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Por uma organização revolucionária plural e radicalmente democrática


SP - 18 – 19/02 de 2017
Nosso horizonte.
Para iniciar a discussão, é importante refletir sobre o que almejamos, em termos
mais gerais, do ponto de vista de concepção de organização. Como queremos que
funcione nossa organização revolucionária? Para responder a essa pergunta – e
provavelmente a muitas outras – os elementos da experiência de formação e construção
da Insurgência podem ser bastante úteis. Quando empreendemos a difícil tarefa de
fundir organizações e buscar sínteses para a construção de algo novo, tínhamos em
mente a necessidade de construir uma organização “com vocação de sínteses
programáticas e organizativas, com vocação de aglutinar forças, e não dividir”: ela seria
ao mesmo tempo plural e democrática, e prevaleceriam valores como “solidariedade,
generosidade, paciência e respeito”. Esse era o sentido geral, o “espírito” da formação
da Insurgência. Foi na perspectiva de construir uma organização revolucionária plural,
dinâmica e democrática que nos encontramos em meados de 2013, em São Paulo, para
fundar em meio às mobilizações no país e com brilho nos olhos, aquela organização.

Acreditamos que esse “espírito” era sincero na maioria das pessoas que
formaram aquele processo. Neste sentido, as palavras colocadas em nossos documentos
fundacionais sintetizavam um sentimento e uma vontade comum das correntes, dos
coletivos e dos indivíduos que formaram a Insurgência. Entretanto, a despeito disso,
tivemos o desfecho que tivemos, com a inviabilização da Insurgência como organização
a partir, principalmente, de práticas sistemáticas que se distanciavam – e por vezes se
antagonizavam – com nossos marcos fundacionais. Quando cotejamos o sentido do
processo de formação da Insurgência com as razões pela sua divisão, 3 anos depois, um
aprendizado fica nítido: não bastam boas intenções – mesmo que verdadeiras – e belas
palavras para formar uma organização. As práticas cada vez mais distantes do
preconizado em nossos documentos e os seguidos “equívocos” antidemocráticos de
dirigentes e grupos na organização foram, aos poucos, demonstrando que não tínhamos
uma concepção comum de organização. O grande erro da Insurgência foi que, na
prática, adotou uma concepção de organização incompatível com o propósito de
construir uma organização pluralista. A maioria dos membros da sua Executiva adotava
a visão de que “uma organização leninista” tem obrigação de encaminhar posições
comuns sobre todas as questões, como se isso fosse uma espécie de princípio, mais do
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que por uma necessidade de eficácia. Isso, somado ao fato de que uma parte importante
da direção, em sua maioria formada por profissionalizadxs, passou a se compreender
como o núcleo “mais consciente” ou “mais militante” da organização e a adotar uma
atitude conspirativa e fracional, é o grande motivo do fim do projeto da Insurgência.

Assim, por melhores que fossem as intenções e as palavras, elas não foram
capazes de evitar a consolidação de uma concepção incompatível com o que
pretendíamos no início. Essa consideração é importante porque desloca as discussões de
questões morais e pessoais para questões mais propriamente políticas e de concepção de
organização. Nosso desafio, para não repetir os mesmos erros, passa a ser o de encontrar
sínteses sobre pontos organizativos decisivos na criação de condições para efetivamente
termos uma organização democrática e plural, que, potencializando sua diversidade,
possa dar conta de intervir na realidade em coerência com a busca pela transformação
radical que almejamos. Os cinco temas que abordamos a seguir – e que já foram
debatidos em nossos documentos anteriores – parecem fazer parte desses pontos
decisivos.

O papel da direção política.

