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Movimento - Ano 2 - N.

2 - Junho/95

terizado pela
periodicidade, pela
irregularidade no
desenvolvimento das
distintas funções, pela
metamorfose ou trans-
formação qualitativa de
uma forma em outra,
pela inter-relação de
fatores internos e
externos, e pelos
processos de adaptação
que superam e vencem os
obstáculos com os quais
Concepção do jogo em Vygotsky: uma perspectiva psicopedagógica a criança se cruza "(p.
116)
Concepção do Airton Negrine
jogo em Vygotski:
uma perspectiva
psicopedagógica Neste artigo se pretende fazer uma Este conceito no mínimo rechaça as teo-
releitura das concepções do jogo em Vygotsky rias que sustentam que o desenvolvimento re-
desde um ponto de vista psicopedagógico, con- sulta da acumulação gradual de alterações in-
siderando, por um lado, a visão construtivista dependentes.
deste psicólogo contemporâneo e, por outro,
analisando a relevância do jogo como elemen- Para Wertsch (1988), são três os temas
to psicopedagógico, fundamentalmente, na fai- que constituem o núcleo da estrutura teórica de
xa etária dos dois aos sete anos. Outro aspecto Vygotsky. Em primeiro lugar, a crença no mé-
introdutório que queremos destacar é situar o todo genético ou evolutivo, entendido como
entendimento que Vygotsky tem sobre o de- processos de desenvolvimento: em segundo lu-
senvolvimento do indivíduo para que se possa gar, a tese de que os processos psicológicos su-
entender melhor suas contribuições. periores têm sua origem em processos sociais
e, em terceiro lugar, a tese pela qual os proces-
É importante destacar que a palavra sos mentais podem ser entendidos somente
"jogo" deve ser entendida como "brincar", já mediante a compreensão dos instrumentos e si-
que no idioma português parece ser a palavra nais que atuam de mediadores.
mais adequada.
É verdade que Wetsch, ao apreciar a teo-
Na opinião de Vygotsky (1979), o de- ria de Vygotsky, também faz uma análise
senvolvimento não é simplesmente uma lenta crítica. Uma de suas críticas é ao sentido de
acumulação de mudanças unitárias, mas sim, que Vygotsky nunca foi demasiado claro
sobre o que pensava acerca do
"um processo dialético complexo, carac- desenvolvimento natural, porque centrou sua
investigação quase que

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exclusivamente no desenvolvimento social ou vimento". Estas teorias, em tese, colocam-se Quando à crian-
cultural, que é a base de seu enfoque teórico. numa posição oposta a anterior. ça chega a escola
já aprendeu
Neste sentido. Vygotsky afirma que um Na terceira categoria situam-se as teori-
muitas coisas e
mecanismo essencial dos processos recons- as que tratam de conciliar os extremos dos dois
trutivos que tem lugar no curso do desenvolvi- primeiros pontos de vista. Isto é, por uma parte
isto se constitui a
mento das crianças é a criação e o uso de um o processo de desenvolvimento está concebido pré-história da
determinado número de estímulos artificiais. como um processo independente da apren- aprendizagem
Sustenta que os estímulos artificiais desempe- dizagem e, por outra, esta mesma aprendiza- escolar, adquiri-
nham um papel secundário que permite ao ho- gem, no curso da qual a criança adquire toda da de uma forma
mem dominar sua própria conduta, inicialmen- uma nova série de formas de comportamento, não-sistemática,
te por meios externos e, posteriormente, me- se considera coincidente com o desenvolvi- provavelmente
diante operações internas muito mais comple- mento. esta seria a
xas. diferença funda-
Vygotsky (1984) não é menos crítico a mental entre esta
Na opinião de John-Steiner y Souberman nenhuma delas, mas dá destaque às teorias que aprendizagem e
(1979), a visão de Vygotsky é distinta de seus se situam no terceiro grupo. Diz que neste gru-
contemporâneos mais prestigiosos, como
aquela que se
po existem três aspectos que merecem reflexão.
Thorndike, Piaget y Koffka, uma vez que ele adquire na
dá destaque para a psicologia dos seres huma- O primeiro aspecto reconcilia as duas escola.
nos culturalmente transmitida e historicamen- primeiras categorias, isto é, entende que os
te configurada. pontos de vistas anteriores não se excluem
mutuamente.
A criação e o uso de estímulos auxilia-
res ou "artificiais" constitui um aspecto crucial O segundo aspecto é o que considera a
da capacidade humana, que já se manifesta na questão da interdependência, significando que o
infância. Através destes estímulos se alteram, desenvolvimento é produto da interação de
pela ativa intervenção humana, a situação ime- dois processos fundamentais. Isto sugere que o
diata e a reação vinculada a mesma. Portanto, processo de maturação prepara e possibilita um
Vygotsky, ao mesmo tempo que põe ênfase no determinado processo de aprendizagem,
organismo ativo, considera que o jogo é o meio enquanto que o processo de aprendizagem, es-
básico do desenvolvimento cultural das crian- timula o processo de maturação e lhe faz avan-
ças. Para uma melhor análise crítica do jogo çar até certo grau.
em Vygotsky é importante ver como ele se si-
tua frente às teorias do desenvolvimento. O terceiro aspecto, e o mais importante
para Vygotsky nesta teoria, consiste em uma
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO ampliação do papel da aprendizagem no
ANALISADAS POR VYGOTSKY desenvolvimento da criança, ao mesmo tem-
po em que determina, desde o ponto de vista
As teorias relacionadas com o desenvol- psicopedagógico, o fracasso da teoria da dis-
vimento e a aprendizagem da criança são agru- ciplina formal, na qual a aprendizagem em
padas por Vygotsky em três categorias. determinado campo de conhecimento, tem
uma influência mínima sobre o desenvolvi-
Na primeira categoria estariam aquelas mento geral da criança.
que partem do pressuposto da "independência
do processo de desenvolvimento e do processo A seu juízo, muitos estudos neste senti-
de aprendizagem", nas quais a aprendizagem é do têm demonstrado que o intelecto não é pre-
considerada como um processo externo. cisamente a reunião de um certo número de
capacidades gerais, tais como: observação,
Na segunda categoria se situam aquelas atenção, memória, etc., mas sim a soma de
que afirmam que "aprendizagem é desenvol- muitas capacidades diferentes, cada uma das

