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060.00 ano 05, maio 2005

Calçadões paulistanos – em debate o futuro das áreas de


pedestres do centro de São Paulo
Renato Anelli

060.00
sinopses
como citar

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original: português

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060
060.01
A invenção do centro
histórico na Espanha
contemporânea. À
procura de seus
modelos, argumentos e
estilemas
Fabio Horácio Castro
060.02
Cemitérios
contemporâneos. Entre a
vida e a morte
Fredy Massad e Alicia
Guerrero Yeste
Vale do Anhangabaú
Foto Nelson Kon 060.03
2/5 Novos processos de
construção em
arquitetura
Gonçalo Castro
Henriques e Luís Pedro
Esteves
060.04
como citar Espaço público e
democracia:
ANELLI, Renato. Calçadões paulistanos – em debate o futuro das áreas de experiências recentes
pedestres do centro de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 060.00, nas cidades de América
Vitruvius, maio 2005 Hispânica
<https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.060/457>. Roberto Segre

Em que medida o acesso de todos os modais (inclusive veículos 060.05


particulares de transporte individual) a todas as ruas do Centro pode ser Cidades ‘italianas’ ou
um instrumento para a reverter o processo de esvaziamento dos edifícios a complex(c)idade em
na área? Considerando o nível de congestionamento das vias da cidade, o Italo Calvino
estímulo ao uso do automóvel individual para acesso ao centro seria um Silvio José Conceição
instrumento urbanístico válido? O próprio conceito de revitalização do 060.06
centro não esconderia um processo de segregação social contra aqueles que Operações Urbanas em
hoje vivem no centro? São Paulo: crítica,
plano e projetos. Parte
Estas questões que combinam temas urbanísticos com temas de mobilidade 3 – Operações Urbanas:
urbana e de inclusão social animaram a noite do dia 22 de março, quando o plano-referência e
auditório do IAB-SP lotou com mais de 100 pessoas que foram conhecer e proposições
debater as propostas da Associação “Viva o Centro” e da Prefeitura de São Pedro Manuel Rivaben de
Paulo para a abertura ao trânsito do transporte individual de alguns Sales
trechos das ruas de pedestres do centro da cidade e do Vale do 060.07
Anhangabaú. A urbanidade brasileira
sob as óticas de
Os estudos apresentados pelo presidente da “Associação Viva o Centro”, cosmopolitismo e
Marco Antonio Ramos de Almeida – já divulgados pela revista Urbs – tradição em "Raízes do
envolvem preocupações de vários níveis e está dividido em dois setores. Brasil"
Para os calçadões dos Centros Novo e Velho a proposta aponta para a Eliane Lordello
“revisão e aperfeiçoamento” da sua concepção, enquanto que para o
060.08
Anhangabaú seria necessária a sua “refuncionalização”, ou seja, a sua
A arquitetura religiosa
revisão conceitual.
barroca em Pernambuco –
séculos XVII a XIX
O estudo para as áreas dos calçadões parte da constatação de que a gestão
André Lemoine Neves
das áreas de pedestres é caótica, os serviços de manutenção do pavimento
insuficientes e uma gama enorme de veículos circula, autorizados ou não, 060.09
de forma não regulamentada pela vias que seriam exclusivas de pedestres. Urbanismo e arquitetura
A necessidade de se regulamentar de forma mais realista essa circulação para o século XXI
deveria passar pela criação de faixas aonde esse trânsito seria admitido José da Conceição
de forma limitada. Afonso
060.10
A essa análise a Associação soma as dificuldades de acessibilidade aos
A busca de cidades mais
edifícios da área de calçadões, apontando a existência de poucas “portas”
seguras: circuito
de entrada para veículos, assim como de grandes setores com distância
fechado de câmeras de
superior a 100m das ruas por onde circulam veículos. A revisão dos
televisão (CCTV)
calçadões passaria pela redução dessas distâncias, através da abertura de
Dina De Paoli
algumas alças de trânsito local em pontos estratégicos. No entender do
presidente da “Associação Viva o Centro”, essa revisão permitiria 060.11
reverter o processo de transferência de importantes empresas que se Operações Urbanas em
situam nessa região para outras áreas da cidade. São Paulo: crítica,
plano e projetos. Parte
Já o estudo para o Anhangabaú envolve uma crítica mais contundente à 4 – Operação Urbana
situação atual. Para a “Associação Viva o Centro” aquilo que era Butantã-Vila Sônia
antigamente uma porta de entrada do centro da cidade tornou-se uma zona Pedro Manuel Rivaben de
de passagem subterrânea desconectada com a superfície. Nas palavras de Sales
Marco Antônio de Almeida essa situação leva a que hoje se entre no centro
“pelas portas dos fundos”, ao invés do monumental Anhangabaú concebido no
sistema “Y” de Prestes Maia.

