Você está na página 1de 24

Mar do Norte

Um homem,
três adolescentes
e um cão
em passeio pela
costa belga
FUGAS | Público N.º 11.411 | Sábado 24 Julho 2021 Aveleda Escape Garden
É preciso seguir as pistas
para encontrar
uma garrafa perdida
Desenhar Portugal
em bicicleta
De Monsaraz a Elvas,
à procura do equilíbrio
2 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Costa belga
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 3

MIGUEL CALADO LOPES

As voltas que
um passeio dá
Um homem, três adolescentes e uma cadela em a Numa terra em que, feitas as con-
tas de cabeça e andando pelas ruas,
riores. Só voltarão a ver-se Æsica-
mente, diga-se de passagem, quando

viagem de Bruxelas até à estância de Knokke-Heist, por cada dez carros topo de gama
(BMW, Audi, Mercedes, especial-
as circunstâncias da vida e dos luga-
res assim o permitirem. Durante
banhada pelo mar do Norte. Cinco dias cheios de mente a versão jipe AMG), há cinco
Porsche e por cada cinco destes há
cinco dias resolvi folgar-lhes as cos-
tas depois dos exames e antes dos

peripécias domésticas, caminhadas madrugadoras dois Ferrari ou Bentley e por cada


dois destes há um Rolls Royce, ali-
resultados. Foram dias de férias mui-
to divertidos e caóticos, que incluí-
na praia, pedaladas eléctricas até à Holanda e visões mentar burros a pão-de-ló não cons-
titui seguramente um sinal exterior
ram caminhadas de três ou quatro
horas na praia ao alvorecer, passeios
de um futuro movido a eólicas. Miguel Calado Lopes de riqueza, muito menos uma osten-
tação saloia. Antes pelo contrário, é
de trotinete e de bicicleta até à Holan-
da, uma visita à reserva natural De
a realidade pura e dura da vida de Zwin, jogos de sociedade sentados à
um “sénior” de 73 anos, o autor des- mesa de jantar, jogos de computa-
tas linhas, a braços, com colheres de dor, “instagrams” e muita confusão
pau e panelas, com três adolescentes numa cozinha onde mal cabiam duas
e um cão, todos eles sempre esfo- pessoas e onde às vezes estávamos
meados. Além do mais, um burro a os quatro mais a Luna, o cão de água
pão-de-ló não daria assim tanto nas português, sempre à espera que caís-
vistas. se uma migalha.
Até poderia ser uma instalação Knokke- Heist, a norte, junto à
artística porque porta sim, porta fronteira holandesa, tal como as
não, porta não, porta sim, galerias outras cidades costeiras – De Panne,
de arte (idem idem, aspas aspas para junto à fronteira francesa, 60kms a
as agências imobiliárias) têm à venda sul, Duinkerk, Ostende, Blakenberge
tigres com ligaduras na cabeça, crâ- – é uma parede de betão de uma
nios de crocodilo cobertos a ouro, dezena de quilómetros entremeada
macacos azuis com lamparinas dou- por um ou outro sobrevivente edifí-
radas na cabeça, gansos de porcela- cio de “art déco”. A excepção é De
na em tamanho natural, ursos em Haan, uma pequena vila. Todas estas
azul metalizado e lapidado e um sem estâncias caracterizam-se por um
Æm de pintura e escultura que tam- largo e bem arranjado passeio marí-
bém pontilha os passeios públicos e timo que dá acesso às praias quilo-
as praias. Bem-vindos a Knokke- métricas com uma largura de mais
Heist, a mais soÆsticada e cara estân- de 100 metros na maré baixa. O
cia balnear da costa belga banhada Zout, a zona mais chique de Knokke-
pelo mar do Norte. Heist, escapa a este panorama com
Lorïk, Sascha, ambos alemães, de as suas luxuosas vivendas, muitas
18 anos, e o meu Ælho Tomás, de 17 delas no estilo anglo-normando, a
quase 18, são colegas e amigos. Aca- atestar a inÇuência saxónica que a
baram os exames do Diploma Pro- costa belga sofreu quando os ingle-
gram do International Baccalaureate ses para ali foram à procura das
(12.º ano) que dá acesso a qualquer praias mais iodadas nos Ænais do
universidade em todo o mundo. As século XIX.
conversas decorriam em alemão, De Bruxelas à costa são pouco
inglês, francês e português. Quando mais de 100kms, que se percorrem
perguntaram a um diplomata ame- de carro numa hora ou num dia, con-
ricano o que o surpreendia mais em soante as Ælas ao Æm-de-semana nos
Bruxelas, disse que era a facilidade dias quentes, húmidos e abafados do
com que, a meio de uma conversa, Verão belga. Foi um mês de Junho
se passava de uma língua para a como há muito não se via, cheio de
outra. Foi Umberto Eco quem disse sol e calor e foi num desses dias que
que “a tradução é a língua da Euro- enchemos o carro com malas e man-
pa”. timentos. Pelo sim pelo não, adivi-
Sascha quer ir para Teatro, Lorïk nhando ao que ia, fui armado de uma
vai tirar a carta de condução e fazer sopa de favas com alho francês e
um estágio numa empresa de cons- outra de tomate com feijão frade que
trução de veleiros até se decidir e deram, com muito agrado, para as
Tomás quer ir para “design” de inte- primeiras impressões. c
4 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Costa belga
NUNO FERREIRA SANTOS

Quem sai aos seus não degenera.


O meu pai dizia a quem o queria
ouvir que onde eu punha a mão tira-
va Deus a virtude e o meu Ælho sai a
mim, pelo menos neste desajeitado
aspecto. “Não temos expediente”,
dizem-nos.
O que eu não sabia era que os dois
rapazes alemães (conheço-os desde
os seis anos), eram tão ou mais des-
pistados. Portanto, estava montado
o cenário para a desgraça. O peso
acumulado de tanta cabeça no ar
abateu-se sobre nós quando batemos
com o nariz na porta. Estávamos no
prédio certo, no andar certo, no
número certo, com as chaves certas,
mas não conseguíamos abrir a porta.
Passadas duas horas, e depois de
termos sido obrigados a retirar do
carro a bagageira de tejadilho para
entrar na garagem, mais o que estava
dentro do carro, meter tudo no ele-
vador e fazer três ou quatro subidas
e descidas, chegámos à conclusão de
que tínhamos tomado o elevador
errado. Fomos parar ao prédio gemi-
nado - o mesmo andar e o mesmo
número de apartamento que tinha DR
alugado. Toca a baixar as malas, as protestos, “ó pai, estamos em férias”,
geleiras e tudo o mais, toca a andar “have mercy” e um etc., etc., etc. de
na garagem à procura do elevador outras expressões que não são para
certo, toca a subir as malas. Uma aqui chamadas! Vencido mas não
estafadeira! convencido com a justeza da sua pre-
Resolvi fazer-me à vida de banhis- guiça, eu e a assarapantada Luna
ta e deixá-los à solta depois de ter metemos o rabo entre as pernas e
visto um a guardar no frigoríÆco a fomos passear para a praia. A cachor-
salada com as compridas colheres de ra tinha por obrigação dormir no
servir lá dentro, tudo envolto em corredor mas estava confortavelmen-
celofane, outro a pendurar a concha te refastelada no sofá da sala. Fez um
da sopa no gancho dos panos de ar de Madalena arrependida e per-
cozinha, outro, ou o mesmo, já não doei-lhe imediatamente a ofensa, é
sei, a guardar os espinafres na parte claro. Desandámos.
superior dos armários da cozinha Por estas latitudes, no pino do
que deviam ter pó acumulado desde Verão, os dias começam a clarear às
há dois anos, outro de cócoras a var- quatro da manhã mas foi só às cinco
rer o chão com uma escova de sacu- e meia que me encontrei no centro
dir fatos, outro a fazer sopa de alho de um turbilhão de sensações – uma
francês e deixar de fora os talos bran- paz de alma que me despojou da
cos e outro (fui eu, confesso) a deixar minha circunstância humana e me
na chapa do fogão a tábua de cozinha deu espaço mental para poder per-
que Æcou “grelhada”, ainda que em tencer ao lugar, reter no olhar a bele-
sangue, valha-nos isso. za dos instantes, ter os pés na terra e
Valha também educação caseira e a cabeça no ar. É a cabeça no ar que
a da escola Montessori que os ensi- me faz esquecer para onde vou. O
nou a desempenhar todos os traba- meu destino é caminhar sem destino.
lhos domésticos. Eles próprios esta- Passaram-se as horas (três ou quatro),
beleceram a rotatividade de tarefas go, armou-se em chica-esperta, pon- lamber sem chorar o leite derramado do pelos meus galões de antigo com- fui e vim e nem sequer dei por mim
– pôr a mesa, cozinhar, pôr a louça do a pata no pedal do caixote de lixo no chão da cozinha quando a garrafa batente no Ultramar (com mais dois a deitar contas à vida – horários por
na máquina, preparar o pequeno- que levanta a tampa que logo se se me escapou dos dedos. Ficou um anos do que eles, eu era um alferes cumprir, facturas por pagar, compras
almoço, varrer o chão. A bagunça fechou com estrondo quando ela brinco! miliciano a comandar um pelotão de por fazer.
dos quartos não conta. tentava puxar o saco. Apanhei um combate de 40 homens), resolvi ins- No horizonte vislumbram-se os
A cachorra também foi obrigada a susto de morte. Na manhã seguinte Alvorada militar tituir um regime militarizado. Às seis grandes cargueiros, petroleiros, por-
trabalhar. Na véspera, durante a noi- vociferei: “Vá, levanta-te, não fazes da manhã, puxando ao máximo do ta-contentores que rumam os portos
te, estava eu muito bem a dormir, a nada, vai trabalhar, malandra”. E lá Devido ao adiantado estado colectivo youtube o som da corneta do toque mais a norte – Antuérpia, Roterdão,
Luna, cheirando-lhe a restos de fran- foi ela, com o rabo entre as pernas, de tanta asneira quotidiana, e puxan- de alvorada militar, apenas consegui Amesterdão. Evoco Jacques Brel:
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 5
H O L A N DA
rte
No
r do
M a
Knokke-Heist

A
Bruxelas
xe
el

LEM
AN
Na página ao BÉLGICA
BÉLG
GICA
A
A

H
lado, pai e filho 694
numa paragem
para descanso; FRANÇA
em baixo, os três
adolescentes 589

33km LUX.

MIGUEL CALADO LOPES

das, a identiÆcação assimétrica da mastigar conchas minúsculas de


sola dos ténis, e lá as encontro. mexilhão mas o que me intriga é a
Regresso por onde fui mas a certa sua preferência pela concha de chi-
altura constato que me desvaneci na nelo comum (crepidula fornicate),
areia molhada. Não há prova de que uma espécie de lapa oblonga invasi-
passei por ali. Eu sei que entre uma va, gastronomicamente apreciada e
e outra pisada milhares das minhas muito presente nas poças de água
células morreram e menos outras deixadas pela maré vazante. Ainda
tantas nasceram durante o progresso tive a esperança de que a Luna, que
natural do meu envelhecimento. desde a nascença tem um parafuso a
Terei sido trespassado sem ter dado menos, preferisse a ascídia (tunicata)
por isso por uma das pás das turbinas antes dela comer o seu próprio cére-
que se soltou do gigantesco parque bro, como é característica desta espé-
eólico que mal se vê no horizonte cie marinha hermafrodita, e passar
marítimo e veio por aí fora do futuro o resto da vida sem se mexer, estupi-
para matar o meu presente? (ver tex- damente alapada numa rocha. Podia
to (Re)moinhos na paisagem.) ser que aproveitasse qualquer coi-
Mal distingo lá muito ao longe, a sa!
mais de 40kms de distância, as pás As poças na zona entre marés mos-
das turbinas mas é o suÆciente para tram até que ponto o subir e o descer
me lembrar do Ælme The Thomas das águas é a prova do imperceptível
Crown Aèair, de Norman Jewison (O movimento da terra. As pulgas do
Grande Mestre do Crime - 1968) com mar, os camarõezinhos, as anémo-
os inesquecíveis Steve McQueen e nas, as algas competem entre si mas
Faye Dunaway. A canção-tema foi acabam por conseguir um equilíbrio
galardoada com um Óscar e dou dinâmico que lhes garante a sobrevi-
comigo a assobiá-la: vência. Os camarões, que têm um ar
de estar permanentemente aterrori-
Dans le port d'Amsterdam abrirem as portas. Há-de ser num mesmos grandemente afectados pelo … And the world is like an apple whir- zados, intrigam especialmente a
Y a des marins qui dansent deles que a senhora de lábios escar- stress e pela depressão. Outros estu- ling silently in space Luna, que se sobressalta, inclina a
En se frottant la panse lates, de telemóvel cor-de-rosa e dos provam que os que não cami- Like the circles that you Ænd in the cabeça e arrebita as orelhas quando
Sur la panse des femmes transbordando de carnes pelas suas nham evidenciam menores percen- windmills of your mind… eles disparam os seus poderosos
Et ils tournent et ils dansent calças de licra, vai tomar o seu aperi- tagens no capítulo das características Keys that jingle in your pocket, words músculos e vão que nem uma seta de
Comme des soleils crachés tivo da tarde depois de pousar o saco positivas: abertura de espírito, extro- that jangle in your head um para outro esconderijo. Imagino
Dans le son déchiré de praia preto com grandes letras versão, agradabilidade. Pelo contrá- Why did summer go so quickly, was it que deve ter sido mais ou menos
D'un accordéon rance brancas a aÆrmar que ela é uma “Pri- rio, os caminhantes evidenciam something that you said? assim, numa pasta húmida subterrâ-
ma Donna”. níveis mais baixos no capítulo das nea habitada por organismos uni e
Com a excepção da de Lekkerbek, os Continuo o passeio. Os meus sen- depressões. O Ælósofo Friedrich Niet- Aterro do devaneio jubilatório multicelulares e outras minhocas do
cães só podem andar na praia antes tidos estão mais despertos. A neuro- zsche também Æcou famoso quando quando vejo a Luna a comer os restos género, numa poça primordial mais
das nove e depois das 21 horas, mas ciência diz-nos que os sistemas cere- disse que “só têm valor os pensamen- de uma estrela-do-mar esventrada lodosa, que começou a vida na Terra
ainda era cedo de mais para os ele- brais responsáveis pela aprendiza- tos surgidos enquanto se caminha”. por gaivotas ou ostraceiros e a roer tão apaixonadamente defendida por
gantes e bem cuidados bares de praia gem, memória e cognição são os Procuro encontrar as minhas pega- logo de seguida uma rocha. Está a David Attenborough. c