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quais de certo modo independentes das outras Em seu ponto de vista, quando à criança
e, portanto, devendo ser desenvolvidas inde- chega a escola já aprendeu muitas coisas e isto
pendentemente, mediante o exercício adequa- se constitui a pré-história da aprendizagem es-
do. colar, adquirida de uma forma não sistemática,
provavelmente esta seria a diferença fundamen-
Para Vygotsky, a tarefa daquele que en- tal entre esta aprendizagem e aquela que se ad-
sina consiste em desenvolver não uma única quire na escola.
capacidade de pensar, senão muitas capacida-
des particulares de pensar em diferentes cam- Seus aportes nos permitem fazer a se-
pos, pois não se trata de reforçar nossa capaci- guinte pergunta: estes princípios que ele defen-
dade geral de prestar atenção, senão de desen- de se aplicam as demais aprendizagens? Se a
volver diferentes faculdades de concentrar a resposta for sim, a perspectiva é de compreen-
atenção sobre diferentes matérias. são do ser humano como uma totalidade, se a
resposta for não, estaremos novamente frente a
Para Vygotsky, os métodos que permitem uma visão fracionada.
que a aprendizagem especializada influa sobre
o desenvolvimento geral funciona somente Esta preocupação de nossa parte, justifi-
porque existem elementos comuns, materiais e ca-se ao observarmos que grande parte dos te-
processos comuns. O melhoramento de uma óricos que falam da relação existente entre de-
função ou de uma atividade específica do senvolvimento e aprendizagem terminam sem-
intelecto influi sobre o desenvolvimento das pre analisando e fundamentando seu ponto de
funções e atividades somente quando estas vista em relação às aprendizagens de primeira,
têm elementos comuns. segunda e terceira ordem, isto é, reforçar o pri-
vilégio de certas aprendizagens sobre outras.
O terceiro grupo de teorias examinadas
por Vygotsky se opõe a esta concepção uma Nossas observações do jogo infantil
vez que as teorias, baseadas na psicologia es- apontam no sentido de que a criança quando
trutural, compreendem uma atividade de natu- joga, embora prevalecendo a ação, coloca na
reza intelectual que permite a transferência de atividade que realiza uma conjunção de afeto,
princípios estruturais implícitos na execução de cognição e motricidade. Observações de crian-
uma tarefa a toda uma série de tarefas diversas. ças de três a cinco anos em diferentes ambien-
Isto significa dizer que a influência da aprendi- tes, atestam que, na atividade lúdica, a criança
zagem nunca é específica. flutua do exercício ao jogo e deste exercício
numa atividade até certo ponto difusa.
Ao aprender qualquer operação particu-
lar, o aluno adquire a capacidade de construir Por exemplo, os estudos de Piaget fun-
certa estrutura, independentemente dos diferen- damentam que o jogo da criança evolui do jogo
tes elementos que constituem esta estrutura. de exercício ao jogo simbólico, e deste, ao jogo
de regras. A classificação de Piaget atesta a
Vygotsky (1984) diz que este terceiro forma linear de entender o desenvolvimento das
ponto de vista também implica em uma teoria estruturas mentais, tese contestada por
dualista do desenvolvimento, uma vez que o Vygotsky. Quando falamos de aprendizagem
desenvolvimento mental da criança está carac- nos referimos às experiências adquiridas pelas
terizado por dois processos, ainda que conexos, vivências que a criança experimenta com seu
que tem diferente natureza e se condicionam corpo como um todo, sem reduzi-las às ativi-
reciprocamente. Sem formular inicialmente dades estritamente cognitivas.
uma teoria, este autor trata de esclarecer que
"apredizagem e desenvolvimento" não entram Vygotsky analisa o problema que se co-
em contato pela primeira vez na idade escolar loca fazendo uma dupla abordagem, inicialmen-
e que, portanto, estão ligadas entre si desde os te sobre as características específicas da inter-
primeiros dias de vida da criança. relação entre aprendizagem e desenvolvimen-

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to na idade escolar e, depois, sobre a relação en- como meio de comunicação entre a criança e as
tre aprendizagem e desenvolvimento em geral. pessoas de seu contexto, só posteriormente se
convertendo em linguagem interna e contri-
Quanto à primeira evoca inicialmente a buindo, desta forma, para organizar o pensa-
nova teoria que trata da área do desenvolvi- mento da criança e transformando-se em uma
mento potencial. Propões que a aprendizagem função mental interna.
deve ser congruente com o nível de desenvol-
vimento da criança, uma vez que não é neces- Neste sentido, toda a experiência que a
sário demonstrar que somente em determina- criança obtém com seu corpo, através dos jo-
da idade de pode começar a ensinar a gramáti- gos, serve de alavancas ao processo de desen-
ca ou a álgebra. Entretanto, toma como ponto volvimento mental. Através do jogo, a criança
de partida o fato controvertido de que existe aprende, internaliza novos comportamentos,
uma relação entre determinado nível de desen- verbaliza, entra em comunicação com os de-
volvimento e a capacidade potencial de apren- mais e, consequentemente se desenvolve.
dizagem. Defende que, para verificar o nível
de desenvolvimento da criança, temos que de- Vygotsky situa seus aportes no âmbito
terminar pelo menos dois níveis de desenvol- psicopedagógico quando aceita que a aprendi-
vimento. zagem escolar orienta e estimula processos in-
ternos de desenvolvimento, isto é, do sistema
Por um lado, o nível de desenvolvimento nervoso. Esta hipótese, segundo ele, pressupõe
efetivo, que se faz através dos testes que esta- necessariamente que:
belecem a idade mental, isto é, o que a criança é
capaz de realizar sozinha. Por outro lado, diz "O processo de desenvolvimento não co-
que temos que determinar o outro nível de de- incide com o de aprendizagem, o pro-
senvolvimento, isto é, a área de desenvolvimento cesso de desenvolvimento segue o de
potencial, que se refere àquilo que a criança é aprendizagem, que cria a área de de-
capaz de fazer com a ajuda dos demais, seja por senvolvimento potencial" (1979, p.39).
imitação, demonstração, etc. Acredita, ainda,
que tudo aquilo que a criança pode fazer hoje Outro aspecto que pode ser destaque
com a ajuda dos demais, fará amanhã por si dentro desta linha de raciocínio é a afirmação
mesma. Isto significa que se pode examinar não de que a apredizagem e o desenvolvimento da
somente o que já produziu o desenvolvimento, criança, ainda que diretamente enlaçados, nunca
mas também o que será produzido no processo se produzem de modo simétrico e paralelo. Para
de maturação. Estas conclusões nos estudos de Vygotsky, existe uma dependência recíproca,
Vygotsky fazem com que ele formule a seguin- sumamente complexa e dinâmica, entre o
te lei: processo de desenvolvimento e o de
apredizagem, sendo bastante difícil explicar
"Todas as funções psico-intelectivas su- esta dependência por uma única fórmula.
periores aparecem duas vezes no curso
do desenvolvimento da criança: a pri- Neste sentido, Rivière (1984) faz uma
meira vez nas atividades coletivas, nas leitura do pensamento de Vygotsky, expondo,
atividades sociais, ou seja, como funções que sem reduzir a relação entre aprendizagem e
interpsíquicas; a segunda, nas ativida- desenvolvimento a uma única direção, evi-
des individuais, como propriedades in- dentemente a aprendizagem depende também
ternas de pensamento da criança, ou do "desenvolvimento potencial do indivíduo".
seja, como funções intrapsíqui-
cas"(1979,p.94) Estes elementos, que de certa forma de-
senham o entendimento de Vygotsky sobre o
Para situar suas bases teóricas no âmbi- desenvolvimento e a aprendizagem, ajudam na
to do jogo, é importante destacar que, para interpretação de suas concepções sobre o pa-
Vygotsky, a linguagem surge inicialmente pel do jogo no desenvolvimento infantil.

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AS CONCEPÇÕES DE VYGOTSKY cessidades da criança desembocam numa


