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História Política Contemporânea Portugal: 1808-2000

Teste de Consulta:

• O Colapso do Império e a Revolução Liberal- 1808-1834

• A Construção Nacional- 1834-1890

• A Crise do Liberalismo- 1890-1930

O COLAPSO DO IMPÉRIO E A REVOLUÇÃO LIBERAL: 1808-1834

Nuno Gonçalo Monteiro

Em meados de 1807, o liberalismo não era visto como uma alternativa de regime para quase
ninguém, mesmo mencionando as suas possíveis reformas e se discutindo sobre a sua
concretização. Liberal e Liberalismo, no sentido político, eram termos que não se utilizavam.

A MONARQUIA PLURICONTINENTAL, AS REFORMAS E A OPINIÃO

Em meados de 1800, existiram várias memórias escritas por destacados liberais. Desses mesmos
liberais, é de mencionar José Maria Xavier de Araújo, jurista que participou no movimento cuja
génese conferiu um grande papel à Maçonaria, partido iniciado em Lisboa, que crescera e se
espalhara para várias partes do reino, transformado em Sociedades Secretas, tendo aumentado
com a chegada do Exército Português, que voltava de França vitorioso, em 1814. Outro liberal,
D. Pedro de Sousa e Holstein, primeiro duque de Palmela, por volta de 1797, escrevia que
Portugal parecia ter ficado de fora do movimento criado pela Revolução Francesa. O único
motivo que prendia Portugal ao resto da Europa era a aliança tradicional Inglesa [e] a aliança
espanhola. José Liberato Freire de Carvalho, publicista Liberal, afirmava que, em 1800, é que
pertencia o verdadeiro começo da sua vida pública, aderindo, em 1804, à Maçonaria. Os
primeiros passos da Revolução Francesa em 1789 foram bem recebidos pelo governo e pela
diplomacia de Portugal, um ato curioso já que na totalidade, todos eram de cunho reformista.
Chegou-se a elogiar a abolição dos direitos feudais, através da Gazeta de Lisboa. Contudo, o
evoluir da situação em França conduziu a uma mudança da posição.

Três anos mais tarde, Portugal, aliando-se a Espanha e ao Reino Unido, participavam numa
campanha para combater a França Revolucionária, a Campanha do Rossilhão. A propaganda
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contrarrevolucionária (História Abreviada da Perseguição, Assassinato, e o Desterro do Clero
Francez) chegara antes da propaganda a favor da revolução.

Isto significa que, só em 1800, e com o apoio da Maçonaria é que se começou a pensar nas
«reformas da Administração do Estado»? (Não)

Fora no próprio corpo do oficialato central da monarquia que, por vezes no seio do governo,
foram encontrados alguns dos maiores expoentes do pensamento reformista. Exemplos disso,
temos a publicação dos escritos da Academia Real das Ciências de Lisboa, as chamadas
memórias económicas e os pensamentos e ação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o mais
destacado reformador da época, protegido por Pombal. D. Rodrigo questionou de forma clara a
ordem fundiária do Antigo Regime, através de uma influência, no plano do direito civil e dos
fundamentos económicos (algo já existente), já liberal. É de mencionar que, foram nas matérias
de direito civil que, Junot, hesitou na publicação do Código Napoleónico, em 1808. D. Rodrigo
defendera a abolição dos morgados, da enfiteuse, dos dízimos eclesiásticos, dos direitos
senhoriais de foral, da décima (imposto pago ao Estado) e a desamortização de todos os bens das
ordens religiosas. Era ainda a favor da supressão de todas as isenções tributárias do clero e da
nobreza e dos privilégios jurisdicionais. As propostas que realizou em matéria financeira, de
educação e de criação de escolas especializadas foram menos relevantes do que a sua conceção
da monarquia como um espaço pluricontinental.

Estes períodos de finais de século XVIII, eram comum serem mencionados como tempos do
Absolutismo, sendo que, durante o reinado de D. José, adotara-se uma doutrina à qual Portugal
era um «Governo Monárquico, onde o Supremo Poder residia inteiramente numa Pessoa, neste
caso o rei, sendo Deus quem lhe passava esse poder para exercer na terra, escolhendo aqueles
que deveriam permanecer nos diferentes ministérios do Governos, criando e abolindo as Leis
quando assim lhe parece-se correto». A censura, a vigilância na importação de livros e a polícia
zelaram por tal exaltação da ordem. Os ministérios (Secretarias de Estado) eram os novos
centros de decisão política, esvaziando os tribunais centrais de competências em matérias que
passavam a ser atribuição do esboço do poder executivo. Fora no período Pombalino que
existira um primeiro-ministro de facto e reformas sistemáticas que, nunca mais existiu com tanto
fervor, porém, a centralização do poder de decisão nos ministros da respetiva área era contestada
por muitos, que a consideravam um instrumento de mudança. As reformas promovidas pelos
ministros do rei eram vistas por uns como «despotismo esclarecido» e por outros como simples
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«despotismo ministerial». Da herança pombalina ficaram a censura e a nova noção de polícia
que marcariam o período posterior.

O poder do rei e dos seus ministros sobre o território reinícola e seus domínios estava longe de
ser absoluto. A integração do reino no sistema de poder da monarquia fazia-se através de
instituições dotadas de ampla autonomia. Desde os finais da Idade Média que todo o espaço
continental da monarquia portuguesa se encontrava coberto por uma palha de concelhos, modelo
que pretendeu estender-se das ilhas atlânticas aos territórios situados noutros continentes, como
o Brasil. Em todos os locais, os municípios deviam ser constituídos por câmaras municipais
detentoras de atribuições formais parcialmente coincidentes. Quem presidia à câmara exercia as
funções de juiz, com as inerentes atribuições judiciais. Era composto por um juiz presidente,
dois ou mais vereadores e um procurador. Com exceção do juiz de fora, todos estes oficiais
eram eleitos a nível local e confirmados pela Administração Central da Coroa ou pelo senhor da
terra. Constituíam a câmara (Senado nos locais mais importantes) e não auferiam de qualquer
remuneração, podendo sofrer exceções.

A partir do século XVIII, as poucas pessoas que podiam ser elegíveis para as câmaras e que
constavam das listas elaboradas para o efeito eram designadas por «nobreza» ou «principais»
das várias terras. As câmaras abrangiam oficiais pagos, como escrivães e juízes de órfãos e
outros oficiais que já não eram pagos. A rede concelhia (800 câmaras em todo o reino)
sobrepunha-se a outra rede, a das paróquias eclesiásticas, que cobria todo o território, sendo
mais antiga e dependendo de outros vínculos e hierarquias. Esta rede usufruía do respetivo
pároco e a quantidade de freguesias eclesiásticas que se encontrava dividido o continente
português era superior à dos concelhos, sendo associadas como uma imensidade de confrarias
que albergavam boa parte dos habitantes do território. Os municípios e as paroquias coexistiam
com outras instituições locais, em particular com as misericórdias e as ordenanças, que
representavam outros tantos polos da sociedade local e foram muito marcantes neste período.

Do ponto de vista do recrutamento militar, o Reino estava dividido em capitanias- mor de


ordenanças. A hierarquia das ordenanças competia ter a seu lado todos os homens maiores de 16
anos, para que pudessem, quando solicitados, serem escolhidos para o exército de primeira linha
ou para operar a nível local quando tal fosse necessário, pelo que dependeu reunirem-se com
regularidade para receber treinamento militar. Ainda existiam as forças militares de segunda
linha ou milícias. Embora, a respetiva rede fosse muito menos densa, era aquelas forças
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militares de segunda linha (coronéis, tenentes-coronéis e majores de milícias) que tinham uma
presença significativa na sociedade local nos finais do Antigo Regime. Fora de Lisboa, não
existia, nas primeiras décadas do século XIX, um corpo de milícia pago.

A coroa e os seus agentes tinham de lidar com as elites locais sabendo que descabia um peso
imenso na gestão dos assuntos correntes, intervindo, também, na composição das câmaras. No
Império Atlântico, ilhas e Brasil, a coroa disponha de governadores em cada capitania,
geralmente militares, com mais competências em matéria civil do que os governadores de armas
no reino. Os governadores dispunham de uma tropa paga muito reduzida. Uma intensa
comunicação política era uma marca essencial ao funcionamento da monarquia. O Brasil nunca
deixa de estar no foco das atenções da elite política central, já que as finanças da monarquia
dependiam desta colónia. A circulação para o Brasil dos demais naturais do reino era muito mais
usual do que para a Europa. Assim, ao longo do século XVIII, os particulares e residentes
remeteram muito ouro para o reino. O Brasil era visto como um mero apêndice, mas com uma
parcela essencial da monarquia pluricontinental da casa dos Bragança. No Reino, entre 1790 e
1792, quando, após a supressão de boa parte do que restava das jurisdições senhoriais, fora dado
o início a uma reforma administrativa, cujo objetivo era o uso, exercido da justiça, sendo
proposto a extinção dos municípios. Fora criado um inquérito por causa da extinção dos
municípios e, a quase totalidade das câmaras responde que nada pretendia mudar. Os pequenos
poderes corporativos locais pretendiam-se intocáveis, mantendo-se dessa maneira, embora o
centro político tentasse condicioná-los.

No Brasil, nos finais de 1700, existiram dois acontecimentos que tiveram uma maior
notoriedade, a conspiração nas Minas e a sedição na Bahia, contudo, o conjunto desse tipo de
eventos foi muito mais numeroso e amplo desde os anos sessenta do século XVIII nos vários
territórios da América espanhola.

Em meados da última década de setecentos, o ambiente de guerra provoca dificuldades


financeiras à monarquia. Apesar da expansão comercial, as despesas militares vão entrar numa
imparável escalada. Na viragem do século, o lançamento de novos impostos e a emissão de
papel-moeda não ajudou aos gastos da monarquia não ultrapassarem as suas receitas, entrando-
se numa incontrolável espiral inflacionista, tendo os preços sofrido uma acentuada subida entre
1797 e 1810. Foram poucos os agentes económicos que conseguiram tirar partido desta
conjuntura, tendo a maior parte saído a perder. Este cenário condicionou o clima de reformas.
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Uma das marcas do reinado de D. Maria I e, mais tarde, do seu filho, D. João foi a inexistência
de qualquer figura politicamente dominante de forma continuada. O relançamento do Conselho
de Estado em 1796 não alterou a situação, já que integrava os secretários de estado e nunca os
substituiu enquanto polo central de decisão política. A instabilidade e as fraturas políticas foram
uma marca do reinado.

A política interna dividiu-se em função das prioridades definidas para a política externa, o
«partido francês» contra «partido inglês». Tanto o anglófilo D. Rodrigo como o francófilo
António de Araújo de Azevedo foram considerados reformistas, mesmo sendo de opções
contrárias. O reformismo do fim do século XVIII pareceu ser uma sucessão de paradoxos.
Regressou-se a uma política de mercês que se mantinha dentro dos parâmetros tradicionais,
contudo, noutro plano, a atuação da Academia Real das Ciências de Lisboa e os projetos dos
ministros coexistiram com uma censura literária e com a atuação persecutória do intendente-
geral da polícia. Desde a reforma universitária de 1772 que se estudava o direito moderno.

O contexto internacional foi-se agravando, ao qual a campanha do Rossilhão (1793-95) iniciou


um ciclo que se prolongaria por duas décadas. Acentuou-se a oposição política entre os que
defendiam cedências a França como meio de evitar a guerra e aqueles que viam no reforço da
aliança inglesa a única defesa possível perante um conflito que se supunha inevitável. A «Guerra
das Laranjas» foi curta e Olivença rendeu-se sem resistência. Os outros bastiões, com a exceção
de Elvas, foram caindo e os combates acabaram com a derrota das forças portuguesas. A
ofensiva só não prosseguiu porque o objetivo era mudar o alinhamento de Portugal. Espanha
conseguiu os territórios das Amazonas e ficou com Olivença, fazendo Portugal voltar ao seu
estatuto neutral.

O EMBARQUE DA FAMILÍA REAL

A pressão diplomática era cada vez mais forte, traduzindo-se numa crescente tensão interna. O
afastamento dos ministros «anglófilos» aconteceu por pressão do embaixador francês general
Lannes, chegado a Lisboa em 1802. Em agosto de 1803, caíram os ministros D. Rodrigo e D.
João de Almeida e, António de Araújo, o mais destacado «francófilo», entrou para o governo.
Antes de 1807, essas disputas cortesãs eram já alimentadas pelos desentendimentos entre o
príncipe D. João e sua mulher, D. Carlota Joaquina de Bourbon. Entre finais de 1805 e inícios de
1806, uma suposta doença ou ameaça de loucura do príncipe terá dado lugar a uma tentativa de

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afastamento do infante e de instalação de uma regência da mulher. A extrema dificuldade da
situação portuguesa ficou patente.

O cerco foi-se apertando e as sugestões de que a família real embarcasse para o Brasil não eram
novas. A partida da família real para o Brasil, a 29 de novembro de 1807, deixou um enorme
dramatismo e precipitação. Escapando às tropas que entravam em Lisboa, a família real rumou
ao novo mundo com milhares de cortesãos e respetivos acompanhantes.

AS INVASÕES FRANCESAS E A GUERRA

O rei partiu. O primeiro duque de Palmela explicou mais tarde que, o príncipe acabou por seguir
os seus conselhos, abandonando, assim, toda a ideia de resistência. O príncipe deixou um
conselho de regência composto por nove elementos com instruções escritas para cooperarem
com os exércitos das nações a que Portugal se achava unido no continente. O Tratado de
Fontainebleau de 27 de outubro 1807, que previa a divisão, em partilha, de Portugal, atribuindo
território ao ministro espanhol Manuel de Godoy.

A formação de um estabelecimento que julgava ser duradouro explica o colaboracionismo na


grande parte das elites portuguesas, cujo francesismo, não se confundia com a partilha dos ideais
da revolução francesa na maior parte dos casos. A regência, o episcopado e academia das
ciências receberam o general Junot como o novo senhor da situação. Em fevereiro de 1808,
Napoleão decretou o fim do reinado da dinastia de Bragança, sendo, todos os atos públicos
praticados em nome de «sua majestade o imperador dos franceses». A regência seria dissolvida,
a tropa de primeira linha e as milícias desarmadas, seriam lançadas pesadas tributações e
formado um governo de franceses, embora com portugueses como conselheiros.

Mesmo depois da saída dos franceses, o governador dos Açores preferiu comunicar diretamente
com a corte do Rio de Janeiro em vez de o fazer com os governadores impostos pelos britânicos
no reino. Na sequência da referida decisão, cerca de 12.000 homens foram incorporados nas
tropas francesas sob o comando do general D. Pedro de Almeida Portugal, terceiro marquês de
Alorna. Em abril de 1808, uma delegação de pessoas da primeira nobreza dirigiu-se a Baiona
com o intuito de pedir a Napoleão a manutenção da unidade do Reino de Portugal e um príncipe
da família imperial para reinar. Em maio, circulara, em Lisboa, um grupo de afrancesados que
tratou de fazer frente às pretensões portuguesas do chefe de ocupação francesa, general Junot.
Pediram uma Constituição e um rei Constitucional e que a religião católica romana fosse a
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religião do estado. Outros pedidos foram a igualdade perante a lei, o que implicitamente
corresponde ao pedido da promulgação do código napoleónico de 1804, a liberdade de
imprensa, a divisão de poderes, a reforma da administração pública, a desamortização e um
sistema proporcional de impostos. Esta foi a mais viva expressão ideológica dos afrancesados
portugueses.