24 JUL > 8 AGO 2021


O espírito dos mares
Jardins da Avenida Júlio Graçawww.adapvc.pt ENTRADA LIVRE
6 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Costa belga

Knokke-Heist é uma
parede de betão de
uma dezena de
quilómetros
entremeada por um ou
outro sobrevivente
edifício de “art déco”

MIGUEL CALADO LOPES

MIGUEL CALADO LOPES

Prossigo. Caminhar na praia na Massa com brócolos, abóbora e pei-


maré vazia reconcilia-me com o mun- xe congelado para a Luna, que come
do. A serenidade matinal dá-me de tudo o que lhe dão e depois ainda
mão beijada a suave fascinação que Æca à espera que ainda pingue qual-
me acompanha ao longo do passeio. quer coisa dos “miúdos”.
O meu instinto de sobrevivência leva- O objectivo inicial das férias era o
me a procurar pontos de fuga em de aprender a andar de carrinho à
caso de tsunami. Não tenho escapa vela pela areia fora. Mas, contraria-
possível; as dunas levam-nas as mente ao habitual, não havia vento
águas! Terei de morrer na praia sem e eram necessárias cinco lições e um
ser náufrago, mas o poder do bem- “brevet” antes de andarmos à solta.
estar é superior a esse medo telúrico. Em alternativa, os rapazes preferi-
O mar hipnotiza-me, seduz-me com ram ir ao Surfers Paradise na praia
o seu marulhar de sereia a chamar de Lekkerbek, 40 minutos a pé, mais
por mim, cantarolando-me amores a norte, experimentar o SUP, (Stand
imorredoiros. Tudo o que quero é ir Up Paddle – remo em pé em pran-
ao seu encontro. cha). Enquanto eles manejavam os
Mas não, as células de lugar ani- equilíbrios necessários, eu Æquei
nhadas no meu hipocampo, uma literalmente a ver navios e a Luna a
espécie de GPS interno que possuí- contar moscas. Resolvi dar um mer-
mos sem nos apercebermos e de que gulho e nadar um pouco.
apenas damos pela falta quando nos Surpreendentemente a água calda
falha, não têm grande trabalho e é tão fria como a da costa ocidental
insistem em trazer-me de volta. You portuguesa. Esta “mesma” água
Only Live Twice, canta a Nancy Sinatra demorou dois meses a chegar aqui
no Ælme do Bond, James Bond. A nos- vinda do golfo do México. É o tempo
sa vida e vida dos nossos sonhos. necessário para a Corrente Quente
do Golfo percorrer cerca de 10 mil nado sentido de humor nonsense, la, mas não tiveram outro remédio evoluem em prados, onde pastam
A reserva de De Zwin quilómetros a uma média de 9kms/ respondeu, à laia de desculpa, que senão voltarem a ver a passarada ovelhas e lebres, o animal símbolo
h. Com os seus 100kms de largo e tem medo dos bichinhos que andam marítima que ali descansa das suas da reserva, e depois em arbustos e
Cheguei a casa disposto a entusias- 1200 metros de profundidade, movi- debaixo de água, o que me fez lem- migrações, nidiÆca e pesca. Com em Çoresta cultivada, chamada de
má-los com as descobertas do meu menta 30 “sverdrups” (Sv) por brar não sei quem que disse que cerca de 200 hectares (60 dos quais Tobruk. Estas paisagens apreciam-se
mundo, mas eles estavam “instagra- segundo. Um Sv equivale a um nunca na vida ele tomaria banho abertos ao público), é um antigo bra- percorrendo o trilho Yourcenar, uma
mados” noutro planeta dedilhando milhão de metros cúbicos por segun- numa água onde os peixes fazem ço de mar que em tempos permitia homenagem à escritora que por aqui
os seus ecrãs de telemóvel. Mas do. Os ventos que passam por cima cocó. a ligação marítima a Brugge. Agora é se foi inspirando enquanto escrevia
olhem que isto e aquilo e mais isto e temperam o clima, especialmente os Mesmo ao lado Æca a reserva natu- uma zona dunar e pantanosa, uma A Obra ao Negro.
mais aquilo. “Ah! Tá bem, tá bem”. Invernos, desde a Irlanda e Grã-Bre- ral De Zwin partilhada entre a Bélgi- paisagem mansa que se agita quando Cumprida a obrigação, que incluiu
Fui para o fogão cozinhar a frustra- tanha até à Noruega, passando logi- ca e a Holanda, cuja visita tinha sido a água da maré cheia entra pelos a subida a uma torre de madeira
ção - um hambúrguer vegetal para o camente pela costa belga. previamente reservada. Os boys tor- meandros, renova o oxigénio e reju- construída de propósito para ver de
Tomás e bifes com batatas fritas e “Então não tomam banho?”, per- ceram o nariz, argumentando já lá venesce a fauna com alimentação perto as cegonhas nos seus ninhos a
ovo a cavalo para o Lorïk e o Sascha. guntei-lhes. Sascha, que tem um aÆ# terem ido por duas vezes com a esco- fresca. Mais para o interior, as dunas alimentarem as suas crias, decidimos
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 7

MIGUEL CALADO LOPES

Eólicas

(Re)moinhos na paisagem
a A meio de uma visita à Feira Aero- estética. As suas formas são em si ínÆma parte deste gigantismo na hora de energia renovável por ano,
náutica de Paris de 1912 na compa- uma obra de arte que vale também contraluz do sol poente. Só a teleob- o que representa 9% do consumo
nhia de Fernand Léger, o pintor que pela sua pintura – um branco ima- jectiva da minha máquina fotográ- total belga e “ilumina” dois milhões
deu ao cubismo uma expressão culado que o tempo matiza. Por isso Æca consegue captar o cargueiro de belgas.
“tubista”, e de Marcel Duchamp, me chocam as turbinas pintadas que parece navegar em gincana len- Perdi entretanto neste caminho
que fez de um urinol uma obra de com as cores do arco-íris que a ta. FotograÆas aéreas suavizam a civilizacional a minha capacidade
arte, o não menos célebre escultor gigantesca petrolífera francesa monstruosidade industrial de 400 de me aventurar à descoberta das
romeno Constantin Brâncusi parou Total anda a anunciar em publici- turbinas divididas em oito parques. traseiras do horizonte marítimo.
à frente da hélice de um avião e dade de página inteira nos grandes No entanto, vista do ar em fotogra- Não me importo de ver os moinhos
exclamou: “É a isto que eu chamo jornais internacionais. É como tra- Æas, as dezenas de hectares ocupa- ao longe, acho-lhes até uma certa
escultura!”. Na versão de Léger des- vestir a turbina com as roupas de dos pela grelha de turbinas de geo- graça, mas não quero estar perto
sa visita, Duchamp, que por ali uma palmeira, um disfarce inten- metria variável surgem como um deles. A sua enormidade inquieta-
andava entre motores e hélices sem cional e desnecessário. hino ao génio humano, uma pintura me e assusta-me. Agora sei que nes-
dizer palavra, virou-se de repente As turbinas eólicas são uma intru- pontilhista a azul e branco. A com- se limite está uma instalação indus-
para Brâncusi e disse: “Acabou-se a são na paisagem, mas anteriores posição do quadro revela uma ines- trial. É aquilo a que os americanos
pintura! Quem é que pode fazer intrusões são todas as que, ao longo perada beleza, mas essa beleza chamam a atitude NIMBY (Not In My
melhor do que uma hélice? Diz-me, do tempo, têm sustentado o pro- deve-a também à sua utilidade. Ser- Back Yard).
és capaz de o fazer?” gresso da humanidade. Desde que ve vários propósitos ambientais, Perdi também a visão do mistério
Mais de um século depois, con- é gente, o homem sempre interveio ecológicos, económicos e geoestra- da noite quando vejo no limite do
templo as hélices das turbinas eóli- na paisagem e se assim não fosse tégicos. Nada mais nobre do que alcance do meu olhar centenas de
cas com a perplexidade de um boi ainda hoje andávamos a cavar bata- contribuir para a substituição dos luzinhas vermelhas intermitentes.
frente a um palácio do futuro. A tas. Perdeu-se o romantismo asso- hidrocarbonetos, nada mais nobre São avisos à navegação que me pare-
modernidade artística saída daque- ciado aos quase extintos moinhos do que contribuir para combater o cem semáforos para um trânsito
la visita, vejo-a agora em todo o lado dos moleiros ou aos moinhos metá- aquecimento global, nada mais engarrafado por posições extrema-
na sua variante industrial – no cimo licos de água no midwest americano, nobre do que diminuir a dependên- das de defensores e atacantes de
ir à Holanda no dia seguinte. Com a das colinas, nas planícies, nos ocea- mas continua o mesmo espírito cia energética europeia do gás natu- uma solução que irá contribuir, até
Luna entregue à companhia do nos. Atrai-me a pureza das suas for- empreendedor. Perdeu-se sobretu- ral russo, nada mais nobre do que que a Tecnologia queira, para a sal-
labrador da porteira do prédio, alu- mas, o seu gigantismo industrial do a escala humana. Um homem em fornecer energia limpa a preços vação do mundo.
gámos bicicletas eléctricas (30€) e perturba-me. pé anda à vontade no interior de acessíveis. As futuras gerações verão outras
passámos umas boas quatro horas a Estes moinhos são indubitavel- uma pá, um Airbus 380 “cabe” no luzinhas no mar. Em criança, no
pedalar sem esforço por um cami- mente mais belos do que os postes diâmetro das pás em movimento, a Floresta de metal Alentejo, fascinavam-me as luzinhas
nho percorrido por dezenas de ciclis- de alta tensão que encaro como um torre Eièel é mais ou menos da mes- na planície tremeluzindo com a
tas, num ritual quotidiano de passa- mal necessário. O design dos ma altura da torre de sustentação A partir deste ano, o gracioso movi- reverberação do vento suão – aldeias
gem entre horários de trabalho e o modernos moinhos apenas me pro- do moinho com uma pá na verti- mento das 1200 pás de 50 metros de com pessoas que eu gostaria de
descanso, um exercício físico que voca um arranhão na delicadeza cal. comprimento construídas em Æbra conhecer e saber como vivem. Par-
descontrai o corpo e educa o olhar. das paisagens que o olhar humano A mais de 40 quilómetros de dis- de vidro ou de carbono muito difícil tir à sua descoberta. Num futuro
Cada curva tem sempre o mesmo sempre busca, uma ligeira ferida tância apenas mal vislumbro uma de reciclar, produzem 8 terawatt/ próximo, os vizinhos ribeirinhos
ângulo mas é sempre visto de manei- WESTEND61/GETTY IMAGES
também verão essas luzinhas –
ra diferente. aldeias Çutuantes com pessoas que
A derradeira prova da tamanha também eles gostarão de conhecer
distracção coletiva surgiu já em Bru- e de partir à sua descoberta.
xelas, quando estávamos a descarre- Serão lugares instalados em pla-
gar o carro. “A minha mochila?!, A taformas modelares de dois hecta-
minha mochila?!”, gritei desespera- res com capacidade para 300 pes-
do. Não fui eu, não fui eu. Deve ter soas dispostas a aí viverem e traba-
Æcado esquecida quando andávamos lharem. Ligadas entre elas irão
outra vez às voltas para encontrar o formar comunidades autónomas de
cacifo onde deixar as chaves. Feliz- 10.000 habitantes. A energia ser-
mente a porteira viu-a no chão e lhes-á fornecida pelo Sol, vento e
guardou-a. ondas. Usarão água do mar dessali-
No dia seguinte voltei de comboio nizada, produzirão frutas e legumes
à costa. Agradeci mil vezes à senhora a partir de culturas hidropónicas,
e fui apanhar o tram que liga o litoral desenvolverão quintas subaquáticas
belga – 68 paragens em 67 quilóme- sem pesticidas para criar peixes e
tros. Não vi grande coisa porque crustáceos. Com o apoio da ONU e
dormi o sono dos justos ao longo de com tecnologias privadas, os pri-
quase todo o trajecto. Desci em meiros quarteirões Çutuantes come-
Ostende a meio da tarde, cirandei çarão a aparecer nas costas africa-
pelo passeio marítimo que, tal como nas e asiáticas já em 2025.
o de Knokke-Heist, é mais uma feira Em terra, vejo mais a árvore (tur-
de naturalidades do que de vaidades. bina) plantada por aqui e por ali,
Às seis e meia da tarde estava a jantar sem uma uniformidade que confor-
mexilhões com batatas fritas que se te. No mar vejo a Çoresta de metal.
vão molhando na maionese, o prato E Æco dividido sem saber o que vale
típico belga. Na Bélgica, sê belga, na mais: a paisagem da natureza ou a
Amazónia sê índio. natureza da paisagem?
8 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Terras de Bouro

