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Forma-estrutura
Matriz de expressão tectônica da FAU USP
Monica Aguiar e Marcos Favero
223.04 estrutura
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223
Forma-estrutura: conceituação
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Forma-estrutura é um conceito, um dispositivo do pensamento que, de acordo com Carlos
Brandão, pode ser considerado fruto de reflexões alimentadas por certa práxis; portanto, “não é
uma invenção ex-nihilo, mas uma compreensão daquilo que efetivamente vivemos” (4). É neste
espaço que se encontra a caracterização de forma-estrutura aqui trazida à discussão.
Ao analisar a obra de Affonso Eduardo Reidy, João Masao Kamita menciona “uma transição do
livre exercício da sintaxe corbusiana para procedimentos de fusão e condensação expressiva
entre forma e estrutura” (5).
Será matriz de expressão tectônica quando a comunicação do processo construtivo se der pela
percepção da “realização de um conceito intangível, no caso a estrutura, materializado pela
construção, que ganha expressão visual através da tectônica”, caracterizando-se assim como uma
manifestação particular de empatia no campo da Arquitetura, de acordo com Heinrich Wölfflin em
Prolegomena zu einer Psychologie der Architektur (1886), como aponta Eduard Sekler (7).
Kenneth Frampton afirma que a propriedade expressiva da tectônica ativa a noção etimológica de
techne, associando à mesma palavra a existência simultânea de arte e ofício. Tal associação
indica o que está latente no trabalho levando o significado de techne a evidenciar uma condição
ontológica de uma “coisa através da revelação de seu valor epistêmico” (8). Portanto, na
expressão tectônica é intrínseco ao objeto construído um saber-fazer. Aqui, um saber-fazer que
considera a geração da forma a partir da estrutura portante.
Ada Huxtable (9) e Guilherme Wisnik (10) corroboram o conceito quando, respectivamente,
analisam projetos de Pier Luigi Nervi e João Batista Vilanova Artigas, nos quais apontam uma
identidade fundamental entre a estrutura espacial e a estrutura portante. Essa associação implica
a distinção entre uma e outra para que se compreenda como, em certas circunstâncias, podem
adquirir identidade, como uma qualidade do que é idêntico, com paridade absoluta.
Desde a construção do abrigo mais primitivo a delimitação do espaço pela construção se deu por
práticas construtivas empíricas. No entanto, com a Revolução Industrial surgiram novos
paradigmas que alteraram essa condição e é apenas a partir daí que se pode abordar o
significado de estrutura portante e independente, até então desconhecido no contexto da
construção. Um primeiro conceito teórico sobre as estruturas se formou com Jean Rodolphe
Perronet que, em 1770, associou a constituição dos esqueletos de animais ao sistema portante
das edificações, permitindo o entendimento deste sistema como algo dissociado do todo edificado,
assim como os esqueletos dos animais do restante de sua constituição (12). Em 1826, Claude
Louis Marie Henri Navier elaborou uma teoria específica para as estruturas, analisadas a partir daí
como um sistema (13), possibilitando a solução de problemas a priori, contrariando as práticas
empíricas vigentes. Assim, a criação de um sistema estrutural abstrato, configurado em um
modelo de análise, transformou-se em uma operação formal, possibilitando a materialização da
estrutura portante na obra.
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processo construtivo se mostra na materialidade estrutural e o que essa condição pode
comunicar.
Construção: 1966-1969
Projeto Estrutural: Escritório Técnico Figueiredo Ferraz – Engenheiro José de Almeida Castanho
Para Felipe Contier, o projeto da FAU USP foi uma missão, “uma arquitetura para representar a
própria arquitetura no conjunto da universidade” (15). Templo é a palavra definidora daquela
espacialidade, onde um peristilo encimado por um entablamento informa ao sujeito que este se
encontra diante de algo imponente e francamente penetrável. Ali o corpo social é prioridade, a
compreensão do todo espacial é imediata e, naquele espaço, o discurso de Artigas se impõe.