A revolta popular em Espanha tudo veio alterar e subverter. A guarnição espanhola no Porto
ajudou a desencadear a sedição nesta cidade, a primeira a ter lugar. Os movimentos de revolta
passaram daí para Trás-os-Montes, Minho, Algarve, depressa se alargando por todo o território
onde não residiam tropas francesas. A rebelião foi acompanhada de movimentações populares
sendo a forma de poder emergente nestes levantamentos as juntas, inspiradas no modelo
espanhol. Em média, formaram-se cerca de 73 juntas, a maior parte sediadas em vilas médias,
sendo presididas por juízes de fora, ao passo que, naquelas criadas em sede de comarca e nas
que vieram a ter um papel mais destacado, evidenciaram-se elementos, designadamente os
bispos das dioceses. A guerra aos franceses e as formas de poder a que deu lugar perpetuavam a
hierarquia da sociedade local e respetivos poderes. Foram apresentavam duas características
novas, 1/5 dos seus membros eram eclesiásticos e os segmentos populares ascendiam a outro
tanto. Embora mobilizadas em nome do rei e da religião contra os hereges, as formas de
mobilização das juntas conduziram às ações de guerrilha, que fugiam ao controle das elites
locais, o que aconteceu com alguma frequência.

Junot reagiu com violência. As zonas rebeldes alcançadas pelo exército francês conheceram
duras punições e os movimentos das tropas francesas eram fustigados na retaguarda por forças
de guerrilha. A 1 de agosto, desembarcaram as tropas inglesas e no mês seguinte expulsaram as
forças francesas. Se as invasões francesas são um acontecimento da história portuguesa recente
mais marcante na memória local, a segunda invasão foi pautada por episódios traumáticos.

Comandada pelo marechal Soult, entraram em março de 1809 por Trás-os-Montes em direção
ao Porto. Ao aproximar-se de Braga, espalharam o pânico nas populações. Ao acercarem-se do
Porto, as tropas francesas suscitaram o pânico, como se viu no episódio da Ponte das Barcas,
afundada sobre o peso da multidão em fuga na direção de Gaia, causando a morte no Douro a
dezenas de fugitivos. Os franceses permaneceram na cidade pouco mais de um mês. O
desembarque de Wellington em Lisboa e a constituição de uma força portuguesa, organizada

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pelos comandos ingleses. Foi suficiente para precipitar a retirada do exército francês para
Espanha.

A terceira invasão desencadeada a partir da Beira, em julho de 1810, mobilizou maiores efetivos
militares. Tinham servido apenas em um grande confronto entre as duas forças, no Buçaco, a
invasão de Massena, general francês que dirigiu a ocupação, gerando enormes deslocações de
populações em muitas zonas da região centro do reino, acusando os comandos militares
britânicos de promoverem a prática da terra queimada para debilitar os franceses que se
retirariam de Portugal, em março de 1811. Pelo meio tiveram lugar a Setembrizada, com a
deportação para os Açores de cerca de 50 suspeitos de colaboração com os franceses e de
simpatias políticas jacobinas partiram daí para Inglaterra ainda em 1810.

Foram notórios aspetos divergentes nos dois contextos ibéricos. Ao contrário do que ocorreu em
Espanha, a dinastia reinante portuguesa, constituindo o princípio essencial na legitimidade do
poder. Importa sublinhar alguns aspetos que sustentaram a evolução dos acontecimentos em
Portugal. A presença britânica no país foi sempre mais próxima, inibindo eventuais movimentos
subversivos. O exército inglês, sobre a tutela do William Beresford, deixar em Portugal por
Wellington também contribuiu involuntariamente para disseminar a maçonaria no corpo dos
oficiais portugueses. O pequeno partido que simpatizava com as reformas do Antigo Regime foi
muito mais reduzido em Portugal. Só depois das Cortes de Cádis de 1812, e de forma gradual,
foi-se difundido a expressão liberal para designar esses indivíduos. Manuel Borges Carneiro
depois de 1820, deputado onde os deputados mais radicais de reputação, esteve detido pelos
franceses, em 1808, quando era juiz de fora em Viana do Alentejo. Do outro lado do Atlântico,
em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, deu-se a abertura dos portos
brasileiros às nações aliadas, como a Inglaterra. Conhece-se, assim, o fim ao exclusivo
comercial dos negociantes do reino de Portugal sobre o mercado brasileiro.

Antes da influência de Cádis, os princípios liberais são os do liberalismo económico da escola


clássica do pensamento económico, não do liberalismo político. Nas condições da guerra aos
franceses, sobretudo em 1809 e 1810, assiste-se a uma profusão de folhetos de teor conservador
e contrarrevolucionário. Foi, também, nesse cenário de guerra onde os poderes difusos mal
controlavam o que se editava, que surgiu a primeira imprensa política liberal em Portugal, tendo
sido um fenómeno radicalmente novo. Nesse curto ciclo participou, entre diversos jornalistas,
João Bernardo da Rocha Loureiro e José Liberato Freire de Carvalho.
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O ciclo seguinte seria marcado pelo impacto das Cortes de Cádis em Espanha e pela penetração
da imprensa Portuguesa de imigração em Paris e em Londres. O conselho da regência do Reino
fora recomposto, sobre tutela militar inglesa, em setembro de 1808, tendo início a dissolução das
juntas. Desde março de 1809, que o general Beresford fora destacado para a reorganização do
Exército do Reino, tendo como principal interlocutor do lado português D. Miguel Pereira
Forjaz.

Com o fim das operações militares em 1813-1814, a tutela britânica sob o Exército Português
passou a provocar crescentes tensões com a regência. Reorganizado e disciplinado pelos
ingleses, o exército renovado consumia quase 70% das despesas do Reino de Portugal e, com o
fim da guerra, tornou-se evidente que a abertura dos portos significou uma quebra sem recuo nas
receitas alfandegárias, agravando as dificuldades financeiras.

A Imprensa da imigração tinha as suas expressões mais significativas no Correio Braziliense,


n´O Português e no Investigador Português em Londres, apoiado por círculos de negociantes
portugueses em Londres e contando com o apoio governamental do reino do Rio de Janeiro
através da embaixada. Estes jornais eram dirigidos por um destacado núcleo de jornalistas. Nada
conseguiu impedir a ampla difusão da primeira Imprensa liberal da imigração, em Portugal e no
Brasil. A condenação do despotismo, a defesa da realização de portos e a apologia da Liberdade
não surgem regra geral identificadas como um projeto liberal.

São estes os anos em que se pode começar a falar da formação de uma opinião mais alargada.
Embora as linguagens fossem partilhadas, a questão nacional com um pensamento cada vez
mais antibritânico era, sobretudo, uma marca da Imprensa liberal na imigração nos anos
posteriores às invasões francesas. O mal-estar crescente no exército traçou expressão em maio
de 1817 na já mencionada conspiração de Gomes Freire de Andrade.

O PRONUNCIAMENTO DE 1820 E O TRIÉNIO LIBERAL

As Invasões Francesas (1807-1811) deixaram Portugal numa situação complexa, desde logo, o
país mergulhou numa crise política causada pela ausência da família real, que se instalara no
Brasil, com o resto da corte, para escapar à primeira invasão. Com o passar dos anos, D. João VI
não mostrava qualquer intenção de regressar, e em 1815 elevou o Brasil ao estatuto de reino,
uma decisão que aumentou ainda mais o mal-estar na metrópole. Os portugueses sentiam,

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efetivamente, que Portugal tinha passado à condição de colónia, e não lhes agradava que o
Brasil passasse a ser o centro do Império.

Internamente, após o fim das invasões, o país ficou entregue aos britânicos, estes auxiliaram
durante as guerras, mas embora elas tenham terminado, eles mantiveram-se no território,
exercendo uma tutela política e militar sobre o país, dirigida pelo odiado general William
Beresford. Então, para além de ser agora uma espécie de colónia do Brasil, Portugal era também
encarado como um território sobre a alçada da Grã-Bretanha, “De facto, no rescaldo de uma
onda antifrancesa, passara-se a uma torrente anti-inglesa, misturada com a rejeição de ser
«colónia de uma colónia».” (Pinto & Monteiro, 2019, p.56)

O país debatia-se ainda com uma grave crise económica, associada à abertura dos portos
brasileiros ao comércio com nações estrangeiras, após a instalação da corte no Rio de Janeiro, o
que trouxe prejuízos aos comerciantes portugueses, que até aí haviam beneficiado do facto de,
Portugal ter relações comerciais privilegiadas com o Brasil. Paralelamente, o tratado de
comércio assinado com a Grã-Bretanha, em 1810, não favoreceu a situação comercial já
decadente, isto porque, facilitava a entrada de mercadorias inglesas em Portugal, a preços
baixíssimos.

Conjuntamente, pairava pelo país a ideologia liberal, sobretudo por meio dos jornais publicados
em Paris e Londres por exilados políticos portugueses como José Liberato Freire de Carvalho.
Mas, a própria vizinha Espanha, insatisfeita com a monarquia absoluta, propagando o ideário
liberal, divulgava a Portugal, ainda que indiretamente, estes mesmos ideais, “a eclosão do
pronunciamento liberal em Espanha…” (Pinto & Monteiro, 2019, p.57).

Neste ambiente, de descontentamento generalizado, é criado o Sinédrio (1818), uma organização


secreta, no Porto, composta essencialmente por juristas, dos quais se destacam, Fernandes
Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho e, que se predispôs a preparar uma revolução liberal
em Portugal. Nos anos que se seguiram, o Sinédrio foi recrutando mais elementos, sobretudo
militares, como Bernardo Sepúlveda, Sebastião Cabreira e também António da Silveira.

Posteriormente, em 1820, a ida de Beresford ao Brasil, supostamente para aumentar o seu poder
junto da regência e, o pronunciamento liberal em Espanha, criaram condições para que Portugal
iniciasse a sua movimentação. De facto, a 24 de agosto de 1820, o movimento liberal inicia-se

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no Porto, “as forças militares reúnem-se, fazem a leitura de proclamações e criam, presidida por
António da Silveira, uma Junta Provisional.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.57).

Anteriormente, é notório que havida sido difundido pelo país, essencialmente por Hipólito da
Costa, Rocha Loureiro e José Liberato, a necessidade de se reunir Cortes em Portugal, para que
se discutisse acerca da situação do Reino e se tentassem encontrar soluções para os problemas (a
corte era um órgão consultivo). A experiência internacional, com base no desenrolar dos
acontecimentos durante a Revolução Francesa, assustou a regência, que temia o fim do ideário
absolutista. E, após este primeiro levantamento no Porto, a regência, na tentativa de aclamar os
ânimos toma a iniciativa de convocar Cortes. Porém, esta ideia é assolada, primeiramente, pela
adesão à Revolução de grande parte dos territórios do Norte do país, estendendo-se,
posteriormente para Sul, particularmente, em Coimbra, a sul do Mondego, em Leiria, Tomar,
Abrantes e Santarém. Mas, sobretudo, por um segundo levantamento liberal, a 15 de setembro
de 1820 em Lisboa, criando-se a partir desta, um governo interino, presidido por Gomes Freire
de Andrade.

Após o sucesso militar, referido anteriormente, agora o essencial era focar na convocação das
Cortes e na elaboração de uma Constituição para o país. No que cerne às Cortes, seria
impossível reuni-las à maneira tradicional, com as três ordens socias (Clero, Nobreza e Povo),
estas, deveriam, daí em diante, representar a Nação. Assim, optou-se por buscar inspiração à
Constituição de Cádis de 1812 (Constituição Espanhola), que de entre outras coisas,
determinava que os deputados eram eleitos.

Deste modo, em dezembro de 1820, procedeu-se à eleição dos deputados, por via indireta, não
há dados específicos sobre as restrições ao direito de voto, mas é certo, que o número de
eleitores não era muito grande. Nos meses de fevereiro e março, votaram-se as «Bases da
Constituição», que representam o alicerce do futuro texto constitucional, determinou-se: “que «a
soberania» residia «em a Nação», como vinha no texto gaditano; apenas se concedia ao rei veto
suspensivo sobre as decisões das Cortes, depositárias do poder legislativo; adotava-se um
modelo unicamaral, recusando-se, por larga maioria, uma segunda câmara. De entre alguns
aspetos essenciais, dizia-se que a «Nação Portuguesa é a união dos Portugueses de ambos os
hemisférios […]. A sua Religião é a Católica Apostólica Romana», ou seja, a nação abrangia os
portugueses do ultramar e tinha uma religião oficial; as Bases incluíam, no início, uma

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declaração de direitos que consagrava, entre outros, o princípio da igualdade e o da liberdade de
pensamento.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.58).

Relativamente à Constituição de 1822, podemos enunciar em termos gerais as seguintes


realizações: primeiramente, o princípio da igualdade civil, isto é, a lei é igual para todos os
cidadãos, contrariamente ao que acontecia no Antigo Regime; o sufrágio, foi alargado, os
cidadãos maiores de 25 anos podiam votar, sem restrições de riqueza ou propriedade, apenas
estavam excluídos os analfabetos, os dependentes e os eclesiásticos regulares – “O número de
votantes e de elegíveis na eleição das câmaras constitucionais em outubro de 1822 aumentou, de
facto, mas sem nunca se revestir de um caráter maciço.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.63); exigia,
uma renda em bens próprios, atividade ou emprego para se ser eleito deputado; e quanto à
configuração dos poderes, os deputados vintistas, enquanto que se revelaram moderados na sua
produção legislativa, optaram por um modelo constitucional fortemente limitador dos poderes
do monarca, ainda ausente no Brasil.

Os vintistas (Vintismo – período compreendido entre 1820-1823), extinguiram em março de


1821, a Inquisição em Portugal e, de facto, esta nunca mais voltaria a funcionar. Aboliram os
privilégios de foro, mas, o dízimo não foi suprimido, embora alguns defendessem a sua
extinção. Quanto ao clero, é notória uma certa valorização do clero paroquial, utilizado
recorrentemente como meio difusor das iniciativas políticas, enquanto que, é elevado o esfoço
para que se extingam os mosteiros, para além, de já existiram poucos frades e freiras, os liberais
vintistas restringiram as admissões aos mesmos.

Em matéria agrária, as Cortes não implementaram grandes alterações, foram efetivamente,


inundadas com petições de todo o tipo de pessoas, grupos e instituições, mas lançaram apenas
uma lei dos cereais, que protegia a lavoura e deveria fazer subir os preços. Relativamente, à
Companhia das Vinhas do Alto Douro, as Cortes não desempenharam um grande papel a esta
parte, uma parte da população era a favor da sua existência outros, entretanto eram contra, os
liberais debateram o assunto e restringiram alguns dos seus exclusivos, mas não demonstraram
uma orientação clara ou resolução para a situação. O mesmo se sucedeu com a questão dos
forais, a contestação não gerou uma solução imediata, as Cortes apenas reduziram os direitos. O
comércio e a indústria, por sua vez, continuavam muito associados ao Brasil.

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A Constituição vai conceder também cidadania portuguesa aos escravos libertos, isto é, tinham
direito de voto e também direito a serem eleitos deputados, exigindo-se que tivessem nascido em
colónias ou ex-colónias portuguesas. A questão da escravatura em si, vai ser deixada de parte,
até porque, o império português assim como tantos outros viva essencialmente do comércio
negreiro e da mão-de-obra escrava.

A nível militar, foram excluídas as ordenanças em 1821, atitude que não resolveu de todo o
problema do recrutamento militar e, ainda contribuiu para o descontentamento de milhares de
antigos oficiais das ordenanças ao vintismo, algo que se irá refletir, no desenrolar dos
acontecimentos, num futuro próximo. Em 1823, é criada a Guarda Nacional, que apenas
chegaram a ser organizadas em Lisboa e em alguns centros urbanos.

Posteriormente, D. João VI vai regressar a Portugal, ainda que contrariado e vai jurar a nova
Constituição, concluída a 1 de outubro de 1822. Contudo, a Constituição vai levantar o
desagrado, sobretudo, da rainha D. Carlota, que não a vai aceitar. Para trás ficou o herdeiro, D.
Pedro, que mais tarde, em setembro 1822 vai auxiliar na proclamação da independência do
Brasil.

