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Aspectos Relacionais, Socioculturais E Perceptuais De Uma Jovem

Adulta Com Deficiência Intelectual: Um Relato De Caso Sob A Ótica


Da Gestalt-Terapia

ARTIGO ORIGINAL

[1] [2] [3]


ALVES, Adriano de Souza , COSTA, Ana Paula Cornélio da , CAMPOS, David Martins ,
[4] [5]
RAMOS, Júlia de Freitas , BARBOSA, Juliana Maria

ALVES, Adriano de Souza. Et al. Aspectos Relacionais, Socioculturais E Perceptuais De Uma


Jovem Adulta Com Deficiência Intelectual: Um Relato De Caso Sob A Ótica Da Gestalt-Terapia.
Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 04, pp.
30-60. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de
acesso:https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/aspectos-relacionais

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Aspectos Relacionais, Socioculturais E Perceptuais De Uma Jovem
Adulta Com Deficiência Intelectual: Um Relato De Caso Sob A Ótica
Da Gestalt-Terapia

RESUMO
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
2.2 O PAPEL DA FAMÍLIA E SUAS RELAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL
2.3 A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE A PARTIR DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS
2.4 A ESCOLA COMO INCLUSÃO SOCIAL
2.5 INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E O SENTIDO DO TRABALHO ENQUANTO INCLUSÃO SOCIAL
2.6 A SEXUALIDADE DO JOVEM ADULTO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
2.7 A IMPORTÂNCIA DA PSICOTERAPIA NA RELAÇÃO DOS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DO JOVEM
ADULTO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
2.8 A GESTALT-TERAPIA COMO ABORDAGEM DIALÓGICA NO PROCESSO TERAPÊUTICO
3. METODOLOGIA
4. RELATO DE CASO E DISCUSSÃO
4.1 SESSÃO 01
4.2 SESSÃO 02
4.3 SESSÃO 03
4.4 SESSÃO 04
4.5 SESSÃO 05
4.6 SESSÃO 06
4.7 SESSÃO 07
4.8 SESSÃO 08
4.9 SESSÃO 09
4.10 SESSÃO 10
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

RESUMO

Este relato de caso foi realizado a partir do estudo dos registros das sessões de psicoterapia
realizadas com uma jovem adulta com deficiência intelectual leve. As sessões ocorreram

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semanalmente na instituição que esta jovem frequentava, no período de 03/09/2019 a


12/11/2019 totalizando 10 sessões, cada uma com duração de uma hora. O trabalho relata a
visão histórica da deficiência até os dias atuais, destacando alguns aspectos do processo de
desenvolvimento do jovem adulto com deficiência intelectual, como as relações familiares,
inclusão escolar, inserção no mercado de trabalho e sexualidade, demonstrando a maneira
como este sujeito interage com o meio construindo sua identidade e subjetividade. Concluiu-
se que a psicoterapia foi importante na compreensão da percepção que a pessoa com
deficiência intelectual desenvolve em relação a si e ao mundo, possibilitando ressignificação,
novas perspectivas em relação ao futuro e, inclusive sua própria autoafirmação enquanto
pessoa, demonstrando o quanto é capaz de realizar seus desejos e sonhos.

Palavras-chaves: Deficiência Intelectual, Família, Sexualidade, Trabalho, Psicoterapia

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

A deficiência intelectual esteve associada no passado exclusivamente ao conceito relativo ao


modelo médico, o qual predominava os resultados dos testes psicométricos e enfatizava as
limitações e incapacidades dos sujeitos, não oferecendo margens para discussões acerca das
possibilidades e funcionalidades destes indivíduos (DIAS, 2014).

Novas concepções da deficiência foram se estabelecendo sobretudo a partir do século XX, e


estudos decorrendo da perspectiva histórico-cultural defendida por Vygotsky, possibilitaram
uma outra visão da deficiência intelectual, onde o sujeito se torna agente da sua própria
história, recebendo e agindo sobre os estímulos e influências do meio cultural e social ao
qual está inserido (DIAS e OLIVEIRA, 2013).

Pensando neste sujeito que age sobre o meio e é produtor da sua história, deve-se conceber
que a pessoa com deficiência intelectual, constrói uma visão sobre si e sobre o mundo de
acordo com o modo que vive, sente e percebe os eventos relacionados ao contexto
sociocultural ao qual está inserida. Desta forma, o papel da psicoterapia no contexto da
deficiência intelectual é fundamental, pois além de contribuir para o desenvolvimento da
autonomia e inserção social deste indivíduo, atua no reconhecimento e afirmação da sua
subjetividade e construção da sua identidade.

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Este estudo se faz necessário visto que a maioria dos trabalhos encontrados na literatura,
analisam e exploram os aspectos da deficiência intelectual relacionados a habilitação e
reabilitação, inclusão escolar e no mercado de trabalho. Poucos estudos discutem a
relevância do lugar e os benefícios da psicoterapia para a pessoa com deficiência intelectual,
a qual pode proporcionar estratégias de ressignificação da diferença, possibilitando um lugar
de fala e, sobretudo, um lugar de acolhimento e compreensão de suas angústias, além de
proporcionar um ambiente que facilita a expressão das percepções do deficiente intelectual
sobre si e sobre o mundo.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E ATUAIS DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

As definições do conceito de deficiência intelectual, passaram por diversas mudanças ao


longo dos séculos, as quais estavam associadas aos modos culturais e sociais presentes em
cada época. A exemplo disso, observa-se os termos utilizados para definições da deficiência
intelectual, que passavam desde pessoas idiotas e dementes até retardados mentais e
inválidos. Destas concepções, observa-se que a deficiência intelectual esteve sob influências
de estigmas incapacitantes do indivíduo, e aspectos socioculturais e relacionados a
funcionalidade destes sujeitos eram excluídos de tal conceito (CARVALHO e MACIEL, 2003).

Estas conotações demonstraram como cada época e sociedade percebia e lidava com a
deficiência intelectual, que muitas vezes era reduzida a incapacidade e era fundamentada
pelo modelo médico e organicista, o que possibilitava de certa forma, a manutenção de tais
estigmas, preconceito e discriminação destes sujeitos (ALLES et al., 2019).

O modelo médico foi prevalecendo sobretudo com o avanço da medicina, e a deficiência


intelectual ganhou contornos de doença mental, o que contribuiu ainda mais para a ênfase
na incapacidade e impossibilidade de desenvolvimento destes sujeitos (DIAS e OLIVEIRA,
2013).

No decorrer da história, outros estudos e discussões começaram a questionar esta


impossibilidade de desenvolvimento e incapacidade permanente das pessoas com deficiência

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intelectual, sobretudo na educação, que passou a discutir modelos para esta população. Tais
modelos foram influenciados inicialmente pelos testes de QI que mediam a relação entre a
idade cronológica e mental, o que de certa forma, também estigmatizou as pessoas com
deficiência intelectual e afastou concepções qualitativas associadas às funcionalidades e
potencialidades dos indivíduos na deficiência intelectual (DIAS e OLIVEIRA, 2013).

Para contrapor as discussões sobre a deficiência intelectual embasadas no modelo médico e


organicista, alguns estudos passaram a fundamentar discussões apoiadas na visão histórico
cultural de Vygotsky. Nesta visão, o homem passa a ser o agente da sua história, agindo e
reagindo ao contexto sociocultural o qual está inserido (ALLES et al., 2019).

Através da visão histórico cultural, o desenvolvimento humano pode ser analisado através da
relação entre o meio e o homem, e desta forma, funções psicológicas serem ativadas ou não,
dependendo da relação que se estabelece com esse meio. Desta maneira, a deficiência
intelectual que antes era concebida somente pelos aspectos intelectuais, medidos pelos
testes psicométricos, passou a ser estudada levando-se em consideração também aspectos
socioculturais referentes ao meio que o indivíduo estava inserido (DIAS, 2014).

Na mesma direção das discussões acerca da deficiência intelectual, sistemas de classificação


foram surgindo e evoluindo. Dentre estes sistemas apresenta-se a AAMR (American
Associantion on Mental Retardation); CID 10 (Classificação Internacional de Doenças), DSM V
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e CIF (Classificação Internacional
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) os quais possuem critérios e classificações
relacionadas a deficiência intelectual, dentre outros transtornos e doenças (CARVALHO e
MACIEL, 2003).

A AAMR (American Associantion on Mental Retardation) é atualmente denominada AAIDD


(American Associantion of Intellectual and Developmental Disability). A alteração de
nomenclatura do termo “deficiência mental” para “deficiência intelectual” ocorreu em 2001,
na Conferência Internacional sobre Deficiência Intelectual. Esta mudança de nomenclatura foi
condizente com as novas concepções e discussões da deficiência intelectual (ALLES et al.,
2019).

