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Aprendizagem em grupo operativo de diabetes:

ARTIGO ARTICLE
uma abordagem etnográfica

Learning through diabetes operative groups:


an ethnographical approach

Shirley Pereira de Almeida 1


Sônia Maria Soares 2

Abstract This work has emerged from one of the Resumo O presente trabalho, elaborado a partir
core themes of research undergone in my masters’ da dissertação, aborda um dos núcleos temáticos
course at the Federal University of Minas Gerais que emergiu da pesquisa durante o curso de mes-
– School of Nursing. In order to understand group trado na Escola de Enfermagem da Universidade
learning, we used the theoretical references of Pi- Federal de Minas Gerais. Para a compreensão da
chon-Riviére. According to this author, learning aprendizagem em grupo, utilizamos como referen-
is an indicator of uttermost importance in group cial teórico Pichon-Riviére. Para esse autor, apren-
processes. Through process interactions, a learn- dizagem é um dos indicadores de fundamental
ing mechanism unfolds allowing participants to importância no processo grupal. A partir do pro-
mutually appropriate reality, share thoughts and cesso interacional, estabelece-se uma situação de
knowledge. In most statements, interviewees have aprendizagem, que permite aos integrantes apro-
highlighted that the group allows them to learn priarem-se da realidade, mutuamente, e compar-
how to deal with diabetes. The core theme, “Group tilhar pensamentos e conhecimentos. A concepção
as a space for learning and transformation”, re- dos entrevistados de que o grupo proporciona o
veals some of the meanings and understandings aprendizado no manejo do diabetes pode ser obser-
that have translated the experience lived by par- vado na maioria dos depoimentos. O núcleo temá-
ticipants. This is an ethnographical study con- tico “Grupo como espaço de aprendizagem e trans-
ducted with thirteen diabetics who participate in formação” desvela concepções e significados que
group sessions at a Basic Health Unit of the Mu- traduziram a experiência que as pessoas vivencia-
nicipality of Belo Horizonte, Minas Gerais State, ram no grupo. Trata-se de um estudo etnográfico
Brazil. Data was collected through semi-structured desenvolvido junto a treze pessoas diabéticas par-
1
Gerência de Atenção à interview, participant observation and documen- ticipantes de grupo de uma Unidade Básica de Saúde
Saúde - Centro-Sul.
tal analysis. Data analysis was oriented by Bar- da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Mi-
Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte. din’s content analysis method. nas Gerais. Os dados foram coletados por meio de
Rua Tupis 149/7º andar, Key words Group, Learning, Diabetes mellitus entrevista semi-estruturada, observação partici-
Centro. 30190-062 Belo
Horizonte MG.
pante e análise documental. A análise dos dados foi
spalmeida2005@yahoo.com.br orientada pela análise de conteúdo de Bardin.
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Departamento de Palavras-chave Grupo, Aprendizagem, Diabetes
Enfermagem Básica, Escola
de Enfermagem,
mellitus
Universidade Federal de
Minas Gerais.
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Almeida SP, Soares SM

Introdução mento, detecção e condutas frente aos sinais e sin-


tomas de hiperglicemia e hipoglicemia; o manejo
Com a implantação do Programa de Saúde da no preparo, controle e administração de insulina;
Família, em 2002, no Município de Belo Hori- noções de higiene e cuidado corporal; e como
zonte, surgiu a necessidade de reorganizar a de- evitar as complicações crônicas da doença.
manda e o trabalho da equipe de saúde. O docu- O aprendizado do cuidado torna-se, então,
mento da Secretaria Municipal de Saúde de Belo um objetivo a ser alcançado em função da neces-
Horizonte sobre a promoção da saúde e organi- sidade de se adaptar a uma nova realidade, adap-
zação dos serviços sugere várias estratégias a se- tação esta que, segundo Pichon-Riviére7, aconte-
rem utilizadas na reorganização do serviço. Al- ce por meio do confronto, manejo e solução in-
gumas dessas estratégias referem-se à estrutura- tegradora dos conflitos, em que a rede de comu-
ção de grupos operativos para acolher uma de- nicações é constantemente reajustada, sendo as-
manda espontânea, cujo atendimento seria efeti- sim possível elaborar um pensamento capaz de
vado em grande parte por ações programadas1. proporcionar o diálogo com o outro e de en-
Atividades educativas em grupos, direciona- frentar a mudança.
das a uma determinada clientela, como porta- A vivência profissional em UBS proporcio-
dores de doenças crônicas, de hanseníase, de obe- nou-nos oportunidades de desenvolver ações de
sidade, gestantes, adolescentes e outros, têm sido cuidado voltadas para pessoas diabéticas, seja
desenvolvidas já há alguns anos, nas Unidades através de consultas individuais, seja através de
Básicas de Saúde (UBS) em Belo Horizonte, como atividades coletivas, como é o caso dos grupos.
estratégia de prevenção e promoção de saúde. No acompanhamento dessa clientela, observa-
Essa prática é corroborada por Mello Filho2, mos que esses usuários conviviam com limita-
quando afirma que “é uma das direções revolu- ções impostas pela doença e com dificuldades no
cionárias de nossa prática em saúde a possibili- manejo e adesão ao tratamento.
