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EDIÇÃO #01

SEGUNDA-FEIRA, Os conteúdos editoriais deste


suplemento foram produzidos
9 DE AGOSTO,
pelos participantes do projecto
2021
Vozes de Gaia, uma iniciativa do
jornal PÚBLICO e da Fundação
INATEL, tendo como investidora
Este suplemento é parte integrante
do jornal PÚBLICO n.º 11 427 e não social a Câmara Municipal
pode ser vendido separadamente. de Vila Nova de Gaia.
Todos os direitos são pertença do Para cidadãos com 55 ou mais
PÚBLICO – Comunicação Social, S.A. anos e residentes no concelho

ASSOCIATIVISMO
Colectividades do
concelho sem apoios
sólidos do Estado
Falta dinheiro para que o
associativismo em Gaia tenha
outro protagonismo. Para já,
só a câmara ajuda > PÁG. 4-5
VINHO DO PORTO
Os segredos de uma Mil nomes de Canidelo
garrafa com mais reunidos num livro
de 200 anos Obra de Manuel do Carmo Ferreira
Vila Nova de Gaia é praticamente aborda a etimologia e explicação dos
sinónimo de caves do Vinho do topónimos da freguesia, baseado
Porto. Pela importância económica em trabalho feito no terreno > PÁG. 11
e pelo simbolismo, este é um local
que vale a pena descobrir. O VOZES
DE GAIA começa por uma das
Broa de Avintes:
garrafas mais antigas… > PÁG. 6 mais do que o símbolo
de uma freguesia
D. Dinis terá dado a ordem de
Pescadores da Aguda separar os locais de fabrico das
lutam pela sobrevivência broas de milho e de trigo para evitar
Custos cada mais elevados e menos incêndios no Porto. Foi só o início da
pescado nas redes. Assim se faz o história Broa de Avintes… > PÁG. 10
quotidiano difícil de quem sai para
o mar à procura de sustento > PÁG. 7

Centro Interpretativo
da Batalha de Grijó
ainda no papel
União das Freguesias quer manter
viva a memória da luta entre
invasores franceses e aliados
luso-britânicos. A proposta já foi Glória, queda e
apresentada, mas aguardam-se
recuperação da
novidades > PÁG. 7
cerâmica em Gaia
A indústria da cerâmica foi um dos
Gaia, uma cidade baluartes do concelho. Chegaram
heterogénea, em a ser duas dezenas de fábricas.
processo de mudança O tempo é de retoma > PÁG. 14-15
O historiador João Bonifácio Serra
sente-se atraído pela diversidade
de universos de Vila Nova de Gaia
Solidariedade SOS
e reflecte sobre as cidades na vida em formato Aldeia
comum > PÁG. 14 para crianças
Em Gulpilhares, há um sítio que
acolhe crianças órfãs, ou que venham
de famílias sem recursos. Com “mãe”,
irmãos, uma família nova > PÁG. 7

O trabalho dos “invisíveis”


no Centro Hospitalar de
AMBIENTE
Rota da Água revela
Gaia durante a pandemia EDITORIAL
Diminuir o ruído
património histórico Mantiveram-se firmes nos seus postos e continuaram a sua missão de sempre. Pode não se dar muito David Pontes, director-adjunto do
e natural por eles mas, mesmo em tempos de pandemia, os voluntários do Centro Hospitalar de Gaia ajudaram PÚBLICO, descreve o Vozes de Gaia
Projecto visa promover pontos a manter em funcionamento o Serviço Nacional de Saúde, no apoio aos utentes de risco > PÁG. 2-3 como um projecto guiado pela vontade
de interesse turístico de Vila comum de encontrar as respostas
Nova de Gaia > PÁG. 12-13 mais próximas da verdade > PÁG. 5
2 | Destaque | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

VOLUNTARIADO

O local onde as pessoas


ajudam… ajudando-se
O sector da saúde vive uma das maiores ondas de choque provocadas pelo SARS-COV-2.
Médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar estão na linha da frente dos cuidados a quem
deles mais precisa. Mas há trabalhos quase invisíveis e que mantêm a máquina hospitalar
oleada e a funcionar, sem ainda mais sobressaltos. O Vozes de Gaia dá a conhecer
o que é e o que faz a Liga dos Amigos do Centro Hospitalar de Gaia.

A pandemia trouxe desaʠos para vá- proʠssionais de saúde. “Procedi- numa altura em que os cabeleirei-
rios sectores e serviços da sociedade, mentos que foram primordiais para ros também estavam encerrados,
mas nenhum se compara ao impac- que toda equipa adoptasse compor- foi o de apoio para o corte do cabe-
to identiʠcado nos serviços de saú- tamentos de segurança”, diz. lo e orientações em como cuidar do
de de qualquer país. Depois da gri- E que procedimentos eram esses? couro cabeludo, sobretudo as pro-
pe espanhola em 1918, o mundo não Acções tão simples em tempos nor- vas de prótese capilar (cabeleiras),
experimentava uma ameaça de saú- mais, mas que agora requerem cui- para os doentes oncológicos em tra-
de global como a que o SARS-COV-2 dados redobrados: dar de comer à tamento quimioterápico.
impôs de forma inesperada, expon- boca dos pacientes, ajudar na movi-
do fragilidades não só nos sistemas mentação daqueles com diʠculda- “Não somos bombeiros”
de saúde, como em todo o tecido so- des de mobilidade e outros “mimos”. Mesmo estando envolvidos em mui-
cial e económico de todos os países. tos procedimentos na chamada “li-
Os proʠssionais de saúde estive- Novos desafios sob nha da frente, Carolina Viana deixa
ram, e ainda estão, no “olho do fu- a capa do medo bem claro: “Não somos bombeiros
racão”, enfrentando desaʠos e ex- Além de conviver com o medo, o de- que socorremos todos os fogos”. Po-
perimentando aprendizagens diá- saʠo era buscar alternativas ao tra- rém, a adaptabilidade é o verdadei-
rias. O Vozes de Gaia foi ouvir um balho realizado no terreno. A par- ro espírito das ligas, do associativis-
dos inúmeros grupos de proʠssio- tir daquele momento, essas tarefas mo e das missões do voluntariado.
nais que actua na retaguarda, rea- não poderiam mais ser realizadas. Muitas associações fecharam as
lizando um trabalho não menos Inicialmente, com a produção das portas durante esse período por-
importante daquele que é efectua- próprias máscaras de tecido, com as que não inovaram, pois continua-
do pelos médicos, enfermeiros, orientações recebidas pela comissão ram a fazer incidir o foco apenas
auxiliares de enfermagem e tantos de infecção do hospital. Posterior- no serviço que estavam acostu-
outros. São eles os Voluntários. mente, numa altura em que ainda mados a fazer. E sendo o público
Carolina Viana, directora técnica as máscaras era ainda um acessó- que caracteriza o corpo do volun-
da Liga dos Amigos do Centro Hos- rio escasso no mercado, disponibi- tariado constituído por pessoas já
pitalar de Gaia (LACHG), explica ao lizar essa ferramenta de protecção aposentadas das suas proʠssões,
Vozes de Gaia os desaʠos enfrenta- à comunidade. esses locais acabam por ser centros
dos pelos voluntários. Uma equipa Em Abril do ano passado, durante de convívio, que auxiliam no enve-
essencialmente formada por senio- o período de conʠnamento, os vo- lhecimento activo, em que as pes-
res que, a despeito dos receios com a luntários, mesmo aqueles que não soas ajudam… ajudando-se.
chegada das primeiras notícias do se deslocavam para a sede da Liga, Portanto, “a LACHG procurou sem-
SARS-COV-2 no mundo, e não muito colaboravam na confecção das más- pre manter o relacionamento com
tempo depois em Portugal (Feverei- caras comunitárias. esse grupo que foi orientado a ʠcar
ro de 2020), mantiveram as activi- Esse mutirão possibilitou que, em casa”. “Tínhamos a perfeita no-
dades do voluntariado nas três das em Maio seguinte, pudessem, por ção do que esse isolamento repre-
quatro unidades do centro hospita- orientação do hospital, entregar aos sentava para essas pessoas ao ní-
lar funcionando. doentes de risco (oncológicos, imu- vel de saúde mental. E como temos
Precisamente, a 17 de Março de nodeprimidos e de cuidados palia- um espaço privilegiado com acesso
2020, por determinação das auto- tivos) que tinham que deslocar ao diferenciado do hospital, passámos
ridades de saúde, em ofício envia- hospital, um kit com duas másca- a buscar muitos voluntários a casa
do aos conselhos de administração ras e embalagens de álcool em gel. para que pudessem continuar parti-
dos hospitais, foram suspensos os “A Liga nunca fechou as portas e cipando nas actividades com toda a
trabalhos de voluntariado nestas sempre teve o cuidado de não colo- segurança”, explica Carolina Viana.
unidades de saúde. car os voluntários em risco”, adian-
Até àquele momento, revela ta Carolina Viana. Cientes da im- Uma aula de ginástica
Carolina Viana, “o espírito de missão portância do trabalho que realizam, financeira
não considerava ser o momento de “procuraram sempre, com o apoio A pandemia trouxe vários constran-
abandonar o barco quando ele esta- do hospital, desenvolver novos ser- gimentos à actividade normal dos
va a afundar”. O medo natural dian- viços que pudessem atender e/ou voluntários do hospital. Para evitar
te do desconhecido foi, aos poucos, auxiliar nos cuidados com os doen- danos maiores, a LACHG foi forçada
dando lugar à conʠança com os tes”. Um serviço, por exemplo, que a reduzir o número de voluntários
esclarecimentos e orientações dos sempre existiu, mas ganhou escala, de 100 para cerca de 30, assim que
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Destaque | 3

Pedro Antunes, professor de Desporto,


com uma paciente, no dia da 12.ª sessão
de quimioterapia | DR

O que é o quê no voluntariado


Confederação Portuguesa do soais para voluntários, dirigentes
Voluntariado voluntários e para participantes
A Confederação Portuguesa do Vo- de actividades. Além disso, orien-
luntariado foi constituída a 19 de ta acções de formação para qua-
Janeiro de 2007. Congrega actual- liʠcação de voluntários e de ges-
mente 39 organizações de volun- tores de voluntariado, tendo dis-
tariado e promotoras de volunta- ponível uma bolsa de formadores.
riado – associações singulares, fe-
derações e confederações – com Por onde começar
variados objectos de actuação de para ser voluntário?
âmbito nacional. São inúmeros os sítios na Internet
O trabalho em equipa entre voluntários e pacientes é fundamental | DR que disponibilizam listas de ins-
Federação Nacional de Vo- tituições abertas ao voluntariado.
luntariado em Saúde – FNVS Um desses casos é o site https://
A Federação Nacional do Volunta- bolsadovoluntariado.pt. Ao longo
riado em Saúde congrega e repre- das 238 páginas de organizações
senta, desde 21 de Maio de 2007, com as quais é possível ser volun-
organizações que têm como ob- tário, há um pouco de tudo: soli-
jectivo e ʠm último o voluntaria- dariedade social, artes, desporto,
do em saúde e que se denominam cidadania, saúde, novas tecnolo-
associadas. Possui 50 associados gias, educação… Quem já souber
activos. ao que vai, pode aceder directa-
mente à página da entidade, re-
Liga dos Amigos do Centro colher novas informações e ins-
Hospitalar de Gaia – LACHG crever-se.
Número de ordem 00008 como as-
sociado fundador com adesão à No mundo…
Ajudar os pacientes na recuperação é uma das missões dos voluntários | DR FNVS em 21 de Maio de 2007. A janela de oportunidades abre-
-se ainda mais quando o mundo
Quantos voluntários é o palco escolhido para fazer vo-
há na FNVS? luntariado. O site www.volunteer.
A FNVS integra 46 organizações de com, por exemplo, disponibiliza
voluntariado e de voluntários do 178 programas em praticamente
Campo da Saúde, (correspondendo todas as latitudes. Curiosamente,
a cerca de 54 410 membros e 9 840 no top 10 desses programas está
voluntários de acção direta), esta- um que é português, o Food Res-
belecidas em quase todos os dis- cue Helper, de Lisboa. O objecti-
tritos de Portugal continental e na vo é o de combater o desperdício
Região Autónoma dos Açores (da- alimentar e ajudar cerca de 3 000
dos da FNVS). A FNVS presta servi- famílias. “Descubra Portugal, en-
ços de consultoria jurídica, conta- quanto viaja como um local e crie
bilidade e ʠscalidade, segurança, um impacto social realmente po-
higiene e saúde no trabalho, ser- sitivo”, pode ler-se na apresenta-
Carolina Viana (à esquerda) e a enfermeira Rosa, aposentada | DR
viços de seguros de acidentes pes- ção. Opções não faltam.