Para Forty o edifício exibe contrastes entre peso e leveza, e também entre a tecnologia e o
arcaico:
"Artigas e seu engenheiro enfrentaram um grande problema para criar o efeito de tanto
sendo sustentado por tão pouco. O que eu acho notável neste edifício é o contraste
entre, por um lado, a extrema elegância e sofisticação da engenharia estrutural, e por
outro a rudeza de sua execução" (16).
Externamente vê-se uma caixa maciça que, internamente, revela-se um invólucro esbelto onde se
inserem “edifícios dentro do edifício” (17). Os pilares externos extrapolam sua função portante e
se mostram como esculturas prismáticas. No interior o movimento é contínuo, conduzido por
rampas que sobem aos níveis superiores. A caixa é encimada por uma cobertura em grelha plana
cujos vazios são cobertos por placas translúcidas proporcionando iluminação zenital.
Imposição da forma
Ao descrever o projeto Artigas se refere a um ponto que interessa a essa análise: “A sensação de
generosidade espacial que sua estrutura permite aumenta o grau de convivência, de encontros,
de comunicação” (18). Estratégia projetual que denota intenção de associar as estruturas portante
e espacial.
Os primeiros esboços do projeto mostram uma caixa de concreto suspensa sobre rampas de
circulação, apoiada em pilares distribuídos em uma planta quadrada. Já no início a
monumentalidade era determinante e vinculada ao que Sophia Telles descreve como uma “filiação
aos projetos corbusianos quanto à ortogonalidade e ao uso de empenas estruturais que são
típicas da referência mediterrânea de Le Corbusier, dentro da tradição mais ampla do projeto
quanto à verdade dos materiais e às estruturas aparentes” (19).
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Croquis de Vilanova Artigas para a FAU USP [Acervo da Biblioteca da FAU USP]
Artigas, em seguida, considera manter os pilares nas extremidades da caixa, inclinar os pilares e
as bordas do edifício ou recuar os pilares para o centro, deixando as extremidades em balanço.
Todas decisões de caráter espacial vinculado ao caráter estrutural.
Croquis de Vilanova Artigas para a FAU USP [Acervo da Biblioteca da FAU USP]
Por fim, evolui para uma planta retangular e chega ao que se transformaria no projeto final.
Observa-se em planta baixa o posicionamento lateral das rampas, o pátio central, a ocupação
periférica e certa modulação de pilares. A perspectiva mostra as relações de proporção
garantidoras da monumentalidade e a distribuição dos pilares da fachada, mantendo os quatro
cantos do entablamento em balanço.
Croquis de Vilanova Artigas para a FAU USP [Acervo da Biblioteca da FAU USP]
Durante todo o processo o conceito da forma-estrutura está presente: a forma surge vinculada à
estrutura portante. A expressão tectônica que resulta dessas decisões se dá por meio da
experiência em um espaço onde a relação entre arte e técnica provoca a “sensibilidade governada
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pela razão”, que Telles explicita como “operação moderna”, na qual a “forma, enquanto percepção
imediatamente sensível, será ao mesmo tempo a razão em ato” (20).
Estabelecendo uma modulação de 11m x 11m em uma grelha de eixos perpendiculares entre si
(21), Artigas condiciona o projeto a uma solução estrutural específica enfatizando a racionalidade,
com reflexos na distribuição do programa em espaços singularizados pela configuração de planos
verticais descontínuos de fachadas internas, pela execução de balanços e recuos, gerando
ambientes organizados de maneira flexível, em meio à presença da estrutura portante. Em
entrevista realizada em 1978, Artigas descreve como se deu a depuração da forma:
"Tinha de ser um prédio sem a menor concessão a nenhum barroquismo, que tivesse
insinuações de uma extrema finura, para dizer que partia de um bloco inerme. O resto,
de uma tremenda simplicidade, compreensível para qualquer um. Que não tivesse
nenhuma loquacidade, nenhuma veemência no discurso, nenhuma concessão barroca,
nada. [...] Não chega a ser nada. [...] Não tem porta de entrada"(22).
