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capítulo 1 A invenção do Brasil


h i s t Ó r i A

Q uando começa a história do Brasil? Qual é a nossa origem? Somos europeus, africa-
nos ou indígenas? Quando começou a ser fundada a cultura brasileira?
Para estudar a história brasileira, precisamos saber responder a essas perguntas para
poder responder a outra questão: Afinal, o que é ser brasileiro? Em que nos diferencia-
mos de outras culturas?
Primeiro, devemos considerar que estudar as origens da cultura brasileira significa
ir além do momento em que os europeus tomaram posse do território no ano de 1500.
Quando eles chegaram aqui, centenas de povos com línguas e culturas variadas já habi-
tavam essas terras. Devemos, portanto, iniciar o estudo da cultura brasileira a partir da
história desses povos.
Nas imagens a seguir, observamos peças da arte plumária indígena dos Karajá e Ka-
xinawá. Por meio dessas peças e do uso que tinham, podemos começar a perceber a
diversidade cultural existente nessas terras, ocupadas por centenas de povos que falavam
cerca de 600 línguas diferentes. Na atualidade, registramos ainda a presença de 238 povos
indígenas no Brasil, somando aproximadamente 818 mil pessoas, segundo dados do Ins-
tituto Socioambiental. Estima-se que em 1500 fossem mais de 5 milhões de habitantes.
Renato Soares/Pulsar Imagens

Rosa Gauditano

Leque Karajá usado por jovens em ocasiões especiais ou cerimoniais. Plumária Kaxinawá usada em rituais.
os Karajá vivem atualmente em Goiás, Mato Grosso, Pará e Tocantins. em 2010, os Kaxinawá vivem no Acre e no sul do Amazonas. em 2010, havia 7 535 deles no
havia 3 198 deles no Brasil. Brasil e no Peru.

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O Brasil pré-cabralino
Existe mais de uma teoria para explicar como e quando o ser humano teria chegado
à América. Acredita-se que, há cerca de 35 mil anos, em um período de glaciação cha-
mado de última glaciação de Würm-Wisconsin, no qual ocorreram bruscas reduções de
temperatura na Terra, o mar, na região do estreito de Bering, tenha ficado congelado no
ponto onde se torna possível a travessia da Ásia (Sibéria) para a América (Alasca) (veja
a imagem a seguir). Esse caminho, com aproximadamente 1 600 km, foi denominado de
ponte terrestre de Bering. Por essa passagem, teria ocorrido um longo processo de migra-
ção de populações asiáticas para a América.

NASA/GSFC/JPL/MISRteam
Foto de satélite do estreito de Bering, 2010.
Trata-se de um estreito entre o cabo Dezhnev, o ponto extremo oriental do continente asiático, e o cabo Príncipe de Gales, o
extremo ocidental do continente americano.

No entanto, existem controvérsias sobre essa datação. A arqueóloga Niéde Guidon


contesta a hipótese de que isso teria ocorrido há cerca de 35 mil anos. Ao estudar o sítio
arqueológico da Toca do Boqueirão da Pedra Furada, no Piauí, além de milhares de pin-
turas rupestres, foram encontrados utensílios de pedra e restos de fogueiras datados em
aproximadamente 50 mil anos. Para ela e outros estudiosos, as migrações para a América
teriam começado a ocorrer muito antes.
Em uma gruta da região de Lagoa Santa, Minas Gerais, foram descobertos esqueletos
humanos cuja datação comprova que possuem mais de 10 mil anos. O crânio mais antigo
encontrado em Lagoa Santa, com mais de 11 500 anos, foi reconstituído e apelidado de
Luzia. O resultado desse trabalho leva a supor que possam ter existido outras formas de
ocupação do continente americano, pois o estudo do crânio de Luzia indica que teriam
chegado ao Brasil populações não mongoloides (asiáticas). Mas o que isso significa? O
historiador Pedro Paulo Funari explica:
[…] todos os indígenas americanos conhecidos apresentam semelhanças morfológicas com as
populações norte-asiáticas mongoloides. Ou seja, os indígenas das Américas parecem-se com os

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povos mongoloides, como os atuais chineses ou japoneses. Essa semelhança levou a pensar de
maneira generalizada que a entrada do homem no continente americano teria se dado pelo nordeste
da Ásia pelo estreito de Bering (onde estão e estavam essas populações mongoloides), há poucos
milhares de anos, pois o surgimento das características físicas mongoloides teria, segundo a maioria
dos analistas, um máximo de 20 mil anos. Nesse
contexto, o estudo do crânio de Luzia e de outros

Palê zuppani/Pulsar Imagens


da mesma época trouxeram novidades: dados
que sugerem outra (pré-)História e um outro
modo de refletir sobre a ocupação […]
FuNARI, Pedro Paulo; NoeLLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. 3. ed. São Paulo:
Contexto, 2006. p. 34-35.