os sinais de alarme começaram a de chás e distribuição de bolachas. vidades regulares da Liga, o dinhei- Mente sã em corpo são, os elemen-
soar, no ano passado. Estas três de- A acção dos voluntários estende- ro escasseia… Feitas as contas, são tos necessários para poder cuidar
zenas actuam na Unidade I, apoian- -se ao apoio às solicitações do hos- cerca de 1 000 euros por mês que a do outro”, diz Carolina Viana.
do as visitas aos doentes (dois pital, no provimento de roupas para entidade recebe dos seus associa- É com base no princípio da per-
voluntários, por sala), com apoio à doentes sem familiares, que preci- dos – a um euro mensal de quo- severança que esta instituição tem
desinfecção das mãos e supervisão sam ir para lares e serviços de cui- ta. “É uma verdadeira ginástica ʠ- feito o seu percurso. Nos primeiros
na partilha do telemóvel dos visi- dados continuados. Fornece ainda nanceira para dar conta de todas as tempos, ocupava um espaço tími-
tantes com os doentes. ajudas técnicas gratuitas, como ca- demandas que são colocadas ao do, onde hoje funciona o Hospital
O pessoal da Liga interveio ainda mas articuladas, andarilhos, cana- trabalho de voluntariado da Liga”, de Gaia (Unidade II), nascida a par-
no Centro de Reabilitação do Norte dianas e cadeiras-sanitas. lamenta. tir de pessoas ligadas ao hospital:
(Valadares), cuidando dos ʠlhos de É muito comum a Liga contar É que a Liga tem o encargo das médicos e enfermeiros preocupados
funcionários que provavam não ter com a colaboração de proʠssionais doações de medicação e suplemen- em oferecer cuidados diferenciados
rectaguarda para os deixar em casa, da área de saúde que, depois da re- tos alimentares a doentes sinaliza- na humanização dos serviços. O es-
por ocasião do encerramento dos in- forma, sentem falta do convívio dos pelo Serviço Social do hospital. paço actual da Liga tem apenas um
fantários. “Esse apoio permitiu que com os seus pares e se apresentam Apesar destas e de outras diʠcul- ano de funcionamento. Hoje, é uti-
os pais pudessem dar continuidade para o voluntariado. dades na gestão corrente, os 32 anos lizado prioritariamente por doen-
aos serviços essenciais nas institui- A grande preocupação de Caro- de existência da LACHG não desiste tes em tratamento – com serviços
ções em que trabalhavam”, adianta lina Viana acaba por ser mesmo a de ajudar os outros. “Ter disponibi- como educação física para doentes
a directora técnica da Liga. No servi- questão ʠnanceira. Mesmo tendo lidade para fazer o bem ao outro e oncológicos.
ço de Oncologia, a actuação está res- em conta que praticamente todos a si, são condições fundamentais
trita à cozinha, com a preparação os voluntários colaboram nas acti- para se ser um voluntário da Liga. Carlos Caldas
4 | Entrevista | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

ENTREVISTA
Que planos têm? las, mais vocacionadas para a área

Associações são “o parente Há um plano de actividades que


contempla desde projectos de ca-
pacitação dos dirigentes associati-
do teatro. O Sport Club Candalense
tem actividades para os jovens na
área da dança, etc.

pobre” dos apoios do Estado vos, colóquios e acções de forma-


ção. Foi sugerido também fazer uma
desfolhada, com a participação de
É possível verificar o peso das colecti-
vidades nas áreas da cultura, recreio
vários grupos folclóricos no Centro e desporto?
Federação das Colectividades da Vila Nova de Gaia lamenta esquecimento Cívico e com uma apresentação do Das que são nossas associadas, ex-
Ciclo do Milho com uma exposição clusivamente de desporto há mui-
nas áreas da cultura, recreio e desporto e enaltece suporte da autarquia, de trajes, etc. Mas, tal não foi pos- to poucas. A maior parte dedica-se
que no ano passado lhe atribuiu 50 mil euros. sível, devido à pandemia. à cultura, englobando na cultura o
teatro, a dança, a música.
E as marchas populares?
cida e as colectividades de cultura, As marchas de S. João são organi- E o folclore?
recreio e desporto acabam por ser o zadas pelo município. Quem parti- O folclore é uma área muito espe-
parente pobre e não temos apoios. cipa nas marchas populares são as cíʠca. Temos 32 grupos folclóri-
colectividades de cultura, recreio cos, embora não estejam todos fe-
Que tipo de serviços é que a Federa- e desporto de cada uma das fre- derados. Contudo, no concelho de
ção presta? guesias. As juntas convidam uma Gaia existe a sede nacional da Fe-
Temos um gabinete de apoio conta- determinada associação para re- deração do Folclore Português, em
bilístico e ʠscal. Sempre que os nos- presentar a localidade. No caso de Arcozelo, onde 18 grupos de folclo-
sos associados precisam, recorrem Vilar do Paraíso, por vezes vai o re estão federados. Somos o con-
a esse serviço. Temos também um Grupo Dramático de Vilar do Paraí- celho do país com maior número
escritório de advogados que colabo- so, outras vai a Associação Recrea- de grupos folclóricos, o que é mui-
ra. Através da Confederação, e com tiva Entreparentes ou a Associação to signiʠcativo.
um protocolo com o município, tra- cultural e Recreativa “Os Amigos
tamos das taxas junto da Sociedade Vilarenses”. E puramente recreativos?
Portuguesa de Autores, que permi- Há muitas colectividades e o Dra-
te às nossas associadas terem um Quantos associados tem a FCVNG? mático [de Vilar do Paraíso] é um
desconto de 50 por cento nos valo- A Federação tem cerca de 150 as- exemplo. Além do teatro tem outras
res das avenças relativas à parte da sociados. Infelizmente, devido às actividades, como a dança, outras
televisão e televisão por cabo… grandes diʠculdades que as cole- que dedicam ao ténis de mesa, há
tividades atravessam, temos mui- outras com fanfarra, voleibol femi-
Como no teatro… tos com as quotas em atraso. Com nino. Para complementar isso tudo,
Ou os autores cedem os direitos de quotas pagas, será sensivelmen- têm uma área mais recreativa, uma
Paulo Rodrigues, presidente da Federação das Colectividades autor ou têm de pagar. São as co- te metade. Há uma diʠculdade sala de jogos, uma sala de convívio,
de Vila Nova de Gaia lectividades que pagam, embora acrescida: não temos cobrador e torneios de bilhar, cartas, um bar…
através da federação e dos protoco- as pessoas têm de se dirigir à Fe- Quase todas as colectividades têm
los existentes tenham um descon- deração e, muitas vezes, acumu- esses espaços, embora não sejam
O sector da Cultura, em particular Quais os apoios da câmara? to de 25 por cento. lam um, dois ou três anos de quo- as actividades principais.
o afecto às colectividades de âmbi- Temos apoios ʠnanceiros e não ʠ- tizações.
to local, parece estar no fundo da nanceiros, como a cedência do Au- Têm outras iniciativas próprias?
gaveta das prioridades do Estado ditório Municipal, aquando da rea- Além do “Festeatro” e da “Vivências Que percentagem representam as 150
quando se trata de atribuir apoios lização do “Festeatro”, de homena- de Gaia” – no ano passado não ʠ- colectividades inscritas na FCVNG?
O dinamismo
à sua existência. O lamento sur- gem associativa; no “Vivências de zemos –, comemorámos o Dia Na- Sensivelmente 50 por cento, em cer- das colectividades
ge de Paulo Rodrigues, presidente Gaia”, dedicada ao folclore; a Junta cional das Colectividades. Organi- ca de 300 no concelho, fora os clu-
da Federação das Colectividades de da Freguesia de Pedroso cedeu-nos zámos um concerto de coros com a bes desportivos.
é grande
Vila Nova de Gaia (FCVNG). As ac- um palco para as várias actuações participação do Orfeão da Madalena, As populações mais afastadas do
tividades são suportadas por ver- e também nos ajudou ʠnanceira- do Orfeão de Valadares e do Coral de Os clubes desportivos fazem parte dos centro de Vila Nova de Gaia são
bas de Instituições Particulares de mente. Em Dezembro do ano pas- Gulpilhares para assinalar o Dia Na- objectivos da Federação? quem mais participa nas activida-
Solidariedade Social e pela Câmara sado, a autarquia apoiou com um cional das Colectividades. A Junta de Sim, e temos três que são nossos as- des associativas. A participação em
de Vila Nova de Gaia (CMVNG), que subsídio no valor de 50 mil euros, Freguesia de Oliveira do Douro ce- sociados: o Futebol Club de Gaia e o encontros anuais de bandas ʠlar-
em 2020 lhe atribuiu 50 mil euros. através de um protocolo com a Fe- deu-nos o auditório para podermos Águias de Gaia, que são exclusiva- mónicas e as festas de S. João ser-
deração, que depois atribuiu essa descentralizar as comemorações. mente desportivos; o Gervide tem vem como exemplo para demons-
Qual a origem da FCVNG? verba a 35 colectividades. outras actividades – todos represen- trar o empenho das comunidades
A Associação das Colectividades tam a freguesia nas marchas de S. na vida local. Paulo Rodrigues, pre-
de Vila Nova de Gaia foi fundada Há outros meios de obter apoios? Há concelhos no João. Estamos receptivos a que os sidente da Federação das Colectivi-
a 30 de Novembro de 1998 com o A FCVNG é descentralizada da Con- clubes desportivos também se tor- dades de Vila Nova de Gaia, só la-
objectivo de aglutinar todo o mo- federação Portuguesa das Colecti- país com muitas nem nossos associados. menta que nos centros urbanos o
vimento associativo popular em vidades de Cultura, Recreio e Des- interesse pelo associativismo este-
Gaia, promover e divulgar as ac- porto. Através da Confederação, e
colectividades Há alguma forma de segmentar as co- ja a decrescer.
tividades das nossas associadas devido à pandemia, houve várias e desenvolvem lectividades por áreas de intervenção:
e promover também a cultura, o iniciativas para obter apoios. O cer- as que têm teatro, as que têm folclore, Qual é o dinamismo do associativismo
desporto e o recreio. Em 2016, foi to é que, no Orçamento do Estado, as actividades de as que tem música, desporto… em Gaia face ao panorama nacional?
alterada a designação para FCVNG colectividades de cultura, recreio e Temos várias colectividades cuja ac- As colectividades de Gaia têm um
e mudámos também de instala- desporto não foram contempladas.
relevo, mas o tividade principal é o teatro, desde grande dinamismo. Há concelhos
ções. A sede actual foi cedida pe- Há uma série de propostas e ini- concelho de “Os Plebeus Avintenses” –das mais no país com muitas colectividades
lo município. ciativas que não são aprovadas na representativas na área do teatro e desenvolvem actividades de rele-
Assembleia da República. Haverá Gaia não fica –, o Grupo Dramático de Vilar do vo, mas o concelho de Gaia não ʠ-
De onde provém o financiamento? outras prioridades, particularmen- a dever nada Paraíso, a Tuna Musical de Santa ca a dever nada a ninguém, temos
Da quotização dos nossos sócios, te nas áreas da saúde e da educação, Marinha, o Sport Club Candalen- instituições muito fortes, com mui-
cujo valor anual é de 90 euros. mas a cultura continua a ser esque- a ninguém se, a Associação recreativa de Cane- ta qualidade.
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Editorial | 5

