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134.00 ano 12, jul. 2011

Teoria e prática do partido arquitetônico


Mario Biselli

134.00
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como citar

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original: português

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Nam June Paik


Croquis de Mario Biselli 134

134.01
Jornalismo, arquitetura
Muitos autores acadêmicos têm se debruçado recentemente sobre temas e e mercado editorial:
termos correntes da arquitetura na tentativa de compreender e explicar o quem faz e como faz
processo de projetação. O aprofundamento recente destas pesquisas e jornalismo em
reflexões tem produzido noções sempre mais didáticas e esclarecedoras, arquitetura no Brasil
tanto para estudantes e professores como para arquitetos com interesses Gustavo Sobral
teóricos e mesmo para leigos e amantes da arquitetura.
134.02
A história é rica em exemplos do interesse em resumir o projeto a um Mise à jour: duas
processo linear, possuidor de uma técnica de realização passo a passo, culturas e algumas
como montar uma máquina, como cultivar soja, primeiro isto, depois aquilo cidades, cinquenta e
e aquilo outro, e assim por diante numa seqüência de procedimentos cinco anos depois
idêntica a tantas outras técnicas e disciplinas inventadas pelo homem. Adson Cristiano Bozzi
Ramatis Lima
134.03
O Museu Histórico e
Arquivo Municipal de
Presidente Prudente -
SP
Patrimônio, projeto e
identidade na cidade
contemporânea
Hélio Hirao e Rodrigo
Morganti Neres
134.04
Industrialização da
construção no Centro de
Tecnologia da Rede
Sarah (CTRS)
A construção dos
hospitais da Rede
Sarah: uma tecnologia
diferenciada através do
Centro de Tecnologia da
Rede Sarah – CTRS
Marieli Azoia
Escola Coreana Lukiantchuki , Michele
Croquis de Mario Biselli Caroline Bueno Ferrari
Caixeta, Márcio Minto
Um aspecto interessante da atividade de projeto é justamente a quantidade Fabricio e Rosana Caram
de teorias, metodologias, manuais de procedimentos e técnicas as mais
diversas da qual foi objeto historicamente. Mais interessante ainda é 134.05
observar que, embora partes do processo de produção do projeto possam Quando o design exclui
estar sujeitas a uma seqüência de procedimentos, o processo inteiro o Outro
jamais poderá se enquadrar neste modelo, e, portanto, as metodologias não Dispositivos espaciais
se sustentam enquanto sistemas universais, embora seja obrigatório de segregação e suas
conhecê-las, pois a nenhum arquiteto é permitida a ignorância sobre a manifestações em João
experiência acumulada que compõe a história da arquitetura. Pessoa PB
O termo projetação tem sido pouco usado no Brasil, mas é o termo que Patrícia Alonso de
define a produção do projeto de arquitetura como um processo. Este Andrade
processo tem um momento crítico e imponderável que foge a qualquer
134.06
metodologia, mesmo quando a projetação estava sujeita às regras da
Ready-Made City
composição clássica. Este momento crítico é o momento que envolve as
David Sperling
decisões relativas ao que conhecemos por partido arquitetônico, termo que
em outros lugares é também conhecido como estratégia ou conceito.

Bienal de Arte de SP
Croquis de Mario Biselli

Para efeito desta reflexão usarei o termo partido arquitetônico por ser o
mais comum no Brasil e, creio, mais específico do campo da arquitetura do
que estratégia ou conceito, os quais são muito comuns em outras áreas.
Com base na experiência pode-se também dizer que “partido” é o termo
comum à linguagem própria dos arquitetos, o assunto central, senão único,
entre arquitetos no âmbito da produção, do julgamento de concursos de
arquitetura, do ensino de projeto, das conversas informais. E não creio
se tratar de um exagero cogitar a exclusividade do assunto, dado que em
“partido” se compreende a discussão de aspectos como estratégia de
implantação e distribuição do programa, estrutura e relações de espaço,
todas elas questões centrais para os arquitetos. Outros temas relativos
às atividades criativas – como composição, estilo, estética etc. – embora
tenham sido objeto de interesse da teoria da arquitetura recentemente,
são tratados no âmbito da prática com pudor e desinteresse, senão como
meros epifenômenos.

