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084.00 teoria ano 07, maio 2007

Brutalismo, sobre sua definição


(ou, de como um rótulo superficial é, por isso mesmo, adequado)
Ruth Verde Zein

084.00 teoria
sinopses
como citar

idiomas

original: português
outros: español

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084

084.01
A luz natural como
diretriz de projeto
Paulo Marcos Mottos
Barnabé

084.02
O edifício do Masp como
sujeito de estudo
Alex Miyoshi

084.03
Instituto Salk, La Jolla, 1959-65. Louis Kahn Observação incorporada
Foto Chris Yunker [Wikimedia Commons] da Enseada de Botafogo,
Rio de Janeiro
Paulo Afonso Rheingantz

Termo de cunhagem relativamente recente, entretanto não é fácil definir- 084.04


se o brutalismo de maneira acurada e isenta. Tão usado quanto esnobado I International
pela literatura arquitetônica da segunda metade do século XX, está longe Workshop Digital Design
de configurar um conceito unânime, as diferentes acepções que lhe são for Architecture
atribuídas superpondo-se de maneira pouco clara, parecendo ser uma só – concepção
quando são muitas, e para deslindá-las é necessária certa paciência de arquitetônica em
detetive. Entretanto, é tarefa inadiável quando se pretende empregá-lo ambiente computacional
para qualificar certa arquitetura paulista dos anos 1950-70 (1). Regiane Trevisan Pupo
084.05
A provocação sensorial
na arquitetura de
Sergio Bernardes
Monica Paciello Vieira

084.06
Casa Tugendhat
Luciana Fornari Colombo
084.07
Subsídios para
elaboração do plano
diretor do Município de
Tiradentes – MG
Jorge dos Santos
Oliveira, Nélio
Domingues Pizzolato e
Orlando Celso Longo

nité d’Habitation, Marselha, 1946-52. Le Corbusier

A revisão do termo brutalismo não seria nem possível, nem completa, sem
uma minuciosa releitura, entre outras fontes pertinentes (2), do livro de
Reyner Banham publicado em 1966, The New Brutalism: Ethic ou Aesthetic?
(3), até porque esse autor foi responsável pela cristalização de um mito
de fundação que segue vincando fortemente a compreensão do Brutalismo. O
livro foi editado mais de década após o surgimento do termo, quando já
qualificava um grande número de obras de uma tendência então presente em
todo o cenário arquitetônico internacional. Mas seu objetivo não era
esclarecer o termo, mas dar-lhe uma versão própria – que de modo algum é
a única possível. Bastante conhecido, muito citado e pouco lido (menos
ainda, no original), o livro de Banham está a exigir uma releitura
cuidadosa, que sem dúvida mostrará o quanto é ainda oportuna a remissão
às suas idéias, mesmo se constatarmos estarem pejadas de deliberados
deslizamentos e rearranjos historiográficos; que, entretanto, não
invalidam seus importantes insights conceituais.

Capela de Ronchamp, 1950-1955. Arquiteto Le Corbusier


Foto Rosario Van Tulpe [Wikimedia Commons]

Mas, por que “mito de fundação”? A moderna teoria sociológica vê no mito


“uma justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem
a cultura de um grupo; nesse sentido, [o mito] não está limitado ao mundo
ou à mentalidade dos ‘primitivos’, mas é, antes, indispensável a toda a
cultura […] O reforço da tradição, ou a formação rápida de uma tradição
capaz de controlar a conduta dos seres humanos, parece ser a função
dominante do mito” (4). E qual é o mito produzido por Banham, que sua
releitura atenta revela? Trata-se de seu empenho em ressaltar, a todo
custo, a predominância e anterioridade dos arquitetos britânicos na
constituição do Novo Brutalismo/Brutalismo (5). Para obtê-la, pratica uma
seleção historiográfica precisa e um embaralhamento das datas especioso,
cujo fito não é dar uma definição genérica e universal do termo, mas
focalizar de maneira prioritária, embora não exclusiva, a contribuição
criativa dos arquitetos Alison e Peter Smithson.

Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, 1953. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy
Foto Halley Pacheco de Oliveira [Wikimedia Commons]

A afirmação do parágrafo anterior não é uma interpretação descabida desta


autora: essa operação de valorização unilateral é feita de maneira
explicita, nada sub-reptícia e claramente indicada por Banham. No
capítulo 9.1, que encerra o livro, Banham declara-se um “sobrevivente” a
relatar suas memórias e um observador nada isento, pois envolvido nos
eventos que descreve, não pretendendo dar validade universal e científica
a seus escritos, mas admitindo sem pejo sua militância por uma causa (6).
E essa causa é mítica, um mito de fundação das origens: Banham advoga a
precedência da contribuição britânica no estabelecimento do “Novo
Brutalismo enquanto um movimento” e de passo desliza, para custódia
inglesa, tanto o movimento como, por extensão, o próprio termo
Brutalismo. A construção do mito foi extremamente bem sucedida: é comum a
vaga noção de ser o Brutalismo de exclusiva origem inglesa, a suposição
de que só possa ser corretamente aplicado nesse único âmbito, estando
desautorizado em quaisquer outras circunstâncias – presunções, aliás, que
o próprio Banham não assume em parte alguma. Nem poderia: é um mitólogo
demasiado inteligente para não deixar entreabertas várias portas por onde
se safar. Afinal, um bom mito não pode ser imposto – só engenhosamente
sugerido.