É importante que tenhamos uma organização com divisão de tarefas, funções


definidas e instâncias que funcionem dinâmica e democraticamente. Um dos grandes
problemas da história das organizações revolucionárias na tradição comunista foi a
ilusão de que seriam infalíveis, dado que se viam como “a” direção iluminada do
conjunto de opirimdxs da sociedade. Essa ilusão gera a lógica de substituição: o partido
(infalível) substitui a classe (cheia de falhas); depois, a direção política (infalível)
substitui o partido (agora, na percepção da direção, não mais infalível), e assim se segue
o caminho para a destruição de toda democracia e diversidade, sobre o qual a história da
União Soviética tanto ensinou. Por outro lado, é preciso evitar os riscos de um discurso
fácil contra toda forma de instâncias ou regras de participação. Organizações que se
reivindicam sem estruturas, que buscam certo horizontalismo superficial, em geral
desembocam em uma dinâmica de funcionamento antidemocrática, que acaba por
privilegiar determinados indivíduos ou pequenos grupos em detrimento da totalidade.
Assim, concordamos e reivindicamos o balanço e as propostas de Jo Freeman,
reiteradamente utilizados nas discussões da IV Internacional, em um texto de 1970
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chamado “A Tirania das Organizações sem Estrutura”. Freeman termina suas reflexões
afirmando que se os princípios discutidos por ela forem aplicados,

(...) fica garantido que qualquer que sejam as estruturas


desenvolvidas pelos distintos grupos do movimento, aqueles
estarão controlados e responderão ante o grupo. O conjunto de
pessoas que se encontre em postos de autoridade será amplo,
flexível, aberto e temporário. Não poderão facilmente
institucionalizar seu poder porque as decisões últimas serão
tomadas pelo grupo em seu conjunto. Este terá a capacidade de
decidir as pessoas que exerçam autoridade em seu seio1.
Se nossos objetivos na condução de uma organização são os propostos por
Freeman, é nesses marcos que devemos discutir as funções da direção política de uma
organização. Defendemos que a direção compatível com uma organização que busca a
mais ampla democracia interna e a tomada coletiva de decisões tenha a função de
garantir que as formulações sejam as mais coletivas possíveis, coordenando processos
de debate e decisão coletiva de toda a organização. Responsabilizar-se pela formulação
não deve ser confundido com formular prioritariamente ou unicamente em suas próprias
instâncias de direção. Essa proposta é baseada na ideia de que não conseguiremos nunca
ser uma organização infalível e menos ainda ter uma direção infalível. Neste sentido,
quanto mais coletivas as formulações e as decisões, respeitadas as instâncias de base,
maiores as chances de acertarmos. A coletividade organizada é sempre mais sábia que
um pequeno grupo de indivíduos, mesmo que tenha sido indicado pela própria
coletividade.

Isso não significa que a direção não pode e não deve decidir nada nunca.
Significa que, sempre que possível, a função dela é fazer das decisões as mais coletivas
possíveis, de baixo para cima, e não de cima para baixo. Neste sentido, a dinâmica de
organização dos Organismos de Base, das direções locais, aliada à utilização de meios
de comunicação diversos para consultas e tomadas de decisão é fundamental. Em
situações de emergência ou que porventura não seja possível tomar a decisão coletiva
por questões de tempo – nunca de conteúdo –, a direção decide em suas próprias
instâncias e avança, levando em conta as condições nas quais a decisão foi tomada para
o conjunto da organização assim que possível. Garantida a função primordial de
coordenação política dos debates e as condições de participação da maioria na tomada

1
FREEMAN, Jo. La Tiranía de la Falta de Estructuras. Grifo e tradução nossas. Disponível em <
https://gate.iire.org/Ecosocialist%20School%202012/Day%2018/18-ES-ENTERO.pdf>
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de decisões e nas formulações, a tendência é o estabelecimento de uma relação de


confiança política cada vez mais forte, que inclusive legitima todas as decisões tomadas
pela direção em suas próprias instâncias sempre que o processo anterior não for
possível.

Preconizamos uma organização que possa, cada vez mais, ser um pouco daquilo
que desejamos ver no mundo. Neste sentido, se consideramos necessária a existência de
uma direção política, não podemos naturalizar a sutil opressão que muitas vezes
perpassa a relação entre dirigentes, supostamente dotados da capacidade de decidir, e
“dirigidos”, cujas opiniões valem menos. Não acreditamos que a existência de uma
direção política e a composição desta se devam ao melhor preparo de determinados
camaradas e menos ainda a qualquer infalibilidade destes. Justamente por isso,
defendemos que a principal tarefa da direção política em uma organização que se quer
radicalmente democrática é a de incentivar, pautar e organizar os debates no conjunto da
corrente. A tarefa central da direção política é, em outras palavras, fomentar a
construção de posições “de baixo para cima” no conjunto da organização, e não decidir
a linha em suas próprias instâncias e “baixar” para o coletivo.