A definição de partido arquitetônico, portanto, e as reflexões sobre seu


significado, dado o interesse geral, tem sido tarefa de vários autores e
todas elas contêm aspectos novos e esclarecedores. O exame destas
definições é um primeiro objeto de meu interesse.

Escola Cáritas
Croquis de Mario Biselli

Desde o período acadêmico até as primeiras definições modernas, o projeto


de arquitetura tem sido descrito como resultado de um raciocínio lógico.
Em Teoria e projeto na primeira era da máquina, Banham compara Guadet,
para quem a composição era o tema perene, e Choisy, que enfatiza a
construção, ambos teóricos da composição arquitetural, para quem a
natureza lógica da concepção constitui o tema mais destacado:

“a forma como conseqüência lógica da técnica – que torna a arte


da arquitetura sempre e em toda parte a mesma.

[Para Choisy] a essência da arquitetura foi sempre a construção,


a função do arquiteto sempre foi esta: fazer uma avaliação
correta do problema com que se deparava, após a qual a forma do
edifício seguir-se-ia logicamente dos meios técnicos a seu
dispor” (1).

Autores modernos, como Carlos Lemos, também propõem definições fazendo


uso dos termos “conseqüência” e “resultado”, nos quais uma idéia de
lógica permanece implícita:

“A mencionada definição é a seguinte: Arquitetura seria, então,


toda e qualquer intervenção no meio ambiente criando novos
espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, para
atender a necessidades imediatas ou a expectativas programadas, e
caracterizada por aquilo que chamamos de partido. Partido seria
uma conseqüência formal derivada de uma série de condicionantes
ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção
sugerida. Os principais determinantes, ou condicionadores, do
partido seriam:

a. a técnica construtiva, segundo os recursos locais, tanto


humanos, como materiais, que inclui aquela intenção plástica, às
vezes, subordinada aos estilos arquitetônicos.

b. o clima.

c. AS condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém.

d. o programa das necessidades, segundo os usos, costumes


populares ou conveniências do empreendedor.

e. as condições financeiras do empreendedor dentro do quadro


econômico da sociedade.

f. a legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as


regras da funcionalidade” (2).

É certo que todo arquiteto defende seu projeto como um produto da


aplicação da lógica face aos dados fornecidos para sua elaboração. Mas,
em arquitetura parece que temos uma lógica para cada projetista, pois se
dependêssemos meramente da lógica, o processo seria universal e já não
caberia qualquer preocupação sobre o assunto. Talvez, neste caso, a ação
de projetar e construir já teriam sido integralmente resolvidos pela
indústria, através de seus computadores e máquinas.

E o que se vê é justamente o contrário, há um claro incômodo a respeito –


“Esa incómoda situación del partido”, afirma Corona-Martinez (3) –,
sempre surgem novas explicações e teorias, como se sempre mais
estivéssemos interessados em desvendar um mistério, perscrutar as mentes
criadoras para pôr às claras algo nebuloso, abrir uma “caixa preta”:

“Le Corbusier enfatizou ainda mais o uso da lógica matemática de


Descartes ao dizer que o início do processo de criação é a
definição da planta arquitetônica, que por sua vez é a
representação do programa arquitetônico (função da edificação).
Assim, a projeção vertical da planta resultaria, segundo ele, nas
paredes que por sua vez se tornariam volumes: linhas que se
transformam em planos que se transformam em volumes; é a
seqüência linear e crescente do raciocínio cartesiano.

Embora se saiba que Descartes ainda é apreciado nas escolas de


arquitetura do Brasil para o ensino-aprendizagem do projeto
arquitetônico, sabe-se também que em algum momento do processo de
criação surge algo estranho que parece não caber na lógica
cartesiana: é a caixa preta; um conceito usualmente utilizado
pelos arquitetos para significar o momento em que a subjetividade
psicológica do arquiteto define, por meio de um rabisco (croqui)
o partido do projeto. Apesar dos arquitetos conhecerem esse
processo, ninguém até hoje explicou o que acontece dentro dessa
caixa preta, dizem que é inexplicável” (4).