A AAIDD publica e divulga manuais associados a informações e terminologias acerca da

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deficiência intelectual, e influenciam outros sistemas de classificação, como CID 10 e DSM V.


Em um dos modelos propostos, a AAIDD apresenta aspectos multidimensionais e funcionais
para a definição da deficiência intelectual, ou seja, leva-se em consideração aspectos
relacionados ao comportamento adaptativo, ao meio social e também ao funcionamento
intelectual (CARDOZO e SOARES, 2011).

No modelo descrito pelo DSM V, por exemplo, os critérios de classificação para deficiência
intelectual, salienta que para além da avaliação cognitiva, é importante que se inclua
aspectos associados à capacidade funcional adaptativa do sujeito, considerando de certa
forma possibilidades de desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual (ARAÚJO e
NETO, 2014).

A CIF foi publicada em 2001, possui ênfase na funcionalidade e inclui aspectos


socioambientais, e desta forma não considera somente o modelo médico e organicista. Seu
modelo contempla aspectos pessoais como lar, família, educação, entre outros, e
complementa os modelos da CID 10 e DSM V (CARVALHO e MACIEL, 2003).

Neste sentido, é possível perceber que a CIF e a visão histórico cultural da deficiência
intelectual caminham na mesma direção, o que traz outras reflexões a respeito do
desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. A criança com deficiência intelectual
terá um desenvolvimento distinto, entretanto não estará sujeita a esta condição estática,
sem possibilidades de adaptação e funcionalidade, o que irá atuar de forma significativa na
transição para a vida adulta (DIAS, 2014).

2.2 O PAPEL DA FAMÍLIA E SUAS RELAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL

A família se caracteriza como o primeiro contexto social da criança com deficiência, e como
os indivíduos constroem sua identidade e pautam seu desenvolvimento a partir da interação
com o meio, o contexto familiar se torna um grande responsável por estímulos e
desenvolvimento da criança até a fase adulta (JUNIOR e MESSA, 2007).

Quando o filho que chega ao contexto familiar possui alguma deficiência, os planos e

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expectativas são confrontados com aqueles que foram idealizados anteriormente, e a família
precisa passar por um processo de aceitação e adaptação, o que poderá ocasionar conflitos e
mudanças no contexto familiar. Estes conflitos estarão relacionados às possibilidades de
adaptação da família diante da deficiência (JUNIOR e MESSA, 2007).

Neste sentido, o contexto familiar se caracteriza como um importante veículo para inserção
social e se torna também um dos principais meios para inclusão, aceitação e a busca por
maiores possibilidades de desenvolvimento para deficiência intelectual. A família é o primeiro
grupo social ao qual o indivíduo pertence, e será a partir destas relações que as primeiras
percepções deste sujeito serão formadas (JUNIOR e MESSA, 2007).

2.3 A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE A PARTIR DAS RELAÇÕES ESTABELECIDAS

A partir das primeiras relações estabelecidas no contexto familiar e posteriormente com o


contexto social que o indivíduo está inserido, é importante ressaltar a visão infantilizada que
se atribui ao jovem adulto com deficiência intelectual, o qual mesmo estando apto a
desenvolver atividades de vida diária e inserção no mercado de trabalho, muitas vezes é
considerado como uma criança grande ou eterna criança, o que se caracteriza como um
impeditivo para o seu desenvolvimento pleno. Este tipo de visão é observado tanto em
familiares e cuidadores de pessoas com deficiência intelectual, quanto em profissionais de
diversas áreas no trato com estes indivíduos. Pode-se pensar que tal conceito de infantilidade
pode estar associado ao modelo médico onde se predominava a incapacidade dos sujeitos
(DIAS, 2014; ROSA e DENARI, 2013; WANDERER e PEDROSA, 2013).

A construção da visão de si é reflexo do modo pelo qual o contexto social está se


posicionando em relação à pessoa com deficiência intelectual, ou seja, se familiares ou
profissionais interagem de maneira infantil com adultos com deficiência, estes construirão
sua identidade a partir desta interação, e o seu comportamento poderá refletir esta
construção. Desta maneira, o desenvolvimento da personalidade está associado a vários
fatores interacionais como a linguagem, família, percepções do contexto social,
comportamentos e papéis desenvolvidos pelos grupos aos quais o indivíduo pertence (LEITE
e MONTEIRO, 2008).

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2.4 A ESCOLA COMO INCLUSÃO SOCIAL

Alguns aspectos do desenvolvimento marcam o processo de transição do indivíduo para a


vida adulta, e a escola se caracteriza como um destes marcadores, a qual representa
também um contexto de inclusão social. Na deficiência intelectual, com o avanço das
políticas públicas, verificou-se que o acesso escolar e ao mercado de trabalho têm sido
favorecidos, entretanto o olhar da deficiência ainda contribui para o preconceito e
discriminação social destas pessoas (DIAS, 2014).

A escola representa um papel essencial na transição para a vida adulta, combatendo estigma
e discriminação da criança com deficiência intelectual na idade escolar, além de atuar no
desenvolvimento de habilidades voltadas à autonomia para realização de atividades da vida
diária e, posteriormente, para o trabalho (MENDES, 2010).

O contexto escolar deve oferecer para além das formações exigidas nos currículos escolares,
sobretudo para o jovem com deficiência intelectual, buscando oferecer atividades que
favoreçam o desenvolvimento da autonomia permitindo que este jovem adquira habilidades
de adaptação aos diversos ambientes e contexto sociais (MENDES, 2010).

Desta forma, as escolas juntamente com a família desempenham um papel importante para
a transição do jovem com deficiência intelectual para a fase adulta, estimulando atividades
voltadas para as capacidades e potencialidades destes sujeitos, viabilizando maiores
possibilidades para inserção profissional posteriormente (MENDES, 2010).

2.5 INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E O SENTIDO DO TRABALHO ENQUANTO INCLUSÃO

SOCIAL

O sentido do trabalho para as pessoas com deficiência intelectual está relacionado ao


sentimento de utilidade e pertencimento a um grupo social, independência financeira e
pessoal. Desta forma, o trabalho é um fator importante na obtenção de satisfação pessoal na
vida do adulto com deficiência intelectual, o que os leva a ter maior senso de autovalorização
e melhor qualidade de vida (LIMA et al., 2013 e SILVA et al., 2018).

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O trabalho também está relacionado ao processo de construção da identidade e


subjetividade dos sujeitos através das vivências e das relações que são estabelecidas. O
adulto com deficiência intelectual busca a satisfação das necessidades básicas, estabelece
vínculo e alcança maior autonomia, independência, produtividade e responsabilidade no
ambiente de trabalho (SILVA et al., 2018).

A construção da identidade infantilizada pelo deficiente intelectual poderá se tornar uma


dificuldade na inclusão deste indivíduo no mercado de trabalho como também no
estabelecimento de outras relações, visto que o trabalho além de estabelecer outras formas
de vínculos e proporcionar maior independência familiar, proporciona também a inclusão
social destes indivíduos em outros contextos (LIMA et al., 2013).

Observa-se desta maneira, que o trabalho possui um papel para além do aspecto econômico
associado a independência financeira, ressalta-se sua importância no sentido de inserção e
participação social, o que possibilita sentimentos de pertencimento e igualdade,
descaracterizando o estereótipo de incapazes e disfuncionais destes indivíduos (LIMA et al.,
2013).

2.6 A SEXUALIDADE DO JOVEM ADULTO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

A sexualidade é um dos aspectos do desenvolvimento do jovem adulto com deficiência


intelectual que apresenta grande dificuldade de aceitação familiar e social. A família, muitas
vezes não está preparada para facilitar e aceitar a sexualidade na deficiência, o que pode
estar relacionado a superproteção e também aos mitos associados à sexualidade das
pessoas com deficiência. Algumas mães atribuem a condição de infantilidade e de
dependência financeira dos filhos com deficiência intelectual como um fator impeditivo para
uma vida sexual ativa, ignorando e negando a sexualidade dos filhos (LITTIG et al., 2012).

A sexualidade da pessoa com deficiência intelectual não deve ser ignorada, ela existe e
precisa ser discutida e sobretudo legitimada. Mesmo que o déficit intelectual possa
problematizar a maneira de expressar a sexualidade, maior obstáculo não diz respeito aos
aspectos biológicos, mas sim na maneira como a sociedade interpreta estes
comportamentos, baseados muitas vezes no preconceito provido pela falta de informações

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(MAIA e CAMOSSA, 2003).