dade de atender em grupos doentes portadores No convívio com essas pessoas, durante a
de doenças crônicas”. realização das atividades de grupo operativo,
De acordo com Pereira et al.3, a utilização da observamos que o aprendizado no grupo ocorre
tecnologia de grupo operativo, com desenvolvi- de forma interacional entre seus integrantes e entre
mento de atividade educativa, é um importante estes e seus coordenadores. Quanto à aprendiza-
instrumento de ação do enfermeiro para o enfren- gem, muitos clientes demonstravam que conhe-
tamento de doença crônica degenerativa de gran- ciam muito sobre a doença. No entanto, vale res-
de prevalência. No que se refere ao usuário, porta- saltar que havia uma diversidade de conhecimen-
dor de DM e participante de grupo operativo na tos e habilidades dos integrantes do grupo no
UBS, ele oportuniza o aprendizado para o autocui- manejo da doença. Algumas pessoas sabiam des-
dado, favorece uma maior adesão ao tratamento crever os sinais e sintomas das alterações provo-
e aumenta o vínculo deste com a unidade de saú- cadas pelo diabetes mellitus, suas causas, formas
de, através da integração entre os participantes de tratamento e cuidados; mas outras não. Algu-
do grupo e a união de interesses e motivações. mas demonstravam maior cuidado no manejo
Nesse sentido, a proposta de grupo operati- da doença; outras não.
vo é desenvolvida com a finalidade de promover Percebíamos que a responsabilização e com-
um processo de aprendizagem de como realizar prometimento no desenvolvimento e aquisição
o manejo de seu tratamento, o que expressa a de habilidades no manejo da doença acontecem
tarefa em comum que esse grupo deve articular. de maneira distinta entre os participantes do gru-
No caso do usuário participante de grupo e por- po. Para Quiroga8, a aprendizagem é permeada
tador de diabetes, a tarefa do grupo é aprender a por “continuidades e descontinuidades”, e existe
viver com a doença, desenvolver em seus partici- uma relação, não linear, não unidirecional e, sim,
pantes a autonomia, o autocuidado, melhoran- dialética entre as formas com que aprendemos.
do, assim, a adesão ao tratamento3-5. Observa-se que a apropriação da realidade e
Alguns autores esclarecem que os programas a construção de uma reflexão e ação sobre esta
de ações educativas em saúde têm como propósi- acontecem de forma diferenciada, em virtude das
to informar, esclarecer e orientar, com o objetivo necessidades, interesses e motivações individuais
de promover um melhor seguimento da terapêu- e a partir das interações das pessoas no grupo.
tica6. Para as pessoas diabéticas, esses programas Entretanto, ressalta-se que apenas o conheci-
têm importância significativa, pois orientam so- mento em si, em relação à saúde e a doença, não
bre questões como o manejo da dieta; o conheci- era suficiente para motivar a adesão ao trata-
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mento ou resultar em autonomia, constatação por sua mútua representação interna (dimensão
esta corroborada por Zanetti4, ao afirmar que ecológica)” se sustenta por uma rede de motiva-
“as mudanças de atitudes e valores não ocorrem ções nas quais as pessoas ao interagirem reco-
pelo simples ensino dos fatos a respeito da doen- nhecem-se a si e ao outro através do diálogo e
ça”. Portanto, apesar de as pessoas participarem intercâmbio permanente.
de atividades educativas, com orientações sobre Desta forma, a situação grupal configura-se
a manutenção da terapêutica, com o objetivo de como um instrumento adequado para a apren-
manter a glicemia em níveis normais, isso não dizagem, que é a aprendizagem social, a partir da
resulta em maior adesão ao tratamento e ao de- internalização operativa da realidade, ou seja, a
senvolvimento do autocuidado. apropriação instrumental da realidade para mo-
No convívio com essas pessoas, foi possível dificá-la a partir de uma visão integradora do
percebermos que o espaço do grupo era um lu- homem em situação de grupo localizado em uma
gar muito mais abrangente do que apenas um determinada circunstância histórica e social7.
espaço onde eram desenvolvidas ações educati- Para Quiroga8, toda a concepção do aprender
vas. Nos grupos realizados, os clientes eram orien- emerge de uma concepção do ser humano, uma
tados quanto ao manejo do tratamento por meio concepção da relação “homem-mundo”. Isso quer
de recursos pedagógicos que permitiam apren- dizer que o sujeito não é dado, é construído, se faz
der formas de lidar com a doença. em um aqui-agora na relação com o mundo. A
No entanto, observa-se que essa aprendiza- sua ação, a sua práxis, o movimento do sujeito
gem nem sempre expressa uma adesão integral sobre o mundo, não acontece fortuitamente, ele
ao tratamento. Diante disso, decidimos discutir se dá motivado por uma causa interna a qual
a aprendizagem como um indicador que integra chamamos de necessidades, característica que nos
todo o processo de desenvolvimento do sujeito confere a nossa condição de seres vivos.