A existência de áreas degradadas no fundo do Vale (foi citada


explicitamente a rua Formosa) somente seria revertida com a criação de um
novo sistema viário que facilitasse o acesso aos centros velho e novo a
partir das avenidas estruturais que o atravessam. Outro aspecto
contemplado no estudo é a conexão do Centro Velho no sentido oeste
através da Av. São João, onde seriam criadas duas vias até a Rua Formosa
e uma larga calçada central contínua até a R. Líbero Badaró, denominada
na proposta como uma versão paulistana da rambla de Barcelona.

A manifestação do representante da Sub-Prefeitura da Sé, o Engenheiro


Antonio Zagatto foi no sentido de que os estudos apresentados pela
“Associação Viva o Centro” estão sendo analisados e que alguns projetos
estão em elaboração, todos eles partindo da premissa de evitar o tráfego
de passagem pela região mas abrir algumas alças de circulação local nas
áreas de pedestres. Entretanto, apesar das constantes manifestações
afirmativas do Sub-Prefeito na imprensa paulistana, seu representante não
apresentou nenhum projeto, informando apenas que o assunto ainda se
encontra em estudo. Assim, um dos objetivos do evento que era conhecer a
proposta do poder executivo municipal foi frustrada restando o debate da
proposta apresentada pela “Associação Viva o Centro”.

Após a apresentação dos dois convidados, iniciou-se um longo debate


estruturado em duas fases. Na primeira apresentaram suas questões alguns
convidados da diretoria do IAB divididos em três grupos. Em primeiro
lugar alguns arquitetos que participaram da implantação dos calçadões,
tais como Pedro Paulo de Melo Saraiva, Paulo Bruna e Haron Cohen. No
segundo grupo, representantes da Associação Nacional de Transportes
Públicos (ANTP) e da Associação Brasileira de Pedestres – São Paulo
(Pedestres SP). Em terceiro lugar se manifestaram a Arquiteta Nádia
Somekh, responsável pelo projeto “Ação Centro” na gestão passada e a
Professora Mônica Bueno Leme da Faculdade Belas Artes, que coordenou
estudos e publicação sobre o tema. Por último, apresentaram suas questões
o público presente, avançando um debate que se encerrou após as 23h. As
questões levantadas podem ser agrupadas em alguns grandes blocos:

Histórico

Os depoimentos de arquitetos que participaram da concepção e implantação


das ruas de pedestres indicam que essa intervenção esteve vinculada a uma
política da área de transportes que visava desestimular o deslocamento
por automóvel na cidade, dificultando sua circulação no centro. A criação
dos calçadões procurou conjugar o conforto e segurança do pedestre com a
indução à utilização do transporte coletivo como principal forma de
acesso ao centro. A acomodação de grandes fluxos de passagem de usuários
do transporte coletivo era um dos objetivos do projeto desde a sua
concepção.

Como ressaltou o Arquiteto Haron Cohen, anteriormente à existência das


linhas de Metrô, as linhas de ônibus não realizavam trajetos diametrais,
finalizando na Praça da República ou na Praça da Sé. Entre essas praças,
os usuários do transporte coletivo transitavam a pé, e as ruas exclusivas
de pedestres organizaram e deram segurança a esse trajeto. Com a criação
das linhas de Metrô essa situação se alterou, mas o Centro ainda cumpre
um papel de conexão intermodal (ônibus, metrô e trens de subúrbio),
resultando em intensos fluxos de passantes que alimentam o comércio
informal, assim como diversas alterações de perfil de uso da região.
Todos os depoimentos ressaltaram a importância que os arquitetos viam na
implantação de garagens subterrâneas para garantir o atendimento ao
acesso por automóveis. Entretanto, por diversos motivos esses equipamento
jamais foram implantados.