Os mitos acerca da sexualidade da pessoa com deficiência intelectual, as descrevem tanto


como anjos e eternas crianças, como também assexuadas ou hipersexuadas, com
comportamentos sexuais expressados de maneiras socialmente inadequadas. Estas ideias
distorcidas precisam ser discutidas a fim de evitar situações que possam colocar esses
sujeitos em situações de vulnerabilidades como a discriminação, o abuso sexual e o
isolamento social da pessoa com deficiência intelectual (MAIA e RIBEIRO, 2010).

Um estudo realizado por Maia e Ribeiro (2010), mostra a importância de discutir acerca dos
mitos que permeiam as relações de aceitação da existência da sexualidade na deficiência
intelectual. Este estudo apontou para alguns mitos presentes nos meios sociais como,
“Pessoas com Deficiência são assexuadas” ou “Pessoas com Deficiência são hipersexuadas”,
entre outros.

Ambos os mitos citados acima, são problemáticos, pois desconsideram os aspectos da


sexualidade da pessoa com deficiência intelectual como o desejo e a capacidade de se
relacionar intimamente. O primeiro mito que considera as pessoas com deficiência como
assexuadas, remete a ideia de eterna criança, a qual não é dada a oportunidade de uma
educação sexual adequada, o que poderá ocasionar pela falta de informações, em
consequências como, abuso sexual e isolamento social destes indivíduos (MAIA e CAMOSSA,
2003).

O segundo mito que diz respeito a hipersexualidade, atribui e julga os comportamentos de


expressão da sexualidade que são socialmente inadequados, o que muitas vezes são
causados pela falta de informações necessárias e adequadas, por parte dos contextos
familiar e social aos quais os indivíduos com deficiência intelectual estão inseridos (MAIA e
RIBEIRO, 2010).

O que pode ser observado nestas ideias distorcidas e em tais mitos, é a maneira pela qual a
sociedade ainda estigmatiza as pessoas com deficiência, apoiando-se em crenças associadas
à incapacidade e limitações destes indivíduos, impossibilitando-os a uma vivência e
expressão de sua sexualidade. O contexto familiar repete estes discursos e as questões da
sexualidade são tratadas de modo a evitá-las, repreendê-las ou mesmo, puni-las (LITTIG,

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2012).

2.7 A IMPORTÂNCIA DA PSICOTERAPIA NA RELAÇÃO DOS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DO

JOVEM ADULTO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

A psicoterapia possui uma importante função junto a família do deficiente intelectual, pois
em alguns casos, os familiares não conhecem as características da deficiência e necessitam
de esclarecimentos para possibilitar melhores relações no contexto familiar. Tornar os pais
parceiros no processo é extremamente importante para ambos, filhos e pais, para que o
processo terapêutico se construa e traga benefícios para todos (JUNIOR e MESSA, 2007).

Outro papel relevante da psicoterapia está relacionado ao diagnóstico da deficiência


intelectual associado à saúde mental, o que pode ocasionar dúvidas e dificuldades no manejo
com estes pacientes nas instituições relativas à saúde mental e para pessoas com deficiência
intelectual. Comportamentos associados aos transtornos mentais em pessoas com
deficiência intelectual, podem afetar significativamente a inclusão social deste indivíduo
(SURJUS e CAMPOS, 2013).

No estudo citado acima, realizado em 2013 pela Universidade de Campinas, os autores


Surjus e Campos, constataram a dificuldade dos centros voltados para a saúde mental, como
o CAPS, no tratamento com pessoas com deficiência intelectual associada ao transtorno
mental. Estes pacientes quando chegavam ao CAPS eram encaminhados para instituições
relacionadas à deficiência intelectual, ficando muitas vezes sem o tratamento adequado para
o transtorno mental associado e, consequentemente, vulneráveis a internações em hospitais
psiquiátricos, o que iria na contramão das discussões acerca da reforma psiquiátrica no país.
A condução destes casos deve ser realizada de maneira a auxiliar o sujeito com deficiência
intelectual diante do desenvolvimento de um transtorno mental, para que este não fique
apenas limitado a categorização da deficiência e nem preso aos sintomas do transtorno
mental. Profissionais de ambas as instituições, saúde mental e para pessoas com deficiência
intelectual, necessitam do olhar para além dos diagnósticos associados, fazendo prevalecer
as manifestações deste sujeito (SURJUS e CAMPOS, 2013).

Alguns trabalhos apontam para o papel da psicologia no que diz respeito ao estudo do

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desenvolvimento humano voltados para a transição da vida adulta do jovem com deficiência
intelectual, possibilitando formas de inserção social e no mercado de trabalho, assim como
na luta contra preconceitos e discriminação. Porém observa-se ainda, grande dificuldade em
considerar esta população com status de adultos, conferindo-lhes autonomia para
participação em pesquisas, metodologias adequadas para abordá-los e um papel ativo em
seu desenvolvimento (WANDERER e PEDROSA, 2013).

O papel do psicólogo clínico com pessoas com deficiência intelectual, está associado ao
desenvolvimento de habilidades para o ganho de autonomia, inserção social e, sobretudo, na
construção da identidade deste sujeito, auxiliando-o na autoafirmação, promovendo o
funcionamento biopsicossocial e melhorias na qualidade de vida (MARQUES, 2016).

2.8 A GESTALT-TERAPIA COMO ABORDAGEM DIALÓGICA NO PROCESSO TERAPÊUTICO

A Gestalt-terapia, abordagem a qual este Relato/Estudo de Caso se referência, é uma


abordagem fenomenológica e existencial, a qual busca auxiliar a pessoa a ter consciência do
que se passa em si no momento presente, ampliando desta forma a percepção de si, da
mesma forma que possibilita que o sujeito compreenda melhor suas relações com o mundo
(FRAZÃO, 2015).

O foco no processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia está mais voltado para o processo do


que pelo conteúdo que está sendo discutido, ou seja, busca-se dar ênfase ao modo como a
pessoa está pensando e sentindo naquele momento. O objetivo é tornar as pessoas
conscientes do que estão realizando e do modo como estão realizando, possibilitando ao
sujeito novas maneiras de perceber as coisas, ao mesmo tempo que possibilita
transformação, autoconhecimento e valorização (YONTEF, 1998).

O diálogo existencial é fundamental na relação terapêutica, e na Gestalt-terapia, esta relação


que se estabelece entre pessoa e terapeuta é um dos pilares desta abordagem.
Compreende-se por diálogo existencial a maneira como o terapeuta interage com o sujeito,
que possibilita a experienciação da outra pessoa como ela é de fato, tornando-se cada vez
mais consciente de si durante o processo. Este diálogo é marcado principalmente pelo
acolhimento, aceitação e preocupação verdadeira por parte do terapeuta (YONTEF, 1998).

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Ao tornar o sujeito um ser consciente de si e livre para fazer suas escolhas respeitando suas
limitações e potencialidades, o Gestalt-terapeuta possibilita ao cliente tornar-se responsável
por aquilo que ele estabelece para sua vida, facilitando o entendimento de si como um ser
em construção e constante relação com o outro e com o mundo (FRAZÃO, 2015).

3. METODOLOGIA

Trata-se de um relato de caso único, descritivo, composto por estrutura analítica linear que
consiste em uma estrutura que inclui o tema, uma breve revisão de literatura a respeito
daquele tema, as descobertas ou relações a partir dos dados coletados e as conclusões
referentes às análises destes dados (YIN, 2001).

As fontes de pesquisas para os artigos e teses utilizados foram as plataformas Scielo, Google
Acadêmico e PePSIC. Os artigos e teses foram selecionados no período de 2003 a 2019, e
para busca foram usados os seguintes descritores: deficiência intelectual, desenvolvimento
do jovem com deficiência intelectual, sexualidade, inclusão escolar e no mercado de
trabalho. Foi utilizado também livros e volumes sobre Gestalt-terapia dos anos 1998, 2013,
2014 e 2015.

As sessões apresentadas e discutidas neste relato/estudo de caso foram realizadas entre os


meses de agosto e novembro de 2019, a partir de intervenções no âmbito da assistência
psicológica ofertada a uma pessoa com deficiência intelectual leve. A seleção do sujeito
deste estudo foi feita através de uma solicitação da instituição devido à uma demanda
existente.

As intervenções realizadas com a pessoa com deficiência intelectual, sujeito deste


relato/estudo de caso ocorreram em uma instituição especializada no atendimento a pessoas
com deficiência localizada em uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais, onde a
pesquisadora realizou um estágio por um período de quatro meses. O nome da instituição
bem como o município foram suprimidos com objetivo de resguardar a privacidade e o sigilo
da participante.