O “nada” resultou em um projeto estrutural complexo gerado pela imposição da forma, com
problemas como: o estabelecimento da modulação de 11m vinculada a uma espessura máxima de
80cm para as lajes, cuja solução foi o emprego de lajes nervuradas com caixão perdido; a
duplicação do módulo central mantendo-se a espessura de 80cm para as lajes, decisão que
obrigou o emprego do concreto protendido; e as seções variáveis dos pilares dos pórticos em
“complexificação quase barroca” (23), enfatizando as condições de equilíbrio da edificação pela
materialização da separação entre os pilares e sua base tronco-piramidal, desvinculando a
superestrutura da infraestrutura que emergia do solo, como se vê nos desenhos de fachada.
Ampliação do detalhe da junta nos pilares da fachada do anteprojeto da FAU USP [BAROSSI, Antonio
Carlos. O edifício da FAU-USP de Vilanova Artigas (Editora da Cidade)]
O projeto foi qualificado por Castanho, engenheiro estrutural responsável, como um trabalho de
“relojoaria” (25), tal o grau de minúcia exigido no seu cálculo e detalhamento.
A imposição da forma nas seções dos pilares é problemática, pois o pilar deixa de ser definido
pela carga que suportará. Nota-se, em uma estimativa geral de cargas, que os pilares dos pórticos
são os menos carregados e os pilares internos os mais carregados, e que as seções transversais
dos pilares internos são menores do que as dos pilares dos pórticos, havendo ali uma
desproporcionalidade que contraria princípios de dimensionamento da Engenharia Estrutural.
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Corte transversal ilustrativo do esquema de distribuição de cargas nos pilares da FAU USP
[GIANNECCHINI, Ana. Técnica e estética no concreto armado]
Segundo Howard essa seria uma estrutura adequada, aquela possível em atendimento a
requisitos arquitetônicos específicos, que é o caso dos pilares internos e das lajes nervuradas com
80cm de altura, padronizadas independentemente do carregamento ou vãos a serem vencidos.
Quanto aos pilares externos, além da relação de seu desenho com as cargas ser relativizada, o
formato precisou ser alterado com relação à proposição inicial.
Desenhos dos pilares da fachada: à esquerda proposição inicial de Artigas, à direita como executado na
FAU USP [BAROSSI, Antonio Carlos. O edifício da FAU-USP de Vilanova Artigas (Editora da Cidade)]
Segundo Castanho não foi possível executar essas articulações e precisou-se manter a
monoliticidade ao longo de todo o comprimento, marcando-se a junta apenas superficialmente em
um baixo relevo de 3cm (26). Esse detalhe específico, que caracterizaria a “materialização de um
conceito estrutural através da construção” (27), precisou se revelar apenas figurativamente.
Apesar de Wisnik argumentar que existe em Artigas uma severa moral construtiva que procura
explicitar a “mecânica da construção, legível nas cargas e empuxos que determinam o desenho
dos pilares” (28), aqui isso não foi possível, predominando o que Howard classifica como uma
estrutura formal ou escultural, ou seja, aquela em que os elementos são exagerados ou cujas
formas refletem um uso não eficiente do material, apenas pela causa do impacto emocional. Esse
aspecto do projeto da FAU USP é uma evidência de que “o arquiteto é o mestre inquestionável da
expressão tectônica” (29).
O pórtico possui expressão tectônica inegável, que Sekler identifica nos templos gregos do
Paestum e do Parthenon como “o gesto nobre que torna visível um jogo de forças, de suporte de
cargas em colunas e entablamentos, suscitando nossa própria participação empática na
experiência” (30). É ali que o impacto emocional a que Howard se refere pode ser entendido como
uma experiência empática observada por Forty quando menciona o “tanto sendo sustentado por
tão pouco” (31).
A expressão tectônica desses pórticos também revela um valor epistêmico inerente (33) e
coerente com o discurso de Artigas, que atribui à “exuberância formal” e à “audácia técnica” de
sua arquitetura a capacidade de superar uma “realidade social caracterizada pelo atraso de sua
infraestrutura” (33). Ainda segundo Artigas: “O edifício criado pelo homem, assim como tudo que é
criado por ele, prevalece no conjunto do ambiente com a linguagem do autor, mas como a
expressão de todo o conhecimento artístico da época em que foi feito” (34).
