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O uso de venenos vegetais d e pesca , a julgar pela sua vasta dis-
VENENOS DE PESCA tribuição (ver tabela 1) , é provavelmente um velho e arraigado
hábito cultural na América do Sul . Esta hipótese histórico-geo-
gráfica é confirmada por estudos botânicos (Howes 1930:
Robert F. Heizer 135). Eles indicam que certas plantas foram assinaladas próxi-
mo a s(tios habitados, sendo apenas conhecidas através de es-
pécimes cultivados. Na Guiana (antiga Guiana Britân ica), por
exemplo, as seguintes plantas são conhecidas exclusivamente
das habitações nativas : Clibadium sylvestre, Tephrosia toxica-
ria e Euphorbia cotínoides. Parece que esses vegetais - alguns
dos quais perderam sua faculdade de florescer ou frutificar -
são cultivados há muito tempo. Tais plantas - que já não se
podem propagar - dependem, como a banana, dos cuidados
do homem. São plantadas e cuidadas pelos (ndios (Killip
& Smith 1931 :405-407) .

Com exceção do terço inferior da América do Sul, os venenos


de pesca têm distribuição mais ou menos generalizada. Em cer-
tos casos, entram em jogo fatores adversos. Assim, deixa-se de
usar venenos de pesca no Chaco, devido à ausência das plantas
apropriadas; no Peru ocidental, em virtude da inexistência de
rios de correnteza vagarosa e de pequenos lagos ( Killip & Smith
1931 :402). Sem motivos aparentes, esse método de pesca é
desconhecido pelos grupos Tupí do alto Xingu (Steinen 1894:
236; Métraux 1928a :93) .
De ~ modo geral, a metade setentrional da América do Sul
usa principalmente Lonchocarpus, Phyllanthus e Tephrosia
como venenos vegeta is, enquanto ~ para o sul, no Brasi1,
preferem-se as espécies Serjania e Paullinia. Mais de uma cente-
na de plantas já foi mencionada como venenos de pesca dos
(nd ios da América do Sul. b total é superior ao de qualquer
outro continente.
Deve ser assinalado que o uso de plantas venenosas para a pes-
ca estende-se da América do Sul para além das montanhas das
An~ilhas até o sudeste dos Estados Unidos, onde é restrita à
área a leste do rio Mississipi é sul do São Lourenço. Venenos
vegetais de pesca passa m, para o norte, da América do Sul à Todavia, o número de plantas em pregadas como venenos, a
América Central e daí, pela costa ocidental aci ma at é o norte extensa ·d istribuição da prática e a a lteração ·d e muit as das
do México, onde, depo is de um peq ueno intervalo , reaparecem dit as espécies d evido ao cultivo, fazem supor, ao cont rário, uma
em uso extenso po r toda a Ca lifór nia e, mais rarament e , no antigü idade respe itável. Nordenskiõld ( 1924a :36) sugere que
platô e grandes bacias do norte e leste. O rio Co lú mbia marca o a extração do veneno da mandioca-brava (Maníhot esculE'nta)
seu lim ite mais setent rional nas regiões ocidenta is .d a América deve ter tido origem em função do seu uso co mo veneno de
do Norte. Embora os venenos de pesca sejam de uso corrente pesca.
no Ve lho ·Mundo, a mais p róxima ocorrência geográfica com
re lação à latitude do rio Co lúmbia é no Japão. Tendo em vista A tabela anexa oferece uma lista não exaustiva das espécies
o isolamento do uso de venenos de pesca no Novo Mundo e vegetais utilizadas como veneno d e pesca na América do Sul,
em virtude do grande peso da sua ocorrência numérica e da com seus nomes correntes, populares. Dados mais complet os
96 difusão continental, uma origem sul-americana do uso de plan- podem ser encontrados em Kil lip & Smith (op. cit.), que
tas piscicídeas parece provável. Métraux ( 1928a: 9 3) sugere a arrolam 140 espécies diferentes identificadas por 34 1 nomes
origem recente dos venenos de pesca na bacia amazônica. populares.

TABELA 1
Distribuição geográfica de venenos de peixe usados pelos índ ios da América do Sul

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Abuta imene Taraira-moira X


Agave americana X
Alexa imperatricis Hairiballi X
Anona spinescens Araticum do Brejo X
Antonia ovata lnyáku X
Apurímacía incarum Chancanhuai X
Bauhinia guianensis X X
Bowdichia virgilioides Sebipira X
Buddleia brasiliensis Barbasco X
Byrsonima crassifolia Chaparro de manteca X
Cariospermum grandiflorum X
Caryocar glabrum X
Cassia hirsuta Piami X
Centrosema plumieri Guiana-timbó X
Cestrum /aevigatum X
Clathropis brachypetala Arumatta X
C/eome spicata Tareraiya X
C/ibadium asperum Conami X
barbasco Barbasco X
heterotrichum Guaco, huaca X
schomburgkii Kunambi X
strigil/osum Guaco X
surinamense Conami X X
sy!vestre Peru: Guaco, huaca X X
Clitoria amazonum Barbasco X
Cusparía trifoliata Cuspa X
Dahlstedtia pinnata Goranatimbó X
sp. Timbó X