Maisons Jaoul, 1954-56. Le Corbusier

A postura proselitista e interessada de Banham não escapou a uma das


tentações inerentes ao conhecimento histórico, já alertada por Raymond
Aron, “de pensar não apenas o que foi, mas se perguntar sobre o que podia
ter sido” (7). Assim, desde o título (que termina com um ponto de
interrogação!), Banham se pergunta se o Novo Brutalismo/Brutalismo teria
sido uma ética ou uma estética – como se uma e outra coisas fossem
opostas ou ao menos de convivência incompatível, o que em absoluto é
verdadeiro no campo da arquitetura. E após passar boa parte do livro
tentando concluir a favor da ética é suficientemente honesto para
admitir, nos últimos parágrafos, a predominância da estética, “como não
podia deixar de ser”. Em suas palavras: “mas o processo de acompanhar a
gestação e o crescimento de um movimento foi também afinal uma decepção.
Pois apesar de toda sua admirável fraseologia sobre ‘uma ética, não uma
estética’, o Brutalismo nunca rompeu com o marco de referência estético
[…]. Para um não-arquiteto como eu, esperar que fosse de outra maneira
foi ingênuo” (8). Entretanto, ao deixar essa declaração para a última
página, quase a última linha, Banham consegue fazer o leitor menos atento
crer justamente no contrário: que o Brutalismo fosse primordialmente uma
tendência de cunho ético, e não estético. E assim é comumente lido e
citado seu livro; e assim é considerado, precipitadamente, o Brutalismo –
sempre, em detrimento das palavras finais de Banham. Mas não de seu
espírito: “de maneira alguma pretendo esconder que eu estivesse seduzido,
não pela estética do Brutalismo, mas pela subsistente tradição de sua
posição ética, pela persistência da idéia de que o relacionamento entre
as partes e os materiais de um edifício constitui uma moral prática – e
essa segue sendo, para mim, a validade do Novo Brutalismo” (9).

Planetário Municipal, 1955. Eduardo Corona e Roberto Goulart Tibau


Foto Dornicke [Wikimedia Commons]

Não cabe aqui uma análise completa do livro de Banham, que de resto seria
muito instrutiva. Mas pode-se afirmar sem dúvida que, quando se visa
buscar uma definição do que seja o Brutalismo; que ademais seja operativa
e auxilie na atribuição ou não dessa qualidade a uma certa arquitetura
paulista dos anos 1950-70; valerá à pena estar atento não a uma leitura
empobrecida de Reyner Banham, mas à riqueza e complexidade de sua visão
acerca daquele preciso momento histórico.

Torre Price, Bartlesville, 1956. Frank Lloyd Wright


Foto Ezra Stoller [Website Frank Lloyd Wright]

Dando de novo as cartas de um baralho marcado

O termo brutalismo, tanto em Banham como em seu uso corrente se confunde


freqüentemente com o “movimento” do Novo Brutalismo. Também sem que se
perceba claramente a diferença entre uma coisa e outra, se confunde com o
uso do béton brut por Le Corbusier, material que marcou a atitude
artística da sua última fase criativa (1945-65), e que se tornou
referência magistral de uso corriqueiro para um sem número de arquitetos
em todo o mundo nas décadas de 1950-70. Já o neo-brutalismo não nasce
como estética ou ética, mas como vago denominador comum de uma
insatisfação geracional dos jovens arquitetos ingleses do pós-II Guerra;
um quase “movimento” muito mais restrito do que a estridência da
Architectural Review quer fazer crer. E muito freqüentemente o termo
Brutalismo é empregado na literatura em geral, inclusive naquela
disponível na rede mundial, como indexador rápido englobando
genericamente as obras de uma das tendências mais características da
arquitetura moderna de meados do século 20, espalhadas por todo o
planeta.

Bergisch Hall do Bronx Community College, Nova York, 1956–1961. Arquiteto


Marcel Breuer
Foto Carlyn Carlyn [Wikimedia Commons]

Nenhuma dessas definições do Brutalismo é plenamente dominante, todas se


conectam, e todas são relativamente díspares. Para destrinchá-las há que
considerá-las como coisas distintas na forma, no conteúdo, na
oportunidade e no tempo. O deslinde dessas nuances e a compreensão de
suas diferenças torna possível verificar mais consistentemente em que
consistem as diversas acepções do termo brutalismo, e decidir quais
delas, se alguma, interessaria aproveitar ou descartar. Segue-se uma
breve tentativa de desembaralhá-lhas em ordem cronologicamente direta
(10).

1947: Le Corbusier: primeiro Brutalismo

Brutalismo como nome designativo do uso de béton brut, concreto aparente,


nas obras de Le Corbusier no pós-II Guerra, a partir da Unité
d’Habitation de Marselha, prolongando-se até 1965; cujas possibilidades
plásticas são potencializadas por meio de um conjunto característico de
pequenos e macro detalhes.

Apartamentos em Ham Common, Londres, 1957. Arquitetos James Stirling e James


Gowan
Foto Ken Bailey [Wikimedia Commons]

Essa é de fato a acepção original, ou primeira, do termo brutalismo –


como admite o próprio Reyner Banham (11). No momento em que surge tem
sentido restrito: ainda não se trata de tendência, mas de exemplo
magistral e isolado. Mas como se sabe, seus múltiplos significados
ricochetearão de variadas maneiras no campo da atividade arquitetônica na
segunda metade do século 20, e além.

1953-56, Novo Brutalismo Britânico, versão casal Smithson

Novo Brutalismo como nome adotado por representantes de uma nova geração
de arquitetos britânicos do pós-II Guerra para qualificar um “movimento”,
ou um mood, característico de certo ambiente cultural inglês da primeira
metade dos anos 1950. Nesse sentido o termo é empregado nos textos e
cartas do casal de arquitetos Alison e Peter Smithson publicados a partir
de 1953 (12), a seguir referendado por seu amigo Banham em artigo de 1955
(13). Naquele momento preciso o termo não avalizava um debate
estilístico, mas servia de vaga bandeira à insatisfação geracional,
militantemente contrária à “acomodação” do movimento moderno em
detrimento das propostas e ilusões das vanguardas, e cujo âmago inovador
se buscava reavivar.
Convento de La Tourette, 1957-1960. Arquiteto Le Corbusier
Foto Pierre Varga

Note-se que esse clima efervescente de uma nova e talentosa geração de


arquitetos combativamente em busca das próprias referências e de seu
lugar ao sol tende a ser impermanente e a ceder, à medida que seus
integrantes, pelas circunstâncias de sua prática profissional projetual,
são chamados a selecionar caminhos preferenciais. Essa insatisfação pode
ou não gerar uma escola estilística, caso em virtude desses debates um
grupo de criadores venha a realizar obras de certa proximidade formal e
temporal. Foi o que acabou ocorrendo após 1957 (14); mas quando começa a
surgir um “estilo brutalista” os Smithson preferem abandonar o termo e se
manter independentes. Em seu livro de 1966 (mas não no texto de 1955)
Banham entende ser a atitude detaché dos Smithson uma demonstração de sua
opção pela “ética e não pela estética”, e que esta seria intrínseca ao
“Novo Brutalismo”. Trata-se de uma interpretação de Banham, que a rigor
inviabiliza a convivência entre “ética” e arquitetura (prenunciando,
talvez, alguns dos excessos dos anos 1960); mas nem os Smithsons a
referendam, nem declaram ter “rejeitado a estética em prol da ética”;
apenas preferem sempre variar, adotam a cada passo as diretrizes
estéticas que mais lhes pareçam apropriadas a cada circunstância; ou como
diz William Curtis, “the Smithsons rejected any intimations of a closed
aesthetic in favour of an aesthetic of change” (15).