Eles querem
fazer do
Gerês
um lugar que
não é (só) para
turista ver a Da primeira vez que tentamos con- a Keen Tours, que foi criada pelo taurante Cantinho do Antigamente e

Pedro e Rita já tinham uma tactar Pedro Casinhas pelo telefone


recebemos, horas mais tarde, uma
desejo de “juntar a paixão pelo Par-
que Nacional da Peneda-Gerês à von-
foi assim que a relação nasceu. É um
dos poucos restaurantes no território

empresa de actividades na mensagem a pedir desculpa pelo


“atraso”: “Estive o dia todo na serra”.
tade de o partilhar com todos”, surgiu
primeiro, em 2017, e é muito focada
do parque que nos dá garantias de
conÆança e cuidado nos produtos

natureza, mas o sonho era criar Na serra da Peneda, entenda-se,


onde Pedro passa mais de metade do
no ecoturismo. O casal organiza cami-
nhadas, programas de observação de
que usam e nas receitas.”
O Cantinho do Antigamente é geri-

uma loja com tudo o que de dia a organizar actividades relaciona-


das com a natureza para pequenos
aves, bioblitz e interpretação de pai-
sagens. “São sempre actividades com
do por Adelaide Pereira há mais de
oito anos. Natural de Terras de Bou-

melhor se produz nas regiões grupos de turistas.


Mas para o jovem e para a compa-
um grande aporte de conhecimento
cientíÆco, de muito baixo impacto na
ro, a cozinheira diz que o que mais
quer é dinamizar a região através do

que envolvem o Parque Nacional nheira, Rita Barros, a empresa de


animação turística já não era suÆcien-
natureza e com grupos médios de
duas a três pessoas”, conta Pedro. E,
que melhor sabe fazer: a comida. Aos
40 anos, tornou-se a gestora e cozi-

da Peneda-Gerês. Adelaide tenta te para pôr “as coisas a mexer” em


Terras de Bouro, vila que Æca bem no
para tudo isto, a formação de base em
geograÆa só veio ajudar.
nheira do espaço, depois de fazer
uma série de formações. No Æm des-

dar vida à vila onde nasceu coração do Parque Nacional da Pene-


da-Gerês (PNPG).
A vontade de abrir uma loja com
produtos locais só chegou anos
tes cursos e de um estágio no restau-
rante, foi convidada a Æcar a gerir o

através do restaurante que gere O casal abriu, em Junho, a Loja do


Parque, um espaço só com produtos
depois, por uma “coincidência da
vida” que o casal não esperava.
espaço e aceitou. Segundo Pedro,
além de ser “a melhor cozinheira da

há oito anos. Por coincidência, locais que quer ser mais do que isso.
O objectivo é que seja utilizado por
“Começámos por ser clientes no res- região”, Adelaide tem a “capacidade

os dois negócios vivem agora qualquer pessoa que queira fazer o


seu próprio produto — sabonetes,

lado a lado. SoƊa Neves (texto) e artesanato ou compotas, por exem-


plo — mas não tenha “oÆcina” para

Adriano Miranda (fotos) tal. E o desejo dos próximos meses é


começar a vender todos esses produ-
tos locais também online e para um
público internacional.
“Sempre tivemos, desde o início, a
preocupação de incorporar o máxi-
mo possível os produtos ou serviços
do território naquilo que fazíamos,
numa lógica de antevermos que que-
remos ter trabalho daqui a quarenta
anos, que esta paisagem se mantenha
e que quem cá viva a possa acarinhar
e proteger”, conta o proprietário da
loja recém-criada à Fugas.
A empresa de animação turística,
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 9

que Æcou sem parte do mercado da


animação turística que tradicional-
mente tinha: os clientes norte-ameri-
canos, canadianos e asiáticos. “Em
vez de nos fazer baixar os braços, isto
fez com que a ideia da loja com pro-
dutos regionais avançasse e fosse
posta como prioridade”, diz o jovem
natural de Sintra.
Para já, os clientes podem comprar
na Loja do Parque “tudo o que de
melhor se produz no território”,
como descreve Pedro: compotas,
bolachas e biscoitos com laranja de
Ermelo ou com mel do parque, quei-
jos de cabra e de vaca (de urtigas e
pimentão), produtos da apicultura
(pólen e mel), carnes de fumeiro,
entre outros. Para que cada produto
seja incluído na loja, há factores que
pesam muito: os produtores têm de
ser de conÆança e a cadeia de comer-
cialização o mais curta possível, no
máximo duas ou três etapas até ao
produto chegar ao cliente.
“A nossa escolha de fornecedores
tem tido em conta em primeiro a qua-
lidade e em segundo o impacto
ambiental da produção. Queremos
que tenha o mínimo de implicações
possível ou até um impacto positivo
no ecossistema, como é o caso da api-
cultura. Optamos por fornecedores
de cooperativas ou agrupamentos e,
no caso de particulares, por negócios
de se adaptar ao que o cliente pede Pedro e Rita criaram a Loja para quem tem intolerância ao glú- gente dizia que eu era teimosa por- geridos por mulheres porque normal-
e precisa”. do Parque na mesma ten). “São coisas que se fazem na hora que o negócio não dava para a gaso- mente têm um impacto positivo
“Tinha alguma formação, mas não propriedade onde está porque o espaço é pequeno e nós não lina que eu gastava, mas eu acredi- maior no território e na manutenção
nesta área. Na altura isto encantou- instalado o Cantinho do queremos desperdícios de comida ou tava e acredito que isto pode sobre- de pessoas.”
me. Achava que era um espaço que Antigamente, o restaurante ter comida pré-feita para depois não viver, só é preciso tempo. Às vezes A sustentabilidade do que é produ-
estava mal aproveitado porque quem de Adelaide Pereira ter a mesma qualidade, nunca é a acabo por não ter folgas para conse- zido também é uma preocupação
cá estava não queria estar a sério. Os mesma coisa”, abona a cozinheira. guir que o negócio vá a bom porto, para Pedro e Rita. O casal utiliza, por
meus pais sempre tiveram cafés e eu Mas se for por reserva, com alguns mas no Æm de tudo compensa”, con- exemplo, cera de abelha para fazer
Æcava triste porque via que podia dias de antecedência, Adelaide garan- fessa Adelaide. cera para móveis ou papel cera de
fazer mais aqui. Queria cá pessoas te que fazem outros pratos (como abelha. “Os móveis todos que temos
que quisessem trabalhar, é um espaço cabrito, rojões, vitela ou pica no “Tudo o que de melhor se na loja foram recuperados com cera
bonito que merecia ser valorizado”,
conta a gerente, dizendo que aos Æns-
i chão), mantendo sempre o tradicio-
nal da região e “sem modernices”.
produz no território” de abelha feita por nós. A ideia é tra-
balharmos em rede, haver colabora-
de-semana, por exemplo, o restau- “Conforme as pessoas nos vão conhe- Tanto a loja de Pedro como o restau- ção e pôr a coisa a mexer para que se
rante estava fechado. Contactos cendo sabem e já reservam para o dia rante de Adelaide Æcam na mesma consiga apoiar e fazer prosperar
Todos os dias, ao almoc o, e caso Lugar de Sá, 4840-080 seguinte outras coisas que gostem. propriedade, bem escondida entre as pequenos negócios que ajudem a
o cliente na o tenha reserva, o Canti- Covide, Terras de Bouro Conseguimos quase sempre fazer o árvores e a menos de meia hora de manter o território vivo”, diz Pedro.
nho serve posta de vitela grelhada Cantinho do Antigamente: que as pessoas nos pedem, basta viagem do centro da vila do Gerês. E, apesar de promover o comércio
com arroz de feijão e batata frita ou 253 353 195 reservar de um dia para o outro e Ambos os espaços integram e são local e regional, não é só de produtos
pataniscas (com uma opção mesmo Loja do Parque: 938 690 513 fazer o pedido, à excepção do cabrito. apoiados pelo projecto Calcedo nia, portugueses que se faz a loja. O casal
Tenho uma vizinha que tem uma uma fundação que investe no desen- tem fornecedores em todo o território
quinta que nos fornece o frango, por volvimento rural, na formação das da Reserva da Biosfera Transfrontei-
exemplo.” pessoas e na Æxação de habitantes no riça Gerês-Xurés porque “o que se
E se o cliente não quiser almoçar, território. “O restaurante acabou por passa de um lado da serra tem impac-
o restaurante também organiza lan- se tornar o sítio preferencial onde to no outro lado”. “É tudo indissociá-
ches a meio da manhã repletos de fazemos refeições e fazíamos questão vel, apesar de existir uma fronteira
petiscos regionais: queijos, enchidos, de, sempre que podíamos e que não política pelo meio”, aponta.
compotas, rissóis e caldo verde. A eram actividades muito longas na E, no Æm das contas, quem visita a
simplicidade do espaço e da decora- montanha, de vir aqui comer com o região também acaba por poder esco-
ção é equilibrada com a “qualidade grupo e de ajudar isto a ir para a fren- lher que tipo de impacto deixará. “O
da comida e vontade de receber”, te”, diz, por sua vez, Pedro Casinhas. Gerês precisa que os turistas que
como garante Adelaide, e pela vista. O espaço anexo ao Cantinho estava recebe sejam pessoas de natureza,
Apesar da pandemia de covid-19, vazio até Pedro e Rita fazerem a pro- que procurem espaços naturais que
2020 foi um dos melhores anos para posta à fundação para alugarem a loja não sejam só cascatas. Só assim con-
o restaurante e 2021 está a ir pelo “a bom preço”. A ideia inicial até era seguiremos que a beleza do Gerês se
mesmo caminho. E há clientes que já começar pela loja online, uma vez preserve por muitos anos.”
não dispensam uma ida ao Cantinho que muitos turistas internacionais
em todas as férias que vão passar ao procuravam produtos de conÆança e A Fugas viajou a convite da
Gerês. dos quais conhecessem a origem, mas consultora em
“Nos primeiros dois anos toda a a pandemia trocou as voltas ao casal, comunicação BDC
10 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Crónica
HUMBBERTO LOPES

aconteceu. Passaram dez anos e o


tigrezinho que passou a ser, roído
de saudades da família, começou
a ir todas as noites prostrar-se à
porta do brâmane, olhando-o
com os seus olhos meigos. Logo o
mago percebeu o que aquele
olhar queria dizer e voltou a
fazê-lo menino outra vez, de novo
com a mesma idade que tinha
quando foi viver para a Çoresta. A
criança trouxe consigo, entre
outras coisas que havia aprendido
com os seus amigos listados, uma
arte, se assim se lhe pode chamar,
que era a de saber fazer da
amizade uma coisa indestrutível,
coisa muito comum entre os
animais da Çoresta.
O homem de longas barbas
brancas, que também lembrava a
Ægura do poeta Rabindranath
Tagore, acrescentou que tinha
sido ele – entretanto tornado
artista – a pintar aquela cena na
parede da loja. Terminou a sua
história e apeteceu-me dizer-lhe
que aquele enredo me lembrava
as fábulas maravilhosas do
Panchatantra, o milenar
compêndio indiano de
inesgotáveis narrativas que
inspirou durante séculos várias
culturas e muitos narradores
europeus, La Fontaine incluído.
Que me lembrava histórias
inverosímeis que só a razão não
bastava para serem
compreendidas e amadas,
sobretudo por crianças. Que
alguns dos longos capítulos do
Panchatantra são sobre a amizade

O Panchatantra e o tigre de Mysore (a conquista, a perda, a traição).