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A imposição da forma no projeto da FAU USP é, portanto, um aspecto evidente que demandou da
Engenharia Estrutural soluções inovadoras. Todavia, imposição que pode ser considerada a
origem de um edifício no qual se materializa a associação entre arte, técnica e ofício; condição
ontológica que se manifesta na expressão tectônica proveniente da matriz forma-estrutura.
Legibilidade Estrutural
A legibilidade estrutural em certos projetos de Artigas é questão intrínseca, pois, conforme Wisnik,
ele fez da forma construída a expressão do seu comportamento estrutural, evidenciando “os
esforços tectônicos da construção e seus vínculos dinâmicos” (36). Legibilidade, porém, que pode
ser mais ou menos evidente. Neste sentido, interessa trazer certos aspectos do desenvolvimento
do projeto vinculados à sua legibilidade estrutural.
Nas plantas baixas do estudo preliminar é possível observar cinco pilares na fachada longitudinal
e três na fachada transversal, em modulação de 11m, duplicada nas fachadas.
Estudo preliminar: planta baixa do pavimento térreo da FAU USP [Acervo da Biblioteca da FAU USP]
Há uma indeterminação hierárquica de apoios nos vão das extremidades das fachadas. Seriam
dois balanços independentes? As vigas transversais se apoiariam nas vigas longitudinais, ou vice-
versa? Como se daria o caminho das cargas?
A evolução do projeto mostra que foram ampliados os espaços de circulação contínua retirando-
se todos os pilares do eixo longitudinal central. Os pilares remanescentes das fachadas
transversais seriam agora apenas dois, deslocados em meio módulo em direção àquele eixo.
Anteprojeto: planta baixa do pavimento térreo da FAU USP [Acervo da Biblioteca da FAU USP]
Para solucionar estruturalmente os vãos de 11m e 22m foram executadas lajes nervuradas. Fixou-
se, porém, o valor de 80 cm para altura das nervuras, a despeito do vão a ser vencido, obrigando
a introdução da técnica do concreto protendido na construção, além de um espaçamento
diferenciado de nervuras para solucionar as diferentes solicitações estruturais. Essa configuração
foi disfarçada escondendo-se as nervuras com uma laje de fundo, dando a impressão visual de
uma placa maciça, como se pode observar no desenho de corte transversal, que dá a dimensão
da legibilidade do edifício como um todo, ratificando a condição de identidade fundamental entre
estrutura espacial e estrutura portante.
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Corte transversal da FAU USP [BAROSSI, Antonio Carlos. O edifício da FAU-USP de Vilanova Artigas
(Editora da Cidade)]
Aqui é possível observar o paradoxo da adoção do sistema de lajes com caixão perdido no que
tange ao “compromisso moral entre forma estética e verdade construtiva” (36).
O terceiro se dá ao se olhar a cobertura a partir do pavimento térreo. Uma placa vazada composta
de domos translúcidos se agiganta sobre os pavimentos e não fica claro o sistema estrutural que a
constitui. A estrutura é completamente invertida e a verdade do processo construtivo vira um
enigma. Criou-se um sistema composto de quatro vigas longitudinais medindo 1,90m de altura,
que dão apoio a dezenove vigas transversais formando uma grelha. Apoiando-se nessa grelha há
uma laje de 8cm de espessura, seccionada por elementos de concreto de seção transversal em
“V” gerando domos vazados medindo 2,75m x 2,75m. O sistema estrutural da cobertura só pode
ser visto por cima, ficando oculto aos olhos do sujeito que se encontra tanto no interior quanto no
exterior do edifício.