Edifício Bacardi, Santiago de Cuba, 1957. Mies van der Rohe


Imagem divulgação [Revista Forum]

1953-1960: obras inaugurais do estilo Brutalista

Brutalismo como qualificação atribuída a posteriori (16) para um conjunto


de obras limitado, mas muito significativo, realizadas em várias partes
do mundo, por diferentes arquitetos, guardando entre si importantes
aproximações formais, construtivas e plásticas. Nessa segunda metade da
década de 1950 as obras de cunho brutalista, surgidas simultaneamente em
diversos países e continentes, ainda são exceções notáveis (17). Tal
relativa raridade de exemplos altera-se radicalmente, qualitativa e
quantitativamente, a partir dos anos 1960, em prol de uma rapidíssima
expansão da tendência.

Escola Municipal de Astrofísica, 1957. Roberto Goulart Tibau

1959 em diante: expansão do “estilo” brutalista

Brutalismo enquanto “estilo” que rapidamente vai sendo sistematizado,


contando com o apoio e a validação de algumas obras iniciais exemplares,
configurando-se rapidamente como idioma corrente que, apesar de certa
variação relativa, mantém significativos traços comuns de ordem material
e visual.

A partir de 1959 começam a surgir as primeiras declarações de afiliação


de determinadas obras ao Brutalismo enquanto estilo (18), quase sempre de
comentadores e críticos de arquitetura, qualificando essa filiação
através da descrição e análise das obras e não a partir de um corpo
doutrinário teórico a priori (19).
Laboratórios Richards, Filadelfia, 1957-1961. Arquiteto Louis Kahn
Foto Small Bones [Wikimedia Commons]

Banham sugere a possibilidade de existência de uma “conexão brutalista”


(20) ao verificar em vários países e regiões do mundo o florescimento
simultâneo de obras afinadas com o cânon brutalista, mas não
necessariamente afiliadas entre si, nem guardando uma relação de
subordinação com algum foco central (exceto o “brutalismo” em sua
primeira acepção restrita corbusiana). Para exemplificar essa “conexão”
Banham cita em seu livro obras na Itália, Suíça, Japão, etc., e apenas
uma obra latino-americana (no Chile). Se Banham não faz referência, por
exemplo, às obras do brutalismo mexicano ou paulista talvez isso se deva
apenas por desconhecê-las, pois elas ali caberiam perfeitamente pois suas
características e a datação das mesmas é totalmente compatível com a
“conexão brutalista” (21).

Torre de Controle do Aeroporto de Gatwick, 1957. Arquitetos Francis Yorke,


Eugene Rosenberg e Cyril Mardall
Foto Martyn Davies [Wikimedia Commons]

1966: Novo Brutalismo, versão sistematizada a posteriori por Banham

Banham denomina seu livro de “envoi” (22), palavra francesa que remete à
idéia de um correspondente de guerra reportando as últimas novidades
enquanto a batalha ainda prossegue; mas que também pode indicar, como
explica o dicionário, “os versos finais de uma poesia, particularmente de
uma balada, contendo uma homenagem” (23). E esse parece ser mesmo um de
seus objetivos: o elogio poético aos Smithson.

É importante relembrar que Banham não está escrevendo seu livro no


momento dos manifestos pelo Novo Brutalismo de 1953/1955 mas em 1966,
quando o termo brutalismo já havia agregado outros e distintos
significados e se tornado relativamente reconhecido e consagrado
internacionalmente, e assumido um sentido de viés predominantemente
estilístico. Banham não ignora esses desdobramentos; mas apresenta datas
e fatos em ordem não cronológica para sustentar seu mito de fundação do
Brutalismo d’après casal Smithson. Pode-se aceitar que ele chegue a
provar que o “Novo Brutalismo enquanto movimento” seja de origem inglesa
e smithsoniana; mas que a obra dos Smithson seja fundadora do estilo que
se seguirá; e ainda mais, que a Escola de Hunstanton (projeto dos
Smithson de 1949-1954) seja brutalista – assim garantindo sua precedência
temporal “original” – é uma extrapolação bastante duvidosa (para ser
gentil e não dizer que é falsa). Esse ponto merece um esclarecimento
extra.

Anexo do Old Vic Theatre, Londres, 1958. Arquitetos Lyons Israel e Ellis Gray
Foto Simon Phipps

Adendo: o não-brutalismo da Escola de Hunstanton

Segundo Banham, o primeiro edifício “a receber dos seus autores a


designação de Novo Brutalismo foi a Escola Secundária de Hunstanton,
projeto de 1950 completado e publicado em 1954 (24). Trata-se de obra sem
dúvida do maior interesse e relevância para a história da arquitetura do
século 20, de caráter bastante inovador para seu momento. Mas apesar de
sua alta qualidade a Escola de Hunstanton não pode ser considerada
“brutalista” sob quaisquer das acepções do termo. Caberia, isso sim,
considerá-la uma inteligente releitura do Mies americano pós-1946, de
mistura com os debates do palladianismo então vigentes no meio
intelectualizado inglês. Essa filiação brutalista, forçada por Banham e
pela revista Architectural Review, é contestada na mesma edição por
Philip Johnson, ao comentar a obra (25); donde se vê que o assunto nunca
foi pacífico.

