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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊCIA POLÍTICA
MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA POLÍTICA

DANIEL SILVA PINTO

OS PEREGRINOS DA FÉ NA AMAZÔNIA URBANA

LINHA DE PESQUISA: RELIGIÃO E SAÚDE, SIMBOLISMO E PODER

BELÉM
2019
A) TÍTULO: OS PEREGRINOS DA FÉ NA AMAZÔNIA URBANA
B) INTRODUÇÃO
O atual cenário do campo religioso brasileiro reflete aspectos do que autores nacionais
e estrangeiros pesquisadores da religiosidade contemporânea, classificam como oriundos de um
processo de modernização do fenômeno religioso (HERVIEU-LÉGER, 1993; PIERUCCI,
2006). Na modernidade, este se expressaria pela diversidade ou pluralidade religiosa, pelo
enfraquecimento da autoridade religiosa institucionalizada, especialmente as mais tradicionais,
como as cristãs e o crescimento de um individualismo religioso manifesto pela autonomia ou
liberdade nas adesões religiosas, pelos múltiplos pertencimentos e pelas identidades
fragmentadas.
É uma realidade que dificilmente se deixa captar por modelos estatísticos estruturados
em dados censitários, baseados na simples afirmação pública das filiações religiosas, coletadas
por meio de questionários dos institutos oficiais de pesquisa como o IBGE1, que tendem a
reduzir, simplificar e mesmo esconder a complexidade dos sincretismos, livres trânsitos e
múltiplas adesões de indivíduos e grupos sociais, especialmente das camadas populares, que
informam os movimentos de um campo religioso nacional dinâmico e em franca transformação
(CAMURÇA, 2014).
E um dos aspectos centrais desta dinâmica é o intenso e paradoxal transito de pessoas e
crenças pois, apesar das aparentes diferenças entre cultos, praticas rituais e visões de mundo
religiosas, já bem delineadas por estudiosos do tema, a conduta pouco ortodoxa dos que
reproduzem em seu cotidiano tal capital religioso, se revela pelo fácil e constante deslocamento
de fieis, pouco afeitos à fidelidade religiosa, pelo circuito de opções de bens religiosos à sua
disposição (ALMEIDA; MONTEIRO, 2001).
A pluralidade apresentada pelo campo religioso brasileiro fortalece a oferta e o fluxo
destes bens, mas, de acordo com pesquisas recentes, apesar da diversidade de crenças e práticas,
apenas três categorias concentram, segundo a mencionada pesquisa, a maior parte dos
declarantes, sendo elas, os católicos, evangélicos e os “sem religião” (ISER, 2014). Isto pode
significar que a circulação de pessoas e estratos sociais - entre saídas e entradas, livre trânsito
entre credos e instituições, multipertenças e abandono da esfera religiosa – podem,
majoritariamente se dar no entrecruzamento destes três grandes grupos. Dessa forma, pode se
inferir que as tendências ou padrões predominantes do transito religioso brasileiro influem
principalmente na reconfiguração do campo religioso cristão (católicos e evangélicos).