diante dos mecanismos exigidos para o manejo A técnica de grupos operativos, proposta por
do seu controle. Pichon-Riviére7, caracteriza-se por estar centra-
Pretende-se, com este artigo, abordar um dos da, de forma explícita, em uma tarefa, que pode
núcleos temáticos que emergiu da pesquisa reali- ser a aprendizagem. A essa tarefa subjaz outra,
zada durante o curso de mestrado da Escola de implícita, que aponta para a ruptura, através do
Enfermagem da Universidade Federal de Minas esclarecimento das pautas estereotipadas que di-
Gerais, elaborado a partir da dissertação, que se ficultam a aprendizagem e a comunicação, signi-
refere ao grupo como espaço de aprendizagem e ficando um obstáculo frente a toda e qualquer
transformação, e fazer algumas reflexões sobre a situação de progresso ou mudança.
aprendizagem em grupo vivenciado pela pessoa A aprendizagem é um dos indicadores de fun-
diabética apoiada no referencial teórico de Pi- damental importância no processo grupal. A
chon-Riviére7. partir do processo interacional, estabelece-se uma
situação de aprendizagem, que permite aos inte-
grantes apropriarem-se da realidade, mutua-
Referencial teórico mente, e aprenderem a pensar em uma coparti-
cipação do objeto de conhecimento, ou seja, com-
Aprendizagem em grupo partilhando os pensamentos e conhecimentos
que cada um tem, compreendendo estes como
A técnica de grupo operativo, fundamentada produções sociais.
na Psicologia Social de Enrique Pichon-Riviére7, Nessa trajetória, vamos construindo um
constitui um instrumento de intervenção grupal, modelo interno ou matriz de encontro com a
sustentado na concepção de sujeito, que é social e realidade, que segundo Quiroga8 nos possibilita
historicamente produzido. Neste caso, o grupo é “aprender a aprender”, ou seja, perante a neces-
considerado como a unidade básica de interação sidade de adaptação à realidade, vamos “elabo-
entre os sujeitos, que se encontram em constante rando, construindo, confirmando ou modifican-
dialética com o ambiente em que vivem, ou seja, do” o nosso modelo interno de aprendizagem.
constroem o mundo e nele se constroem, com a A aprendizagem acontece a partir da leitura
inter-relação entre os sujeitos valorizando a ex- crítica da realidade, através de uma constante
periência da aprendizagem7, 9. investigação, em que a resposta alcançada possi-
A situação grupal definida por Pichon-Rivié- bilita o iniciar de novas perguntas, em que a ca-
re7 como “conjunto de pessoas ligadas entre si pacidade de compreensão e de ação transforma-
por constantes de tempo e espaço, e articuladas dora de uma realidade envolve mudanças nas
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pessoas integradas entre si e no contexto no qual coletiva de grupo e as crenças e valores embuti-
as mesmas estão inseridas7. dos no espaço dessa relação, o estudo etnográfi-
A cada encontro com a realidade e com o co tornou-se, para nós, a opção que permitiu
outro, vamos aprendendo a organizar e signifi- essa compreensão.
car nossas experiências, sensações, percepções, A coleta de dados em etnografia pressupõe a
emoções e pensamentos, construindo nossos convivência do pesquisador com o grupo em es-
modelos internos a partir das nossas interações. tudo, no seu ambiente cultural, por um determi-
Desta forma, a didática proposta por Pichon- nado período de tempo, com a finalidade de
Riviére7 é definida como uma estratégia que se ampliar a escuta do mesmo, a observação e a
caracteriza por uma tarefa informativa, a partir participação em seu mundo. Neste sentido, o
da comunicação de conhecimentos, mas que não pesquisador é o principal instrumento para a
se limita a esta, ou seja, vai além disso, principal- coleta de dados, utilizando como métodos fun-
mente por desenvolver uma tarefa formativa, que damentais para a coleta dos dados a entrevista e
é a de promover modificações de atitudes através observação10.
da elaboração dos significados, sentimentos e Embora a pesquisadora que realizou o tra-
relações presentes no campo grupal. balho de campo trabalhe em uma das UBS da
A articulação dessas duas tarefas ocorre a par- Prefeitura de Belo Horizonte que desenvolve gru-
tir da construção de um instrumento (ECRO - po de diabéticos, optamos por realizar o estudo
esquema conceitual referencial) que situe o sujei- em outra unidade, com o propósito de atender à
to no campo grupal, permitindo-lhe abordá-lo, orientação metodológica da etnografia. A abor-
compreendê-lo e operar sobre ele a partir da uti- dagem etnográfica enfatiza a necessidade de es-
lização de técnicas adequadas, ou seja, a apropri- tranhamento do pesquisador ao entrar no cam-
ação instrumental da realidade para modificá-la7. po, com o objetivo de apreender aquilo que está
Neste sentido, Quiroga8 afirma que “a apren- implícito nos comportamentos, atitudes, valores
dizagem tem em cada um de nós uma historici- e crenças de determinado grupo cultural.