Casa Cunha Lima, São Paulo, 1958. Arquitetos Joaquim Guedes e Liliana Guedes
Foto José Moscardi

Evidentemente há pontos em comum entre as características arquitetônicas


de Hunstanton e as obras brutalistas de alguns anos depois, o mais
notável sendo o uso aparente dos materiais construtivos e instalações de
serviços. Mas as diferenças são também demasiado significativas para
aceitar sem nenhuma sombra de dúvida que a Escola de Hunstanton possa ser
arrolada como origem do “brutalismo enquanto estilo” das décadas
seguintes. Que a Escola de Hunstanton seja uma obra de primeira grandeza
é inegável; que tenha catalizado a posteriori as insatisfações da uma
nova geração de arquitetos ingleses, agrupados sob a rubrica, semi-
fabricada pela Architectural Review, do “Novo Brutalismo”, não há dúvida;
mas seu brilho permanece isolado, tanto na obra de seus autores, como em
relação ao cânon brutalista.

Ginásio do Clube Paulistano, São Paulo, 1958. Arquitetos Paulo Mendes da Rocha
e João Eduardo de Gennaro
Foto divulgação [Website Pritzker Prize]

Essa questão é muito relevante: é tanto uma verificação de pertinência


como uma precisão de datação. O brutalismo, enquanto tendência estética,
só se manifesta internacionalmente (à parte o mestre Le Corbusier) em
obras realizadas a partir de 1957, ou no mínimo, a partir de 1953, e não
antes; não tendo nem os ingleses nem quaisquer outros paises precedência
nessa datação; a “conexão brutalista” é uma rede complexa sem ponto
original que não seja corbusiano, um “estilo internacional” tanto ou mais
prevalente que aquele outro dos anos 1930 (e por sinal, muito mais
consistente em termos estilísticos). A correção desse ponto não é
secundária, pois colabora grandemente para situar e incluir, de maneira
correta e precisa, também o Brutalismo Paulista enquanto manifestação
concomitante e não subordinado, mas paralelo, a essas manifestações
internacionais. Ou, aproveitando-se Banham, torna-se legítimo inseri-lo
na “conexão brutalista” sem que haja qualquer defasagem temporal
significativa.

Museu de Arte de São Paulo - Masp, São Paulo, 1958. Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto Nelson Kon

1966: Brutalismo enquanto “estilo”, versão Banham

Ultrapassado o fabuloso “era uma vez…” com que Banham começa seu livro,
buscando em frases e efígies a origem do termo brutalismo (26) (viés
improfícuo que apenas validar seu mito fundado), nos capítulos seguintes
ele define de maneira muito clara alguns parâmetros de compreensão do
panorama onde surge o brutalismo: o conflito geracional/político do
imeditado pós-II Guerra; a influência de Le Corbusier através do exemplo
da Unité d’Habitation e de suas palavras em Vers une Architecture; a
influência de Mies van der Rohe através de suas obras norte-americanas no
campus do Illinois Institute of Technology – IIT (27). E em seguida,
Banham dedica-se a exemplificar e definir o Brutalismo enquanto tendência
arquitetônica, adotando para isso uma determinada abordagem de análise
estética. Esse ponto vale uma nova interrupção.
Casa Mario Taques Bittencourt II, São Paulo, 1959. Arquitetos Vilanova Artigas
e Carlos Cascaldi
Foto Nelson Kon

Adendo: ética ou estética?

Banham admite que as obras brutalistas que vai descrevendo soem vir
acompanhadas por discursos mais ou menos inflamados (brave talk) de tom
ético-moralizante. Mas percebe a autonomia entre esses discursos e essas
obras, já que estas seguem sendo realizadas dentro dos marcos do fazer
arquitetônico tradicional, atendendo às “pré-concepções e preconceitos
incrustados na arquitetura desde que ela se tornou ‘uma arte’” (28). Como
Banham admite, “os brutalistas estão comprometidos com o último esforço
da tradição clássica, não tecnológica; e a ética da conexão brutalista,
[que] tal como todas as tendências reformistas da arquitetura, desde
Adolf Loos, William Morris, Carlo Lodoli e Collin Campbell, é retrógrada”
(29).

Fórum de Promissão, 1959. Arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi


Foto Maria Tereza Cordido [CORDIDO, Maria Tereza. Arquitetura moderna: a rede
de fóruns modulares do Estado de São Pa]

Assim, contrariando suas expectativas artísticas revolucionárias, Banham


admite que o Brutalismo apenas vestia com trajes discursivos de ética
progressista uma arquitetura de estética conservadora – entendida aqui no
sentido que lhe dá Banham, de que ela aceita trabalhar dentro das
qualidades tradicionais inerentes ao saber profissional arquitetônico –
seja derivadas seja da tríade vitruviana, seja da tradição Beaux-Arts,
seja ainda do funcionalismo da “era da máquina”. Para Banham, o
Brutalismo (ultrapassada a fase quase impertinente do Novo Brutalismo)
havia se tornado “une architecture” [em francês no original], “um idioma,
um estilo vernacular; uma estética suficientemente universal para
expressar uma variedade de humores arquitetônicos, mesmo tendo perdido
algo de seu fervor moral que havia iluminado suas pretensões iniciais de
ser uma ética” (30). Mas nem isso: não é possível perder-se o que nunca
se teve.
Ginásio de Itanhaém, 1959. Arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto José Moscardi

Passado meio século, essa leitura de Banham não precisa ser aceita de
maneira ainda apegada ao tom negativo que este lhe confere: se bem que
desencantada, sua análise é bastante fiel aos fatos – e mesmo muito
perspicaz. Banham também reconhece que muitos outros grupos ingleses, que
não chegaram a subscrever as pretensões ético-morais do Novo Brutalismo,
passaram a se apropriar também do Brutalismo em suas propostas; e fala
ainda do Brutalismo como uma “estética de armazém”, ou “um estilo
economicamente apto a atender aos requisitos de uma sociedade
economicamente orientada” (31). Se há alguma ética, parece ser a da
economia favorecendo a exibição estrutural.