Mas contive-me – nada mais
parolo e indelicado do que o
estrangeiro recém-chegado a
Mysore pôr-se a armar em
costuma haver em casos assim. Na “Ah!”, respondo, a medo, erudito.
Humberto Lopes parede está pintada uma cena de compreensivo, não fosse ele dar Depois da história, que contou
natureza indiana. Árvores, um por qualquer indelicada em breves minutos, pediu
a Numa zona de mercados de céu azul e um tigre caminhando descrença da minha parte. desculpa por ter de se ausentar
rua, em Mysore, uma cidade com ar de zangado. Preferia que ele achasse que, por alguns momentos e
histórica da Índia, duas ou três
vacas passeiam, majestáticas.
Entabulo uma conversa com o
dono, um ancião de longas barbas
confessando-me que era Shiva, eu
preparar-me-ia sem hesitar para
A criança desapareceu. Pus-me a observar
de novo os vendedores de
Avançam entre os passantes e
uma Æla de vendedores de
brancas, a meias faquir e asceta, a
propósito das laranjas. É um
arder numa pira. E começou a
aprofundar:
trouxe consigo hortaliça, à espera de apanhar em
Çagrante mais um sacrilégio
hortaliças e fruta que estão
sentados meio a dormitar entre os
pretexto, apenas, para Æcar por ali
a observar o infortúnio das vacas
“Quando eu era menino, tinha
dez anos nessa altura, vivia numa
uma arte, que contra as vacas sagradas de
Mysore, mas nada aconteceu.
montículos de verduras e um
muro. Tem cada um sua vara
sagradas de Mysore. Sai-me na rifa
muito mais do que essa
aldeia perto de Bandipur, na
região de Chamarajanagar, que
era a de saber Acabei a olhar para as laranjas,
tão gordas como as que tinha visto
estendida ao lado, no chão. Quem
estiver atento, verá: quando as
improvisada espionagem. Hutch é
um palrador compulsivo, uma
era um reino de tigres.” O
sucedido foi que, em
fazer da na véspera dentro de um cesto
sobre a cabeça de uma mulher.
bovinas deitam o dente às couves,
a vara salta para as mãos do
espécie de alter ego de
Sheherazade. Mas divaga,
circunstâncias que não explicou,
fez amizade com um pequeno
amizade uma Um homem aproximou-se, então,
de mim; já o tinha visto por ali
homem, o bicho sagrado do
hinduísmo sofre uma ou duas
devagar, sobre coisas vagas que só
a ele parecem interessar. E fá-lo
tigre, jovem como ele. Ao Æm de
algum tempo, depois de muito
coisa antes. Perguntou-me se queria
laranjas. Respondi que estava à
vergastadas e avança para a
próxima braçada de legumes.
um tanto absorto, como se
estivesse só em cima de um monte
correrem juntos pela Çoresta – e
ele chegar a casa inúmeras vezes
indestrutível, espera do dono da loja, que se
tinha ausentado uns instantes lá
Sagrada ma non troppo, a criatura
sabe de cor a deixa.
remoto dos Ghats ocidentais.
Quando estou quase a partir,
muito tarde, ao anoitecer –, o
menino foi pedir a um certo
coisa muito para dentro. “Mas sou eu o
dono!”, respondeu-me. Por um
Do outro lado da estreita rua há acorda-o um sexto sentido, desvia brâmane com poderes comum entre triz não acrescentei: “Pois, e o
uma série de lojinhas. Uma tem os olhos do inÆnito e aponta para sobrenaturais para o transformar outro é um tigre…” Mas calei-me.
produtos agrícolas cá fora, em as Æguras pintadas na fachada da em tigre, para que pudesse passar os animais da Ele vendeu-me as laranjas e até
cestos: laranjas e outra fruta, loja. Esclarece: “Esse tigre sou mais tempo com os seus novos chegar o dia de hoje nunca mais
batatas, cebolas e o mais que eu”. amigos e irmãos. E assim floresta voltei a tocar no assunto.
PUB.

Com os pés dentro de água ou no cimo de uma


montanha, a província de Alicante oferece um
universo singular e único em nuances que só é
possível encontrar junto do Mediterrâneo.

Costa Blanca,
um destino
para viver a
felicidade mais
mediterrânica

E
scolher um destino é, gumas das mais belas montanhas
por vezes, uma questão que se possam imaginar. Desde os
de palpite e outras, uma miradouros de qualquer um dos
complexa lista de requisi- seus quatro parques naturais – El
tos. A Costa Blanca, mar- Montgó, El Marjal Oliva-Pego, o
ca que identifica a costa Peñón de Ifach e as Lagunas de la hecimentos de qualidade e ser- de paisagens. Em chave verde en-
que banha a província de Alicante, Mata y Torrevieja – a água mostra viços identificados em 74 praias e contramos o Palmeiral de Elche,
é um lugar que envolve milhares de o seu lado mais atrativo e sedutor. 15 portos desportivos. Património da Humanidade com-
sensações. E é assim porque a sua posto por mais de 200 000 pal-
terra e o seu mar estão desenhados É a beleza que nos dá o palpite Sentidos meiras. Descobre-se também uma
pela felicidade mais mediterrânica. que necessitamos para ir e são as Costa Blanca singular através dos
suas 89 bandeiras azuis as que nos A riqueza das suas paisagens vai a centros históricos de casas bran-
Entre os 244 quilómetros de seixos, dão as razões. A Costa Blanca é o par com a variedade de atividades cas como o de Altea ou coloridas
dunas e falésias, encontram-se al- destino turístico com mais recon- e os seus espaços de relaxamento. como o de La Vila.
Em menos de uma hora podemos
passar de praias urbanas repletas A Costa Blanca é mundialmente
de vida e ambiente, como as de Be- conhecida pela sua gastronomia.
nidorm, a enseadas paradisíacas Só nesta terra poderá degustar
desenhadas diante das costas de mais de 300 receitas de arrozes
Dénia, Jávea ou Benissa. A meio diferentes e só aqui poderá recon-
do caminho também poderemos hecer os sabores tradicionais e ino-
desfrutar das dunas de Guarda- vadores de chefs que representam
mar del Segura. um total de 16 Estrelas Michelin.

A província alicantina surpreende


com um património que recorda
muitos capítulos da nossa história.
É a rota dos castelos por recantos
como os de Alicante, Biar, Gua-
dalest, Petrer ou Villena a que nos
abre as muralhas para outro tipo www.comunitatvalenciana.com
12 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Desenhar Portugal em bicicleta


https://worldsketchingtour.com/

Na segunda etapa da sua volta desenhada a Portugal,


Luís Simões e Anisa Subekti percorreram 189
quilómetros até chegarem a Elvas. Pelo caminho,
campos de vinhas, searas, girassóis e Ɗgos suculentos.
Luís Simões (texto e ilustrações)

De Monsaraz
a Se na primeira semana testámos
os nossos limites e o das bicicletas,
na segunda semana andámos à pro-
cura de um equilíbrio. A bicicleta
acelerava-nos e o desenho ajudava-

a Elvas,
nos a ter tempo para descansar. De
Monsaraz a Elvas foram 189 quiló-
metros de estradas pouco movimen-
tadas e alguns caminhos de terra
batida. Durante esses sete dias, o

à procura de
nosso olhar percorreu vales doura-
dos, salpicados de sobreiros. Cego-
nhas a planar no céu ou recolhidas
nos inúmeros ninhos feitos nos pos-
tes de electricidade. Passámos por

um equilíbrio
campos de vinhas, searas, azeitonas
e girassóis. E, para adoçar a viagem,
conseguimos ir à chinchada de sucu-
lentos Ægos e ameixas. Sabe bem
viajar pelo interior do Alentejo.

Monsaraz Évora
22 de Junho, 16km 24 de Junho, 67km
Quanto mais entrávamos para o
O nosso dia mais curto a andar em interior do Alentejo, mais quente
bicicleta foi de Mourão a Monsa- andava o tempo. De caminho para
raz. Mas nem por isso demorámos Évora, fomos confrontados com 42
menos tempo. O imponente graus de temperatura e uma
Alqueva “obrigou-nos” a parar enchente de moscas, enquanto pas-
inúmeras vezes para apreciar sávamos por hectares e hectares de
os reÇexos do verde envolven- vinhas. Colocámos um pano molha-
te montanhoso, em contraste do na cabeça para refrescarmos até
com os lagos. A subida de chegarmos ao próximo chafariz. Já
150m até ao castelo fez-nos em Évora, cedo percebemos que
apreciar ainda mais o facto de todos os caminhos iam dar a recan-
termos escolhido uma e-bike tos com história.
para a viagem. Quando se
chega, o tempo parece que
ganha mais horas de tranqui-
lidade. Sobressai o branco
das casas, a inÆnita paisagem
e as tortas ruas forradas a
pedra, já muito polida.
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 13

Evoramonte Estremoz Elvas


28 de Junho, 51km 29 de Junho, 54km
Bem de longe, numa grande recta, há A etapa seguinte levou-nos até Estre- Tínhamos vontade de caminhos
uma forma peculiar que ressalta à vis- moz. Aqui, todos os sábados, na pra- pela natureza. Saltámos do asfalto
ta. O castelo de Evoramonte divide a ça principal, acontece uma grande para o pó. Dos sobreiros ao longo da
vila ao meio, fazendo com que o mes- feira. Durante toda a semana existe estrada para as dezenas de rolos de
mo esteja no ponto mais alto da mon- um pequeno mercado. Foi junto a fardos de palha espalhados pelo
tanha. Pequeninas pinturas no chão uma sombra, que o sol andava bravo, campo. E, depois, a chegada triun-
dão cor aos tons terra das pedras. À que me sentei a desenhar. Afastado, fante, passando pelos arcos do
volta, os campos plantados de olivei- pensei que não daria nas vistas, mas aqueduto de Elvas, com a derradei-
ras dão vida às muralhas. Foram duas rapidamente os olhares e as pergun- ra subida às muralhas.
horas de paragem entre almoço e tas começaram: “Está a desenhar? Ó
fazer um desenho. Ah, quase me Júlia, anda cá ver, apareces aqui!”
esquecia!, claro que andámos de
baloiço antes de chegar ao castelo.
14 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Motores

O Formentor aƊrmou-se por ser um carro desportivo


e potente. Mas não é apenas isso: também consegue
convencer pela racionalidade quando se avaliam
as opções híbridas de ligar à corrente, no caso,
na declinação de 245cv. Carla B. Ribeiro