dade”, a partir de uma organização pessoal e so- O trabalho de campo constituiu-se das se-
cial, e que além de sermos seres sociais somos guintes etapas: aproximação com os grupos, co-
também sujeitos cognoscentes. leta de dados por meio de entrevista semiestru-
A concepção de aprendizagem definida por Pi- turada e observação participante preconizadas
chon-Riviére7 sustenta-se nessa didática, a partir por Leininger10, com elaboração concomitante
de uma leitura crítica e coerente da realidade e na de notas de campo e notas pessoais, e análise
não aceitação acrítica de normas e valores, ou seja, documental.
uma leitura que implique a capacidade de avalia- O campo de estudo foi uma Unidade Básica
ção e criatividade para a transformação do real, a de Saúde (UBS) localizada na Regional Centro-
elaboração da experiência em grupo e o contexto; Sul do município de Belo Horizonte, Minas Ge-
nisto consiste o aprender para este autor. rais. Nessa UBS estão lotadas três Equipes de
Saúde da Família (ESF). No presente estudo, os
informantes foram treze pessoas diabéticas,
Percurso metodológico moradoras da área adscrita às ESF verde e azul,
que participavam de atividade coletiva de grupo
Dentre as abordagens qualitativas, optamos pela há pelo menos três anos. A coleta de dados foi
etnografia como caminho metodológico para a realizada no período de abril a dezembro de 2005.
realização deste estudo, fundamentando-nos em A observação participante desenvolveu-se du-
seu sentido próprio que, segundo Leininger10, é rante as reuniões do grupo, sendo esclarecida, aos
um processo sistematizado de observar, detalhar, participantes do grupo, a presença da pesquidora
descrever, documentar e analisar o estilo de vida (primeira autora deste estudo) ao iniciar o traba-
ou os padrões específicos de uma cultura ou sub- lho de campo. Essas reuniões aconteciam uma vez
cultura, possibilitando ao pesquisador compre- por mês, na própria UBS, em local próprio para a
ender o modo de viver do grupo estudado den- realização desse tipo de atividade, no turno da
tro de seu ambiente natural. manhã, com duração de aproximadamente duas
Assim, tendo demonstrado, ao longo da nossa horas. As reuniões do grupo aconteciam a partir
trajetória, interesse pela compreensão que o usu- de um cronograma previamente definido e acor-
ário, como sujeito ativo do processo grupal, tem dado entre todos, com a participação de cerca de
a respeito do significado de grupo, sua procura quinze pessoas. Ao término das reuniões, as obser-
pelos meios de intervenção, qual seja, a atividade vações foram anotadas em um diário de campo,
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com registro e descrição detalhados das impres- leciam logo ao chegar, antes de iniciar as reu-
sões, notas de campo e notas pessoais. Ao todo, niões, momento em que falavam sobre suas vi-
foram observados doze encontros dos grupos. das pessoais, seus problemas e angústias, comen-
Para a realização da entrevista, o local foi defi- tando seus temores e dificuldades pessoais, prin-
nido em conjunto com a gerente da UBS, de modo cipalmente no que se refere ao manejo do diabe-
a garantir um ambiente reservado, confortável, tes. Observei os vínculos existentes entre eles, as
agradável, neutro e não constrangedor, que asse- palavras de apoio manifestadas, os esclarecimen-
gurou a privacidade do informante. As entrevistas tos que cada um fazia quando as dúvidas eram
foram agendadas com os informantes logo após a expressas, o compartilhar de experiências, prin-
realização das atividades do grupo. Antes de iniciar cipalmente em relação à questão alimentar, pon-
a entrevista, os informantes foram comunicados to fundamental no manejo do diabetes.
quanto aos objetivos da pesquisa a partir da leitu- A aprendizagem em grupo permite que to-
ra do termo de consentimento livre e esclarecido, dos possam receber orientações, informações,
sendo orientados sobre a necessidade de usarem esclarecer dúvidas, compartilhar experiências e
nomes fictícios, para preservação do anonimato, sentir-se seguros por serem membros de um
diante do que escolheram para si nomes de flores. mesmo grupo. A partir dos depoimentos, obser-
Ao todo, foram realizadas treze entrevistas, a vamos um denominador comum, que é o signi-
partir da seguinte pergunta descritiva, conside- ficado do grupo como um espaço de aprendiza-
rada como questão norteadora: “Fale pra mim o gem. Várias expressões foram utilizadas dando
que significa esse grupo para você?”. esse sentido ao grupo, tanto pelas pessoas do
A análise de dados foi realizada com base no grupo quanto pelos seus coordenadores.
