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Texto1

Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha grutas, arcos, cascatas. Havia pedras de todas as cores e feitios,
uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde. pequeninas e macias, polidas pelas ondas. E a água do mar era
Em roda da casa havia um jardim de areia onde cresciam lírios transparente e fria. As vezes passava um peixe, mas tão rápido que
brancos e uma planta que dava flores brancas, amarelas e roxas. mal se via. Dizia-se ̋Vai ali um peixe ̏ e já não se via nada. Mas as
vinagreiras passavam devagar, majestosamente, abrindo e fechando
Nessa casa morava um rapazito que passava os dias a brincar na
o seu manto roxo. E os caranguejos corriam por todos os lados com
praia.
uma cara furiosa e com um ar muito apressado.
Era uma praia muito grande e quase deserta onde havia rochedos
O rapazinho da casa branca adorava as rochas. Adorava o verde das
maravilhosos. Mas durante a maré alta os rochedos estavam cobertos
algas, o cheiro da maresia, a frescura transparente das águas. E por
de água. Só se viam as ondas que vinham crescendo de longe até
isso tinha imensa pena de não ser um peixe para poder ir até ao
quebrarem a areia com um barulho de palmas. Mas na maré vazia as
fundo do mar sem se afogar. E tinha inveja das algas que baloiçavam
rochas apareciam cobertas de limos, de búzios, de anémonas, de
ao sabor das correntes com um ar tão leve e feliz.
lapas, de algas e de ouriços. Havia poças de água, rios, caminhos,

Sophia de Mello Breyner, << A Menina do Mar>>


Texto2

Ti Ana Arneira companhas, e quando faltava um pescador, a ti Ana Arneira


agarrava-se ao remo como um homem e ia ao mar no barco. – Nem
A ti Ana Arneira, com cuja amizade me honro, é um dos meus
do diabo tenho medo. Só tenho medo aos cães loucos. – A extensa
melhores conhecimentos da Gafanha. Mulher capazona, com por lá
planície que atravessa, duas, três vezes por dia, é um deserto. A ti
se diz. Acompanha-me pelo areal e conta-me logo à primeira a sua
Ana vai e vem de noite, sozinha, com os bois que lhe fazem
vida.
companhia. Agora tem um campo, barcos para o moliço, novos netos
Tipo atarracado e forte, de grossos quadris, vestida de escuro, para criar – e olha cara a cara o destino sem esmorecer. A sua vida é
chapéu na cabeça, e aguilhada em punho. O homem foi para o Brasil uma grande lição de energia.
há muitos anos ( - É o rei dos homens! … - ), ficou ela e os filhos
por criar. Criou-os todos. Netos, doenças, lutos. Nunca desanimou.
Raul Brandão , ̋ Os Pescadores ̏ kjn
A forca que a sustenta é admirável, profunda e radicada, como a de
quase todas as mulheres do povo que conheço. Deitou-se à vida –
lavrou os campos. Vieram mais aflições e outras mortes.

- Então de que lhe morreram os filhos?

- Sei lá, a morte não se quer culpada. Era preciso sustentar a família.
Pegou nos bois e no carrinho e começou a transportar sal da Gafanha
para Mira. Fez mais: antigamente no Arião também havia

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