SOBRE O JOGO DAS CRIANÇAS intelectualização pedante do jogo. Seu enten-
dimento é que todo o avanço da criança está
Conceber o jogo como uma atividade
relacionado com a profunda mudança com res-
prazeroza para as crianças resulta, no entendi-
peito aos estímulos, inclinações e incentivos, e
mento de Vygotsky, uma concepção inadequa-
que a criança satisfaz certas necessidades atra-
da por duas razões. Primeiro, porque existem
vés do jogo.
muitas atividades que proporcionam à criança
maiores experiências de prazer e, neste caso, O surgimento de um mundo ilusório e
diz que a sucção de uma chupeta seria um exem- imaginário na criança é o que, na opinião de
plo muito concreto. Segundo, porque entende Vigotsky, se constitui "jogo", uma vez que a
que existem jogos em que a atividade não é imaginação como novo processo psicológico
prazeroza em si mesma, como no caso dos jo- não está presente na consciência das crianças
gos que unicamente produzem prazer para a pequenas e é totalmente alheia aos animais.
criança se o resultado for satisfatório. Refere-
se aos jogos competitivos onde alguém ganha Justifica este ponto de vista dizendo que
a alguém perde, jogos que costumam predomi- "não encontramos nenhuma criança com me-
nar ao final da idade pré-escolar e ao princípio nos de três anos que deseje fazer alguma coisa
da etapa escolar. nos dias seguintes", mas, ao alcançar a idade
pré-escolar, emergem numerosas tendências
Quanto à afirmativa de que determina- irrealizáveis e desejos para serem alcançados
dos jogos somente são fontes de prazer quando posteriormente que se manifestam através de
o resultado for satisfatório, o nosso ponto de seus jogos.
vista, a afirmativa somente tem validade
tomando como referência o resultado do Este enfoque de como começa o jogo da
jogo, sem considerá-lo como processo. criança nos leva a tirar a primeira conclusão de
seus estudos no sentido de que, para ele, o jogo
Nesse sentido, entendemos que o jogo da nasce com a aparição do simbolismo. Suas co-
criança deve ser analisado como processo e não locações levam a crer que as atividades que a
como resultado, uma vez que as crianças quando criança experimenta antes da etapa de desen-
começam a praticar jogos competitivos - de ga- volvimento não se constituem jogo no sentido
nhar ou perder - mesmo sabendo por antecipação como ele entende.
que o adversário é superior e que será quase im-
possível vencê-lo, ela participa do jogo sem Neste ponto sua teoria sobre o jogo da
desestímulo, porque o fundamental é comparti- criança entra em oposição a teoria de Piaget,
lhar do jogo. Isto significa que a fonte de prazer que diz que o "jogo de exercício" antecede o
está em participar e o resultado é apenas decor- jogo simbólico, uma vez que a criança joga por
rência. Neste sentido, a segunda premissa da aná- um simples prazer funcional ou por uma toma-
As teorias que lise de Vygotsky, quanto a atividade prazerosa do da de consciência de suas novas capacidades.
ignoram o fato jogo, não nos parece muito convincente. Vygotsky, ao considerar que o jogo co-
do jogo completar meça com o surgimento de um mundo ilusório
as necessidades Nossa opinião é que nestes tipos de jo- ou imaginário, provavelmente se esqueceu de ex-
da criança gos o prazer do jogo está centrado no prazer plicar como ele entendia a atividade da criança
corporal, na utilização do corpo "comunicando anterior a esta fase, uma vez que esta etapa, na
desembocam
e contracomunicando" com companheiros e sua teoria, não está suficientemente esclarecida,
numa adversários, como explica Parlebás em seu es- principalmente quando ele analisa o jogo infan-
intelectualização tudo sobre sociologia dos jogos e dos esportes. til. Afirma, entretanto, que a imaginação, como
pedante do Por outro lado, nos parece muito pertinente a todas as funções do conhecimento, surge da ação,
jogo. afirmativa de Vygotsky de que as teorias que isto é, ao atuar a criança imagina e ao imaginar
ignoram o fato do jogo completar as ne- joga.

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Em uma citação, Vygotsky aponta a Ao analisar a situação imaginária no


existência do seguinte provérbio: "o jogo da jogo das crianças, Vygotsky aporta novos ele-
criança, que é a imaginação em ação, deve ser mentos para reflexão daqueles envolvidos com
invertido para os adolescentes e crianças em investigações neste campo de conhecimento.
idade escolar, neste caso, a imaginação é um Para o autor sempre que se produza uma situa-
jogo sem ação". Se pode inferir que, ao fazer ção imaginária haverá regras, mas não aquelas
estas colocações, o autor entende por ação o que sabemos por antecipação e que vão mu-
movimento corporal, embora não faça referên- dando segundo o desenvolvimento do jogo,
cia de forma explícita quanto a este aspecto. mas sim regras que se depreendem da mesma
Neste sentido, o movimento corporal passa a situação imaginária. Sua convicção é que não
ser uma peça importante no processo de apren- existe jogo sem regras, uma vez que a própria
dizagem da criança, que por extensão favore- situação imaginária contém por si mesma certas
ce e alavanca o desenvolvimento. regras de conduta. Caillois (1958) está de
acordo com esta idéia quando diz que não pode
Uma das conclusões, ao estabelecer cri- haver jogo sem regras, ainda que seja proposta
térios para distinguir o jogo infantil de outras por uma única pessoa.
formas de atividades, centra-se na compreen-
são de que, no jogo, a criança cria uma situa- Os exemplos que Vygotsky apresenta
ção imaginária. são muitos para fundamentar seu ponto de vista,
mas faremos referência a uma situação que
Nossas observações dos jogos das crian- observamos no jogo de crianças de quatro e
ças de três a cinco anos, apontam que, majorita- cinco anos num pátio de escola e que se en-
riamente na atividade lúdica a criança joga mais quadra dentro da perspectiva que o autor aponta:
do que se exercita e, quando joga, predomina a Duas crianças de sexos opostos brincavam de
imaginação em ação. Observa-se, entretanto, re- cavalos. O menino era o dono do cavalo, e a
presentações que simbolizam estar dormindo ou menina era o cavalo. Ela tinha uma corda atada
estar morto (jogos de polícia-ladrão, por exem- no pescoço. Perguntei aos que jogavam e eles
plo), onde cada criança de um determinado gru- responderam que brincavam de cavalos.
po de jogo, representa um papel e procuram Indaguei o que fazia o dono do cavalo e o me-
cumpri-lo conforme sua percepção do mundo nino respondeu que ia levá-lo para comer,
sócio-cultural no qual estão inseridos. apontando para uma caixa de areia. O cavalo
(a menina) elevou a cabeça e disse que cavalos
Estas representações que levam o corpo a comiam capim e não areia, esperando minha
imobilidade por um tempo apreciável, inexiste confirmação.
ação, isto é, não há movimento corporal aparen-
te. Neste sentido, um jogo com mais ou menos Então, se dirigiu para um lugar no pátio,
ação está determinado pelo papel que a criança onde havia capim, e ali fez uma série de mímicas e
assume no jogo, onde o movimento corporal na gestos como se estivesse comendo de verdade.
maioria das situações representadas é uma ca-
racterística marcante do jogo infantil. Este fato aponta para a existência de re-
gras de conduta no jogo, determinando limites
As situações imaginárias no jogo, segun- de ação que são impostos pelo conhecimento
do Vygotsky, sempre foram bem aceitas, não culturalmente adquirido das crianças e, ao mes-
se constituindo em uma ideia nova. Entretan- mo tempo, proporcionando novas aprendiza-
to, em princípio se consideravam unicamente gens decorrentes deste processo interativo e re-
como um exemplo das atividades lúdicas e presentativo. Vygotsky afirma que assim como
eram tratadas como atributo das subcategorias toda situação imaginária contém regras de con-
específicas do jogo. Na sua opinião, a situação duta, todo tipo de jogo com regras contém uma
imaginária é uma característica que define o situação imaginária, isto é, a recíproca parece
jogo em geral. ser verdadeira.