referencial de análise de conteúdo de Bardin11 a A maioria dos entrevistados referiu-se ao gru-
partir do detalhamento proposto por Rodrigues po como espaço de aprendizagem do cuidado
et al.12. com o diabetes: Porque a gente, às vezes, nem sabe
Antes de iniciar o trabalho de campo, o pro- cuidar direito da saúde. Aí, então, é pra aprender
jeto passou pela aprovação do Comitê de Ética e com o grupo, a gente está cuidando da saúde, está
Pesquisa da Universidade Federal de Minas Ge- cuidando da gente mesmo e aprendendo com elas
rais, conforme parecer nº ETIC 022/05, e da Se- [membros do grupo]. (Jasmim)
cretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, A gente que fica em casa não sabe nada disso,
conforme protocolo nº 0092005. né? E você acompanhando o grupo, você aprende
Após a leitura e releitura exaustivas dos de- muita coisa, muita coisa boa, sabe? (Lírio)
poimentos, foi feita a análise, que seguiu um pro- Essas pessoas compreendem que, no espaço
cesso indutivo, possibilitando que categorias e do grupo, é possível aprender o cuidado com a
temas emergissem dos dados das entrevistas e saúde. Nesse contexto, apoio-me, apoiamo-nos,
das observações realizadas. A partir de um siste- no conceito de cuidado proposto por Leininger13
ma de codificação e categorização dos dados, iden- como sendo um “fenômeno de assistência, apoio
tifiquei cinco núcleos temáticos, dentre eles o gru- ou facilitação a outro indivíduo ou grupo com
po como espaço de aprendizagem e transforma- necessidades antecipadas ou evidentes, com o
ção, apresentado a seguir. objetivo de melhorar a condição humana ou es-
tilo de vida”. Entretanto, há que se observar que
esse aprendizado acontece a partir da interação
O grupo como espaço entre as pessoas do grupo, sendo valorizado o
de aprendizagem e transformação conhecimento e a experiência que cada uma tem,
possibilitando-lhes viver de modo mais saudá-
Durante as reuniões dos grupos, foi possível dis- vel e mais independente.
tinguir vários momentos comuns a todos os en- Nesse sentido, Freire14 afirma que é funda-
contros, quais sejam: avaliação individual com mental a motivação da pessoa no processo de
medição de glicemia capilar de jejum, verificação aprendizagem, que esta ocorre a partir de um
da pressão arterial e do peso, que ocorre conco- processo dinâmico de ação de um sujeito, que é
mitantemente à realização da atividade do gru- um ser de relações, um ser social, e que tem por
po, atividades educativas com utilização de pai- objetivo promover uma autonomia do sujeito
nel, folders e cartilhas explicativas e atividade de nas decisões sobre a realidade que o cerca.
alongamento e realização de dinâmicas. Durante as reuniões do grupo observamos
Outro aspecto comum a todas as reuniões que, na discussão sobre os sinais e sintomas do
foram as conversas que os participantes estabe- diabetes, cada um relatou como percebeu a do-
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ença e como ela se manifestou. Nesses momen- as observações, foi possível percebermos que, nas
tos, a participação de todos contribuiu para que discussões sobre alimentação, principal tema dis-
as informações e experiências ajudassem a escla- cutido no grupo, o coordenador buscava con-
recer as dúvidas expostas pelos novos partici- textualizar as informações dentro dos hábitos
pantes do grupo. alimentares de cada um, fazendo a adequação à
Um dos entrevistados, em seu depoimento, realidade do diabético.
relatou como acontece o aprendizado, o que eles Ao se questionar sobre atividades físicas que
aprendem e a compreensão de que a manifesta- são desenvolvidas pelos integrantes do grupo, foi
ção do adoecer é individual: Aqui a gente conver- levantada a possibilidade de sua realização du-
sa, brinca, troca idéias com os colegas. Por exem- rante os afazeres domésticos e na vida cotidiana,
plo, a alimentação que é melhor pra a gente, pra inclusive com orientações de postura adequada
saúde. Como a gente se descobriu que estava diabé- ao se desenvolvê-las. Assim, foi possível obser-
tico, né? Como as pessoas se descobriram que esta- varmos que as discussões, as orientações e infor-
vam doentes. Como se manifestou a doença nelas. mações eram integradas ao contexto das expe-
Porque cada um é, cada caso é um caso. (Acácia) riências de cada um.
Essa compreensão foi possível a partir de um A partir de um diálogo em que perguntas e
diálogo contextualizado na experiência de ser di- respostas são realizadas, estabelecem-se discus-
abético entre pessoas que compartilham os mes- sões em torno de temas de interesse: Fazemos tro-
mos obstáculos, a mesma realidade, ou seja, as ca de idéias. Às vezes, assim, particular, onde nós
mesmas necessidades. Assim, os saberes são com- estávamos ali [no espaço destinado à realização
partilhados; há uma troca, que permite reflexão. do grupo]. Você sabe como que é. “Eu como isso e
A partir de uma situação dialogal, que se estabe- isso”. Outro: “Eu não como isso”. “O que eu como
lece em uma relação horizontal entre pessoas, é pra não fazer mal?” (Flor do campo). Em um dos
possível a comunicação, que para Freire14 “é o momentos do grupo, durante a discussão sobre
indispensável caminho nas questões vitais e em hábitos alimentares, um dos participantes mani-
todos os sentidos do nosso ser”. festou-se, dizendo: Cada um tem que perceber o
A oportunidade de estar aprendendo cada dia que faz bem e o que faz mal para si. (Jasmim)
mais a respeito do diabetes é compreendida como De fato, esse aprendizado acontece processual-
fonte de motivação para continuar participando mente e não de uma só vez. A cada dia, há a opor-
do grupo: A gente anima, dá mais vontade de vir tunidade de se aprender, de compreender o que
no grupo para aprender mais coisas. (Rosa) não foi possível compreender antes: Cada dia que
O aprendizado de novos hábitos acontece du- eu venho eu aprendo mais um pouquinho. (Jasmim)
rante o processo de grupo a partir das experiências Essa compreensão da aprendizagem em um
compartilhadas e dos esclarecimentos feitos pelos movimento dialético, a partir de uma leitura crí-
próprios integrantes do grupo: Ah! O grupo ali vai tica da realidade, que pressupõe movimento e
aprendendo uma com a outra, como lidar com dia- mudança, foi desvelada em um dos depoimen-
bete, com a dieta, alimentação, exercícios. (Acácia) tos: As reuniões do grupo me trouxe muito benefí-
Além dos aspectos educativos quanto ao cio porque você aprende. Você aprende e morre
manejo do diabetes, outros aspectos também sem aprender nada. O mundo evolui e aquilo que
foram abordados no contexto do grupo, como falou no passado já não vale mais nada. As coisas
os aspectos subjetivos do adoecer, os problemas mudam por isso a gente na verdade não sabe nada.