Duas publicações recentes abordam estes temas, suas reflexões são a base
para uma compreensão e críticas contemporâneas desta problemática. São
elas Adoção do partido em arquitetura, de Laert Pedreira Neves e
Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em mutação, de
Anna Paula Canez e Cairo Albuquerque da Silva, este último se tratando de
uma coletânea de ensaios de vários autores.

Escola Cáritas
Croquis de Mario Biselli

Destes textos emergem duas idéias principais. Em primeiro lugar, a de que


o partido é a idéia inicial de um projeto e em segundo, que esta idéia é
uma criação autoral e inventiva, e artística na medida em que faz uso da
composição. Vemos em Neves as definições nesta seqüência. Em primeiro
lugar:

“Denomina-se Partido Arquitetônico a idéia preliminar do edifício


projetado.
Idealizar um projeto requer, pelo menos, dois procedimentos: um
em que o projetista toma a resolução de escolha dentre inúmeras
alternativas, de uma idéia que deverá servir de base ao projeto
do edifício do tema proposto; e outro em que a idéia escolhida é
desenvolvida para resultar no projeto. É do primeiro
procedimento, o da escolha da idéia, que resulta o partido, a
concepção inicial do projeto do edifício, a feitura do seu
esboço” (5).

Antes, no texto introdutório:

“É importante ressaltar que projetar um edifício é, na essência,


o ato de criação que nasce na mente do projetista. É fruto da
imaginação criadora, da sensibilidade do autor, de sua percepção
e intuição próprias. É resultado do trabalho do pensamento. Sendo
assim, constitui-se em algo de difícil controle, interferência e
ordenamento” (6).

Em Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em mutação,


o texto de Rogério de Castro Oliveira faz uso de uma linguagem mais
complexa, mas de conteúdo similar e complementar. Primeiramente uma
argumentação genérica:

“Em suma, no projeto de arquitetura, a concepção do partido


arquitetônico pressupõe a proposição de configurações que
descobrem, ou inventam, relações espaciais e programáticas a
partir de uma dispersão inicial, indeterminada, de possibilidades
projetuais. A coerência de tais construções deriva, antes, de um
progressivo fechamento interno do que de determinação externa. O
partido é, por hipótese, uma prefiguração do objeto, que o
projetista elege como ponto de partida e fio condutor: cabe à
investigação epistemológica construir contextos de explicitação
das razões que asseguram pertinência e validade a essas
arquiteturas projetadas” (7).

Escola Cáritas
Croquis de Mario Biselli

Ainda no mesmo texto, quando se dedica a uma comparação entre os projetos


de Le Corbusier e Lúcio Costa para a Cidade Universitária do Rio de
Janeiro em 1939:

“Para Lúcio Costa... ao contrário, tomar partido implica dar


início a um percurso inventivo que se traça sobre um campo de
relações em constante formação e renovação, ainda que aos tateios
e sujeito a inúmeros e imprevisíveis retornos e desvios. Tais
relações simultaneamente externas e internas ao objeto projetado
implicam a construção de correspondências entre formas e
conteúdos, organizando-se progressivamente em esquemas que
conectam partes antes separadas. Este dinamismo atribui à
construção do partido um sentido eminentemente operativo,
antecipador das configurações compositivas que conduzirão à
finalização do projeto” (8).

Todas estas definições, desde as mais simples como as de Neves, às mais


sofisticadas, como as de Rogério de Castro Oliveira, procuram sempre mais
elucidar, ilustrar e compreender o projeto de arquitetura e o momento de
adoção do partido arquitetônico. Nota-se que no âmbito da experiência
prática no Brasil, e em face da maneira como o tema tem sido abordado
tradicionalmente, que cada autor, cada arquiteto poderia igualmente
descrever a projetação de maneira muito similar, alterando a ênfase neste
ou naquele aspecto, simplificando ou elaborando mais e mais o texto,
mantendo, contudo a sua essência.

