué já antecipa a realeza, pois, de certa forma, é tratado como
um rei.
50
FINKELSTEIN, 2003, p. 114.
30 UNIDADE 2
tornando-se a primeira indicação de um grupo étnico chamado Israel descrito num
documento fora da Bíblia.
Figura 4 – “Israel” 51
51
NOVACEK, G.V. Ancient Israel: Highlights from the Collections of the Oriental Institute. University
of Chicago. The Oriental Institute Museum, Chicago, 2011. p. 67.
UNIDADE 2 31
Para Cline52 há atualmente três principais tipos de explicações: invasões
externas, conflitos sociais internos e catástrofes naturais ou ambientais. Todos esses três
aparecem em fontes disponíveis e, portanto, o consenso atual entre os eruditos tem sido o
de aceitar explicações de causas múltiplas, em vez de procurar uma única causa. Os
invasores mais famosos - apesar de não serem os únicos - eram os misteriosos povos do
mar, que invadiram o Mediterrâneo oriental, o Egito e o Egeu. Podemos ter uma noção a
seu respeito no registro do faraó egípcio Ramsés III (1184-1153 a.C.) de seu bem-
sucedido e bastante breve esforço de obstruí-los:
52
CLINE, Eric H e GRAHAM, Mark W. Impérios antigos: da Mesopotâmia à origem do Islã. São Paulo:
Madras, 2012. p. 52.
53
PRITCHARD, 1969, p. 185.
32 UNIDADE 2
Figura 5 – “Filisteus”54
54
BEN-SHLOMO, David. PhiIistine. Iconography. A Wealth of Style and Symbolism. Orbis Biblicus et
Orientalis 213; Academic Press Fribourg: Vandenhoeck & Ruprecht Gottingen, 2010. p. 78.
55
SILVA, A. J. da. A voz necessária: encontro com os profetas do século VIII a.C. São Paulo: Paulus,
1998. p.19.
UNIDADE 2 33
sociedade cananeia. Essa teoria sugere que esses cananeus gradualmente tornaram-se
israelitas.
Com relação à questão da ocupação da terra por parte dos israelitas, os estudiosos
se dividem em 4 teorias, ora conflitantes, ora complementares. São elas: 1) Retirada
pacífica; 2) Transição ou transformação pacífica; 3) Amálgama pacífico; 4) Nomadismo
interno.
Retirada Pacífica57
56
SCHIMIDT, 2004, p. 23.
57
SILVA, 1998, p. 18–19. (texto tirado na íntegra).
34 UNIDADE 2
técnicas como terraços, cisternas e o uso do ferro para explicar o
sucesso destes assentamentos agrícolas.
UNIDADE 2 35
Transição ou transformação pacífica58
58
SILVA, 1998, p. 20–22. (texto tirado na íntegra).
36 UNIDADE 2
colapso do comércio foi o fator mais significativo, segundo estes
autores, pois colocou em crise a sobrevivência das cidades e
exigiu dos povoados das montanhas uma forma mais eficaz de
colaboração e cooperação para a sobrevivência, levando a um
aumento populacional significativo. Com o desenvolvimento
destas regiões o comércio foi recuperado, promovendo mais
tarde o aparecimento do Estado.
Amálgama pacífico59
59
SILVA, 1998, p. 22–23. (texto tirado na íntegra).
UNIDADE 2 37
Dever, Israel se formou de refugiados das cidades, 'bandidos
sociais' (social bandits), alguns revolucionários, uns poucos
nômades, mas, principalmente, cananeus saídos das cidades. Na
região das montanhas eles progressivamente criaram uma
identidade que os diferenciou dos cananeus das planícies.
Nomadismo Interno60
60
SILVA, 1998, p. 19-20. (texto tirado na integra).
38 UNIDADE 2
uma 'simbiose cultural'. Eles estavam na região há séculos e
pertenciam à cultura amorita siro-palestina do Bronze Médio.
Quando as cidades sofreram um colapso eles expandiram seu
controle.
Antes defensor da ideia de infiltração pacífica de Albrecht Alt,
ao escavar no norte do Negev, percebe que a cultura israelita
viveu um longo período em contato com a cultura cananeia e
deslocou um pouco sua perspectiva. A casa israelita de quatro
cômodos significa uma evolução da arquitetura cananeia e a sua
familiaridade com a criação de animais domésticos e seus
trabalhos em metal e cerâmica mostram que eles não eram
Volkmar Fritz
verdadeiros nômades, mas que estavam em contato comercial
com as culturas das cidades da região. Para Fritz, porém, a
arquitetura diferenciada dos povoados israelitas nas montanhas
mostra que eles não saíram simplesmente das cidades das
planícies, mas que foram proto-israelitas, que, vindos de fora,
antes de se sedentarizarem, entraram em contato simbiótico com
as culturas citadinas. Ou seja: eles estavam culturalmente
próximos dos cananeus, mas eram etnicamente diferentes e
trouxeram consigo suas próprias estruturas sociais e sua cultura
material. Eles seriam os hapiru ou os shasu dos textos egípcios,
que eventualmente deram origem a Israel, Moab e Edom.
61
FINKELSTEIN, 2003, p. 152-153.
UNIDADE 2 39
Depois de todo esse processo detalhado, certos sítios foram então escolhidos para
escavação.
Tal metodologia estatística localiza a concentração desses vestígios, que por sua
vez são transferidas para um mapa da área. Esse conjunto de dados permite reconstituir
tanto o território que foi ocupado, assim como o tamanho dos sítios, seu número e sua
evolução ao longo do tempo.
Passando por esse “pente fino” arqueológico que analisou a área do período que
data entre os séculos XII e X a.C., descobriu-se aproximadamente 250 cidades nas terras
altas do centro de Canaã. O surpreendente é que esse povoamento ocorreu sem o menor
indício de conquista militar.
O que se constatou foi uma verdadeira transformação social e gradual, mas nem
por isso deixou de ser radical. Observou-se então que na era do bronze tardia haviam
pouquíssimos povoados. Uns 30 foram identificados. 200 anos depois, surge uma onda de
assentamentos, cerca de 250 sítios em toda a área. Antes de 1200 a.C. havia
aproximadamente uma população de 3000 a 5000 habitantes. Depois de 200 anos houve
um grande crescimento populacional de 45 mil pessoas. Tal aumento não pode ter
ocorrido de modo natural.
Uma das técnicas atuais que contribui de modo eficaz nos estudos voltados para
as origens do povo de Israel é a etnografia. Seu método consiste na coleta de dados
obtidos pela observação do atual modo de vida dos nômades beduínos. Sua subsistência
se baseia num sistema de troca com as populações sedentárias. As regras de troca são as
seguintes: os pastores fornecem a carne e a pele dos animais em troca dos cereais e outros
produtos agrícolas.62 Os cereais são fundamentais na dieta dos pastores nômades, posto
que sem eles os nômades não poderiam sobreviver, nem suprir seu rebanho e animais de
carga. Se por algum motivo esse sistema de troca é interrompido, torna-se impossível o
estilo de vida nômade, obrigando assim os beduínos a produzir seus próprios cereais.
Entretanto, para produzi-los eles precisam se sedentarizar, isto é, fixar-se numa área e
plantar os seus próprios cereais.
62
FINKELSTEIN, 2003, p. 167.
40 UNIDADE 2
segurança. Nessa conjuntura caótica, habitantes sedentários são impedidos de produzir o
excedente destinado ao sistema de troca, o que provoca a sedentarização dos pastores
nômades. Todo esse conjunto de circunstâncias desfavoráveis produzem uma repentina
onda de fixação de populações nas terras altas pouco habitadas.
63
FINKELSTEIN, 2003, p. 156.
64
DEVER, Willian G. Who Were the Early Israelites and Where Did They Come From? Grand Rapids,
Michigan/Cambridge: William Eerdmans Publishing Company, 2003. p. 81. O site de Izbet Sartah foi
escavado em 1976-78, é um pequeno local de colina de cinco acres no extremo oeste do sopé. É apenas
três milhas para o interior do excelente local de Aphek, na planície costeira, nas cabeceiras do rio
Yarkon.
UNIDADE 2 41
porcos nos sítios das terras altas, que datam do mesmo período dos sítios das terras
baixas, onde residiam os cananeus, filisteus etc., é provavelmente o elemento ideológico
distintivo que configurava a “separação” entre os Israelitas e outras populações das terras
baixas.
Mario Liverani65 diz que nesse ambiente prevaleceu a geografia do sagrado, onde
memórias de apoio e legitimidade se basearam numa experiência completamente mental
e religiosa. Uma promessa divina fez com que Israel seja uma herança seletiva de certos
grupos, sob perdas e exclusão de outros. Indiscutivelmente, ao chamá-la de “Prometida”
ou “Terra Santa”, revela a sua importância e poder enquanto símbolo religioso. Assim,
tragicamente ignora-se todo o país e a diversidade que o rodeia.
Finkelstein67 diz que, embora a terra da Bíblia tivesse sido percorrida por
peregrinos e exploradores ocidentais do período bizantino, foi somente com o
aparecimento da história moderna e dos estudos geográficos, no final dos séculos XVIII e
XIX, e do trabalho dos eruditos versados tanto na Bíblia como em outras fontes antigas,
que começou-se então a reconstrução científica da paisagem do antigo Israel. Eles se
dispuseram da topografia, arqueologia e das referências bíblicas, ao invés de confiar
somente na “geografia da tradição”, que criava vários lugares sagrados de peregrinação
religiosa. A Bíblia contém história, mas também é literatura. Para entendê-la não
podemos apenas tomar como base nossos dogmas e tradições eclesiásticas.
65
LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus; Loyola, 2008. p.
31.
66
DEVER, 2005, p. 13.