Anos mais tarde, Alexandre Herculano vai acusar a Constituição de 1822, de “«rodeara o trono
de instituições republicanas»” (Pinto & Monteiro, 2019, p.59). Outros, como Francisco Trigozo,
um conservador, considerava que “com a Constituição, «a facção liberal pretendia
expressamente aniquilar o poder Real” (Pinto & Monteiro, 2019, p.60). Esta visão de extremos,
leva os autores a concluir que, a Constituição tinha um caracter moderado, havia respeito pelas
institucionais tradicionais, nunca poderia ser assumida como republicana e, muito menos, como
«jacobina». De facto, nunca foi do seu interesse aniquilar o poder do monarca.

Entretanto, vai surgir no país uma onda antiliberal e contrarrevolucionária, de indivíduos que
defendiam as estruturas do Antigo Regime e, não estavam de todo satisfeitos com o vintismo. A
primeira manifestação contrarrevolucionária, surge no Norte, em Vila Real, onde a 23 de
fevereiro de 1823, o filho do primeiro conde de Amarante (seu pai, Francisco da Silveira, já
havia tentado resistir ao vintismo), conjuntamente, com um grupo de apoiantes, interrompe uma
procissão e dá vivas ao rei absoluto e «morras» à Constituição. Esta manifestação não surtiu o
efeito desejado, até porque não angariou adesão militar significativa e, acabou derrotada pelas
forças liberais.

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No entanto, esta revolta, foi o ponto de partida para a difusão e consolidação da ideia de
contrarrevolução, que se viu reforçada com o regresso de D. Miguel do Brasil, agora promovido
a dirigente da contrarrevolução. Os miguelistas, viam os liberais como “«um punhado de
insectos destruidores da Santa Religião, do Trono e da Pátria», identificados com os «franco-
maçons», inscrevendo-se a sua atuação no ciclo aberto pela «França revolucionária» e pelos
«jacobinos».” (Pinto & Monteiro, 2019, p.64).

O que é certo é que o aumento da agitação contrarrevolucionária, conjuntamente com os


problemas decorrentes da independência do Brasil, as dificuldades do novo regime em melhorar
as condições económicas e financeiras do país e, o alvoroço que a intervenção francesa em
Espanha, com o objetivo de restabelecer a monarquia absoluta, causou em Portugal, são aspetos
que contribuíram para o fim do primeiro período liberal em Portugal.

Mas o acontecimento decisivo foi, a deslocação de D. Miguel a Vila Franca (Vila-Francada),


com um grupo de militares, com o objetivo de restaurar o absolutismo. Os liberais contavam
com o coronel Sepúlveda para defender a situação, mas a manifestação revelou-se indomável, e
a força militar foi-se juntando ao infante, incluindo Sepúlveda. Por fim, o próprio rei D. João VI
também se uniu. Assim, terminava a primeira experiência liberal portuguesa.

Posteriormente, foi implementado um regime moderado em Portugal, personificado na


personagem de D. João VI, que prometera conceder um novo texto constitucional, que nunca
chegou. A suavidade do novo governo, estava longe de agradar aos conservadores da
contrarrevolução, essencialmente, o infante D. Miguel, que ambicionava a restauração do
absolutismo no país. A ideologia antiliberal, colhia cada vez mais adeptos, incluindo, a própria
rainha D. Carlota Joaquina.

A 30 de abril de 1824, o infante vai sequestrar o seu pai (D. João VI) no paço da Bemposta, vai
mobilizar forças para o Rossio e proceder a uma série de detenções de simpatizantes e
defensores do liberalismo (dos mais variados grupos sociais, tanto da elite como, militares ou
intelectuais). Dias depois, o monarca é resgatado e, vai partir para o exílio, em Viena de Áustria.
Acabando por falecer no exílio.

A CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826

D. João VI, faleceu em março de 1826, deixando a regência à infanta Isabel Maria, sua filha, que
reconheceu, imediatamente, D. Pedro, imperador do Brasil, como rei de Portugal. Este, por sua
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vez, renunciou ao poder em nome da sua filha, Maria da Glória (rainha D. Maria II), e outorgou
em abril de 1826, a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa. Esta, era inspirada na
Constituição Política do Império do Brasil, outorgada por D. Pedro em 1824.

A Carta Constitucional de 1826 estipulava “o governo como «Monárquico, Hereditário e


Representativo»” (Pinto & Monteiro, 2019, p.66) e, introduziu aquilo que podemos chamar de
poder moderador do rei, conferindo-lhe direito de veto sobre as decisões das câmaras, detentoras
do poder legislativo. O sistema era então bicamaral, composto por uma câmara de deputados
eletiva e uma câmara de pares hereditários de nomeação régia, para a qual vão ser selecionados
bispos, duques, marqueses, condes e viscondes, isto é, indivíduos da elite.

O texto constitucional, determinava também aqueles que tinham direito de voto, distinguindo-se
entre cidadãos ativos e passivos, dos quais, os ativos poderiam participar nas eleições, caso
cumprissem uma série de requisitos “(100 mil réis de rendimento anual, alcançado por cerca de
um quinto dos cabeças de fogo/ «chefes de família», que podiam votar nas assembleias
paroquiais).” (Pinto & Monteiro, 2019, p.67).

Esta, definiu também a dimensão territorial de Portugal, bem como o seu governo e religião. O
Reino de Portugal, incluía o Algarve e as pretensões na Ásia e em África, agora excluindo-se o
Brasil, independente desde 1822, “definição do «reino de Portugal, Algarves e seus domínios» e
«seu território, governo, dinastia e religião». Os territórios do «reino» deixavam, naturalmente,
de incluir os da América (o Brasil também desaparecia da designação), mas continuavam a
abranger os da Ásia e os de África.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.67).

Em nenhum ponto da Carta, era referida a questão da soberania popular, no máximo, aquilo que
D. Pedro determinou é que “«Os Representantes da Nação Portuguesa são o Rei e as Cortes»,
lido, em geral, como uma afirmação de dupla soberania, do rei e da nação.” (Pinto & Monteiro,
2019, p.67). D. Pedro, exigia ainda que a Carta Constitucional fosse jurada pelas três ordens
sociais, ou seja, clero, nobreza e terceiro estado.

A nível interno, a situação era complexa, marcada pela instabilidade política, existindo uma
forte divisão entre liberais e absolutistas, aparentemente, a Carta Constitucional era uma
tentativa de conciliação entre as partes, embora os absolutistas não a tenham encarado dessa
forma. Contudo, foi o texto constitucional de mais longa duração na história portuguesa, pois,
não obstante duas interrupções, vigorou entre 1826 e 1910.
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A corrente contrarrevolucionária, que angariava cada vez mais adeptos, não deu descanso aos
liberais, e as manifestações eram recorrentes. Começaram, sobretudo, na Beira Alta, Trás-os-
Montes, Minho, Vila Real e Algarve. Locais onde se formaram forças de guerrilha, que
atentavam, frequentemente contra os liberais. Embora as manifestações fossem derrotadas, a
verdade é que esta semente miguelista se implantou, nos territórios e se foi intensificando ao
longo dos anos. Perante tal situação, as forças britânicas foram chamadas a intervir no país, mas
a sua atuação foi pouco significativa e, retiram-se rapidamente.

Quanto aos liberais, eram uma pequena minoria nesta altura, com grande expressão nos centros
urbanos e em algumas áreas rurais, sobretudo no Douro. Tentaram efetivamente defender-se das
forças conservadoras, ainda que com alguma dificuldade. E, foram formados batalhões de
«Voluntários de D. Pedro IV», que respondiam, em parte, aos miguelistas, que já denominavam
as suas guerrilhas de «Batalhões de Voluntários Realistas».

Embora alguns pensassem que a esta altura já havia uma divisão entre partidários da
Constituição de 1822 e da Carta outorgada, a verdade é que não havia nenhuma fratura, esta só
irá surgir mais tarde, por volta de 1834.

Os miguelistas, eram apoiados por diferentes camadas sociais, desde militares, passando pelo
clero e a nobreza. Que defendiam as estruturas do Antigo Regime, essencialmente, a sociedade
de ordens e as suas instituições. Para estes, o poder nunca poderia partir da soberania da nação,
mas sim, da figura do poder real, que concentrava em si todos os poderes e os aplicava
despoticamente (apelavam à legitimação do poder real, com base no tradicionalismo e respeito
pela história). Consideravam que, para que fosse possível restaurar o absolutismo em Portugal,
era necessário acabar com a ideologia liberal, que em certa medida, se viu influenciada pela
Revolução Francesa de 1789.

D. Miguel, jurou a Carta Constitucional logo em 1826, de facto, este tinha o intuito de regressar
ao reino e se casar com a sobrinha, Maria da Glória (rainha D. Maria II), a favor de quem D.
Pedro renunciara o trono. Algo que viria a acontecer, o trono ficou então entregue a D. Miguel
de 1826 a 1834. Naturalmente, o novo monarca, enquanto conservador e tradicionalista que era,
embora tenha jurado a Carta, dá de imediato sinais de violar as suas determinações, ao dissolver
as Cortes. Como esta dissolução, gerou agitação entre a população, o monarca voltou a convocá-

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las, mas agora, à maneira tradicional, por ordem (clero, nobreza e povo), o seu objetivo com a
mesma, era que estas o aclamassem rei.

Relativamente ao governo de D. Miguel, pelo país à data da sua tomada de posse, os partidários
de D. Maria II, apelavam ao conceito de legitimidade, para estes, o direito ao trono era de D.
Pedro e sua filha. Mas a verdade é que a ausência do monarca conduziu o país à ascensão de D.
Miguel. Mouzinho da Silveira, em 1831, expressou que não possuía uma ideia muito clara e
objetiva acerca da questão da soberania popular, mas demonstrou que o regresso de D. Pedro a
Portugal era uma necessidade, “Mouzinho queria, nessa altura, que «D. Pedro viesse» e se
fizesse Napoleão… em nome da liberdade civil.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.69).

O GOVERNO MIGUELISTA

O governo miguelista, vai prolongar-se de 1828 a 1834, como já vimos anteriormente, existia
uma forte instabilidade política interna, associada às divergências entre liberais e absolutistas,
que tende a intensificar-se com a ascensão de D. Miguel ao torno.

Este, vai implementar uma política de perseguição e repressão aqueles que simpatizem com as
ideias liberais, servindo-se do seu exército de homens, denominado «Batalhões de Voluntários
Realistas». Embora, os liberais, concentrados, sobretudo, a Norte, tenham arranjado tropas para
se defenderem, estas não foram suficientes, perante a intensidade das atuações miguelistas. A
situação tonou-se de tal modo insustentável, que muitos foram os liberais que embarcaram para
o exílio. Os que optaram por ficar no país, foram perseguidos e grande parte deles, acabou
mesmo por ser preso, “é seguro afirmar-se que o número de presos e fugidos foi superior a 20
mil, numa população de três milhões de habitantes.” (Pinto & Monteiro, 2019, p.72).

Podemos ainda determinar que os liberais eram um grupo, em certa medida, heterógeno.
Apoiado tanto, por militares, como algum clero secular, artesãos, empregados e funcionários,
negociantes, e profissões liberais. Os liberais eram, pois, urbanos e letrados na sua maioria.
Contrariamente, os miguelistas, eram essencialmente nobres, que beneficiavam com as
estruturas do Antigo Regime, sendo que, grande parte deles era deputado na Câmara dos Pares.
No entanto, alguns nobres apoiavam a causa de D. Pedro e ansiavam pelo seu regresso.

Dentro dos próprios apoiantes de D. Miguel existiam diferentes conceções de Estado, alguns
eram mais moderados, como por exemplo, o visconde de Santarém e o duque de Cadaval,

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outros, eram extremamente mais radicais, como o conde de Basto, que defendiam os ideias
absolutistas e não estavam dispostos a fazer qualquer tipo de cedência.

A nível externo, o regime miguelista era considerado ilegítimo, isto é, as potências


internacionais não o reconheciam como monarca legítimo, sobretudo a Inglaterra. Aliás o
próprio governo, era visto como um regime violento e até terrorista.

A GUERRA CIVIL E A REVOLUÇÃO LIBERAL

Perante a conjuntura expressa anteriormente, em 1831, D. Pedro é forçado a abdicar em favor do


filho ao Império do Brasil, vindo para a Europa, onde, após muitas hesitações, acabou por
aceitar dirigir a causa liberal. Chegando aos Açores em 1832, de facto, a ilha Terceira nos
Açores era a única parcela do território da monarquia que não reconhecia D. Miguel.

É precisamente, deste local que partem as tropas liberais, que desembarcaram em julho de 1832,
perto do Porto, ocupando a cidade. Acabaram cercados pelas tropas miguelistas e, a situação iria
manter-se desfavorecida para os liberais até ao verão de 1833, quando Charles Napier (inglês) e
a sua quadra militar, vieram em auxílio dos liberais, entrando pelo Algarve e tomando Lisboa
em julho de 1833.

A guerra civil iria durar ainda mais um ano, terminando em 1834. Marcada por confrontos entre
as tropas miguelistas e liberais, acabou com a assinatura da Convenção de Évora-Monte (1834).
Sendo D. Miguel foi afastado de cena política e partindo para o exílio.

Mouzinho da Silveira

Quando D. Pedro chega à Europa após abdicar do trono brasileiro em favor do seu filho, e aceita
liderar a causa liberal, vai chamar Mouzinho da Silveira para o seu conselho. Um liberal,
defensor da Carta Constitucional de 1826, que assim como muitos outros simpatizantes da
ideologia, procuraram o exílio durante o violente período de governação miguelista.

Mouzinho desempenhou um grande papel, no que toca à legislação política liberar,


“influenciado pela economia política de Adam Smith e, secundariamente, pelo liberalismo dos
«doutrinários» franceses” (Pinto & Monteiro, 2019, p.75), vai promover uma série de reformas
no país, com vista a criar os alicerces de uma nova sociedade liberal, rompendo por completo a
velha sociedade e instituições do Antigo Regime.

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Primeiramente, Mouzinho identificava que a independência do Brasil, modificava por completo
a realidade económica de Portugal, um país que viveu durante um longo período, do
imperialismo e do comércio de escravos. Assim, era necessário criar uma forma de sustento.
Isso implicava, eliminar os privilégios e direitos do clero e da nobreza, essencialmente, o dízimo
e os direitos de foral, abalando o feudalismo, algo que libertaria a terra e, por sua vez, os
camponeses de pesadíssimas rendas, agora mais disponíveis para investir na produção. Por outro
lado, terminar com as corporações era também importante, já que a associação corporativa
condicionava e restringia a atividade económica, “«o liberalismo moderno é cousa muito
diferente; ele não consiste nos privilégios das cidades, nem no espírito das corporações…”
(Pinto & Monteiro, 2019, p.76).

A situação financeira, era também complexa, e Mouzinho vai criticar o endividamento, de facto,
para adquirir bens ou suportar as despesas do reino e, sobretudo, da Corte, realizavam-se
empréstimos a juro. Ora, somando o pagamento dos empréstimos à isenção de impostos das
classes privilegiadas, o resultado seria negativo. Acabar com os privilégios, seria grande parte
da solução para o problema.

O texto faz ainda alusão aos direitos fundamentais dos cidadãos, mencionando a questão da
opinião, o que me leva a associar à liberdade de expressão, “«É preciso que dentro em pouco
tempo a Europa seja governada pela opinião»; se assim não fosse, seriam «reduzidos ao governo
despótico…” (Pinto & Monteiro, 2019, p.77). Ainda que, esta análise tenha algumas ressalvas,
já que Mouzinho acreditava em governos fortes e isso se traduziu no apoio ao poder moderador
do monarca, introduzido em 1826.