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Esta análise por parte do autor leva a uma A divergência entre os campos do signi-
de suas conclusões em relação ao desenvolvi- ficado e da visão costuma se dar na idade pré-
mento dos jogos das crianças: a partir de jogos escolar, isto é, no jogo, o pensamento está se-
com uma evidente situação imaginária e certas parado dos objetos e a ação surge a partir das
regras ocultas, as crianças passam a jogos com idéias mais que das coisas. Quando um pedaço
regras aparente e situações imaginárias pouco de pau se converte em cavalo, isto é, o objeto é
evidentes. Este procedimento certamente aponta o ponto de partida para a separação do signifi-
o desenvolvimento das crianças. Este dado nos cado da palavra cavalo do cavalo real. Neste
leva a crer que, para Vygotsky, o jogo da crian- caso, o jogo proporciona um estágio
ça evolui não do jogo simbólico ao jogo de re- "transicional". Vygotsky explica este fato di-
gras, como diz Piaget, mas do jogo de regras zendo que a percepção humana poderia expres-
ocultas ao jogo de regras aparentes. sar-se de modo figurativo sendo o objeto o nu-
merador e o significado o denominador (obje-
Quanto à ação e do significado do jogo, to/significado). Suas convicções apontam no
o autor atribui ao jogo uma relevância toda es- sentido de que toda a percepção humana se ela-
pecial, pois crê que a influência do jogo no de- bora a partir de percepções generelizadas mais
senvolvimento da criança é enorme, ao mesmo do que de percepções isoladas. Portanto, para a
tempo que fala que jogar em uma situação ima- criança pequena, o objeto domina na relação
ginária resulta totalmente impossível para uma objeto/significado. No momento em que um
criança de menos de três anos, uma vez que é pedaço de pau se converte no ponto de partida
uma nova forma de conduta que libera o pe- para separar o significado do conceito cavalo
queno das coações a que se vê submetido. do cavalo real se inverte esta proporção, fican-
do a relação significado/objeto.
Vygotsky faz referência a um estudo le-
vado a cabo por Lewin sobre a natureza Vygotsky explica ainda melhor seu pon-
motivadora das coisas. Para o autor, as coisas to de vista no momento em que fala que isto
ditam para a criança o que esta deve fazer, como não significa que as propriedades das coisas não
por exemplo: uma porta exige que seja aberta tenham significado, pois qualquer pedaço de
ou fechada, uma escada, que se suba ou se des- pau pode ser um cavalo, mas um cartão postal
ça, etc. Considerando estas afirmações como nunca poderá ser um cavalo para uma criança.
hipótese, se pode inferir que toda percepção é Neste sentido, ele não concorda com a afirma-
estímulo para uma atividade e, conseqiiente- ção de Goethe, segundo o qual, em uma situa-
mente, convite para realização de determina- ção de jogo, qualquer coisa pode ser converter
dos tipos de jogos. em qualquer outra. Isto, na sua opinião, somente
No jogo, na opinião de Vigotsky, as coi- seria válido para os adultos, que são capazes
sas perdem sua força determinante, uma vez que de fazer uso consciente dos símbolos. Por exem-
a criança vê uma coisa, mas atua prescindindo plo: um cartão postal pode ser um cavalo, para
do que vê. Em outras palavras, existe uma in- um adulto, mas para uma criança, isto é impos-
dependência entre a atuação da criança e aqui- sível porque a atividade da criança é jogo, não
lo que ela percebe, A ação em uma situação simbolismo.
imaginária ensina a criança a guiar sua conduta
não apenas através da percepção imediata dos Destaca Vygotsky que é um importante
objetos ou pela situação que lhe afeta de modo estágio transicional na operação com signifi-
imediato, senão também pelo significado de dita cados, que se produz quando a criança atua pri-
situação. Isto explica por que, para as crianças meiro com significados do que com objetos.
muito pequenas, é quase impossível separar o No jogo, a criança, sem saber o que está fazen-
campo do significado do campo visual, porque do e de forma espontânea tem a capacidade de
existe uma íntima fusão entre o significado e o separar o significado do objeto, ao mesmo tem-
que ela percebe de forma visual. po que fala em prosa sem prestar atenção às
palavras que pronuncia.

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Desta forma a criança, através do que, nestes casos, as crianças, utilizando estes
jogo,vai ascender a uma definição funcional "brinquedos-objetos", vivem o que se pode de-
dos conceitos e objetos, e as palavras se con- nominar de "jogos simbólicos que buscam
vertem em partes integrantes de uma coisa. imitar a realidade sócio-cultural".
Atribui, entretanto, a criação de uma situação
imaginária como um fato muito importante na A segunda situação seria aquela em que
vida da criança, pois considera como a primei- as crianças, utilizando objetos variados, dão a
ra manifestação de sua emancipação das limi- eles outros significados, como por exemplo, o
tações situacionais. pau que se transforma em cavalo ou em uma
espada; um pedaço de corda que pode se con-
O primeiro paradoxo do jogo, para verter em um prato ou em uma linha de pescar.
Vygotsky, consiste em que a criança opera Vejam que não é o caso de ter a sua feição uma
com um significado alheado de uma situação pratinho de plástico, ou um pau com uma
real, e o segundo, em que, no jogo, a criança cabeça de cavalo (brinquedo industrializado)
adota uma linha de menor resistência, isto é, que sugere a sua utilização, mas sim quaisquer
faz o que mais lhe apetece, porque no jogo há objetos que, para cada criança pode ter signifi-
relação com o "prazer", e, ao mesmo tempo, cados diferentes. Neste caso, a ação imaginária
aprende a seguir uma linha de maior se pode denominar de "jogos simbólicos de
resistência se submetendo a certas regras e imaginação criativa".
renunciando ao que mais deseja. Logo,
submeter-se a regras e renunciar à ação Os significados simbólicos dos objetos/
impulsiva se constitui no caminho para obter brinquedos que a criança utiliza para jogar são
o máximo prazer no jogo. Estes aportes de distintos. No primeiro caso, ela tem ao seu dispor
Vygotsky nos levam a fazer algumas objetos existentes na vida real e que determinam
reflexões e, ao mesmo tempo, levantar outros antecipadamente seu significado no jogo,
questionamentos. embora a criança possa transformá-lo. No
segundo caso, a criança imagina, ao imaginar
Por exemplo, Vygotsky fala muito de dá um significado ao objeto e este significado
jogo em uma situação imaginária, quando se pode mudar na medida em que muda sua re-
refere ao jogo das crianças pré-escolares, ao presentação no jogo.
mesmo tempo que diz que os adultos podem
fazer uso consciente dos símbolos e acrescen- A segunda situação apresenta, segundo
ta que a atividade das crianças "é jogo, não nosso ponto de vista, uma riqueza na formação
simbolismo". Estas afirmativas nos levam a de novas estruturas mentais, uma vez que a
refletir sobre os objetos que as crianças, hoje criança, ao jogar, não somente dá significado
em dia, dispõem para jogar. Partindo de ob- aos objetos mas também cria e recria novos
servações feitas com crianças pré-escolares, em significados aos objetos, segundo os papéis que
diferentes lugares e espaços, encontramos no vai representando no jogo.
mínimo duas situações bem diferentes e bem
caracterizadas. Outro questionamento que colocamos se
refere às regras existentes nos jogos das crian-
A primeira é aquela em que as crianças ças. Como vimos, para Vygotsky, não existe
jogam com objetos (brinquedos) que simboli- jogo sem regras, já que toda situação imaginá-
zam coisas existentes, feitos em miniatura, có- ria, em qualquer tipo de jogo, contém em si
pia do real, como frutas, peixes, todo tipo de mesmo certas regras de conduta, com o que
utensílios domésticos, etc. Neste caso, o jogo estamos de acordo.
passa a ser uma reprodução do que ocorre na
vida real, onde representam distintos papéis, O que nos custa aceitar é que para ele,
donde os objetos colocados à sua disposição em determinado momento de seu discurso, as
sofrem pouca transformação de significado. regras são próprias do jogo das crianças, fa-
zendo parte, como se poderia dizer, de sua ló-
Nossas observações parecem indicar