Continua
TABELA 1
Distribuição geográfica de venenos de peixe usados pelos índios da América do Sul
Contint:1ação
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Derris ellptica X X
guianensis Brasil: T imb6 de matta, timb6-rana, timbó cipó,
timb6 açu, Guiana: Hikuritarifon X X
Derrís negrensis Timbó guassis, timbó-rana X 97
Dipladenia illustris X
Enterolobium timbouva Timbó-uba, timborá, orel ha de preto X
Euphorbia caracasana cotinoídes X
cotinoides Brasil, Guiana: Gunapalu; Brazil: Leite ira,
assucu-i; Caiena, Suriname: Koenapaloe X X X X
Gustavia augusta X X
brasílíana Janiparandiba, j aparandi, geniparana, japarand iba X
Hura crepitans Brasil: Oassucu, aroeira, assacu, assaca; Peru:
Cataná; Venezuela: Jabillo, ceibo blanco X X X
l chthyothere cunabi Cunabi, cunambi X
termina/is Galicosa, jarilla, dictamo real X
lndigofera lespedezioides Timbó mirim X
Jacaranda procera X
Jacquinia arborea Barbasco X
aristata X
mu_cronulata Barbasco, olivo, chilca, chirca X
revoluta ~-
X
sp. Teterumballi X
Joannesia princeps Anda, anda-açu X
Leguminosae sp Piracu-uba X
Lonchocarpus densiflorus Guiana: Hairi, "bast ard " hairi X X X
floribundus Timbó venenoso X
nicou Brasil: Timbó legítimo, timbó macaquinho; Guiana:
N icou, inekou, "real" hiaree, heirri; Peru: Conapi,
pacai, barbasco, kumu, cubé. Caiena,
Suriname: Neka X X X X X
rariflorus Brasil: Taraira-moira; Guiana: Fai , faia noroka X X
Lonchocarpus rufescens Guiana: Hairi X X X
urucu Timbó urucu, timbó carajuru, timbó rouge X
violaceus Caiena, Suriname: Nekoe, hojali X X
Lupinus mutabilis Tallhue X
Magonia glabrata Tingui, timbó açu X
pubescens Tingui , tingui capeta X
Manihot esculenta X X
Muellera frutescens Hairiball i X
Odontadenia cururu Cipó cururu X
Pachyrrhizus angulatus X
Paullinia australis Timbó, timbó de Rio Grande X
cupana Guaraná X
cururu Curur, cipó cruape branco X
meliafolia Timbó peba X
pinnata Cururu-ape, matto porco, cruape vermelho, timbó
,
c1po X

Continua
TABELA 1
Distribuição geográfica de venenos de peixe usados pelos índios da América do Sul

Continuação

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thalíctrifolia Jacatupé X
Phyllanthus cladotrichus Herva de pombinha da serra X
conami Brasil: Conami, t imbó conabi; Guiana: Bois a
98 enivrer, tue poisson, conami; Caiena, Suriname:
Barbasco X X X X
piscatorum Brasil: Tingui de peixe , tingui de Pérou;
Venezuela: Barbascayo X X
Piper spp. Warakabakoro, tona X
Piscidia carthagenensis Brasil: Timbó, timbó boticário; .Venezuela:
Borracho, jebe, barbasco jaune. X X
Polygonum acre Brasil: Herbe de bicho, catayo; Argentina: Caatay;
Paraguai: Yerba picanta, yerba dei diablo X X X
glabrum Barbasco, chigu iera X
Pothomorpha peltata Duburibanato X
Pyranhea trifoliata Piranh a-úba, pyranheira, pirand-úba X
Ruprechtia laurifolia Timpa-pêba, timbubaba X
Sapindus saponaria Brasil: Quiti, maca-acaipú, casita, jaquitir-
guassú; Peru: Sullucu X X
Serjania acuminata Timbó de peixe, tombo legítimo X
communís Timbó-meudo X
cuspida ta Timbó capelludo X
dentata Timbó de restingas X
erecta Timbó bravo, cipó de timbó, turari X
glabra ta Brasil: Tamuja; Peru: Verap X X
ichthyctona Timbó, timbó de peixe X
inebrians Barbasco X X X
lethalis Brasil: Cipó de timbó, matta fome, pehko;
Boi/via: Pet'fko, sacha. X X
noxia Timbó de leite X
pauciden ta ta Abaho X
piscatoria Tingi, tingui de peixe X
purpurascens Timbó vermelho X
pyramidata Casire X
rubiC<Julis Verap X
rufa Verap X
serra ta Timbó de peixe X
spp Hebechiabo, kotupurru X
Talisia esculenta Pitombeira X
squarrosa White moruballi X
Tapura guinensis Bois de golette X
Tephrosia cinerea Guiana: Sinapou; Venezuela: Barbasco blanc X X
nitens Timbó caa, ajare X
Tephrosia toricaria Brasil: Timbó-ubá, onabouboue, anil bravo, timbó X X X X X X X X X
de Caiena; Peru: Cubé, barbasco; Suriname, Caiena:
Wanamoe, doekali; Venezuela: Barbasco de raiz,
kouna; Colômbia, Equador: Barbasco;
Guiana: Counami, yarro conalli
Continua
TABELA 1
Distribuição geográfica de venenos de peixe usados pelos índios da América do Sul

Continuação
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Thevetia ahouai Agai, ahoui-mirim X
peruviana (sin. nerifolia) Brasil: Ahoui-guacu, jorro-jorro; Venezuela:
Caruache, cascabel, lechero, cruceta real X
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Thinouia paraguayensis X
Tripterodendron felicifolium Farinha seca X
Tupa feuillei X X

BIBLIOGRAFIA Howes 1930; Killip & Smith 1930, 193 1, 1935; Koch-Grünbe rg 1909-
10; Martius 1867; Martyn & Follett-Smith, 1936; Métraux 1928a; Nor-
Archer 1934; Ernst, 1881, 1888a, 1888b; Fagundes 1935; Follett- denskiõld 1920, 1924a; Radlkofer 1887;Smith (v. Killip & Smith 1930,
Smith (v. Martyn & Follett-Smith 1936); Greshoff 1893, 1900, 1913; 1931, 1935); Steinen 1894; Vellard 1941 .

Traduzido do Handbook of South American l ndians, volume V, por


Raul de Sá Barbosa

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