1
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
C) JUSTIFICATIVA
Camurça (2017, p. 58) observa que os “sem religião” não devem ser classificados e
analisados como tal, mas sim, como “religiosos sem instituição”, que indicariam o crescimento,
em âmbito nacional, do fenômeno de “desfiliação religiosa” típica de uma pós-modernidade
religiosa. O mesmo autor afirma que para muitos especialistas do tema, o crescimento deste
segmento não indica uma escalada do ateísmo e nem o declínio da religião no Brasil. Opinião
compartilhada por Santos (2014, p. 32), ao afirmar que “O fato de alguém declarar-se sem
religião não indica resistência ou ruptura com o dado religioso ou espiritual, com raras
exceções” e que podem ser vistos mas como “peregrinos do sentido”, em busca da constituição
de suas identidades religiosas. Assim, longe de indicar decréscimo e perda de vitalidade do
campo religioso, o crescimento dos sem religião e a diversificação de seus tipos 2 apontariam,
mais do que qualquer outra categoria religiosa, as tendências e percursos dominantes do transito
religioso brasileiro.
À parte as subcategorias de declarantes ateus e agnósticos – as minorias numéricas da
categoria em questão - (NOVAES, 2013), os sem religião, ao contrário do que o termo designa,
são religiosos, e fundamentam sua religiosidade em uma matriz simbólica essencialmente cristã
(CAMURÇA, 2017). A tendência majoritária deste segmento, então, transitaria no interior da
esfera hegemônica do cristianismo, praticando uma religiosidade e moralidade difusa, mas
tendo como referência, valores, crenças e princípios cristãos. Diante do exposto, católicos,
evangélicos (com ênfase aos pentecostais) e os sem religião evidenciariam, por meio de suas
dinâmicas de crescimento e decrescimento, os fluxos e contra fluxos hegemônicos do transito
religioso brasileiro.
Assim, os padrões de mobilidade religiosa seriam de crescimento (evangélicos e sem
religião) e declínio (católicos). Entre os sem religião, teríamos um movimento dominante de
circulação no interior do campo cristão, sem adesão a nenhuma religião. Entre os evangélicos,
com destaque para os pentecostais, teríamos o fortalecimento de um transito denominacional e
conversões geradoras de laços institucionais mais ou menos duradouros (SANTOS, 2014).
O transito evangélico tende a apresentar níveis de complexidade mais altos, talvez, do
que outros padrões de mobilidade (entre os sem religião e a partir do catolicismo). Isto se deve,
provavelmente, ao expressivo crescimento da categoria, e a sua diversificação religiosa, de
difícil classificação. Santos (2014) ao expor os limites e os problemas das classificações

2
Camurça (2017), divide os “sem religião” em duas categorias: os errantes por entre as religiões e os indiferentes
às religiões identificando entre esses dois subgrupos, aproximações e combinações de práticas e representações.
elaboradas pelos censos religiosos sobre o campo evangélico, exemplificou essa dificuldade ao
levantar a necessidade de se estudar com mais profundidade quem são os evangélicos não
denominacionais, ou seja, que não se identificam com nenhuma denominação 3, e como
diferenciá-los dos denominacionais e dos evangélicos que se declaram “sem religião” por
questões doutrinárias. A classe de evangélicos não denominacionais poderia fazer parte de um
imenso contingente de fiéis que desenvolvem uma mesma identidade religiosa, de
pertencimento a um mesmo “povo de Deus”, praticando esta identidade de forma difusa, e que
parece pouco clara aos pesquisadores, devido ao emaranhado de denominações declaradas, mas
demonstrando uma certa unidade e uma presença cada vez mais forte nos planos social e
político. O exercício desta identidade, mesmo não relacionada a nenhuma igreja ou
denominação e apesar das divergências doutrinárias, celeiro das cisões e multiplicação de
credos evangélicos, seria um dos fatores que restringiriam o transito dos evangélicos ao seu
próprio campo, em um movimento endógeno de fiéis institucionalizados ou não e articulados
em torno de um mesmo conjunto de valores e crenças generalizadas.
Desta forma, pelo fato de estarmos diante do agrupamento religioso que mais cresce e
se diversifica em termos de nomenclaturas, a probabilidade de termos um campo em que as
taxas de transformação sejam bastante superiores aos de outros campos é quase uma certeza
numérica e o transito interno, em consequência, entre conversões, filiações temporárias e livre
fluxo de fiéis pelos diversificados e numerosos cultos, seja possivelmente o mais intenso.
Sendo um dos desdobramentos da problemática deste trabalho, a compreensão da
afirmação de uma identidade evangélica genérica se manifestaria por meio de práticas e crenças
provenientes de uma mesma matriz de sentidos e visões de mundo religiosos, neste caso tendo
como exemplos a crença nos dons do espírito santo e de seus poderes como manifestação da
cura divina de doenças físicas e espirituais, na atuação ostensiva do diabo sobre as vidas dos
indivíduos e na sociedade e as práticas comunitárias de ajuda mútua comuns entre os
pentecostais das classes populares. Seguindo uma mesma gramática religiosa, fiéis das mais
diferentes denominações não encontrariam barreiras e impedimentos ideológicos para transitar
pelas diversas igrejas e seus cultos louvando e adorando Jesus nas milhares de comunidades
evangélicas.
A religião católica tem sido nas últimas décadas, a principal fonte criadora de fluxos ou
trânsitos externos – em contraposição aos circuitos internos de fiéis no campo evangélico –