67
FINKELSTEIN, 2003, p. 30-31.
68
LIVERANI, 2008, p. 27-28.
42 UNIDADE 2
Jordão, que vai se perder na bacia fechada do salgadíssimo Mar Morto. A agricultura não
era irrigada exceto em pequenos oásis em torno das nascentes, mas dependia das incertas
precipitações de chuvas. É nesse ambiente de contrastes hostis que emergem os
primeiros israelitas. Essa região central e montanhosa de Canaã não era um território
completamente homogêneo. Possuía muitos contrastes e apresentava inúmeras
dificuldades para os seus habitantes. O texto bíblico não nega o fato de que a terra
prometida está em flagrante contraste qualitativo com o vizinho Egito, onde a água é
constante, e os habitantes não são ansiosos pelas chuvas:
Porque a terra que passas a possuir não é como a terra do Egito, de onde
saíste, em que semeavas a tua semente, e a regavas com o teu pé, como a
uma horta. Mas a terra que passais a possuir é terra de montes e de vales;
da chuva dos céus beberá as águas; Terra de que o SENHOR teu Deus
tem cuidado; os olhos do SENHOR teu Deus estão sobre ela
continuamente, desde o princípio até ao fim do ano. (Dt 11, 11-12)
Liverani69 continua sua descrição, dizendo que, além de chuvas escassas, o país é
pequeno e que apenas nos impressiona pela densidade de memórias e eventos de
importância global que se sucederam ali, todos concentrados nesta área tão pequena e de
população difusa, embora numericamente modesta, e de recursos agropastoris limitados
(especialmente para aqueles que as observam tendo em mente as grandes extensões
desérticas). Os metais, de fato, eram bastante escassos (cobre era encontrado fora do
próprio território palestino), não havia pedras preciosas (turquesa encontra-se no Sinai),
nem madeiras especiais (como no Líbano). A terra arável e água disponível eram
escassas, outros recursos naturais eram quase inexistentes. Porém a Bíblia descreve a
Palestina como uma terra opulenta.
Porque o SENHOR teu Deus te põe numa boa terra, terra de ribeiros de
águas, de fontes, e de mananciais, que saem dos vales e das montanhas;
Terra de trigo e cevada, e de vides e figueiras, e romeiras; terra de
oliveiras, de azeite e mel. (Dt 8,7-8)
69
LIVERANI, 2008, p. 28.
70
DEVER, 2005, p.13.
UNIDADE 2 43
pisado, subjugado e esmagado ao longo dos séculos por potências estrangeiras, entre elas
a Assíria (722 a.C.), a Babilônia (586 a.C.) e os romanos (70 d.C.).
O antigo Israel era uma economia verdadeiramente marginal. O país sempre foi
pobre em comparação com os seus vizinhos mais prósperos, sempre impotente e à beira
de extinção (como aconteceu em 586 a.C.). Dever 71 diz que esses dados podem ser
desconfortáveis para alguns leitores, mas o fato é que a antiga Israel era um remanso
cultural e histórico obscuro do antigo Oriente Próximo. Teria sido esquecido, exceto por
sua contribuição memorável para uma civilização: a Bíblia Hebraica.
71
DEVER, 2005, p.13.
72
LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus; Loyola, 2008,
p.31.
73
DEVER, 2005, p.19.
74
THIEL, Winfried. A sociedade de Israel na época pré-estatal. São Leopoldo: Sinodal, São Paulo:
Paulinas, 1993. p. 99.
75
DEVER, Willian G., and S. Gitin, (Eds). Symbiosis, Symbolism, and the Power of the Past: Canaan,
Ancient Israel, and their Neighbors from the Late Bronze Age through Roman Palestine . Winona
Lake, Ind.: Eisenbrauns, 2003. p.372.
44 UNIDADE 2
significa que a sociedade foi organizada com base em linhagens durante o período da
povoação. Até mesmo no início da monarquia, esta sociedade era composta
principalmente de três unidades decrescentes de tamanho: a tribo, o clã ou família, e a
"casa do pai", uma família ampliada vivendo juntos numa única localidade, mesmo que
não seja em um único prédio.
Amanhã, pois, vos chegareis, segundo as vossas tribos; e será que a tribo
que o SENHOR tomar se chegará, segundo as famílias; e a família que o
SENHOR tomar se chegará por casas; e a casa que o SENHOR tomar se
chegará homem por homem. (Js 7,14)
76
FAUST, Avraham . The Archaeology of Israelite Society in Iron Age II. Winona Lake, Indiana:
Eisenbrauns. 2012. p.8.
77
VAUX, Roland De. Instituições de Israel no Antigo Testamento . São Paulo: Editora Teológica, 2003.
p. 26.
78
WESTBROOK, R. A History of Ancient Near Eastern Law. Leiden, Boston: Brill, 2003. v. I. p.36.
79
DAVIDSON, Richard. Flame of Yahweh: sexuality in the Old Testament. Peabody: Hendrickson
Publishers, 2007, p.214.
UNIDADE 2 45
Nas aldeias, várias dessas famílias extensas eram ligadas por parentescos de
sangue. Este padrão produziu uma sociedade extremamente ligada com base em laços de
família, valores tradicionais comumente compartilhados e lealdade para com o clã. Os
dados etnográficos recentes ajudaram a identificar e descrever grupos familiares
específicos nas histórias bíblicas do período pré-monárquico. Esses "níveis" ascendentes
da estrutura social permaneceram quase inalteráveis, mesmo durante o período mais
urbanizado da monarquia.
Golden explica que durante o período do ferro II, a sociedade israelita tornou-se
cada vez mais complexa no aspecto político-social.80 De Vaux diz que nos centros
urbanos são poucas aquelas grandes famílias patriarcais que reuniam muitas gerações em
torno de um antepassado comum.81 As condições de moradia nas cidades restringiam o
número de membros que viviam sob um mesmo teto. As escavações nos revelam que as
casas eram pequenas, possibilitando apenas um casal e seus filhos solteiros.
Após o período da conquista conduzida pelo líder Josué, inicia-se a história dos
juízes. Segundo a Bíblia, os juízes eram líderes carismáticos designados por Yahweh
durante um período anárquico surgido logo após os israelitas terem se instalado na terra
de Israel. Alguns desses juízes funcionavam como chefes militares da sua própria tribo,
outros serviam a toda nação de Israel.
O livro dos Juízes desenvolveu uma história que começa com o estabelecimento
das tribos em Canaã até a fundação da monarquia. O redator conseguiu ligar cada juiz a
uma tribo diferente: Otniel com Judá, Eúde com Benjamim, Baraque com Neftali,
Gedeão com Manasses, Tola com Issacar, Jair com Galaad, Jefté com Galaad (Gad),
80
GOLDEN, Jonathan M. Ancient Canaan and Israel. Califórnia: ABC-CLIO, 2004. p.133.
81
VAUX, 2003, p. 45.
46 UNIDADE 2
Abesã com Aser (de fato Belém em Zabulon, Js 19,15), Elon com Zabulon, Abdon, filho
de Ilel, com Efraim, e Sansão com Dã. Faltaram Rúben e Simeão82
Albertz83 afirma que, do ponto de vista da história das religiões, a oferta das
primícias constitui um dos ritos mais antigos e mais difundidos de todo o mundo
religioso. Sua origem é anterior a religião javista e também das grandes religiões do
Médio Oriente, remontando à antiga tradição oral, antes mesmo do surgimento do
alfabeto. A cerimônia expressa o temor sagrado entre o homem frente ao mistério da
natureza e a fertilidade. Por isso, o primeiro animal que rompe o ventre da mãe, o
primeiro grão que rompe a casca protetora, deve ser separado do consumo humano e
oferecido às divindades e forças geradoras da natureza. Tal rito pretende assegurar para o
agricultor a bênção de novos nascimentos e futuras colheitas, mediante sua renúncia aos
primeiros frutos.
Porém ele restituiu aquele dinheiro à sua mãe; e sua mãe tomou
duzentas moedas de prata, e as deu ao ourives, o qual fez delas uma
imagem de escultura e uma de fundição, que ficaram em casa de Mica. E
teve este homem, Mica, uma casa de deuses; e fez um éfode e terafins, e
82
CAZELLES, Henri. História política de Israel desde as origens até Alexandre Magno. São Paulo:
Edições Paulinas, 1983. p.109-110.
83
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento. Madrid:
Trotta, 1999. v. 2. p.190.
84
GERSTENBERGER, E. Deus no Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1981. p. 206.
UNIDADE 2 47
consagrou um de seus filhos, para que lhe fosse por sacerdote. Naqueles
dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que parecia bem aos seus
olhos. (Jz 17,6 )
85
<http://airtonjo.com/site1/historia-de-israel-2.htm>.
48 UNIDADE 2
PARA RESUMIR:
UNIDADE 2 49
ANEXO 1: A CONQUISTA DO POVO COMO
GRAÇA DE DEUS
Extraído de: STORNIOLO, 1997, p. 44-45.
50 UNIDADE 2
A terra é promessa e dom de Deus (conteúdo fundante e efi caz) e aspiração e
conquista do povo (formalização histórica).
UNIDADE 2 51
ANEXO 2: A POSSE DA TERRA ABRE O
CAMINHO PARA A SOLIDARIEDADE
Extraído de: STORNIOLO, I. Como ler o livro dos Juízes: aprendendo a
ler a história. São Paulo: Paulus, 1997. p. 56-57.