emocionais que interferem com a saúde e a do- (Flor de ipê)
ença e até mesmo com a vida: Eles ensinam a Assim, durante o acontecer grupal, ocorre um
gente como a gente vai viver. O dia a dia da gente. processo de interação em que as pessoas vão se
Que a gente não deve ficar preocupada com as coi- reconhecendo, a partir do diálogo e do intercâm-
sas, que deve ficar mais relaxada. (Orquídea) bio que, segundo Pichon-Riviére7, acontece em
A conscientização da situação real vivida e da um movimento em espiral dialética, em que cada
necessidade de adequação a uma nova realidade resposta possibilita o surgimento de outras in-
proporciona uma abertura para o aprendizado, dagações. Para Freire14, essa aprendizagem ocorre
em que o sujeito aprende a questionar o mundo na medida em que há uma conscientização da
e a si mesmo dentro do mundo, ou seja, permite, situação social, em que habilidades vão sendo
segundo Freire14, que “as pessoas se eduquem adquiridas, através de situações problematiza-
umas às outras mediatizadas pelo mundo”. doras que estimulam a discussão e o debate, e
Vale ressaltar que a aprendizagem não se li- com a utilização de um método “ativo, dialogal,
mitava à incorporação de informações. Durante crítico e criticizador”.
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Outro aspecto observado foi que o grupo te e fui parar no hospital. Dessa época em diante,
aprendeu que o cuidado é importante não ape- eu procurei me corrigir. Eu procurei pôr tudo em
nas para a pessoa que é diabética, mas para os prática. Faço tudo direitinho que eles manda. Não
outros que estão próximos a elas: Eu achei mui- tenho problema. Quer dizer que pra mim foi bom.
to importante porque a gente aprende como cuidar Quer dizer que se eu não tivesse posto tudo isto em
da gente e das pessoas que estão próximas da gente, prática, que eles me pediram pra mim fazer, eu não
né? (Acácia) estaria aqui hoje. (Flor do campo)
A dimensão que esse aprendizado assume O comprometimento que cada um tem para
ultrapassa o cuidar de si, ampliando-se para o alcançar as mudanças desejadas acontece indivi-
cuidar do outro15. Assim, percebemos que aqui- dualmente e independentemente do grupo ou da
lo que é aprendido é levado para a vida cotidia- compreensão que cada um tem a respeito dos
na, para outros espaços, como o da família e o problemas. Assim, percebemos no âmbito do
da comunidade. Isso pode ser evidenciado no grupo uma responsabilização diferenciada entre
depoimento que se segue: Sempre a gente, quando seus membros, que para alguns ocorre após a
vê as pessoas, assim, falar com as pessoas. Igual eu experiência negativa de se ver internado por com-
mesmo. Tem umas donas lá em cima que eu sempre plicações do diabetes ou por outros motivos,
falo com elas: “Vocês bebem muito, né? Comem como, por exemplo, o advento de um infarto
muito. Vocês têm que ir lá no posto para fazer agudo do miocárdio (IAM), do qual o diabetes é
exame pra diabetes. Quem sabe vocês estão diabé- um dos principais fatores de risco.
ticas também”. (Cravo) Percebe-se, portanto, que o grupo, em sua
Observamos que os membros do grupo fo- dimensão pedagógica, incentiva o processo de
ram adquirindo um aprendizado que lhes possibi- aprendizagem através da comunicação e da inte-
litou aquilo que se denomina de uma adaptação ração entre seus membros, onde as informações
ativa à realidade, que, de acordo com a proposta são socializadas e articuladas à experiência, pos-
de Pichon-Riviére7, é um conceito dialético no qual sibilitando reflexões e elaborações. Conclui-se,
o sujeito, ao se transformar, modifica o meio e, então, que aprendizagem e comunicação são pro-
ao modificar o meio, modifica-se a si mesmo, cessos coexistentes e cooperantes que trilham o
transformando-se assim em um agente de mu- mesmo caminho7,9.