A amostra é composta por sujeito único. Trata-se de uma jovem, maior de idade,
diagnosticada com deficiência intelectual leve, que frequenta há alguns anos a instituição.

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Para realização deste relato/estudo de caso foram realizadas sessões de psicoterapia


norteadas pela abordagem da Gestalt Terapia, com autorização do psicólogo e coordenadora
da instituição. Os relatos foram descritos a partir destas sessões com a participante, cujo o
nome foi resguardado assim como qualquer outra característica que possa identificá-la.

O relato/estudo de caso foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
Sylvio Miguel, atendo à resolução 466/2012 e da Carta Circular nº 166/2018- CONEP que
esclarece sobre pesquisas do tipo Relato de Caso, antes da sua publicação.

Foram realizados os procedimentos para o esclarecimento da pesquisa e assegurada a


participante o direito em participar ou não da mesma através do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, visto que a mesma é considerada legalmente capaz, considerando-se
quenão se enquadra em nenhuma das exceções legais à capacidade plena previsto no artigo
4º do código civil. Segundo o artigo 4º:

São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de


dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III –
aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV –
os pródigos.

Portanto, a paciente em questão é plenamente capaz de exercer pessoalmente os atos da


vida civil, inclusive assinar o anexo “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” para
autorização da realização deste trabalho.

Após esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa e sobre a metodologia a ser utilizada, a


usuária e a instituição receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que
foi devidamente assinado para participação na mesma.

Foi assegurado que a participante compreendeu os objetivos da pesquisa, bem como sua
participação na mesma, recebendo todas as informações pertinentes.

As informações que possam vir a identificar a participante da pesquisa ficarão sob a guarda
dos pesquisadores, com o intuito de preservar o anonimato da mesma, de forma a garantir o
sigilo e a privacidade da participante. Os pesquisadores se comprometeram a utilizar o
material coletado apenas para fins científicos e garantiram o sigilo sobre esse material.

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4. RELATO DE CASO E DISCUSSÃO

Trata-se de uma jovem, maior de idade, com deficiência intelectual leve, que frequenta há
alguns anos uma instituição especializada no atendimento a pessoas com deficiência em
uma cidade localizada no interior de Minas Gerais. Para que não haja identificação da
participante, utilizaremos o nome fictício Maria.

Maria foi adotada ainda pequena por um casal que possui outros dois filhos biológicos, e
todos da família, inclusive Maria, sabiam da adoção. O contexto familiar ao qual se
encontrava, algumas vezes era conflituoso e as relações entre seus membros era complexa.
No decorrer do relato será possível perceber como estas relações irão afetar a vida de Maria.

Maria apresentava sonhos e desejos relacionados à sua autonomia e independência. Durante


o processo terapêutico ficou evidenciado sua busca em relação à satisfação de suas
necessidades e o processo de mudança pelo qual estava passando.

A todo momento neste relato de caso, foi trabalhado o conceito de deficiência intelectual que
não focasse somente na incapacidade do sujeito. O olhar para a deficiência esteve voltado
para as possibilidades e potencialidades da pessoa.

4.1 SESSÃO 01

Atendendo à uma demanda da instituição que Maria frequentava, dei início aos
atendimentos. Na primeira sessão me apresentei e expliquei como seriam os atendimentos,
que ocorreriam uma vez por semana na própria instituição. Conversei com ela sobre o
processo psicoterapêutico, e expliquei que aquele seria um momento para ela falar do que
quisesse, das suas preocupações, sentimentos, emoções, do que gostava de fazer.

Maria se mostrou tímida e apenas assentiu com a cabeça. Falou com um tom de voz muito
baixo que seria bom poder falar das suas preocupações.

Segundo Pinto (2015), desde o primeiro momento com a pessoa em terapia na Gestalt, ou
seja, desde a primeira sessão, é necessário que se realize uma compreensão diagnóstica,

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Da Gestalt-Terapia

que consiste num processo pelo qual o terapeuta seja capaz de fazer uma leitura de seu
cliente de forma perceptiva, observando o que está acontecendo com a pessoa naquele
momento. Neste processo o terapeuta busca observar algumas características do cliente,
como o modo que se expressa, seu tom de voz, como ouve, como lida com os sentimentos,
como se cuida, entre outros aspectos. Desta maneira, naquele primeiro momento, observei
que Maria apresentou-se tímida e retraída, com um tom de voz bastante baixo, e que eu
precisaria construir um ambiente acolhedor capaz de ajudá-la em sua expressão.

Maria ficou em silêncio e então dei início a um diálogo perguntando sobre a instituição, para
deixá-la mais à vontade em sua fala. Relatou que gostava muito de frequentar a instituição,
que ia duas vezes na semana. Demonstrou interesse pelas aulas de culinária, o que inclusive
a levou a ter o desejo de trabalhar futuramente com isso, contou-me ter o sonho de ser chefe
de cozinha. Neste momento do seu discurso percebi entusiasmo, Maria sorriu ao falar e o seu
tom de voz não era tão baixo como antes, e também não se mostrou tão retraída. Observei
que Maria foi ficando mais à vontade na minha presença e quanto mais falava sobre as
coisas que gostava da instituição, mais facilmente se comunicava. Relatou que gostava de
ficar na sorveteria (outra atividade que a instituição oferece), se sentia útil estando lá e
gostava de ensinar os amigos que entravam depois dela.

Começou aos poucos pontuar algumas coisas do seu contexto familiar, mas nesta primeira
sessão foi bem ponderada quanto a isso, e não falou muito da família. Relatou apenas que
eles não incentivavam sua vontade de cozinhar, não a permitindo praticar em casa o que
aprendia nas aulas de culinária. Voltou a baixar a cabeça, ficou pensativa e com semblante
triste, mas mudou de assunto e não falou mais dos pais. Percebi que a relação familiar trazia
a Maria algum desconforto ou até mesmo um sentimento de tristeza.

Começou a falar sobre seu sonho de trabalhar, tirar carteira e morar sozinha. Fazia parte da
autodefensoria, um projeto existente nas instituições especializadas em pessoas com
deficiência, o qual visa promover a autonomia e dar mais voz à pessoa com deficiência,
fazendo com que estas pessoas assumam funções práticas da vida, possibilitando-as fazer
parte de algumas decisões na instituição como também em outros cenários. São eleitos dois
representantes, um de cada gênero, e estes permanecem por um tempo determinado no
cargo. Observei que quando Maria falou sobre este aspecto, mostrou-se orgulhosa de si, e
novamente não a percebi inibida ou tímida ao relatar. Pontuei esta minha percepção à Maria

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Da Gestalt-Terapia

que me confirmou, falou que se sentia útil e com valor, e começou a falar como foi quando
ela conseguiu ser eleita para o cargo. Contou que teve que superar várias coisas, entre elas a
timidez para falar em público. Dessa forma, fazer parte da autodefensoria, significava para
Maria um lugar de fala, pertencimento, valor e, sobretudo, um lugar de conquista e
superação, onde conseguiu vencer a timidez para falar em público.

Maria orientava seus sonhos e desejos atuais para a conquista de um emprego, o qual tinha
para ela um sentido ou significado de pertencimento, independência, autorrealização,
utilidade e valor, o que de certa forma, era naquele momento representado pelo cargo que
ocupava na autodefensoria.

Maria começou a falar da importância que alguns funcionários da instituição tinham para ela,
como por exemplo, o psicólogo da instituição, que a ajudou durante todo processo para
conseguir falar em público para concorrer ao cargo da autodefensoria. Falou também das
professoras das oficinas e das diretoras de ambas instituições que frequentou. Falou de todos
com muito apreço e carinho e, inclusive, disse que considerava as diretoras como “mães”.
Neste momento Maria se emocionou, e após um instante eu perguntei a ela o que significava
para ela esse sentimento que apareceu, e nesta expressão materna dada a tais funcionárias
da instituição. Ela ficou em silêncio, chorou e disse que significava o carinho, o amor e a
atenção que não tinha com sua mãe em casa. Voltou a se retrair e novamente não quis mais
falar sobre a mãe ou sobre sua família.

Neste momento da sessão, Maria saiu da posição de relatar acontecimentos ou eventos e


passou a perceber e a vivenciar a situação presente, a ser capaz de sentir o que estava
passando em si naquele momento. A isso chamamos em Gestalt-terapia de tornar-se
consciente do momento ou awareness, através de um excitamento ou energia presente a
partir do contato existente no campo. O conceito de campo aqui pode ser entendido pelo
ambiente, pelo contato terapêutico (ALVIM, 2014). E desta forma, acolhi seus sentimentos,
compreendi sua emoção e a deixei prosseguir.