Mais do que retrato de uma época, o livro dos Juízes é retrato de um processo,
uma análise de como o povo aprende a fazer história. E fazer história é lutar para
construir uma base nova para as relações sociais, modificando pela raiz a natureza da
economia e da política. É certo que as tribos de Israel perseguiram a utopia da igualdade,
e que esta só pode ser pensada a partir da justiça. Acostumados que somos à desigualdade
e à injustiça, poderíamos pensar que tudo isso foi apenas uma fantasia ingênua. Não. Para
os que são vítimas da injustiça e da desigualdade, isso não é uma fantasia ou sonho
apenas. Isso se chama esperança. Esperança de um mundo verdadeiramente humano,
onde cada pessoa poderá assistir ao maravilhoso desabrochar de si mesma para a vida
sem limites. Esperança de amor, onde cada um poderá alegremente repartir-se com o
outro e repartir juntos os bens da vida, com o coração transbordando de gratidão para
com o Senhor e Criador de todos os dons. A utopia da igualdade não é algo impossível.
Apenas se encontra lá, no horizonte. Para chegarmos até ela é preciso abrir caminhos, se
necessário com as nossas próprias mãos e pés. E há duas formas de se considerar um
caminho: para uns o caminho é algo que nos separa da meta, enquanto que para os outros
o caminho é algo que nos aproxima da meta, progressivamente, a cada passo. Assim, cada
passo no caminho já é uma realização da meta, porque ela não está apenas lá, no
horizonte, mas no coração de cada pessoa que luta, abrindo caminhos para a construção
do mundo novo, justo e, por isso mesmo, humano. O livro dos Juízes, espelhando as
duras lutas do povo daquele tempo, mostra-nos que vários caminhos já foram abertos.
52 UNIDADE 2
APLICAÇÃO
DE CONCEITOS
Assim Josué tomou toda esta terra, Era, porém, Josué já velho, entrado em
conforme a tudo o que o SENHOR tinha dias; e disse-lhe o SENHOR: Já estás
dito a Moisés; e Josué a deu em herança velho, entrado em dias; e ainda muitíssima
aos filhos de Israel, conforme as suas terra ficou para possuir. (Js 13, 1)
divisões, segundo as suas tribos; e a terra
descansou da guerra. (Js 11,23)
86
<https://youtu.be/yj0hUpE6uUY>
UNIDADE 2 53
54 UNIDADE 2
3 ÉPOCA DA MONARQUIA
3 ÉPOCA DA MONARQUIA
Roteiro de Aprendizagem
No livro que se intitula com o seu nome, Samuel é apresentado como uma figura
muito complexa e com três funções. Ele se comporta como vidente, juiz e sacerdote. Na
verdade o redator deuteronomista quer retratá-lo como um elo entre dois mundos muito
diferentes, por isso adiciona nele características dos juízes que o precedem, assim como
traços dos profetas que o seguem na história de Israel do século VIII a.C.88
87
SCHMIDT, 2004, p. 26.
88
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 85.
UNIDADE 3 55
progressivo dos filisteus em direção à zona interna de Israel89, onde viveram, como já
mencionado, as tribos israelenses.
A conquista da cidade por Davi aconteceu na história com uma das estratégias
típicas do cerco e corte do abastecimento de água. Jerusalém foi reabastecida por uma
fonte de água que ainda existe até hoje. Através dela, Davi entrou de assalto na cidadela,
que tornou-se a cidade de Davi. O narrador bíblico atribui a Davi a unificação das doze
tribos que estavam na área da terra de Israel.
O narrador bíblico não poupa Davi ao expor as páginas sombrias da sua história,
mas também não hesita em apresentá-lo como o modelo do rei ideal e fundador de uma
monarquia unida. Uma das sequências narrativas mais amplas se refere às intrigas
judiciais para a sucessão de Davi, quando Betseba, com apoio político religioso do profeta
Natan, consegue colocar seu filho Salomão no trono.
89
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 87.
56 UNIDADE 3
hagiografias. O reino salomônico é caracterizado pela paz, como sugere seu próprio
nome. Atividades econômicas sociais e culturais teriam favorecido a consolidação e a
organização de um território ideal. O projeto salomônico é realmente faraônico.
O templo de Salomão contou com a mão de obra fenícia para sua edificação e
isso é evidenciado pelos documentos de Ugarit, que retratam os rituais para a
inauguração do templo, as belas decorações de interiores e a iconografia do mobiliário.
Evocando a harmonia e a beleza dos templos egípcios, a localização no monte aberto
assemelhava-se aos templos cananeus construídos nas alturas.
Nas figuras acima, vemos o templo de Baal com um altar na frente, destinado a
sacrifícios de animais. Duas colunas ladeiam a entrada e, no interior, o santuário que
dava acesso por uma escada ao Santo dos Santos, que somente o sacerdote poderia
acessar.
90
YON, M. The City of Ugarit at Tell Ras Shamra. Winona Lake: Eisenbrauns, 2006. p. 115.
91
CALLOT, O. Les sanctuaires de l'acropole d'Ougarit: les temples de Baal et de Dagan. Avec un
appendice de Jean-Yves Monchambert. Lyon: Publications de la Maison de l'Orient et de la
Méditerranée, 2011. p. 152.
UNIDADE 3 57
improvável de um ponto de vista da historiografia moderna e foi datada erroneamente
pelo eminente arqueólogo Yigael Yadin em 1960, que realizou escavações em Megiddo.
Yigael Yadin não escolheu Megiddo por acaso. Suas escavações anteriores no
sítio de Hazor resultaram na descoberta de uma porta similar. Yadin se dedicou então a
outro sítio, o de Gezer. Desta vez bastou consultar o relatório de um arqueólogo que
explorou o sítio no início do século XX. Yadin descobriu uma porta similar no plano de
um pequeno forte posterior, semelhante em plano e tamanho às de Megiddo e Hazor.
Para Yigael Yadin a conclusão era óbvia: Megiddo, Gezer e Hazor carregam o estilo do
mesmo arquiteto, o rei Salomão. Yadin se orientou por um versículo bíblico que diz:
E esta é a causa do tributo que impôs o rei Salomão, para edificar a casa
do SENHOR e a sua casa, e Milo, e o muro de Jerusalém, como também
a Hasor, e a Megido, e a Gezer. (1 Rs 9, 15)
92
FINKELSTEIN, 2003, p. 191-192.
93
FINKELSTEIN, 2003, p. 198.
58 UNIDADE 3
concubinas, com as quais ele finalmente tem pervertido seu coração. O autor o critica por
colecionar tantas mulheres e por colocar a premissa para o cisma.
E sucedeu depois destas coisas que, Nabote, o jizreelita, tinha uma vinha
em Jizreel junto ao palácio de Acabe, rei de Samaria. (1 Rs 21,1)
Tais evidências não nos devem levar a uma atitude radical a ponto de
desconsiderar parte da Bíblia como um livro histórico ou até mesmo nos desestimular a
fé em Deus, porém, devemos aceitar e respeitar os resultados de séculos da crítica
literária, somada aos mais de 200 anos de escavações sistemáticas no território siro-
palestino, egípcio e mesopotâmico.
O material bíblico não pode ser tratado como bloco monolítico. Não
exige a atitude de “ame-o ou deixe-o”. Dois séculos de erudição bíblica
moderna nos mostraram que o material bíblico deve ser avaliado
capítulo por capítulo e, algumas vezes, versículo por versículo. A Bíblia
inclui materiais históricos, não históricos e quase históricos que
ocasionalmente aparecem muito próximos um do outro no texto. Toda a
essência da erudição bíblica é separar as partes históricas do restante do
texto, de acordo com considerações linguísticas, literárias e históricas
extra bíblicas.94
94
FINKELSTEIN, 2003, p. 458.
UNIDADE 3 59
1 [ ....................................] e cortou
[.................] (2) [............] meu pai foi [contra
ele quando] ele lutou em [.......] (3) E meu pai
deitou-se, ele foi para seus [ancestrais]. E o
rei de I[s-] (4) rael entrou previamente na
terra de meu pai. [E] Hadad me fez rei. (5) E
Hadad foi à minha frente, [e] eu parti de [os]
sete [....-] (6) s do meu reino, e eu matei
[sete]nta rei[s], que utilizavam milha[res de
bi-] (7) gas e milhares de cavaleiros [ou
cavalos]. [Eu matei Jeho]rao filho de [Acab]
(8) rei de Israel, e matei [Ocoz] ias filho de
[Jehorao re]i (9) da Casa de Davi. E
transformei [suas vilas em ruinas e tornei]
(10) sua terra em [desolação................] (11)
outro .............................................. e Jehú rei-]
Figura 8 - Estela de Tel Dan 95
(12) nou sobre
Is[rael...........................................e pus] (13)
cerco sobre [................................................].96
95
Figura tirada do livro: FINKELSTEIN, I.; MAZAR, A. The Quest for the Historical Israel: Debating
Archaeology and the History of Early Israel. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2007.p. 6.
96
KEAFER, 2016, p.68.
97
CAZELLES, 1983, p, 51. é do basalto negro e mede 1,10m de altura o 0,60 m de largura. Foi quebrada
em pedaços polos beduínos o salva por Clormont-Gannoau. Foi reconstruída om grande parte e se
encontra no Museu do Louvre. A inscrição consiste em 34 linhas e deve datar do fim da dinastia do
Onri o pode ser contemporânea dos primeiros anos do rei Jeú, em 842-840 a.C. aproximadamente.
60 UNIDADE 3
(1) Eu sou Mesha, filho de
Quemos, rei de Moab, o di (2)
bionita: Meu pai reinou sobre
Moab trinta anos e eu rei (3) nei
após meu pai : E construí esta
bamat para Quemos, em Qarho:
bm[ ] (4) š‘ eis ele me salvou de
todos os reis e eis ele me fez
triunfar sobre todos meus inimigos
: Om (5) ri rei de Israel oprimiu
Moab muitos dias porque se irou
Quemos em ter (6) ra sua: E o
sucedeu seu filho e disse também
ele “Dominarei Moab”: Em meus
[dias disse is[so]99
O reinado de Omri (885-874) foi tão importante que os reis assírios quando
queriam se referir a Israel a chamavam pelo termo “Bit-Humri” = casa de Omrí. Seu
filho Acabe (874-853) o sucedeu criando uma dinastia, cuja estabilidade fora reconhecida
por todo o Oriente.