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No edifício da FAU USP o que se observa são soluções estruturais determinadas pela imposição
da forma e que de certa maneira disfarçam a legibilidade e a verdade do processo construtivo,
como no caso das nervuras embutidas nos caixões perdidos, e o baixo relevo dos pilares da
fachada. O caso da cobertura é ainda mais emblemático, uma vez que sua estrutura é
deliberadamente escondida. Por sua vez, talvez essa fosse a única maneira de fazer o que os
alunos e professores consideram as janelas para o céu da FAU USP.
Materialidade estrutural
É relativamente raro, segundo Forty, encontrar um edifício que, como a FAU USP, seja
simultaneamente primitivo e sofisticado. Primitivo pela materialidade rústica dos pórticos e
tecnologicamente sofisticado pelo refinamento da Engenharia Estrutural que possibilitou sua
realização (38). Neste sentido, na palavra de Artigas: “o concreto utilizado não é só uma solução
mais econômica, como corresponde à necessidade de se encontrar meios de expressão artística,
lançando mão da estrutura do edifício, sua parte mais digna” (39). Estava implícito que não seriam
apenas os fatores técnicos e econômicos os vetores a direcionar o projeto. Decisão projetual que
ampliou a expressão tectônica do edifício para além da leitura do caminho de forças,
caracterizando, portanto, verdadeira experiência empática.
A estrutura no interior do edifício foi executada com um concreto bastante liso, cujas fôrmas foram
preparadas com chapas de compensado e marcação sutil, resultando em um acabamento polido
que remete a ambientes industriais enfatizado pela tinta epóxi brilhante do piso do Salão
Caramelo.
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Já o acabamento rústico da fachada, executado com justaposição de fôrmas de tábuas de pinho,
foi obtido por posicionamentos diferentes: horizontal e vertical (40). Essa especificação deixa clara
a intenção de enfatizar certa expressão tectônica, uma vez que o posicionamento das tábuas seria
indiferente para o funcionamento estrutural.
A escolha dessa materialidade mostra qualidade arcaica (41) que enfatiza um trabalho manual,
contrastando com o acabamento industrial do interior. Essa intencionalidade é identificada por
Forty em seu comentário sobre o contraste entre a rudeza do material e o refinamento da
Engenharia Estrutural.
Segundo Wisnik, poderia também servir para evitar uma “reificação do edifício como uma imagem
desprovida de história e trabalho humano” (42), enquanto que, para Contier, seria uma “atitude
contra o fetiche formal e a adesão estética imediata” (43). Para Forty, endossando intenções de
Artigas, a arquitetura praticada em São Paulo naquela ocasião “desenvolveu meios de utilizar o
concreto que escapariam do julgamento e dos valores estabelecidos por países do primeiro
mundo, tornando-se imune à autoridade estrangeira sobre o assunto”, e o prédio da FAU USP
demonstraria “o desenvolvimento desse discurso alternativo” (44).
Quaisquer que sejam as interpretações, é importante notar que a materialidade estrutural, áspera,
lisa, irregular ou precisa, independe de sua capacidade resistente. A intencionalidade perceptível
nas diferentes materialidades empregadas demonstra o controle do arquiteto sobre a expressão
tectônica a partir da implementação do conceito forma-estrutura que gerou o projeto.
Considerações finais
Artigas exerceu com maestria o domínio da expressão tectônica no edifício da FAU USP, mesmo
que para isso precisasse relevar certas contradições com relação ao seu discurso, principalmente
no que diz respeito a algumas verdades construtivas.
A realização do projeto foi permeada pela ideologia do desenvolvimentismo no Brasil, que apesar
de não ter se concretizado plenamente, cristalizou-se ali como testemunha de uma intenção, na
qual os preceitos do “ideal modernista de se realizar uma arquitetura socialmente transformadora”
(45) estão conjugados a um arrojo técnico e construtivo incomuns para a época, que se fez
possível pela associação da Arquitetura com a Engenharia Estrutural, consubstanciada no
princípio projetual da forma-estrutura. A expressão tectônica proveniente dessa associação
manifesta uma condição ontológica e, por isso, epistêmica, mostrando-se como um retrato da
época, que, no entanto, é sempre atualizado pelo valor de permanência agregado a esse edifício,
fazendo dele um instigante objeto de pesquisa.