Mercado Municipal de Porto Alegre, concurso, 1967. Massimo Fiocchi e José


Magalhães

1966: características das obras brutalistas, conforme Banham

Segundo Banham: “franca exposição dos materiais; vigas e detalhes como


brises em concreto aparente, combinados com fechamentos em concreto
aparente ou com fechamentos em tijolos deixados expostos; mesma exposição
de materiais nos interiores; geralmente a secção do edifício dita a sua
aparência externa; em alguns casos, uso de elementos pré-fabricados em
concreto para os fechamentos/ revestimentos; em outros, uso de lajes de
concreto em forma abóbada ‘catalã’. Brutalismo enquanto estilo provou ser
principalmente uma questão de superfícies [derivadas das Jaoul] em
associação com certos dispositivos-padrão tridimensionais, retirados da
mesma fonte (calhas, caixas de concreto sobressalentes, gárgulas), com
certa crueza proposital no detalhamento e nos acabamentos. Essas
características genéricas do cânon nominalmente brutalista aceitariam ser
apropriadas por uma ampla variedade de expressões arquitetônicas,
derivando sempre em algum grau de referência da linguagem de Le
Corbusier, misturada em maior ou menor grau com outras variadas
influências” (32).
Casa Roberto Millan, São Paulo, 1960. Arquiteto Carlos Millan
Foto divulgação

E mais: “alguns edifícios brutalistas demonstram uma preocupação com o


habitat – o ambiente construído total que abriga o homem e direciona seus
movimentos –, conectando o Brutalismo com outros pensamentos e ações
progressistas fora do campo arquitetônico. O Brutalismo enquanto
movimento teria se concentrado na domesticação de alguns conceitos
básicos residenciais e sociais derivados de Le Corbusier, partindo de
protótipos corbusianos. A cruzada moral do Brutalismo por um melhor
habitat através do ambiente construído atingiria seu pico em algumas de
suas obras” (33).

Centro de Investigações da IBM, La Gaude, França, 1960-1961.


Arquiteto Marcel Breuer
Foto divulgação

Ou conforme Renato Pedio, citado por Banham

“O edifício enquanto uma imagem unificada, clara e memorável;


clara exibição de sua estrutura; alta valorização de materiais
não tratados, crus (brutos). Superfícies limpas e virgens;
volumes pesadamente corrugados, mas de simplicidade prismática;
serviços expostos à vista; zonas de cor violenta. Brutalismo
seria um gosto por objetos arquitetônicos auto-suficientes,
agressivamente situados em seu entorno; seria uma afirmação
energética da estrutura, a vingança da massa e da plasticidade
sobre a estética das caixas de fósforos e caixas de sapato;
deseja aproveitar (na base do estudo histórico, mas fora das
categorias acadêmicas) as lições da arquitetura moderna,
despojadas de suas licenças literárias. E um método de trabalho,
mas não certamente uma receita para poesia. E se por um lado seu
poder polêmico agora parece reduzir sua forte base moral, por
outro lado, destila sua mais significativa essência na agora
longa história da arquitetura moderna. Essa castidade moral,
esses estândares rigorosos de conduta em face do mundo; essa
coragem e espírito revolucionário podem trazer de volta o
verdadeiro sentido da relação entre arquitetura e sociedade,
atualmente obscurecido por um revivalismo nostálgico” (34).

Fórum de Itapira, 1960. Arquiteto Joaquim Guedes


Foto divulgação

Nota-se a linguagem enfática, um tanto obscura, mesclando descrição e


princípios morais. Essa será também uma das características do
Brutalismo, em suas conexões internacionais.

O relativo esquecimento do Brutalismo na historiografia recente

Uma pesquisa não exaustiva, mas suficientemente ampla, revela uma difusa
ausência de outras fontes sobre o Brutalismo; e as que se encontram quase
sempre citam, explicitamente ou não, as palavras e idéias de Banham; nem
sempre na forma mais apropriada, e nunca se dando totalmente conta das
sutis distinções entre as diversas acepções possíveis do termo
brutalismo, que é livremente entendido e confusamente referido segundo
várias delas ao mesmo tempo e sem muito critério. Com essa quase ausência
de fontes fidedignas e ponderadas o Brutalismo segue sendo mal
reconhecido, e sua conceituação restando confusa e vaga, mesmo sendo fato
histórico arquitetônico de inegável prevalência em certo momento de
meados do século 20.

Ginásio de Guarulhos, 1960. Arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi


Foto Nelson Kon

Se nunca chegou a ser uma tendência arquitetônica das mais populares fora
do círculo erudito de seus pares – mesmo tendo sido adotado, em algum
momento de suas carreiras, pela quase totalidade dos arquitetos vivos e
atuantes nos anos 1960/70, e mesmo mantendo ainda hoje forte influência
indireta sobre alguns dos caminhos arquitetônicos contemporâneos, do high
tech a Tadao Ando, a novas gerações de arquitetos do século 21 – logo
após seu auge o Brutalismo rapidamente passa a ser quase execrado,
vincado por um desamor ativado tanto por leigos como pela revisão crítica
da arquitetura moderna dos anos 1980, que lhe devotou um profundo
desprezo; em ambos os casos, com ou sem fundadas razões.
Carpenter Center, Cambridge, 1961-1964. Arquiteto Le Corbusier
Foto divulgação [Fundação Le Corbusier]

Importantes autores de mais recentes manuais arquitetônicos sequer o


mencionam, exceto quando examinam a obra dos Smithson, sem reconhecê-lo
em sua acepção mais genérica nem analisar sua ampla influência e
estendida vigência (35). Tendo sido largamente empregado, nos anos
1960/70, no projeto de edifícios de uso governamental ou oficial
(clientela apreciadora de suas qualidades monumentais) passou a ser visto
tanto pelas autoridades como pela crítica neoliberais posteriores como
simbolizando um momento fracassado e equivocado, estética e
politicamente. Assim, por boas ou más razões, mas sempre
superficialmente, a arquitetura do brutalismo dos anos 1950-1980 não
recebeu até o momento a devida atenção nem um tratamento e reconhecimento
mais sistemático de seus aportes. Em resumo, os autores de arquitetura
mais eruditos, conhecidos e acreditados, ou bem repetem Banham rápida e
inconseqüentemente, ou ignoraram ou mesmo hostilizam a arquitetura
brutalista (36).

