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02 Paraty: Promessa de futuro | vitruvius

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208.02 Paraty ano 18, nov. 2017

Promessa de futuro
Ponta Negra A.L. (Antes da Luz)
Didiana Prata

208.02 Paraty
sinopses
como citar

idiomas

original: português

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208
208.01 São Paulo
Patrimônio, sociedade e
cidade
Sabrina Fontenele e
Silvio Oksman

208.03 São Paulo


Fronteira livre
Intervenção para a 11ª
Bienal de Arquitetura
de São Paulo
Goma Oficina

208.04 Barra do Bugres


Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica MT
Foto Didiana Prata Um canteiro de
apropriações
Paloma Morais Turchen
Ponta Negra é uma comunidade caiçara pertencente ao município de Paraty
RJ. Fica tão perto de um dos maiores centros históricos e turísticos
brasileiros e muito longe da intelectualidade, da historicidade e do luxo
paratiense. Nesse vilarejo sem energia elétrica vivem 200 moradores
(escrevo esse relato em julho de 2017). A mata atlântica, para o bem ou
para o mal, impede o acesso de veículos até esse pedaço de continente,
encrustado entre a Ponta da Joatinga e a Praia de Trindade. Chega-se de
barco ou a pé, por trilha, restringindo o número de visitantes a este
pequeno paraíso. A praia é pequena e ainda guarda características de uma
vila pesqueira. Na areia, vê-se redes do cerco (tipo de pesca cada vez
mais rara nesse litoral), choupanas, barcos, canoas e dois barzinhos
locais, pertencentes as duas famílias mais antigas da vila. A chegada de
voadeira também é bastante peculiar, aterrissa-se diretamente na areia –
aproveitando a inclinação da praia de tombo.

Frequento esse refúgio desde 1989. E não me canso de colecionar imagens


desta paisagem paradisíaca espremida entre um paredão de montanhas e o
mar aberto. As pedras no meio do mar, as cachoeiras, as trilhas entre as
moradias, a Igrejinha, minha casinha na roça, o charme, o romantismo e o
mistério ao cair da noite, quando ficamos a mercê do céu estrelado, da
luz de velas, do fogo e da água.

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Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

Nesse inverno, a paisagem mudou. Ao desembarcar em Ponta Negra, me


deparei com um monolito logo na entrada principal, na subidinha da praia
para a trilha que leva à comunidade. A promessa da luz elétrica para esta
última comunidade A.L. (antes da luz) deverá ser finalmente cumprida pelo
programa federal “Luz para todos” até dezembro deste ano. A empreitada
das instalações exige um planejamento e tanto: lanchinhas (as voadeiras)
transportam os postes até pontos estratégicos. O desembarque exige
traquitanas dignas de carregamento de pedras do século 18; um pedaço de
pau com tramelas na horizontal, apoiadas nos ombros de meia dúzia de
homens por poste. A cena é surreal. Tipo Fitzcarraldo em plena mata
atlântica.

Os postes são cinzas, de pvc, e ainda estão reluzentes. Representam a


promessa do futuro e farão, sem sombra de dúvida, uma baita diferença no
desenvolvimento educacional e social dos moradores da vila. Os postes
também são os ícones de um imaginário cotidiano e urbano e do sonho do
acesso à televisão, geladeira, máquina de lavar, internet, ventilador, da
motoserra, do compressor da cadeira do dentista, do funk carioca, da rede
social.

Realizei o trajeto desde a praia dos Antigos, o local do desembarque dos


postes, até a praia de Ponta Negra. São 2 km de sobe e desce a serem
vencidos no meio da floresta, entre praias desertas e rios e montanhas –
dentro de uma reserva intocável de Mata Atlântica, no Parque Estadual da
Joatinga. Essa deriva, já praticada tantas vezes, a fim de fotografar a
exuberância da mata, da flora e do mar, ganhou outro objetivo: registrar
os postes dispostos ao longo do trajeto, os novos menires do nômade
contemporâneo na floresta.

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Foto Didiana Prata

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Foto Didiana Prata

Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

A execução dessa obra de infraestrutura urbana – realizada em pleno


século 21, entre as duas maiores cidades brasileiras (Rio de Janeiro e
São Paulo) – evidencia falhas de um planejamento urbanístico e ambiental
para um projeto desse porte. A energia solar, já usada como fonte de
energia de muitas moradias da vila, além do enorme potencial de captação
e produção de energia hidráulica, me parecem soluções mais coerentes.
Passar fios à céu aberto e postes por uma reserva intocável de mata
atlântica é no mínimo um ato questionável, visualmente chocante, e parece
seguir às práticas do “sempre foi assim” e a lógica do “menor custo”.
Será que a sociedade civil, as associações ambientais e sociais, não
governamentais ou governamentais, responsáveis e envolvidas na
preservação dessa reserva, não poderiam ter ido um pouco além? Teria sido
uma oportunidade ímpar para um projeto interdisciplinar e colaborativo.