98
http://www.proel.org/index.php?pagina=alfabetos/hebreo Acesso em: 07 jul. 2017. A inscrição de
Mesha foi redigida numa estela de basalto negro descoberta em 1868, remonta ao século IX período da
dinastia Onrida. O artefato encontra-se atualmente no Museu do Louvre na França.
99
PRITCHARD, James. Pritchard (Ed). Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament.
Princeton: Princeton University Press, 1969. p. 320.
100
TADMOR, Hayim, 2011, p. 105. Inscrição cuneiforme de Tiglath-pileser III, 42. O artefato é uma
grande placa de pedra fragmentariamente preservada, provavelmente uma placa de pavimento colossal
descoberta em meados do século XIX em Kalhu. O texto contém relatórios dos seguintes
acontecimentos entre os quais estão a anexação do norte e centro da Síria (738); A anexação de
Damasco (733-732); A anexação parcial de Israel (733-732) etc.
UNIDADE 3 61
Saí de Argana e me aproximei de Karkara. Eu destruí,
rasguei e queimei Karkara, sua residência real. Ele
trouxe para ajudá-lo 1.200 carros, 1.200 cavaleiros,
20.000 soldados de pé de Adad-'idri (ou seja,
Hadadezer) de Damasco (Imerilu) 700 carros, 700
cavaleiros, 10.000 soldados de pé de Irhuleni de
Hamath, 2.000 carros, 10.000 soldados de pé de Ahab,
o israelita (A-ha-ab-bu "'Sir-'a-aa), [...] Lutei com eles
com o apoio das poderosas forças de Ashur, Ashur,
meu senhor, deu-me, as armas fortes que Nergal, meu
líder, me apresentou, e eu infligi uma derrota sobre
eles entre as cidades Karkara e Gilzau. Eu matei
14.000 de seus soldados com a espada, descendo sobre
eles como Adad quando ele faz uma chuva cair para
baixo. Eu espalhei seus cadáveres (em toda parte),
enchendo toda a planície com seus soldados
amplamente dispersos (fugindo). [...] Parti e me
aproximei da cidade de Karkara. Hadadezer (Adad-id-
ri) de Damasco, Irhuleni de Hamat, com 12 reis do
litoral, confiando no seu poder combinado, partiu
contra mim para uma batalha decisiva. Eu matei em
batalha 25 mil soldados experientes e lhes tirei seus
carros, seus cavalos de cavalaria e seus equipamentos
de batalha - eles próprios dispersaram-se para salvar
suas vidas102.
Figura 10 - Monolito101
De forma surpreendente, o rei Jeú que foi designado por Deus para exterminar a
dinastia de Omri, é chamado por Salmaneser II nos seus inscritos como filho de Omri
(da dinastia de Omri).
101
CHENG, Jack; FELDMAN, Marian H. (Eds). Ancient Near Eastern art in context: studies in honor of
Irene J. Winter. Leiden and Boston: Brill, 2007.p.154. Coleção online.
<http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=3
67117&partId=1&people=92929&object=20160&page=1>. Acesso em: 07 jul. 2017.
102
PRITCHARD, 1969, p. 278-279.
62 UNIDADE 3
Eu recebi tributo de Jeú (Iaua) da casa de Omri (Humri): prata, ouro,
uma tigela de ouro, um ouro Tureen, vasos de ouro, baldes de ouro,
estanho, (e) lanças da mão do rei.103
Mesmo com toda essa abundância de fontes extra bíblicas, a Bíblia registra os
feitos de Acabe de forma bem sucinta.
Samaria foi escavada em duas ocasiões no último século. Foram encontrados ali
numerosos vestígios da época romana quando a cidade se chamava Sebastia. Ela foi
construída por um rei chamado Onri, no século IX a.C. Foi a capital de reino de Israel.
Nela, vastos monumentos construídos por Onri e seus descendentes foram encontrados.
A Bíblia retrata que a dinastia de Onri foi constituída por reis devassos e idólatras e o
pior deles foi Acabe.
E fez Acabe, filho de Onri, o que era mau aos olhos do SENHOR, mais
do que todos os que foram antes dele. E sucedeu que (como se fora pouco
andar nos pecados de Jeroboão, filho de Nebate) ainda tomou por
mulher a Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios; e foi e serviu a Baal, e
o adorou. E levantou um altar a Baal, na casa de Baal que edificara em
Samaria. Também Acabe fez um ídolo; de modo que Acabe fez muito
mais para irritar ao SENHOR Deus de Israel, do que todos os reis de
Israel que foram antes dele. (1 Rs 16,30-33)
103
GRAYSON, A. K. Assyrian Rulers of the Early First Millennium BC I (1114– 859 BC). Royal
Inscriptions of Mesopotamia, Toronto: University of Toronto, 1991. p. 149.
104
NAHMAN Avigad. Samaria (City). In: THE NEW ENCICLOPÉDIA OF ARCHAEOLOGICAL
EXCAVATIONS IN THE HOLY LAND. Ed. E. Stern.Vol. 4. Jerusalém: The Israel Exploration
Society. 2008. p. 1300-1310.
UNIDADE 3 63
Figura 11 – Fragmentos105
105
NAHMAN, 2008, p. 1300-1310.
64 UNIDADE 3
Figura 12 - O urbanismo da dinastia Omrida. (a) Samaria. (b) Meggido106
106
LIVERANI, 2008, p. 161.
UNIDADE 3 65
Outro indicador de um império são de fato a arquitetura monumental,
fortificações e para construir é necessário uma comunidade organizada e especializada,
convivas e até cidades ao redor. Tudo isso requeria engenharia e muito poder humano.
Grandes cidades com obras monumentais refletem autoridade centralizada e não apenas
uma pequena comunidade ou aldeia.
Ao se examinar lugares como Samaria na época de Onri e Acabe, fica claro que se
trata de um reino mais rico, mais forte, com extensas conexões internacionais. Ao passo
que o reino do sul, Judá, ainda estava em fase de desenvolvimento.
Figura 13 - Samaria107
107
CAROLINE, E. Mason et al. Immagini del mondo bíblico. Torino: Claudiana, 1991. p. 75.
108
LIVERANI, 2008, p. 164.
66 UNIDADE 3
vinho e óleo das propriedades palacianas. Essas inscrições podem corresponder a um
longo reinado, como o de Acabe, Jeoacaz ou Jeroboão II.
É muito óbvio que se um rei poderoso e expansionista como Onri deixou suas
marcas claras no registro arqueológico, então o Rei Davi, sobre quem a Bíblia faz
afirmações ainda mais grandiosas, também deveria ter deixado os seus sinais claros e
visíveis. Entretanto, é notável a extensão do império de Onri comparado à escassa
evidência do de Davi. Porque enquanto na Bíblia os relatos sobre Davi são abundantes e
os de Onri são escassos, se histórica e arqueologicamente as evidências de um grande
império governado por Onri são abundantes e os de Davi são quase inexistentes?
109
LIVERANI, 2008, p. 165.
UNIDADE 3 67
Isso fica claro quando os triunfos do grande rei Onri quase não são mencionados
e os reis posteriores do Norte são todos difamados e seus feitos menosprezados. Fica
claro que os autores bíblicos promoveram a sua própria versão dos eventos.
Nos séculos IX e VIII a.C., o reino do norte, Israel, tinha o controle da situação.
No VI século a.C, porém, o reino do Sul, Judá, estava em ascendência. Foi nessa época
que relatos fundadores sobre as origens começaram a tomar forma e os relatos da história
de Israel foram filtrados pelas experiências de Judá.
110
DONNER, 2004, p. 342.
68 UNIDADE 3
Depois da destruição do reino de Israel em 722 a.C., houve uma onda de
centenas de refugiados que migraram forçadamente para Jerusalém e Judá, que cresceu
demográfica e geograficamente, tornando-se dez vezes maior. Jerusalém torna-se agora
uma grande cidade em aproximadamente 40 anos, numa explosão demográfica
instantânea.
Figura 15 - Mapa111
Segundo Pixley112, esses refugiados levaram consigo para o sul a escrita, a religião
e a cultura, uma verdadeira mão de obra burocrática113 composta de administradores
com capacidade de anotar os produtos e redigir obras literárias. Nesse tempo governava o
rei Ezequias, que decidiu fortificar a cidade construindo enormes fortificações e um novo
muro para circundar o bairro emergente na colina oeste de Jerusalém. Durante o reinado
de Ezequias, Jerusalém sofreu um “boom” e de uma pequena cidade com 6 hectares
transformou-se numa área urbanizada de cerca de 60 hectares, protegida por uma
imponente muralha. O fantasma assírio ainda pairava sobre a região e a cidade parecia se
preparar para uma batalha.
111
LIVERANI, 2008, p. 196.
112
PIXLEY, Jorge. A história de Israel a partir dos pobres. 2 a ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p.67.
113
FAUST, Avraham. The archaeology of israelite society in iron age II . Winona Lake, Indiana:
Eisenbraus, 2012. p.193.
UNIDADE 3 69
Figura 16 – Registro da obra do túnel114
Mas Ezequias concebeu que poderia se libertar do poderio assírio com o apoio do
Egito, cuja influência é atestada na abundante iconografia presente nos selos
administrativos de Ezequias e seus oficiais da corte.