“Golpear como um homem só”?


Do ponto de vista mais geral, o que orienta boa parte de nossas reflexões acerca
da forma através da qual devemos nos organizar são as reflexões de Ernest Mandel e
outrxs companheirxs no famoso documento Democracia Socialista e Ditadura do
Proletariado (DSDP). Naquele documento, foram criticados alguns dogmas estalinistas,
dentre eles a ideia da “infalibilidade do partido” como detentor do monopólio da
consciência política da classe, e a necessidade de este ser um bloco monolítico. No
fundo, a grande preocupação era com a necessidade de que qualquer experiência
organizativa e política socialista fosse radicalmente democrática, tanto para não cometer
os mesmos erros da experiência soviética hegemonizada pelo estalinismo quanto para
adequar-se ao combate a um capitalismo que havia se tornado muito mais complexo e
totalizador. Entendemos que o cenário de complexificação do capitalismo só se
acentuou, e que a necessidade de uma organização radicalmente democrática é cada vez
maior.

A pluralidade de nossa militância deve ser potencializada na construção de


sínteses que proporcionem melhores condições de intervenção na realidade. Muito mais
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do que “golpear como um homem só” ou como um bloco monolítico, nossa tarefa é
exercitar cotidianamente a construção de sínteses e o respeito à diferença, sem esmagar
nenhuma das posições existentes, e ao mesmo tempo fortalecendo as posições
majoritárias na organização com elementos das minoritárias. Com a construção de
consensos progressivos para formar posições e, sempre que necessário, com o
reconhecimento de que o “dissenso colaborativo”, inclusive para fora, pode ser também
fundamental durante a construção de posições unitárias no interior do coletivo. Se isso
pode nos tornar menos “afirmativos” e parecer estranho a outras organizações políticas,
que cobram posições monolíticas, rápidas e decididas de uma organização
revolucionária, nossa resposta deve ser muito simples: não é papel de uma organização
revolucionária fazer as afirmações mais incisivas e decididas, e sim transformar
efetivamente a realidade. A tradição da posição monolítica do partido leva a afirmações
muito incisivas, que por inúmeras vezes são desmentidas pela realidade. O passo
seguinte, normalmente, é, ao invés de autocrítica, tentar adequar a realidade às posições
tiradas anteriormente, gerando distorções interpretativas enormes.

A pluralidade de interpretações e até os momentos de dúvida fazem parte da


construção de sínteses e são a face de processos efetivamente democráticos, e por isso
podem e devem fazer parte das formulações da nossa organização. A ideia do dissenso
colaborativo permite a construção de sínteses e de posições as mais unitárias possíveis a
partir do reconhecimento de que diferentes experiências e formulações – dentro dos
marcos de uma orientação estratégica e programática geral, por óbvio - podem
contribuir com o mesmo objetivo.

Um desdobramento da discussão das características da centralização política da


organização é a questão do sentido de uma resolução ou orientação aprovada na
organização. Uma organização política deve tomar decisões dos mais diversos tipos:
orientações políticas mais gerais ou específicas, escolhas de frentes de atuação, detalhes
de suas intervenções. Estas decisões podem ser tomadas em diversos níveis (nacional
geral, setorial, estadual, local). Seu objetivo geral é o de ampliar a eficácia da atuação
do conjunto dxs militantes. O que é argumentado abaixo se aplica a decisões tomadas
em todos os níveis.

Aprofundando mais a discussão, podemos nos perguntar o seguinte: devemos ter


como objetivo, neste processo democrático e de origem plural, para a tomada de
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decisões, chegar, em algum momento, à homogeneidade da organização a respeito de


suas decisões ou opções? Entendemos que a busca da homogeneidade, em geral, não
deve ser um objetivo. Só deve estar presente se for uma condição de eficácia. Por outro
lado, em muitos casos - talvez a maioria - a manutenção do pluralismo pode
perfeitamente contribuir para uma maior eficácia da organização.