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Foto Didiana Prata

Os postes – na sua forma esbelta, plástica e artificial – marcam a


paisagem, invadem a floresta, mimetizam com troncos de palmeiras, são os
ícones dos tempos modernos e vislumbram uma promessa de uma vida mais
confortável para a população local. No meio da mata, essas “coisas
urbanas” ladeiam a estreita trilha de pedestres, seguindo o modelo de
fiação e postes ao longo de vias. As condições locais dessa instalação
“civilizatória” é cercada por árvores nativas e os cipós fatalmente
invadirão os fios, numa luta inglória entre a mata e os fios elétricos. A
manutenção será contínua – e a longo prazo, provavelmente bem mais cara
do que o investimento em instalações subterrâneas, ou uso de outras
fontes de energia. Mas vou deixar essa análise da infraestrutura para os
especialistas e focar no viés paisagístico e estético dessa história.

Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

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Foto Didiana Prata

Na vila, a localização dos postes remetem à esculturas urbanas, como os


obeliscos Mausoléu aos Heróis de 32, conhecido como Obelisco do
Ibirapuera, o Obelisco de Buenos Aires, na Praça da República – erguido
em comemoração ao quarto centenário da fundação da cidade. E a icônica
Coluna Infinita, de Brâncusi, em Târgu Jiu, Romênia.

Esses marcos urbanos, dispostos propositalmente no meio da paisagem,


parecem ter uma função visual e simbólica de marco. Essas esfinges ferem
o visual dos pontos de fuga e a imagem da paisagem bucólica das casas, da
pracinha, da igrejinha, da escola. Estes postes, enunciam uma promessa de
futuro para os moradores locais. E marcam uma mudança fundamental na vida
dessas pessoas que estão a apenas 30 minutos de Paraty e ainda vivem sem
energia.

Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

Imagino que aos olhos dos moradores locais, os postes representam a


domesticação dessa natureza indomável por tantos anos. Na chave deste ato
civilizatório, associo também outros elementos que compõem esse novo 
imaginário caiçara, como o calçamento de pedras sobre as trilhas de terra
e a construção das pontes pênsil de madeira sobre as cachoeiras, além da
chegada da "vendinha", três benfeitorias ocorridas nos últimos dez anos.

É justamente na chave do consumo – de coisas da cidade, produtos


industrializados – que vemos as representações mais emblemáticas dessa
domesticação. É muito interessante observar o hábito das crianças locais
de jogarem papéis de balas multicoloridas (nos tons rosas e verde-limão
chocantes), além de saquinhos de salgadinho (de alumínio brilhante) no
chão, no meio da trilha. Nesse gesto inconsciente de demarcação de
território, elas deixam seus rastros. Esses resíduos coloridos,
fluorescentes ou espelhados são íconicos e um dão um recado para nós
(paulistas, cariocas, estrangeiros e ambientalistas) de que os nativos
também tem acesso aos bens de consumo e produtos “da civilização”.

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Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

A monumentalização desses postes-menires segue a lógica do “estive aqui”,


do “chegamos”. Os fios ainda não foram passados. A NET, a Vivo e a Claro
ainda não atacaram esse novo mercado. A igrejinha ainda não está
“amarrada” visualmente pelos fios que estão por vir. Cabe a nós,
arquitetos e pesquisadores, apontar para as questões de percepção
estética da paisagem. Ao documentar essas transformações, não tenho
pretensões de mudanças urbanísticas ou ambientais. Mas quem sabe
contribuo à educação do olhar, da apreensão estética do lugar, do ver
lento.

Meu próximo ensaio será D.L. (depois da luz). E a promessa dessa paisagem
futura, aos olhos desta paulistana, não é nada promissora.

Ponta Negra, Paraty RJ, implantação de energia elétrica


Foto Didiana Prata

sobre a autora

Didiana Prata é arquiteta e designer gráfica, mestre pela FAU USP. Pesquisa o
design e a estética das narrativas visuais em diferentes interfaces.

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1 comentário Classificar por Principais

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Fernanda Savoldi · Colégio Dante Alighieri


Parabéns pelo trabalho!! Fim de semana passado eu e Juca estivemos
lá e o comentário que mais me chamou a atenção foi: depois que a luz
chegar não vamos mais ver essa criançada brincando na praia, ficarão
em suas casas assistindo televisão. Infelizmente perderemos também
um pouco dessa paisagem.
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