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gica interna e, em outro momento, afirma que praticados por elas no pátio da escola. Na rua, as
a "criança para seguir a linha de maior resis- crianças jogam utilizando regras que são acerta-
tência se submete a certas regras e renuncia o das entre elas, nas que o perdedor sempre deve
que mais deseja para obter o máximo prazer no se submeter a algum tipo de tortura que é aplica-
jogo". da pelos demais. Ao detectar este fato, pergun-
tamos às crianças porque não costumam jogar
Isto no mínimo, nos leva a fazer uma in- assim na escola e a resposta foi simples: "os pro-
dagação: haveria prazer no jogo se este não es- fessores não permitem".
tivesse provido de regras?
Isto nos leva pelo menos a dois novos
Se a resposta for positiva, temos ainda caminhos de discussão. Por um lado, a atitude
que questionar se todo jogo é provido de re- castradora da educação institucionalizada não
gras, se a resposta for negativa, podemos dedu- impede que determinadas condutas manifes-
zir que as regras fazem parte de uma lógica in- tadas nos jogos das crianças deixem de apare-
terna do jogo das crianças, isto é, que o jogo cer, isto é, o nível de desenvolvimento psico-
não nasce somente simbólico como afirma lógico que apresenta uma criança de seis anos,
Vigotsky, mas também que nasce provido de quiçá menos, já é suficiente para saber con-
regras. Em um primeiro momento, de regras de trolar suas necessidades e satisfações no jogo.
conduta e, em um segundo momento, de regras Por outro lado, estaria à luz da discussão o
que se define por antecipação, próprias aos pa- prazer no jogo. Neste sentido, nós não esta-
drões determinados pelo meio cultural no qual mos de acordo com Vygotsky quando fala do
a criança vive. prazer do jogo, pois ele não considera o pra-
zer como característica definitiva do jogo,
Falta analisar uma terceira alternativa de como já citamos anteriormente.
resposta à pergunta e, neste caso, temos outro
componente do jogo, isto é, "o prazer". Se con- Em seu ponto de vista. parece que ele vê
siderarmos o prazer como ingrediente do o prazer como resultado e não como processo,
jogo, seria difícil determinar os níveis de isto é, o fato de se obter um resultado desfavo-
prazer, como também explicar o jogo rável no jogo não tira. no nosso entendimento,
desprovido de prazer. o prazer de atuar. O resultado neste sentido é
somente um detalhe, que pode ler mais ou me-
Provavelmente, o estudo da dialética nos imponência, dependendo do tipo de jogo;
existente entre uma lógica interna e externa do com quem se joga: a que se joga e mais, a fato-
jogo infantil poderia apontar caminhos que aju- res externos à atividade de jogo,
dassem a esclarecer estes pontos, que no nosso
entender ainda não estão suficientemente es- Entretanto, o resultado do jogo tem uma
clarecidos pelos autores que tratam do tema. relativa importância para as crianças. Se fosse
Por exemplo, os estudos de Bally (1958) indi- de grande importância, as crianças, que com
cam que a questão do prazer e do desprazer no freqüência são perdedoras, apresentariam a ten-
jogo é somente secundária, que o fundamental dência de abandonar os jogos competitivos, ou
é a questão de dominarmos o jogo ou sermos pelo menos jogar menos que o habitual, e isto
vencidos por este. Aqui, cremos que é impor- parece não ser o que ocorre usualmente.
tante fazer o registro de determinadas condutas
que observamos nos jogos das crianças prove- O prazer do jogo, desde nosso ponto de
nientes de meios sócio-econômicos pouco fa- vista, não está fundamentalmente no resultado
vorecidos e que podem nos ajudar a refletir so- obtido, mas sim no prazer de atuar.
bre o tema.
O resultado favorável funciona somente
Alguns jogos utilizados por como um coroamento de uma determinada si-
determinados grupos de crianças de seis a dez tuação de jogo, o que não tira a motivação para
anos, realizados na rua, costumam ser continuar ou voltar a jogar.
diferentes daqueles jogos

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Os aportes de cunho psicanalítico de Vygotsky tem a convicção de que no


Winnicott (1989) nos dizem que as dificulda- jogo, uma ação substitui a outra, da mesma for-
des das crianças surgem de um choque básico ma que um objeto substitui outro. Há uma per-
entre os dois tipos de realidade: a do mundo gunta muito relevante que ele faz e ao mesmo
exterior que todos podem participar e a do tempo responde, segundo seu ponto de vista.
mundo interior, pessoal, feita de sentimentos, "Como flutua a criança entre um objeto e outro,
idéias e imaginações, que existe em cada cri- entre uma ação e outra?" Diz que isso se
ança. Considera este psicalista que os desenhos realiza graças a um movimento no campo do
e jogos das crianças revelam parte de seu mun- significado que subordina a si mesmo todas as
do interno e que, se uma criança pode desfru- ações e objetos reais, uma vez que a conduta
tar do jogo, seja sozinha ou com outras crian- não está limitada pelo campo perceptual ime-
ças, não se avizinham dificuldades sérias. diato. Por um lado, representa o movimento
no campo abstrato e, por outro, o método do
O componente imaginário do jogo é, prova- movimento é situacional e concreto, isto é, uma
velmente, mais um elemento da lógica interno do mudança afetiva, não lógica. Aí reside a prin-
jogo das crianças, que faz com que, mesmo com o cipal contradição do desenvolvimento do jogo.
resultado desfavorável, a criança volte a jogar.
Outro aspecto relevante da abordagem
Vygotsky fala que o maior autocontrole que Vygotsky faz do jogo se refere à pré-his-
de que é capaz uma criança se produz no jogo, tória da linguagem escrita. Dá destaque aos gestos
O prazer do jogo,
ao renunciar a uma atração imediata, por exem- e sinais visuais no desenvolvimento do sim- desde nosso
plo: comer a um caramelo que as regras proí- bolismo no jogo e no desenho, como elementos ponto de vista,
bem, porque representa algo não comestível em importantes na escrita da criança. Quanto ao não está funda-
determinado jogo. O autor associa esta renún- desenvolvimento do simbolismo no jogo, o mentalmente no
cia como forma de alcançar o máximo de pra- autor afirma que os jogos infantis une gestos resultado obtido,
zer. Diz: "o respeito as regras é uma fonte de com a linguagem escrita. E, neste aspecto, diz mas sim no
prazer"(1979, p.152). Fala ainda que este tipo que a chave de toda função simbólica do jogo prazer de atuar.
de regra interna é uma regra de autolimitação e das crianças é a utilização do brinquedo e da
auto determinação, citando, para fundamentar possibilidade de executar com ele um gesto re-
isto, os estudos de Piaget. Fica muito evidente o presentativo. Quando aborda esta temática, fala
reforço que faz às regras como ingredientes de- de simbolismos de primeira e de segunda or-
terminantes dos jogos das crianças e responsá- dem. Os simbolismos de primeira ordem se re-
veis, de certa forma, pelo prazer que surge desta ferem a representação do significado e os de
atividade lúdica. segunda ordem surgem mais tarde, referindo-se
ao jogo de fingir. Deste modo, o objeto adota
Ao falar de separação de ação e signifi- uma função de signo com uma história
cado, afirma que, em uma criança de idade pré- evolutiva própria, que é independente do gesto
escolar, a ação domina em princípio sobre o sig- da criança.
nificado, sendo compreendido somente pela
metade, porque a criança é capaz de fazer mais Fazendo referência a um estudo levado a
coisas do que aquelas que se pode compreen- cabo em 1926, por Hetzer, sobre os jogos das
der. Para ele, a criança não se comporta de modo crianças, Vygotsky diz que a conclusão mais
puramente simbólico no jogo, senão que deseja importante que se pode extrais desta in-
e realiza seus desejos, deixando que as catego- vestigação é que a diferença que se observa na
rias básicas da realidade passem através de sua atividade lúdica entre os três e os seis anos não
experiência, isto é, ao mesmo tempo que dese- reside na percepção dos símbolos, mas sim no
ja, leva a cabo seus desejos. Ao pensar, atua e, modo em que se utilizam as distintas formas de
neste caso, as ações internas e externas são in- representação. Isto, para Vygotsky, é suma-
separáveis: a imaginação, interpretação e von- mente importante, uma vez que indica que a
tade, são processos internos realizados pela ação representação simbólica no jogo é essencial-
externa. mente uma determinada forma de linguagem