Por último, é mencionada a reforma administrativa, uma das maiores conquistas de Mouzinho,
naturalmente, influenciada pela reforma administrativa napoleónica. Esta, determinava a total
separação entre poder judicial e poder administrativo, desde a Idade Média, que as câmaras
municipais possuíam o poder judicial, este passou agora para as mãos dos tribunais de comarca,
então criados. Relativamente, à administração, determina-se que “as câmaras passarão a ser
tuteladas por um provedor de nomeação governamental, ligado a uma cadeia hierárquica que
inclui o subperfeito e o perfeito (ao nível da província), para culminar no ministro do reino.”
(Pinto & Monteiro, 2019, p.77). Foi graças a esta reforma que em 1834, se passaria de mais de
oitocentos para menos de trezentos municípios. Por fim, esta legislação administrativa de 1832,
iria manter-se até 1976, ainda que com algumas mudanças ao longo dos tempos.
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Concluindo, foi durante a guerra civil (1832–1834), que opôs liberais e absolutistas, que se
publicou a maior parte da legislação liberal que atingiu as estruturas do Antigo Regime.

A Construção Nacional: 1834-1890

Rui Branco

O SEGUNDO LIBERALISMO (1834-1851)

INTRODUÇÃO: UMA REVOLUÇÃO E DUAS CONSTITUIÇÕES

Seis meses antes das Cortes constituintes abrirem os seus trabalhos a 1821, na Proclamação aos
portugueses, a Junta do Governo do Reino apresentara as justificações para a rebelião do
exército no Porto: administração mal feita por homens que se diziam patriotas, mas cujo amor á
pátria era sacrificado pelo seu egoísmo. O país viu-se com o seu comércio, a sua indústria, a sua
agricultura e a sua Marinha a definhar. Foi alvo da influência espanhola, do desagrado burguês
com a abertura dos portos brasileiros e o tratado com Inglaterra, vítima de uma grande
humilhação e sentimento de abandono quando o Rei decidiu fugir de Portugal e quando o Brasil
foi elevado a reino. Os excessos ingleses no exército e na Regência portuguesa, incendiavam os
revoltosos que desejavam a convocação das Cortes para adotar uma Constituição.

O manifesto político deste sentimento de revolta, porém, apresentava-se como um “episódio


regenerador que visava restabelecer as antigas instituições nacionais, embora adaptadas aos
novos tempos” (p.81). Pretendia-se consagrar a soberania nacional, constitucionalizar a garantia
de direitos, reduzir o poder do Rei, excluir os “Grandes” da representação política e autorizar
um livre debate sobre a religião. Sendo assim, esta futura Constituição alterava a ideia da
monarquia, contrastando um regime absolutista com um regime constitucional representativo de
cunho parlamentarista, situado no campo do liberalismo.

A Revolução de 1820 marca um momento histórico na História de Portugal, como o século em


que o povo é incorporado no espaço da soberania e em que a comunidade política sofre grandes
mudanças. Sendo que o povo (a Nação) é colocado como o proprietário da soberania, é
necessário que passe a haver outras regras na representação política. A unidade representativa
deixa de ser a família, a propriedade ou a corporação, para passar a ser o individuo, através de
assembleias nacionais eletivas. O vintismo, no entanto, desde cedo que nota que a nação,
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pobre/rural/analfabeta/devota, ainda era a do Antigo Regime. A autora Fátima Bonifácio
inclusive explica que que a Revolução em Portugal não resultou do “amadurecimento intelectual
e político para formas de consciência e ação coletivas” pois faltava uma opinião iluminada que
era capaz de criar uma crise de legitimidade ao absolutismo em nome de princípios como
soberania nacional e igualdade cívica. Se existia uma intelectualidade liberal e certos interesses
económicos e sociais que desviavam as classes média e alta para o liberalismo, faltava existir
uma sociedade adequada onde se pudesse construir esse sistema liberal. É por isso, que o
liberalismo vai ser marcado por uma contradição entre a procura das elites liberais/radicais por
introduzir sistemas avançados num país sem uma base social/cultural/económica adequada, o
que traz como consequência um Estado liberal que enfrenta desafios enquanto tenta atingir
objetivos “para além da sua capacidade institucional e infraestrutural” (p.83).

A Constituição de 1822 vai assentar no princípio representativo democrático, de que a soberania


está na Nação e é exercida pelas Cortes através de representantes legalmente eleitos. A
monarquia é então limitada por essa soberania nacional que garante uma separação de poderes
(o legislativo é entregue às Cortes, o executivo é entregue ao Rei e secretários de Estado, e o
judicial é entregue aos tribunais). O rei tem um papel secundário, com um caráter específico e
limitado nas suas competências enquanto Chefe de Estado e do Executivo, e apenas podendo
suspender o trabalho das Cortes. Os princípios democrático e monárquico vivem juntos, mas
confronta-se entre si, com o texto vintista a suscitar oposição tanto dos elementos reacionários
leais ao absolutismo da antiga ordem, como dos elementos do campo liberal, atraindo a oposição
dos mais moderados.

Após tentativas contrarrevolucionárias a 1823, D. João VI vai prometer uma constituição


moderada que “salvaguardasse o direito de veto absoluto e concedesse à aristocracia um assento
numa Câmara dos Pares a criar em complemento da Câmara Baia” (p.84). Assim foi a Carta
Constitucional de 1826, que vigorou até 1910 (embora tenha sido revista nos períodos de 1828,
1834, 1836 e 1842).

A Carta era certamente mais moderada que a Constituição, refletindo um conservadorismo


“contra a promulgação de constituições a partir da assunção do poder constituinte pela Nação
através de assembleias eleitas por sufrágio popular” (p.84). O poder constituinte passa a decorrer
do princípio monárquico, mas é moderado pelo princípio representativo que considera como
representantes da Nação, o Rei e as Cortes, o que excluía o princípio da soberania nacional. A
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Carta também defende uma divisão de poderes, introduz o poder moderador e consagra o
bicameralismo (regime em que o Poder Legislativo é exercido por duas Câmaras, a Câmara dos
Deputados e a Câmara dos Pares, que juntas formam as Cortes). O poder executivo é entregue
ao Rei e aos seus ministros, e o poder judicial está entregue aos tribunais. Ao Rei cabe-lhe o
direito de sancionar as leis (veto absoluto), de convocar e adiar Cortes, de dissolver a Câmara
dos Deputados, de nomear ou demitir os ministros e designar pares. O sufrágio quase universal
da Constituição é substituído pelo sufrágio censitário restrito de tipo indireto, que pedia um
certo rendimento anual para os homens terem capacidade de votar. (para ver mais informação
sobre isto, como os rendimentos que pediam, está na página 85).

A Carta vai alargar o apoio ao regime monárquico constitucional às classes privilegiadas


tradicionais (nobreza, aristocracia e Igreja), aos proprietários e aos burgueses. As Cortes
acolhiam a representação e participação no processo político da riqueza fundiária (nobreza e
aristocracia) e mobiliária (burguesia comercial e industrial), sendo mais liberal do ponto de vista
económico do que do ponto de vista político. A proteção constitucional do caráter hereditário da
nobreza e da divida pública, constitui-se como uma garantia de classe da nobreza e burguesia.

A POLÍTICA

O DESFECHO LIBERAL DA GUERRA CIVIL

Apesar de D. Pedro ter imaginado a Carta como sendo uma solução conciliadora, a verdade é
que suscitou mais intolerância do que compromissos. Os primeiros conflitos, entre liberais e
miguelistas, levaram a uma guerra civil. Após o desfecho liberal da mesma, a 1834, dá-se outra
entre liberais moderados e avançados, havendo exigências como a redução de poderes não
eletivos, a subordinação do governo ao Parlamento e a restrição dos privilégios do soberano.

D. Miguel chega a Portugal a 1828, após jurar a Carta. Pouco depois, dissolveu as Cortes
liberais, aclamou-se Rei de Portugal, D. Miguel I, nas Cortes antigas e rasgou os seus
juramentos à Carta e a D. Pedro, seu irmão. A restauração miguelista vai ser brutal na sua
repressão, causando milhares de prisões e castigos de exilio. “ A plebe, enquadrada em
relações de parentesco e de patrocinato, dependente da grande nobreza e das instituições
eclesiásticas”, aplaudiu D. Miguel, que se apresentava como uma figura popular, em contraste
com os liberais, considerados “pedreiros livres, ateus, e inimigos da nação” (p.86).

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O conflito armado entre liberais e absolutistas dá-se no período entre 1828 e 1834, por todo o
país, e com uma intensidade ascendente. Nos Açores (Ilha Terceira), após o levantamento do
bloqueio britânico de 1829, o número de reforços liberais vai aumentar, e a derrota miguelista
neste território vai permitir que os liberais formem uma base permanente nos Açores. D. Pedro
IV, após abdicar da Coroa brasileira a 1831, vai aos Açores assumir a chefia da causa liberal no
nome da filha, e pouco depois dirige-se para o continente europeu. O exército liberal entra em
Lisboa a 1833, e durante um ano o país assiste aos conflitos, que acabam na derrota miguelista,
talvez devido ao seu enfraquecimento causado pelo isolamento internacional que a Quádrupla
Aliança (Espanha, França, Inglaterra e os liberais) provocou.

Com o fim da guerra civil, o regime liberal vai notar que, sendo pouco mais que uma ocupação
militar, não tinha autoridade suficiente para impor novas leis e uma nova ordem. A Carta é então
adotada, D. Maria II sobe ao trono e o governo português é entregue ao duque de Palmela e ao
círculo de próximos de D. Pedro IV. Este novo regime vai conhecer conflitos internos
provocados pela Igreja, pela alta magistratura, pela boa parte da aristocracia titular e pela
fidalguia rural (miguelistas), e por outros que fossem ainda contra o liberalismo.

“Se a Carta agradava as velhas e novas (liberais) classes privilegiadas, existia entre estas e os
partidários da Constituição, entre moderados e avançados”, uma figura irremediável “a respeito
da legitimidade do poder político” (p.87). As oposições políticas nunca reconheceram aos
governos legitimidade, até ao Ato Adicional de 1852, pois era o Rei que mandava no Estado,
arbitrando a política portuguesa. O monarca basicamente escolhia o partido governante, e não o
povo que votava nas urnas. As eleições metiam a votos o partido que o monarca chamava a
governo, depois de instalado o governo manipulava eleições e “fabricava uma câmara sua que
complementava com fornadas de pares que obtinha do monarca”. Acusando a Coroa de
parcialidade ou “fação”, os avançados e moderados, para conseguirem aceder ao governo, entre
1834 e 1851 procuraram meios extraconstitucionais (apelaram ao povo, ao exército ou a ambos
para sucessivos golpes e revoltas que geraram vários conflitos civis.).

A morte de D. Pedro a 1834, levou á subida ao trono, D. Maria II com apenas 15 anos. Entre
1834 e 1835 houve 5 governos, caracterizados como cartistas e liderados por amigos do falecido
monarca. Os primeiros governos liberais deliberaram importantes decisões, que foram também
polémicas: a lei das indemnizações que ditava o confisco dos bens dos miguelistas, levantou
protestos e acusações de violação do direito de propriedade, de alimentação da injustiça, de
23
favoritismos e invejas; a venda em hasta pública das terras e casas expropriadas aos conventos
(bens nacionais), foi um desapontamento pelo seu pequeno impacto financeiro e pela
“concentração oligárquica de propriedade que produziu” visto que, na sua maioria, os
compradores eram nobres, burgueses (comerciantes, fabricantes, negociantes e financeiros) e
funcionários públicos (dos quadros médios e superiores da administração civil/militar,
magistrados, professores, pares do reino, ministros e deputados). Esta última decisão, portanto,
acabou por criar uma elite nova, com os grupos sociais favorecidos pelo regime e que formavam
o apoio político/social ao liberalismo, ao invés de espalhar a propriedade pelas massas
populares.

A REVOLUÇÃO DE SETEMBRO 1836 E A CONSTITUIÇÃO DE 1838

A 1836, a população politizada de Lisboa juntamente com a Guarda Nacional, fizeram um


acordo com os notáveis do “partido popular” e realizaram uma revolução que afastou os cartistas
do poder e forçou a Rainha D. Maria II a restaurar a Constituição de 1822. Este movimento
setembrista, cujas principais figuras foram Passos Manuel e Sá da Bandeira, teve uma dimensão
bastante reformadora: vai reformular o ensino primário/secundário/superior, militar e artístico;
cria liceus e escolas politécnicas; incentiva o comércio defendido pela pauta aduaneira, as
manufaturas e a importação de máquinas industriais; procura iniciar o caminho que levará à
extinção da escravatura nas colónias em África; elabora o primeiro Código Administrativo e
reintroduz as eleições diretas. Apesar das reivindicações populares radicais terem sido uma
grande ajuda ao setembrismo no início, foram estas que também “paralisaram” o seu
progressismo moderado.

O setembrismo moderado vai traçar uma linha entre a Carta e a Constituição, procurando criar
um campo neutro que pacificasse todos os lados: afirma novamente a soberania nacional;
estabelece o sufrágio direto, diminui o censo eleitoral para eleitor e apaga o poder moderador
embora acabe criando uma segunda câmara de senadores, e expandindo os poderes do monarca.
As pretensões de neutralidade e paz, porém, não foram alcançadas.

Embora fosse de certa forma “popular” por ter reafirmado a soberania nacional e ter retirado um
assento natural à nobreza na segunda Câmara, a Constituição de 1838 ainda não satisfazia o
radicalismo pois também tinha garantido a permanência de certos poderes do monarca, como o
veto absoluto, e por ter expressado “uma conceção de monarquia liberal assente na aliança entre

24
a Coroa e a burguesia” (p.89). A oposição cartista nunca aceitou verdadeiramente o
setembrismo, nem esqueceu a humilhação da qual a rainha foi alvo após ser forçada a restaurar a
Constituição, e por isso sempre desejou repor a Carta embora se dividisse sobre como e quando
o fazer (havia alas mais moderadas do que outras).

O projeto da Constituição de 1838 sofreu um golpe a maio de 1838, quando nas ruas lisboetas se
seguiu um episodio sangrento que opôs a tropa de linha às guardas nacionais. As sucessivas
revoltas levaram ao governo, que desde novembro de 1839 tinha elementos cartistas, a deslizar
para o autoritarismo, focando-se mais na ordem pública. Entre todas as figuras, vai-se ressaltar a
do ministro da Justiça, António Bernardo da Costa Cabral, que vai assumir a liderança política
dos cartistas.

CABRALISMO E “MARIA DA FONTE” (1842-1846)

A Carta de 1826 vai ser restaurada por um pronunciamento militar dirigido por Cabral, a 1842
na cidade do Porto, que deia ao duque da Terceira a Presidência do governo. O novo governo
faz eleições, como o costume, e sem surpresa consegue que lhe seja devolvida a maioria,
permitindo uma governação que vai acabar por ser chamada de tirania. Este pronunciamento e a
restauração da Carta, vai representar o regresso dos setores mais moderados e conservadores
para o centro politico e administrativo, afastando o ciclo que desde 1836 se repetia, onde as
fações do campo avançado, fazendo uma nova Constituição, se substituíam de forma contínua.

Recusando a esquerda moderada e o radicalismo nos clubes políticos da capital, o programa do


cabralismo defendia a doutrina “Carta, Ordem e Progresso”, defendendo que a monarquia devia
ter liberdade através da ordem (legalismo extremado e exclusivista). Este programa vai reprimir
os extremos políticos: o radicalismo (requeria muita firmeza, visto que, por vezes, era necessário
fazer acordos e alianças táticas com o partido miguelista) e o miguelismo (mostrasse ativo nas
guerrilhas que ocorrem no Minho e Trás-os-Montes, desde a Guerra Civil).

No plano da dinâmica do sistema do governo, o Cabralismo decidiu prevalecer o poder régio


sobre todos os outros poderes, já no plano das políticas públicas decidiu apostar na
“modernização e reforma da Economia e Finanças, nomeadamente no fomento material e obras
públicas, e no reforço do poder administrativo e centralizador do Estado” (p.91). Os pontos de
apoio mais importantes do Cabralismo eram por isso, a burocracia, a riqueza e o exército, e os
seus processos eram a centralização e a oligarquia. O cartismo não mostrava ser a conservação
25
da ordem social antiga, mas sim a conservação da nova hierarquia social, da aristocracia liberal,
daqueles que conseguiram enriquecer e subir na sociedade.