As orientações políticas aprovadas pela organização devem ser muito mais uma
referência para a militância do que uma definição estrita a ser obedecida. Com base
numa compreensão deste tipo do sentido de uma resolução, não apenas o debate pode
continuar depois dela, mas a ação individual dxs militantes pode ser diversa. Não
precisa, e não deve, ser homogênea.

Isto acontece porque militamos em contextos setoriais, regionais, locais,


distintos e plurais - e os contextos em que militamos devem dar lugar a diferenças de
atuação ou, até certo ponto, de linha (guardada uma orientação geral comum). Se não
for assim, não dialogaremos com xs companheirxs com quem convivemos nos distintos
movimentos e frentes de atuação. Nossa perspectiva estratégica (ou parte central dela) é
unificarmos não apenas a classe operária (que é plural), mas o conjunto dxs que sofrem
a opressão do capital (e a questão ecológica nos mostra que este conjunto é amplíssimo)
e as opressões favorecidas por ele numa luta pela auto-emancipação humana. Cada vez
mais, tomamos consciência de que este conjunto é muito heterogêneo, e se mobiliza por
razões muitos variadas: luta contra a exploração de classe, mas também contra a
opressão de raça, de gênero, de orientação sexual, de geração, pela solidariedade
ecológica, inclusive com as gerações futuras, por razões éticas (aspecto em que crenças
religiosas podem ter uma influência decisiva). Trata-se de uma enorme diversidade, que
deve levar a processos de auto-organização igualmente diversos, e que exigirão, de um
partido ou de uma organização que queira contribuir para esta auto-organização uma
diversidade, dinamismo e um pluralismo fortes. A regra geral não deve ser, portanto, a
busca da homogeneidade, mas a manutenção do pluralismo. Só devemos impedir o
desenvolvimento de orientações ou ações que sejam incompatíveis com os objetivos
programáticos gerais e com os elementos de estratégia que já definimos.

Há questões muito complexas sobre as quais há diferenças mais do que legítimas


nos movimentos sociais, para as quais o conjunto da esquerda ainda não encontrou
sínteses “definitivas”. Exemplos como os de concepção de feminismo, a questão do
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abolicionismo penal, entre outros, podem ser ilustrativos. Se o intuito é contribuir com
a construção de sínteses, não podemos almejar ter posição única – e talvez nem sequer
majoritárias – sobre essas questões. Há divergências no campo da esquerda que são
totalmente legítimas, e possivelmente benéficas às discussões e à construção do futuro
que queremos.

Relação com os movimentos e autonomia.


Não temos a ilusão de que somos ou seremos a direção revolucionária do
proletariado e de todas as classes subalternas no Brasil, e temos certeza absoluta de que
não somos infalíveis, assim como nenhuma direção política o é. Isso não significa dizer
que não temos papel algum a cumprir: somos parte – ainda bastante pequena – da
construção do mundo que queremos. Essa “revisão” na percepção sobre a centralidade
de nossa própria organização nos leva a uma discussão mais qualificada sobre a
autonomia.

A interação dialética entre a auto-organização livre e democrática


dos trabalhadores e a clarificação e direção políticas e
programáticas do partido revolucionário de vanguarda, cria
condições mais favoráveis para a conquista e o exercício contínuo
do poder pela própria classe operária.2
Aqui está o ponto chave da discussão sobre autonomia na relação com os
movimentos que animamos e os movimentos sociais. Estamos propondo uma reflexão
mais qualificada acerca da interação dialética necessária entre a auto-organização livre
e democrática dos trabalhadores e a “clarificação” (sic, termo usado pela tradução) e
direção política e programáticas do partido. Propomos localizar nestes marcos o debate
de autonomia que fazemos aqui. Primeiro defendemos a auto-organização da classe
como um aspecto estratégico da maior centralidade: todo o espírito do DSDP é
demonstrar os riscos derivados de o partido – ou sua direção – acreditar ser possível
substituir a classe, pensar por ela, formular por ela, e, no limite, governar por ela. Nós
não somos e jamais seremos a classe.