Casa Boris Fausto, São Paulo, 1961. Arquiteto Sergio Ferro


Foto divulgação

Encontram-se porém outras fontes, menos eruditas e sem pretensões à


precisão dos termos, que citam o Brutalismo, invariavelmente como um
“estilo” dentro do “modernismo” nos anos 1950 a 1970, principalmente na
rede mundial (internet). Mesmo sendo menos confiáveis, são amplamente
acessíveis por leigos e estudantes, havendo assim algum interesse em
revê-las, desde que expurgando-se devidamente os casos mais estapafúrdios
e desfocados, mas sem exagerar – pois que algumas dessas fontes, pese a
sua maneira de expressão um tanto naïve e apressada, chegam a compreender
bastante bem alguns dos mais relevantes aspectos do Brutalismo (37). Por
economia de espaço não serão aqui citadas, mas o leitor interessado pode
consultá-las instantaneamente na outra orelha do seu browser.
Casa Simon Fausto, Ubatuba, 1961. Arquiteto Flávio Império
Foto divulgação [Acervo Ana Paula Koury]

Brutalismo: superficial e não essencial – e pior isso, adequado

A surpreendente ausência de definições mais sistemáticas do termo


brutalismo, apesar da relativa facilidade como ele é empregado, aceito e
aplicado a certas manifestações da arquitetura moderna de meados do
século 20, é um tanto paradoxal. Seria o brutalismo um termo tão vago e
inespecífico, que conviria, no limite, não se avalizar seu emprego de
maneira séria e conseqüente? Segundo William Curtis, tanto o pós-
modernismo quanto o brutalismo (38) se mostram de difícil caracterização
enquanto um “estilo” nitidamente delineado, embora certamente configurem
um conjunto, mesmo que vago, de aspirações e rejeições. Entretanto, não
parece tão difícil listar suas características a partir da análise da
coletânea de obras a que foram atribuídas o rótulo de brutalistas (39).

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, 1961. Arquitetos Vilanova Artigas


e Carlos Cascaldi
Foto Nelson Kon

Portanto, parece não haver dificuldade prática em saber quais obras são,
ou parecem ser, ou ao menos admitem ser indicadas como sendo,
brutalistas; nem em elencar suas características arquitetônicas,
construtivas e simbólicas. O que parece escapar por entre os dedos é a
possibilidade de encontrar, em tantas e tão diversas manifestações ditas
“brutalistas”, pouco mais do que seu “ar de família”, algo além de certa
sensibilidade táctil, de algumas persistências formais e materiais, e
cuja eventual ausência neste ou naquele exemplo tampouco prescrevem de
imediato a inscrição de uma ou outra obra nesse vago e inclusivo cânon.
Como afirma Curtis, parece que só resta dizer que “o cliché dessa
arquitetura era a superfície de concreto armado aparente, conseguida com
a ajuda de fôrmas de madeira bruta”. Isso afinal é muito pouco para
configurar uma tendência, muito menos um estilo, já que nem mesmo esse
requisito é fixo, havendo confirmadas obras ditas brutalistas, por
exemplo, em alvenaria de tijolos.
Sede do Anhembi Tênis Clube, 1961. Arquitetos Vilanova Artigas e Carlos
Cascaldi
Foto divulgação

Como argumento contrário final, o termo brutalismo parece inadequado,


mesmo se as obras que embala possam ter seus traços característicos
bastante bem descritos (coisa obviamente possível), por não chegar nunca
a garantir que essa acepção se baseie em alguma qualidade ou lastro
essencial, unindo sem sombra de dúvidas todas, ou a grande maioria, das
suas manifestações. Essa qualidade poderia ter sido a ética (ou ao menos
uma moral operativa aplicada ao projeto arquitetônico). Mas isso não
seria uma definição, e sim o escape da vaguidão do domínio arquitetônico
à ainda mais profunda vaguidão de outro domínio – o ético-moral – saindo
da arquitetura para entrar na filosofia sem de fato resolver-se o
problema de definir o brutalismo; e se adotada, acabaria englobando toda
e qualquer manifestação arquitetônica que se pretendesse ética, perdendo
especificidade.

Biblioteca Pública de Buenos Aires, 1962. Arquitetos Clorindo Testa e Francisco


Bullrich

Entretanto, ao invés de descartar o brutalismo como termo inadequado,


conceitualmente vago, ou inefável, é possível que ele revele – se
aceitarmos os fatos em si mesmos de maneira pragmática, ou talvez
“fenomenológica” (40) – ser paradoxalmente adequado. Basta considerar ser
possível renunciar à busca de uma harmonia interna entre obras de
aparências aproximadas, mas muitas vezes de essências díspares; e, ao
invés disso, buscar compreender que o que de fato as reúne não é muito
mais, embora sim substancialmente, seu aspecto externo e superficial.
Centro Paroquial São Bonifácio, São Paulo, 1964. Arquiteto Hans Broos
Foto Cristiano Mascaro

Se for possível aceitar esse caminho “superficial”, “não essencial”, como


válido, talvez não haja contradição ao dar-se o título de “brutalista” a
resultados próximos, corretamente datados, compartilhando um conjunto
mais ou menos definido de características formais e superficiais, mesmo
que cada uma das obras revele, numa análise individual mais detida e
cuidadosa, muitas diferenças conceituais e de intenção ética e moral;
garantindo-se a variedade em potência das obras ditas brutalistas, sem
perda de sua inserção nesse conjunto.

Tribunal de Contas de São Paulo, 1971. Arquitetos Plinio Croce, Roberto Aflalo
e Giancarlo Gasperini
Foto divulgação [Website Aflalo Gasperini]

Para dizer de outra maneira, pode-se simplesmente afirmar, com base nos
fatos, que determinadas obras serão brutalistas, apenas e suficientemente
porque parecem ser; e que o que determina sua aproximação e inserção na
tendência não é sua essência, mas sua aparência, não é seu íntimo, mas
sua superfície, não são suas características intrínsecas, mas suas
manifestações extrínsecas.

É possível ser brutalista certa arquitetura paulista dos anos 1950-70?