Após um instante, voltou a falar das funcionárias da instituição, porém de uma forma muito
retraída. Com um tom de voz muito baixo, contou-me que se apaixonou por uma das
professoras, e chegou a pensar que a professora também gostava dela da mesma forma,
pois demonstrava atenção e carinho com ela. Quando percebeu que não era como ela

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Da Gestalt-Terapia

imaginava, sofreu muito. Sentiu vergonha de falar que gostou de outra mulher e quis saber a
minha opinião. Percebi neste momento o medo da desaprovação das pessoas (inclusive a
minha), então deixei claro que o amor é algo natural que acontece entre duas pessoas, que
podem ser do mesmo sexo ou não. Maria sorriu neste momento, e conseguiu falar sem se
retrair. Não quis mais falar sobre esse sentimento e como já nos aproximávamos do final da
sessão, perguntei se queria me dizer mais alguma coisa. Maria falou que não, mas que
gostaria de voltar a conversar na próxima semana.

Um outro conceito da Gestalt-terapia que pôde ser observado nesta vivência, foi o da
experiência que se deu na fronteira de contato. Fronteira de contato é o “lugar” onde se dão
os eventos psicológicos, onde acontecem os sentimentos. Para que haja contato, é preciso
haver a vivência experimentada pelo cliente, a experiência. É na fronteira de contato que os
atos ocorrem, é onde há as mudanças, onde o cliente percebe o momento presente, o que
sente, assimila e se abre para o novo (MORAES e D’ACRI, 2014). É assim que iniciamos o
processo terapêutico em Gestalt-terapia, através desta experiência na fronteira de contato, e
do quanto o cliente será tocado pelo contato estabelecido com o terapeuta e consigo mesmo.

Nesta primeira sessão observei que Maria apresentava características de timidez, era
determinada, tinha sonhos e objetivos como querer trabalhar, ser chefe de cozinha e tirar
carteira de motorista. Segundo Lima et al (2013) e Dias (2014), no desenvolvimento do
jovem adulto, percebe-se que o trabalho é um dos marcadores deste processo, e deve ser
incentivado nas pessoas com deficiência intelectual, pois além da inserção no mercado de
trabalho, possibilita maior independência e atua também como uma forma de inclusão social.
O trabalho também está atrelado ao processo de construção de identidade do sujeito, pois
através das relações resultantes deste convívio, a pessoa com deficiência intelectual se
identifica e sente-se parte do papel que os trabalhadores desempenham na vida social (LIMA
et al., 2013). A exemplo disso, em seu relato sobre sorveteria, quando diz: “… me sinto útil
quando estou trabalhando na sorveteria, me sinto como sendo alguém como as outras
pessoas que trabalham”.

Embora Maria tenha aprendido a fazer algumas coisas na cozinha nas aulas de culinária, em
casa, relatou que não possui este incentivo dos pais, os quais falavam que ela iria estragar as
coisas, que ela não sabia cozinhar, que era desatenta e desastrada. Segundo Rosa e Denari
(2013), os pais de pessoas com deficiência intelectual, podem desenvolver a tendência de

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Da Gestalt-Terapia

caracterizar o filho enfatizando suas limitações, não promovendo suas possibilidades de


desenvolvimento. Esta atitude reflete as informações do conceito do modelo médico
organicista, o qual destacava as incapacidades dos sujeitos.

Através desta sessão, percebeu-se o pouco envolvimento afetivo dos pais, e Maria, com
poucos recursos emocionais, deslocava sua carência afetiva para as relações com as
professoras e funcionários da instituição, considerando-as como mães. Foi possível identificar
este aspecto em sua fala, “… para mim, T. e C. são como uma mãe, me ajudaram, cuidaram
de mim sempre que precisei, me deram atenção e carinho. Não tenho muito esse carinho da
minha mãe e nem do meu pai, tenho esse carinho aqui”.

O envolvimento entre pais e filhos com deficiência intelectual é imprescindível para um bom
desempenho nas habilidades sociais e interpessoais dos filhos, desta forma pais com
dificuldades nestas relações, podem afetar o relacionamento emocional com seus filhos,
além de apresentar um modelo disfuncional de relações afetivas destes sujeitos (CIA et al.,
2006; CARDOZO e SOARES, 2011). Maria estava em um momento de construção das suas
percepções, sobre si e também sobre o mundo que a cerca, e desta forma estava
vivenciando e conhecendo novos sentimentos. Pôde-se observar como algumas de suas
relações estavam se formando a partir destas percepções e interações.

4.2 SESSÃO 02

Na segunda sessão, Maria chegou menos tímida e se comunicou melhor. Em alguns


momentos ainda se retraiu, abaixando a cabeça para falar, mas na maioria do tempo
conseguiu conversar. Tomou iniciativa de falar mais sobre algo que relatou na sessão
anterior, sobre seus sentimentos em relação a dúvida que sentia se gostava mais de homens
ou mulheres.

Relatou que quando era criança, seus pais a vestiam com as roupas usadas por seus irmãos
mais velhos. Ela nunca se importou, gostava de soltar pipa e jogar bola, o que para ela
representava brincadeiras de meninos. Relatou novamente o processo que superou para
falar em público e da importância do psicólogo da instituição. Ficou tímida e disse que estava
gostando do psicólogo como gostou da professora da instituição, mas ao mesmo tempo,

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sentia-se atraída quando via uma mulher na rua. Durante todo seu discurso Maria sentiu-se
tímida, mantendo os olhos abaixados quando falava.

Foi possível perceber que Maria estava vivendo dois momentos interessantes sobre seus
sentimentos. Um, referia-se aos sentimentos de carinho e atenção não vivenciados no seu
contexto familiar, os quais ela poderia ter deslocado para outras relações, como na interação
com o psicólogo da instituição, que foi uma pessoa importante, que a auxiliou num momento
significativo de sua vida. O outro momento, foi a percepção em relação a sua sexualidade.
Minha intervenção foi no sentido de acolher estas demandas e compreendê-la, possibilitando
a expressão e entendimento destes sentimentos.

Observando esta sessão, foi possível verificar na Gestalt-terapia, que através da experiência
vivenciada no campo/ambiente por Maria, uma figura começou a se formar, o que neste caso
se caracterizava pela necessidade de compreensão do sentimento dúbio, gostar de mulheres
ou de homens. A necessidade que se caracterizava como fundo, vinha ao encontro desta
figura que se formava no presente, através da experiência vivida no campo. Segundo Alvim
(2014), através do excitamento ou da energia presente no campo/ambiente, o que está no
fundo vai em direção a esta figura em formação, e o novo pode ser visto, sentido e aceito.
Entende-se por figura e fundo, o princípio base da teoria da Gestalt.

Fazendo uma relação com os aspectos envolvidos nos contextos socioculturais que Maria
estava inserida, a construção da identidade está associada ao modo como o indivíduo
interage com o meio ao qual está inserido, e esta interação está em transformação, ou seja,
se o meio social muda, a maneira de interpretar os eventos e a visão de si, se modifica da
mesma forma (LEITE e MONTEIRO, 2008). Diante disso, observou-se na fala de Maria, “…
sempre me vesti com as roupas de meninos dos meus irmãos, meus pais me davam estas
roupas, e sempre brinquei com brincadeiras de meninos, gostava de soltar pipas e jogar bola.
Mas hoje eu gosto de passar batom e colocar brincos, mas acho outra mulher bonita, gosto
de olhar para outras mulheres…”

Neste sentido, Dias (2014), discute a visão histórico-cultural de Vygotsky, a qual o sujeito
produz a sua história numa relação de interação com o contexto sociocultural que está
inserido, produzindo desta maneira, suas necessidades pessoais. E como esta relação é uma
via dupla, as próprias necessidades pessoais estabelecem mudanças na visão do sujeito com

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o meio, e possibilita a busca de outros caminhos.

Desta forma, observou-se que Maria interagia com o contexto social que estava inserida,
vivenciando suas necessidades pessoais, que no seu caso eram as relações afetivas
familiares, e também a construção de sua sexualidade, deixando-se experimentar
sentimentos novos, como a atração que sentia por outras mulheres.