OPINIÃO EDITORIAL

Haverá algumas cujo dinamismo


sobressaia?
DESPORTO Um projeto socialmente Diminuir
Há quatro bandas ʠlarmónicas que inovador e inclusivo o ruído
costumam estar presentes num en-
contro anual: a Banda de Avintes,
29
a Banda 1.º de Maio de Coimbrões, É o número de clubes com sede Francisco Caneira
a Banda de Crestuma e a Banda em Vila Nova de Gaia, filiados Madelino David Pontes
de Lever. Temos escolas de música na AFP, Associação de Futebol Presidente do Conselho Director-adjunto
que, além do número de alunos, têm do Porto (fundada em 1912), de Administração da do PÚBLICO
enorme qualidade, como a Escola num total de 300. Fundação INATEL
de Música de Perosinho, integra-
da no Grupo Musical da Mocidade
Perosinhense, ou a Escola de Músi-
ca de Vilar do Paraíso.
5445 Nos tempos em que vivemos, as tecnologias
digitais são indissociáveis da vida comum de
Não, não estávamos preparados. Por muito que
possamos juntar o conveniente registo de que em
Atletas masculinos e femininos todos nós. Quem não as saber usar ʠca, em grande política, no espaço público em geral, sempre houve
Qual a importância das colectivi- inscritos na AFP, desde os parte, excluído de tudo aquilo que elas propiciam. lugar para a mentira, para a manipulação, para o
dades nas comunidades locais? As escalões de formação até aos Excluídos do seu potencial, do conhecimento que engano, ninguém estava preparado para a torrente
comunidades locais frequentam-nas, veteranos, na época 2019/2020. proporcionam, da informação que dissemina, que se abriria com a internet e as redes sociais. Em
apoiam-nas? das relações sociais que criam e das ferramentas poucos anos, o debate na sociedade alterou-se como
Muito, principalmente nas fregue- e ʠltros aos seus perigos. Quando mais envelhecida nunca na história e aqueles que acreditam numa
sias mais afastadas do centro de
Gaia. As comunidades envolvem-se
10 ou mais desfavorecida socialmente for a
comunidade, mais estes problemas se manifestam.
sociedade aberta, que procura o entendimento em
vez da dissensão alimentada por algoritmos, estão
muito nas suas associações. Exem- Os mais representativos O projeto Vozes de Gaia, desenvolvido em pareceria a perder terreno. É tempo de o reconquistar.
plo típico do envolvimento das co- relativamente ao número de entre a Fundação INATEL, o jornal PÚBLICO e a No passado, as revoluções comunicacionais foram
lectividades são as marchas de S. jogadores são o Valadares Gaia Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tem bastante mais lentas, permitindo que a sociedade
João, porque os apoios concedidos FC (396), SC Coimbrões (394), precisamente por objetivo combater a iliteracia fosse absorvendo os seus efeitos, um privilégio que
não são signiʠcativos o que implica SC Canidelo (368), CF Oliveira digital, desenvolvendo métodos inovadores de o ritmo a que evolui a adopção de novas plataformas
muito sacrifício, muita dedicação, do Douro (360), Vila FC (326), a diminuir em públicos mais afastados destas não deu a ninguém. O Facebook terá demorado
muitas horas de trabalho voluntá- CD Candal (317), SC Arcozelo tecnologias e, sobretudo, de se defender de usos quatro anos e meio a atingir os 100 milhões de
rio para fazer uma festa que é de to- (313), FC Avintes (266), AD Grijó negativos que delas se podem fazer, como é o utilizadores, hoje cerca de dois biliões de pessoas
da a gente. Aliás, as associações sur- (262) e CF Perosinho (233). caso das notícias falsas (fake news). ligam-se pelo menos uma vez por mês. No mundo
gem dessa necessidade para o bem Sabe-se que o acesso livre à informação é novo que se abriu para a produção e difusão de
comum: uma associação de beneʠ- um elemento fundamental de salvaguarda conteúdos em nome próprio, em pouco tempo os
cência, uma associação de cultura,
de teatro, de recreio. As associações
20 das democracias. É por esse acesso que os
cidadãos tomam decisões racionais, desde o
intermediários perderam relevância, e se as regras
são difusas e não estão à vista de todos, há uma
acabam por nascer espontaneamen- Equipas gaienses de seniores plano económico e do saber, ao escrutínio das que impera: a do ruído. É com ele que a
te. Ou nasceram há muito tempo, masculinos, com três sediadas em autoridades e políticas públicas. Hoje, essa desinformação se alimenta para ter alcance.
pois muitas são centenárias, outras Santa Marinha, duas em Oliveira informação passa signiʠcativamente, e cada vez Na redacção do Vozes de Gaia tentamos diminuir
comemoram este ano o centenário, do Douro e uma nas restantes 15. mais, pelos meios digitais, estas permitem uma esse ruído para sentir o pulso do tempo. Criar uma
como o Grupo Dramático de Vilar do disseminação rápida e maior, mas também surge redacção é criar um espaço de encontro para a
Paraíso. O Sporting Club Candalen- associada a formas de divulgar notícias falsas, discussão do que cada um traz do mundo lá fora,
se comemorou 100 anos em 2020, o
Centro Recreativo de Mafamude já
6 maldosas, geradoras de pulsões sociais objetivadas
para ʠ ns menos dignos.
do confronto de diferentes perspectivas, que se
guiam pela vontade comum de encontrar as
tem 109 anos… Nos grandes centros Equipas do concelho de Vila Nova respostas mais acertadas possíveis, as mais
urbanos já não há tanto aquele sen- de Gaia que participam na Divisão próximas da verdade. A primeira conquista do VG
tido de associativismo, pois as pes- de Honra da AFP: SC Arcozelo, Sabe-se que o acesso foi criar esse ponto de encontro, onde cada um pode
soas têm outros interesses, disper- FC Crestuma, Gulpilhares FC, ouvir a sua voz, sem o qual não seria possível levar
sam-se mais, têm outros apelos. CUD Leverense, SCF Sandinenses livre à informação os participantes a retirar, do conhecimento sobre
e CF Serzedo; Na Elite Pro
é um elemento literacia mediática e sobre as ferramentas
As IPSS podem ser contempladas no Nacional participam nove: FC do jornalismo, o melhor proveito.
âmbito do associativismo? Avintes, CD Candal, SC Canidelo, fundamental de
As IPSS são associações da área so- SC Coimbrões, AD Grijó, CF
cial. Este é designado o Terceiro Sec-
salvaguarda das
Oliveira do Douro, FC Pedroso, Criar uma redacção
tor da economia social, que engloba CF Perosinho e Vila FC; CFS Félix democracias
as associações mutualistas, huma- da Marinha e CD Torrão, é criar um espaço
nitárias, as misericórdias, as IPSS, na 1.ª Divisão e o AC Gervide de encontro para a
as cooperativas, todas as colectivi- na 2.ª Divisão. Surgem assim os elementos fundamentais do
dades de cultura, recreio e despor- projeto: como facilitar o acesso às novas tecnologias discussão do que cada
to. Também têm surgido associa- digitais a pessoas delas afastadas e como dar-lhes
ções de cariz ambiental, protecção
dos animais, da natureza, entre ou-
2 ferramentas de escrutinar a sua veracidade?
Associaram-se assim estas três entidades de
um traz do mundo lá
fora, do confronto de
tras. Tudo isto é economia social. As equipas mais bem forma a responder a estas questões. A incorporação diferentes perspectivas
Contudo, a maior fatia é composta posicionadas são o CF Canelas duma autarquia dá acesso ao terreno e às suas
pelas colectividades de cultura, re- 2010 na Liga 3 (a nova divisão especiʠcidades. O envolvimento dum jornal de
creio e desporto. A nível nacional, da Federação Portuguesa de referência, como o PÚBLICO, permite introduzir
há 33 000 colectividades de cultura, Futebol) e o Valadares Gaia FC elementos bastante qualiʠcados que estruturam No ʠnal do primeiro ciclo do Vozes, é esta
recreio e desporto e todas têm uma no Campeonato de Portugal; as regras de escrutinar a veracidade das notícias, conquista primordial, a do diálogo com uma visão
particularidade em relação às ou- nas quatro divisões da AFP, por jornalistas experimentados, e desenvolver crítica do que nos rodeia que queremos que se
tras: os órgãos sociais são dirigen- dos 134 clubes do distrito, projetos aplicados. multiplique. A razão de existir do PÚBLICO sempre
tes associativos voluntários, não re- 18 são de Vila Nova de Gaia. Por todas estas razões, este é um projeto a que foi ajudar a construir uma sociedade de cidadãos
munerados e eleitos. a INATEL ter-se-ia de associar, face à sua missão. bem informados e este programa – em conjunto
com o Público na Escola e o P Superior – é mais
Lúcio Figueira José Vieira Machado O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográʙco um passo importante nesse esforço permanente.
6 | Gaia / Local | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

VINHO DO PORTO
Todos os vinhos, num só local
Um segredo guardado Para quem quiser conhecer de per- Como degustar

a sete caves to a história do Vinho do Porto, há


um local de visita obrigatória: as
Caves de Gaia. Lá, estão as mar-
“Devido as suas caracteristicas es-
peciais, o Vinho do Porto deve ser
conservado seguindo algumas
cas mais importantes e o passeio diretrizes: manter-se num local
Duzentos e seis anos. É há quanto tempo se guarda, em lugar secreto, é obrigatório, para turistas nacio- abrigado da luz, seco e fresco, mas
nais ou estrangeiros. Uma autên- não frio – com excepção dos vinhos
uma das garrafas mais antigas de que há registo nas caves de Vinho tica viagem ao passado e à memó- do Porto branco e rosé. A tempera-
do Porto. Levantamos aqui uma pontinha do véu, como pretexto para ria de todos aqueles que ajudaram tura ideal para servir varia com o
lembrar aquele que é o símbolo histórico mais alto de Vila Nova de Gaia. a construir este marco simbólico tipo e a categoria do vinho: rosé a
da cultura e do espírito mercantil cerca de quatro graus centígrados,
da região do Douro. branco entre seis a 10, ruby entre
Era uma vez um pequeno país que, ao VOZES DE GAIA Luís Sottomayor, dicto ʠnal. “A prova era feita… pro- Uma das mais relevantes caves são 12 e 16; Tawny entre 10 a 14.”
durante o reinado de D. José I (1714- enólogo das Caves Ferreira, proprie- vando”, explica este especialista. as Calem, que recebe cerca de 313 (História do Vinho do Porto, Natio-
1777), teve como primeiro-ministro dade da Sogrape. “Se fosse hoje, não Reʠra-se que o Clube do Vinho do mil visitantes anuais (valores de nal Geographic, 25/01/2019)
Sebastião José de Carvalho e Melo. passavam no teste de qualidade da Porto, numa publicação sobre a his- 2019, de acordo com a Associação
O Marquês de Pombal, como ʠcou União Europeia”, graceja. tória e caracterização do vinho do de Exportadores de Vinho do Por- D. Antónia, uma história
eternizado. Foi da sua pena que saiu E que histórias têm para contar Porto, apresenta uma listagem dos to). Da mítica Ramos Pinto, com o de carácter
a decisão de fazer do Douro a pri- as “garrafas mais antigas” destas anos das safras com uma breve des- seu museu, até à Burmester, a úni- A Ferreira foi estabelecida no Dou-
meira região de demarcada de vi- caves? Sabe-se que guardam vinho crição onde lê-se sobre a do ano de ca em Gaia com luz natural e uma ro em 1751 por uma família portu-
nhos do Mundo. Nascia, assim, o Vi- de um ano de colheita excepcional 1815: “Waterloo Port, um dos grandes corrente de água no interior, pas- guesa de viticultores e comercian-
nho do Porto, no ano de 1756. O néc- e pouco mais. Naquele tempo, não vintages do século XIX. Vintage-sen- sando pela Churchill’s – a primei- tes de vinho da região. A Ferreira
tar sublime de uma região única e havia registos pormenorizados das sação nas grandes exposições inter- ra produtora fundada e estabele- é a primeira companhia de Vinho
com sabor e textura inigualáveis. castas, nem os métodos cientíʠcos nacionais da segunda metade de Oi- cida no último meio século –, há do Porto portuguesa (a maioria das
Nas Caves Ferreira, na pequena de hoje para saber se o vinho tinha tocentos, ainda era comercializa- todo um universo para descobrir. empresas de Vinho do Porto foram
divisão onde se esconde o tesouro estofo para ser vintage. Por isso, ti- do nos anos [19]30 do nosso século”. As marcas de Vinho do Porto estão fundadas por comerciantes euro-
datado do século XVIII quase se sen- nham de ʠcar em repouso “entre oi- sob o chapéu da AEVP – Associa- peus, não portugueses). A histó-
te a presença de D. Antónia, de lam- to a 15 anos” em pipos até ao vere- Ronaldo Neves ção das Empresas de Vinho do Por- ria e o percurso da Ferreira estão
parina ʠscalizadora na mão. Ali re- to. Constituída em Janeiro de 1975, intrinsecamente ligados à Região
pousa, longe de olhares curiosos e representa e promove e defesa da Demarcada do Douro (desde 1756)
luzes indiscretas, a joia da coroa: indústria e comércio dos Vinhos e aos vinhos únicos que a carac-
o vinho da colheita de 1815. O mais do Porto e Douro e outros produ- terizam.
antigo de que há registo nos arqui- tos vínicos da Região Demarcada D. Antónia Adelaide Ferreira assu-
vos desta casa centenária. do Douro em todo o espaço nacio- miu corajosamente a liderança da
Os vestígios vinícolas desses tem- nal e no estrangeiro. Ferreira em 1845. Carismática, com
pos são considerados raros. Mas Nas paredes da sede, em Gaia, cla- uma verdadeira paixão pelo Douro
existem. Estão guardados a sete ro, pode ver-se um mapa com o re- e com uma fantástica visão de fu-
chaves, em salas mágicas envol- gisto de todas as colheitas vinta- turo. D. Antónia é responsável pela
tas em penumbra, húmidas e meio ge das empresas associadas des- enorme expansão da companhia e
frias, às quais só se chega com per- de 1900 – neste momento, está em determinante na consolidação da-
missão especial e depois de uma actualização. queles que são ainda hoje os valo-
série de passagens e de labirintos Em 2019, revela a AEVP, as visi- res que deʠnem a marca Ferreira.
abaixo do nível do leito do Douro. tas às caves atingiram um recor- O início do seculo XX, conʠrmou
De resto, há funcionários das Caves de, com 1,37 milhões de pessoas, Ferreira como uma marca de re-
Ferreira que nunca entraram na- mais 8,8 por cento do que em 2018. ferência no vinho do Porto e em
quela pequena sala. A pandemia baixou os números, 1987 passou a integrar o grupo
A safra de 1815 ganha ainda mais em 2020, nuns incríveis 81,9 por Sogrape, no qual permanece até
relevância pelo suporte histórico que cento! Ou seja, foram 250 363 visi- hoje, dando continuidade ao tra-
carrega: em 2015, na comemoração tantes (46 704 portugueses, 44 536 balho da família para o desenvol-
dos 200 anos da Batalha de Waterloo espanhóis e 37 151 franceses). vimento da marca.
(com a vitória das tropas aliadas
luso-britânicas sobre os invasores
franceses), houve um leilão na Tor-
re de Londres, no qual foi a licita-
ção um dos exemplares da colheita.
O valor da compra suscita algumas
interrogações, mas o montante terá
andando à volta dos sete mil euros…