Pode-se concluir, a partir de uma leitura criteriosa das fontes


disponíveis, com ênfase na contribuição de Reyner Banham, que o
Brutalismo não se restringe em absoluto ao “Novo Brutalismo”, nem antes,
nem depois da afirmação daquele “movimento” britânico, que se dá por
volta de 1953-55. Banham afirma que o brutalismo se manifesta em obras
situadas em várias partes do mundo, sem aparentemente nenhuma relação de
afinidade entre si, exceto por compartilharem os ensinamentos presentes
na obra de Le Corbusier. O momento em que o brutalismo surge no campo
arquitetônico parece ser o de meados dos anos 1950, ainda enquanto
exceção; com notável incremento após 1960, já com o reconhecimento da
tendência por parte de alguns autores e da maioria dos críticos;
experimentando uma grande expansão nas décadas de 1960/70, a ponto de se
adquirir certo status de “vernacular moderno” naquele momento (41).
Museu de Arte Contemporânea da USP, 1975. Arquitetos Paulo Mendes da Rocha,
Jorge Wilheim e Leo Tomchinsky
Foto divulgação [Website Jorge Wilheim]

As datas e os conteúdo conferem. Os discursos se aproximam. As aparências


confirmam. Nada há que impeça, logicamente, de considerar como
brutalistas um conjunto signficativo de obras realizados na arquitetura
paulista a partir de meados dos anos 1950 e por duas (ou três) décadas
seguintes. Podem não ser brutalistas; mas podem assim ser, legitimamente,
consideradas.

notas

1
Cf. ZEIN, Ruth Verde. A Arquitetura da Escola Paulista Brutalista 193-1973.
Tese de doutordo. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2005. Ver também da mesma autora:
ZEIN, Ruth Verde. Breve introdução à Arquitetura da Escola Paulista
Brutalista. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 069.01, Vitruvius, fev. 2006
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/375>; ZEIN, Ruth Verde.
A década ausente. É preciso reconhecer a arquitetura brasileira dos anos 1960-
70. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 076.02, Vitruvius, set. 2006
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.076/318>.

2
Muito embora boa parte das variadas fontes empreguem o termo brutalismo
aceitando, declaradamente ou não, as idéias e hipóteses de Banham – como é o
caso, por exemplo, das referências encontradas em: CURTIS, William. Modern
architecture since 1900. Londres, Phaidon, 1996; FRAMPTON, Kenneth. Modern
architecture, a critical history. Londres, Thames and Hudson, 1985.

3
BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic or aesthetic? Londres, Architectural
Press, 1966.

4
ABBAGGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1970, p.
645-646, grifo meu.

5
Do Brutalismo ou do Novo Brutalismo? Banham não é muito consistentemente claro
no uso dos termos, alternando-os com certa facilidade. “Novo Brutalismo” é o
termo que os Smithson empregam em seus primeiros textos – só após 1953 –,
claramente referindo-se ao Brutalismo corbusiano que não negam, mas pretendem
corrigir. Banham prefere não ressaltar essa precedência de Le Corbusier, e
embora não a negue; e quer distinguir esse idiom brutalista do Novo Brutalismo
inglês dos Smithson, que busca elevar a outro patamar de interesse criativo,
pretendendo uma “discrimination between Brutalism as a creative style and the
mere imitation of Le Corbusier” (1966, 88). Mais adiante se procurará
distinguir com maior nitidez ambos conceitos.

6
“The reader will have deduced, if he did not already know, that this book is
the work of someone deeply involved with the events it describes. […] The book,
therefore, has a built-in bias toward the British contribution to Brutalism; it
is not a dispassionate and Olympian survey”. BANHAM, Reyner. The new brutalism:
ethic or aesthetic? Londres, Architectural Press, 1966, p. 134.

7
ARON, Raymond (1948). Introduction à la Philosophie de l’histoire. Apud
ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1970,
p. 487.

8
No original: “but the process of watching a movement in gestation and growth
was also a disappointment in the end. For all its brave talk of ‘an ethic, not
an aesthetic’, Brutalism never quite broke out of the aesthetic frame of
reference […] For a non-architect like myself to expect them to be otherwise
was naïve”.
9
“I make no pretense that I was not seduced by the aesthetic of Brutalism but
the lingering tradition of its ethical stand, the persistence of an idea that
the relationships of the parts and materials of a building are a working
morality – this, for me, is the continuing validity of the New Brutalism”. In
op. cit., p. 135.

10
Resumo de ZEIN, Ruth Verde (2005), capítulo 1.2.1.

11
“Behind all aspects of the New Brutalism, in Britain and elsewhere, lies one
undisputed architectural fact: the concrete-work of Le Corbusier’s Unité
d’Habitation’ at Marseilles. And if there is one single verbal formula that has
made the concept of Brutalism admissible in most of the world’s western
languages, it is that Le Corbusier himself described that concrete –work as
‘béton brut’”. In op. cit., p. 16.

12
Inicialmente no texto redigido por Alison Smithson, que acompanha o projeto não
construído de uma casa no Soho; publicado na revista Architectural Design de
novembro de 1953.

13
BANHAM, Reyner. The new brutalism. Architectural Review, vol.118, n. 708, dez.
1955, p. 355-361.

14
E não apenas na Inglaterra, mas igualmente, por exemplo, em São Paulo; embora
aqui a insatisfação geracional ocorra de modo distinto, deslocada mais
geográfica (Rio-São Paulo) do que temporalmente. A respeito, ver ZEIN, Ruth
Verde (2005), cap. 4.

15
CURTIS, William. Modern architecture since 1900. Londres, Phaidon, 1996, p.
531.

16
A partir de fins da década de 1950, entre outros autores também pelo próprio
Banham, que ao organizar seu livro seleciona um conjunto relativamente limitado
de obras para exemplificar o que denomina como brutalismo, todas de excelente
qualidade, situadas em diversos países, em alguns casos inclusive “esticando”
forçosamente o significado do termo para poder ampliar o número de exemplos.
Essa relativa escassez de exemplos apropriados para demonstrar o Brutalismo só
ocorre nos anos 1950, já que os anos 1960 verão uma expansão exponencial de
exemplos, mesmo que algumas vezes em detrimento da qualidade intrínseca do
conjunto.