4.3 SESSÃO 03

Maria chegou na sessão um pouco apreensiva e começou a relatar um momento de susto


com sua sobrinha que precisou operar. A criança tinha 4 anos e Maria dizia que gostava
muito dela. Foi a primeira vez que falou mais sobre sua família. Relatou sobre a cunhada, a
qual gostava muito e tinha muito carinho, esta sempre foi atenciosa com Maria. Em seus
aniversários, sempre que possível, a cunhada ia até a sua casa e levava um presente, e isto
sempre a deixou feliz. Relatou que todos os anos no seu aniversário, ficava esperando seus
pais fazerem uma festa surpresa para ela, o que nunca aconteceu. Percebi que Maria se
emocionou neste momento, pontuei isso com ela que assentiu com a cabeça, mas não quis
mais falar sobre este sentimento nem sobre seus pais.

Perguntou-me se eu gostava de novelas e começou a falar sobre as novelas mexicanas que


ela gostava de ver. Maria me contou um pouco da novela que estava acompanhando
atualmente e percebi que uma personagem específica da novela chamava atenção em seu
relato. Maria apresentava grande admiração ao relatar a personagem, e resolvi explorar um
pouco mais a história.

Ela então me explicou que a personagem havia sofrido uma grande decepção em sua vida,
havia sido deixada no altar no dia do seu casamento. Esta personagem depois de chorar
muito, se refazia desta decepção, cortava o vestido de noiva, olhava-se no espelho e gritava:
“Eu sou a dona”. Maria repetia esta frase me olhando nos olhos e com um tom de voz alto.
Contou-me que esta personagem era a sua inspiração, porque ela também queria ser a dona
de si, da sua vida. Se emocionou muito neste momento, e disse-me que queria trabalhar para
poder morar sozinha e ser a dona da sua vida. Deixei que ela chorasse, respeitei o seu
momento. Quando foi questionada se morando com a família se sentia “a dona da sua vida”,

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ela respondeu que não, “no meu quarto não tem porta, eu não posso nem fazer um café
sozinha quando tenho vontade. Não posso nem conversar em casa que eles já me xingam,
brigam comigo”. Houve muita emoção neste momento.

Maria iniciou a sessão falando de uma preocupação com um membro da família e terminou
seu discurso fazendo uma alusão com o que sentia e uma personagem da novela que
assistia. Conseguiu acessar seus sentimentos naquele momento através da necessidade de
se expressar o que surgiu durante o momento de terapia. Desta forma, conseguiu perceber e
sentir a experiência e, sobretudo, vivenciou-a de tal forma que quando se permitiu falar a
frase “eu sou a dona” em voz alta, percebeu sua grandeza, satisfez sua necessidade real
daquele momento, aceitou, assimilou e compreendeu o contato com o novo.

Segundo Alvim (2014), a noção da consciência de si, ou seja, a awareness é algo que envolve
a totalidade do indivíduo, mente e corpo e representa a própria experiência vivenciada pela
pessoa no aqui agora, possibilitando a abertura para o novo, formando um saber da
experiência para o indivíduo.

Nesta sessão foi possível verificar que Maria apresentava o desejo de ser independente e ter
mais autonomia na sua vida. Novamente a relação familiar atravessava estas questões,
fazendo com que o desejo de liberdade e independência se misturasse com a “fuga” de um
ambiente familiar não favorável.

Achei incrível a relação que a mesma fez com a frase dita pela personagem com a sua
vontade de mudar e ter mais independência, e sobretudo, como esta relação fazia parte da
construção da sua percepção de si mesma. Percebi que a sua vontade de querer sua
independência era um ponto forte que deveria ser valorizado para mantê-la na busca para
realização dos seus objetivos e sonhos.

4.4 SESSÃO 04

Maria chegou para a sessão trazendo um livro e disse que gostaria de treinar sua leitura e
escrita para tirar sua carteira de motorista. Então me recordei, que quando Maria me relatou
na primeira sessão sobre sua vontade de obter a carteira de motorista, me perguntou o que
ela deveria fazer, pois apresentava dificuldade na leitura e na escrita. Eu havia falado

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naquele momento que ela poderia melhorar sua leitura lendo mais. Percebi naquele
momento sua característica relacionada a sua determinação. Combinamos então que no final
de toda sessão treinaríamos um pouco, o que valorizou seus sentimentos e sua vontade.
Maria falou pouco dos seus sentimentos nesta sessão, estava preocupada com as novas
eleições para o cargo que ocupava na autodefensoria que aconteceria em breve. Conforme
relatado anteriormente, ocupar este cargo, significava fazer parte de algo, ter valor, sentir-se
útil, e desta forma, caso não fosse reeleita, significaria perder tudo aquilo que ela havia
conquistado quando foi eleita para o cargo. Fiz uma intervenção no sentido de explicá-la que
o cargo era rotativo e que ela poderia continuar envolvida de outras formas na instituição.
Maria concordou e começou a falar novamente da sorveteria e da possibilidade de procurar
trabalho com a coordenadora da instituição.

Através da intervenção, observou-se o movimento de buscar outras alternativas partindo


dela própria, pontuei isto com ela ressaltando o quanto era importante ela buscar outras
opções diante das situações, e o quanto ela era capaz de fazer isso. Encerramos a sessão.

Nesta sessão foi possível verificar um conceito da Gestalt chamado ajustamento criativo, que
define a maneira como a pessoa lida com uma não satisfação imediata de uma necessidade
desejada, buscando outras formas, outras possibilidades (LIMA, 2014).

Percebeu-se mais uma vez a determinação e a busca de Maria por maior autonomia e
independência em sua vida, e embora o cargo que ocupava não fosse remunerado, era o
sentido deste cargo que era importante, com ele era como se exercesse uma função,
sentindo- se útil com a sensação de pertencimento, sentido este, que vai além da
independência financeira. Segundo Lima et al (2013), o trabalho para o deficiente intelectual
significa para além do desempenho de funções e papéis, independência financeira,
representa a independência pessoal, uma forma de sair da invisibilidade e passar a ser visto
diante do contexto social, e sobretudo, ser visto fora dos estigmas de incapacidade, é o
pertencer a um grupo social.

4.5 SESSÃO 05

Maria chegou mais animada para esta sessão, relatando que passou o final de semana na

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casa dos tios que moravam na zona rural. Gostava de ir para lá, andar de bicicleta e de ficar
na companhia destes tios. Maria ainda estava muito ansiosa com as eleições, então procurei
trabalhar com ela outras possibilidades além do cargo, e começamos a explorar outras
coisas.

Disse-me que iria procurar a coordenadora da instituição para ver um trabalho para ela, fora
ou dentro da instituição, para desta forma continuar se sentindo útil. Falou que iria se
empenhar mais em treinar sua leitura para entrar na autoescola. Maria voltou a se animar ao
fazer planos e pareceu perceber outras opções caso não seja eleita novamente para exercer
o cargo que ocupava.

De repente Maria ficou em silêncio por um instante e lembrou que o seu aniversário estava
próximo. Percebi que ela ficou com um semblante triste e então perguntei sobre este
sentimento. Maria assentiu com a cabeça e começou a relatar que todo ano ela ficava
esperando uma festa com balões e bolo, mas seus pais nunca faziam. Ela sempre ficava
pensando que eles não falavam com ela durante o dia do seu aniversário porque iriam lhe
fazer uma surpresa a noite, mas isso não nunca acontecia. Maria voltou a demonstrar muita
tristeza e relatou que já contou para os pais sua vontade de fazer uma festa, mas eles
falaram que era bobagem da cabeça dela. Maria chorou, me disse que ficava muito triste
com isso todos os anos. Respeitei seu momento, e ela então decidiu que gostaria de ler o
livro com a minha ajuda para treinar a sua leitura. Percebi que Maria não queria mais falar
sobre isso e então respeitei o seu tempo e sua vontade.

Observei que nesta sessão ela não voltou a falar dos seus sentimentos pelo psicólogo da
instituição e nem pelo seu interesse em outras mulheres. Novamente, respeitei o tempo e a
necessidade que a ela trazia para aquela sessão. Naquele momento, o que a afligia, eram as
eleições e a expectativa em relação ao seu aniversário.

Observei também que pedir para ler o livro depois de momentos que envolviam grande carga
emocional ou que a tinham tocado de alguma forma, estava sendo comum, como uma forma
de defesa. Em Gestalt-terapia tratamos estas defesas, dependendo da maneira como se
apresentam, como ajustamentos disfuncionais, os quais levam a pessoa a se esquivar de
algo novo que está emergindo, cortando desta maneira o contato (SCHILLINGS, 2014).