Cupra Formentor
e-Hybrid
Estilo desportivo,
condução poupada
a No meio de um mar de marcas que ler e difusor, salta à vista a linha lumi- rado pelas empresas: além do direito
navegam pela indústria automóvel, a nosa que, de ponta a ponta, cria uma à dedução do IVA, podem beneÆciar
aÆrmação de um novo emblema é expressiva largura visual. Mas talvez de uma redução nas taxas de tribu-
habitualmente custosa. Mas, há sem- o que mais faça girar cabeças sejam tação autónoma e de uma redução
pre a excepção para conÆrmar a regra. os detalhes em cobre, como no de 25% no ISV.
E esse parece ser o caso da Cupra. emblema ou nas jantes, num carro Mas deixemos de parte a parte Æs-
É certo que, quando surgiu, apre- que veste bem a cor cinza mate. cal e voltemos ao carro, que se apre-
sentando no seu catálogo um Ateca, Mas a Cupra sabe que não se pode senta com um bloco de quatro cilin-
terão surgido dúvidas sobre o que aÆrmar sem criar alternativas em dros a gasolina sobrealimentado, com
distinguiria um Seat apimentado pela linha com a tendência de electriÆca- 1,4 litros, a desenvolver 150cv, asso-
divisão Cupra de um modelo com ção, mais ainda numa altura em que ciado a um motor eléctrico de 85 kW
origem nesta como marca. A respos- a Europa já deliberou que não irá per- (116cv), para uma potência conjunta
ta chegou, logo no ano a seguir, com mitir a comercialização de carros de 245cv, apoiada por um binário
os protótipos Formentor e Tavascan. novos movidos a combustíveis fósseis máximo de 400 Nm. Resultado: ace-
E, quando o primeiro saiu à rua, Æcou no Velho Continente a partir de 2035. lera de 0 a 100 km/h em sete segun-
provado que a Cupra tem argumentos Por isso, não é de estranhar que tenha dos, valor que pode estar bem acima
para vingar, tendo sabido descolar-se integrado na gama Formentor ver- das versões mais apimentadas, mas
da casa-mãe. sões electriÆcadas, que de desporti- que compensa largamente quando se
O Cupra Formentor, lançado em vas têm mais o aspecto do que pro- veriÆca o consumo médio: 1,5 l/100
2020, é um carro desportivo de ponta priamente o comportamento. km, haja carga na bateria.
a ponta (e, com a mecânica 2.0 TSI É o caso do 1.4 e-Hybrid com uma Também a conta mensal em com-
com prestáveis e audíveis 310cv, que potência combinada de 245cv, cujas bustível deve ser considerada quando
permitem prestações impressionan- credenciais passam muito pela pos- se sentir falta do ronco aÆnado dos
tes — 4,9 segundos para ir de 0 a 100 sibilidade de se sentir algumas emo- motores mais potentes. Mas, neste
km/h —, conquistou o título relaciona- ções de um desportivo sem que para ponto, há solução: bastará activar o
do nos prémios Volante de Cristal). tal se tenha de manchar o ambiente: modo Cupra para ouvir o motor can-
E a emoção começa logo pelo garante, em modo exclusivamente tar (apenas não conte que o desempe-
design, de linhas esculpidas que tan- eléctrico, ou seja, sem lançar CO2 ou nho seja condizente — já dissemos que
to remetem para um porte atlético partículas para a atmosfera, 55 qui- é poupadinho e que pode ser amigo
quanto para um que se distinga pela lómetros, ligeiramente mais do que do ambiente?) e, ao mesmo tempo,
elegância. Neste SUV, a frente é mar- se atribui às necessidades médias de sentir o carro mais agarrado à estrada,
cada por uma grande grelha e pelos um condutor europeu. No que diz graças a uma direcção e suspensões
faróis Full-LED, sob os quais surgem respeito a emissões, em ciclo WLTP um pouco mais duras, sem que,
as entradas de ar, determinantes para foi registada uma média de 33 g/km. porém, se torne desconfortável.
arrefecer os travões quando se puxa No caso português, signiÆca, em ter- O conforto é, aliás, um dos trunfos
mais pelo motor. Atrás, além do spoi- mos práticos, que pode ser ponde- do Formentor, que é, assim, capaz de
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 15

Cupra Formentor VZ5


FOTOS: DR

Alter ego racing


a Se começou pelo texto ao lado, é preto, com spoilers laterais, assim integrado, que fornece potência pre-
melhor apagar algumas informações como os arcos das rodas que abra- cisa a cada uma das rodas: dianteira,
da mente. Porque se é verdade que o çam jantes de 20’’; na traseira, evi- traseira, esquerda e direita.
modelo é o mesmo, trata-se aÆnal do dencia-se a opção por um difusor a Para quem ainda não Æcar saciado,
seu alter ego racing. O Formentor carbono, com tubos especíÆcos de além do animado modo Cupra, este
Cupra VZ5 é o mais radical e potente escape, desenhados para esta versão. Formentor chega com modo Drift
da gama, montando variante singular Em termos de cores da carroçaria, há (outros modos de condução são
do motor de cinco cilindros com 2,5 uma nova: Taiga Grey, a ser combi- Comfort, Sport, Individual e Oè-
litros a debitar ferozes 390cv e 480 nada com um interior especíÆco, road). É com o Drift accionado que
Nm de binário. A produção estará com gráÆcos progressivos em Preto se sentirá mais aquela distribuição de
limitada a sete mil unidades. Dinamica, perfurado com uma base binário: com o controlo de estabili-
Uma aposta em contraciclo com as de cobre arredondada num assento dade desligado e recorrendo à tecno-
exigências das cada vez mais aperta- de couro castanho Nappa, cuja pro- logia Torque Splitter, toda a potência
das restrições em termos de emis- dução será limitada a 999 unidades pode ser direccionada para uma roda
sões, mas que é uma espécie de aÆr- (disponíveis a partir de 2022). traseira, ajudando a empurrar o car-
mação da marca, a qual, garante a Para os entusiastas da velocidade ro em torno de uma curva como se
directora de comunicação global, interessa saber que o VZ5 acelera de desenhasse uma perfeita pirueta.
Cécilia Taieb, não quer agradar a gre- 0 a 100 km/h em escassos 4,2 segun- Mas, atenção: a marca avisa que este
gos e troianos, aceitando ter quem dos, deixando-nos colados aos assen- modo não é para ser usado quando
ame e quem odeie o que a Cupra sim- tos, tipo bacquet, para que o corpo se está em vias públicas, devendo o
boliza. Ainda que, em breve, não fal- tenha o apoio necessário numa con- condutor reservá-lo para brincadei-
tarão propostas amigas do ambiente dução que se pretende dinâmica. ras em zonas em que a segurança
entre a gama da marca: o Born chega Aliás, a agilidade é assegurada por esteja acautelada.
ainda este ano e o Tavascan está pre- um sistema de repartição de binário De qualquer das formas, não há
visto para se estrear em 2024. grande lugar a medos: tal como ace-
Para já, foi a potência que deu car- lera e executa verdadeiros bailados,
tas, durante alguns dias, nos arredo- também trava como um gigante, gra-
res de Barcelona, com o Formentor ças a travões de alto desempenho de
Cupra VZ5 a exibir-se visual e sono- 18” com seis pinças de pistão Akebono
atrair clientes mais velhos, que, além ramente. alojadas em rodas de liga exclusiva.
de terem as entradas e saídas facilita-
das pela conÆguração de SUV, não
i Em termos de design, há algumas
alterações em relação às demais
O Cupra Formentor VZ5 chega a
Portugal no último trimestre deste
terminarão longas jornadas com motorizações, que servem apenas ano, não havendo para já estimativa
dores no corpo. Para isto contribui Cupra Formentor 1.4 para reforçar a veia agressiva dos VZ de preços. Carla B. Ribeiro
uma suspensão Ærme q.b., assente em eHybrid VZ 245cv DSG (que remete para a palavra “veloz”
molas helicoidais MacPherson à fren- Motor: em espanhol e que é a mesma em A Fugas viajou a convite da
te, sendo multibraço de quatro pon- PHEV (Gasolina + Eléctrico) português). A grelha é “pintada” a Cupra
tos no eixo traseiro. Tracção: FOTOS: DR
No que diz respeito a espaço, os Dianteira
ocupantes não irão notar diferença Potência combinada:
face aos modelos com mecânicas 180 kW (245cv)
exclusivamente térmicas, mas o espa- Binário:
ço de carga é mais curto por conta da 400 Nm
bateria: há 345 litros para ocupar, ou Aceleração 0 a 100 km/h:
seja, cerca de menos cem. 7,0 segundos
Já a tecnologia ao dispor é similar e Velocidade máxima:
completa, com painel de instrumen- 210 km/h
tação digital, um grande ecrã de Consumo:
infoentretenimento, capaz de se ligar 1,5 l/100 km*
aos telemóveis através dos programas Autonomia eléctrica:
Apple CarPlay ou Android Auto. Já 55km*
nas ajudas à condução, há cruise con- Lugares:
trol adaptativo e limitador de veloci- 5
dade, sistema de alerta de fadiga do Bagageira:
condutor, aviso de colisão contra 345 litros
outros veículos, peões ou ciclistas, Preço:
com travagem de emergência, assis- 47.056 € (desde)
tente de faixa de rodagem, câmara de *WLTP
visão traseira e alerta de tráfego tra-
seiro, entre outras funcionalidades.
A aposta em toda esta parafernália
deu frutos: o Euro NCAP atribuiu 80%
na assistência à segurança, tendo o
carro conseguido as ambicionadas
cinco estrelas.
16 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Doce Meu

Doce Meu,
a As vistas são aprazíveis, a sala acu- doido por doces, não pode passar ao
sa uma boa dose de requinte, mas é a
montra quem nos rouba a atenção.
i lado do café bombom, que junta leite
condensado ao café espresso.
Doces de ovos, macarons, bolos à Outra das estrelas da casa são os
fatia, biscoitos dos mais variados Doce Meu bolos (vendidos inteiros ou à fatia).

Doce Meu, sabores e feitios, são eles o verdadei-


ro cartão-de-visita da casa que é doce
até no nome. A Doce Meu acaba de
abrir portas em Coimbra, num local
Rua Visconde da Luz (Praça 8 de
Maio), Coimbra
Tel.: 239 133 998
E-mail: docemeu.
No topo das preferências aparece o
bolo diplomático, seguido dos chee-
secake, red velvet e banofee. O segredo
está na selecção da matéria-prima.

haverá alguém
privilegiado – no Ænal da Rua Viscon- coimbra@gmail.com “Só trabalhamos com os melhores
de da Luz, mesmo em frente à Praça Horário: de segunda a sábado, produtos. O mel que usamos no Mor-
8 de Maio – e com o saber fazer de 8h30 às 19h30 (encerra ao gado do Bussaco é do Valle das Coru-
uma reconhecida confeitaria da “vizi- domingo). jas, a amêndoa é de Moncorvo e nas
nha” cidade de Aveiro. Por isso mes- Preços: Santa Cruz a 2,50€ nossas receitas só usamos chocolate

mais guloso mo, os ovos-moles também têm lugar


cativo na vitrina, ao lado de uma
estrelas da casa, o Morgado do Bussa-
co, e do doce criado em exclusivo
(fatia), Morgado do Bussaco a
3,50€ (fatia), ovos-moles a
1,50€ (unidade), red velvet a
3,50€ (fatia), biscoitos
belga ou suíço”, exempliÆca o geren-
te da Doce Meu.
Gonçalo Santos, 38 anos, e Francis-
co Coelho, 40 anos, chegam à gerên-

do que eu?
para a Doce Meu, o Santa Cruz. artesanais a partir de 6,50€ cia desta nova confeitaria de Coimbra
“É um doce com pêra conÆtada, (embalagem de 250 gramas), depois de passarem vários anos a dar
amêndoa, gema de ovo e açúcar”, café a 0,80€, capuccino a 2,50€ formação na área da restauração e
desvenda Gonçalo Santos, gerente do e café bombom a 2€. hotelaria – o primeiro já colaborava
espaço, a par com Francisco Coelho, com a Flor de Aveiro, ainda que pon-
antes de nos dar a provar essa doce como bem empregado todo este tualmente, há 15 anos. Gonçalo e
tentação baptizada com o nome do tempo de espera. Conseguiu-se criar Francisco trocaram as salas de aulas
mosteiro que está ali mesmo ao lado. um salão de chá amplo e confortável, pelo serviço de balcão e, até ao
A receita foi criada de propósito para com janelas rasgadas para a praça e momento, ainda não se arrepende-
a abertura da Doce Meu e conta com um tecto em madeira trabalhada. “Foi ram da decisão. “É um grande desaÆo
a assinatura de Pedro Ferrão e Milu uma bela surpresa, descoberta duran- estar a abrir uma nova casa. Um desa-
Borralho, mestres pasteleiros da mul- te as obras. Este tecto estava tapado Æo que começou na escolha do arqui-
tipremiada Flor de Aveiro – os seus com pladur, mas Æzemos questão de tecto, dos materiais, da decoração”,
Morgado do Bussaco e Bolo-Rei já o recuperar e de o colocar à vista de destacam. E nem os condicionalismos
foram várias vezes distinguidos –, e todos”, realça Gonçalo Santos. que tiveram que enfrentar por esta-

A cidade de Coimbra acaba de também os mentores do projecto da


Doce Meu. “A Flor de Aveiro era pro- Primazia aos
rem a começar do zero em contexto
de pandemia conseguiram demovê-

ganhar um novo salão de chá. curada por muitos clientes de Coim-


bra e isso foi-nos despertando o inte-
melhores produtos los. “Foi exigente, é um facto, mas a
aceitação das pessoas desde que abri-
Está virado para a Praça 8 de Maio resse em abrir aqui um espaço. E
quando surgiu este sítio idílico, não
Seja nas cadeiras de madeira ou no
sofá de veludo, o convite passa por
mos tem sido tão boa que ajuda a
esquecer essa parte”, testemunham.
e é especialmente recomendado houve dúvidas em avançar”, conta
Gonçalo Santos.
deixar-se levar numa viagem muito
doce – Æca o aviso: vai ser difícil esco-
Abriram portas a 6 de Julho e os
clientes não têm parado de chegar.
a amantes de doces. Da aquisição do espaço até à aber-
tura ao público passou mais tempo
lher –, combinando uma fatia de Mor-
gado do Bussaco ou uma castanha de
“Há já quem comece a ser cliente fre-
quente, repetindo a visita”, nota Gon-
Maria José Santana (texto) do que chegou a estar inicialmente
previsto – a pandemia levou a que as
ovos com um cálice de Porto. Tam-
bém pode optar por um macaron,
çalo, assegurando que, apesar de
estar situada numa zona muito fre-
e Adriano Miranda (fotos) obras sofressem algum atraso –, mas
a gerência, e também os clientes, dão
com um igualmente francês chá
Dammann Frères. Se for realmente
quentada por turistas, o foco da casa
passa por conquistar os locais.
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 17