Garrafas sem selo de qualidade


O segredo sempre foi a alma do ne-
gócio e, por isso, ʠca por revelar o
número exacto de garrafas dessa
colheita vintage, que resistem há
mais de dois séculos. Muito menos
onde estão “escondidas”. Mas elas
estão lá e devidamente cataloga-
das. Quem está de sentinela todos
os dias já as conhece de cor, até por-
que não há uma garrafa igual à ou-
As Caves Ferreira encerram muita história e uma das garrafas de Vinho do Porto mais antigas | Ronaldo Neves
tra. “Eram todas feitas à mão”, diz
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Gaia / Local | 7

SOLIDARIEDADE MEMÓRIA

Aldeia SOS de Relembrar a Batalha


Gulpilhares, de Grijó para manter
um projecto a memória viva
de vidas
O centro interpretativo da luta que opôs os aliados
portugueses e ingleses contra as tropas francesas
A pandemia baralhou as contas de
DIREITOS DA FOTO
muitas instituições de solidarieda-
de Napoleão, em 1809, tem um projecto
de social. A Aldeia SOS de Gulpilha- na União das Freguesias de Grijó e Sermonde.
PATRIMÓNIO res não foi excepção, embora sem
efeitos negativos aparentes. As cer-
Pescadores da Aguda resistem ca de dezena e meia de crianças ali A criação de um Centro Interpretati- gal, foi ocupada pelas forças coman-
acolhidas “deixaram de receber a vo da Batalha de Grijó é uma aspira- dadas pelo marechal Soult quando
em nome da tradição visita da família biológica ou visi- ção das gentes desta freguesia de Vila se deu a tragédia da Ponte das Bar-
tá-la, ir a festas de aniversário dos Nova de Gaia. Em Dezembro de 2019, cas. A 29 de Março, a população ten-
amigos ou receber a visita deles”, foi apresentado um projecto ao OPP – tou fugir para Gaia, atravessando o
A pesca tradicional na pequena vila da Aguda, revela Diogo Silva, director técnico Orçamento Participativo de Portugal rio pela ponte, que cedeu, matando
Arcozelo, está presa por fios. Longe vão os desta Aldeia SOS. “Fomos criando para imortalizar um dos momen- cerca de quatro mil pessoas.
alternativas, como jogos de futebol tos mais decisivos da luta dos por- Então, o general Franceschi, co-
tempos de fartura de quem saía para o mar ou sessões de cinema”, acrescenta. tugueses contra as tropas de Napo- mandante da divisão de cavalaria
e voltava de redes cheias. Hoje, a luta diária As Aldeias SOS nasceram em 1949, leão. Em 2020, o executivo da União ligeira das tropas de Napoleão, es-
é cada vez mais difícil para quem vive do mar. por Hermann Gmeiner (1919-1986), de Freguesias de Grijó e Sermonde tabeleceu quartel-general em Gri-
na Áustria. O elevado número de (UFGS) formalizou junto da Assem- jó e os restantes militares, da divi-
crianças órfãs e a falta de recur- bleia de Freguesia uma proposta pa- são Mermet, ʠcaram em Gaia. Con-
O dia começa cedo para os pesca- ajudam: cada saída de barco cus- sos do pós-guerra levaram este ʠ- ra a criação do centro, tendo esta si- ta a História que estavam a jantar
dores da Aguda. Ainda o sol não se ta, em média, 40 euros em gasoli- lantropo, também ele órfão mui- do aprovada. Mas ainda são aguar- no Mosteiro de Grijó quando tive-
levantou e já os pescadores se fa- na, revela José Maria, mais a ma- to cedo, a avançar com uma nova dados desenvolvimentos… ram que se retirar à pressa devido
zem ao mar para trazer o ganha- nutenção das embarcações, as li- ideia de acolhimento: uma cuida- Mais de dois séculos após a du- ao aproximar do exército português.
-pão para casa, numa luta teimo- cenças de pesca, etc. dora, irmãos, uma família, uma ra batalha entre as forças france- O primeiro batalhão do regimen-
sa contra as diʠculdades do dia-a- Há dias em que os pescadores não casa, uma aldeia. sas e os aliados luso-britânicos, são to português de Infantaria 16, per-
-dia. O regresso acontece por volta trazem pescado suʠciente para co- Na de Gulpilhares (1980), o concei- inúmeros os vestígios desses tem- tencente à Brigada Stuart, investiu
das oito da manhã e nem sempre é brir os custos ʠ xos. Muitas vezes, to é semelhante, mesmo com pan- pos, em Vila Nova de Gaia e no Por- contra os invasores, sendo-lhe guia
muito animador. têm que recorrer à ajuda ʠnancei- demia. “Alterou a rotina, mas a vida to. Os locais que assinalam a Tra- a valente espada do coronel D. Luís
“Saímos quando o tempo nos per- ra dos ʠlhos que trabalham noutras foi normalizando e houve aspectos gédia da Ponte das Barcas, junto à Machado de Mendonça.
mite”, diz um resignado José Ma- artes. A pesca já não é como anti- positivos, como uma maior apro- Ponte Luiz I, com as “Alminhas da Após a derrota em Grijó, as for-
ria, ainda de caixas de esferovite na gamente e os rendimentos são ca- ximação dos miúdos aos adultos e Ponte”, são disso exemplos. Em Gri- ças francesas recuaram para o
mão, depois de ter descarregado o da vez mais curtos… doações de material informático. As jó, a simbologia ganha mais força, Porto, protegidas pela falta de
pouco peixe que conseguiu captu- equipas trabalharam em espelho e com um obelisco alusivo à batalha, acesso por Gaia. A 12 de Maio, as
rar na faina. Aguda, vila de pescadores não tivemos casos de Covid-19 en- diversas ruas com os nomes de al- forças do general Wellesley, já em
Naquele dia, o mar não tinha sido Aguda, vila de pescadores, com tre os utentes”, diz Diogo Silva, nesta guns dos protagonistas e uma pla- Gaia, atravessaram o rio Douro por
muito generoso em polvo, lavagan- mais de um século de história na Aldeia SOS desde 2018, após dez anos ca de homenagem aos mortos de 11 barco em Avintes, feito que acabou
te, sapateira, linguado e camarão, tradição da pesca artesanal, trans- no Lar Juvenil dos Carvalhos. de Maio de 1809. com a conquista da cidade do Por-
as espécies principais que José Ma- mitida de geração em geração. Em to a 13 de Maio.
ria costuma trazer para terra, rumo 1870, período a partir do qual há re- Alterou a rotina, A Segunda Invasão Francesa Um espírito de valor e patriotis-
à pequena lota que resiste aos tem- gistos, os pescadores da Afurada e A intenção da UFGS tem por base os mo do 16.º Regimento de Infanta-
pos modernos. Ele é dos poucos que de Espinho instalaram-se na Agu- mas a vida foi acontecimentos históricos de 1809. ria são referência na divisa da sua
mantém a tradição da pesca arte- da, iniciando a construção de pe- normalizando e As tropas de Napoleão invadiam pe- bandeira: Conduta Brava e em tu-
sanal na Aguda. quenos abrigos em madeira para a la segunda vez Portugal, agora pe- do Distinta.
Na lota, os preços de venda ain- pesca do caranguejo “pilado”, que
houve aspectos lo Norte. O Porto, a segunda cidade
da são apregoados na moeda anti- depois vendiam aos agricultores lo- positivos mais importante do Reino de Portu- Francisco Silva
ga – “dois contos o quilo!” –, fazen- cais para adubo dos seus campos
do do leilão um verdadeiro “show”. de cultivo. Houve crianças a entrar e a sair,
As mulheres que recebem o resul- No início do seculo XX, a Aguda “como noutros anos”, e a entrada de
tado da faina vão, assim, expondo o tinha uma população de cerca de duas cuidadoras, ao abrigo do pro-
peixe fresquinho à espera de quem 300 pessoas, maioritariamente pes- grama Medida de Apoio ao Reforço
chegue para comprar. cadores, 47 bateiras grandes e 157 de Emergência em Equipamentos
Os clientes, cada vez mais raros, barcos pequenos. Agora, restam seis Sociais e de Saúde (Abril de 2020),
são os restaurantes locais, os habi- barcos de pesca que, com muitas di- para reforço de recursos humanos
tantes, alguns forasteiros e a peixa- ʠculdades, os pescadores vão man- no sector social.
ria “Mar da Aguda”. Praticamente, tendo a tradição. O ʠnanciamento é feito através da
a única nas redondezas e que man- Sem incentivos, nem ajudas da Segurança Social; a Câmara de Gaia
tém grandes tradições familiares autarquia e do Governo, os poucos e a União das Freguesias de Gulpi-
na venda de peixe fresco. pescadores que ainda existem… re- lhares e Valadares são parceiros es-
sistem. Mas diʠcilmente terão des- tratégicos – a autarquia deu um con-
Cada saída custa 40 euros… cendentes que queiram continuar tributo ʠnanceiro. As Empresas SOS
Os pescadores da vila da Aguda lu- este ofício. Os rendimentos escas- ajudaram “sempre que solicitadas,
tam com grandes diʠculdades pa- seiam e fora dali as oportunidades os Amigos SOS, com doações parti-
A população de Grijó insiste na criação de um centro interpretativo
ra manter os seus barcos a navegar. abrem outros horizontes. culares, e a ajuda de voluntários”.
da batalha que opôs as tropas invasoras francesas aos aliados
As muitas despesas de manutenção luso-britânicos | Francisco Silva
e o preço excessivo da gasolina não Conceição Dias e Michelle Bernachon Aida Maria
8 | Fotografia | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

Pormenor de uma Altar do Mosteiro de São Salvador


estátua religiosa de Grijó. Um dos monumentos abertos
num quintal privado a visitas, ao percorrer os Caminhos
nos Carvalhos. de Santiago pelo concelho de Gaia.
A limitação de O percurso é de cerca de 18 quilómetros,
ida a cerimónias tem início em Grijó e termina na Ponte
religiosas durante Luiz I, junto ao rio Douro. No painel da
o confinamento de capela-mor do mosteiro está representada
Janeiro, devido a Transformação de Cristo, obra pintada
à Covid-19 por Pedro Alexandrino, em 1795

Óscar Frias Orlando Fernandes

A “sua praia” é a do Senhor da Pedra há 53


anos. José Bernardo Pereira tem 85 e há
mais de meio século que tem a concessão
daquele pedaço de areia e rochas, que chegou
a estar na lista das 10 mais belas da Europa
(European Best Destination, 2015). Continua
a trabalhar para combater a inércia, ao lado
da mulher, Doralice Pereira. Por isso, está
aberto o ano inteiro. Natural de Mesão Frio,
começou a trabalhar com 11 anos, viveu no
Porto e mudou-se para Vila Nova de Gaia
em 1963. No ano seguinte, ajudou a fundar
o “Grupo dos Amigos do 1.º Banho do Ano”,
preside à Associação de Concessionários de
Praia e Bares da Orla Marítima de Vila Nova
de Gaia, à Comissão de Festas da Praia do
Senhor da Pedra, ganhou a medalha autárquica
de Mérito Profissional Classe Ouro e ostenta
o Brasão da Capitania do Porto do Douro
(50 anos de concessionário). José Bernardo
Pereira é o concessionário mais antigo de Gaia
e tem muitas histórias para contar. Não fosse
o Senhor da Pedra um local mítico e místico.
Para encontrar este veterano das praias, basta
procurar o Restaurante “Sinfonia Amarela”.
Para início de conversa, pergunte-se como foi a
experiência de participar no primeiro curso de
nadadores-salvadores leccionado em Portugal…

Agostinho Mendes

Chegada do
carteiro para trazer
“notícias do mundo
exterior”. Há
sectores de trabalho
que continuam a
ser essenciais e
que mantiveram a
sua actividade no
confinamento

Caria de Oliveira
A volta às compras numa loja em Pedroso, Uma balança Medines antiga é utilizada pelo dono
Carvalhos. O comércio local foi uma das áreas de uma loja de rua em Pedroso, nos Carvalhos,
mais afectadas pela pandemia Gaia, para fazer as pesagens dos artigos

Francisco Silva Francisco Silva

As imagens que contam


Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Fotografia | 9

“Vida por vida” é o lema dos bombeiros.