114
STERN, E (Ed) New Encyclopedia of Archaeological Excavations in the Holy Land. Jerusalem: Israel
Exploration Society, 1993. v. 2. p. 711.
115
DEUTSCH, R. Biblical period hebrew bullae, The Josef Chaim Kaufmann Collection . Tel Aviv:
Archaeological Center Publication, 2003. p. 13.
116
DEUTSCH, R , 2003, p.17.
70 UNIDADE 3
Os selos acima percorrem três gerações sucessivas de reis daviditas. A primeira,
da esquerda pra direita, apresenta a seguinte inscrição: “Ezequias, filho de Acaz, rei de
Judá”, a iconografia, tipicamente egípcia, mostra a divindade Horus, representada pelo
sol alado ladeado por duas chaves da vida egípcia Ank; A segunda mostra a inscrição:
“Ezequias, rei de Judá”, o escaravelho guiando o sol, um dos símbolos de Horus; a
terceira traz a inscrição: “Manassés, filho do rei” e acima dela o escaravelho alado. Não se
sabe até que ponto essas iconografias de divindades egípcias foi imposta ou aderida por
Ezequias. O que se pode dizer seguramente é que a sua “reforma anti-imagens” não se
encaixa com as evidências de iconografias presentes nos selos usados durante o governo
de Ezequias, que é descrito como um rei que baniu todas as divindades estrangeiras.
E fez o que era reto aos olhos do SENHOR, conforme tudo o que fizera
Davi, seu pai. Ele tirou os altos, quebrou as estátuas, deitou abaixo os
bosques, e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera;
porquanto até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso, e lhe
chamaram Neustã. No SENHOR Deus de Israel confiou, de maneira que
depois dele não houve quem lhe fosse semelhante entre todos os reis de
Judá, nem entre os que foram antes dele. Porque se chegou ao SENHOR,
não se apartou dele, e guardou os mandamentos que o SENHOR tinha
dado a Moisés. (2 Rs 18, 3-64)
Não terás outros deuses diante de mim; Não farás para ti imagem de
escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem
embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; (Dt 5, 7-8)
Após a reforma, o escritor diz que Ezequias se rebelou contra a Assíria (2 Rs 18,
7). Mas essa não foi uma atitude prudente, pois Senaqueribe, filho de Sargon II, o novo
rei marchou com um numeroso exército decidido a punir Judá. A primeira cidade
atingida foi Lachish, a segunda maior cidade do reino. Senaqueribe a sitiou e destruiu
sem nenhuma piedade; não só Laquis, mas dezenas de cidades foram arrasadas pelo
exército assírio. O assombro tomou conta de Jerusalém, e para evitar a mesma desgraça,
coube a Ezequias renovar o contrato de vassalagem feito por seu pai Acaz a Tiglate
Pileser III e assim pagou um pesado tributo a Senaqueribe. Esse fato foi registrado tanto
na Bíblia como nos textos assírios.
117
ALBERTZ, Rainer and SCHMITT Rüdiger. Family and Household Religion in Ancient Israel and the
Levant. Winona Lake Indiana: Eisenbrauns, 2012. p.374.
UNIDADE 3 71
Prisma de Senaqueribe118 Livro dos Reis
Percebe-se que o tributo pago por esses reis vassalos de Judá provinham do
templo, que funcionava como uma espécie de reserva do tesouro nacional. Judá, mesmo
sob a influência política assíria, prosperou economicamente, participando do comércio
árabe, produção de óleo em larga escala, o que estabeleceu uma complexa administração
para gerir essa produção. Isso é evidenciado pela arqueologia que descobriu milhares de
potes de argila carimbados com os selos reais de Ezequias. Isso marca de modo evidente o
nascimento de um Estado.
118
BRIEND, J. Israel e Judá: Textos do Antigo Oriente Médio. São Paulo: Paulinas, 1985. p.35.
72 UNIDADE 3
.
E Ezequias lhes deu ouvidos; e lhes mostrou toda a casa de seu tesouro, a
prata, o ouro, as especiarias e os melhores unguentos, e a sua casa de
armas, e tudo quanto se achou nos seus tesouros; coisa nenhuma houve
que não lhes mostrasse, nem em sua casa, nem em todo o seu domínio. (2
Rs 20,13)
119
KELLE, Brad E. Ancient Israel at War 853-586 B.C. Oxford, Osprey Publishing, 2007. p.52.
120
DEUTSCH, R. Biblical period hebrew bullae, The Josef Chaim Kaufmann Collection . Tel Aviv:
Archaeological Center Publication, 2003.
UNIDADE 3 73
Hebron. Trata-se da primeira administração desenvolvida. Não só os selos eram
padronizados, mas também os vasos de armazenamento têm o mesmo volume, a mesma
quantidade. Isso é a evidência de algum tipo de administração estatal, marcas de um
estado pleno em Judá no final do século Vlll a.C.
Figura 22 - Vaso121
121
SCHOORS, Antoon. The Kingdoms of Israel and Judah in the Eighth and Seventh Centuries B.C.E.
Atlanta: Society of Biblical Literature, 2013. p. 87.
74 UNIDADE 3
O SENHOR te abençoe e te
guarde; O SENHOR faça
resplandecer o seu rosto sobre
ti, e tenha misericórdia de ti; O
SENHOR sobre ti levante o seu
rosto e te dê a paz. (Nm 6:24-
26)
Figura 23 - Amuleto122
Essa reforma religiosa evidencia a autoridade do texto escrito. No século VII a.C.
o cenário político-econômico e social de Judá está pronto para uma revolução de dentro
122
SCHNIEDEWIND, W. M. How the Bible Became a Book: The Textualization of Ancient Israel.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 105.
123
O Código Deuteronômico é o conjunto de leis que formam hoje o núcleo básico de Deuteronômio (12-
26). SILVA, A. J. da. A voz necessária: encontro com os profetas do século VIII a.C. São
Paulo: Paulus, 1998.p.109; OTTO, E. A Lei de Moisés. São Paulo: Loyola, 2011. p. 92; SICRE, J. L.
Introducion al Antiguo Testamento. Estella: Verbo Divino, 2012. p. 124; LIVERANI, M. Para além da
Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Paulus; Loyola, 2008. p. 416.
UNIDADE 3 75
para fora, difundido pela palavra escrita. Em um livro Judá descreve o seu passado
histórico. Nesse esquema Josias envolve a população em seu ambicioso plano de
unificação do povo de Israel e de Judá. O momento era oportuno, pois os assírios
enfrentavam problemas internos que os fizeram recuar de Canaã por volta de 630 a.C. Era
praticamente o fim do império neo-assírio, que fora conquistado pela Babilônia. lsso
provocou em Judá um audacioso projeto de emancipação política, que se inicia pelo
desejo de reaver o território do antigo reino de Israel. Coube então ao neto de Ezequias a
tarefa de unificar o reino. No texto bíblico Josias é descrito como um novo Davi.
Nunca antes houve um rei como Josias, que se voltou a Yahweh com todo o
coração, com sua alma e força obedecendo todas as leis de Moisés. Segundo o texto
bíblico, as ações de Josias foram provocadas quando, por ocasião dos reparos ao Templo
de Jerusalém, o sacerdote Hilquias achou um livro, que imediatamente foi apresentado a
Josias, reconhecendo as palavras ali contidas como revelação de Deus. Comprometeu-se a
cumprir esses mandamentos e a seguir realizou uma reforma varrendo todos os vestígios
de outras divindades em Jerusalém, elegendo-a como o único local legitimamente
autorizado de culto.
124
RENDTORFF, R. A formação do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1979. p. 18.
76 UNIDADE 3
intenções de Josias; o Egito tomara o seu lugar e, portanto, deveria ser impedido. E,
como um novo Moisés da história bíblica, Josias assumiu o seu papel de libertador e
legislador. Mas o plano falhou, dando lugar a um trágico desfecho: em Megiddo o faraó
Neco II convocou Josias e o matou.
125
<http://airtonjo.com/site1/historia-13.htm>.
126
<http://airtonjo.com/site1/historia-14.htm>.
UNIDADE 3 77
PARA RESUMIR:
78 UNIDADE 3
vida), e a Infidelidade leva à maldição (escravidão e morte). A História Deuteronomista
termina bruscamente, com a deportação dos exilados de Judá para a Babilônia (2Rs 24-
25). Deste modo, o historiador mostra que a Palavra de Javé, que promete bênçãos e
maldições, se cumpriu: o povo da Aliança foi infiel e o exílio é o justo castigo, a maldição
provocada pela infidelidade. Perguntamos, porém: Por que o historiador escreveu essa
longa história? Já explicamos que a História Deuteronomista foi produzida em duas
etapas: a primeira edição, feita pela Escola Deuteronomista no tempo do rei Josias (640-
609 a.C.), era uma história dos reis que abarcava desde o período de Salomão até o tempo
de Josias, e foi redigida para justificar e tornar aceitável a política centralizadora de
Josias. A segunda edição, porém, foi feita pela mesma Escola durante o exílio babilônico,
agora englobando os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis, ou seja, apresentando a
história desde a conquista da Terra até a perda da Terra.
APLICAÇÃO
DE CONCEITOS
127
<https://youtu.be/G9BQRJOqWlM>
UNIDADE 3 79
80 UNIDADE 3
4 EXÍLIO
4 EXÍLIO
Roteiro de Aprendizagem
128
SCHMIDTT, 2004, p. 32-33.
UNIDADE 4 81
na história bíblica, abordando também o problema de comparação com a cultura
mesopotâmica.
129
SCHNIEDEWIND, W. M. How the Bible Became a Book: The Textualization of Ancient Israel.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 151.
130
SCHNIEDEWIND, 2004. p. 152.