17
E o Brasil não é em absoluto exceção a essa regra, nem está defasado com a
tendência, como se buscou demonstrar na tese desta autora, mas se insere de
maneira absolutamente sincrônica nos tempos assinalados no panorama
internacional; mesmo se esse fato teve pouco reconhecimento em seu momento.

18
Nem sempre esses comentaristas usam o termo “estilo”; mas parece ser cabível
usá-lo pois se trata, de fato, de descrições e análises estilísticas, que
buscam definir um “conjunto de caracteres que diferenciam das outras uma
determinada forma expressiva” – que é a definição de “estilo” no dicionário.

19
Por exemplo, Banham cita os comentários sobre o brutalismo do crítico italiano
Renato Pedi [BANHAM, Reyner, 1966, p. 127], o italiano Bruno Alfieri, editor da
revista Zodiac, considera as obras de Vilanova Artigas como uma “busca
brutalista” [Zodiac, n. 6, 1960, p. 97].

20
No original, “brutalist connection” [BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic
or aesthetic? Londres, Architectural Press, 1966, p. 131].

21
Mas nesse momento os olhos do mundo estão voltados para o Brasil por outro, e
muito importante, motivo: a inauguração de Brasília – e o brilhante foco desse
sol certamente empanava o eventual brilho isolado de outras possibilidades.
Essa conjunção dos astros foi e segue sendo a glória e o ponto de mutação em
direção a um progressivo olvido da arquitetura brasileira no panorama
internacional.

22
BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic or aesthetic? Londres, Architectural
Press, 1966, p. 134.

23
Dicionário Escolar Francês-Português. Ministério da Educação e Cultura, 1961,
p. 220.

24
BANHAM, Reyner, 1966, p.19. Banham faz questão em atrasar essa data para 1949;
a data de 1950 é a que consta no livro organizado por Marco Vidotto sobre as
obras e projetos do casal Smithson. [VIDOTTO, 1997.] Ademais, só há registro de
que os Smithson empregassem o termo brutalismo a partir de 1953, seu emprego
para a Escola de Hunstanton parece ser outro arranjo oportuno de Banham.
25
JOHNSON, Philip. School at Hunstanton Norfolk. The Architectural Review, vol.
116, n. 693, set. 1954, p. 152.

26
Embora tenha interessado a Banham; tanto que ele começa seu livro, no capítulo
1.1, de maneira mitológica, indo buscar o termo brutalismo no perfil clássico
de Brutus, em conversas de gabinete em Uppsala, vagueando e rodeando o assunto
como um contador histórias de aldeia, deliberadamente não citando Le Corbusier,
e mesmo dando um título de ressonâncias bíblicas ao item, “e no começo era a
frase...” (e não o verbo…). A técnica narrativa é perfeitamente enlevante,
seduzindo o leitor; mas não resiste a uma análise mais crua que facilmente
poderia demonstrar a insubstancialidade dessas afirmações.

27
Sobre o conflito geracional no caso europeu e suas diferenças com o caso
brasileiro, e sobre a contribuição de Le Corbusier e Mies van der Rohe como
precedentes notáveis do Brutalismo, em especial do brutalismo paulista: ver
capítulo 6.

28
“pre-conceptions and prejudices that have encrusted architecture since it
became an art”. BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic or aesthetic? Londres,
Architectural Press, 1966, p. 134.

29
“Brutalists commited in the last resort to the classical tradition, not the
technological; for the ethic of the Brutalist connection, like every reformist
trend in architecture, back through Adolf Loos, and William Morris, and Carlo
Lodoli and Collin Campbell, is backward-looking”. Idem, ibidem, p. 135.

30
”an idiom, a vernacular style; an aesthetic universal enough to express a
variety of architectural moods, even if it had lost some of the moral fervour
that had illuminated its earlier pretensions to be an ethic”. Idem, ibidem, p.
89.

31
Idem, ibidem, p. 89.

32
Resumo do capítulo “The Brutalist Style” in BANHAM, Reyner. The new brutalism:
ethic or aesthetic? Londres, Architectural Press, 1966, p. 89-91.

33
Idem, ibidem, p.130-133.

34
Publicado originalmente em L’Architettura, fev.1959; L’Espresso, 2 mar. 1958.
Apud BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic or aesthetic? Londres,
Architectural Press, 1966, p. 127.

35
Como por exemplo, em MONTANER, Josep Maria. Después del movimiento moderno.
Arquitectura de la segunda mitad del siglo XX. Barcelona, Gustavo Gili, 1993;
exceto pela menção indireta ao “expressionismo estrutural” dos anos 1950-60,
esse trecho da historiografia recente é desconsiderado.

36
É curioso notar – e provavelmente não tem nenhuma relação causal com o
parágrafo anterior – que a arquitetura brutalista é muito mais fecunda e
localmente importante nos países africanos, asiáticos e americanos (inclusive
nos Estados Unidos), do que nos países europeus (embora também); e que a maior
parte dos historiadores são europeus. Deve ser apenas coincidência.

37
Em ZEIN, Ruth Verde [2005] foi feito um amplo levantamento dessas fontes,
muitas delas disponíveis na rede mundial.

38
William Curtis se refere, de fato, ao “Novo Brutalismo”, já que em momento
algum de sua obra dá fé da existência do brutalismo amplo senso, embora defina
este com os termos que Banham usou para o outro. CURTIS, William. Modern
architecture since 1900. Londres, Phaidon, 1996, p. 550 e 602.

39
Assunto que será oportunamente explorado em artigo posterior.

40
Entendido aqui em sentido estrito, de “descrição daquilo que aparece”, cf.
ABBAGGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1970, p.
416.

41
BANHAM, Reyner. The new brutalism: ethic or aesthetic? Londres, Architectural
Press, 1966, p. 132-133: “Brutalism, having run for ten years or more – which
is a fair age for an ‘-ism’ in the present century […] The aesthetics of ‘béton
brut’ have diffused into a vernacular, a common usage”.

sobre o autor
Arquiteta FAU-USP (1977), Mestre (2000) e Doutora (2005) pelo PROPAR-UFRGS,
professora na FAU/Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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