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em estágio precoce, "uma forma que nos con- Um aspecto que merece destaque na te-
duz diretamente a linguagem escrita"(1979, p. oria de Vygotsky é a transferência onipresente
168). do comportamento do jogo para a vida real. Este
caso somente pode ser considerado como um
Quando fala do papel do jogo no desen- sintoma de enfermidade, pois comportar-se em
volvimento da criança, apresenta algumas con- uma situação real como se fosse algo ilusório
clusões em relação a este tema. Inicialmente, é, para ele, um dos primeiros sinais de delírio.
diz que o jogo não é uma característica predo-
minante da infância, mas sim um fator básico Afirma, também, que tem a convicção
de desenvolvimento. Nesse sentido, fala poste- de que o jogo não é o tipo de atividade predo-
riormente da importância da mudança de pre- minante na etapa pré-escolar. Mas entende que,
domínio da situação imaginária ao predomínio no jogo, a criança cria uma "zona de desenvol-
das regras na evolução do jogo e, por último, vimento proximal", e isto faz com que a crian-
dá destaque para as transformações internas ça esteja sempre acima de sua idade média, isto
no desenvolvimento da criança que o jogo é, acima de sua conduta diária, uma vez que o
proporciona. jogo contém todas as tendências evolutivas de
forma condensada, sendo, em si mesmo, uma
Suas aportes com relação ao jogo das considerável fonte de desenvolvimento.
crianças ainda muito pouco despertaram naque-
les que trabalham no âmbito lúdico, como é o A concepção de Vygotsky sobre a "zona
caso dos professores de Educação Física Infan- de desenvolvimento proximal se refere àque-
til e dos psicomotricistas. A Psicomotricidade las funções que, todavia, não estão
Relacional, proposta por Lapierre e amadurecidas, mas que se encontram em pro-
Auconturier, que utiliza o jogo como elemento cesso de amadurecimento, funções estas que,
pedagógico básico, ainda não tem suas bases em um amanhã próximo, alcançarão sua
alicerçadas em Vygotsky. Para tê-la, deverá madurez. Na sua opinião, esta zona de desen-
abandonar a posição piagetiana e aceitar que o volvimento é a que vai determinar o nível real
jogo nasce simbólico. Esta aceitação significa do desenvolvimento em que a criança se en-
mudar o eixo, isto é, trabalhar sobre o simbóli- contra.
co, implicar-se no jogo e ao mesmo tempo acei-
tar que, na atividade lúdica, a criança flutua Em uma situação muito concreta, isto é,
entre o jogo e o exercício, ambos peças funda- em uma sessão de psicomotricidade com crian-
mentais nos processos de aprendizagem e de- ças de cinco anos, observamos que havia um es-
senvolvimento infantil. paço denominado de "espaço das construções
com madeiras", onde as crianças podiam jogar
Vínculo do jogo com desenvolvimento e fazer construções. Em determinado momento,
uma criança, veia até este espaço e começou a
O vínculo do jogo com o desenvolvimen-
pegar alguns pedaços de madeira para fazer uma
to é, para Vygotsky, um fator fundamental, uma
construção. Depois de muitas tentativas de co-
vez que, no curso do jogo, a ação subordina ao
locar as madeiras umas sobre as outras, a que
significado e, portanto, tudo aquilo que inte-
não conseguiu fazer sozinha desistiu da cons-
ressa à criança é a realidade do jogo, já que na
trução e passa a ajudar outras crianças que cons-
vida real, a ação domina o significado. Ele não
está de acordo que o jogo seja o protótipo da truíam em grupo ao seu lado. No momento em
criatividade cotidiana de uma criança, assim que esta construção começou a subir, com sua
como sua forma predominante. Fala, entretan- ajuda, observamos que seu tônus muscular se
to, que um objeto no jogo tem um significado modificou, e sua expressão facial foi de satisfa-
distinto fora dele, pois, no mundo da criança, a ção, de realização, isto é, a criança demonstrou
lógica dos desejos e a satisfação das necessida- grande alegria por ter conseguido fazer alguma
des domina sobretudo, deixando de lado a lógi- coisa com os iguais.
ca real.
Após esta tarefa conjunta, ela começou

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a fazer sua construção ao lado daquela que ti- crianças deveriam ir brincar de fazer constru- A "zona de
nha ajudado a construir. Olhava para o modelo ções, ou seja, este espaço era oferecido a todas desenvolvimento
que estava ao lado e construía sozinha, inclu- ao mesmo tempo, sem levar em consideração o proximal" se
sive inovando sua construção e não apenas co- desejo da criança e, em segundo lugar, não era
refere àquelas
piando a outra. Neste sentido, entendemos que permitido que as crianças fizessem
a criança, quando imita alguma coisa ou outra, construções juntas. As crianças observadas, neste
funções que,
não reproduz com seu corpo o ato da outra, caso, tinham entre quatro e cinco anos. Uma todavia, não
mas sim faz uma leitura do ato da outra, leitu- atitude pedagógica como esta última se situa estão
ra que se transforma com o tempo, uma vez em um marco teórico que se contrapõe à visão amadurecidas,
que a criança vai adquirindo confiança em si de Vygotsky, embora também possa estar mas que se
mesmo. Na nossa forma de pensar, os proces- inserida dentro de um marco construtivista. encontram em
sos de desenvolvimento e aprendizagem não processo de
seguem um processo linear, são complexos, Vila (1985) fala que o conceito de
amadurecimento,
abundantes em avanços e retrocessos. interação está presente em toda obra de
Vygotsky e que ele pressupõe que a hu- funções estas
Acreditamos que oferecer espaços de manização é possível graças à existência do que, em um
jogo e modelos de ação em diferentes espa- outro. amanhã próxi-
ços de jogo, não se constitui nenhum proble- mo, alcançarão
ma de ordem pedagógica, ao contrário, esti- Nossas observações nos permitiram ve- sua madurez.
mula a criança a desenvolver sua ex- rificar que muitas crianças ficavam o tempo
pressividade motriz. Neste sentido, Wallon todo empilhando madeiras, sem poder cons-
diz que a imitação é uma regra do jogo no truir alguma coisa em concreto, e muitas ou-
caso de crianças pequenas, uma vez que estas tras, como não podiam conseguir por si mes-
utilizam o modelo concreto e vivente. mas fazer alguma coisa mais elaborada, desis-
tiam e, não poucas vezes, acabavam destruindo
Constatamos que muitas crianças que, as construções das outras crianças como um ato
nas atividades lúdicas, não são capazes, em um de revolta.
primeiro momento, de fazer algumas coisas so-
zinhas, quando ajudadas pelos companheiros Quando, ao final da sessão de psico-
ou pelos adultos, conseguem, com o passar do motricidade, o professor perguntava a estas
tempo, realizá-las por si mesmas, o que deter- crianças o que haviam feito com as madei-
mina, de certa forma, desenvolvimento e apren- ras, eles não sabiam dizer o que haviam ten-
dizagem. tado realizar, o que não acontecia com as
crianças que, por estarem em um estágio de
Forman y Cazden (1984) afirmam que desenvolvimento superior, conseguiam rea-
a perspectiva vygotskiana nos permite ver que lizar alguma coisa em concreto.
as tarefas cooperativas que requerem genera-
lização de dados, planificação e direção podem Neste caso podemos entender as normas
supor outro conjunto de valiosas experiências situadas no mínimo, dentro de dois extremos
para as crianças. diversos, isto é, podemos ter as normas como
fechamento e as normas como abertura.
Quando falamos disso no marco
educativo, temos também que enfocar a atua- A norma como fechamento verifica-se
ção do professor, isto é, que atitude adota frente quando o professor determina tudo que deve
aos jogos das crianças. É importante esta re- ser feito pela criança no tempo e no espaço de
flexão, na medida em que se pretende analisar jogo. Esta forma de atuar pode conduzir à perda
o casamento da teoria com a prática pedagógi- da espontaneidade e, consequentemente, da
ca. Em uma determinada escola onde fazíamos criatividade da criança. De forma muito con-
observações do jogo das crianças a partir das creta apontamos exemplos de norma de fecha-
sessões de psicomotricidade, o psicomotricista mento. Este fato sucede quando o professor,
responsável determinava em que momento as além de determinar o momento em que as