O Vozes de Gaia conheceu os bastidores dos
Bombeiros dos Carvalhos, instituição fundada
a 17 de Abril de 1911, então sob a designação
de “Bombeiros Voluntários Carvalhenses”

Aida Soares

Fotografar bem é
“Acção real”.
Durante a visita
uma arte. Para fazer
ao quartel, os jornalismo é preciso
bombeiros tiveram um pouco mais.
mesmo de sair para
uma emergência,
O Vozes de Gaia deu
numa ambulância. essas ferramentas.
A realidade é
sempre mais forte Saber captar em imagens o que
que a ficção os olhos vêm sob a perspectiva do
jornalista. Este foi o desaʠo lan-
Ronaldo Neves çado aos participantes do Vozes de
Gaia. Nenhum deles é proʠssio-
nal, poucos são experimentados
na arte da imagem fotografada.
Os obstáculos pareciam gigantes,
mas aos poucos a montanha foi
sendo escalada. As imagens des-
ta fotogaleria revelam alguns dos
melhores momentos apanhados
nas reportagens feitas no terreno.
“A água é a Desde o acompanhamento de
nossa arma”, na um dia no quartel dos Bombeiros
demonstração Voluntários dos Carvalhos, até à
de utilização do saída para a rua pra fotografar
equipamento momentos do (des)conʠnamen-
de combate às to, passando pela viagem que le-
chamas pelos vou os “peregrinos” do Vozes de
Bombeiros Gaia a fazer os Caminhos de San-
Voluntários dos tiago e o deixar para posteridade
Carvalhos as locomotivas agora desactiva-
das e que um dia foram a glória
Ronaldo Neves do progresso nacional.
Num tempo o telemóvel é o
meio preferido para fotografar o
mundo nas mãos dos cidadãos-
-jornalistas, era importante que
soubessem aproveitar todas as
potencialidades destas máqui-
nas fotográʠcas em miniatura.
Por isso, conceitos como o enqua-
dramento das imagens, a luz, o
melhor ângulo para fotografar, a
A majestade das “Equipa sempre paciência e o sentido de oportu-
locomotivas a pronta”. nidade para registar “o” momen-
vapor na Estação Bombeiros dos to, ʠzeram parte desta caminha-
das Devesas. O fim Carvalhos numa da de três meses.
da linha em cima simulação de E como para se fazer fotograʠa
dos carris que uma saída de não basta disparar o botão, é fun-
servem de pódio. emergência, com damental saber quais os preceitos
Muitas destas o protagonismo éticos e deontológicos que fazem
campeãs puxaram do momento da proʠssão de fotojornalista um
pelo progresso entregue a meio fundamental para retratar
nacional no século uma viatura de a realidade. O que pode fotogra-
passado. Agora, combate a fogos far, em que circunstâncias, o que
ninguém lhes sabe e os “homens é informação… O modo de os par-
o futuro. Para ser da acção” ticipantes deste primeiro módu-
redundante, só lo do Vozes de Gaia olharem para
falta a placa “Fora Xavier Neves a realidade enquanto ela aconte-
de serviço” ce alterou-se. É um facto.

Amadeu Iglésias Mário Barros

m histórias
10 | VNG | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

VIDAS GASTRONOMIA

Uma morena de pele dura,


Do Joaquim da Granja ao amada por muitos
“Joe” de Miami e vice-versa A broa de Avintes é, talvez, o símbolo maior da
Emigrou após o 25 de Abril de 1974. Nos Estados Unidos gastronomia de Vila Nova de Gaia. Feita a partir
da América conquistou a felicidade e um novo nome. de farinhas de milho branco e de centeio, o seu
Regressou para trazer histórias e agradecer a vida que tem. travo agridoce faz dela “um pão santo e bendito”.

Recebeu o nome de Joaquim San- Reza a história que o seu apareci- rinhas misturadas do fornecedor.
tos. Os Estados Unidos da Améri- mento se deve a uma decisão do rei Depois, ligam o fermento, a água
ca transformaram-no em “Joe”. Da D. Dinis que, para tentar reduzir os e o sal, com as mãos ou em amas-
Miami das celebridades do cinema incêndios que deʡagravam no Porto sadeiras. Se o trabalho for manual,
e da música, à Granja que um dia por causa dos fornos, separou as pa- juntam a massa a um canto e fazem
foi palco para alguma da realeza de darias. As das broas de trigo foram uma cruz, dividindo-a em quatro.
Portugal não houve estranheza. Aʠ- para Valongo e as das broas de milho Colocam-lhe por cima uma man-
nal, foi naquela pequena freguesia para Avintes, aproveitando o elevado ta, abafando-a, para levedar. Por
de Vila Nova de Gaia que Joaquim número de moinhos no rio Febros. ʠm, enformam a broa em escude-
Santos nasceu. Agora, Joe tem um Mas, só em 1563, o fabrico da broa las ou tigelas.
bar na pacatez e simpatia da terra de Avintes é citado pela primeira Antes de fechar a porta do forno,
natal, o “American Club”, onde mos- vez num alvará. Em ofício datado a padeira empunha a pá e com ela
tra a sua curiosidade pela vida. Via- de 12 de Dezembro de 1811 lê-se: “É faz o sinal da cruz, pronunciando
jou muito e do mundo trouxe ou- um pão santo e bendito, símbolo de a frase: “Deus te acrescente dentro
tras tantas histórias e delícias gas- paz, pioneiro da alegria, apóstolo do forno e fora do forno como pelo
tronómicas. As tertúlias de poesia do amor, criador e fomentador de mundo todo!”. Estes rituais e ora-
e de leituras fazem parte do menu. civilizações”. ções dão-lhe um cunho religioso,
O Vozes de Gaia foi encontrá-lo no A broa de Avintes é presença diá- de crenças cristãs.
seu habitat natural, envolto pelas ria à mesa dos avintenses. Fabrica-
paredes onde é impossível ʠcar in- -se a partir da mistura das farinhas A confraria
diferente às bandeiras dos Estados de milho branco e de centeio. A res- A Confraria da Broa de Avintes foi
Unidos da América e da Monarquia ponsabilidade da sua cor morena criada em 1997, após a primeira fes-
Portuguesa, entre guitarras e ou- é da farinha de centeio. De textu- ta da broa, em 1989. Além da preser-
tros adereços. Assim se faz o mun- ra húmida e macia, com pouca cô- vação dos valores tradicionais da
do de Joe, que sente “a falta do esti- dea, em forma de um cilindro con- confecção, dos ingredientes e das
lo de vida de Miami”. vexo na parte superior, salpicada raízes culturais, a ligação às gentes
O regresso às origens, é fácil de de farinha à saída do forno, deixa locais é fundamental para a preser-
explicar. “A Granja é um lugar nos- um intenso travo agridoce. O sabor vação da genuinidade da broa – “na
tálgico, de noites boémias das eli- é mais ou menos forte conforme o maioria das grandes superfícies é
tes de outros tempos… Durante dé- gosto dos fabricantes, que guardam falsiʠcada”, alerta o confrade Paulo
cadas, entre o hotel e a ‘Assembleia’, os segredos da receita, transmitin- Sá Machado. Esse laço explica o su-
foi palco de convívios, tertúlias de do-os apenas aos seus. cesso do Concurso de Quadras desde
elites da sociedade portuguesa e in- há 24 anos – a Associação Avinten-
ternacional”, diz Joe. De imediato A broa feita no feminino se, organizadora do evento, recebe
lhe saltam à memória nomes de A broa de Avintes tem uma forte liga- entre 700 a 800 quadras de cada vez.
gente ilustre que frequentava os ção à mulher. Na maior parte das ve-
ares frescos da Granja: o Rei D. Car- zes eram as próprias padeiras quem “Morena de pele dura
los, a Rainha D. Amélia, os escrito- fazia o transporte para o Porto, nos Desdenhei, quando te vi.
res Ramalho Ortigão, Eça de Quei- barcos “Valboeiros”. “Eram mulheres Provei-te, broa de Avintes.
roz e Almeida Garrett, Anselmo Jo- Joe já correu parte do mundo, mas não resistiu ao robustas, muito bonitas, sendo reco- Não posso viver sem ti”
sé Braancamp (ministro do Reino apelo da sua Granja natal | Michelle Bernachon nhecida a sua fama por todo o lado”,
José Vaz, Concurso de Quadras
e deputado, em meados do século diz Paulo Sá Machado, presidente da
XIX), além de ʠguras mais recen- Confraria da Broa de Avintes.
tes como o do antigo primeiro-mi- do navio para embarcar! O meu so- periência aterradora!”, lembra. Da Agora, as padeiras recebem as fa- Dalila Garcia
nistro Francisco Sá Carneiro ou da nho acontecia”, recorda. passagem pela China e Hong Kong
escritora Sophia de Melo Breyner. Desembarcou em Fort Lauderdale, diz ter sido “fantástico”. Ainda teve
A aventura de Joe começa em 1974, Florida, mas Nova Iorque foi o desti- tempo para visitar “os principais lu-
“no dia 25 de Abril”. De repente, “tu- no ʠnal. Teve “muito sucesso” como gares sagrados do mundo, ou con-
do mudou”. A Revolução alterou os gerente de casino até 2011, ano em siderados como tal, de Israel (Jeru-
hábitos dos antigos frequentado- que, por motivos familiares, regres- salém), à Arábia Saudita (Meca) e,
res da Granja e surgiu a oportuni- sou. “Um regresso temporário que de novo, Índia, à festa das cores e
dade de ir para Londres. Lá, estu- se transformou em permanente.” chegada da Primavera, com a vitó-
dou e trabalhou, abriu horizontes. Os ensinamentos que ganhou ao ria do bem sobre o mal”.
Fez formação em vinhos franceses. longo da vida levaram-no, também, De tudo o que viveu, Joe guarda
“Tinha em vista um navio que dava a optar pelo budismo e por ser ve- duas palavras: “orgulho e gratidão”.
a volta ao mundo, o Queen Elizabe- getariano. Fez vários retiros espiri- Do que agora sente, não tem dúvi-
th II, o meu sonho. Passei pelas zo- tuais, com formação em Hatha Yo- das: “Sem o conhecimento de outras
nas vinhateiras francesas, em tra- ga e Ashtanga e Reiki, percorreu de culturas nunca poderia ter cons-
balhos precários, pelo sul de Espa- autocarro a ligação entre Mumbai truído uma vida tão rica e versátil”.
O fabrico da broa de Avintes é citado pela primeira vez
nha, e, em meados dos anos 1980 (Índia) até ao Tibete, passando pe-
num alvará datado de 1563 | Rui Farinha/PÚBLICO
fui contactado pela empresa dona la fronteira do Paquistão. “Uma ex- Michelle Bernachon
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | VNG | 11

TRANSPORTES ROTEIRO

Autocarro anfíbio Uma toponímia


de Gaia ainda de mil nomes
está na garagem
Livro conta
Autarquia garante a história da
ter “tudo pronto”, freguesia de
mas a empresa à qual foi Canidelo através
entregue o serviço ainda do estudo dos
não colocou o veículo nomes dos sítios,
em funcionamento. da autoria de
Transporte incluído Manuel do Carmo
na rede “Andante” Ferreira.
ligará Crestuma
ao Cais de Gaia. ORLANDO FERNANDES

