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A laicidade vem à baila: a popularização de um debate necessário

Humberto Ramos de Oliveira Júnior é doutorando em Sociologia pela Universidade


Federal de São Carlos, graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de
Minas, membro do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (NEREP-
UFSCar) e também do Grupo de Estudios Multidisciplinarios sobre Religión e
Incidencia Pública (GEMRIP).

CPF: 061445286-44
Endereço: Rua Jacob Diehl, 73, Morumbi, Piracicaba/SP
CEP: 13.420-410
Fone: (19) 99850-9139

 Uma breve relação de artigos (curtos):

REQUIEM PARA MARIELLE: “SE ALGUÉM TEM QUE MORRER…”


http://www.gemrip.org/requiem-para-marielle-se-alguem-tem-que-morrer/

 Intervenção militar: o abraço dos afogados


http://www.justificando.com/2018/05/28/intervencao-militar-o-abraco-dos-afogados/

 Referência a artigos acadêmicos pode encontrada em meu lattes:


http://lattes.cnpq.br/1098253324138344
A laicidade vem à baila: a popularização de um debate necessário

O termo “laicidade” está mais presente hoje no debate público do que outrora, o que
não quer dizer que as pessoas saibam exatamente do que estão falando. Na
academia, especialmente nos cursos de ciências sociais, já havia um número
significativo de produções versando sobre este tema. O debate público sobre religião
e laicidade, entretanto, poucas vezes deve ter alcançado o nível em que hoje se
encontra.

Laicidade se torna um assunto mais relevante ao passo em que a religião assume


papel influente (quiçá decisivo) nos processos eleitorais e na política em geral. Em
2010, o tema do aborto se converteu em pedra de tropeço para a campanha eleitoral
de Dilma Rousseff (PT), dificultando sua campanha entre evangélicos e católicos
conservadores; em 2013, o pastor pentecostal Marco Feliciano foi eleito presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Federais; em 2016,
quando da votação que decidiria os rumos do processo de impeachment na Câmara
Federal da presidente Dilma Rousseff, Deus e a família surgem como fundamento
do discurso de grande parte dos votos proferidos pelos deputados que optaram pelo
seguimento do processo que destituiria a mandatária.

De lá para cá a presença de religiosos conservadores em importantes cargos do


poder federal se elevou. Os evangélicos conservadores assumem o protagonismo
na política institucional e abrigam-se próximos às esferas de decisão no atual
governo de Jair Bolsonaro (PSL). Se outrora postavam-se como antagonistas,
buscando barrar a tramitação de projetos de lei que em tese contrariavam suas
pautas (via de regra pautas relacionadas aos direitos humanos), agora já possuem
certa capacidade de proposição de projetos que viabilizem suas bandeiras bem
como a capacidade de influenciar decisões governamentais, como, por exemplo, as
que o Ministro da Educação vem tomando ao restringir o envio de verbas às
Universidades Públicas (instituições que, segundo estes conservadores, contribuem
para a irradiação de conteúdos ideológicos maléficos à família e à sociedade,
especialmente o “marxismo cultural”).

Alguns atores deste novo governo, ao se depararem com temas polêmicos relativos
a costumes e religião, sustentam que “o Estado é laico, mas o povo é cristão” ou
mesmo “o Estado é laico, mas ele é cristão” (Bolsonaro). Tais assertivas intentam
transmitir suposta oposição entre a laicidade do Estado e a religiosidade do povo
brasileiro, como se pudesse haver incompatibilidade entre estes dois fatos. Ocorre
que, atualmente, suscita-se o princípio da laicidade como um alerta aos rumos
tomados pelo atual governo. Este, por sua vez, rebate a partir de sua orientação
política conservadora com toques fortes de reacionarismo.

Nesse cenário, uma questão se faz importante: Por que o debate público sobre
laicidade fora tão escasso até hoje? A atuação política dos evangélicos e a
ampliação do seu poder de influência explicam a amplificação deste debate?

O Brasil é laico desde 1889, data da proclamação da república. Excetuando-se os


primeiros anos, que foram relativamente marcados por uma laicidade mais
contundente, os demais períodos da história republicana brasileira contaram com
significativa proximidade do catolicismo romano em relação ao Estado. Uma relação
de evidentes privilégios e que ainda pode ser notada, a título de exemplo, pela
presença de símbolos católicos nas mais diversas instituições públicas – desde o
STF às escolas públicas, com imagens de santos, crucifixos, entre outros.

Evidentemente, sendo a maioria da população católica, a representatividade


simbólica do catolicismo em estabelecimentos públicos pouco ou nada gerava de
desconforto aos cidadãos e cidadãs. É com o crescimento dos evangélicos que tais
questões passaram a ser problematizadas. Um crescimento que veio acompanhado
da busca por representação político-institucional. Seriam os políticos evangélicos, se
não os primeiros, os mais contundentes questionadores da manutenção de símbolos
religiosos católicos em locais públicos. Inegavelmente, um debate relevante, afinal a
religião que eventualmente goze da prerrogativa de ser representada na sede dos
poderes instituídos, repartições públicas diversas e em instituições de ensino
públicas, encontra-se em uma situação de privilégio ante as demais não
representadas. Tais fatos sugerem que o poder público pode não respeitar o
princípio da isonomia e, portanto, está inclinado na direção de um grupo específico
(ou permite-se afetar pelas demandas desse grupo).

Ironicamente, no atual momento da vida político-social brasileira, as posições e


discursos de evangélicos conservadores é que suscitam preocupação por parte
daqueles que nutrem apreço pela laicidade estatal. Ao inserirem-se no atual
governo, levaram consigo agendas como a cruzada contra o que chamam de
“ideologia de gênero”, a aversão a políticas públicas voltadas para o combate da
lgbtfobia bem como ao atendimento da população trans na área de saúde. Questões
como a posses e porte de arma, que anteriormente encontravam pouca recepção
entre estes atores, também têm sofrido alterações no modo como as compreendem,
sendo possível observar a fragmentação das opiniões acerca de tais temas.

Diante disso, grupos de defesa dos direitos humanos, movimentos da sociedade civil
e religiosos progressistas clamam pelo resguardo da laicidade estatal, ao que os
religiosos reacionários respondem alegando o caráter densamente religioso da
população sendo como uma espécie de contraponto à ideia de laicidade. Assim,
pode-se notar que o tema laicidade passa de uma condição na qual pouco ou nada
era debatido na esfera pública para outra na qual é discutido de forma bastante
imprecisa, demasiadamente raso. Sendo que, não raras vezes, até mesmo àqueles
que apelam ao referido princípio incorrem em imprecisões quanto à sua real
significação.

O cenário não é de todo ruim, no entanto. O fato de que o debate acerca da


laicidade do Estado começa a tomar amplitude (quantidade) na cena pública pode –
e possivelmente o fará – contribuir para a qualificação (qualidade) das discussões
acerca do tema. Em outras palavras, a popularização constitui uma importante
oportunidade para complexificar o debate. Neste caso, portanto, quantidade pode vir
a representar qualidade.

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