Os marxistas revolucionários rechaçam o desvio substitucionista,


elitista, paternalista e burocrático do marxismo que concebe a
revolução socialista, a conquista do poder e o exercício do poder
sob a ditadura do proletariado como a tarefa do partido

2
Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado, 1985. Disponível em
<https://www.marxists.org/portugues/tematica/1985/01/dsdp.pdf>
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revolucionário que atua ‘em nome’ da classe ou, na melhor das


hipóteses, ‘com o apoio da classe’3.
É justamente neste sentido que a autonomia dos espaços de organização e de
instrumentos de luta dos sujeitos revolucionários, entendida como auto-organização, é
estratégica. Mas o debate não termina aí. Precisamos refletir – para além da aposta na
autonomia dos movimentos sociais, da classe e sujeitos em geral – sobre nossa forma de
atuação ao lado e dentro da classe organizada e dos movimentos. Aqui as resoluções do
15° Congresso Mundial da IV Internacional são bastante úteis para nos ajudar.
Destaquemos uma parte:

Parte de la tradicional comprensión, característica de nuestra


corriente marxista-revolucionaria, de la relación entre el
movimiento de masas y el partido: (i) el respeto de la autonomía
y la democracia interna de los movimientos, lo que significa
igualmente una comprensión de sus sensibilidades y
mecanismos de funcionamiento específicos, y (ii) el rechazo del
concepto de una vanguardia esclarecida y arrogante, que actúa
de una manera parasitaria o somete al movimiento. Entre ser un
simple acompañante del movimiento, por um lado, y la
autoafirmación sectaria-ideológica, parasitaria del movimiento,
por otro, existe otro camino que nos diferencia de las corrientes
radicales sectarias que atraen a jóvenes que buscan opciones
revolucionarias fuertes y un compromiso militante. Nuestra
respuesta no puede ser la misma.4
Vem dessa constatação da necessidade de não repetir os equívocos sectários, por
um lado, e nem ser meramente um acompanhante do movimento (movimentismo), por
outro, a necessidade de organizarmos instrumentos animados por nós, porém mais
amplos do que nós, para atuar nos movimentos, respeitando sua autonomia e buscando
construir as lutas concretamente a partir deles. Como então lidar com esses instrumentos
que nós animamos? Temos quatro opções possíveis: 1) podem ser correntes compostas
única e exclusivamente por nossos militantes, uma reprodução das instâncias da
organização na disputa e construção dos movimentos mais amplos; 2) podem ser
correntes colaterais à organização, compostas e dirigidas completamente por nossos
militantes, mas agregando também independentes e intervindo nos movimentos mais
amplos; 3) podem ser correntes independentes, compostas por nós e militantes

3
Idem
4
Rol y Tareas de la Cuarta Internacional (extracto). Resolución del 15° Congreso de la Cuarta
Internacional. La CI ayer, hoy y mañana. (Grifos nossos).
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independentes, com direção e formulação compartilhada em seus próprios espaços e


intervenção nos movimentos mais amplos; 4) podemos optar por não animar
instrumento algum e não organizar nossa intervenção, atuando individual e livremente
nos movimentos mais amplos.

A opção 4 tornaria completamente irrelevante a existência de nossa organização


revolucionária. A opção 1 é contraditória com a percepção de que não temos condições
de sermos sozinhos a principal direção da classe no momento atual e com a percepção
de que não somos infalíveis. Acreditar em uma intervenção “pura” como a melhor
forma de dirigir um movimento mais amplo é desconsiderar as reflexões anteriores. Por
outro lado, é preciso de uma atitude que também “nos diferencie y nos identifique
claramente en la sociedade, em el movimento y respecto a las otras corrientes
ideológicas o políticas en el movimento social”. Restam as opções 2 e 3 e é aí que
devemos focar nossa discussão sobre autonomia, para não cometermos os mesmos erros
cometidos na Insurgência com relação ao RUA.