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crianças devem construir, determina que devem Portanto, a metodologia utilizada pelo
construir sozinhas. Esta atitude pedagógica não professor, mesmo em atividades de jogo, po-
possibilita que a criança, que não quer cons- derá ser determinante no processo de desenvol-
truir neste momento, tenha outra alternativa e, vimento da criança e, neste sentido, as pers-
neste caso, cremos que este pode ser o motivo pectivas teóricas de Vygotsky poderão ser mui-
que faz com que, muitas vezes, as crianças não to úteis para as práticas corporais que fazem
consigam produzir nada nestas situações. De uso do jogo como elemento pedagógico e que
igual forma, se não permitimos que as ativida- se situam dentro de um marco construtivista.
des de jogo se desenvolvam dentro de um mar-
co interativo entre os iguais, corremos também Nesta perspectiva, além dos professores
o risco de ter a norma como o fechamento. Não pertirem que as atividades possam ser realiza-
se trata, portanto, de fazer a criança jogar em das conjuntamente entre iguais, também devem
determinado espaço se ela não tem vontade, mas observar seus alunos e, inclusive, devem ofe-
sim de orientar, em qualquer espaço, a ativida- recer ajuda às crianças que, em determinado
Acreditamos que de da criança e de ampliar a própria orientação momento, apresentam dificuldades para reali-
oferecer espaços para que ela se sinta capaz de fazer coisas di- zar determinadas tarefas.
de jogo e ferentes e de diferentes maneiras.
modelos de ação A implicação do adulto no jogo das
A norma como abertura pode funcionar crianças poderá ser um elemento importan-
em diferentes
quando se estabelece princípios de comporta- te no processo de desenvolvimento e apren-
espaços de jogo, mento comuns a todas, independentemente do dizagem. Neste sentido, Vygotsky afirma
não se constitui espaço de jogo que elas estejam. Isto tudo é uma que a criança avança essencialmente atra-
nenhum questão de método de trabalho que está relacio- vés da atividade lúdica e, somente nesta
problema de nada com a forma como cada um entende o de- acepção pode considerar-se o jogo como
ordem senvolvimento da criança e que toma relevância uma atividade condutora e determinante da
pedagógica, ao quando, através do jogo, o manejo pedagógico evolução da criança.
contrário, do professor está voltado para favorecer o de-
O jogo imaginário
estimula a senvolvimento e a aprendizagem da criança.
e representativo das crianças
criança a A atuação do professor ao planejar uma No jogo, na situação imaginária, inicial-
desenvolver sua atividade lúdica, seja de psicomotricidade, seja mente, está muito próxima da situação real, isto
expressividade de expressão corporal, principalmente na pré- significa que as crianças jogam reproduzindo
motriz. escola e séries iniciais do ensino básico, deve esta última. Os jogos de "mamãe-filhinha", "de
ser, no nosso entender, aquela de organizar es- casas", "de policiais", etc., são exemplos atra-
paços para que as crianças possam ter experiên- vés dos quais as crianças representam as situa-
cias corporais, as mais diversificadas possíveis, ções que vivem nos seus lares.
através dos jogos, fazendo desta forma com que
a criança: Para Vygotsky, neste momento, existe
pouca coisa que pertença ao terreno do imagi-
a) transite por diferentes espaços, com nário, isto significa que o jogo está mais próxi-
diferentes papéis, em diferentes situações, sen mo da recopilação de alguma coisa que ocor-
do personagem, se possível, de diferentes re- reu realmente do que da imaginação, é mais
presentações; memória em ação do que uma situação nova e
imaginária.
b) tenha vivências corporais as mais dis-
tintas possíveis; Acrescentamos que além das crianças
começarem seus jogos reproduzindo de certa
c) adquira um equilíbrio afetivo-emo- forma o que ocorre na vida real, também fa-
cional que a torne capaz de jogar com as de zem, neste momento jogos, que estão relacio-
mais dentro dos princípios de lealdade, soli- nados com as imagens e histórias transmitidas
dariedade e companheirismo. pela televisão, onde os personagens se conver-

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tem em ídolos infantis, como por exemplo as tamento. Estes elementos podem servir de base Trabalhar com o
séries das "Tartarugas Ninjas", os filmes do para uma reflexão de algumas práticas peda- jogo dentro de
"Superman", do "Batman", etc. gógicas que fazem uso do jogo e que hoje em uma perspectiva
dia se utilizam dentro do marco escolar. analisada por
Evidentemente, no momento histórico
e no contexto em que Vygotsky realizou seus O PESAMENTO DE VYGOTSKY Vygotsky signifi-
estudos a multimídia das comunicações ainda E A PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: ca entender que
não tinha programas para atrair, de forma tão PERSPECTIVAS PSICQPEDAGÓGICAS todo o jogo da
determinada, a população infantil, como ocor- As contribuições prestadas por Vygotsky a criança é simbó-
re hoje em dia. Por outro lado, o jogo é sempre respeito dos jogos das crianças, parecem co- lico e, portanto,
uma atividade com objetivos, isto é, seu pro- meçar a tomar corpo agora na cultura ociden- provido de
pósito decide o jogo e justifica a atividade, sen- tal, principalmente no meio acadêmico, onde regras que se
do o objetivo o fim último, que determina duas são levadas a cabo muitas investigações rela- desprendem do
variáveis relevantes nos jogos das crianças. cionadas com o jogo. próprio papel
Vygotsky aponta que, por um lado, a Por exemplo, os estudos de Ortega
que a criança
criança quando joga é totalmente livre para (1991) situam o jogo infantil na escola sovié- representa.
determinar suas próprias ações, mas por ou- tica como uma teoria sócio-cognitiva na qual
tro lado, esta liberdade não é mais que ilusó- os apontamentos de Vygotsky e Elkonin sobre
ria, já que suas ações se encontram subordi- o jogo se convertem em elemento chave para
nadas ao significado das coisas e a criança se o conhecimento da estrutura psicológica da
vê obrigada a atuar em consequência. O fato criança pré-escolar.
da criança criar uma situação imaginária, su-
postamente determina o desenvolvimento do Desde uma perspectiva educativo-tera-
pensamento abstraio, visto isto desde o ponto pêutica a psicomotricidade, nos últimos dez
de vista do desenvolvimento. anos, passou a considerar o jogo como elemento
metodológico fundamental. A psicomotri-
A seriedade no jogo para a criança de três cidade tem seu momento inovador com
anos significa jogar sem separar a situação ima- Lapierre e Aucouturier (1977), quando o jogo
ginária da real, ao contrário, para a criança em substitui as tradicionais famílias de exercícios
idade escolar, o jogo se converte em urna forma que predominam na tendência funcionalista.
de atividade muito mais de tipo atlético e, por- Esta nova vertente da psicomotricidade é tra-
tanto, desempenha um papel específico no de- tada como psicomotricidade relacional em opo-
senvolvimento da criança. sição à funcional.
A essência do jogo é a nova relação que A partir deste momento, Lapierre e
se cria entre o campo do significado e o campo Aucouturier começam a utilizar o jogo dentro
real que, em outras palavras, seria a relação de uma perspectiva piagetiana, organizando as
entre situações imaginárias, que somente exis- sessões em espaços de jogo sensório-motor,
tem no pensamento, e situações reais. Para simbólico, de regras e, também, um espaço para
Vygotsky, tão somente uma análise interna e as construções com madeiras.
profunda do jogo nos permite determinar o cur-
so de suas mudanças e seu papel no desenvol- A inovação da psicomotricidade com
vimento. Lapierre e Aucouturier também tem uma forte
influência dos estudos psicanalíticos de
Outro aspecto importante deste estudo Winnicott (1971), embora digam que não estão
são as conclusões que dizem que a capacidade comprometidos com nenhuma linha de pen-
da criança para controlar seu próprio compor- samento.
tamento surge, antes de tudo, no jogo coletivo,
e que somente depois se desenvolve como for- Aucouturier, que no momento atual ga-
ça interna ou controle voluntário do compor- nha cada vez mais destaque e faz muitos se-