82 UNIDADE 4
[...] seis litros (de óleo) para Jeoaquim (ya’ukinu), rei da terra de Judá
(Ia-a-hu-du), dois litros e meio para os cinco príncipes de Judá, quatro
litros para os oito homens de Judá131.
Essa jornada começa com antigos pergaminhos, que segundo alguns estudiosos
foram resgatados das chamas da destruição. Entre os exilados que foram de Jerusalém a
Babilônia estavam sacerdotes do templo, que levaram os seus documentos sagrados e
tradições sagradas. Foi na Babilônia, longe de seus lares em Israel, que os escribas e
sacerdotes produziram grande parte da Bíblia Hebraica como é conhecida hoje, reunindo
todas as tradições anteriores além de outras fontes. O resultado disso é o que conhecemos
hoje como Torá, os primeiros cinco livros da Bíblia, também conhecido como
Pentateuco. Além de compilar, eles editaram e redigiram uma versão do passado distante
de Israel, incluindo a história de Abraão e sua aliança com Deus por meio do ritual da
circuncisão, que identifica o povo israelita e mantém o pacto com Yahweh.
Foi durante esse período que os exilados perceberam que sem os sacerdotes e
sem reis eles ainda eram capazes de cultuar a Deus, serem leais a ele e seguir os
mandamentos. Essa é a fundação do judaísmo em que, compilando histórias do passado,
escribas habilidosos juntaram tradições como: o êxodo da escravidão à liberdade, Moisés
e os dez mandamentos e a jornada de Abraão à terra prometida. Os escribas e sacerdotes
do exílio editaram o que conhecemos hoje como a Torá ou Pentateuco.
131
PRITCHARD, 1969, p. 308.
UNIDADE 4 83
Nesse período de intensa dor foi redigido Isaías, capítulos 40 a 55. Entre eles
encontra-se o mais celebrado, capítulo 53, que se refere ao servo sofredor, que os cristãos
associaram a Jesus. Esse texto nasce nesse ambiente de sofrimento e desgosto, marcado
por trabalhos forçados. Grande parte do livro de Ezequiel se refere a esse período. É desta
época que provém também os textos da criação e do dilúvio.
PARA RESUMIR:
132
SCHIMIDT, 2004, p. 33.
133
<http://airtonjo.com/site1/historia-16.htm>.
84 UNIDADE 4
ANEXO 1: UMA MENSAGEM DE ESPERANÇA
PARA OS EXILADOS
Extraído de: ROSSI, L. A. S. Como ler o livro de Ezequiel: O profeta da
Esperança. São Paulo: Paulus, 2006. p. 57-58.
Então Javé me disse: “Criatura humana, será que esses ossos poderão
reviver?” Eu respondi: “Meu Senhor Javé, és tu que sabes”. Então ele me
disse: “Profetize, dizendo: Ossos secos, ouçam a palavra de Javé! Assim
diz o Senhor Javé a esses ossos: “Vou infundir um espírito, e vocês
reviverão. Vou cobrir vocês de nervos, vou fazer com que vocês criem
carne e se revistam de pele. Em seguida infundirei o meu espírito, e
vocês reviverão. Então vocês ficarão sabendo que eu sou Javé” (vv. 3-6).
UNIDADE 4 85
86 UNIDADE 4
5 PERÍODO PÓS-EXÍLICO
5 PERÍODO PÓS-EXÍLICO
Roteiro de Aprendizagem
Por esta experiência negativa, o Israel de fé entende que nem a monarquia, nem
o sacerdócio, nem a profecia, nem qualquer outra instituição poderia garantir sua
salvação, mas apenas a fidelidade e a escuta da palavra do Deus da libertação e da aliança.
E como Deus permaneceu consistente com sua palavra de ameaça, muito mais teria sido
fiel em cumprir sua promessa de restauração para o futuro.
134
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 112.
UNIDADE 5 87
5.1 JUDÁ E O GOVERNO PERSA – RETORNO DOS EXILADOS
Em 539 a.C. os persas de Ciro, o Grande, aliados com os medos, concentram suas
forças e apontam para o coração do império babilônico: Babilônia. A capital cai. A partir
deste momento os persas lideram a história do Oriente Próximo, com uma visão política
muito diferente da centralização babilônica.
Esse foi o fim do cativeiro babilônico, pois Ciro, o soberano, permitiu a volta dos
judeus a Jerusalém e o governo persa financiou a reconstrução do seu templo em 538 a.C.
Era um novo êxodo e Ciro tornou-se um Messias libertador.
O império persa governou Judá durante alguns séculos, até Alexandre, o Grande,
conquistar a Palestina no ano de 332 a.C. Em comparação com os governos assírios e
babilônicos, os persas foram mais benévolos e tolerantes. Isso se percebe nos textos
críticos do século V. Eles não se dirigem contra os dominadores estrangeiros, mas sim
contra a classe dirigente dos próprios judeus.
88 UNIDADE 5
C)135. Por isso, mesmo com o apelo para retornar a Jerusalém, para muitos grupos de
judeus ainda era um bom negócio a permanência na Babilônia, pois a vida era mais fácil
ao longo dos canais mesopotâmicos. Já a região de Israel é acidentada, onde há colinas
difíceis, principalmente na Judéia. Aqueles que permaneceram na Babilônia
consolidaram uma comunidade economicamente forte, como se testemunhou muitos
séculos depois pelos Talmudes Palestino e Babilônico.
Ao longo de dois séculos, o regime persa era um império que governava uma
extensão considerável: a leste, até o Pundjab e a Bactriana (Turquestão); ao norte, até o
Cáucaso e a Trácia; a oeste, até Maratona e Salamina. Por toda essa área, os judeus
poderiam circular com relativa liberdade. Os livros de Ester, de Tobias e de Daniel
testificaram essa presença judaica nas regiões orientais do império. Essa é a diáspora que
se caracteriza pela expansão das comunidades judaicas. Ao mesmo tempo, elas não
perderão a sua referência religiosa central, Jerusalém.
Os reis persas não queriam estabelecer a unidade do seu império pela via da
coerção político-religiosa. Ciro se apresenta em Babilônia como “eleito de Marduk”; em
Ur, como “enviado de Sin” (o deus Lua); e enfim, aos judeus, como aquele que fez a
vontade de Yahweh136.
Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão
direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos
dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão. (Is
45:1)
135
SICRE, J. L. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 443.
136
CASELLES, 1993, p. 211.
137
DONNER, 2004, p. 433.
UNIDADE 5 89
5.2 A RECONSTRUÇÃO DO TEMPLO E DA CIDADE DE JERUSALÉM
Nesse contexto está em vigor a ideia de que o messias prometido iria libertar
então o povo da pressão estrangeira. O grupo de Zorobabel foi designado para construir o
templo, mas só consegue edificar o altar. A nova política persa de Dario I é a criação das
chamadas províncias ou satrapias, que eram distritos organizados com finalidade
político-administrativa e econômica. Judá e Samaria encontram-se dentro de uma dessas
províncias, na qual há um governador que se reporta ao rei Dario. A primeira leva foi em
538 a.C.; a segunda foi liderada por Neemias (445 a.C.) e depois por Esdras (398 a.C.).
Nesse período se sucede a reconstrução dos muros de Jerusalém.
Toda essa história está descrita nos livros de Esdras e Neemias, onde é narrada a
luta desses exilados para se organizarem na terra que consideravam sua por promessa,
assim como o desejo de retomá-la daqueles que a haviam ocupado, sejam os camponeses
que ficaram na terra, os estrangeiros que residiam ali ou, sobretudo, as ameaças daqueles
que estavam ao redor e que não queriam que essa obra fosse à frente. Os profetas Naum e
Zacarias narram essa luta no ano 520 a.C.
Sabemos pelo texto bíblico que a reconstrução dos muros de Jerusalém esteve
sempre debaixo de tensão militar, pois os trabalhadores do muro estavam armados com
lanças. Havia também outro projeto em curso, que encontramos no livro do profeta
Ezequiel especificamente nos capítulos 40-44, onde parece se revelar que não só basta
reconstruir o templo, mas se faz necessário restabelecer o sacerdócio nos padrões
descritos na época de Salomão. Sabemos que naquela época não havia reis em Judá e o
sacerdote acumulava poderes mais do que religiosos. Em contrapartida a essa ambição
sacerdotal, havia também um projeto popular que é descrito no livro de Rute, tentando
provavelmente fazer frente ao projeto legalista de Esdras que obrigava os judeus a
expulsarem suas mulheres estrangeiras e seus filhos da terra. Há de se ressaltar aqui o
projeto de Neemias: a sua tentativa de, no capítulo 5, agregar os seus irmãos, resgatar
aquelas pessoas que foram vendidas como escravas, sobretudo aquelas que estavam nessa
condição por contraírem dívidas. Neemias então lhes restituiu os bens com seus próprios
recursos. Este movimento de restauração alcançou uma parcela do povo que estava
desapropriado da sua terra ou da sua identidade judaica.
90 UNIDADE 5
Em se tratando ainda de problemas relacionados à identidade judaica, não
podemos deixar de falar do chamado cisma samaritano. Os samaritanos eram o resultado
de uma mistura de povos que tinham sido transplantados para Samaria pelos assírios,
depois que estes os haviam conquistado no ano de 722 a.C., gerando um povo híbrido
tanto no aspecto étnico como no religioso. Esses samaritanos relacionavam-se com os
habitantes de Jerusalém, em alguns casos de modo violento, conflitos estes que irão
culminar numa ruptura radical que é atestada nas páginas do Novo Testamento.