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A este movimento de Maria, geralmente no final das sessões, me pareceu se caracterizar


como uma forma de egotismo disfuncional, o qual consiste em evitar surpresas, aquilo que é
novo e que está emergindo naquele momento. O indivíduo busca parar de certa forma seu
envolvimento, bloqueando seu contato com o novo e com o outro (SCHILLINGS, 2014).

4.6 SESSÃO 06

Nesta sessão Maria estava mais animada porque havia ido falar com a coordenadora da
instituição a respeito de um trabalho e acreditava que daria certo. Falou com tristeza do seu
aniversário que passou, e mais uma vez sua família não fez sua festa. Falou das eleições um
pouco mais tranquila e disse que continuaria participando do grupo de outras formas, e que
agora estava querendo treinar sua leitura também para ajudá-la a conseguir um trabalho.

Contou que sonhou que morava sozinha e estava trabalhando, e quando acordou do sonho,
deu risada e falou para si mesma que iria conseguir. Percebi que Maria estava buscando nos
planos de ter um trabalho um recurso para lidar com o sofrimento que vivenciava no
contexto familiar. O sonho em Gestalt Terapia não busca por interpretações, mas sim o que
ele representa e provoca no cliente no momento em que o mesmo o relata (FILHO, 2015). No
caso de Maria, ao falar sobre o sonho, sentia alegria, promovia melhores perspectivas em
relação ao futuro e a motivava. E foi esta motivação que pontuei para ela.

Começou a contar sobre um passeio que deu no centro da cidade sozinha. Durante o passeio
percebeu que as mulheres chamavam mais a sua atenção do que os homens, porém
acreditava que estava gostando de um homem.

Diante disso, começamos a conversar sobre as possibilidades existentes em relação às


maneiras de se relacionar sexualmente e amorosamente com alguém. Maria se animou e
optei por fazer desenhos de tipos de casais para ajudar na expressão da minha fala e na sua
compreensão. Desenhei vários casais (homem e mulher, mulher e mulher, homem e
homem). Depois conversamos sobre gênero e identificação, utilizando exemplos. Estratégias
e outros recursos efetivos como filmes, imagens, dramatização, favorecem a compreensão
das informações pelos deficientes intelectuais, além de permitir um ambiente favorável para
a relação de vínculo que se estabelece (MORALES e BATISTA, 2010).

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Em seguida, perguntei sobre suas dúvidas, e ela me perguntou sobre uma pessoa famosa
que aparecia na televisão, que era um homem trans. Expliquei para ela que esta pessoa era
uma transexual, que nasceu com sexo feminino, mas que sempre se identificou com o sexo
masculino, e hoje havia assumido a identidade masculina e apresentava aparência de um
homem, e também era casado com uma mulher. Expliquei também que era possível uma
mulher gostar de outra mulher sem a necessidade de se parecer com um homem, aí ela
mesmo me trouxe um exemplo, de uma cantora que era mulher e se vestia como uma
mulher, mas que namorava outra mulher. Então aproveitei o interesse que Maria estava
apresentando e expliquei também que existe a possibilidade de uma mulher gostar tanto de
homem como de mulher. Ela sorriu e me perguntou se era verdade, se isto podia mesmo
acontecer, respondi que sim. Relatou então que já tentou beijar um menino, mas que não
gostou, mas quando pensava em namorar uma mulher, ela se sentia bem. Voltamos a falar
das pessoas que utilizamos como exemplo, Maria relatou que era fã da celebridade que era
transexual, que ela mesmo sempre vestiu roupas masculinas repassadas dos seus irmãos
mais velhos, porém hoje, gostava também de passar batom e usar brincos.

Percebi então uma dúvida em sua identidade sexual, em saber quem era, em como se
identificava, e quem gostaria de ser. Maria me disse que iria pensar sobre o que
conversamos e em seguida encerrei a sessão.

Maria se encontrava no processo terapêutico aberta ao novo e as suas necessidades reais


que surgiam durante as sessões. Às vezes se expressava com timidez, mas não desistia,
perguntava e muitas vezes, por ela mesma, trazia as respostas. Estava cada vez mais
vivenciando as experiências através da fronteira de contato, ou seja, Maria percebia o que
queria, e fazia o movimento de se permitir a vivenciar a experiência em busca do
autoconhecimento e do que acontecia no momento da terapia.

Nesta sessão foi possível perceber como as informações sobre a sexualidade são necessárias
aos deficientes intelectuais. Estas informações muitas vezes são omitidas pela família, por
pensar nos filhos deficientes sempre como eternas crianças. Alguns mitos (assexualidade ou
hipersexualidade) também permeiam este assunto, e profissionais da saúde muitas vezes
também limitam as informações aos deficientes intelectuais.

Segundo Gesser e Nuernberg (2014), as consequências da falta de acesso às informações

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sobre a sexualidade às pessoas com deficiência intelectual, podem ir desde o isolamento


social até maiores chances de abuso e infecção de doenças contagiosas. Estes fatores
somados a exclusão social e a discriminação para com as pessoas com deficiência, fazem
com que esta população se torne cada vez mais vulnerável a comportamentos de risco e
também à violência sexual.

Outro ponto a ressaltar nesta sessão foi a construção da identidade sexual, Maria se
encontrava perdida, pois não tinha um contexto familiar favorável, com o qual ela pudesse
receber informações e vivenciar papéis referentes à sua sexualidade. De acordo com Maia e
Camossa (2003), questões de identidade de gênero ocorrem na infância e vão se
desenvolvendo através das relações sociais do indivíduo. No caso das deficiências
intelectuais, essa identificação é muitas vezes prejudicada, pois as crianças deficientes
intelectuais acabam tendo pouco contato social e sua identificação passa a ser baseada em
comportamentos de certos ou errados e socialmente aceitos estabelecidos pela família.

Fora do contexto familiar, Maria não tinha outras relações de amizade, somente na
instituição, e com suas características de timidez e inibição, muitas vezes não conversava
sobre suas dúvidas sobre sexualidade nos grupos que participava.

De acordo com Maia e Ribeiro (2010), por muito tempo a sexualidade esteve sob o prisma de
certo ou errado, ganhando contornos de normatividade e repressão. Em relação a
homossexualidade entre os deficientes intelectuais, era algo não discutido, e quando era
citado, era posto como uma forma de brincadeira, considerando o comportamento como algo
infantil, já que estas pessoas são consideradas por muitas pessoas como eternas crianças.

4.7 SESSÃO 07

Maria chegou para esta sessão animada, tomou iniciativa do início da conversa, dizendo que
pensou muito sobre o que conversamos na última sessão e me contou que fez várias
descobertas. Com o celular na mão pediu para mostrar o que ela havia descoberto. Começou
então a mostrar vários canais na internet de casais homoafetivos que eram casados e tinham
uma vida juntos. Ia mostrando diversas pessoas e contava das histórias dos vídeos. Quando
relatava as histórias, demonstrava alegria e satisfação. Relatava que em alguns casos a

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família apoiava, outros não, e falava das dificuldades e preconceitos relatados pelas pessoas
dos vídeos, e nestes momentos demonstrava preocupação.

Quando foi questionada sobre como ela se sentiu descobrindo estas pessoas na internet e
como se sentia naquele momento, Maria falou que sentiu um grande alívio, que tirou um
peso das suas costas, por ter percebido que assim como ela, existiam outras pessoas que
vivenciavam estes sentimentos. Tinha medo do preconceito que as pessoas diziam passar
nos vídeos e, principalmente, o medo de sua família não aceitar. Então Maria falou que era
preciso lutar pelo que queria, e que naquele momento, ela queria um trabalho para poder
morar sozinha e conquistar sua independência.

Maria relatou que naquele momento sabia que gostava de mulheres e que o que sentia pelo
psicólogo da instituição era amor de amigos e admiração. Em seguida pediu para ler o livro,
respeitei o seu tempo e encerrei a sessão.

Através deste relato observou-se o que chamamos de fechamento da Gestalt, que através da
fronteira de contato, da experiência ali estabelecida, e da interação com o meio sociocultural,
as necessidades são acolhidas e respondidas da melhor forma pelo ajustamento criativo
(SALOMÃO et al., 2014).

Esta sessão foi importante para que Maria pudesse se reconhecer e perceber que era
possível viver sua sexualidade. Quando encontrou na internet outras pessoas com as quais
se identificava, sentiu-se aliviada como demonstrou em sua própria fala “… senti um alívio
muito grande, como se tirasse um peso das minhas costas. Descobri que posso sim sentir
isso”. Neste sentido, os autores Maia e Camossa (2003), discutem que os deficientes
intelectuais recebem da família uma educação sexual que é atravessada por mitos e
preconceitos, prevalecendo a ideia de repressão, o que leva de certa forma, à negação e a
não expressão da sexualidade por estas pessoas.