My Green Pastry

Bolos veganos com


a Na vitrina de vidro há miniÇores- vai para o Porto todos os dias pelas
tas negras de amêndoa, chocolate e cinco da manhã. Faz “tudo caseiro”
baunilha em forma de tartelette, — e ao som de música —, da margari-
pequenos Flan Parisién, queques na aos cremes. “Não compro nada já
em forma de bolo inglês, e bolos feito. Levo vários dias. Ao todo, para

sotaque francês feitos


(para comer de uma só vez ou para fazer o chocolate, levo três dias.
cortar à fatia) de tâmaras, pistácio Quando vejo o resultado nota-se. E
e rosa (”Gosto muito de trabalhar as é raro.”
Çores”), de baunilha e pêra e de A decoração é uma “história de

com o coração
coco e manga. Marthe chama-lhes família”, uma herança que é uma
“bolos do dia” e mesmo que quises- cápsula de recordações com os
se não conseguiria dizer o que vai pedacinhos de madeira do lado do
ser no dia de amanhã. “Não tenho pai, as plantas do lado da mãe, o
carta física — algo raro em 2021”, gato Poupouille, as fotograÆas tira-
assume. “Cozinho com o meu cora- das pelo namorado, a arte de STRA
ção. Acordo e apetece-me fazer um e os gémeos traquinas por ali pen-
cheesecake de manga. Ou um pain durados. “Tentei colocar o máximo
au chocolat. Ou um bolo de matcha. aqui”, diz Marthe, vegana desde os
Marthe-Alexandrine Lemoine abriu a pastelaria Não há carta. Não gosto de coisas
pré-deÆnidas. Passamos toda a nos-
20 anos — tem 26 — e muitas frases
(”A paz mundial começa na cozi-
My Green Pastry na Praça da República há coisa de sa vida à volta de coisas pré-deÆni-
das. Acordo de manhã com ideias.
nha”, “Os casacos de pele são usa-
dos por animais bonitos e pessoas
um ano. Um certo dia, a mãe fez-se passar pela chef Ou não. A montra reÇecte-se.” feias” e “Os animais são meus ami-
Marthe-Alexandrine Lemoine diz- gos. Eu não como os meus amigos”)
e enviou um email à Fugas. Et voilà! se “poveira”. “Alors”, a mãe é portu- entre molduras douradas para que
guesa, o pai francês e ela, nascida em ninguém venha ao engano, como
Luís Octávio Costa (texto) e Adriano Miranda (fotos) “Paris 77”, chegou a Portugal com que a dizer “all is vegan and me
seis anos. O pai apaixonou-se pelo too”.
Algarve e largou tudo. O resto da “Alors. Decidi ser vegetariana
família (Cristina e os três Ælhos) vol- quando comecei a ver as coisas”,
tou a França, de onde Marthe voltou conta. Já não havia carne em casa e
há dois anos. Queria trabalhar em peixe só “em dias de festa”. Como
moda, mas não gostou “do sistema produz muito colesterol (e o pai é
pré-deÆnido” que encontrou. “Tem natural da Normandia), tornou-se
que se pensar assim e fazer assim”, logo vegana. Diz-se “vegetariana por
explica. Sentiu falta de “personalida- questões animais” e “vegana pela
de” nessa arte e por isso deixou os saúde”. “Quando tinha 15 anos ria-
estudos. Disse à mãe “vou cozinhar” me dos veganos. Agora sou porque
e a sua vontade acabou por ser mais quero.”
forte do que os conselhos maternos. Vai fazendo crescer o conceito
“’Tanto esforço e sacrifício...’ Não gourmet à base de plantas. E de pre-
ouvi a minha mãe, como sempre. E ferência fugindo ao consumismo
foi a melhor coisa que Æz na minha (declara-se anti) dos shoppings, do
vida. Faço o que gosto”, conta à turismo e até da Baixa do Porto. “Não
Fugas. queria estar na Baixa. Não queria
Tirou um curso de pastelaria em viver só do turismo. Quero clientes
Paris, outro em Barcelona. Na sua regulares.”
cozinha aprendeu a enganar-se. Pela vitrina anda a manteiga de
“Ainda hoje me engano nas coisas”, cacau, as farinhas “de boa qualida-
diz, apontando para o contorno do de” francesas (”mais leves”), a amên-
bolo de chocolate, também “um doa “pura” para cremes e bases, a
engano” que veio para Æcar. E apro- quiche sem glúten, o chocolate e os
veita todos os momentos da conver- chás biológicos franceses e o jarro de
sa para recorrer à mãe, que sempre sumo do mês (de maçã, gengibre,
lhe ensinou tudo, que a levou a pêra e cenoura). As Çores que usa
conhecer o mundo (Austrália, Bali, nos bolos, trá-las consigo da horta
Brasil...) e que nunca quis nem tele- que cultiva na Póvoa. “Sei em fran-
visão, nem smartphone em casa. cês”: amor-perfeito, capucine (capu-
“Ainda não tenho televisão. Estou chinhos), bourrache (Çor de borra-
sempre a ler. Quando viajávamos, a gem), paederia lanuginosa (folha de
minha mãe queria que aprendêsse- planta de queijo), entre muitas
i mos a cultura e a comida dos sítios.
Et voilà, foi assim.”
outras pétalas.
Tatuadas pelo corpo, Marthe con-
O espaço My Green Pastry abriu serva outras sensações, das viagens,
My Green Pastry na Praça da República a 14 de Julho das conchas do mar, dos animais e
Praça da República 195, Porto de 2020. E, quase um ano depois, das plantas. “Marco tudo o que pos-
Tel.: 221 155 976 foi a mãe da chef quem “raptou” o so marcar”, sorri.
De terça a sexta (das 12h às computador da Ælha para enviar um Desde que abriu, em plena pande-
19h); sábado (das 10h às 20h) e-mail à redacção da Fugas. “Bom mia, a pastelaria só esteve fechada
Facebook: https://www. dia, o meu nome é Marthe, acabei durante duas semanas devido a um
facebook.com/mygreenpastry/ de abrir uma pastelaria 100% vega- problema de saúde que deixou em
Instagram: https://www. na, orgânica, sem glúten e tudo coma um dos seus irmãos. “Não con-
instagram.com/mygreenpastry/ caseiro, sem aditivos ou substitutos segui fazer bolos. Queimava tudo.
Preços: Bolos do dia + café/chá químicos.” Et voilà, foi assim. Quando ele acordou Æz a montra
(3€); Sumo do mês (2,80€) Marthe vive na Póvoa de Varzim e mais gira da minha vida.”
18 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Aveleda Escape Garden

a Desapareceu o único exemplar de


É um jogo de fuga desenhado especiƊcamente para os belíssimos uma garrafa da primeira produção
de vinho da Quinta da Aveleda, data-
jardins da Quinta da Aveleda, em PenaƊel. É inclusivo e original, mas da de 1870, da colecção privada da
família Guedes. A raridade ainda
quem estiver habituado a escape games tem mais hipóteses de ser estará na propriedade situada em
PenaÆel, na região dos Vinhos Ver-
bem-sucedido. Ana Isabel Pereira (texto) e Rui Oliveira (fotos) des, e os visitantes – participantes no
novíssimo Aveleda Escape Garden –
têm uma hora para a encontrar e
devolver ou terão de se entender com
a polícia quando esta chegar.
Esta premissa dá início àquela que
a Aveleda diz ser “a primeira expe-

Relacionar as pistas
riência de jogo de fuga ao ar livre do
mundo”. Desenvolvido em torno dos
150 anos de história deste produtor,
o jogo pede passo apressado e pen-
samento ágil. A quinta promove a

para encontrar a garrafa


experiência para um mínimo de
duas e um máximo de oito pessoas
por equipa, mas Æca já o conselho:
quantos mais melhor. Os participan-
tes recebem apenas um mapa da

desaparecida
propriedade, onde estão assinaladas
várias construções e/ou locais de
interesse do belíssimo jardim de oito
hectares, classiÆcado como Jardim
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 19

Histórico em Portugal, e é-lhes dito pontos. E está disponível em portu- geração da família, descobriu as expe- O Aveleda Escape Garden surge
que “está tudo no mapa”. Está, mas
é preciso chegar lá, numa hora.
guês e inglês.
À medida que os participantes vão
i riências que o pai Æzera com destila-
ções e decidiu engarrafar esse vinho
enquadrado numa estratégia de
dinamização do enoturismo na
Outros conselhos preciosos? reunindo e relacionando as pistas numa elegante garrafa antiga. quinta, iniciada em 2017 e que
Comunicar, comunicar, comunicar. deixadas pela Escape Challenge, o Quinta da Aveleda Outras datas destacadas pelo encontrou na pandemia um percal-
A equipa deve dividir-se em duas e parceiro da Aveleda na implementa- Rua da Aveleda, 2, “argumento” deste jogo são os anos ço que levou a equipa liderada por
usar bem os telemóveis fornecidos ção deste jogo de fuga, contactam 4560-570 Penafiel de 2017, quando os primos António Paula Sousa a olhar mais para o
na partida – sim, porque os partici- com a história da quinta. Ficam, por Tel.: 255 718 242 e Martim Guedes, quinta geração, potencial das actividades ao ar livre.
pantes têm de deixar todos os seus exemplo, a saber que foi Manoel E-mail: enoturismo@aveleda. expandiram o negócio da família Desse programa in progress já
pertences com a organização antes Pedro Guedes quem, a partir de 1870, pt (de segunda a sexta, das 9h para lá da região dos Vinhos Verdes, fazem parte os piqueniques no jar-
de iniciarem a “fuga”. Os participan- impulsionou a construção do jardim às 18h) começando pelo Douro, com a com- dim, os almoços e os petiscos pano-
tes também devem prestar atenção romântico, com árvores raras e cen- Horário: o Escape Garden pra da Quinta Vale D. Maria, e de râmicos na Varanda do Roseiral, os
aos detalhes nos pontos assinala- tenárias, um aprazível lago, uma jane- acontece diariamente, às 10h30 2019, quando a Aveleda cele- petiscos na esplanada do terreiro da
dos, na hora podem não fazer sen- la manuelina, uma casa de chá, duas e às 14h30, por marcação; as brou 150 anos e foi reconhecida loja, as visitas botânicas com João
tido mas noutro ponto do jardim ou fontes – a de Nossa Senhora da Van- visitas standard decorrem como a Empresa do Ano pela espe- Almeida, ex-director do Parque de
para a outra metade da equipa doma e a das Quatro Estações – e a diariamente, às 10h, 11h30, 15h cializada Revista de Vinhos. Serralves, as Noites de Verão – no
podem ganhar signiÆcado. E devem, fotogénica torre das cabras. e 16h30, por marcação. último sábado de cada mês, até
dentro do possível, andar com ligei- Aprendem que a primeira vinha da Preços: o Escape Garden custa Dinamizar o enoturismo Setembro – e caminhadas em parce-
reza, porque uma hora passa a voar. Aveleda foi plantada em 1878, em 12,50€ por pessoa (gratuito até ria com a Rota dos Vinhos Verdes.
E o relógio que recebem no arran- ramada como mandava então a tra- aos quatro anos, dos cinco aos Em breve, para além de descobrir a Mais: em 2022, a quinta ganhará
que está lá para os lembrar disso dição minhota, e que o icónico Casal 12 anos há 50% de desconto); a história do produtor, os visitantes “um local de paragem autorizada
mesmo. Garcia nasceu em 1939, pelas mãos visita standard custa 13€ por vão poder saber mais sobre as espé- para helicópteros logo abaixo da
O jogo é só um, para já, mas tem do enólogo francês Eugène Hélis- pessoa (inclui prova de três cies botânicas que se encontram nos vinha, quase junto ao rio Sousa”,
dois percursos distintos – assinalados se e seguindo novos métodos de vinhos). jardins da Aveleda, já que, à boleia antecipou a directora de enoturismo
a verde e a vermelho –, sendo possí- viniÆcação. E que a primeira Adega da candidatura à Rede Europeia de aquando da apresentação do Esca-
vel ter mais do que um grupo a rea- Velha, uma das primeiras aguarden- Jardins Históricos, “será colocada pe Garden aos jornalistas.
lizar a actividade sem que as duas tes de Vinho Verde, foi lançada em informação nas árvores mais notá- A mais básica das experiências, a
equipas se cruzem nos diferentes 1971, quando António Guedes, quarta veis”, explica a directora de enotu- visita standard, inclui sempre os
rismo, Paula Sousa. Como o cedro jardins e a vinha, para além de passar
japonês, o cipreste dos pântanos ou na Adega Velha e na linha de engar-
a sequóia americana. rafamento, antes de terminar na
Se a “garrafa perdida” convencer renovada loja, enoteca e sala de
os visitantes, os jardins poderão vir provas, uma obra com assinatura do
a ser cenário de outros jogos de fuga. arquitecto Diogo Aguiar que
Para já, há intenção de instalar, pos- está nomeada para o Prémio da
sivelmente no futuro welcome cen- União Europeia para Arquitectura
ter, um dos projectos em curso e Contemporânea Mies van der
previsto para 2022, um scoreboard. Rohe 2022.