A reputação dos samaritanos como gente odiada pelos judeus se dá pelo fato de
que eles se aliaram aos inimigos contra os judeus e também criaram a sua própria
escritura conhecida como Pentateuco Samaritano. Sobretudo, construíram um templo no
monte Gerizim, como estabelecimento de um local de adoração, violando assim as leis do
Deuteronômio. Esses foram os esforços por parte dos samaritanos para construírem a sua
própria identidade, consolidadas nesses três pilares fundantes: povo, templo e escritura
sagrada.
138
DONNER, 2004, p. 493.
UNIDADE 5 91
PARA RESUMIR:
92 UNIDADE 5
ao Cronista por ser sua obra uma reinterpretação de fatos históricos já narrados, não
podem esquecer que o que pode fazer uma obra suspeita pode sê-lo também para a outra.
Todo escritor, mesmo os inspirados por Deus, são intérpretes também de seu tempo. Se
os tempos e as circunstâncias mudam, também as interpretações precisam mudar. Foi o
que aconteceu com o Cronista: ele apenas interpretava a história da forma como era
conveniente a seu tempo. As verdades do passado precisavam ser atualizadas em
conformidade com as circunstâncias em que o autor bíblico vivia. O Deuteronomista
preocupava-se em explicar as razões que teriam levado o povo de Deus ao exílio. Sua
conclusão é esta: a causa do exílio foi a infidelidade dos dirigentes para com Deus. A obra
do Deuteronomista tem a intenção de expor a ferida aberta no meio do povo de Israel a
partir das invasões babilônicas. Por que Deus teria permitido que uma catástrofe tão
grande atingisse o país? A resposta que o Deuteronomista encontrou foi que a
infidelidade às orientações que Deus deu originou a catástrofe. Para que o futuro pudesse
ser diferente, era preciso mudar a trajetória de desobediência. As preocupações do
Cronista eram bem diferentes porque seu tempo também o era. Se a época do
Deuteronomista foi marcada pelas invasões e destruições promovidas pelos babilônios, a
do Cronista é marcada pelo retorno da liderança a Judá e pela reconstrução da cidade
sagrada e do templo. O Cronista não se preocupa em explicar as invasões, nem em
denunciar a infidelidade. Ao falar da infidelidade dos líderes do passado, não quer
denunciar, mas legitimar a atitude de fidelidade que se deve devotar a Deus no presente.
Se o tom do Deuteronomista é mais de denúncia, o tom do Cronista é mais de proposta.
Ele quer animar a liderança a retornar à “Terra Prometida”, coordenar a reconstrução da
cidade sagrada e reorganizar o culto.
Para efeito de síntese e conclusão, vale a pena confrontar a visão em relação aos
estrangeiros nos livros de Esdras e Neemias e a visão que aparece em outros livros do
Antigo Testamento, como os de Jonas e Rute. É claro que esboçaremos apenas uma
comparação bastante superficial. O objetivo é contemplarmos as diferentes tradições no
Antigo Testamento, e com isso suas diversidades e divergências. Enquanto a tradição
retratada pelo Cronista é “fechada” e exclusivista, ou seja, defende a expulsão dos
estrangeiros e a dissolução dos casamentos mistos, vemos algo bastante diferente nos
livros de Jonas e Rute. Pode-se dizer que os livros de Jonas e Rute preservam tradições
UNIDADE 5 93
que concorrem com aquela dos livros de Esdras e Neemias, portanto tradições que
apontam tanto para uma abertura ao relacionamento com os estrangeiros, como para a
compreensão da universalidade do amor de Deus. sempre bom lembrar que os estudiosos
tendem a considerar os livros de Jonas e Rute como contemporâneos dos livros de Esdras
e Neemias. Tomemos o exemplo de Jonas. Quem é Jonas? O autor do livro de Jonas teria
procurado descrevê-lo como um judeu típico, de caráter exclusivista, que tem aversão a
estrangeiros, que não consegue admitir a universalidade do amor e do perdão divinos.
Jonas não deseja pregar aos ninivitas porque teme que o Senhor seja misericordioso com
eles. Depois de dura conversa de Deus com Jonas, o resultado é a realização (a
contragosto) da missão dada por Deus a ele. Mesmo assim, Jonas não se vê satisfeito, pois
não pode aceitar ter sido instrumento para mediar a graça de Deus a um povo
estrangeiro. Jonas deveria estar alegre por ter sido “usado” por Deus para abençoar um
povo estrangeiro com sua graça, mas, em vez disso, fica deprimido e resmunga como um
velho rabugento. Jonas não é um herói, apesar de muitos assim pensarem. Quais fatos do
comportamento de Jonas parecem dignos de imitação? Ele desobedece a Deus, realiza a
sua missão a contragosto, tem sucesso (do ponto de vista divino, é claro, e não do seu
ponto de vistal) na missão, mas está magoado justamente por isso. Jonas é muito mais um
“anti-herói”. É exemplo a não ser seguido. É homem que se incomoda muito mais com
uma planta do que com a vida de milhares de pessoas. Por quê? Porque Jonas é um judeu
egoísta, que não aceita que o amor de Deus atinja outras pessoas. O autor do livro de
Jonas claramente assume posicionamento hostil em relação a sua personagem principal,
demonstrando que nem todos os judeus da época persa concordavam com o exclusivismo
dos livros de Esdras e Neemias. Vemos no livro de Rute a mesma visão teológica do livro
de Jonas. Entre as várias personagens que entram em cena, quem recebe maior destaque é
Rute. Esta, sim, verdadeira heroína! Heroína, mas não é judia. É estrangeira! Estranho,
não? Estrangeira que tem atitudes surpreendentemente positivas (surpreendentes para a
visão exclusivista de alguns judeus, é claro). Poderia ter ficado na comodidade de sua
própria terra, mas opta pelo que lhe é mais difícil, por amor, por fidelidade. O autor do
livro de Rute assume também posicionamento de simpatia para com os estrangeiros,
pondo-se ao lado da tradição esboçada no livro de Jonas, portanto, contrária ao
exclusivismo dos livros de Esdras e Neemias. Mesmo precisando problematizar algumas
coisas, sobretudo no final do livro de Neemias, é preciso ressaltar que a obra como um
todo deixa mensagem muito importante e muito positiva, além de relevante, para os dias
de hoje. Tentamos apreender o que há de mais importante nos livros de Esdras e
Neemias através da frase “A fé em Deus vem antes da política”. Esse é o lema que
perpassa os livros de Esdras e Neemias e esse deve ser o lema a atravessar as nossas vidas
no continente latino-americano, cheio de injustiças e dissabores. Devemos nos convencer
de que somente uma sociedade que vê a fé em Deus como ponto de partida pode
construir vida política relevante para os excluídos. Ou Deus passa a ser o motor de nossas
94 UNIDADE 5
atitudes, ou não teremos, de outra forma, atitudes motivadas pela solidariedade para com
os excluídos. A política desvestida da fé em Deus já provou ser revestida de egoísmo e,
consequentemente, promotora de exclusão social. É claro que a fé em Deus de que
falamos precisa ser a fé operante, como a que Neemias demonstrou ter quando recebeu as
queixas dos excluídos da sociedade de sua época. Esperemos que esse lema possa ressoar
em nossa mente muito mais que o problemático final de Neemias.
APLICAÇÃO
DE CONCEITOS
139
<https://www.youtube.com/watch?v=xdwJNtK9G50>
UNIDADE 5 95
96 UNIDADE 5
6 ERA DO HELENISMO
6 ERA DO HELENISMO
Roteiro de Aprendizagem
140
SCHMIDTT, 2004, p. 34.
141
Figura tirada do livro: CAROL G. Thomas, Alexander the Great in His World. Oxford: Blackwell
Publishing, 2007. p. 73. Cabeça de marfim da Felipe II pai de Alexandre o Grande. Foi encontrada na
câmara principal da sua tumba real.
UNIDADE 6 97
A conquista do Oriente Próximo por Alexandre Magno deu início ao processo de
helenização do Oriente e de todo o mundo antigo em torno do Mar Mediterrâneo.
Alexandre foi um político estrategista, que intencionava estabelecer um grande império
unificando Oriente e Ocidente. Esse plano nunca se concretizou, mas suas conquistas
estenderam o seu império por todo o Oriente. Após sua morte em 323, seu reino foi
disputado entre os seus quatro generais. A Palestina foi submetida por um século ao
domínio do reino egípcio dos ptolomeus (301-198), para depois ser integrada ao reino dos
selêucidas (198-64 a.C). Isso incluía jerusalém. Os judeus toleraram num certo momento
as intervenções dos selêucidas, até se deflagrar uma resistência conhecida como a
“revolta dos macabeus”, desencadeada por causa dos abusos de Antíoco Epifânio IV. Esse
é o período no qual o judaísmo palestinense ficou sob o domínio helenístico, depois
romano, também influenciado pela cultura helenística, que proporcionou pela sua língua
a propagação da mensagem e religião cristã142.
Alexandre III, rei dos macedônios mais conhecido como Alexandre, o Grande, é
descrito pelo autor do Primeiro Livro dos Macabeus. Esta breve informação histórica
corresponde àquelas fornecidas pela historiografia grega e latina. O resto, que remonta a
120 a.C., é considerado o documentário mais antigo que nos informa sobre a morte de
Alexandre, o Grande, originário da terra de ( כִּתִּיםkiṯ tîm, “gregos”), que era o nome com
o qual as regiões costeiras do Mediterrâneo ocidental eram chamadas. O texto abaixo
analisa de forma religiosa a morte de Alexandre, descrevendo-a como punição divina143.
Depois de ter derrotado Dario, rei dos persas e dos medos, Alexandre ,
filho de Filipe, macedônio oriundo da terra dos ketiim, tornou -se rei no
seu lugar, primeiramente na Hélade. Empreendeu numerosas guerras,
conquistou muitas cidades fortificadas e fez perecer os reis da região.