CAMINHADA Andar de mosteiro às costas São cerca de mil topónimos, apre-


O veículo anfíbio que devia ter co- O Mosteiro de São Salvador de sentados por ordem alfabética e
meçado a circular entre Crestu- De Grijó ao rio Douro pelos Grijó original foi fundado em 922, complementados por testemunhos
ma e o Centro Histórico de Vila No- no lugar de Muraceses pelos cléri- recolhidos localmente. Toponímia
va de Gaia ainda está na garagem. Caminhos de Santiago gos Guterre e Ausindo Soares – em de Canidelo – “Roteiro”, da autoria
Em ʠ nais de Maio, o presidente 938, adoptaram a regra e o hábi- de Manuel do Carmo Ferreira, con-
da autarquia, Eduardo Vítor Rodri- to de Santo Agostinho. Em 1112, foi ta a história da freguesia através
gues, anunciou que o serviço es- O Vozes de Gaia meteu pés ao caminho e foi saber transferido para o actual sítio. A no- de um estudo exaustivo dos nomes
taria em funcionamento “até ao alguns dos segredos dos Caminhos de Santiago no va igreja só seria tornada sagrada de lugares, sítios, ruas…
ʠ nal de Junho”, mas a empresa à em 1235 pelo bispo do Porto, D. Pedro A parte substancial do livro
qual foi concessionado o trajecto concelho de Vila Nova de Gaia. Uma empreitada a Salvador. No início do século XVI, o aborda a etimologia e explicação
ainda não disponibilizou o auto- cinco, que começou nos limites de Grijó e acabou convento estava em ruínas e, em dos topónimos, contextualizada
carro/barco. Foi pela voz do vice- junto à Ponte Luiz I, junto ao rio Douro. 1535, D. João III autorizou a trans- com o processo municipal de li-
-presidente da câmara, Patrocí- ferência do mosteiro para a Serra cenciamento e as circunstâncias
nio Azevedo, que ʠcou a saber-se de São Nicolau. Mas nem todos os sócio-económicas locais à data
do atraso, já que, da parte do mu- Foram 18 quilómetros de Grijó até Porém, não era apenas o carim- clérigos concordaram com a trans- das obras.
nicípio, “está tudo pronto”. à Ponte Luiz I, na margem esquer- bo que carregava as baterias dos ferência: em 1566 o Papa Pio V se- Baseado em trabalho de cam-
“Está contratualizado e com uma da do Douro. Percorrer os Cami- caminhantes. A perspectiva de parou os dois mosteiros. O regresso po, o livro refere diversas fontes
empresa local de Crestuma”, subli- nhos de Santiago como os milha- poder ver de perto o túmulo Mo- dos monges a Grijó marcou a refor- manuscritas e impressas, entre
nhou o autarca, que não sabe ain- res e milhares de peregrinos, que numento Nacional de D. Rodrigo ma do mosteiro. Em 1572 foi contra- as quais os arquivos e actas da Câ-
da precisar uma data para o início anualmente rumam a Santiago de Sanches, neto de D. Afonso Hen- tado o arquitecto espanhol Francis- mara Municipal de Gaia e Junta de
do serviço de transporte. O autocar- Compostela. Foram seis freguesias riques, tinha sido motivo de con- co Velasquez para desenhar o novo Freguesia de Canidelo, Arquivo da
ro/barco será incluído na rede “An- do concelho, por onde passa o cami- versa praticamente desde que os projecto. A 28 de Junho de 1574, foi Torre do Tombo, arquivos particu-
dante”, terá 52 lugares e fará o per- nho central português, o segundo pormenores desta andança ʠca- lançada a primeira pedra do dormi- lares e obras sobre o tema.
curso e entre a Igreja de Crestuma e mais percorrido dos que levam ao ram acertados. tório, mas as obras arrastaram-se O autor, autodidata natural do
a zona dos bares do Cais de Gaia em Norte da Galiza. Aqui chegados, o padre António até 1629, altura em que a capela-mor Porto (1947) e residente em Cani-
36 minutos, de hora a hora. Trajados a rigor, com mochila, a Coelho aguardava pelo início da foi concluída. Em 1770 o convento foi delo desde 1976, refere que o livro
Eduardo Vítor Rodrigues salien- concha ou vieira (símbolo dos pe- visita guiada a um dos mais be- extinto e os seus bens foram para o surge na sequência de um outro,
tou, na altura do anúncio, que o ser- regrinos) e a respectiva credencial, los monumentos do concelho de Convento de Mafra. As Ruas do Porto, ao qual dedicou
viço será “um misto de transpor- na qual foram colocados os carim- Vila Nova de Gaia. O vigário-geral 30 anos de trabalho e que aguar-
te público e de vertente turística”, a bos comprovativos do percurso feito, da Diocese do Porto guiou o grupo Albergue S. Salvador de Grijó da publicação.
funcionar como “vaivém”. A avalia- o Vozes de Gaia fez-se ao caminho. com uma visita por alguns dos re- Local de acolhimento para quem vai
ção da viabilidade será feita ao ʠ- Entre mosteiros e outros monu- cantos do edifício. O tempo corria a caminho de Santiago de Compos- Xavier Neves
nal de um ano e, se tudo correr co- mentos, passando pelo Albergue de e o trajecto era longo. Mas a tem- tela ou Fátima e passa por Vila No-
mo previsto, o veículo anfíbio po- S. Salvador de Grijó, a oportunida- po do terceiro carimbo na creden- va de Gaia, o Albergue de S. Salva-
derá chegar a General Torres ou à de de ver os patrimónios cultural, cial, cortesia dos Correios de Grijó. dor de Grijó está de momento encer-
Avenida da República, no centro de artístico, arquitetónico. Na capela Após o almoço, deixada a serra de rado, devido à pandemia. A falta de
Gaia. “Mas, numa fase inicial, o re- de Santa Rita, local de muita devo- Negrelos e passado o Memorial da meios para funcionar, nas condi-
batimento funcionará através dos ção e de promessas feitas e pagas, Escola de Pinheiro-Mejide (Canelas) ções requeridas pela Direção Geral
shuttles criados pela autarquia”, ex- e o Cristo cruciʠcado de tamanho para trás, o grupo entrou na malha de Saúde, assim o obrigam. As por-
plicou. real, que encontraram nas almi- urbana, por Santo Ovídio. Antes da tas foram, contudo, abertas ao Vozes
O presidente da autarquia disse nhas do Senhor do Padrão, houve recta ʠnal, uma paragem, na fei- de Gaia para testemunhar o estado
que a Administração dos Portos de direito a paragem. rinha na Rua de Soares dos Reis. frágil das instalações, com capaci-
Douro e Leixões (APDL) assumiu as No Albergue de Grijó, o momento Os ponteiros do relógio marca- dade para 24 peregrinos – camara-
obras para entrada e saída do anfí- foi o de colocar o primeiro carim- vam 16h45 quando o Posto de Tu- tas, balneários, cozinha, sala de es-
bio no rio, cabendo à autarquia as bo na credencial que os peregrinos rismo do Cais de Gaia apontava pa- tar e duas esplanadas. O albergue
obrigações de serviço público e o re- dos Caminhos de Santiago têm di- ra o último carimbo, junto à Ponte abriu a 25 de Julho de 2014, com as
lativo ao transporte anfíbio. O veí- reito. Seja o de uma entidade oʠcial, Luiz I, com um Porto de Honra. Ou obras de restauro a cargo dos volun-
culo funciona como canal alterna- seja o de um simples café pelo ca- as caves do vinho do Porto não es- tários da Confraria de Santiago de
tivo ao eixo rodoviário da Estrada minho. A etapa foi cumprida e não tivessem ali mesmo ao lado. Grijó. Ao longo dos anos, várias fo-
Nacional (EN)222. demorou muito para o segundo ca- ram as adaptações realizadas, mas
rimbo, mais à frente, no Mosteiro Caria de Oliveira, Francisco Silva, agora necessita de melhoramentos.
Caria de Oliveira de São Salvador de Grijó. Leonor Medina, Manuel Herculano DR
12 | Ambiente | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

SAÚDE

“Podemos beber água


da torneira à vontade”
Percentagem de qualidade atinge os 99,88 por cento
em Vila Nova de Gaia, ligeiramente acima dos
99,73 por cento da Área Metropolitana do Porto.

A percentagem de água segura em sa missão. Embora deva haver um


Portugal continental é de 98,66 por esforço para que a população par-
cento, valor considerado de excelên- ticipe no nosso quotidiano e perce-
cia. A informação consta no sítio da ba a nossa missão”, aʠrma o ad-
Entidade Reguladora dos Serviços ministrador.
de Águas e Resíduos e refere-se ao O grande problema está, quase
A ETAR de Febrelos é um dos eixos do ciclo de aproveitamento das águas em Vila Nova de Gaia | Nelson Garrido/PÚBLICO ano de 2019, tendo por base as aná- sempre, no ʠnal do mês. Isto por-
lises feitas em todos os concelhos. que, empresas prestadoras de ser-
Em Vila Nova de Gaia a fasquia sobe viço ao público “são muito critica-
ENTREVISTA para os 99,88 por cento. No total dos das”. “Somos os maus da ʠta, que
17 concelhos que compõem a Área enviamos a factura da água todos
Rota da Água, “um museu ao ar livre” Metropolitana do Porto, a média é os meses. Não criticamos a conta da
de 99,73 por cento. Detalhes, se con- Internet, nem do telemóvel, da te-
siderarmos que este patamar está levisão por cabo… E depois, a conta
Projecto tem por objectivos explicar o ciclo urbano da água e promover próximo da perfeição… que é a mais pequena de todas, que
pontos de interesse turístico do concelho de Vila Nova de Gaia, que tem “Recebemos água absolutamen- é uma necessidade, é a mais criti-
quase um milhar de quilómetros de linhas aquáticas. te segura, podemos beber água da cada”, lamenta.
torneira à vontade. Não tem pro- Mas, aʠ nal, o que paga o con-
blema nenhum”, garante Miguel sumidor ʠ nal quando olha para
Numa altura em que a escassez de cidadão pode inscrever-se gratuita- contro de histórias e sensibilizar pa- Lemos Rodrigues, administra- o extracto do banco? Miguel Le-
água é uma preocupação a nível mente no Centro de Educação Am- ra a necessidade e importância des- dor executivo da Águas de Gaia, mos Rodrigues explica, pergun-
mundial, a Águas de Gaia inaugu- biental e programar visitas guiadas te grande recurso. A Rota da Água é Empresa Municipal. Esta aʠrma- ta e responde. “A nossa factura é
ra uma série de percursos pelo con- para percorrer o concelho. um serviço muito mais do que tu- ção de conʠança é sustentada pe- composta por vários factores: pela
celho para mostrar a importância As histórias, as curiosidades das li- rístico, é cultural e de pertença das lo facto de a entidade gestora das água que consumimos em casa e
deste recurso natural. Ao mesmo nhas de água, leva-nos a pensar na populações. redes de água e de saneamento ter o saneamento. E porque pagamos
tempo que servirá como montra pa- descoberta além do grande centro recebido, em 2001, a primeira cer- saneamento? Porque toda a água
ra as atracções turísticas vila-no- urbano de Vila Nova de Gaia. Que projectos estão pensados pa- tiʠcação do seu sistema de gestão que consumimos é devolvida e tem
venses. Em entrevista ao Vozes de Temos várias rotas. Vamos poten- ra enfrentar a escassez da água? nos referenciais da Qualidade e do de ser tratada, para que possamos
Gaia, Miguel Lemos Rodrigues, ad- ciar, através da água, o conhecimen- Em Vila Nova de Gaia, e na área me- Ambiente (NP EN ISO 9001 e NP EN ter bandeiras azuis e um bom am-
ministrador executivo da empresa to do porquê da Capela do Senhor da tropolitana do Porto, essa questão ISO 14001) e, em 2003, em Seguran- biente. Os próprios resíduos tam-
municipal, explica o que é o projec- Pedra, de haver uma componente de não existe, felizmente. Mas a es- ça (OHSAS 18001). bém são pagos através da factura
to Rota da Água. rochas com interesse geológico em cassez da água é um problema glo- “Além disso, temos uma rede das águas.”
determinado lugar, de perceber que bal. Não devemos desperdiçar um de saneamento que não polui as Este responsável pela acção da
O que é o projecto Rota da Água? ao longo do rio Uíma há pequenos único metro cúbico. Se consumir- praias. Daí as inúmeras bandeiras Águas de Gaia junto do consumi-
Que interesse tem para os gaien- moinhos e zonas com história. Ire- mos de forma irracional estamos a azuis que nos são atribuídas e es- dor deixa ainda o desejo que “a po-
ses e para quem queira conhecer mos potenciar o concelho numa ló- contribuir para um problema glo- se é um trabalho de muita gente”, pulação conhecesse cada vez mais
Vila Nova de Gaia? gica de produto turístico através da bal, seja do País seja do Mundo. Es- prossegue Miguel Lemos Rodrigues. o trabalho na questão da prevenção
O Rota da Água nasce da visão de água, para que, quando se falar de tamos a desenvolver alguns projec- No entanto, este trabalho nunca dos ecossistemas, da biodiversida-
criar um museu da água. Explicar Vila Nova de Gaia, não se pensar só tos na reutilização da água residual está acabado. Uma das missões da de, o trabalho nas ribeiras, nas li-
e mostrar às pessoas o que é o ciclo nas caves do vinho do Porto e não se tratada, da que devolvemos através Águas de Gaia é levar informação nhas de águas, nas praias, na con-
urbano da água e como é importan- ʠcar pelo Cais de Gaia, mas conhe- dos sistemas de saneamento e que transparente junto dos consumido- servação da natureza”.
te no nosso dia-a-dia. Podíamos fa- cer o interior do concelho. Queremos chegam às ETAR [Estação de Tra- res. “De uma maneira geral, as po-
zer isso de forma tradicional, com usar a água como o transporte ao en- tamento de Águas Residuais]. Es- pulações são conhecedoras da nos- Caria de Oliveira
um edifício: as pessoas entravam e sa água é tratada e pode ser reuti-
faziam a sua visita. Mas quisemos lizada: para regar jardins, limpar
pensar fora da caixa. Criámos um “Olhámos para as cidades, algumas utilizações in-
grande museu da água e um gran- o território e dustriais. Não precisamos de utili-
de centro de educação ambiental à zar a água da rede pública, potável,
volta da água ao ar livre. Olhámos verificámos que que é tratada para consumirmos e
para o território e veriʠcámos que há uma enorme podemos dar-lhe uma ʠnalidade
há uma enorme riqueza imaterial, na óptica de economia circular. Por
a água, nas orlas atlântica e ʡuvial.
riqueza imaterial, exemplo: a água que sai da ETAR de
Ligadas com as diversas linhas de a água, nas orlas Gaia Litoral poderá muito em bre-
água – quase mil quilómetros – que atlântica e fluvial. ve ser utilizada para regar o Parque
abraçam o concelho, ʠzemos o le- de Sampaio, campos de golfe ou pa-
vantamento cartográʠco. E desco- Ligadas com as ra limpeza urbana. Estamos a con-
brimos que havia uma série de his- diversas linhas tribuir para a sustentabilidade am-
tórias para contar, curiosidades à biental. Temos projectos em curso
volta destes percursos pedonais, de de água – quase e alguns já apresentados a pensar
bicicleta, de veículos motorizados… mil quilómetros no futuro. Temos de encarar o fu-
O projecto Rota da Água é um grande turo como sendo o presente.
centro de educação ambiental, um
– que abraçam o Miguel Lemos Rodrigues, administrador executivo da Águas de Gaia,
Empresa Municipal | Caria de Oliveira
grande museu ao ar livre. Qualquer concelho.” Caria de Oliveira
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Ambiente | 13