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O professor guidores no continente europeu, embora atri- a criança representa. A atuação do professor
deve estar bua valor aos jogos simbólicos, na prática que deve ser no sentido de fazer com que a criança
constantemente propõe e que defende acaba potenciando os jo- possa vivenciar experiências das mais variadas
gos sensório-motores, sustentando a tese de que possíveis, inclusive com diferentes materiais e
numa posição
a criança necessita deste tipo de atividade para objetos de jogo, sozinha e/ou com os iguais.
de "escutar" Estas vivências alavancam o processo de de-
poder ascender ao jogo simbólico. Por outro
das necessida- lado, tanto a prática como a teoria que propõe senvolvimento e de aprendizagem. Quando as
des da criança, não fundamentam como o psicomotricista crianças realizam tarefas ou representam pa-
utilizando a deve intervir frente aos jogos simbólicos que péis no jogo com a ajuda dos iguais, ativam a
palavra como aparecem de forma predominante nos jogos "área de desenvolvimento proximal", já bem
incentivo à das crianças, explicada e fundamentada por Vygotsky.
representação
A falta de pautas de intervenção na ação Entendemos que a diferença que existe
de outros papéis
pedagógica frente ao jogos simbólicos, asso- entre os jogos livres que as crianças realizam
e estar com o no pátio da escola (espaços abertos) e os jogos
ciada a forma reducionista de entender a prá-
corpo disponí- tica psicomotriz somente em espaços fecha- que o professor estimula através da sessão de
vel para impli- dos, seja ela educativa, reeducativa ou tera- psicomotricidade está na manipulação delibe-
car-se no jogo, pêutica, são desde nosso ponto de vista, pon- rada por parte do professor com a intenção de
iniciando novas tos débeis da teoria de Aucouturier. oportunizar que a criança tenha diferentes ex-
atividades e periências e represente papéis no jogo, não se
permitindo que Por outro lado, Lapierre (19K5), que tam- limitando a repetir sempre os mesmos jogos,
o jogo evolua bém é defensor da psicomotricidade relacional, fato que. certamente, as aprisionam e. em al-
não chega a propor uma linha metodológica de guns casos lhe impedem de evoluir.
segundo a
intervenção do psicomotricista frente aos jogos
vontade e as simbólicos, embora recomende algumas práti- Esta reflexão fazemos porque, após ob-
necessidades de cas que estão sendo levadas a cabo neste senti- servar muitas sessões de psicomotricidade, onde
cada um. do, como as realizadas por Paulete Maudire na o jogo de exercício (sensório-motor) era poten-
França e por Núbia Franch na Espanha. Seu ciado pelo psicomotricista. no momento em que
discurso deixa evidente sua preferência, dizen- percebemos que o professor deixa de determi-
do que entende que não existe ato gratuito, isto nar o que as crianças deviam fazer, patrulhando
é, "tudo que se faz espontaneamente tem um seu comportamento através de um circuito mui-
sentido, inclusive se este sentido escapa do pró- to bem marcado, as crianças aderiam ao jogo
prio indivíduo que o realiza"(1985, p.8). Sua simbólico e. não raras vezes, registramos a ocor-
forma de pensar privilegia o entendimento do rência de um certo grupo de crianças, que joga-
jogo com algum componente simbólico, o que vam quase sempre a mesma coisa, muitos, in-
certamente provocou o distanciamento dialético clusive, nunca mudando de papéis, ficando es-
de Aucouturier, depois de um longo tempo de tes fatos totalmente alheios à conduta do jogo
parceria em suas publicações. poderia oferecer mais elementos para que o
psicomotricista ou professor de crianças pré-es-
Nossa análise com relação às idéias de colares pudesse atuar no sentido de ajudar estas
Lapierre, nos dizem que ele está muito próxi- crianças a enriquecer seu mundo simbólico e de
mo do pensamento sobre o jogo infantil, ape- interação com os demais.
sar de não fazer referência às obras deste psi- Isto significa que o professor deve estar
cólogo contemporâneo nas suas publicações que constantemente numa posição de "escuta" das
analisamos. necessidades das crianças, utilizando a palavra
como incentivo à representação de outros pa-
péis e estar com o corpo disponível para impli-
Evidentemente, trabalhar com o jogo car-se no jogo. iniciando novas atividades e per-
dentro de uma perspectiva analisada por mitindo que o jogo evolua segundo a vontade e
Vygotsky significa entender que todo o jogo as necessidades de cada um.
da criança é simbólico e, portanto, provido de
regras que se despreendem do próprio papel que

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Movimento - Ano 2 - N. 2 - Junho/95

CONCLUSÕES A atitude do professor de práticas cor-


porais frente às crianças deverá ser mais uma
Centrando-nos no pedagógico, pensa- forma de ajuda para que elas se desenvolvam
mos que os aportes de Vygotsky poderão ser através da atividade lúdica. É, ainda, ter a com-
muito úteis, não somente para entender me- preensão que, através do jogo, a criança de-
lhor o jogo infantil, mas também porque apon- senvolve todas as suas faculdades, princípio da
tam caminhos para que os professores pos- totalidade do indivíduo.
sam ter uma atuação frente aos jogos simbó-
licos que surgem na sala de psicomotricidade REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ou no pátio da escola, evitando que estes se-
jam demasiadamente repetitivos e que, atra- AUCOUTURIER, B. Especificidad y ori-
vés de uma intervenção pedagógica, permi- ginalidad de la práctica psicomotriz. /
tam a criança enriquecer suas vivências e re- Congresso Latinoamericano de Psi-
presentações que certamente devem facilitar comotricidad. Madrid, 1985.
seu desenvolvimento.
__ . La práctica psicomotriz: reeducación y tera
Os jogos simbólicos são vividos indivi- pia. Madrid: Científico-Médica, 1986.
dualmente, mas a característica do jogo é tor-
nar-se um jogo de interação entre os iguais, __ . La práctica psicomotriz hoy: Ia teoria, Ia
geralmente realizados por duas ou mais crian- práctica, la formación. IX Jornada de
ças, que criam suas histórias, rifam os papéis e Práctica Psicomotriz organizado por Ia
os vivenciam segundo seu estado afetivo-emo- Escuela de Expresión y Psicomotricidad
cional. de Barcelona. Barcelona, 1991.

Os jogos simbólicos individuais evolu- BALLY, G. El juego como expresión de


em em direção aos jogos simbólicos coletivos, libertad. México: Fondo de Cultura E-
inclusive com crianças de três anos, principal- conomica, 1958.
mente quando o adulto oferece seu corpo no
espaço de jogo e estimula usando a palavra CAILLOIS, R. Teoria de los juegos. Bar-
como meio de comunicação e provocação. Cre- celona: Seix Barrai, 1958.
mos que o adulto ao implicar-se nos jogos das
crianças, está de certa forma estimulando a CLAPAREDE, E. Teorias sobre el juego.
imaginação criadora das crianças e, ao mesmo Madrid: Fax, 1951.
tempo, ajudando-as a realizar tarefas que ain-
da não podem fazer por si mesmas. COLL. C.S. Aprendizagem escolar y constru-
ción del conocimiento. Barcelona: Paidos
Finalmente, em nosso ponto de vista, Educador, 1990.
entender que ao jogar a criança utiliza, ao mes-
mo tempo, todas suas estruturas mentais é, an- ELKONIN, D.B. Psicologia del juego. Madrid:
tes de mais nada, aceitar a totalidade do ser, Pablo del Rio, 1980.
embora sejamos da opinião, que durante uma
FORMAN, E.A. e CAZDEN, C.B. Perspectivas
atividade lúdica, a criança não apenas joga, mas
também se exercita. Entendemos que a crian- vygotskianas en la educacion: el valor
cognitivo de la interacción entre iguales.
ça joga quando atua com algum significado
Revista Infancia y Apredinzaje.
simbólico, representativo ou imaginário e se
exercita quando experimenta seu corpo, testa Madrid: Aprendizaje S.A., 27/28, p.139-
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suas capacidades e habilidades. Pensamos que,
na atividade lúdica, a criança flutua entre o JOHN-STEINER, V. e SOUBERMAN. Epí-
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UNITERMOS

Jogo - Psicopedagogia - Construtivismo

*Professor Titular da ESEF/UFRGS

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