Avançou até as extremidades do mundo e tomou os despojos de
inúmeras nações. Calou-se a terra diante dele. Exaltou-se o seu coração e
inchou-se de orgulho; reuniu um exército sobremaneira poderoso e
subjugou províncias, nações e dinastas, que tiveram de lhe pagar
tributos. Caiu doente, porém , e viu que estava à morte. Convocou os
seus oficiais nobres, os que com ele haviam sido educados desde a sua
juventude, dividiu entre eles o seu reino antes de morrer. Estava
Alexandre no duodécimo ano do seu reinado quando morreu. Os seus
oficiais nobres assumiram o poder, cada qual no seu feudo. Todos
142
DONNER, 2004, p. 487.
143
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 115.
98 UNIDADE 6
cingiram o diadema após a sua morte, e depois deles os seus filhos,
durante longos anos. E multiplicaram os males por sobre a terra. (1 Mc
1, 1-9)
144
DAHMEN, Karsten. The legend of Alexander the Great on Greek and Roman coins . Londres and New
York: Routledge, 2007. p. 114.
145
DONNER, 2004, p. 500.
UNIDADE 6 99
provisória do império de Alexandre, a Palestina e a costa fenícia ficaram, num primeiro
momento, para os ptolomeus (301-200/198).
146
SELLIN, Ernst; FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. 3. ed. Tradução de D. Mateus
Rocha. São Paulo: Paulinas, 1978. p. 676.
100 UNIDADE 6
José, filho de Tobias, tornou-se o chefe do partido ptolomaico em
Jerusalém; por causa de sua lealdade, até exerceu, entre mais ou menos
240 e 218, o cargo de supremo coletor de impostos de toda a província da
Coelesíria. Nessa função ele se aproveitou rigorosamente da força
econômica da Judeia para si e para os seus, agudizando as contradições
sociais no campo; ocorre que os amigos dos ptolomeus eram os ricos.
Quando, depois da 4ª Guerra Síria, eram ineludíveis a perda de poder e
ocaso do reino ptolomaico, ocorreu uma cisão dentro da família dos
tobíadas: José bandeou-se para o lado selêucida [...]147
147
DONNER, 2004, p. 503.
148
DONNER, 2004, p. 503.
UNIDADE 6 101
aprendiam os costumes e a língua grega, especificamente o grego popular, comum
(coinê), falado em todo o domínio do império.
Os dois livros dos Macabeus contêm duas histórias diferentes das guerras da
independência, guiadas por Judas Macabeu contra Antíoco IV nos anos no século II a.C.,
e apoiado por um bom número de sacerdotes em Jerusalém. O episódio se inicia quando
em 167 a.C.. Antíoco IV Epífanes resolve sacrificar um animal impuro no templo e isso
se torna o estopim que detonou aquilo que conhecemos como a ‘revolta dos Macabeus’ e
a vitória e conquista dos territórios que estavam sob o governo de Antíoco.
149
TOGNINI, E. Geografia da Terra Santa e das terras bíblicas. São Paulo: Hagnos, 2009. p. 42-43.
150
GIANANTONIO, B.; PRIMO, G, 2006, p. 117.
102 UNIDADE 6
Figura 27 - Cabeça de mármore de Antíoco IV Epífanes151
A dinastia asmoneia assumirá o poder durante 100 anos e Judas Macabeu e seu
irmão Jonathan irão reinar sucessivamente em Israel, expandindo e retomando
territórios, estabelecendo o culto no templo, nomeando sacerdotes para o seu oficio
religioso. Seus herdeiros, Aristóbulo I, Alexandre Janeu, Salomé Alexandra, irão
dominar até 67 a.C. E com Salomé Alexandra nos encontramos num período em que os
romanos, que têm grande interesse nesta região, vão entrar na Palestina e pôr fim à
dinastia asmoneia. Pompeu é o general romano que em 67 a.C. invade Jerusalém e a
Judeia, passando-a ao domínio romano.
APROFUNDAMENTO
SOBRE O PERÍODO PÓS-EXÍLICO: OS SELÊUCIDAS153
SOBRE A REVOLTA DOS MACABEUS154
151
FANT, C; REDDISH, M. Lost Treasures of the Bible: Understanding the Bible Through
Archaeological Artifacts in World Museums. Grand Rapids, Michigan/Cambridge: William Eerdmans
Publishing Company, 2008. p. 294.
152
VAUX, 2003, p. 289.
153
<http://airtonjo.com/site1/historia-24.htm>.
154
<http://airtonjo.com/site1/historia-26.htm>.
UNIDADE 6 103
PARA RESUMIR:
104 UNIDADE 6
ANEXO 1: TRIUNFO E HELENIZAÇÃO DO
ESTADO JUDAICO
Extraído de: GOTTWALD, 1988, p. 311.
UNIDADE 6 105
posteriores, se bem que não possamos ter certeza de que levassem esse nome até agora.
Estes adversários dos últimos asmoneus sentiam-se inquietados por governantes judaicos
que tão abertamente desempenhavam o papel de príncipes helenísticos. Em primeiro
lugar, suas conquistas haviam extraído nova riqueza para uma minoria de judaitas
empreendedores com privilégio régio; estes proveitos, contudo, não se estendiam à massa
do povo cujas condições de vida só pioravam. Alguns fariseus exigiram que Hircano
renunciasse ao sumo sacerdócio, sem dúvida com o propósito de recusar-lhe acesso à
economia lucrativa do templo como também ao apoio simbólico do culto judaico. Ao
rejeitar esta impudência, Hircano se opunha a eles, aproximando-se mais de um grupo a
quem Josefo identifica como Saduceus, os quais, neste tempo, se compunham
provavelmente, em grande parte, da nobreza recentemente enriquecida, gerada pelas
conquistas asmoneias. Durante o reinado de Alexandre Janeu, o conflito irrompeu em
guerra civil que colocava a maioria da população, junto com os fariseus, em luta contra o
rei e seus partidários sacerdotais e leigos. A situação política interna de Judá mudara
drasticamente em algumas décadas. Judas, o primeiro Macabeu, havia conduzido a
maioria de judeus contra um grupo pequeno, mas poderoso, de judeus helenizantes e
seus financiadores selêucidas. Numa reviravolta, Alexandre Janeu, um sucessor dos
Macabeus, conduzia agora um grupo pequeno, mas poderoso, de partidários régios numa
batalha desesperada contra uma maioria de camponeses que o viam como encarnação da
corrupção e da opressão helenísticas. Os judeus anti-asmoneus apelaram para exército
selêucida a fim de que os ajudasse a derrotar o monarca judaico em 88. Foi um
movimento irônico, em que um exército selêucida, ajudado por tropas judaicas, venceu o
exército do rei judaico equipado no seu âmago com mercenários gentios. Embora os
fariseus e a maioria popular tivessem a vitória ao seu alcance, a perspectiva de um rei
selêucida assumindo uma segunda vez o controle de Jerusalém incitou algumas pessoas
— colocando o nacionalismo na frente de interesses de classes — a transferirem a sua
fidelidade de volta a Alexandre Janeu. Restituído ao poder, o rei tomou vingança,
crucificando 800 dos rebeldes fariseus e trucidando suas esposas e filhos. Um resultado
desta brecha traumática na sociedade judaíta foi que 8.000 rebeldes fugiram dos centros
populacionais, alguns deles juntando-se à seita de Qumrã, cuja qualidade de membro
original foi quadruplicada pela inclusão de outros 150 adeptos mais ou menos. O
governante seguinte asmoneu, a rainha Salomé Alexandra, procurou a paz com os
fariseus e de fato concedeu-lhes poder de maioria nos assuntos domésticos, até o ponto
que eles começaram a tomar vingança contra aqueles que haviam incitado Alexandre
Janeu na sua chacina dos rebeldes. O filho dela, Aristóbulo II, apoderou-se do poder e
combateu incessantemente contra seu irmão mais fraco Hircano, que era ajudado pelo
chefe idumeu Antípater, pai de Herodes. Em 63, os contendores rivais pela coroa
asmoneia recorreram pedindo apoio a Pompeu, o legado romano que havia chegado a
Damasco. Representantes do povo judaico, sem dúvida incluindo fariseus, pediram a
106 UNIDADE 6
Pompeu que recusasse reconhecimento a qualquer dos dois requerentes desacreditados.
Pompeu queria adiar uma decisão até ele se ter ocupado com os árabes nabateus;
Aristóbulo, porém, insistiu em fazer pressão militarmente na sua reivindicação, em
consequência do que Pompeu tomou Jerusalém, deportou Aristóbulo para Roma e
nomeou Hircano II como sumo sacerdote (mas não como rei), honrando assim o pedido
da delegação judaica popular e, antecipando os interesses de Roma, colocando a Judeia
sob administração imperial. A Judeia foi desapossada da maioria dos territórios gregos
conquistados, deixando apenas a Galileia e uma parte da Transjordânia. Roma chegara a
ficar na Palestina, apesar de alguns espasmos finais de poder asmoneu. Fugindo de
Roma, Aristóbulo tentou uma reabilitação na Judeia durante 56-55, mas malogrou. Deu-
se uma breve restauração final asmoneia em 40-37, quando os partos invadiram a Siro-
Palestina e empossaram Antígono como seu governante títere em Judá. Logo que os
partos foram expulsos da área, Herodes retomou sua posição como rei subordinado de
Judá sob autorização de Roma.
APLICAÇÃO
DE CONCEITOS
Por que se faz importante para o estudioso da Bíblia conhecer o livro dos
Macabeus?
155
<https://www.youtube.com/watch?v=sfN3eOp2-po>
UNIDADE 6 107
108 UNIDADE 6
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REFERÊNCIAS 111
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