dança social. Portanto, essa adaptação está indis- Os comportamentos, as formas de agir e de
soluvelmente ligada ao processo de aprendizagem. pensar que são determinados pela cultura, ocor-
No entanto, para Freire14, o conceito de adap- rem em um processo acumulativo, resultante de
tação expressa passividade do sujeito, abdicação experiências anteriores. Esses aspectos culturais
da capacidade de optar, de decidir. A capacidade presentes nas situações de saúde e doença são
de ajustar-se à realidade e de transformá-la, ou transmitidos a outros indivíduos, no intuito de
seja, a capacidade de optar, fundamentado em auxiliá-los a se adaptarem a essas situações.
um sentido de criticidade, é conceituada por este Desta forma, o grupo ajuda e dá oportuni-
autor como integração. dade de aprender outras formas de pensar e de
A partir do depoimento de alguns entrevista- se comportar perante a doença e a própria saú-
dos, observamos que o objetivo do grupo, o de. Esse aprendizado acontece a partir das infor-
aprendizado do cuidado com o diabetes, foi al- mações, da troca de experiências, dos esclareci-
cançado: Esse grupo, eu aprendi muita coisa nesse mentos feitos pelos profissionais de saúde, com
grupo, tá? Aprendi como alimentar, como alimen- base em sua própria cultura, e através dos ou-
tar meu marido, né? Porque ele é diabético mesmo. tros membros do grupo que já adquiriram esse
Ele é mais do que eu. Mas continuo a minha dieta. aprendizado, ou seja, que já incorporaram hábi-
Não abuso, que eu já estou de idade e não posso tos e estilos de vida pertinentes à nova situação
abusar né? Que a pressão, se eu abusar a pressão de saúde.
também descontrola, né? Aí, me sinto bem, graças Ainda nesta perspectiva, Gayotto et al.9 afir-
a Deus, muito bem. (Lírio) mam que as pessoas aprendem a pensar juntas e
Diferentemente da entrevistada, para outras a encontrar soluções para as dificuldades, cada
pessoas essas mudanças acontecem pela ocor- uma contribuindo por meio de seu esquema re-
rência de alguma experiência negativa ou por ferencial, ou seja, suas experiências, visão de
medo de surgirem complicações decorrentes do mundo, valores e crenças.
diabetes. Somente ao perceberem o quanto o des- Segundo Pichon-Riviére7, a concepção de
cuido pode afetá-las é que elas começam a me- aprendizagem enquanto práxis é compreendida
lhorar o cuidado consigo mesmas: Eu tive enfar- como um aprender a aprender e um aprender a
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Almeida SP, Soares SM

pensar, apoiado em uma teoria do pensamento e mento de exercícios para a musculatura facial
conhecimento, que não são fatos individuais, mas através da realização de caretas e técnica do riso;
produtos de um contexto social, sendo corrobo- discussão de conteúdos pertinentes ao diabetes
rado por Freire14 no que diz respeito à sua con- utilizando jogos, brincadeiras e dinâmicas.
cepção de educação voltada para a autonomia As atividades lúdicas são definidas por Rabe-
do sujeito, que é um ser de relações, interacional, lo et al.6 como qualquer atividade: jogos ou brinca-
político e cultural. deiras, trabalho com massinhas, exercícios com
Outro aspecto a ser considerado quanto à os pés, jogos com música, atividades de relaxa-
aprendizagem no grupo refere-se ao ambiente em mento. Para essas autoras, essas atividades produ-
que esta ocorre e os recursos utilizados. Observa- zem um distanciamento da realidade, estimulam
mos durante as atividades do grupo, bem como a a autoexpressão dos integrantes, produzem rela-
partir das falas dos entrevistados, as referências xamento das tensões, proporcionando, ainda,
que eles fazem ao ambiente presente no grupo, entretenimento e reconhecimento de si mesmo.
que proporciona momentos de descontração. Nessa perspectiva, Torres et al.5 comentam
Os entrevistados, ao falarem sobre a vivência que os jogos e brincadeiras utilizados nas ativi-
no grupo, identificaram algumas estratégias dades de grupo propiciam um ambiente agradá-
como jogos, brincadeiras, ginásticas, alongamen- vel, que favorece a aprendizagem, facilitando a
tos, técnicas de relaxamento, dinâmicas utilizan- construção de processos internos. Além disso,
do toques e massagens realizadas no grupo. Es- esses recursos favorecem uma maior participa-
ses depoimentos revelaram a compreensão que ção e comprometimento da pessoa diabética e
eles têm desse espaço como uma oportunidade do profissional de saúde na transformação do
para se descontrair, relaxar, se divertir, ter mo- ambiente clínico e do próprio processo educati-
mentos de alegria: É muito bom! Faz ginástica. A vo realizado no grupo.
gente brinca, né. Então, é bom nesse sentido por- Observamos que essas atividades incentiva-
que a gente tem uma luta, né. Porque cada um tem vam o grupo à ação e comunicação, facilitando o
a sua luta em casa. (Acácia) processo grupal e permitindo a expansão do co-
A gente vem, a gente conversa, um ri, outro nhecimento e possibilidades de interação. Entre-
fala uma piada, outro fala outra coisa, aquilo vai tanto, Miranda et al.16 e Afonso17 recomendam
divertindo a mente da gente. (Copo de leite) que essas atividades devem respeitar e ser ade-
A reunião do grupo é uma parte importante quadas ao processo do grupo.