Deste modo pode-se concluir, a partir destes teóricos brasileiros, que o


Partido Arquitetônico é a idéia inicial de um projeto, que a sua
formulação é uma criação autoral e inventiva com base na coerência e na
lógica funcional, e que, o partido, sendo uma prefiguração do projeto,
faz da projetação um processo que vai do todo em direção à parte.
Aeroporto de Florianópolis
Croquis de Mario Biselli

Este conceito de Partido Arquitetônico parece ser um dos traços mais


característicos da herança corbusiana no Brasil:

“Le Corbusier abordava o programa de arquitetura partindo de


princípios de ordem geral, adaptando-os em seguida à situação
real. O projeto era definido pelo partido que se organizava do
geral para o particular. [...] A casa Baeta projetada por
Vilanova Artigas em 1956, segundo o conceito de partido de Le
Corbusier, define-se pelas empenas das fachadas da frente e dos
fundos e pelas aberturas das fachadas laterais, é organizada em
meios níveis” (9).

Também empiricamente, em cada situação específica baseada na prática de


concursos e avaliações no âmbito universitário, é possível identificar a
preponderância deste conceito nas discussões entre arquitetos,
professores e membros das comissões julgadoras, sendo esta a
característica fundamental que acaba por se estabelecer como um
invariante, uma estrutura de pensamento que, pode-se supor, continua
válida como aspecto central da teoria de projeto e da projetação no
Brasil, teoria tributária também dos princípios acadêmicos e modernos
herdados pelos grandes mestres modernos brasileiros tanto cariocas quando
paulistas, em face do seu carisma e de sua longevidade, para além dos
fatores conjunturais históricos, resumidos por Futagawa desta maneira:

"Durante os períodos antes e depois da Segunda Guerra Mundial, a


arquitetura brasileira passou por desenvolvimento específico
através das obras criativas dos arquitetos pioneiros como Lucio
Costa, Afonso Reidy, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Lina Bo
Bardi. Os princípios do modernismo foram aplicados e adaptados às
condições locais do contexto brasileiro, como se a idéia do
modernismo simpatizasse com o clima tropical do Brasil e da
cultura das pessoas que lá vivem. Mais tarde, veio à luz uma
forma única e original de arquitetura, que só existe no Brasil, e
que vai além do movimento modernista original.

O regime militar instalado no Brasil em 1964 provocou vinte anos


de estagnação cultural, mas, ao mesmo tempo, também isolou a área
de arquitetura do movimento pós-moderno que envolvia todo o mundo
naquela época. Portanto, o Brasil se tornou um dos raros países
que conta com sucessores legítimos do movimento modernista, e
esse pano de fundo influencia fortemente a produção dos jovens
arquitetos atuais, seguindo o princípio do modernismo entre as
novas gerações" (10).

Quero propor a seguir algumas reflexões sobre estes temas acima citados
em busca dos novos significados e usos destas terminologias, bem como uma
compreensão contemporânea a respeito destes mesmos processos.

Ginásio Barueri
Croquis de Mario Biselli

Em primeiro lugar, sobre o que é partido arquitetônico.

Quando se usa a expressão “adoção do partido”, deve-se observar o fato de


que esta afirmação pode pressupor uma biblioteca de partidos adotáveis,
como se estivessem todas as possibilidades já dadas e catalogadas.
Convenhamos, analogamente, que adotar um filho é muito diferente de
conceber um filho”.

A afirmação de que o partido é a idéia preliminar do edifício a ser


construído, ou uma prefiguração do objeto, que o projetista elege como
ponto de partida e fio condutor, não abrange a totalidade dos modos de
projetar, portanto não é universal, como também não o é o movimento do
todo em direção à parte. Um claro exemplo disto são os projetos que
envolvem tecnologias de pré fabricação de componentes para aplicação em
série, invertendo, portanto, o raciocínio, a parte precede o todo
(projetos de James Stirling, tais como para o Andrew Melville Hall, 1968,
e University of St. Andrews Student Residence, 1967).