A morfologia de Luzia é mais semelhante


à de grupos australianos e africanos. Assim,
outra leva migratória teria chegado à América.
De qualquer forma, esses grupos hu-
manos começaram a ocupar a
glOssáriO
América do Norte e, ao longo
a.P. (antes do presente):
de milhares de anos, teriam se
notação arqueológica espalhado por todo o continen-
que usa como base o
ano de 1950.
te, inclusive pelo atual território Pintura rupestre na Toca do Pajaú (PI) que tem entre 12 e 6 mil anos.
Podemos observar a representação de figuras humanas segurando um tronco e
brasileiro.
a cena da corrente humana, que poderia estar relacionada a rituais. As pinturas
O período que vai de 12 mil rupestres são desenhos feitos pelos povos que viviam no território brasileiro
antes da chegada de Cabral e podem representar tanto cenas do cotidiano como
a 5 mil anos a.P. (antes do presen-
eventos ligados a rituais. é comum o desenho de animais como capivaras,
te) é chamado de Paleoíndio. Estima-se que macacos, tatus, emas, além de referências à caça, à dança e às lutas.
a ocupação do atual território brasileiro pelas
populações paleoíndias tenha ocorrido em diferentes momentos. Mas como teriam vivido es-
ses pioneiros da floresta tropical? Pedro Paulo Funari diz que eles:

[...] Usavam pontas de lança de pedra bifaciais triangulares e se alimentavam tanto da pesca e
caça como da coleta de frutos e vegetais. Comiam peixes, roedores, morcegos, moluscos, jabutis,
pássaros, anfíbios, mas também cobras e grandes mamíferos terrestres. Não prescindiam dos frutos
da palmeira, da castanha-do-pará e de várias espécies de leguminosas.
[…] É possível acreditarmos que havia, num mesmo meio ambiente, espalhados pelo território da
floresta tropical, ceramistas e não ceramistas, pintores rupestres e povos desinteressados em pintar.
As recentes descobertas na Amazônia têm revelado ainda outras importantes surpresas. […] Em
sítios do baixo Amazonas, se produzia cerâmica já há 7 500 mil a.P., sendo, portanto, a área em que
se produziram as vasilhas de cerâmica mais antigas (descobertas até o momento) da América e uma
das áreas das mais precoces no mundo com vestígios desse tipo.
FuNARI, Pedro Paulo; NoeLLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 54.

Na Amazônia, surgiram os grupos ceramistas e também agricultores, que se expandi-


ram entre 4 e 2 mil anos atrás. Há vestígios de que há mais de 5 mil anos já se cultivava a
mandioca na região. Na Amazônia, destacaram-se dois grupos: a cultura tapajônica, que
vivia na atual cidade de Santarém, e a cultura marajoara, estabelecida na ilha de Marajó.

[…] Nas margens do rio Tapajós, nas proximidades de Santarém, por volta de mil anos atrás,
desenvolveu-se um modo particular de fazer cerâmica e representar plasticamente mitos e crenças.
Integram a cerâmica de Santarém pequenas estatuetas que representam mulheres e homens. Esses

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Rosa Gauditano/Studio R
objetos são ricos em detalhes e fornecem informações sobre os adereços
femininos e masculinos. Indicam ainda o costume de perfurar o lóbulo
da orelha e introduzir um disco auricular, o uso de faixas nas pernas, o
hábito de pintar o corpo e o cuidado com os cabelos.
Hetzel, Bia; Negreiros, Sílvia (Orgs.). Pré-história brasileira. Rio de Janeiro: Manati, 2007. p. 84-85.

Os Marajoara criaram ricas peças de cerâmica e vários ti-


pos de enfeites para o corpo. Esse povo desapareceu em apro-
ximadamente 1300, antes da chegada dos europeus. É possível
que os Marajoara tenham sucumbido diante das frequentes
inundações que a ilha sofria.
Estima-se que a ocupação das margens do rio São Fran-
cisco tenha ocorrido entre 9 e 12 mil anos atrás. No caso do
Piauí, a teoria de Niéde Guidon supõe que essa ocupação já Cerâmica tapajônica.
Acervo do Museu Nacional (RJ), 2007.
possa ter ocorrido há 50 mil anos. O Centro-Oeste, por sua
vez, pode ter sido ocupado entre 15 e 22 mil anos a.P.
Entre 7 e 12 mil anos a.P., vários grupos, denominados sambaquieiros, ocuparam
parte do litoral. Eram grupos caçadores-coletores, que depositavam seus mortos em
montes construídos com conchas, ossos de peixes e mamíferos. Esses montes, denomi-
nados sambaquis, são encontrados em vários pontos do litoral brasileiro.

Eduardo Marques/Tempo Editorial

Fabio Colombini

Grande sambaqui em Santa Marta (SC), 2008. Sepultamento de cerca de 2 500 anos encontrado
no sítio arqueológico da Tarioba, em Rio das
Ostras (RJ), 2008.

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Vários grupos agricultores se fixaram em outras partes do território brasileiro, pro-
duzindo milho, mandioca e abóbora, entre outros alimentos. Os Kaiapó, que vivem atu-
almente no Pará, os Guarani Kaiowá, que vivem em São Paulo, Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul e Mato Grosso, e os Xavante, que vivem atualmente no Mato Grosso,
são exemplos de povos indígenas agricultores.

Fabio Colombini
Vista aérea da aldeia Aiha, do povo Kalapalo, que vive no estado do Mato Grosso. Parque Indígena do Xingu (MT), 2011.
Os Kalapalo são um dos povos agricultores que habitavam a América antes da chegada dos europeus.

Aplicar conhecimentos I
1. Pode-se considerar que a história da formação cultural brasileira se inicia com a conquista europeia do atual território brasileiro em
1500? Justifique.

2. As diferentes teorias sobre a história da ocupação da América podem ser consideradas complementares ou são excludentes? Explique.

3. Indique, com base no texto, elementos que mostrem a diversidade sociocultural existente entre os povos indígenas.

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