Ainda baseados nas resoluções do 15° Congresso, não buscamos negar a


importância de termos uma orientação, perfil e comportamento político definido e
independente dos movimentos; de ter uma intervenção mais visível e mais coerente; e
de termos uma coordenação interna mais forte. A nossa opção entre construir
instrumentos colaterais, com autonomia apenas formal e em aspectos menos relevantes,
ou construir instrumentos mais dinâmicos nos quais tenhamos direção e formulação
compartilhada com independentes, se situa nestes marcos.

O que argumentamos é o seguinte: a opção de construir colaterais com direção


exclusivamente de nossa corrente também não leva a sério o balanço feito
anteriormente, baseado em nossa tradição quartista, de que não somos a direção central
da revolução e nem somos ou seremos infalíveis. Na prática, essa alternativa é muito
parecida com a primeira no conteúdo, com a diferença sendo fundamentalmente de
forma. Propomos a terceira alternativa apresentada porque acreditamos ser a melhor
para a atual quadra histórica. Buscamos construir uma orientação, um perfil e um
comportamento político coerente com o abandono do “conceito de uma vanguarda
esclarecida e arrogante”: isso significa animar instrumentos mais amplos do que nós e
reconhecer que em cada um desses instrumentos as contribuições e formulações dos e
das camaradas que optaram por se organizar conosco naquele espaço, mas que não
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fazem parte de nossa corrente revolucionária, são tão importantes quanto as nossas. Para
debater e formular sobre as questões específicas de cada movimento, a contribuição dos
independentes tem tanta importância quanto as nossas formulações. Daí a defesa da
autonomia real inclusive dos instrumentos que animamos.

Nossa intervenção mais visível e coerente e a nossa coordenação interna para


atuar nestes instrumentos devem ser consonantes com essa orientação e esse perfil. É
claro que devemos levar nossas orientações estratégicas para os instrumentos que
animamos, e é claro que para isso é fundamental debatermos em nossos próprios
espaços acerca das políticas do movimento. Se compreendemos a importância de
garantir os debates e as formulações reais nas instâncias do próprio instrumento
animado por nós, não deve haver problema algum em debater questões táticas sobre as
quais podemos ter diferenças no interior da organização nas instâncias do movimento.
Além disso, permitimos assim que a construção de sínteses se dê de forma democrática
e que nossos militantes se formem “à quente”, nos debates reais de base do movimento,
evitando processos de burocratização ou legitimidade ossificada.

Profissionalizações da organização

Primeiro, é importante compreender que a estruturação “profissional” de uma


organização política pode potencializar muito sua capacidade de intervenção na
realidade, sua democracia interna e sua capacidade de funcionar de forma coerente.
Neste sentido, a garantia de estrutura material para que militantes com disponibilidade
de tempo, por um determinado período, cumpram funções unicamente relacionadas à
construção da organização e de sua política, deve ser um dos nossos objetivos. As
profissionalizações são, portanto, necessárias e xs militantes que se dispõem a esse tipo
de tarefas devem ser muito valorizadxs: seria um erro confundir a profissionalização ou
xs militantes que se dispõem a elas com os riscos que acompanham esse processo.

Entretanto, erro talvez ainda maior seria não reconhecer que esses riscos
existem. As profissionalizações, quando não são bem construídas pela organização,
podem gerar pelo menos duas ordens de problemas. A primeira se relaciona com os
próprios indivíduos, xs militantes profissionalizados. Quando essxs camaradas passam
muito tempo nessas funções, sem nenhum período de rodízio, isso tende a gerar uma
dependência dx militante com relação à estrutura da organização. Quanto maior o tempo
afastado do “mercado de trabalho” ou de sua formação profissional, mais difícil será
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retornar para outras funções que não as relacionadas à estrutura da organização. Essa
dependência pode gerar, nx militante em questão, um conflito de interesses: em algum
momento x camarada pode ser ver impelidx (por vezes até de forma pouco premeditada)
a tomar uma decisão tendo como critério primeiro sua manutenção na estrutura da
organização, e não a política correta ou melhor para o momento. É assim que ocorre o
processo de burocratização. Além disso, quanto mais tempo na estrutura da organização,
menos contatos com outras esferas da realidade o militante terá, o que também tende a
gerar lacunas de formação e de capacidade de leitura da realidade.