Proponho aqui pensar sob o pressuposto de que o modo como cada arquiteto
projeta é menos relevante do que o resultado final do seu trabalho. A sua
metodologia, que é sempre particular, tem um interesse menor neste
momento.
Considerando, portanto, o cenário contemporâneo de grande diversidade
arquitetônica, o partido arquitetônico é compreendido como a idéia que
subjaz ao projeto, aquela identificada como idéia principal ou central,
quando o projeto já se apresenta concluído, não importando quando esta
idéia surgiu. É a idéia que o projeto é capaz de veicular ou expressar, o
conteúdo intelectual de um edifício ou projeto enquanto manifestação,
mediada por uma linguagem. É da avaliação destas idéias que se ocupam as
comissões julgadoras em concursos, professores em avaliação etc.

Igreja Tamboré
Croquis de Mario Biselli

De fato, a idéia central de um projeto pode nascer no início do processo


ou durante o processo - tal como descrito nos textos anteriormente
citados – ou pode mesmo anteceder ao processo, como é o caso dos
arquitetos teóricos, cujas reflexões oportunamente se aplicarão na
prática. Analisemos alguns exemplos de definições enunciadas por
arquitetos que questionaram a teoria do projeto, revisando as
tradicionais concepções da coerência e lógica, funcional e construtiva,
do modernismo. É possível observar também que em seus projetos há sempre
uma idéia central, não obstante a diferença de abordagem.

Robert Venturi propõe o abrigo decorado, um caixa funcional inexpressiva


acrescida de uma fachada bidimensional ornamentada e comunicativa segundo
a natureza do edifício.

"Venturi prefere os abrigos decorados, porque ele afirma que a


sua comunicação é mais eficaz, embora os arquitetos modernos
tenham se dedicado durante muito tempo a projetar 'patos'. O pato
é, em termos semióticos, um signo icônico, porque o significante
(forma) tem certos aspectos em comum com o significado
(conteúdo). O abrigo decorado depende de outros significados – a
escrita ou a decoração – que são signos simbólicos" (11).

Aldo Rossi propõe: a forma fica, a função muda. Por que então a função
deve determinar a forma? A forma deve ser determinada pelo ‘lugar’.

“A primeira grande crítica de Rossi foi ao que denominou de


funcionalismo ingênuo do movimento moderno, que ao priorizar a
explicação da cidade apenas pela função, deixava de entendê-la
pelo que tinha mais significativo: o conhecimento da arquitetura
pelo mundo de suas formas. A função era de uma circunstância que
fazia uso da forma como um ato social. Ela nunca ia além de seu
tempo, enquanto a forma permanecia” (12).

Peter Eisenman sobrepõe à realidade do projeto – função, programa, lugar,


topografia – disciplinas ou conceitos sobre os quais explorar ou
deconstruir a forma, tal como assim se define:

“Os conceitos, nos quatro projetos, transitam, se justapõe,


interagem em ato. Malhas, escalas, rastros e dobras são
freqüentemente concomitantes. Na exposição foram pensados como
detonadores de pensamento, como balizas para a percepção e
inteligibilidade da obra de Peter Eisenman. Mas a concomitância
entre inteligibilidade e percepção, este movimento duplo parece
ser recorrente e indissociável na reflexão e produção da arte”
(13).
Igreja Tamboré
Croquis de Mario Biselli

Mais recentemente Herzog e de Meuron adotam modelos de exploração e


geração de forma, caracterizado como um processo contínuo com auxílio do
computador e sem final determinado, como no projeto para o Pavilhão
Jinhua Structure II – Vertical Basilea (ver AV Proyectos 007 2005, p.
40).

E numa postura contemporânea mais radical, no sentido de uma autonomia da


forma, sobrepujando tudo o mais, destaca-se os projetos de Frank Owen
Gehry (Guggenheim Bilbao, 1997, e Walt Disney Concert Hall, 2003) e Zaha
Hadid (tais como Contemporary Arts Center, 2003, em Cincinatti e MAXXI
Museo, 2010, em Roma).