A 1844 o governo esmaga a revolta de Torres Novas que pretendia o regresso ao dos
setembristas, só para ser vítima de outra, a “Maria da Fonte”, apenas dois anos depois, enquanto
o governo mostrava-se enfraquecido por divisões políticas internas, pela divida pública e pelo
défice orçamental.

A Maria da Fonte foi grandemente provocada pelo lançamento de novos impostos e pelas novas
leis de saúde que obrigavam a que os enterros fossem feitos em cemitérios ao invés de no chão
das igrejas. A revolta rebentou no Minho, mas espalhou-se por várias regiões dos Trás-os-
Montes, Douro e Centro. Entre ataques a Cabral e “vivas” a D. Miguel, o povo atacou e destruiu
sinais do Estado: “quartéis, cartórios e repartições públicas, matrizes prediais e arrolamentos de
mancedos” (p.92). A revolta, não tendo uma liderança clara, agrupou antigos absolutistas e
miguelistas, radicais esquerdistas, moderados e até cartistas que eram contra os métodos
violentos do Cabralismo.

Para entender esta revolta inteira, vamos primeiro analisar as linhas de força do protesto no
Minho. Primeiramente note-se que ele se insere numa das camadas fundamentais da politica no
período contemporâneo, “a que opõe o impulso que, no centro, procura erguer um Estado
nacional às resistências montadas pelas comunidades locais e periféricas assim como pelos
privilégios da sociedade de ordens de Antigo Regime, cuja dinâmica antecede o liberalismo,
podendo ser recuada ao reformismo pombalino” (p.93). Segundo, integra a conjuntura do
reformismo construtor do Liberalismo, dissolvente de privilégios corporativos senhoriais, da
Igreja e municipais, e instituidor de um novo conjunto de relações modernas nos planos
político/administrativo/económico, cuja dinâmica remonta a 1834 e se estende para lá da Guerra
da Patuleia (1847), voltando a aflorar na segunda metade do século XIX. Neste caso, a revolta é
tão dirigida ao agravamento fiscal (para financiar a construção de estradas) como é dirigida à
crescente marginalização das câmaras no processo do lançamento/repartição/cobrança da
décima a favor do Ministério da Fazenda, resumo de um governo centralizador, distante e tirano.
Esta oposição entre local e central reemerge na oposição entre campo e cidade. A revolta vai
clamar pela antiga ordem municipal, contra o centralizador Código Administrativo de 1842 e
contra a extinção das Companhias das Ordenanças (importantes para a tradicional organização
concelhia e palco de afirmação para as elites locais). Esta revolta da Maria da Fonte resulta
26
numa “conjugação negativa de vontades políticas contra o liberalismo musculado de Cabral,
que, objetivamente, coligava radicais e legitimistas contra a rainha, a Carta e o governo” (p.93).

A GUERRA CIVIL DA PATULEIA E O REGRESSO DE COSTA CABRAL

(1846-1851)

Quando o governo tentou responder às guerrilhas da Revolução do Minho, as suas vitórias


foram fracas e passaram, e eventualmente o ministério caiu e Cabral acabou exilado em
Espanha. Palmela é chamado a formar governo enquanto o país se encontrava em contante
radicalismo, aumentado cada vez mais pelo Verão de 1846, com as sucessivas remodelações
feitas. Com o aumento do radicalismo, aumenta também os receios de D. Maria II de que as
novas Cortes fossem forçar a sua abdicação do trono português. Nesse ano a rainha demite o
governo e chama o duque de Saldanha para formar um novo ministério, sem informar o chefe de
governo, o duque de Terceira, o que vai fazer com que este gesto seja interpretado como um
golpe palaciano de Estado.

Pouco depois forma-se uma Junta de Governo, no Porto, hostil a Saldanha. A guerra civil que se
segue ficou conhecida por Patuleia e terminou a 1847 graças à intervenção britânica e à entrada
do exército espanhol em Portugal, o que quebrou o impasse militar (selado com a Convenção de
Gramido de 1847). Um novo governo moderado e apartidário é formado (como exigiam os
temos da intervenção anglo-espanhola) e liderado por Saldanha, “sobre o qual pairava o espetro
de Costa Cabral” (p.94). As eleições que vão ocorrer no final desse ano confirmam o regresso
deste último ao poder (convidado pela rainha a substituir Saldanha), o que forçou Saldanha a
“remodelar em seu favor, mas sem nunca lhe ceder a presidência” (p.95).

A 1848 começa o surto revolucionário, que teve a sua origem em Paris, chamado de “Primavera
dos Povos”. Por toda a Europa, vários foram os países que viram o legitimismo ceder perante as
assembleias nacionais eleitas e o constitucionalismo, mas não perante o radicalismo ou o
republicanismo. Em Portugal a “Revolta das Hidras” (republicanismo radical) foi rapidamente
derrotada, visto que o país estava ainda completamente assolado pela recente guerra civil.

A derrota da “Primavera dos Povos” pela Europa vai destruir as forças de esperança do
radicalismo, e então Saldanha prepara uma vingança contra Cabral e intenta um novo golpe a
1851, a “Regeneração”.

27
O ESTADO

A HERANÇA DO ANTIGO REGIME E O PROGRAMA ADMINISTRATIVO DO


LIBERALISMO

A Revolução de 1820 elevou ao poder uma elite que acreditava na unidade da soberania, assim
como se fazia na monarquia absoluta, a diferença encontra-se na crença da origem dessa
soberania, a Nação. O programa liberal, portanto, “consagrou o monopólio da autoridade
pública do Estado e a realização dos direitos e deveres individuais, o que pressupunha a
redefinição do espaço político-administrativo e a criação de novas instâncias de poder” (págs. 95
e 96). Isto aconteceu, porém, num quadro de relações herdadas entre centro e periferia.

Ao principal magistrado na administração periférica da Coroa do Antigo Regime, o corregedor,


cabia-lhe a tutela da justiça e da política dos concelhos, estando afastado das áreas militar e
fazendo, o que significa que não lhe era possível demitir titulares de ofícios ou interferir
diretamente em matérias de governo. Este papel distinguia-o do cargo do intendant francês
(administração direta, capacidade de recrutamento militar, tutela da justiça e fiscalidade), mas
porquê essa diferença? O autor António Hespanha explica que na França, na Prússia e na
Áustria, a sua Coroa dependia quase exclusivamente das receitas internas do reino e por isso
tinha um interesse em organizá-lo e controlá-lo. Em Portugal, porém, o grosso das suas receitas
provinha dos direitos alfandegários cobrados sobre a reexportação de produtos coloniais.

O Liberalismo herdou por isso uma fazenda pública extremamente dependente das receitas
fiscais geradas pela reexportação dos produtos coloniais, não havendo alterações nas formas de
propriedade sobre a terra e respetivas relações fiscais. Como o Antigo Regime não procurava
mais rendimentos na fiscalidade interna, as rendas fundiárias de tipo foraleiro/dizimeiro eram na
sua maioria, recolhidas pelos senhores e pelo clero, e não pelo Estado (a cobrança dos dízimos e
dos direitos de foral representavam uma carga superior à dos impostos cobrados pela monarquia
no interior do reino). O atraso apresentado por Portugal na concretização de um monopólio
fiscais interno deixou heranças de subdesenvolvimento territorial/fiscal, e de uma fraqueza
política perante as elites fundiárias, que vai marcar o Liberalismo na dificuldade de
subordinação política das periferias ao centro, e na dificuldade de desempenho de tarefas
estaduais básicas (como o fisco e o recrutamento militar).

28
A Constituição de 1822 vai inovar com reformas administrativas: declara o “fim da
patrimonialização de cargos públicos, responsabilidade dos empregos públicos pelos erros e
abusos do poder e nova divisão administrativa” (p.97). Vai se criar uma administração em dois
graus, distritos e concelhos, sendo os primeiros dirigidos por um administrador geral (de
nomeação régia) que era auxiliado por uma junta composta por representantes dos municípios
(eleitos diretamente). Triunfa a posição descentralizadora: às câmaras (eleitas anualmente de
forma direta) cabem várias atribuições de governo económico e municipal, reduzindo-se os
poderes de tutela dos órgãos distritais, “embora percam o poder judicial em primeira instância,
que agora, segundo a boa ordem da divisão de poderes, compete aos tribunais” (p.97).

A “REVOLUÇÃO DE 34”

A 1832, Mouzinho da Silveira (ministro de D. Pedro), inicia reforma que vão provocar o fim do
Antigo Regime. É certo que algumas das medidas já eram debatidas há muito, e que a guerra
civil tinha criado uma oportunidade política para executá-las, pois eram uma forma de os
liberais atacarem os rendimentos e poderes dos “inimigos da Carta” (donatários,
desembargadores, clero, fidalgos, vereadores, oficiais das ordenanças).

Mouzinho procurou garantir a liberdade e a propriedade, o que implicava a reforma do Estado e


uma declinação da Carta em leis que tornassem o regime liberal irreversível. Estas leis tratavam
de efetivar garantias de propriedade individual; extinguir os dízimos à Igreja, abolir ordens
religiosas masculinas e secularizar os conventos; revogar as doações de bens da Coroa e os
direitos de foral, e extinguir o morgadio de rendimento até 200 mil réis; abolir antigos tribunais,
juntas e conselhos da Administração Central; entregar o poder de julgar das câmaras municipais
aos tribunais; eliminar as corporações de ofícios mecânicos; reiterar o fim do caráter patrimonial
dos cargos públicos; eliminar portagens e extinguir impostos sobre transações (exceto de bens
fundiários).

Estas reformas tratavam não só da dissolução da constituição fundiária do Antigo Regime, como
tratavam de dar estruturas à economia política liberal e capitalista: a propriedade individual
plena e transmissível era a base da economia; os fatores produtivos (terra, trabalho e capital)
devem ser “libertados”; o mecanismo de determinação do preço, do financiamento e alocação de
risco na economia, é a competição livre no mercado (só funciona de forma eficiente com
garantia da propriedade, liberdade económica e da extinção de barreiras ao livro fluxo

29
comercial). Apenas a autorregulação permite a eficiência/justiça no mercado, e a sua
subordinação política, típica do Antigo Regime, deve acabar. No Antigo Regime, o sistema
económico estava “submerso nas relações gerais da sociedade, sendo os mercados «um aspeto
meramente acessório num quadro institucional controlado e regulado mais do que nunca pela
autoridade social»” (p.99).

No Liberalismo, a relação entre Estado e Igreja é marcada pela subordinação da mesma ao


governo do poder civil devido ao enfraquecimento das suas bases materiais, da sua autonomia e
influência na sociedade portuguesa. Vendo-se despida de propriedades e recursos (devido à
dissolução dos seus conventos e mosteiros, da extinção do dízimo e da desamortização dos bens
da Igreja), a Igreja encontrava-se numa situação de dependência política face ao Estado. Apesar
disto, a desamortização apesar de anticlerical, não era anticatólica pois não colocava como
hipótese a separação da Igreja e o Estado. Em troca da extinção das ordens religiosas masculinas
e da perda da sua propriedade fundiária, a Igreja aceita a sua “nacionalização”, ou seja, “a
funcionalização do clero secular e o assegurar de vastas prerrogativas nos campos de ensino e
assistência” (p.100). Com este enquadramento do clero na administração, o regime liberal torna-
os pouco mais que funcionários públicos.

A nível local eram muito importantes: angariavam votos; moviam as influências políticas e
intermediavam a relação com a administração central (operavam em espaços comunitários e
concelhios como agentes dos partidos e fações políticas que competiam pelo poder). Foi nas
insuficiências do ensino e da assistência pública liberais, que a Igreja encontrou terreno para a
continuação do exercício da pedagogia e da caridade.

A dissolução de tradicionais relações fiscais, económicas, políticas, e de propriedade do Antigo


Regime pela “revolução de 34” vai resultar na reconfiguração das relações sociais de classe e
das relações políticas de poder no Estado (“revolução social”). As elites sociais e políticas
abrem-se para a acumulação da riqueza vinda de atividades económicas antigas ou novas,
protagonizadas por estratos sociais em ascensão (classe média ou burguesia), que vão aceder á
elite de governo e administração publica, cruzando-se, familiar e socialmente, com os setores
tradicionais aristocráticos, liberais ou convertidos.

ADMINISTRAÇÃO CENTRAL

30
A administração do Estado é entregada pela Carta, ao Rei e aos seus ministros, que exercem o
poder executivo sob a autoridade régia, podendo ser demitidos ou nomeados por ela. Os
secretários de Estado conduziam os seus negócios “através da Secretaria de Estado e das
instituições centrais e periféricas a elas subordinadas” (p.101).

O modelo polissinodal de governo é extinto para ser substituído pelo regime ministerial. A partir
dai toda a administração passou a ser dirigida e canalizada através de Secretarias de
Estado/Ministérios, os importantes órgãos da burocracia. A 1821, o governo português vai
passar a funcionar com as seis secretarias de estado (Reino, Fazenda, Justiça e Negócios
Eclesiásticos, Guerra, Marinha e Ultramar, e Estrangeiros) que compuseram a Administração
Central até 1851 (Regeneração). Entre as seis, as mais importantes eram o Reino e Fazenda
porque correspondiam a dois pilares importantes do poder na sua relação com a
sociedade/economia/território. O Ministério do Reino tinha o controlo político e administrativo
de todo o território (polícia, tutela municipal e processo eleitoral), e tinha competências
decisivas na regulação do bem-estar social (obras públicas, educação, saúde). O Ministério da
Fazenda era importante para o financiamento do Estado, visto ter a seu cargo as contribuições
fiscais: avaliava a riqueza sujeita a tributação, o elenco, o lançamento e cobrança de impostos.

As reformas liberais procuraram modernizar e racionalizar. Por um lado, “estabelece-se o duplo


princípio da diferenciação e centralização funcionais, dissociando as funções administrativas e
judiciais; por outro, hierarquizam-se competências e põe-se cobro aos particularismos
corporativos e à dispersão e autonomia jurisdicionais” (p.102). Disto é exemplar a administração
fiscal de 1849, onde se cria um aparelho periférico independente, organizado e hierarquicamente
subordinado a um só ministério, separando a administração civil e fiscal segundo a lógica de
crescente especialização das tarefas burocráticas estatais.

ADMINISTRAÇÃO LOCAL

Inspirados em Napoleão, os decretos de 16 de maio de 1832 e o de 28 de junho de 1833, vão


criar um dispositivo administrativo em três níveis, em cada um existindo um magistrado de
nomeação régia e com poder executivo. Este sistema hierarquizado e centralizador retirava aos
municípios a autonomia tradicional que normalmente tinham.

Esta situação obviamente vai ser denunciada pelas câmaras municipais, acusando a reforma de
ser excessivamente centralista. Atribuir ao provedor o poder de executar as decisões do órgão
31
deliberativo camarário eleito quebrava a “tradicional esfera de autogoverno municipal” (p.103).
Para melhor examinar esta questão é preciso pensar no contexto da guerra civil, em que os
liberais se confrontaram com o poder municipal miguelista. A esquerda parlamentar acusando os
prefeitos de serem “Reis da Província”, temiam a liberdade e concentração de poder que era
posta nas mãos destes, enquanto representantes do executivo nas províncias.

No final da guerra civil, estando dissolvidas as edilidades (conjunto dos vereadores de um


município) e realizadas as eleições municipais (ganhas pelos avançados em Lisboa e Porto),
verifica-se que a legislação centralizadora instigava a oposição da esquerda e dividia a direita.
As condições levam a um compromisso político que resultou na lei de 25 de abril de 1835 e no
decreto de 18 de julho de 1835 (criam o dispositivo administrativo contemporâneo, ou seja, com
distritos, concelhos e freguesias). É devolvido o poder executivo aos municípios, “num quadro
relativamente liberto de tutelas” (p.104), os corpos administrativos passam a ser formados por
eleição direta dos cidadãos (possuidores do censo exigido na lei), e tenta-se a integração das
paróquias no sistema administrativo, porém encontra-se uma resistência dos povos o que resulta
na não realização de eleições para as juntas de paróquia. A 1842, as paróquias deixam de fazer
parte deste sistema administrativo.