A outra ordem de problemas se relaciona com o próprio coletivo. Na medida em


que as profissionalizações se tornam ossificadas, a tendência é que se consolidem
grupos ou indivíduos com mais capacidade de fazer política que xs outrxs, o que pode
gerar distorções nas posições e nas discussões no conjunto da organização. Da mesma
forma que no caso individual, com o passar do tempo esses pequenos grupos podem
passar a defender mais sua própria posição na estrutura do que qualquer outra coisa.

Não há muitos segredos com relação à forma de buscar evitar esses riscos.
Primeiro, é preciso fortalecer muito a formação política de toda a organização com
relação à nossa estratégia, mas sobretudo com um debate profundo sobre a história da
burocratização no movimento operário e na esquerda, suas consequências, etc. Segundo,
é preciso defender e criar condições para o rodízio de cargos e profissionalizações. Por
fim, criar condições para que haja total transparência com relação a valores, fontes de
financiamento, tarefas e prestação de contas no que diz respeito às profissionalizações
da organização. Essas soluções não são ideias inovadoras, mas em geral elas não
funcionam porque não é simples colocá-las em prática: não são muitas as pessoas
disponíveis para as tarefas de profissionalização, e não é simples construir as condições
para a transparência. De qualquer forma, são desafios que precisamos levar a sério se
não queremos repetir os mesmos erros do passado (longínquo e entre nós, antigo e
recente).

Conclusão: autocrítica como valor que nos orienta.

Nenhuma das questões abordadas rapidamente aqui, se consideradas


isoladamente vai nos garantir a construção de uma organização plural e democrática.
Elas devem ser tomadas em conjunto para fazerem sentido, e tendo como pressuposto
que nosso principal desafio é criar uma estrutura organizativa que potencialize o melhor
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de nós como militantes, e que limite nossas piores características. O conjunto da


esquerda, no Brasil e no mundo, tem muitos problemas que se repetem, a despeito das
enormes diferenças de contexto: a disputa incessante por espaços de nanopoder, em
geral alimentada por egos inflados, o autoritarismo, o sectarismo, a arrogância, etc. Nós
temos esses e outros problemas entre nós também. Por isso, é importante percebermos
que o que nos diferenciará de muitas outras organizações no sentido de nos tornarmos
mais plurais e democráticos, inclusive da organização que esteve conosco até outro dia,
não é uma questão moral, não é o fato de sermos “melhores pessoas” ou “melhores
militantes”, e sim a capacidade de perceber nossos próprios limites, as possibilidades de
cairmos em armadilhas de burocratização, de sectarismo, de egocentrismo, e tentarmos
criar uma estrutura organizativa que ajude a evitar isso.

O momento atual do capitalismo – uma convergência de crises que se acentua


ano após ano, e que hoje tem nas respostas conservadoras mundo e Brasil a fora uma
das saídas majoritariamente consideradas – pede que nós reconheçamos esses problemas
e levemos a sério a tarefa de nos transformarmos ao passo que tentamos transformar o
mundo. Sem reconhecer nossos limites, não seremos capazes de superá-los: por isso
devemos ter a autocrítica voluntária, franca e fraterna, como um valor norteador. Só
assim seremos capazes de contribuir com o momento de reorganização da esquerda no
Brasil, de entendermos nosso tamanho e nosso papel nos processos, e principalmente de
voltarmos a ser alternativa para um conjunto enorme de pessoas (oprimidxs e
exploradxs) que perdeu a referência na esquerda, em boa parte pelos problemas que a
própria esquerda não conseguiu superar. Uma organização generosa precisa se
conceber, parafraseando Thiago de Mello, entendendo que não somos melhores nem
piores. Somos iguais. Melhor é a forma como buscamos construir nosso instrumento
revolucionário. Melhor é o método pelo qual queremos contribuir com a nossa causa.

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