A idéia central (ou Partido) pode ser identificada mesmo em situações


onde a configuração funcional é um dado, uma condicionante ou
determinante, fato comum quando em projetos para estádios, ginásios
esportivos, teatros e em alguns casos, aeroportos. Via de regra
configurações funcionais rígidas por tradição ou quando o próprio cliente
é a autoridade no que tange às funções, muito comum no ramo das
indústrias. Em todos esses casos, a despeito dos limites, o arquiteto
encontrará espaço para introduzir uma idéia, ora migrando da forma para a
matéria (Herzog & de Meuron, Estádio Allianz Arena, 2005, na Alemanha, e
Estádio Nacional "Ninho do Pássaro", 2008, na China), ora enfocando
radicalmente o design (como em Massimiliano Fuksas, no projeto do
Aeroporto Internacional Shenzhen na China, ver AV proyectos 026 2008, p.
46) ou a tecnologia construtiva (Renzo Piano, Estadio de Bari, 1990, na
Itália, e Richard Rogers, Aeroporto de Barajas, 2006, Espanha), etc.

Em segundo lugar, cabe indagar, o que é a “caixa preta”?

O que ainda pode ser dito sobre a adoção/ invenção/ formulação do Partido
Arquitetônico, o momento crítico imponderável, a caixa preta?

Igreja Tamboré
Croquis de Mario Biselli

Vamos admitir que os arquitetos fazem projetos e isto é um fato;


portanto, em algum momento um determinado conjunto de informações se
torna uma idéia para um edifício. O campo das idéias em arquitetura
implica em um vasto campo de estudo da teoria e da história, mas este não
é o espaço para desenvolver esse tipo de exercício intelectual e
acadêmico. Vamos apenas considerar, de maneira mais simples, que este
fato se relaciona com um fenômeno humano de grande interesse das ciências
humanas, por um lado, e da filosofia, passando no século XX pelo
estruturalismo, semiologia e semiótica: o fenômeno da linguagem,
compreendida como manifestação e processo intrínsecos às diversas
mediações sígnicas. A capacidade humana de inventar linguagens, a
possibilidade de inventar distintas linguagens – verbais e não verbais –
e transitar e fazer transposições entre estas (transtextualidade) são os
mecanismos do intelecto típicos da arte e da arquitetura. Compreendida em
maior ou menor grau como linguagem, a arquitetura é uma atividade desta
mesma natureza de mediação e manifestação da idéia (14).

Assim procedem os artistas, um poeta descreve uma paisagem (transposição


do ícone para o texto), um escritor descreve um personagem (ícone para
texto), um desenhista produzindo um retrato falado (ícone para texto e de
novo para ícone), e tantas outras atividades do homem, um artista
pintando um retrato (ícone para ícone), um ator em cena (texto para texto
mais imagem), sempre pressupondo interpretação de um conteúdo numa
linguagem seguido de uma expressão em outra.

O partido arquitetônico, neste contexto, se dá no momento em que o texto,


compreendido como articulação semântica – pensamento e idéia - expressa
na linguagem verbal, se transforma em ícone, transposição da linguagem
verbal para a linguagem não verbal, ou de maneira mais precisa, a
operação que faz o arquiteto é de texto e ícone para ícone, pois o
programa é texto e o lugar é ícone.

Casa LPVM, Guaecá


Croquis de Mario Biselli

As transposições entre linguagens podem inicialmente sugerir a idéia de


tradução, mas as tentativas empreendidas no sentido de estudar a
arquitetura - tanto como história como prática projetual - a partir das
estruturas da língua de forma automática – como tradução literal - apenas
exacerbaram as diferenças estruturais entre estas linguagens, diferenças
que implicam, para a arquitetura, num grau superior de liberdade no nível
da expressão, dada a ausência de vínculos com as regras e convenções a
que está sujeita a linguagem fala/texto:

“O que se deve evitar nessa análise é a aplicação mecânica do


modelo da linguagem à arquitetura, como fizeram diversos estudos
semióticos. A aplicação mecânica de um modelo especificamente
desenvolvido para a linguagem em outros sistemas semióticos, como
a arquitetura, apenas permite reconhecer o que é semelhante à
linguagem no nível da ideologia, mas não define as diferenças de
estrutura interna entre a linguagem e, outros sistemas
semióticos. Mesmo que seja possível conceber a linguagem como um
sistema complexo de regras subjacentes, e, portanto, que seja
viável compará-la com os sistemas explícitos e implícitos de
regras da arquitetura, as regras arquitetônicas são definidas por
uma determinada facção de uma determinada classe social, ao passo
que a língua não é propriedade de ninguém, nem em geral nem em
particular.. Os sistemas de regras arquitetônicas não exibem
nenhuma das propriedades da langue – não são finitos, não tem uma
organização simples nem determinam a manifestação do sistema.
Ademais, as regras arquitetônicas estão em constante fluxo e
mudam radicalmente.

A aplicação mecânica do modelo da língua/fala à arquitetura


ocidental fortalece a ideologia arquitetônica, porque nega as
diferenças entre a arquitetura e a língua e ignora o lugar da
linguagem natural na arquitetura. Além disso, o fato mais
importante talvez seja que essa aplicação automática nega a
presença de “algo” que define uma importante diferença entre a
arquitetura e a linguagem – o aspecto criativo da arquitetura. Na
língua, o indivíduo pode usar, mas não modificar o sistema da
linguagem (langue). O arquiteto, ao contrário, pode e faz
modificações no sistema, que é inventado a partir de um sistema
de convenções” (15).
Teatro de Natal
Croquis de Mario Biselli

E mesmo o referido sistema de convenções, ou contrato social,


compreendido como base da linguagem, constitui um elemento limitador para
a expressão em arquitetura:

“Não havia nenhuma razão especial para que os ingleses


designassem um animal de Bull, os franceses o chamassem de boeuf
e os alemães de Ochs. [...] Mas porque a relação entre
significante e significado era arbitrária, devia ser respeitada
por todos. Ninguém pode mudar isso unilateralmente; há um
contrato social entre todas as pessoas que falam inglês de que
elas devem usar a palavra bull toda a vez que quiserem se referir
a esse animal específico. Se alguém usar outra palavra, ou
inventar uma nova palavra para esse fim, ninguém o compreenderá;
ele terá quebrado o contrato social. Note-se de passagem que, com
poucas exceções, não existe um contrato social para o significado
da arquitetura, e esta é uma diferença fundamental entre a
arquitetura e a linguagem” (16).

O homem de início pensou sobre as coisas, depois começou a pensar sobre o


próprio pensamento, principalmente depois de Descartes, que levou tudo
para dentro do intelecto (“je pense, donc je suis” – Discours de la
Méthode, 1637). Com os arquitetos não haveria de ser diferente. Em meio a
dificuldades de solução para um projeto o arquiteto freqüentemente se
interroga sobre seu pensamento, seu método (que em projetos anteriores
funcionara tão bem!).

Mas o projeto de arquitetura, embora circundado de problemas técnicos e


profundamente vinculado ao uso, é por natureza um processo criativo
avesso a enquadramentos, formatações, metodologias ou fórmulas.
Permanece, portanto, e como desde sempre, aberto à infinita inovação, ao
espírito dos tempos, à antecipação de tendências, à revisão de
paradigmas, e, no pólo oposto, a novas visitas e itinerários
interpretativos pelas tradições do passado.

Torres Empresariais na Rua Afonso Brás


Croquis de Mario Biselli

notas

1
BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo,
Perspectiva, 1979, p. 40.

2
LEMOS, Carlos. O que é arquitetura. São Paulo, Brasiliense, 2003, p. 40-41.

3
Alfonso Corona Martinez. Prefacio. In: CANEZ, Ana Paula; SILVA, Cairo
Albuquerque (org). Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em
mutação. Porto Alegre, Ritter dos Reis, 2010, p. 35.

4
AMARAL, Cláudio Silveira. Descartes e a caixa preta no ensino-aprendizagem da
arquitetura. Arquitextos, São Paulo, n. 08.090, Vitruvius, nov. 2007
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.090/194>.