LAZER BEM-ESTAR

Mudar… para Investir na natureza


ficar na mesma no formato de parques
O Parque de Vale Os espaços verdes são uma das apostas da Câmara
de S. Paio, em Canidelo, de Vila Nova de Gaia. Promover o contacto com
foi sujeito a uma a Natureza, os percursos pedestres e demais
intervenção este ano actividades ao ar livre são os objectivos. A valorização
que criou um novo destes espaços também se faz com equipamentos
espaço verde de três topo de gama, como é o caso da piscina olímpica junto
hectares de terreno. ao Parque da Lavandeira, um dos mais emblemáticos
Espaços de natureza e da cidade. Investimento: 10 milhões de euros.
de convívio, uma ciclovia
e áreas de descanso, A cidade de Vila Nova de Gaia tem mércio do Porto, em 1883, pelos “ren-
estão agora disponíveis à disposição dos munícipes 11 par- dilhados da cobertura todos de ferro
O Passadiço da Ribeira do Espírito Santo, em Miramar, fará parte da Rota ques urbanos. São eles o Parque Bio- e de uma leveza tão extraordinária
da Água | Fernando Veludo/PÚBLICO a todos os gaienses para lógico de Gaia, o Quinta do Conde que mais parecem recortes feitos
descobrirem e relaxarem das Devesas, o Botânico do Castelo, em papel transparente”, aguarda
TURISMO pela natureza. o Dunas da Aguda, o Ponte da Ma- agora por obras de restauro.
ria Pia, o São Caetano, o Vale S. Paio, Há também um antigo lago ro-
Acessos às zonas ribeirinhas junto à Reserva Natural do Estuá- mânico de grande dimensão, onde
rio do Douro (RNLED), o Jardim do outrora se passeava de barco, e ár-
com sinal mais no PDM de Gaia Morro, o Jardim Soares dos Reis e o vores de grande porte, como tuli-
Parque da Lavandeira. peiros, magnólias, camélias e ou-
Em todos eles, a aproximação e tras espécies que procuram repli-
Valorização dos espaços da orla fluvial é a próxima preservação de espaços verdes na car a ʡora dos grandes jardins da
grande aposta do executivo, em resposta à crescente urbanização é o objectivo funda- época oitocentista e novecentista.
mental. Seja através do contacto Ao lado do parque, em terreno
procura dos areinhos. com a natureza com os percursos municipal, está prevista a ediʠ-
pedestres e outras actividades ao cação de um complexo desportivo
A crescente procura dos areinhos, sas áreas com a componente de uti- ar livre, à protecção e observação de aquático que inclui seis pistas de 25
na orla ʡuvial, por parte das popu- lização dos espaços públicos, dos es- espécies de árvores, arbustos e ani- metros, localizada num tanque de
lações de Vila Nova de Gaia não pas- paços verdes e espaços pós-Covid-19. mais no seu habitat natural, como água, e duas pistas de 50 metros,
sou despercebida ao executivo ca- Tem e contempla essas preocupa- acontece na RNLED, até à prática de noutro tanque, que se adequam às
marário. Por isso, a melhoria dos ções. Mas é um documento que ain- exercício físico com a existência de necessidades de práticas olímpicas.
acessos às zonas ribeirinhas do con- da não está fechado”. aparelhos especíʠcos, como é o ca- A proposta visa ainda um terceiro
celho tem lugar especial no dese- Além do debate público feito acer- so do Parque Ponte Maria Pia, tam- tanque, com uma pista de 10 metros
nho do novo Plano Director Muni- ca do PDM, a autarquia apela às po- bém chamado Fitness Park. destinada às crianças.
cipal (PDM). “São zonas que temos pulações para que participem mais O Parque da Lavandeira, locali- Eduardo Vítor Rodrigues, presi-
olhado com muito interesse”, diz na melhoria de diversos equipa- Parque De S. Paio, Canidelo zado muito perto do centro de Gaia, dente da Câmara Municipal, re-
Miguel Lemos Rodrigues, adminis- mentos municipais. E a melhor for- | Orlando Fernandes nasceu da aquisição da antiga Quin- feriu, aquando do lançamento do
trador executivo da Águas de Gaia, ma de o fazer é mesmo visitando ta da Lavandeira, em Oliveira do concurso internacional, após apro-
Empresa Municipal. “Temos espa- esses locais. O centro de educação Douro. O projecto inicial designou vação por unanimidade do execu-
ambiental das ribeiras de Gaia é um O investimento total é de 3,5 mi- a construção de um labirinto, tiran- tivo de Gaia, a mais-valia do local
desses exemplos – “está aberto ao lhões de euros que, além da área já do-se partido da vegetação primiti- ser a sua utilização como centro
A autarquia público de forma gratuita, embora intervencionada, vão possibilitar va, e o erguer de um lago. de treinos pelos bombeiros. O au-
apela às ainda com as limitações para visi- trabalhos numa mancha arbórea Sendo um dos mais visitados no tarca garantiu que o município se-
tas, que são próprias deste momen- localizada mais no interior do par- município de Gaia, este ano uma so- rá responsável pela área social, no
populações to de pandemia”. Também a Esta- que, onde serão construídos cami- freu uma ampliação em mais de 30 que se refere à gestão e patrocínio
para que ção Litoral da Aguda merece o des- nhos e uma cafetaria. por cento da sua área actual. O es- do uso por parte das escolas e asso-
taque de Miguel Lemos Rodrigues: “é Embora esteja localizado junto paço foi reabilitado e, actualmente, ciações locais. Cancela Moura, ve-
participem mais composta por um aquário e um mu- à Reserva Natural, o acesso à mes- a Estufa da Lavandeira, uma peça reador do PSD, considera que “a po-
na melhoria seu das pescas e também está dis- ma será condicionado com as veda- de arquitectura neogótica do ferro livalência deste equipamento tam-
de diversos ponível para ser visitada”. O gestor ções existentes e maior ʠscalização, em Portugal, datada no século XIX, bém poderá reforçar a vertente de
aponta, ainda, as praias, as linhas garantiu o presidente da câmara, foi integrada no parque. A imponen- formação e o apoio a associações e
equipamentos de água, os passadiços ao longo das Eduardo Vítor Rodrigues, frisan- te estufa, destacada no jornal O Co- à Terceira Idade”.
municipais linhas de água e a Rota da Água (ver do que “esta obra está a ser leva-
texto nestas páginas) como pontos da a cabo com respeito pelas peças
ços fantásticos na orla ʡuvial para de interesse público. emblemáticas.” “Estamos a forta-
a fruição pública. Os acessos… é al- Com um orçamento anual na or- lecer os espaços públicos abertos e
go que, com o aumento do interesse dem dos 60 milhões de euros e 356 disponíveis para quem quiser uti-
nessas zonas, também têm de ser trabalhadores a cargo, a Águas de lizar”, frisou.
resolvidos e há projectos da câma- Gaia, Empresa Municipal gere to- O arquictecto Sidónio Pardal, res-
ra para os melhorar”, acrescenta. da a área relacionada com as praias ponsável pelo projecto, aʠrmou que
Em estreita cooperação com a do concelho, o programa Bandeira a sua intenção era tornar a vista so-
Câmara Municipal de Vila Nova de Azul, as redes de distribuição da bre o estuário do rio Douro “mais
Gaia e o Ministério do Ambiente, água, de saneamento (águas resi- expressiva” e que o “grande desaʠo
essas recuperações vão passar por duais domésticas) e águas pluviais. foi transformar tudo, para que tu-
O Parque da Lavandeira terá uma componente
melhorar os acessos para pessoas e do ʠcasse na mesma”.
dedicada à população sénior | Orlando Fernandes
veículos. O PDM gaiense “tem imen- Caria de Oliveira
14 | Cultura | Vozes de Gaia | Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021

Indústria da cerâmica,
um coração que (quase) parou
Chegaram a ser cerca de duas tarde o Mercado Ferreira Borges –
dezenas. Depois, veio o declínio. ambos na Invicta. A inauguração do
Ficaram várias ruínas, mas só dos trabalho foi a 21 de Junho de 1987.
edifícios. Ainda restam muitos A indústria da cerâmica teve, em
vestígios da força que a indústria meados do século passado, grande
da cerâmica em Vila Nova de Gaia fulgor em Gaia: chegaram a ser
conheceu no século passado. cerca de duas dezenas de unidades.
É uma resistente. Porém, antes dessa “explosão”,
O painel Ribeira Negra, do pintor a cerâmica era pouco mais do que
Júlio Resende, é um dos trabalhos um trabalho sazonal, feito no Verão
mais icónicos saídos dos fornos da pelos trabalhadores agrícolas, já que
Cerâmica do Fojo, em Vila Nova a telha e as louças preta e vermelha
de Gaia. Já lá vão 35 anos desde secam melhor com sol forte.
que os 40 painéis em azulejos A antiga Cerâmica do Fojo é apenas
foram concebidos como forma de um dos casos de sucesso e que
homenagear a vida das gentes da depois caíram em desgraça. Restam
Ribeira do Porto. Realizados em cerca quase só ruínas ou meros vestígios
de dez dias, tiveram como primeiro da sua actividade… Fundada por José
destino a Cooperativa Árvore e mais Maria Rodrigues Ascensão, em 1896,

ENTREVISTA contrar o seu lugar, questionava a a cultura que se ressentiram desta


aceitação daquele estatuto. A arte ofensiva, mas também a educação.