3
Teixeira (2014) com base no censo de 2010, indica o expressivo crescimento de evangélicos localizados na
categoria “evangélicos não determinados”, representando 21, 8% de todo o contingente de evangélicos ou de 5%
da população brasileira.
geralmente em direção à saída desta para outras modalidades religiosas ou para alimentar o
crescente e heterogêneo grupo dos “sem religião”. O movimento de saída do catolicismo
romano, apesar de contínuo, ainda não afeta sua hegemonia, enquanto tradição religiosa com a
maior presença de adeptos registrada nos últimos censos4 (TEIXEIRA, 2014).
No entanto, comprova o que parece ser o inevitável processo de aprofundamento de
transformação do campo religioso nacional, afetando especialmente religiões de tradição
histórica e perfil doutrinário mais rígidos, como o próprio catolicismo romano e as
denominações do protestantismo histórico (CAMPOS, 2010).
As modalidades de transito de maior abrangência, portanto, estariam acontecendo no
interior do universo cristão, trazendo à tona a crítica de Pierucci (2006) sobre a suposta
diversidade religiosa brasileira, uma vez que nomenclaturas não cristãs, respondem por apenas
do que pouco mais que 10% do cenário religioso brasileiro.
O encolhimento das religiões tradicionais, especialmente do catolicismo, apesar de
abranger todo o território nacional, acontece com intensidade variada nas diferentes regiões do
país e nas áreas de maior expansão demográfica, apresentado reduções mais significativas nas
regiões norte, sudeste e centro-oeste e nos espaços das grandes metrópoles (TEIXEIRA, 2014).
Ao trazermos a temática do transito para o campo religioso amazônico, estudos
apontam, nas últimas décadas o crescimento de um forte sincretismo, mas também uma
tendência irrefreável a diversificação religiosa e o crescimento dos evangélicos entre homens e
mulheres amazônicos (SILVEIRA; REIS, 2015).
O avanço dos evangélicos, já consolidado entre as populações periféricas das cidades,
estaria se acentuando entre as populações tradicionais5 (RODRIGUES; MORAES, 2018).
Por fim, é preciso destacar que o transito de pessoas também significa, em geral, o
transito de suas crenças e práticas, muitas vezes reelaboradas e fundidas à novas cosmologias,
sem, no entanto, desaparecerem por completo, criando religiosidades originais de indivíduos e
grupos como apontam os estudos de Rodrigues e Moraes (2018) ao identificar a fusão de
práticas e crenças dos povos tradicionais da Amazônia com a cosmologia e ritualística
pentecostal. Ou mesmo como Montero e Almeida (2001), ao apontar que a forte circulação de
diferentes códigos religiosos entre as religiões populares seria determinada e estimulada pela