A legislação de 1835 enfraquece o poder central, reforça o municipal e potencia a intervenção


dos cidadãos, abrindo um ciclo descentralizador que o Código Administrativo de 1836 vem
depois confirmar. Este ciclo, porém, vai ser invertido desde 1840 com o argumento de que este
sistema dificultava o exercício da autoridade territorial do Estado. Em causa estava a garantia do
controlo territorial de um país inserido num contexto de resistências populares ao liberalismo, de
banditismo ativo e lutas ao regime a propósito da “expansão, modernização e controlo político
dos aparelhos estatais” (p.104). Este novo ciclo centralizador vai ter como referência o Código
Administrativo de 1842, e irá se prolongar até 1878. Assim está alterada a “forma de escolha
dos representantes do governo nas diversas divisões territoriais e apertada a tutela sobre a
atividade municipal” (p.105). O magistrado concelhio é escolhido pelo Rei e o regedor de
paróquia (que perde a qualidade de magistrado administrativo) é nomeado pelo governador civil
sob proposta do administrador de concelho. O administrador e o regedor têm poder executivo
sob as decisões dos corpos eleitos nas respetivas circunscrições. O leque de funções das câmaras
alarga-se.

FINANÇAS PÚBLICAS
32
A economia portuguesa dependia da prosperidade que o seu domínio colonial no Brasil, lhe
trazia. Portanto, não é surpresa que perder o Brasil tenha sido uma consequência muito má para
o país, principalmente a nível económico. O comércio externo vai se contrair, o total de
impostos cobrados diminuiu, mas as alfândegas e os impostos indiretos continuam a assegurar a
maioria das receitas (66%). O Liberalismo vai então ser marcado pela dependência dos impostos
indiretos, e pela sua fraqueza dos impostos diretos.

O período após a Guerra Civil vai conhecer a ação legislativa de Mouzinho da Silveira, um
politico que procurou substituir o sistema fiscal do Antigo Regime, libertando fluxos
económicos, modernizando a administração da Fazenda e a cobrança fiscal: a terra e o trabalho
são “libertados”, ou seja, são abolidos os morgadios, os forais e dízimo; os fluxos comerciais
são também eles libertados, dando-se a restrição da sisa à transmissão de imóveis, a eliminação
de portagens, a redução de direitos de exportação, e a eliminação dos privilégios da Companhia
do Alto Douro. Enquanto isto, os três sistemas de impostos do Antigo Regime (o senhorial, o da
Igreja e o do Estado) são substituídos por apenas um sistema público, centralizado e sob
orientação direta do poder executivo. A modernização da Fazenda dá-se com a substituição do
Erário Régio e da Junta dos Reis Empréstimos, pelo Ministério da Fazenda, pelo Tribunal do
Tesouro e pela Junta do Crédito Público.

A Guerra Civil “deixou uma herança de défices anuais financiados por sucessivos empréstimos”
(p.106), o que vai levar a uma dívida pública que, obviamente, se torna um grande problema
para o país. As administrações a partir de 1836 vão tentar diminuir a despesa pública pela
redução dos ordenados do funcionalismo, porém a dividia continua a aumentar. Na viragem do
meio século o país parece estar num bom caminho: regularidade dos recenseamentos da
população; dá-se a reforma do Ministério da Fazenda; cria-se o Tribunal de Contas; há um
grande investimento na construção de estradas e ferrovias. No entanto, as medidas a nível fiscal
vão ser de curta duração, para além do facto de que vão provocar revoltas populares: cria-se o
imposto de circulação (imposto das estradas); e dá-se a divisão do imposto direto sobre
transações em três novos impostos separados, sobre a propriedade (contribuição predial) , a
produção (contribuição industrial) e o rendimento pessoal (contribuição pessoal). Fica, assim,
exposta a fraqueza da administração pública liberal, “alvo de colonização clientelar através da
competição entre «máquinas políticas» partidárias” (p.107).

33
Entre 1834 e o golpe da Regeneração, a receita fiscal aumenta, mas abaixo da despesa. Para se
cobrir os défices orçamentais o país vai recorrer a empréstimos. Não é, portanto, surpreendente
que a 1852, a divida pública fosse 8 vezes maior que as receitas desse mesmo ano, tendo
aumentado 89% desde 1835.

A “REGENERAÇÃO” (1851-1890)

A POLÍTICA

O GOLPE DA “REGENERAÇÃO”

A 1851, Saldanha lidera um golpe conhecido como Regeneração, abrindo um novo período de
estabilidade na política portuguesa. Entra uma nova geração no Parlamento, e é Fontes Pereira
de Melo que vai ser o principal executor do programa político da Regeneração.

As classes médias, admitidas ao centro político, social e normativo do poder, vão beneficiar de
um governo que pretendia garantir uma paz e liberdade fecundada de trabalho e riqueza. É
verdade que o cansaço de uma guerra civil, pode ter sido um motivo pelo qual a paz
regeneradora resultou, no entanto, a estabilidade pede um consenso em tornos das regras do jogo
político, o exato consenso que por não existir, tinha provocado tantos conflitos políticos no
passado. Então o que mudou?

Mudou o contexto internacional: o esmagamento da Primavera dos Povos eliminou as


esperanças dos radicais e aliviou os receios dos conservadores, o que facilitou a reunião dos
moderados da esquerda e da direita. Os liberais vão aprender a lição que 1848 lhes ensinou: de
que a sua aliança com o radicalismo punha em perigo os seus interesses, dando conta do que os
aproximava dos conservadores. Os radicais vão aprender outra: de que para haver uma
transformação política profunda, sistemática e alongo prazo, é necessária organização.

A “Regeneração” não foi o típico pronunciamento militar do Liberalismo. Em outras


intervenções feitas, há a participação de civis em várias fases (desde preparativos, aliciamento e
operações, até à participação em cerimónias e festejos legitimistas de novas situações político-
militares). Desta vez foi diferente: rejeitou-se a direção política aos partidos e os civis foram
impedidos de colaborarem com as tropas regulares.

Afastar os partidos e civis do movimento militar, juntamente com as várias promoções no


exército, vai eliminar descontentamentos que duravam aos anos e vai permitir cessar a existência
34
prática de vários exércitos (cartista e setembrista), para passar a existir apenas um, sob a
liderança de Saldanha. Como efeito, a política é estabelecida como o “domínio dos civis”, os
exércitos são enviados para os quartéis e a violência como forma de ação política é totalmente
rejeitada.

A estabilidade politica da Regeneração foi resultado também da resolução do conflito politico


entre os moderados e progressistas dos liberais: o Ato Adicional de 1852 acolheu reivindicações
da esquerda liberal (sufrágio direto dos deputados; limites do sufrágio censitário reduzidos; e
abolição da pena de morte para crimes políticos), no entanto, a esquerda na expetativa de aceder
ao governo de forma regular e constitucional, dá em troca a aceitação da Carta (aceitando a
rejeita dos princípios da soberania nacional popular e da democracia).

A Regeneração “foi o «nome português do capitalismo»” (p.109).

O Primeiro Governo Regenerador e o Primeiro Ministério Histórico

Entre os anos de 1851 a 1856, vigorou o primeiro Governo Regenerador, que aplicou um
programa de desenvolvimento material, que esteve a encargo de Fontes Pereira de Melo, que
acumulou em si, a Pasta da Fazenda juntamente com a das Obras Publicas. Fontes, político de
enorme revelo, viria anos mais tarde, a liderar o Partido Regenerador.

O programa aplicado, nas palavras celebres de Fontes, era tanto económico, pois, tinha como
objetivo, «promover os melhoramentos materiais de modo que essas fontes reprodutoras possam
criar matéria coletável, que habilitem os poderes públicos […] a poder acorrer ás despesas
necessárias»1, e como uma plataforma política, «Unamo-nos todos, sem distinção de partido,
[para] sermos úteis ao nosso país.»2 (pág.110)

A Regeneração, surge assim, na opinião de José Miguel Sardica “como o oposto do cabralismo,
numa tentativa de esvaziamento dos extremos, não por exclusão, mas por integração.” (pág.110)

Todavia, segundo a posição de Fátima Bonifácio, a “superfície do amplo consenso central


escondia sobretudo o real triunfo da direita em 1851” (pág.110). E se no Partido Regenerador3,
manteve-se coeso e organizado, a partir de 1853, na esquerda, rapidamente se eclodiu, numa

1
Intervenções na Câmara dos Deputados, 26 de janeiro de 1877

2
Intervenções na Câmara dos Deputados, 7 de fevereiro de 1854

3
Partido conservador e progressista

35
«dissidência progressiva» em relação ao consenso central, materializando-se na tendencial
formação do Partido Histórico4, e depois mais tarde, numa dissidência interna no partido. Essa
rutura, influenciou a criação de dois campos, o moderado designado como a «unha branca»
disposta á colaboração com os regeneradores e ao campo radical, a «unha preta» indisposta a tal.

O rei D. Pedro V, em 1856, afastou do governo Fontes Pereira de Melo, concedendo o governo
aos líderes setembristas Duque de Loulé e ao Marques de Sá da Bandeira, colocando pela
primeira vez, o campo «avançado» o Partido Histórico na governação entre 1856 e 1859. No
entanto, apesar dessa passagem pouco calculada e pacífica, no que se refere na transição de um
acordo dinástico rotativo, a substituição foi muito importante. Já que por um lado, confirmou as
expetativas da esquerda moderada sobre o pacto de 1851, uma vez que o poder, alternava de
forma constitucional e pacifica, consolidando definitivamente a «dissidência progressista» do
Partido Histórico, reforçando e clarificando o regime da monarquia constitucional.

Contudo, o Ministério Histórico de Loulé e Sá da Bandeira adotou o programa da


«Regeneração», ou seja, o plano de melhoramentos materiais, criando um fosso permanente
entre moderados e radicais da esquerda. Mas, apesar da criação desse fosso e da mudança de
objetivo, o regime histórico, impediu a incorporação das massas, ao dificultar a integração de
interesses e reivindicações de grupos/setores populares na política, remetentes á «questão
social», acumulando dessa forma, sucessivos episódios de conflito não regulado e numa crise de
legitimidade.

O Significado Político da Questão Clerical

A questão clerical emerge a partir da assinatura da concordata com Roma, em fevereiro de 1857
e da chegada em 1858 das Irmãs da Caridade5 em Portugal. Chegada marcada no contexto da
ofensiva neocatólica6, desencadeada pela Santa Sé desde 1848, com o objetivo de recuperar nas
sociedades europeias, a influência e os poderes perdidos desde a Revolução Francesa, tendo
como momentos exemplares, os dogmas da Imaculada Conceição (1854), a infalibilidade do
papa (1870), o Syllabus e a encíclica Quanta Cura (1864).

4
Partido radical e progressista

5
Tinham objetivos educativos e auxiliares

6
Neocatolicismo- sistema doutrinário que pretende interpretar de modo diferente o catolicismo tradicional, adaptando-o às questões atuais

36
Os liberais, evidentemente católicos, rejeitavam o tradicional peso das ordens religiosas na
sociedade, uma vez que, consideravam excessivos e destrutivos. Porém, apesar das Irmãs não
serem a «religião vencida em 1834» mas uma «…religião aristocrática e afrancesada» (Oliveira
Martins, pág.111), no ponto de vista de Fátima Bonifácio, a controversa das irmãs, ofereceu uma
poderosa oportunidade ao radicalismo, de associar a questão religiosa às questões políticas e
sociais. Argumentando, a «reação ultramontana» de Pio IX, atacando a Igreja e as Instituições
Monárquicas da Carta, nomeadamente a Câmara dos Pares, referindo que na câmara, os
«Grandes» evitavam visitar os pobres.

Após definidos e extremados os campos, o anticlericalismo7 radical, segundo Vítor Neto, iria
mais longe do que os tradicional regalismo8 e os anticongreganismo9 dos liberais de 1834. Já
que anunciavam como objetivo de luta política, a total laicização do Estado no contexto de uma
democratização significativa das relações políticas, económicas e sociais.

Os Partidos

Na «Regeneração» os partidos eram considerados «partidos de notáveis» que, na definição de


Tavares de Almeida, seriam «coligações mais ou menos coesas de redes dispersas de notáveis
locais, agregadas segundo uma lógica de cooperação vertical e orientadas para o controlo e a
distribuição particularista dos recursos do centro político». (pág.112)

Os Partidos Histórico e Regenerador eram referidos como partidos dinásticos, em que a sua
formação consistia na ausência de uma estrutura organizativa formal e permanente, com um
grau baixo de diferenciação e institucionalização. Os mesmos, correspondiam aos campos
moderado e avançado do liberalismo, em que repartiam entre si, o poder e o patrocinato10, não
desempenhando para as exigências das categorias sociais ou grupos de interesse específicos, um
empenho coerente e continuado de uma função de agregação e de veículos, para a promoção de
frações sociais, que se organizavam como máquinas eleitorais para a mobilização clientelista11
do eleitorado.

7
Anticlericalismo- sistema que pretende que o clero se ocupe apenas da vida espiritual dos fiéis

8
Regalismo- doutrina que defendia o direito dos reis ou dos Estados intervirem em questões religiosas e eclesiásticas

9
Congreganismo- Forma de organização eclesiástica protestante que defende a autonomia das igrejas locais.

10
Patrocinato - apoio moral ou material dado a determinado projeto, instituição

11
Clientelismo- atribuição de privilégios dispensados por um indivíduo ou grupo de poder aos seus apoiantes, em troca de favores políticos; favoritismo

37
Segundo Tavares de Almeida, dominava o caciquismo12 assente em clientelas que se alternavam
e combinavam em transições personalizadas de favores de imposição e corrupção. O caciquismo
identifica-se em duas principais modalidades que convivem e se misturam entre si, sendo as
mesmas, o mais tradicional caciquismo dos proprietários e o caciquismo burocrático.
Distinguindo-se através do seu estabelecimento na delapidação dos recursos do Estado e na
distribuição de spoils. Porém, muitas vezes, detetava-se uma transição da primeira para o da
segunda, intimamente ligada a um Estado em expansão.

Este modo de mobilização, o caciquismo, opunha-se o da cidadania, que se assentava no


desenvolvimento de competências cívicas e na adesão racional a valores e princípios políticos.
Alguns dos instrumentos de formação e mobilização da opinião publica, eram a imprensa, os
clubes políticos, as conferências e os comícios. No entanto, num país largamente analfabeto e
rural, este modelo de cidadania adequava-se aos segmentos mais ilustrados e independentes do
eleitorado. Porém, a sua distinção remetia para os padrões diferenciados do comportamento
eleitoral, no espaço, no voto rural e no voto urbano. Todavia, esses padrões não eram
exclusivos, uma vez que a mobilidade clientelista também penetrava nas cidades.

Contudo, a partir de final dos anos setenta, com o alargamento do sufrágio e a competição
política com novos grupos radicais surgidos á margem do Parlamento, levarão os partidos
dinásticos a procurar maior consistência e estabilidade organizativa, incluindo até esforços de
demarcação doutrinária.

Eleitores e Eleitos

A distinção entre eleitores e eleitos, e, de cidadania ativa13 e passiva14 é um ponto crucial para a
configuração do sufrágio e para a conceção liberal da comunidade política. No Ordenamento
Constitucional Monárquico, prevalece o sufrágio restrito, tendo permanentemente diferenciados
os requisitos para a capacidade eleitoral passiva e ativa, seguidos por critérios censitários de
hierarquização de níveis de cidadania política.

12
Casiquismo- poder que um nobre tem sobre uma nação, influência numa população (influência elícita)

13
Cidadania Ativa- minoria da população, com um rendimento mínimo

14
Cidadania Passiva- maioria da população, não tem direitos político e nem rendimentos

38
Na tradição liberal portuguesa, o acesso ao sufrágio e á efémera legislação vintista, em termos
comparativos, não dispunha de uma barreira económica ou educativa no acesso a uma cidadania
ativa. Recriando até 1878, o regime censitário da Carta, um modelo moderado
comparativamente com regimes censitários que prevalecia em países da Europa Ocidental.