É nos belíssimos
jardins da Quinta
da Aveleda que
decorre este jogo
de fuga pensado
para toda a família
20 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Vinhos

Lembra-se da Casa do Douro?


Morreu, sem deixar saudades, mas querem ressuscitá-la
qualidade. Hoje é tudo mais de nomear o presidente e o decretou a morte formal da Casa do
Elogio do vinho daninho. Com a emergência dos vice-presidente. E assim continua, Douro e inventou outra vigarice:
vinhos DOC Douro, as melhores agora com o Instituto dos Vinhos do decidiu entregar, por concurso, os
uvas são reservadas para estes Douro e Porto (IVDP). seus despojos à associação mais
vinhos e as piores vão para vinho do Mesmo tutelada, a Casa do Douro representativa da região. A escolha,
Porto. foi crescendo e tornando-se numa surpreendendo apenas os incautos,
É a desvirtuação total do espírito
do método de pontuação das vinhas
espécie de sucedâneo da
majestática Companhia Geral da
A ministra da viria a recair na Federação
Renovação Douro, criada à pressa
durienses criada por Moreira da
Fonseca em 1947, o qual
Agricultura das Vinhas do Alto
Douro, criada pelo Marquês de
Agricultura já pelo braço duriense da CAP -
Confederação dos Agricultores de
Pedro Garcias diferenciava as mais aptas para
vinho do Porto das outras. Desde aí
Pombal em 1756. Nos melhores
anos, a Casa do Douro chegou a
anunciou que o Portugal, também um braço do
CDS. Como se esperava, a dita
a A célebre Casa do Douro já está
morta e enterrada há alguns anos, e
que a questão do “benefício” se
tornou na grande obsessão dos
gerir orçamentos superiores a
muitos ministérios. Após a entrada
Governo não Federação não renovou coisíssima
nenhuma.
sem saudades de ninguém, a não
ser daqueles que sempre atribuíram
viticultores duriense e no principal
motivo de discórdia com as grandes
de Portugal na Comunidade
Europeia, começou a perder
vai desistir da Há dois anos, o Parlamento, por
iniciativa do Bloco de Esquerda e
aos “ingleses” todos os males da
região e dos saudosistas dos tempos
Ærmas exportadoras. E isso ainda
persiste porque as uvas, sobretudo
algumas funções públicas. Em 1990
escreveu o seu epitáÆo, ao comprar,
reinstituciona- com o apoio de toda a esquerda e de
uma deputada do PSD, quis reverter
em que terratenentes locais com
vinhas em lugares de pouco valor
as destinadas a DOC Douro,
continuam, de uma forma geral, a
por cerca de 50 milhões de euros ao
câmbio de hoje, 40% da Real
lização da Casa a aberração criada e aprovou a
reinstitucionalização da Casa do
conseguiam classiÆcá-las com as
melhores letras e, assim, receber
ser mal pagas.
Acabar com os crónicos
Companhia Velha à família Silva
Reis, gastando o que tinha e o que
do Douro e Douro, atribuindo-lhe novamente o
estatuto de utilidade pública e de
mais “benefício”. Dos tempos em
que até campos de futebol tinham
desequilíbrios na relação entre os
comerciantes de vinho do Porto e os
não tinha, sem chegar a tirar
qualquer proveito do investimento.
prometeu inscrição obrigatória e devolvendo
aos viticultores o direito de poder
direito a produzir vinho do Porto.
Mas há inúmeros deputados, e até o
viticultores durienses foi uma das
razões que estiveram na origem da
Afundou-se em dívidas, que foi
gerindo com o penhor do seu
retomar o eleger os dirigentes. O assunto
seguiu para o Tribunal
próprio Governo, que ainda não se
deram conta que já poucos
criação da Casa do Douro, em 1932.
A Casa do Douro nasceu como uma
enorme stock de vinhos, perdeu
credibilidade, tornou-se num foco
processo nos Constitucional.
Devolver aos viticultores
durienses choram pelo defunto. E,
mesmo assim, querem ressuscitá-lo.
federação de sindicatos destinada a
disciplinar a produção e o
permanente de conÇitos e, a dada
altura, viu-se sem a sua última
próximos meses. durienses o direito de eleger
democraticamente os seus
Imagino que a maioria dos
leitores do PÚBLICO não saiba
comércio, garantir o escoamento
dos vinhos e assegurar preços
grande função pública, que era a
gestão do cadastro das vinhas da
O mais provável representantes, de modo a
equilibrar as forças com o comércio,
muito bem o que é, ou foi, a Casa do
Douro. A maioria dos durienses
mínimos de aquisição. A ideia dos
seus mentores, os chamados
região, o qual lhe pertencia.
Cedeu-o por empréstimo ao IVDP, a
é a ministra ser que tem tido uma passadeira
vermelha no Conselho
também não. Muitos continuam a
recordá-la apenas como a entidade
“paladinos”, era que fosse
autónoma do Estado, mas este não
troco de uma certa verba. O IVDP
fez copy-paste, apoderou-se de toda
remodelada InterproÆssional do IVDP, onde se
decide a política vitivinícola
que “dava o benefício”. O
“benefício”, ou “cartão”, é o termo
aceitou e atribuiu-se o direito de
nomear delegados com direito de
a informação e dispensou a Casa do
Douro. Uma vigarice.
antes duriense, era a única proposta
sensata do pacote legislativo. O
que os viticultores usam para veto e, a partir de 1940, até o direito Em 2014 o Governo PSD-CDS resto, querer ressuscitar uma
identiÆcar a quantidade de vinho do PAULO RICCA instituição que, por má gestão,
Porto que cada um pode produzir ajudou a empobrecer ainda mais os
em cada ano. viticultores durienses e que vai
Houve um tempo em que a venda competir com as associações que
do tal “cartão” era notícia nos foram sendo criadas em todos os
telejornais. Foi sempre uma concelhos da região, é apenas fogo
“candonga” mal noticiada e de artifício para as clientelas
entendida fora do Douro. Não era políticas.
nenhum crime, era apenas uma No passado dia 13, o Tribunal
irregularidade que não afectava a Constitucional pronunciou-se e
qualidade Ænal do vinho, pelo disse o óbvio: é inconstitucional
contrário. O que acontecia, e obrigar alguém a inscrever-se
acontece, era simples: os numa associação sem qualquer
viticultores que não pretendiam função pública. E disse o mesmo
produzir o vinho do Porto a que sobre outras normas propostas. A
tinham direito vendiam esse direito ministra da Agricultura já anunciou
a terceiros. Por lei, deviam fazer que o Governo não vai desistir da
acompanhar o “cartão”, o direito, reinstitucionalização da Casa do
com as respectivas uvas, mas Douro e prometeu retomar o
muitos só vendiam o “papel”, processo nos próximos meses. O
vendendo depois as uvas a outros mais provável é a ministra ser
produtores. Como o “papel” era remodelada antes, também sem
mais bem pago do que as uvas, os deixar saudades. Dentro de
viticultores, vendendo ambos em algumas semanas, há nova vindima
separado, conseguiam um preço no Douro.
Ænal por pipa aliciante. Por seu
lado, quem comprava só o “cartão” Jornalista e produtor
podia usar uvas próprias de de vinho no Douro
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 21

Vinhos
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente
ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo
com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:
Fugas — Vinhos em Prova, Rua Júlio Dinis, n.º 270, bloco A, 3.º 4050-318 Porto

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

93 Do Dão 90 86
Dona Sancha Vinha da
continuam Morgado de Santa Adega de Ponte da Barca
Avarenta 2019
Quinta de Dona Sancha,
a vir boas Catherina 2019
Sogrape, Avintes
Grande Escolha 2020
Adega Cooperativa
Silgueiros
Castas: Touriga Nacional, Jaen notícias Castas: Arinto
Região: Bucelas
de Ponte da Barca
Castas: Loureiro, Arinto,
Região: Dão Graduação: 13% vol Trajadura e Alvarinho
Graduação: 14% vol Preço: 12,90€ (em Região: Vinho Verde
Preço: 14,95€ (em cavelusa.pt) a Há muitos anos que se diz que o Dão garrafeiranacional.com) Graduação: 12% vol
será a próxima coisa grande da moder- Preço: 3,23€ (em
na história do vinho de Portugal. E O que é particularmente curioso portugalvineyards.com)
também há anos que se reconhece que (e atraente) neste vinho é a
esse destino que há-de acontecer nun- coexistência entre uma acidez Um Verde com a expressividade
ca mais chega, que terá de esperar fresca e retemperadora e uma aromática da casta Loureiro e
pelo seu momento. Ou porque o teci- sensação de doçura que tende a uma preocupação em acentuar a
do empresarial é débil. Ou porque, sonegar a vitalidade que se dimensão da fruta e do volume
apesar de ter excelentes empresas, o exige a um branco. Mas a em detrimento da acidez e da
seu exemplo custa a irradiar numa cremosidade, a riqueza tensão dos vinhos da região. O
viticultura ainda muito rural. Ou por- aromática, a qualidade da fruta e resultado é um vinho que deixa
que a modernidade por vezes se mani- a preocupação da enologia em na boca uma indelével sensação
festou em excesso pela padronização criar um Arinto que fosse para lá de doçura e macieza que o
da consultadoria em detrimento da da sua principal característica tornam fácil de gostar e de
exploração da magníÆca diversidade garantem essa estranha e beber. O seu preço é
da região. É por isso que quando se deliciosa harmonia. Um branco surpreendente. M.C.
regista a chegada de novos actores vivaz e amplo, que se
como a Quinta de Dona Sancha se tor- recomenda particularmente na
na legítima a crença de que mais uma companhia de comida. M.C.
Proposta barreira de atavismos e obstáculos foi
da semana demolida. E que mais um passo na
direcção certa foi tomado.
Situada na icónica zona de Silguei-
ros, com uma área total de 47 hecta-
90
res, Dona Sancha chega ao mercado
com um portefólio de brancos, tintos Parceiros na Criação
e um rosé que denunciam ambição. O DOTE Branco 2018
seu site na Internet, o design das suas Quinta do Monte Travesso de
garrafas ou a escolha da sua equipa de
enologia mostram proÆssionalismo e
88 Cima, Casa da Esteira, Tabuaço
Castas: Vinhas velhas e Fernão
exigência. Nomear Mafalda Perdigão Pires
(ex-Quinta do Perdigão e Madre de Falua Reserva Unoaked Região: Douro e Tejo
Água) como enóloga residente e o Tinto 2018 Graduação: 12% vol
consagrado Paulo Nunes (Passarella) Falua, Vinhos, SA Preço: 20€ (vivaovinho.shop/
como consultor é em si mesmo um Castas: Touriga Nacional parceiros-na-criacao)
programa. Há nesta estratégia uma Região: Regional Tejo
única falha: os tintos, da vindima de Graduação: 14,5% vol O dote de João e Joana, o casal
2019, estão ainda demasiado crus para Preço: 14,49€ (em adega.com) de produtores, junta uvas das
chegarem ao mercado. respectivas origens. Do Douro, de
O caso deste Vinha da Avarenta é, Intenso, fresco e muito floral, uma vinha com mais de 40 anos,
ainda assim, um bom manifesto do tem nesta trilogia a grande e do Tejo, com a Fernão Pires, que
que Dona Sancha poderá ser no futu- virtude de lhe esconder por é a rainha da região. É um vinho
ro. Um tinto imponente, rico, com os completo o grau alcoólico. É que destaca sempre a frescura,
aromas Çorais da Touriga, fruta de também profundo e denso no com boca fina e elegante, corpo
bagos bem desenhada, uma nota de paladar frutado, com evidência com estrutura e complexidade.
caruma e um toque de barrica muito para as notas de violeta típicas No nariz, as notas florais
discreto – 30% do lote estagiou oito da casta. Na boca destaca a cruzam-se ainda com a madeira,
meses em tonéis de 500 litros. Con- intensidade frutada – ameixas e que na boca se revela já muito
sistente e longo na boca, com garra cerejas negras –, a textura bem integrada, favorecendo o
tânica, mas com aquela textura ele- macia, taninos vivos e algumas corpo redondo que destaca o
gante do Dão que, com uns anos de notas balsâmicas. Boa estrutura, carácter mineral, textura cremosa
garrafa, lhe hão-de garantir harmonia com final frutado, fresco e e um final fresco, fino e
e elegância. Gastronómico e muito prolongado. J.A.M. persistente. Belo dote! Com o
bem desenhado, é mais um daqueles rótulo Casa da Esteira, engarrafam
tintos do Dão que podem puxar a também um Vinhas Velhas
região para o lugar cimeiro que pro- intenso, guloso e refrescante, cuja
cura e merece. Produziram-se seis mil prova igualmente bem se
garrafas. Manuel Carvalho recomenda. J.A.M.
22 | FUGAS | Sábado, 24 de Julho de 2021