5
NEVES, Laert Pedreira. Adoção do partido na arquitetura. Salvador, Edufba,
1998, p. 15.

6
Idem, ibidem, p. 9.

7
OLIVEIRA, Rogério Castro de. Construção, composição, proposição: o projeto como
campo de investigação epistemológica. In: CANEZ, Ana Paula; SILVA, Cairo
Albuquerque (org). Op. cit., p. 35.

8
Idem, ibidem, p. 16.

9
ACAYABA, Marlene Milan. Brutalismo caboclo e as residências paulistas. Projeto,
São Paulo, n. 73, 1985.

10
FUTAGAWA, Yukio. Modernism Architecture of Brazil. GA Houses, Tóquio, n. 106,
p. 8. No original em inglês:

“Throughout the periods before and after the World War II, Brazilian
architecture went through some unique development conducted by the creative
works of those pioneering architects such as Lucio Costa, Alfonso Reidy, Oscar
Niemeyer, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi. The principle of the modernism was
fostered and adapted to the unique, local conditions and contexts of Brazil, as
if the idea of the modernism sympathized with Brazil´s tropical climate and the
culture of the people who reside there. Later on, a unique and original form of
the architecture only found in Brazil has brought to light, which goes beyond
the original modernism movement.

The military regime founded in 1964 brought a 20 years of cultural stagnancy to


Brazil, but at the same time that also caused their architecture field to be
isoladed from the postmodernism movement that had involved all over the world
at that time. Consequently Brazil has become one of the rarest countries that
remain with the legitimate successors of the modernism movement, and this
background strongly affected to produce today´s young architects following the
modernism priciple among new generations”

11
JENCKS, Charles. The Language of Post-modern Architecture. Nova York, Rizzoli,
1977, p. 45. No original em inglês:

“Venturi would prefer more decorated sheds, because he contends, they


communicate effectively, and modern architects have for too long only designed
‘ducks’. The duck is, in semiotic terms, an iconic sign, because the signifier
(form) has certain aspects in common with the signified (content). The
decorated shed depends on learned meanings – writing or decoration – which are
symbolic signs.”

12
SPADONI, Francisco. Rossi: figura, memória e razão. In: Informe arqlab (boletim
informativo do Laboratório de Arquitetura do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Faculdade de Belas Artes), São Paulo, n. 1, fev. 1998, p. 3.

13
SUMNER, Anne Marie. Prefácio. In: Gridings, Scalings, Tracings and Foldings in
the work of Peter Eisenman. Catálogo de exposição. São Paulo, Masp, 1993.

14
Abordagens acerca do mesmo fenômeno, ver:

TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites I (1980). In: NESBIT, Kate (org.). Uma
nova agenda para a arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2006, p. 172-177.

TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites II (1981). In: NESBIT, Kate (org.). Op.
cit., p. 177-182.

TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites III (1981). In: NESBIT, Kate (org.).
Op. cit., p. 183-188.

TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites III (1981). In: NESBIT, Kate (org.).
Op. cit., p. 183-188.

TSCHUMI, Bernard. Introdução: notas para uma teoria da disjunção arquitetônica


(1988). In: NESBIT, Kate (org.). Op. cit., p. 188-191.

EISENMAN, Peter. Diagram Diaries. Londres, Thames & Hudson, 1999.

ABASCAL, Eunice Helena S.; ABASCAL BILBAO, Carlos . Arquitetura e ciência.


Reflexões para a constituição do campo de saber arquitetônico. Arquitextos, São
Paulo, n. 11.127, Vitruvius, dez. 2010
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.127/3688>.
15
AGREST, Diana; GANDELSONAS, Mario. Semiótica e arquitetura: consumo ideológico
ou trabalho teórico. In NESBIT, Kate (org.). Op. cit., p. 137-138.

16
BROADBENT, Geoffrey. Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos na
arquitetura. In NESBIT, Kate (org.). Op. cit., p. 153.

sobre o autor

Mario Biselli é arquiteto formado pela FAU Mackenzie, mestre em Arquitetura e


Urbanismos pela mesmo instituição. É sócio do escritório Biselli & Katchborian
arquitetura e professor do Departamento de Projeto da FAU Mackenzie

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