Porém, com a introdução da lei eleitoral de 1878, com a extensão do sufrágio a todos os homens
analfabetos e chefes de família, aumentou drasticamente o corpo eleitoral para 72%. Já que
segundo a carta, e após o primeiro ato adicional, o rendimento anual mínimo dos elegíveis (4
mil reis) era quatro vezes superior ao dos eleitores. Representando, no contexto europeu da
segunda metade do século uma posição única.

Contudo, no início da década de oitenta do século XIX, 7% da população masculina adulta eram
elegíveis, criando deste modo, um fosso apertado e elitista que potenciava as tendências
oligárquicas no recrutamento parlamentar, visíveis sobretudo, na importância das relações
familiares e de parentesco dos membros da Câmara dos Deputados.

As Eleições

Na segunda metade do século XIX, apesar da existência a partir de 1852 de eleições diretas, em
1859, da introdução de círculos uninominais15 e em 1878 da criação do amplo regime de
sufrágio, a garantia de eleições livres e honestas, nunca fora sucedia, embora se reconhecesse
que o verdadeiro sistema representativo dependia das mesmas. Essas eleições para a monarquia
constitucional, longe de se constituírem veículos de expressão da vontade popular, serviam
sobretudo, para legitimar os governantes previamente nomeados pelo monarca, ajudando-os na
necessária maioria parlamentar. Já que «os governos escolhem e fazem os deputados, estes a seu
turno sustentam os governos» (Augusto Fuschini, pág. 115)

Todavia, para além desses rituais de confirmação «fabricados», as eleições constituíam um


instrumento regular e eficaz de integração social e controlo político, além de auxiliarem no
recrutamento e seleção das elites políticas.

A vitória eleitoral «Fabricada», remetia para que os governos fizessem uso do «artesanal
administrativo do Estado», ou seja, que recorressem á batota, chantagem, pressão, interferência
e até á coação das autoridades, como por exemplo governadores civis, administradores de

15
Círculos Uninominais - círculos eleitorais, que permitem eleger apenas um deputado sendo aquele que tiver mais votos.

39
concelho, regedores de paróquia, escrivães da fazenda e cabos de polícia. Nesse sentido, as
eleições na Regeneração caracterizavam-se sobretudo por fracos níveis de participação cívica
resultantes da mobilização clientelista do eleitorado, das constantes fraudes eleitorais e do
rombo entre o número de eleitores recenseáveis16 e o dos efetivamente recenseados. Não
surpreendendo desse modo, a incontestada superioridade das candidaturas patrocinadas pelo
partido no poder e a reduzida extensão da competição eleitoral.

A «fusão» de 1865-68 e a «Saldanhada» de 1870

Até 1865, o período era marcado por uma agitação política, acompanhada de uma alternância no
governo entre Históricos e Regeneradores, até entre 1865 e 1868 se coligarem na «Fusão».

Na primeira metade da década de sessenta emergem dois factos políticos importantíssimos, o


primeiro, remetente ao período governativo do Partido Histórico, onde incidiu a fratura
definitiva entre a «unha preta» e a «unha branca» e o segundo, ao facto de que a aplicação do
programa de melhoramentos materiais e das obras públicas, não ter dividido os Históricos
moderados dos Regeneradores.

Assim sendo, porque não se coligam?

É dessa forma que surge a «Fusão», uma aliança política entre Regeneradores e a «unha branca»
dos Históricos, contra os diversos tipos de radicalismo emergente.

Em contrapartida, Fernando Catroga, nota que o movimento republicano, desde 1848 até ao
final dos anos setenta, assentava mais como uma corrente progressista do que um «partido», que
visava uma mudança de regime com a alteração da ordem cultural existente. A sua ação política
e cultural de símbolo ideológico, marcou-se sobretudo, em jornais, clubes, escolas,
manifestações cívicas, centros eleitorais e na ação de intelectuais, envergando, desde o início da
década de sessenta, numa forma de «revolução moral» de espírito, do que numa ação política
direta. De maneira, a suscitar a prazo, a mudança de regime. Dessa forma, o republicanismo,
engrossou nas correntes do radicalismo, com o objetivo de pressionar o regime, infiltrando-se
nas clientelas do Partido Histórico (a «unha preta») fazendo exigências a troco de favores,
nomeadamente, a da reforma ou extinção da câmara dos pares, da laicidade do Estado e da
liberdade de culto. Já que o republicanismo, entendeu que para manter coesa a sociedade, a

16
recenseáveis- que são distinguidos por determinados aspetos, por exemplo pelo nascimento ou por estatuto

40
religião cívica republicada poderia substituir a fé católica, uma vez que liga o indivíduo ao
coletivo, através do plano normativo (pela virtude cidadã republicana) e no plano afetivo (pela
devoção patriótica). A dinâmica do movimento republicano, assinalou também, uma
transformação estrutural nas condições da ação política, nomeadamente, no alargamento da
esfera pública política derivada da combinação entre a proteção legal das liberdades cívicas e
das transformações sociais e económicas desencadeadas pelo liberalismo. O «fomento» material
e económico, segregou uma população urbana nova, nomeadamente, um proletariado criado pela
indústria, pelos serviços e pela imigração que sustentou o radicalismo, surgindo, através das
primeiras expressões de uma política de massas com uma multiplicação de associações políticas
populares, reveladas pelos primeiros meetings(comícios), as representações e os abaixos-
assinalados.

A nova sociabilidade política popular, assente na plêiade de jornais e revistas, de clubes e de


centros políticos e escolares, ajudou ao desenvolvimento incipiente em meio urbano, de formas
de consciência e de ações coletivas, favorecendo a substituição em setores populares de um
modelo de mobilização política, pelo modelo de mobilização de cidadania. Essa mudança,
influenciou em grande parte os partidos, sobretudo aos da esquerda, uma vez que os mesmos,
para garantir o voto rural, teriam de se manter como coligações de notáveis, de mobilização
clientelar, contudo, para a captação do voto urbano, teriam de se transformar em partidos
modernos de massas, com estruturas hierárquicas, órgãos, militantes e programas eleitorais.
Dessa forma, o Partido Histórico deparava-se com a expansão do eleitorado e com uma
concorrência de partidos pela captação do voto urbano, tendo como objetivo incorporar os seus
interesses e reivindicações no programa político, nomeadamente o alargamento do sufrágio.

Porém, desde 1867, uma contestação crescia em longo prazo associada a manifestações contra a
crise, o novo imposto de consumo, a reforma administrativa, e da interrupção das remessas dos
emigrantes na sequência da intervenção brasileira na Guerra do Paraguai, resultando em 1 de
janeiro de 1868, numa revolta popular urbana, a «Janeirinha», em Lisboa, no Porto e em Braga.
No entanto, ainda em 1886, a coligação central contra o radicalismo terminou, e a «unha preta»,
liberta do enquadramento do Partido Histórico desde 1865, e animada pelo eco da revolução
republicana espanhola de 1868, realiza sucessivos tumultos em Lisboa entre 1868 e 1870.
Contudo, esses movimentos de agitação popular, foram incapazes de criar uma plataforma
política que transcendesse as relações pessoais dos vários clubes políticos da capital.
41
Concluindo, as dificuldades financeiras, os eternos distúrbios em Lisboa e no Parlamento, e a
sucessão de governos (entre 1868 e 1870) criaram a oportunidade para o último golpe de
Saldanha, em 1870 (a «Saldanha»). A «Saldanhada» tinha como sentido político, evitar o
aparecimento do «povo» como uma força política e social capaz de impedir que os «burgueses»
e «ricos» governassem em paz, ao integrar nas suas medidas, algumas reivindicações do
radicalismo popular, nomeadamente, a reforma da lei eleitoral e a da Câmara dos Pares, a
legalização das associações políticas populares e a criação de um Ministério da Instrução
Pública, protegendo assim, a monarquia constitucional e conter a ameaça republicana.

A Enganadora Bonança dos Anos Setenta

A década de setenta, teve como protagonistas Fontes Pereira de Melo e os Regeneradores, sendo
importante mencionar, que a governação de Fontes (1871-1877) favorecia de uma relativa paz
social e política, num contexto financeiro e económico favorável, nomeadamente, pelas
remessas dos emigrantes, o fim da guerra do Paraguai, o lançamento de obras públicas, a
redução do défice a metade e a multiplicação das instituições bancárias, em Lisboa, no Porto e
na Província. No entanto, a nível do sistema político e partidário, as dinâmicas de
transformação, que surgiram no final da década de sessenta do século XIX, requereram
estratégias de expressão, contenção e regulação de conflito, nomeadamente, na transformação do
movimento operário, na reorganização dos partidos políticos e na reforma da lei eleitoral em
1878.

Em 1871, Portugal atravessou uma mutação, tal como se passava na Europa do último terço de
Oitocentos, desenvolvida pelo crescimento do operariado derivado do progresso da indústria, da
insuficiência das associações mutualista para revolver a «questão social», da criação da
Associação Internacional dos Trabalhadores em expansão nos grupos filiados e do seu programa
de subordinação da ação política á emancipação económica. Recriando desta forma, um novo
padrão de conflito de classe, tendo nas associações sindicais de classe a forma associativa por
excelência (reguladas por decreto apenas em 1891). Contrapondo ao anterior padrão, de mútua
colaboração, sem implicar um confronto direto com o capital e o patronato com uma formação
de consciência coletiva de classe.

Em 1876, o Partido Reformista (criado em 1870) assentava com os Históricos para formar o
Partido Progressista, e que, apesar de monárquico, desejava «rasgar o caminho para a

42
democracia» (pág,120). Em 1875, o Partido Socialista, filiado na Internacional fundou-se, tendo
os socialistas nunca conseguido capacidade política favorável. Já que eram enfraquecidos por
lutas internas, pela rivalidade contra os anarquistas (nos congressos das associações de classe
desde 1885), pelas dominantes condições de analfabetismo, pela religiosidade, pela dispersão
das pequenas unidades fabris artesanais e familiares, e pela fraqueza organizativa das
associações de classe, que dificultavam o amadurecimento para as formas de consciência e ação
coletivas do partido.

Por outro lado, os republicanos, estimulados pelas iniciativas progressistas e socialistas, pelo
sucesso da Terceira República francesa e agarrados ao momento de descontentamento pela crise
financeira, fundam, em março de 1876, o Partido Republicano. A formação do partido, operou a
transformação institucional do movimento (que se assentava numa rede de clubes ou centros)
num partido dotado de formas organizativas próprias, mas que apenas se consolidará
verdadeiramente como partido político moderno, em 1884, aquando da abolição do peso do
localismo17 e do clubismo18, a favor da existência de uma direção nacional de reconhecimento
de uma politica independente, de durabilidade de estruturas orgânicas e de crescente empenho
numa luta eleitoral pelo poder.

Os partidos Progressista, Socialista e Republicano iniciam um processo de modernização, no


sentido de abandonar o modelo de «partidos de notáveis» e envergar para um modelo de
«partido de massas», através da adoção de um programa e de uma construção de uma
organização formal e permanente com lideranças eleitas em assembleia-geral de delegados,
prestando contas a uma comissão executiva. Dessa forma, esses partidos não eram apenas um
novo modelo de organização partidário, mas um modelo de mobilização diferente,
tendencialmente mais cívico e bem preparado para enquadrar o eleitorado urbano.

Contudo, o ambiente bonançoso e otimista foi bruscamente interrompido em 1876 por uma
severa crise financeira, que relançou o movimento de protesto social ateados pelo partido
republicano, acentuou os fantasmas de uma erupção revolucionária iminente. Porém, a
capacidade adversa sistémica dos partidos Socialista e Republicano, limitada por uma
capacidade de organização mobilização incipiente e pela incapacidade de forjarem alianças entre

17
Localismo- defesa dos interesses da região em que se vive

18
Clubismo- tendência para formar clubes ou associações

43
si. Se valorizaram na crise social do sistema económico capitalista regenerador, uma vez que os
mesmos, apoiavam-se na precedência á questão do regime, através de objetivos estratégicos.
Algumas dessas táticas foram a aceitação do Partido Socialista de colaborar com a Monarquia
para debelar a questão social, caindo no manobrismo19 político e a do Partido Republicano, ao
apelar para uma base social interclassista20, aceita pactuar com a burguesia emergente para
derrubar a Monarquia.

O Rotativismo (1878-1890)

A vida política a partir de 1876, fora marcada pelos problemas de incorporação política ateados
pela crise financeira. O longo consulado de Fontes na década de setenta, inamovível pelo favor
do rei, havia empurrado o Partido Progressista para uma colaboração perigosa com os
republicanos e as massas democráticas radicais. E como era o rei e não a urna a escolher quem
governava, os progressistas envolveram-se numa ampla frente radical de contestação ao rei D.
Luís, abrindo uma fratura no centro do regime. No entanto, uma primeira tentativa de limpeza
dessa fratura, encontra-se na reforma eleitoral e do pariato21 de 1878, ainda na égide de Fontes
(na governação entre janeiro de 1878 e junho de 1879).

Ao prever um sufrágio quase universal masculino, a lei de 8 de maio de 1878, além de privar
republicanos e progressistas de um importante emblema propagandístico, procura renovar e
ampliar a «fonte» de legitimidade do sistema político, reforçando-lhe a capacidade para absorver
o protesto e regular o conflito. Ao estipular as categorias socioprofissionais dentro das quais os
pares podiam ser escolhidos, a reforma do pariato de 16 de abril de 1878 limitava a
arbitrariedade da nomeação régia, enfraquecendo o poder moderador do monarca.

A década de oitenta do século XIX continuará a ser marcada pela procura de estabilização do
sistema político, desde logo, resgatando o Partido Progressista de volta á «orbita constitucional»,
ou seja, ao governo. Com efeito, os Progressistas regressaram ao poder, em julho de 1879,
quando o rei D. Luís decidiu dar uma oportunidade aos progressistas, uma vez que, tinha
esgotava todas as possibilidades de os conservadores se manterem no poder, tornando, desse
modo efetivo o «principio do turno, que supunha a existência de um acordo entre o soberano e

19
Manobrismo- uso de estratagemas para atingir um determinado fim

20
Interclassista- que promove a colaboração entre diferentes classes sociais

21
Pariato- título ou dignidade dos antigos pares do reino

44
os principais chefes políticos para a partilha diferenciada e bipartidária do poder» (Paulo
Fernandes, pág,123). Podendo-se se distinguir ainda, dois outros movimentos importantes,
nomeadamente, o reforço do centro do regime com a lei eleitoral de 1884, que consagrava o
turno governativo e o confisco do espaço de reivindicação do radicalismo, e a extensão do
sufrágio de 1878, com a reforma da Câmara dos Pares. O reforço dos partidos dinásticos e o
emudecimento do radicalismo pela incorporação de algumas das suas reivindicações
favoreceram a estabilidade, ou assim se julgava.

A revisão da lei eleitoral de 1884 garantia ao partido derrotado uma representação parlamentar
aceitável e um fortalecimento do poder decisório das chefias partidárias, no centro, em
detrimento da autonomia e capacidade negocial, dos influentes locais na periferia. A
institucionalização de mecanismos que asseguram a representação das minorias, libertou os
progressistas da sua base eleitoral radical, e se a derrota eleitoral «fabricada» não fosse um
esmagamento, os progressistas sentir-se-iam menos estimulados a recorrer a meios
extraconstitucionais de ação política, nem que fosse para cobrir o avanço ameaçador dos
republicanos que vinham a crescer.

Até 1890, o acordo entre os partidos dinásticos que institui o rotativismo funcionou de forma a
permitir, regeneradores e progressistas, de um acesso regular e previsível ao poder, permitindo
colocar a oposição republicana para um determinando canto no terreno parlamentar,

A revisão da Carta pelo Segundo Ato Adicional (1885), entre outros aspetos, pós fim ao pariato
hereditário, beneficiando a reforma, a que partidos que disputavam o acesso ao poder,
entregassem ao chefe da política de governo em cada momento, a escolha dos pares eletivos.