Gaia é “uma cidade compósita, contemporânea reivindicaria uma


forma crítica de estar na cidade:
provoca, desaʠa, interpela. Propicia
Se pudesse escolher, decidia viver
em Vila Nova de Gaia? O que mais o

em processo de mudança” outras leituras. A arte torna-se par-


te da construção da cidade e não,
como dizíamos nos anos 1960, mera
motivava?
Poder escolher uma cidade para vi-
ver é um privilégio a que poucos têm
imagem ou, como dizíamos nos acesso. Cada cidade é uma cidade
João Bonifácio Serra diz gostar de “deambular” em Vila Nova de Gaia e explorar anos 1960 da cultura burguesa, sim- particular e é todas as cidades. Acre-
as várias facetas do concelho. Em entrevista ao Vozes de Gaia, fala de cidades ples emblema na lapela. Por outro dito que é sempre possível encon-
lado, ao enfatizar a necessidade de trar numa cidade os traços de uma
e da complexidade de que são compostas. encontrar um lugar para a arte-ci- vivência que nos encanta e permite
dade, estava a denunciar uma cer- continuar a sonhar. Do que conhe-
Em que medida a cidade onde nas- ta tendência para a festivalização ço de Vila Nova de Gaia, uma cidade
cemos e crescemos pode influenciar quase generalizada entre as políti- compósita, marcada por diferentes
a nossa vida? cas artísticas e culturais urbanas. espaços e em processo de mudança,
A cidade onde crescemos será sem- Uma cidade é criativa, não por ser há lugares onde gosto de deambu-
pre um reservatório de memórias. por ser palco dos grandes eventos lar: as bordaduras do Douro – desde
É por isso que, mesmo quando a promovidos pelas grandes produto- a Ponte do Infante até à Ponte Luís
nossa vida se desenrola noutras pa- ras internacionais, mas pela mon- I e do Cais de Gaia até à Afurada –,
ragens, aquela é a cidade do nosso tagem de iniciativas, as mais das a Afurada, o Cabedelo, o Parque da
irmão gémeo (Orhan Pamuk des- vezes de pequena escala, que valo- Quinta do Conde das Devesas com as
creveu a cidade onde nasceu como rizam os saberes e recursos das co- suas camélias, e a Granja oitocentis-
uma busca do seu duplo). A cidade munidades, que se articulam com ta. Mas também sempre me senti
alimenta os nossos mistérios. Re- as escolas e as associações, que res- atraído pelas suas ruínas, nomea-
vemo-nos nos segredos da cidade, peitam as memórias do lugar, que damente as do passado industrial,
de que acreditamos ter um conhe- acumulam e legam competências onde avultava o complexo industrial
cimento exclusivo. Porém, a expe- locais. da Fábrica de Cerâmica das Devesas.
riência vivida noutra cidade, e até
a visão de outros sobre a “nossa” A cultura é o parente pobre do Orça- A construção de uma ponte pedo-
cidade, pode ser reveladora e permi- mento de Estado. Concorda com es- nal que ligasse Vila Nova de Gaia ao
tir-nos perscrutá-la de uma forma ta afirmação? Porto constituiria uma mais-valia para
mais exigente e mais contrastada. Não é só no nosso país. A parte pú- as cidades? Em que medida?
blica do apoio às actividades criati- Não estamos a falar de uma pon-
A frase é sua: “É importante que a vas e culturais recuou em todo o la- te meramente turística, pois não?
João Bonifácio Serra arte encontre o seu lugar na cidade”. do, nas últimas décadas, sob pres- Com margens tão próximas, as di-
É a arte que tem de encontrar o seu são do neo-liberalismo. A criação nâmicas históricas das duas cida-
Historiador, professor coordenador Civil do antigo Presidente da Re- lugar na cidade, ou a cidade que tem artística e cultural foi enquadrada des que se desenvolveram na foz do
jubilado do Instituto Politécnico de pública Jorge Sampaio. Desempe- de encontrar esse lugar na arte? pelo paradigma das indústrias cul- rio são, em larga medidas, comuns.
Leiria e autor de vários estudos da nhou os cargos de programador e A cidade convoca a arte para a cele- turais e aprisionada por critérios co- As pontes do Douro são todas pedo-
história política e social portugue- presidente da Fundação Cidade de bração, a exibição de um certo gos- mo retorno do investimento, con- nais, excepto a da Arrábida. Nesta,
sa contemporânea, João Bonifácio Guimarães, Capital Europeia da Cul- to, o marketing e o consumo social. tribuição para o turismo, recurso a pedonalização, embora prevista,
Serra foi assessor e chefe da Casa tura em 2012. Quando disse que a arte tem de en- económico, etc. Não foi só a arte e nunca foi concluída do lado de Gaia,
Segunda-feira, 9 de Agosto, 2021 | Vozes de Gaia | Cultura | 15

fabricava telha, tijolo, grés, faiança Na década de 1950, ergueu novas de máscaras para purificação do
decorativa. Em 1929, acrescentou instalações e nisso se reflectiu o ar nos sítios mais sujeitos à silicose,
materiais de construção à lista. aumento do volume de vendas para à criação de uma cantina, posto Em Valadares
As portas fecharam nos finais os mercados português, de França, médico, chuveiros e lavatórios. mora a ambição
do século passado. Reino Unido, Angola e Moçambique. Foram edificadas instalações para
Também a Fábrica do Carvalhinho Os azulejos da Carvalhinho ganharam a prática de futebol, atletismo, Há um bom exemplo de internacional pela qualidade
(13 de Novembro de 1841) fama, entre as décadas de 1930 e de basquetebol, voleibol, natação renascimento e de superação na da sua produção.
desempenhou um papel relevante 1960, em inúmeros edifícios públicos e um pavilhão. Na cultura, um grupo indústria da cerâmica de Vila Nova A Cerâmica de Valadares resistiu
no mundo da cerâmica. Instalada na e privados, em pavimentos e paredes coral e teatral encenava e levava de Gaia. A Cerâmica de Valadares, a falências e pandemias. Chegou
Capela do Senhor do Carvalhinho um pouco por todo o Norte do país. a palco diversas peças. As portas que este ano festeja o seu a fechar, entre 2012 e 2014,
(daí o nome), tinha os fornos e as Para este crescimento contribuíram fecharam em 1977. Resta a sua centenário, é um marco histórico mas renasceu. Para isso, os 130
oficinas em alguns barracões anexos artistas como Paulino Gonçalves, grandiosa chaminé… do concelho. Foi fundada em 1921 trabalhadores e o director dos
à fábrica. Erguida entre a Calçada da Francisco Macedo (painéis da As fábricas de cerâmica possantes por um grupo de seis homens, novos proprietários, a ARCH,
Corticeira e o Passeio das Fontaínhas, Câmara de Espinho, do Colégio de em Gaia foram, em certo sentido, dedicando-se à produção de barro uniram forças e retomaram
foi transferida para Gaia em 1923. Nossa Senhora da Bonança, da Igreja o coração da actividade industrial vermelho, tijolos, telhas, fornos de a actividade. Em 2020, teve
A Quinta do Arco do Prado oferecia, de Vilar do Paraíso e da Capela de do concelho. De oleiros artesanais, cozer pão, garfos, sifões, azulejos uma facturação de 5,8 milhões
então, mais espaço e uma localização S. João Baptista, Vilar do Paraíso), passando pelas peças de cariz e louça sanitária. de euros; aponta para os sete
privilegiada: estava a poucos metros ou Fernando Gonçalves (painéis do meramente utilitário, até às obras Na década seguinte inicia a milhões de euros no final deste
da Estação das Devesas e foi criado escadório do Santuário de Nossa de arte espalhadas por diversas produção de faiança, destacando- ano. Exporta para mais de 40
um cais ferroviário exclusivo. Senhora dos Remédios, em Lamego). latitudes, este ofício deixou marcas -se pelas peças decorativas países e projecta recuperar e
O crescimento desta unidade profundas no território e um legado portuguesas. Em 1949, no auge do rentabilizar as instalações perdidas
Um contributo para a cultura traduziu-se, também, na melhoria artístico invejável, reflexo da sua sucesso, expande as instalações. pela antiga empresa, bem como
A Fábrica do Carvalhinho foi um da qualidade das instalações para época de ouro. Três décadas depois, consegue erguer um parque industrial e o
dos grandes expoentes da pujança os trabalhadores. Desde iluminação o reconhecimento nacional e Museu de Valadares.
da indústria cerâmica em Gaia. apropriada, aquecimento geral, uso Amadeu Iglésias e Suzana Castro

penso que por diʠculdades técni- cidades proporcionam alternativas


cas. Talvez se pudesse retomar es- ao papel da rua na antiga cidade é
sa hipótese. Provavelmente, na co- um barómetro da qualidade do seu “O torno limita a criatividade”
ta baixa, uma ponte pedonal não espaço público.
será compatível com o tráfego ʡu- do ceramista José Fraga
vial. Eu costumo usar um substitu- O turismo e a sua massificação têm
to de travessia pedonal, o pequeno contribuído para a descaracterização
[barco] “Flor do Gás”, entre o cais de das cidades? Entrar no ateliê de José Fraga é abrir a porta
Lordelo e o cais da Afurada. Os cidadãos devem questionar-se a um mundo sempre em renovação.
sobre que tipo de turismo querem
Qualquer cidade pode ser candidata a para a sua cidade e que tipo de troca
capital Europeia da Cultura? Ou tem estão disponíveis para efectuar com Cada peça é única, nunca faz to, José Fraga não se queixa. Diz
de possuir características específicas? os que a visitam. Se só esperam que “saldos” e inspira-se “na Natureza, que vive da arte.
O título de Capital Europeia da eles adquiram o “artesanato” pro- nos sonhos e nos sentidos”. Para Começou por expor na Exponor
Cultura não é um ponto de parti- veniente de África ou da Ásia e con- ver de perto os pincéis, os moldes, e aos poucos foi divulgando a sua
da, mas um ponto de chegada. É sumam “produtos turísticos” mas- os trabalhos acabados e por aca- arte e consolidando clientela. É
uma operação que permite capaci- siʠcados, não esperem cumplicida- bar, as tintas e as incontáveis fer- membro do projecto “Rotas de Ce-
tar as instâncias criativas e cultu- de e partilha dos visitantes. ramentas espalhadas pela banca- râmica”. Vende para vários países
rais da cidade, não é uma operação da é preciso saber esgueirar-se por da Europa e até Austrália e Dubai.
de marketing urbano. Um dia, já lá A pandemia revelou muitas fragili- espaços exíguos, onde mal parece As peças são todas feita à mão
vão uns anos largos, um presidente dades estruturais das cidades que caber uma folha de papel. porque o “torno limita a criativida-
de uma câmara convidou-me para conhecemos. Que tipo de cidade nos A entrada para o pequeno espaço de”. Nunca faz duas peças iguais.
elaborar um dossiê de candidatu- reserva o futuro? onde o ceramista José Fraga expõe Além das cerâmicas, tem painéis
ra da sua cidade ao título de Cida- Um dos maiores desaʠos é ético. e vende o resultado ʠnal de horas e esculturas. Vende muitas peças
de Criativa da UNESCO. Em contra- Lidar com a fragilidade, lidar com a de trabalho faz-se pela parte de ci- decorativas para habitações e es-
partida, propus-lhe preparar com dissonância, saber escutar. Acima ma da Rua do General Torres em tabelecimentos.
os actores das artes da cultura e da de tudo, pôr um travão no descartá- direcção à Ponte Luiz I. Uma sala O atelier tem quatro fornos de
educação do seu concelho um pro- vel, no desperdício de recursos e de com obras das mais variadas diversas dimensões, onde coze
grama de acção a dez anos. Só de- gerações, na substituição e no fre- sortes dá as boas-vindas e aguça sempre as peças duas vezes. E to-
pois avaliaríamos os méritos de tal nesim da aceleração que a técnica e de imediato os sentidos. das pintadas à mão.
candidatura. a ciência supostamente autorizam. José Fraga frequentou o curso Fala com paixão dos seus for-
O planeta continuará a ser habitá- de Escultura na Escola de Artes mandos, cuja idade é muito he-
Antigamente, as crianças brincavam vel? As cidades estão na primeira decorativas de Soares dos Reis, terogénea. Trabalha com crian-
nas ruas. Essas cidades eram mais ou linha da resposta. Mais do que fa- no Porto. É natural do Candal, ças autistas e recebe alunos
menos amigáveis do que as actuais? zer grande planos, é preciso avaliar Vila Nova de Gaia. Trabalhou 18 que fazem estágio no seu ateliê.
Eram mais amigáveis. Eram me- os impactes das decisões. Só é acei- anos na Cerâmica de Valares, Garante ainda que “o caminho es-
nos segregacionistas, mais segu- tável fazer aquilo que é susceptível mas nunca tirou o foco da cria- tá na diferença e originalidade.
ras e mais valorizadoras do espa- de reparação. Não sei que tipo de ci- tividade. Desde 1990 que se dedi- A cerâmica de autor é um labo-
ço público. A massiʠcação da cida- dade nos reserva o futuro, mas as ca exclusivamente à arte da ce- ratório de ensaio e uma aprendi-
de, o ʠm da cidade onde se vivia e decisões das cidades determinarão râmica artesanal e à formação. zagem permanente”. Um grito de
trabalhava reconʠgurou o espa- muito do futuro das espécies cujo Apesar da pandemia ter abana- formas e cores.
ço urbano e pôs ʠm à rua como destino nos é comum. do também este sector, pois no
espaço de vida. A rua é agora espa- apogeu do turismo vendia mui- Dalila Garcia
ço de circulação. A forma como as Dalila Garcia
Decidi inscrever-me
para conhecer pessoas,
compreender melhor
a informação dada
pela comunicação social
e saber mais sobre
os aspectos social
e cultural de Gaia”
Leonor Medina
67 anos, Vila Nova de Gaia

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