4
Teixeira (2014, p. 37) informa que, “Os católico-romanos somam hoje no Brasil, segundo os dados do censo,
123,2 milhões de adeptos declarados numa população de 190,7 milhões de habitantes. Mesmo assim, como
mostrou Antônio Flávio Pierucci, apesar desse “declínio moderado, mas constante”, a presença católico-romana
é ainda muito grande [...]”.
5
Conceituada pelos autores como “pentecostalismo caboclo” é uma prática pentecostal altamente sincrética, pois
as tradições culturais originárias destes povos acabam se mesclando às crenças e práticas dos pentecostais,
produzindo assim híbridos religiosos.
existência de um mesmo substrato religioso-cultural comum à elas, expresso, por exemplo, por
ideias sobre a manifestação do mal representado por exus, demônios e a “malinesa” dos
encantados da Amazônia, que indicariam a existência de um mesmo código ético-moral entre
as classes populares.
É neste sentido que este projeto busca contribuir para o enriquecimento da análise do
fenômeno do transito, não apenas em sua dimensão objetiva e institucional, representada pelas
filiações e desfiliações religiosas, mas também abordar a sua dimensão subjetiva, relacionada à
transformação das identidades religiosas, construídas e remodeladas sob a influência de uma
ampla gama de ofertas simbólicas à sua disposição. E, talvez o mais importante, buscar apontar
e ampliar novos eixos de discussão sobre a mobilidade religiosa em um ambiente urbano típico
de uma grande cidade da Amazônia, relacionando a religiosidade das classes populares a suas
condições sociais e econômicas.

D) PROBLEMA
É possível identificar e determinar a existência de uma religiosidade cristã difusa e sem
vínculos institucionais, ou seja, uma religiosidade peregrina constituída por um núcleo comum
de representações religiosas e qual seu papel ou influência sobre os padrões de mobilidade
religiosa em uma comunidade popular?