pra todos nós. Primeiro porque a gente distrai, con- Acreditamos que a realização de atividades
versa com um. São as horas que a gente passa ali dessa natureza no espaço do grupo tem contri-
tranquilo. A gente sai de lá tranquilo, relaxante. buído para a motivação da pessoa no que se re-
(Flor do campo) fere a sua participação no grupo, à busca do
A realização de atividades lúdicas no espaço aprendizado e à discussão das questões referen-
do grupo, como as brincadeiras, permite que se tes ao diabetes.
trabalhe algum tema específico ou, segundo au-
tores como Miranda et al.16 e Afonso17, até mes-
mo um conflito, porém essa estrutura deve per- Considerações finais
mitir uma abertura perceptiva, a expressão de sen-
timentos e idéias, permitir que o sujeito se veja em O trabalho com grupos comporta duas dimen-
situações não cristalizadas no cotidiano, e pro- sões ou potencialidades: uma terapêutica, na
mover também uma sensibilização e uma dispo- medida em que se favorecem os insights e a ela-
sição para a apreensão de novos significados. boração de questões subjetivas, interpessoais e
Durante as reuniões do grupo, observamos sociais; e outra pedagógica, uma vez que se de-
que essas atividades eram realizadas com o obje- sencadeia um processo de aprendizagem partin-
tivo de trabalhar alguns conteúdos discutidos que do de reflexões sobre a experiência e elaboração
remetiam a outras formas de incentivar o auto- do conhecimento sobre si mesmo no mundo e
cuidado, como, por exemplo, a importância da com o mundo8,17.
automassagem, principalmente dos pés e do cor- Nos grupos observados, foi possível identifi-
po, visando a promover a autoestima. Outros carmos a presença dessas duas dimensões, sen-
conteúdos trabalhados no grupo com os recur- do o aspecto pedagógico desenvolvido ao se arti-
sos dessas atividades foram: a importância de cularem as informações trazidas pelo coordena-
exercícios de alongamento, principalmente antes dor com as experiências relatadas pelos mem-
da realização de atividades físicas; desenvolvi- bros quanto ao tema em discussão. O aspecto
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Ciência & Saúde Coletiva, 15(Supl. 1):1123-1132, 2010


terapêutico foi dado pela existência de uma aber- tiu que as pessoas desenvolvessem ou modifi-
tura no grupo para falar de sentimentos, ansie- cassem as atitudes.
dades, temores, do que as pessoas pensavam a O campo grupal oportuniza, a partir da inte-
respeito de determinada questão e a forma como ração dos sujeitos no grupo e com o grupo, um
agiam em relação a ela. processo de internalização da realidade, ou seja,
A realização da atividade de grupo para as a reconstrução interna de um processo externo,
pessoas diabéticas possibilitou vivenciar a expe- que resulta na reorganização da ação do sujeito
riência de ser diabético junto a outras pessoas sobre o objeto. O caráter social da aprendizagem
que compartilham das mesmas dificuldades, an- é dado pela oportunidade de se apropriar da re-
gústias e necessidades. alidade com outras pessoas, a partir da visão in-
O grupo funciona, então, como uma matriz tegradora do homem em situação, em uma de-
que auxilia a organizar o pensamento; torna-se terminada circunstância histórica e social. Desta
um espaço mobilizador de processos de intera- forma, ou seja, a partir da relação do homem no
ção, que favorece a aprendizagem e a discussão mundo e com o mundo14, este deixa de ser mero
de situações desafiadoras para o enfrentamento expectador para ser sujeito.
da doença com maior aporte de conhecimentos e A partir das falas e dos comportamentos
com a construção de um sujeito ativo e autôno- observados no grupo, pudemos apreender que o
mo do cuidado. desenvolvimento de certa autonomia no cuida-
Algumas estratégias utilizadas durante os en- do e a conquista no manejo do diabetes foram
contros do grupo como, por exemplo, os jogos, realizados de forma diferenciada entre eles. Ob-
brincadeiras e ginásticas, criaram um ambiente servamos, também, que a aprendizagem aconte-
propício para uma maior interação entre os seus ce processualmente, em um movimento dialéti-
participantes, incentivando-os a estabelecer um co, dinâmico, com necessidades constantes de
diálogo e, assim, a comunicação, o que veio re- interações, diálogos e esclarecimentos. Assim,
forçar a aprendizagem. cabe ainda nos indagarmos até que ponto essa
Nesse sentido, foi possível elaborar as ansie- aprendizagem contribui para a mudança de com-
dades, os significados, os sentimentos e as rela- portamento e hábitos e como ela se sustenta no
ções presentes no espaço do grupo, o que permi- cotidiano da pessoa diabética.

Colaboradores

SP Almeida participou da idealização, delinea-


mento do objeto de estudo, desenho da metodo-
logia, coleta e análise dos dados e redação do
artigo. SM Soares participou do delineamento
do objeto de estudo, desenho da metodologia,
orientação e acompanhamento do trabalho de
campo e revisão crítica do artigo.
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Almeida SP, Soares SM

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