É possível pensar o que os autores Maia e Camossa (2003) discutem, fazendo um paralelo
com a interação que o indivíduo faz com o meio. Ao pensarmos em termos da Gestalt-
Terapia, esta interação está diretamente relacionada à manutenção do fluxo de awareness.
Este fluxo depende desta interação com o meio, portanto quando há algum conflito ou
alguma tensão do tipo valores, crenças, moral introjetada, padrões sociais, envolvidos na

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Da Gestalt-Terapia

fronteira de contato, o fluxo de awareness será afetado, impossibilitando formações


adequadas de Gestalten[6].

4.8 SESSÃO 08

Esta sessão foi mais curta que o habitual porque tivemos uma reunião na instituição o que
reduziu o tempo de atendimento. Percebi que Maria estava ansiosa esperando a sessão.
Entrou na sala, estava animada e logo iniciou a conversa. Contou-me que participou de um
evento de instituições para deficientes intelectuais que aconteceu em outra cidade.

Relatou que viajou com outras pessoas da instituição, se hospedou num hotel e comeu coisas
diferentes. Estava claro a alegria de Maria. Quando a questionei sobre o que mais gostou e o
que a viagem significou para ela, Maria falou que gostou da sensação de liberdade, de poder
dormir num quarto com portas e de estar longe dos problemas, e ainda complementou que
estava pensando em um projeto de vida, mas que na próxima semana conversaríamos sobre
isso.

Foi possível verificar a motivação e o surgimento de novas perspectivas a partir do que Maria
havia vivenciado nas sessões anteriores, e que novas figuras estavam emergindo. Ela estava
também buscando formas para lidar com estas novas necessidades.

4.9 SESSÃO 09

Maria entrou na sala e imediatamente percebi um olhar triste, estava com a cabeça baixa e
os olhos cheios de lágrimas. Não falou de imediato, ficou em silêncio por um tempo.
Respeitei o seu momento e falei que eu havia percebido sua tristeza e que estava ali para
ela.

Disse-me que precisava muito conversar, porém ficou em silêncio com a cabeça baixa. Maria
então começou a relatar que teve uma briga em casa com os pais, e estava se sentindo
muito triste por isso. Contou que procurou a mãe para conversar sobre começar a trabalhar,
e que a coordenadora da instituição a procuraria para falar sobre este assunto. A mãe não
gostou, se opôs a ideia e depois começou a brigar. O pai também brigou e gritou com ela.

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Da Gestalt-Terapia

Maria ficou muito abalada e afetada pela discussão.

Relatou que não se sentia bem em sua casa e que gostaria de ter o seu lugar. Chorou muito
durante a sessão. Falou pela primeira vez na mãe biológica. Relatou que sabia quem era sua
mãe biológica, que tinha pouca relação com ela, e que evitava o contato para não gerar
conflitos na sua casa, já que sua mãe adotiva não aceitava bem esta aproximação. Não tinha
vontade de morar com a mãe biológica, pois acreditava que estaria somente mudando o
problema de lugar, porque não teria a liberdade que almejava da mesma forma. Falava que
isso não fazia parte do seu projeto de vida.

Começamos então a conversar sobre o seu projeto de vida, achei interessante essa
expressão utilizada por Maria, e pontuei isso com ela. Maria então contou-me que o seu
projeto de vida era arrumar um emprego, ter o seu “cantinho” para morar e tirar a carteira
de motorista, e que para isto estava treinando sua leitura e conversando com a
coordenadora da instituição a respeito de trabalho.

Mantendo-se em mente o diagnóstico processual, defendido pela Gestalt-terapia no processo


terapêutico, além de reconhecer as dificuldades da pessoa, levamos em consideração os
ajustamentos criativos que esta possui, para que estes nos levem a trabalhar com as
potencialidades destas pessoas (FRAZÃO, 2015).

Novamente observou-se o conflito existente no contexto familiar atravessando as relações e


a vida de Maria, contudo, através do ajustamento criativo, ela encontrou maneiras de lidar
com o conflito, mantendo seus planos através do que chama de “seu projeto de vida”.

Foi possível perceber nesta sessão, que algumas situações de conflito existentes no meio
podem afetar o ajustamento criativo do indivíduo, fazendo com que este passe a ser
disfuncional e a produzir awareness distorcidas, dificultando a expressão e satisfação das
reais necessidades da pessoa. Algumas destas situações são os conflitos que se instalam
quando as necessidades reais da pessoa se rivaliza com as relações estabelecidas com seu
meio. Desta forma, a pessoa para manter o bom funcionamento destas relações e diminuir o
conflito, não expressa suas necessidades emocionais, o que resultará em consequências no
momento presente de vida (FRAZÃO, 2015).

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Da Gestalt-Terapia

Esta situação familiar era delicada e precisava ser conduzida com cuidado, pois embora
Maria tivesse o desejo de se tornar mais independente e morar sozinha, ela iria necessitar de
ajuda e acompanhamento nesta transição. E era importante o apoio e ajuda familiar neste
sentido.

Maria queria mudar, conquistar o seu espaço e a sua independência, e estava caminhando
para esta mudança. Ela sabia quem era e o que queria, e estava começando a ter iniciativas
para conquistar o que desejava.

4.10 SESSÃO 10

Esta foi a última sessão dos atendimentos de Maria devido ao tempo acadêmico do estágio.
Há algumas semanas anteriores, já havia sinalizado para ela sobre o término das sessões.
Realizei com Maria uma breve retrospectiva do seu processo terapêutico, o que possibilitou
mostrar-lhe como conseguiu identificar e expressar seus sentimentos, construindo uma nova
percepção de si. Conversamos também de como ela conseguiu buscar recursos para
superação das suas angústias.

Maria me deu um retorno bastante positivo desse tempo que estivemos juntas, disse que o
principal, segundo ela, foi “saber quem eu sou e quem eu posso ser”, demonstrando mais
uma vez como o processo foi importante para a percepção de si mesma e do mundo.

Em Gestalt-terapia, o processo psicoterapêutico é contínuo, e a pessoa que iniciou este


processo, tenderá a continuar desenvolvendo awareness possibilitando fechamentos de
Gestalten. O que se encerra, é o encontro com o terapeuta, o testemunho no processo
terapêutico (FUKUMITSU, 2015).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi possível acompanhar o processo psicoterapêutico de uma jovem adulta
com deficiência intelectual leve, onde vários aspectos do desenvolvimento foram
observados, como a busca pela independência e autonomia através do trabalho, sentimentos
e descobertas relacionadas à sexualidade, e a construção da identidade refletida pelos

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Da Gestalt-Terapia

contextos socioculturais aos quais estava inserida.

Para além das classificações, este trabalho favoreceu conhecer o lugar que a deficiência
ocupava na vida desta jovem, e qual era a relação que este sentido representava, para que
ela pudesse construir sua percepção em relação a si própria e também ao meio com o qual
se relacionava.

A pessoa sujeito deste estudo, percorreu um caminho que possibilitou um processo de


autoconhecimento, permitindo que a mesma descobrisse e vivenciasse novos sentimentos e
experiências que estavam associados às suas necessidades no presente momento de sua
vida.

Como sujeito da sua própria história, Maria é determinada na busca pela realização dos seus
objetivos e sonhos, e está no caminho para conquistá-los. Acredito que a mesma deverá ser
assistida por mais um tempo para que ela não pare no seu processo de autoconhecimento,
autoafirmação e ressignificação de sua história. Talvez fosse interessante também um
acompanhamento familiar futuro.

Encerro este trabalho fechando também algumas das minhas Gestalten, as quais
possibilitaram uma reafirmação do meu desejo de trabalhar clinicamente, além da
ressignificação do meu olhar a respeito do processo psicoterapêutico. Para além de todas as
teorias e de todas as aulas que havia assistido até aquele momento, se apresentava a mim
uma pessoa com toda sua grandeza e mistérios envolvidos, que me tocou profundamente
com sua força e determinação. Esta experiência com o outro modificou o meu olhar, moveu
meus sentimentos e permitiu a abertura de um caminho para o meu crescimento enquanto
pessoa, estudante, mãe e futura profissional.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

6. Termo usado para expressar o plural de Gestalt (ALVIM, 2014).

[1]
Mestre em Biologia Animal (Magister Scientiae) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV),
Pós-graduado em “Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado para Autistas” pela
faculdade OPET, Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

[2]
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[3]
Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[4]
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

[5]
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.

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Enviado: Fevereiro, 2021

Aprovado: Março, 2021

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