E) OBJETIVOS
Geral: Identificar e tipificar um conjunto de representações e práticas religiosas
possivelmente vinculadas à produção de uma religiosidade peregrina e sua influência sobre a
dinâmica do transito religioso em uma comunidade popular.
Específicos:
 Analisar e identificar a existência de um grupo genérico de representações e
práticas religiosas evangélicas, ou seja, a existência de uma identidade
evangélica comum e a sua influência sobre a dinâmica do transito religioso no
interior do campo evangélico.
 Identificar e analisar a influência da produção de uma religiosidade cristã difusa
(religiosidade peregrina) sobre a dinâmica de crescimento dos grupos
identificados como “sem religião”.
 Identificar e analisar a influência da produção de uma religiosidade cristã difusa
(religiosidade peregrina) sobre a dinâmica do transito religioso entre católicos,
evangélicos e “sem religião”.
F) REFERENCIAL TEÓRICO
Este projeto se estrutura a partir das teorizações, conceitos e categorias de Daniéle
Hervieu-Léger voltadas para a análise das transformações das instituições religiosas e da
religiosidade na modernidade contemporânea.
Em sua definição de religião, a autora a define como uma instituição que busca a
transmissão e a preservação de uma memória coletiva, ou mais propriamente uma memória
religiosa constituída a partir de um mito fundador. Assim, a religião, ou seja, uma tradição
religiosa se caracteriza pela contínua necessidade de perpetuar a memória de sua origem através
de uma linhagem de crença instituída responsável por sua reprodução e transmissão. Na
modernidade, as religiões tradicionais estão em crise, pois os processos de transmissão de suas
memórias fundantes e legitimadoras de sua autoridade encontram-se debilitados pela
emergência de novos e múltiplos sentidos religiosos surgidos a partir da diversificação e
fragmentação religiosa (HERVIEU-LÉGER, 2015a).
A crise sofrida pelas religiões em sua capacidade de transmitir a sua memória ou a sua
tradição cultural-religiosa calcada na autoridade, é indissociável de outro processo sob o qual
se fundamenta a realidade moderna: a crescente autonomia do sujeito moderno expressa em sua
livre capacidade de criar sistemas de significados próprios sem a necessidade da mediação
institucional ou tradicional. (HERVIEU-LÉGER, 2015b).
O indivíduo religioso contemporâneo, segundo a autora, não mais se submete ao
controle ideológico da instituição, mas tende a construir, de forma livre e pessoal, as suas
próprias maneiras ou formas de crer, ou seja, afastando-se de uma imposição doutrinal
instituída, ressignifica por conta própria suas crenças, mesclando-as a ideias de diferentes
correntes religiosas. A este processo de recomposição das crenças individuais, a autora chama
de Bricolage religiosa, que está na base das operações simbólicas realizadas pelo crente
contemporâneo em busca da definição de sua identidade religiosa. A problemática da crise na
transmissão da memória autorizada das religiões tradicionais e o avanço do fenômeno
intimamente associado à produção e agravamento desta crise, ou seja, a potencialização da
subjetividade na determinação das identidades e pertenças religiosas, são dois pontos
fundamentais da teoria da modernidade religiosa de Hervieu-Léger (2015).
Como motor da crise das tradições religiosas, o avanço do processo de autonomização
do sujeito religioso, apontada pelam autora, estaria relacionado à explicação do crescimento da
categoria dos “sem religião” no Brasil, tendo como pressuposto, segundo este projeto, que este
grupo seria composto essencialmente, de cristãos sem filiação religiosa. Compreender este
agrupamento é tê-los como um dos exemplos típicos das novas expressões do crer na
contemporaneidade, marcado pela emancipação dos indivíduos frente aos sistemas de fé
instituídos, em um movimento em que suas crenças “[...] são triadas, remanejadas e, geralmente,
livremente combinadas a temas emprestados de outras religiões ou de correntes de pensamento
de caráter místico ou esotérico” (HERVIEU-LÉGER, 2015, p. 43).
Repensar a estrutura das crenças e práticas religiosas da mulher e do homem
contemporâneo, neste caso, particularmente daqueles que vivem e buscam sua religiosidade em
um ambiente citadino, é buscar, na perspectiva da autora, delinear o perfil psicossocial do
indivíduo religioso moderno. Em sua análise sociológica dos perfis religiosos modernos, a
autora em questão propõe uma tipologia representativa de suas características mais centrais,
que seja, sua qualidade nômade ou errática e subjetivista, presente no elevado grau de
independência dos indivíduos em suas escolhas religiosas, seja por suas adesões voluntárias a
um credo religioso ou pela liberdade que desfruta em poder compor seu próprio e pessoal
sistema de crenças.
Dessa forma, a autora constitui duas categorias típico-ideais de religiosos na
modernidade: o peregrino e o convertido. A figura do peregrino é a imagem viva do tipo de
religiosidade predominante na contemporaneidade, ou seja, externada por indivíduos em
constante movimento por espaços religioso cada vez mais diversificados, sem vínculos
identitários e institucionais sólidos, em transito livre estimulado pela busca contínua de
experiências do sagrado que satisfaçam a sua identidade, está em constante mutação e
recomposição de crenças e seus significados, reinterpretados livremente e sem a necessária
referência aos sistemas teológicos tradicionais (HERVIEU-LÉGER, 2015). A figura do
peregrino é o religioso símbolo do trânsito em seus diversos desdobramentos, portanto é o
objeto-sujeito de pesquisa fundamental deste projeto. O peregrino, segundo a hipótese deste
projeto, pode ser observado nos três hipotéticos padrões de mobilidade cristã já comentados.
A figura do peregrino representa uma nova forma de “[...] sociabilidade religiosa em
plena expansão, que se estabelece, ela mesma sob o signo da mobilidade [...]” (HERVIEU-
LÉGER, 2015, p. 89). A produção e as consequências desta “religiosidade peregrina”,
individualista, fluida e desterritorializada, orienta a perspectiva teórica deste projeto, ao
percebe-la como um dos fatores fundamentais de transformação da religiosidade cristã na
contemporaneidade e também como um conceito aplicável ao entendimento da modernidade
religiosa nas mais diversas realidades sociais, econômicas e culturais.
G) METODOLOGIA
A perspectiva teórica deste projeto será utilizada como ferramentas teórico-
metodológicas de análise do transito religioso no interior do campo cristão amazônico em sua
face urbana. Assim, a premissa teórica de Hervieu-Léger (2015), sobre a modernidade religiosa,
ou seja, a crise sofrida pelas religiões tradicionais em sua capacidade de regulação e transmissão
de seus credos religiosos será aplicada, de forma a aprofundar as análises referentes ao
progressivo encolhimento da tradição católica, ao desenvolvimento de uma identidade
evangélica genérica e desvinculada institucionalmente e o crescimento de grupos praticantes de
uma religiosidade difusa, que se auto intitulam como “sem religião”.
Tendo o indivíduo como portador de uma religiosidade móvel e flutuante conforme as
experiências que acumula, a forma de identificar o conjunto das representações que orientam e
determinam a formação de sua identidade religiosa, aqui vista como em processo de
transformação e ajustamento contínuo mais ou menos vinculado a uma tradição religiosa, é a
reconstituição biográfica relacionada ao itinerário religioso percorrido pelo indivíduo. Desta
forma, o foco investigativo deste projeto é voltado para o indivíduo e menos para a instituição
ou grupo religioso. A coleta de depoimentos, portanto, tem como objetivo a análise das
experiências individuais, buscando identificar nos discursos, as crenças e práticas mais
relevantes e influentes na determinação de sua mobilidade ou movimentação entre instituições
e credos religiosos cristãos. Assim, a delimitação do grupo a ser estudado não obedecerá a
critérios de analise institucional, mas, sim, dar prioridade ao indivíduo e sua subjetividade,
relacionada às condições objetivas, sociais, econômicas e culturais em que estes vivem.
A pesquisa de campo será realizada a partir de entrevistas e coleta dos dados
socioeconômicos de moradores de uma comunidade (Dom Bosco) situada no bairro de Águas
Lindas, bairro periférico da cidade de Ananindeua no Estado do Pará. Localizada em meio
geográfico onde vivem populações com altas taxas de vulnerabilidade social, esta comunidade,
assemelhada a muitas outras próximas a ela, caracteriza-se pela presença massiva de igrejas
cristãs, predominantemente evangélicas.
O método para a análise dos depoimentos será a do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)
que permite a constituição de um quadro das representações características de um grupo social
por meio da identificação de elementos discursivos comuns ou que se repetem nos discursos
dos depoentes. A comparação das respostas será feita por meio da inclusão destas em categorias
que representam um grupo de respostas semelhantes, isto é, que possuam sentidos similares e
que, somadas a outras categorias de respostas obtidas por outras questões, busca-se atingir um
núcleo comum de sentidos existente nos discursos, encarados coletivamente. A utilização do
DSC como ferramenta de pesquisa seguirá os procedimentos definidos por Lefevre (2003) que
designa as seguintes etapas para o seu emprego: as Ancoragens, as Ideias Centrais e as
Expressões Chave e o Discurso do Sujeito Coletivo propriamente falando.

H) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Ronaldo. MONTERO, Paula. Transito religioso no Brasil. São Paulo em


perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 3, set. 2001. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
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CAMPOS, Leonildo S. Os Mapas, Atores e Números da Diversidade Religiosa Cristã


Brasileira: Católicos e Evangélicos entre 1940 e 2007. Revista de estudos da religião - REVER.
São Paulo, dez. 2008. Disponível em: < https://www.pucsp.br/rever/rv4_2008/t_campos.htm>.
Acesso em: 30 abr. 2019.

CAMURÇA, Marcelo A. A religião e o censo: enfoques metodológicos: Uma reflexão a partir


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HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. 2. ed. Petrópolis:


Vozes, 2015. 240 p.

LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em


pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003.

NOVAES, Regina. Jovens sem religião: sinais de outros tempos. In: Teixeira F., Menezes R.
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PIERUCCI, Antônio Flávio. “Cadê a nossa diversidade religiosa?”. In: TEIXEIRA, Faustino;
MENEZES, Renata (orgs.). As Religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes,
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RODRIGUES, Donizete. JÚNIOR, Manoel R. de Moraes. A pentecostalização de povos


tradicionais na Amazônia: aspectos conceituais para uma antropologia de identidades
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SANTOS, Maria G. Os limites do Censo no campo religioso brasileiro. Religiões em conexão:


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