A reforma eleitoral de 1884 ajudou a romper os elos forjados entre o Partido Progressista e os
setores mais radicais nos anos das campanhas democráticas contra D. Luís, deixando o campo
radical e pró-democrático sem representação política no centro do regime e encaminhando o seu
protesto para o apoio antissistémico22 ao Partido Republicano. A reforma constitucional de
1885, nota Paulo Fernandes, aprovava «numa época onde o crescimento do Partido
Republicano, não representava a modernização do sistema político, que assumia uma feição
partidocrática, encerrando novos protagonistas» (pág. 125). Estas reformas, desempenharam

22
Antissistémico- que se opõe ao sistema (económico, político, etc.), ou seja, contra a ordem estabelecida

45
uma função estabilizadora do sistema político, no entanto é sabido que estabilidade acrescida
não é o mesmo que legitimidade acrescida.

O Estado

Administração Central

No período da «Regeneração», a morfologia burocrática expande as suas capacidades


administrativas do Estado e de modernização dos seus meios, tendo como marco referente as
reformas orgânicas de 1859-1860 e a consolidação do regime ministerial com as Secretárias de
Estado. O seu processo continuado de especialização funcional, crescia em volume e
complexificava as tarefas da Administração Pública, tendo como exemplo, a criação do
Ministério das Obras Públicas, do Comercio e da Indústria, em 1852.

As reformas orgânicas de 1859-1860 consolidaram a divisão do trabalho e a diferenciação


interna dos ministérios em secretarias, direções-gerais, repartições e seções acompanhadas, de
uma estruturação hierárquica, de serviços e de categorias de funcionários, de uma uniformização
de normas de organização, de procedimentos, estatutos e de uma carreira, expandindo-se a partir
de 1860, a concursos inamovíveis, a uma consagração de um esquema de pensões e a um quadro
de sanções disciplinares.

Todavia, a difusão dos mecanismos do concurso público como método de seleção dos
candidatos e de promoção hierárquica na carreira, apesar de consagrada no vintismo, só seria na
Regeneração que se introduz efetivamente através do regulamento do Ministério das Obras
Públicas, em 1852, e, sobretudo, com as reformas de 1859-1860 em todas as Repartições
Centrais dos Ministérios.

Contudo, o concurso para aos governos civis, apenas se inicia com o Código Administrativo de
1878, e na administração concelhia, em 1892, representando desta forma, que o sistema de
patrocinato continuou a prevalecer na Administração Pública, uma vez que os concursos, não se
aplicavam a todas as categorias, podendo ser viciadas e manipuladas.

Dimensão e Composição do Funcionalismo

Na Administração Central, o número de «empregos do Estado» aumentou de cerca de 10 mil


para mais ou menos 22 mil. Esse crescimento continuo e com ritmos diferenciados, na década de

46
oitenta do seculo XIX, intensificou-se, resultante da expansão dos efetivos dos Ministérios da
Fazenda e das Obras Públicas.

A nível orgânico, o ministério com maior contingente era o da Fazenda, e, até 1876, seguia em
segundo o do Reino e o do Guerra em decréscimo. No entanto, em 1890 o Ministério das Obras
Públicas alcançou a segunda posição com um crescimento exponencial. Todavia, na dimensão
do funcionalismo face às necessidades administrativas reais do país, era marcadamente
desajustada, e, num ponta de vista comparativo entre países de dimensão burocrática superior,
Portugal apesar do seu peso e crescimento de efetivos na segunda metade do século XIX, não
permitia se situar entre eles.

A nível das funções do Estado, e em linha com a evolução europeia coeva, o peso afeto ao
exercício da soberania diminui, nomeadamente dos efetivos militares. Mas, no ponto de vista do
campo da economia e das finanças, cresce substancialmente, resultante da expansão dos
Ministérios da Fazenda e das Obras Públicas. Porém, o alargamento das funções civis do Estado
ao contrário da evolução europeia coeva, era praticamente insignificante nas áreas do ensino,
saúde e assistência.

Administração Local

O início da década de quarenta do século XIX sinalizou um ponto de partida para uma inversão
da tendência descentralizadora existente, nomeadamente, do reforço de um poder no centro
sobre a periferia de um sistema administrativo, de controlo sobre a administração municipal, da
restrição do eleitorado local e do aumento do poder dos homens mais ricos dos concelhos. Esses
desenvolvimentos, foram sistematizados no Código de 1842, sendo aprofundados na tutela dos
órgãos camarários. Todavia, a exigência de literacia delimitou profundamente o acesso á
vereação municipal, iniciando dessa forma, um ciclo centralizador que durou até á aprovação do
Código Administrativo de 1878, tendência que iria repetir e inverter-se mais uma vez, acabando
num ciclo mais centralizado com o Código de 1886.

Mas, dificilmente essa centralização legal se traduz num centralismo real, contudo, devido a
uma intervenção rigorosa por parte do regime liberal, que reduziu o seu número drasticamente,
permitiu a organização de uma rede de concelhos de autogoverno e de expressão de vida local.
Desse modo, os municípios desfruíam de um espaço com relações com o poder central, e,
devido às debilidades do Estado Liberal (a níveis burocráticos), se apoiou no poder dessas elites
47
locais. É de mencionar, que se verificou uma reorganização das elites locais sob o efeito
combinado da legislação de 1840-1842, que favoreceu a identificação das elites municipais com
o grupo dos proprietários, e da legislação eleitoral de 1859, instituidora de círculos eleitorais
uninominais, que traduziu o poder social do grupo em influência eleitoral e política. Concluindo,
de um certo modo, ainda existia uma continuidade semelhante com o padrão de relações entre o
Estado e as elites locais e os poderes periféricos vindo do Antigo Regime, alterando apenas, o
critério de formação das elites, que deixou de se basear no sangue para assentar na riqueza.

Essa colonização do Estado/centro por parte da sociedade/periferias, incidente sobretudo na


administração periférica e local, do que na central, colocou como mecanismo sociológico a rede
clientelar e o sistema caciquista, resultando, no enfraquecimento da capacidade da autonomia do
Estado.

A «Obra Financeira da Regeneração» e o Modelo «Fontista»

No período da Regeneração, os défices orçamentais eram constantes, uma vez que as receitas e
as despesas embora crescessem, continuavam abaixo dos défices, colocando a economia acima,
no entanto, as receitas públicas até 1890 continuavam a aumentar.

A sua estrutura, era muito desequilibrada, em que metade dos impostos eram indiretos, sendo os
restantes impostos sobre os bens próprios e rendimentos patrimoniais do Estado. Contudo, após
uma reformulação do sistema fiscal, foram implementados impostos diretos sobre a matéria
coletável proveniente da modernização da atividade económica, sendo algumas a reposição da
contribuição predical (1852), a décima de juros (1860), a contribuição industrial ( 1860, sobre
quem exercesse industria, profissão ou oficio), a contribuição pessoal (1871) e o imposto das
estradas (1850) que dará lugar ao imposto de viação (1860).

Porém, apesar da implantação de impostos diretos, os indiretos permaneceram a grande fonte de


receitas, nomeadamente os alfandegários e os direitos de consumo em Lisboa. Já que a carga
fiscal em Portugal, era sobretudo frágil na capacidade de os controlar. Porquê?

Porque essa fragilidade, só fora em 1880, descoberta pelo diretor-geral das Contribuições
Diretas, tendo encontrado como principais infratores os grandes proprietários e influentes locais,
que corrompiam a eficácia e justa cobrança da contribuição predial ao nível concelhio. Sem
deixar de mencionar, a falta de independência dos empregados da fazenda e dos proprietários e

48
contribuintes, nas redes de poder dos influentes locais, sendo muitas vezes agentes diretos dos
principais infratores.

Todavia, a despesa pública triplicava ao longo do período, recorrente do seu ritmo crescente que
duplicava mais do que taxa de crescimento da economia. O aumento da despesa com a
economia, incidiu sobretudo no setor dos transportes e comunicações, em especial nas estradas,
caminhos de ferro, correios e telégrafos.

Esses melhoramentos introduziram o «fontismo», modelo de desenvolvimento, assente no


fomento em melhorias materiais, que procurava modernizar Portugal, como um «país de
povoações que se não comunicam, de habitantes que não convivem, de produtos que não
circulam, de manufaturas que se não transportam, e até de riquezas e de maravilhas que se não
conhecem» (Fontes Pereira de Melo,1852, pág., 131). O modelo em si, em grande parte era feita
a crédito.

O défice, era permanentemente financiado com a emissão de divida pública, cujo valor nominal
ascendeu em 1852 para 1890 cerca de 75% do PIB. Os serviços da dívida cresceram a par, sendo
dos mais pesados da Europa com cerca de 60% das receitas públicas.

Contudo, esses problemas eram encarados com otimismo, já que se pensava, que uma vez que
os empréstimos contribuíam para a formação geral da riqueza, levariam ao aumento da
«matéria» que geria um aumento nas receitas fiscais do Estado, possibilitando, a dívida a um
equilibro orçamental, dispensando uma futura divida adicional. Todavia, o aumento da dívida
não foi compensado pelo crescimento semelhante das receitas fiscais. Não só os défices
orçamentais persistiram, como se agravaram a partir de 1873. No entanto, a emigração,
sobretudo para o Brasil, era a salvadora da economia «fontista», já que as remessas na década de
oitenta atingiam 1/3 das receitas efetivas do orçamento, ajudando a financiar o consumo e
permitindo aos bancos captá-las enquanto poupanças, sendo depois empregues para o
financiamento da economia ou para a compra de dívida pública.

Epílogo: A Crise No Horizonte

O «Nome Português do Capitalismo»: Limites e Fatores de Risco

O projeto «fontista», não conseguiu romper o cerco de um modelo de crescimento económico


pouco competitivo, insustentável dos seus fatores de riscos sobre as finanças públicas. O

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equilíbrio das contas públicas sobre a prosperidade económica insuficiente de elevar as receitas
fiscais acima das despesas, nunca fechou a concretizar-se. Já que o estado Liberal, nunca cobrou
eficazmente impostos diretos, sobre o povo e as elites, não deixando de tentar tributar de várias
maneiras. Porém, essas tentativas, ou conduziam a revoltas urbanas, como a «Janeirinha», em
1868, ou eram evitadas pelas classes proprietárias e comerciais que conseguiam impor limites á
sua própria tributação, como o do levantamento do cadastro geométrico da propriedade, que
desferiram um golpe fatal na legitimidade do fisco. Por outro lado, falhou também a nível da
despesa, que apesar do volumoso investimento em obras públicas, transportes e comunicações.
A pouca saliência da despesa social e educativa, revelava a incapacidade de concretizar um
programa, apostado na valorização do capital humano, que, induzisse um aumento da
produtividade.

Concluindo, a Regeneração deixou uma herança de défices orçamentais financiados por


empréstimos, compensados pelas remessas dos emigrantes. Todos esses fatores de risco se
combinaram em 1890, nas exportações reduzidas de vinho, na revolução republicana no Brasil,
que reduziu em 75% as remessas dos emigrantes e a Bancarrota da Argentina que retraiu o
crédito nas praças europeias. Em 1891, a dívida atingiu 75% do PIB, tendo o governo decretado
a saída do padrão-ouro e, em 1892, a conversão da dívida (em uma bancarrota parcial), com a
suspensão da amortização da dívida e a redução do pagamento dos juros a 1/3.

«Leviathan de Papel»: O Estado na Monarquia Constitucional

O Estado, no início do Liberalismo, não possuía uma variedade de meios materiais e humanos
de administração, que desempenhassem com eficácia as suas tarefas e integrassem as periferias.
Já que, uma máquina burocrática dotada de um corpo organizado profissionalmente e
especializado de agentes, era um recurso dispendioso. Dessa forma, o controlo central de ação
política e burocrática encontrava-se muito limitado na penetração territorial do Estado,
contrapondo em voga na altura a uma centralização omnipotente, descrevendo-se como um
«Leviathan de papel» (Miguel Centeno e Agustin Ferraro).

Já que o exercício da autoridade territorial do Estado, esbarrava em fortes resistências,


nomeadamente de notáveis locais, apesar dos instrumentos de coação e dos esforços de
racionalização da atividade burocrática, uma vez que impunham limites á eficácia da ação
administrativa de acomodação das regras aos interesses particulares. Desse modo, não era

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novidade que certas tarefas do Estado, como a avaliação, lançamento e cobrança dos impostos
diretos, o recrutamento militar, a aplicação do sistema métrico de pesos e medidas, o
recenseamento da população e o levantamento cartográfico e cadastral, ficaram muito aquém
das expectativas e das necessidades.

Dessa forma, a criação e consolidação do aparelho burocrático liberal, permitiu a reprodução de


novas margens de autonomia local e a criação de diferentes equilíbrios de redes de poder.
Contrapondo desse modo, o Leviathan Liberal que vigorava na altura, uma vez não era capaz de
exercer sobre as periferias, um controlo centralizado e profissionalizado, e a nível local de
reproduzir as antigas margens de autonomia, sendo forçado assim, a integrar-se dentro dos
novos aparelhos e a jogar com as novas regras, desde logo as da política eleitoral. Crucialmente,
a introdução e o alargamento do sufrágio e as máquinas eleitorais partidárias transformaram as
burocracias públicas em vastos sistemas de clientelismo político.

O Liberalismo Como Comando Impossível

O projeto liberal de governação, enfrentou uma dificuldade espinhosa bem formulada talvez
involuntariamente por D. Pedro, em 1832. No entanto, a contradição e a profunda complicação
do liberalismo, inscrita numa ordem de «libertação» imposta, ou seja, num «comando
impossível» (Romanelli), deveu-se ao facto, de que o espaço ibérico estava socialmente e
economicamente impreparado para exercer um governo Liberal. Já que não se existia, as
condições necessárias para a estabilidade do liberalismo, nomeadamente de uma estrutura
política com traços específicos de desenvolvimento social e económico. Uma vez que existiam
grandes dificuldades devido a baixa alfabetização da população, o baixo capital acumulado fora
do Estado, a falta de vias de transporte e comunicação, a tardia «libertação» dos fatores
produtivos, a baixa capacidade do Estado, a ausência de extensas classes médias/ burguesas e a
tensa relação de cooperação/ competição com a Igreja nas questões de propriedade, tributação,
educação, saúde e assistência.

No Sul da Europa, os Estados liberais oitocentistas foram limitados pela sua prematuridade,
partindo de elevadas expetativas normativas, tiveram de enfrentar desafios e de alcançar
objetivos além das suas capacidades institucionais. As severas limitações na capacidade do
Estado, por seu turno, prejudicaram a cidadania e a democratização, uma vez que tinham de
cumprir direitos e obrigações mútuos, incluindo direitos e obrigações democráticas que

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requeriam uma substantiva capacidade do governo para controlar pessoas, desempenhar
atividades e dispor de recursos. Desse modo, a fenda entre a expetativa normativa do liberalismo
e a sua realidade histórica, gerou frustração e, sobretudo, falta de legitimidade, nomeadamente
na distância entre o projeto político liberal (revolucionário) democrático e emancipado da
realidade, de um regime político oligárquico (a monarquia constitucional), que excluía da
participação política a maioria da população. A distância entre as instituições políticas e a
sociedade em Portugal, revelou uma meta frustrada durante o período liberal através do sufrágio
universal. Já que a involução finissecular portuguesa, agiu como inibidor institucional da
massificação da vida politica, hipotecando a legitimidade da monarquia constitucional e
desencadeando a formulação de um conjunto de reformas e alternativas ao regime, como o
projeto da « Vida Nova» de Oliveira Martins, o reformismo de João Franco, o movimento
republicano, o socialismo e o catolicismo conservador a partir da encíclica Rerum novarum e no
período de crise que se inicia com o Ultimatum britânico de 1890.

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