O edifício materializa, sobretudo, o discurso de Artigas, que acreditava na “vida própria” de sua
obra como possibilidade permanente de, por meio dela, manter sempre aberta uma superfície de
plena discussão ao afirmar: “e esse projeto, quando se cristaliza no edifício, fala para os séculos,
ele não pode jamais parar de falar. Separa-se como um livro de seu autor, vira-se de costas para o
próprio autor, passa a ter vida própria” (46).
notas
SERAPIÃO, Fernando. Uma história para ser contada: A saga de Roberto Rossi Zuccolo, professor de
todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie e alinhados com a Escola Paulista. Projeto Design, n.
73, São Paulo, abr. 2009 <https://www.arcoweb.com.br/projetodesign>.
HOWARD, H. Seymour. Structure: An Architect´s Approach. New York, Mc Graw-Hill Book Company, 1966.
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2017, p. 126.
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HUXTABLE, Ada. Pier Luigi Nervi. New York, George Braziller, 1960.
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12
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14
HOWARD, H. Seymour. Structure: An Architect´s Approach. New York, Mc Graw-Hill Book Company, 1966,
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15
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FORTY, Adrian. Concrete and Culture: A Material History. London, Reaktion Books, 2013, p. 126.
17
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Artigas, 1997, p. 101.
19
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história da arquitetura moderna brasileira – parte1. São Paulo, Romano Guerra, 2010, p. 259.
20
TELLES, Sophia. A Arquitetura Modernista. Um espaço sem lugar. In GUERRA, A. (Org.). Op. cit., p. 23-34.
21
22
23
24
CRUZ, Pedro do Amaral. Carta ao reitor, de 30 de agosto de 1965. Processo USP 65.1.3988.51.8, p. 6-8.
In CONTIER, Felipe. O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Cidade Universitária: projeto e
construção da escola de Vilanova Artigas (op. cit.), p. 287.
25
26
27
SEKLER, Eduard. Structure, Construction, Tectonics. In KEPES, George (Org.). Op. cit., p. 89.
28
WISNIK, Guilherme. Modernidade Congênita. In ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian (Orgs.). Arquitetura
Moderna Brasileira. London, Phaidon, 2004, p. 48.
29
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30
31
32
33
ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo, Lech, 1981, p. 18.
34
ARTIGAS, 1984. In THOMAZ, Dalva. Vilanova Artigas. AU – Arquitetura Urbanismo, n. 17, São Paulo,
out./nov. 1993, p. 78.
35
WISNIK, Guilherme. Modernidade Congênita. In ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian (Orgs.). Arquitetura
Moderna Brasileira (op. cit.), p. 48.
36
KAMITA, João Masao. Vilanova Artigas. São Paulo, Cosac Naify, 2000, p. 13.
37
SEKLER, Eduard. Structure, Construction, Tectonics. In KEPES, George (Org.). Op. cit., p. 93.
38
39
40
41
Como na casa Baeta (1956), alusão à concepção estrutural da “casinha de minha infância”, feita de tábuas.
42
43
44
45
ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian. Introdução. In ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian (Orgs.).Op.
cit., p. 17.
46
sobre os autores
Monica Aguiar é engenheira civil (UFF, 1981) com especialização em Tecnologias no Ensino Superior
(CCEAD/PUC-Rio, 2014), e mestrado em Arquitetura (PPGArq/PUC-Rio, 2017). Professora de estruturas
no curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio desde 2012, e sócia do escritório Justino Vieira Monica
Aguiar Projetos Estruturais desde 1983.
Marcos Favero é arquiteto e urbanista (FAU/UFRJ, 1987) com mestrado e doutorado em Arquitetura pela
mesma instituição (Proarq/FAU/UFRJ, 2000 e 2009). Professor da PUC-Rio, atuando no PPGArq desde
2013, e no Curso de Arquitetura e Urbanismo desde 2002. Autor de Linhas Expandidas. Urbanismos de
Fronteira: Brasil, Argentina e Uruguai (Ed. PUC-Rio, 2016).
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