Fugas dos leitores


Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto,
devem ser enviados para fugas@publico.pt.
Os relatos devem ter cerca de 3000 caracteres.
Mais informações em www.publico.pt/fugas

A minha estreia instaFugas


no Nordeste de Portugal #FugasPorPortugal
Mostre-nos o melhor do país, de Norte a Sul, da costa
ao interior, passando pelas ilhas. A Fugas (@fugaspublico)
a Já visitei 50 países e ainda não factos relacionados com a I Guerra ce ao Parque Natural de Montesi- quer ver por onde anda e quer ver qual é a sua melhor foto
tinha ido ao Nordeste de Portugal. A Mundial, onde vários brigantinos nho, encontramos o Parque Bioló- de um recanto único de Portugal.
pandemia, a impossibilidade de via- perderam a vida. gico de Vinhais. Um espaço dedica-
jar este ano no meu aniversário, o O Museu Ibérico da Máscara e do do à fauna e Çora local, onde
facto de poder comemorar a viajar, Traje exibe trajes relacionados com podemos ver de perto diversas espé-
desta vez, o aniversário da minha tradições locais, nomeadamente do cies em cativeiro.
mãe e a necessidade de “desconÆ# Carnaval e da “Festas dos Rapazes”, No dia seguinte, seguimos para
nar” foram factores determinantes que todos os anos, por altura do Miranda do Douro, a terra dos pau-
para nos fazermos à estrada rumo a Natal, acontecem em várias localida- liteiros. O centro histórico está num
um Portugal para mim desconheci- des. Uma tradição em que os rapa- planalto de onde é possível obser-
do, fazendo deste Æm-de-semana zes solteiros saem mascarados à rua var um troço do rio Douro. Miranda
uma coisa memorável. perseguindo as raparigas. do Douro é ponto de partida para
Numa sexta-feira, acabando a jor- A manhã de sábado foi dedicada explorar o Parque Natural do Dou-
nada de teletrabalho a meio da tarde, ao Parque Natural de Montesinho. ro Internacional. No Largo da Sé
após cinco horas ao volante, cheguei Um conjunto montanhoso, a serra situa-se a Concatedral que, pela sua
a Mirandela, ao pôr do Sol, para uma de Montesinho com as suas aldeias volumetria, sobressai, juntamente
curta paragem a caminho do destino tradicionais, sendo as mais famosas com as ruínas do Paço Episcopal nas
Ænal, Bragança. a aldeia de Montesinho e a de Rio de suas traseiras.
Mirandela é uma pequena cidade Onor. Sublime, com paisagens ver- Percorrendo as ruas junto ao cas-
atravessada pelo rio Tua, sendo pon- dejantes, vários trilhos, riachos e telo, encontramos várias lojas de
to de partida para explorar a região onde há uma grande biodiversidade, souvenirs frequentadas por portu-
banhada pelo mesmo, através do sendo habitat natural do lobo ibéri- gueses e espanhóis, e a Câmara
Parque Natural Regional Vale do Tua. co, da corça ou do veado. Municipal, onde à porta se encontra
É também conhecida pelas suas Aldeias com as suas casas típicas, o Monumento ao Mirandense, duas
famosas alheiras. Lojas de enchidos muitas transformadas em turismo de estátuas de bronze fundido que
e fumeiros não faltam na região. habitação, lojas que vendem produ- representam um homem e uma
A cidade sobressai pela sua famosa tos regionais e com os seus habitan- mulher vestidos com trajes típicos
ponte sobre o Tua, uma ponte medie- tes afáveis que recebem os visitan- regionais. A Igreja da Misericórdia e
val pedonal. Ao lado Æca a Ponte da tes de braços abertos. o Museu da Terra de Miranda
Europa, que é aberta ao tráfego auto- Rio de Onor Æca junto a Espanha, expõem diversos objectos da região
móvel, e também o repuxo do rio. A passamos a fronteira e nem nos aper- com valor arqueológico e histórico. @ cuculicsnezana O cabo de São Vicente,
Praça do Município, junto à Igreja de cebemos, pois a estrada é muito Saindo da cidade, descendo do pela lente de Snezana Cuculic.
Nossa Senhora da Encarnação, possui estreita. Não perdi a oportunidade planalto, encontramos a Barragem
uma estátua do Papa João Paulo II de tirar uma foto mesmo em cima do de Miranda, na fronteira de Portugal
abraçando a cidade. Do outro lado marco que separa Portugal e Espa- com Espanha.
do rio encontramos o Santuário de nha e desta forma, ao Æm de mais de Era altura de regressar a casa. Pela
Nossa Senhora do Amparo. um ano, consegui Ænalmente viajar A4 em direcção ao Porto, ainda apro-
Bragança também é pequena, com para o estrangeiro! veitei para parar na praia do Azibo,
as ruas empedradas do centro histó- Gimonde é uma aldeia onde é uma praia Çuvial em Macedo de
rico, nas margens do rio Fervença, e obrigatório ir almoçar (ou jantar) no Cavaleiros. Em Ermesinde, ao jantar,
o castelo, que é um dos mais bem restaurante O Abel. Pedi a famosa comi uma francesinha e depois per-
preservados de Portugal. No seu posta à Abel, a minha mãe pediu cor- corri os últimos 320kms até casa.
interior, além das muralhas que pro- deiro na brasa. Mário Menezes
porcionam belas vistas sobre a cida- Vinhais, a capital do fumeiro, foi
de e sobre a serra de Montesinho, o programa da tarde. Na entrada da Autor de alguns textos em
existe um Museu Militar com arte- serra da Coroa, que também perten- www.amantesdeviagens.com
MÁRIO MENEZES

Serra de
Montesinho
vista desde o
castelo de
Bragança, um
dos mais bem @ maria_fernandes_e
preservados Maria Fernandes leva-nos até São Bento
do país da Porta Aberta, no Gerês.
Sábado, 24 de Julho de 2021 | FUGAS | 23

O gato das botas

No Batareo é preciso entrar como o Egas Moniz,


com uma corda ao pescoço
Fugas sobre o Batareo foi em O fulgor dos salmonetes dura do Eu gosto dos salmonetes comer o salmonete...vou ter de
Outubro de 2014, em plena época Æm do Verão até ao princípio do praticamente crus, grelhados quase soletrar a palavra, tais são os
do salmonete: o tema que aqui Inverno. Não é só um peixe do por telepatia. Têm de ser tremores que
tratei, condoidamente, a semana Outono: é o peixe do Outono, inteirinhos, claro, e tratados com suscita...e-s-c-a-l-a-d-o.
passada. apesar da concorrência frenética de mãozinhas de sumaúma, a tentar No Batareo, sim, fazem isso ao
É incrível mas, ao reler o que outros peixes bons, como os robalos fazer malabarismo com bolas de salmonete e mais: esfregam o
escrevi, mantenho tudo pela e as douradas, que também são sabão. Até olhar para eles tem de ser sublime fígado nas metades, para
Miguel Esteves Cardoso simples razão que tudo se mantém erradamente comidos no Verão, em de relance, não lhes vá pesar no ganharem o gosto.
no Batareo tal e qual era. vez de os deixarem no mar a lombinho ou aguçar alguma É bom? Sim, lamento dizer que
Uma das razões que me leva a não engordar e a apetrechar-se de ovas. Ægadeira. sim, é delicioso - mesmo para quem
a Debatem-se muito quais são os escrever sobre restaurantes de que Mas há excepções. No Verão - mas Mas o Edgardo desaÆou-me (a odeia peixe escalado como eu (e
sinais de que um restaurante é bom. gosto é que são pequenos e só em Setúbal e Sesimbra, onde palavra certa é “ordenou-me”) a qualquer apreciador de peixe com o
O mais Ædedigno é estar cheio de familiares e mesmo a pequena podem comer do bom e do melhor - cérebro à prova de lavagem).
gente logo ao meio-dia, com uma notoriedade que ganham com uma aparecem salmonetes já bastante Depois pedi um salmonete
Æla de pessoas à espera. Estudem-se crónica minha - até porque a gordinhos que, tal como certas grelhado como deve ser, inteiro e ao
de perto estas pessoas: se são
pacientes e estão bem-dispostas é
Internet não as deixa morrer de
morte natural, condenando-as a um
sardinhas excepcionais de Junho e
Julho, dão para fazer a ponte “until
i de leve, para comparar. Sim,
porque só o desejo cientíÆco da
porque o restaurante é bom. Se presente eterno em que se the real thing comes along”. comparação é que me convencia a
estão chateadas e com vontade de ir perpetuam qualidades há muito Ora o Batareo é especialista O Batareo sofrer mais um daqueles
embora é porque ainda não sabem perdidas, por restaurantes que há nestes achados: é preciso ouvir o Rua das Fontainhas, 64 salmonetes...
se vale a pena. muito tempo deixaram de ser bons. que dizem o João e a Paula, bater a Setúbal Gostei mais do segundo, é
De seguida, estude a clientela. Tive medo que isso acontecesse bola baixinho e obedecer-lhes Tel.: 265234548 verdade - aleluia! - mas o primeiro
Quanto mais variada for, melhor. A com o Batareo. Mas não aconteceu. cegamente. Sujeite os seus apetites É preciso marcar com muita foi uma revelação, um prazer que
presença do povo é fundamental. Está na mesma. Vamos a ver se é e será surpreendido e encantado e antecedência. É pequeno e está eu não conhecia, mais uma
Somos todos povo, mas estou a falar desta que cai a pique (estou a sairá satisfeito e a saber mais um sempre cheio. Só está aberto daquelas surpresas em que o
de quem trabalha com as mãos, oito brincar!). bocadinho sobre peixe e marisco. para os almoços. Batareo é pródigo.
horas por dia e ganha pouco NUNO FERREIRA SANTOS
dinheiro. São quase sempre bons
garfos, exigentes e leais. Não têm
dinheiro para desperdiçar em
experiências ou paciência para ir a
sítios onde a qualidade da comida
não é a razão principal (para “serem
vistos” ou picar o ponto do
Instagram).
Mas também deve haver ricos,
remediados e intelectuais, todos
unidos pela fraqueza gastronómica.
O importante é que estejam felizes,
distraídos, como se estivessem em
casa.
Mas há sinais mais raros e
igualmente seguros. Um deles é a
presença do sábio Edgardo
Pacheco.
Foi esse meu colega aqui do
PÚBLICO que eu encontrei quando
fui a Setúbal para almoçar a um dos
meus (muito poucos) restaurantes
favoritos: o Batareo. Estava a ser
entrevistado por outro colega
nosso, o Ruben Martins, para o
podcast dele. Ora, é um prazer ser
entrevistado pelo Ruben porque ele
tem mesmo perguntas para fazer,
não se limita a pseudoconversar
connosco, a ver se tropeça nalguma
pepita interessante. Para mais,
quantas vezes se é entrevistado para
o podcast de um jornalista que está
a fazer um doutoramento sobre
podcasts?
A última vez que escrevi aqui na

FUGAS N.º 1096 FICHA TÉCNICA Foto da capa: Miguel Calado Lopes Direcção Manuel Carvalho Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Joana Lima e José Soares
Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Rua Júlio Dinis, nº270, Bloco A, 3º, 2, 4050-318 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@publico.pt. www.publico.pt/fugas
Guia Oficial

PERCORRA A NOVA
GASTRONOMIA
PORTUGUESA
DE LÉS A LÉS.
AS MARAVILHAS DA COZINHA CRIATIVA
E OS VINHOS IDEAIS PARA AS ACOMPANHAR

+EM7BA€NCA TA
TAMBÉM
DDISPONÍVEL NOS
COM O PÚBLICO PPOSTOS CEPSA

Viaje pelos novos sabores de Portugal à boleia deste guia para todos os gostos. Da carne ao peixe, e ao marisco, passando pelos petiscos,
e a terminar na doçaria, sem esquecer os pratos vegetarianos e veganos ou até a cozinha molecular, descubra o melhor das novas criações
gastronómicas nacionais. São 140 iguarias de 140 restaurantes, de norte a sul e ilhas, com 140 harmonizações de vinho.
Está servido o roteiro. Agora, só tem de escolher o seu próximo destino.
Stock limitado.

Combustível Oficial: Com o Apoio: Edição: Apoio Técnico:


Compre aqui:

Você também pode gostar