Ressaltou-se que vários aspectos dos calçadões denotam hoje um processo


de degradação da sua qualidade urbana, em especial a remoção de
componentes como mobiliário, equipamentos e sinalização assim como a
deterioração do pavimento. Nesse item foi importante o depoimento do
Arquiteto José Lefévre, que informou que o pavimento fora dimensionado
para carga de 20 toneladas e a sua deterioração se deve aos péssimos
trabalhos de recomposição realizados pelas concessionárias de serviços
públicos (redes de água, esgoto, telefonia, gás, etc.). Foi unânime
nestas manifestações que na forma como se encontram hoje, os calçadões se
tornaram espaços desagradáveis de estar e desconfortáveis de se
percorrer. Essa situação do piso, assim como a ausência de definição das
faixas de circulação de veículos de serviço (decorrentes da remoção das
marcações originais) leva a uma situação tensa, onde é alto o risco de
acidente com um pedestre, mesmo sem a participação de um veículo. A
necessidade de uma gestão integrada do espaço das ruas de pedestres, uma
espécie de “zeladoria” da área, com poder inclusive sobre os serviços das
concessionárias, foi um dos grandes consensos do debate.

Mobilidade urbana e reversão do esvaziamento das edificações

Se a meta de desestímulo ao transporte individual por automóveis


significa um relativo sucesso do ponto de vista da mobilidade urbana em
escala metropolitana, o seu resultado urbanístico não pode ser ocultado.
Enquanto o comércio popular ocupa vigorosamente as lojas nos andares
abertos para as ruas e galerias, cada vez mais os andares superiores dos
edifícios de escritórios e habitacionais são desocupados. Desse modo, a
animação do centro se torna progressivamente mais dependente dos
passageiros do transporte coletivo em trânsito no deslocamento entre
estações e terminais.

Várias intervenções ressaltaram a importância de inserir o debate dentro


de uma visão mais ampla do problema, abrangendo também a questão da
inclusão social dos diversos segmentos de moradores de rua,
desempregados, e outros habitantes e freqüentadores da região. Dentro
dessa perspectiva, poderíamos pensar que não existe uma necessidade de
“revitalização” da área, pois ela já é bastante viva, mas sim de re-
ocupação dos edifícios vazios e abandonados da região. Não encontrou
consenso no debate a avaliação das razões desse esvaziamento, muito menos
atribuir como sua causa à dificuldade de acesso de automóveis.

Como argumento consistente para essa objeção foi lembrado que as ruas
onde o trânsito é liberado também sofrem o mesmo fenômeno. No entanto, as
posições expressas pelos representantes da ANTP e da Pedestres SP alertam
para que não seja perdida nesse processo a visão articulada com uma
política mais ampla de estímulo ao transporte coletivo e à segurança dos
pedestres, diretrizes hoje reconhecidas internacionalmente como
imprescindíveis para evitar o colapso da mobilidade nas grandes cidades.
Nas palavras do representante da ANTP, “qualquer proposta de abertura das
vias de pedestres pode significar um recuo naquilo que foi uma das
grandes conquistas dos paulistanos”.

Falta de continuidade nas políticas de gestão urbana

A ausência de um marco conceitual global da proposta apresentada alerta


para a descontinuidade com o “Ação Centro”, projeto realizado na
administração municipal anterior e que conta com vultuosos recursos do
financiamento do BID. Conforme alertou a Arquiteta Nádia Somekh, essa
definição é importante, pois o financiamento do BID exige a continuidade
do “marco lógico” do projeto, que combinava o entendimento do centro como
depositário da memória e da história da cidade com uma política de
inclusão social. Nesse sentido, o contraste com os expositores foi claro,
pois apesar da argumentação do representante da Sub-Prefeitura da Sé
informando que o projeto terá continuidade após revisto, ambos os
palestrantes apontaram que o problema da inclusão social no Centro
deveria ser tratado em outra ocasião, levantando o temor entre os
presentes de que se perca a perspectiva de uma ação integrada.
Representantes de movimentos populares por moradia no centro questionaram
incisivamente o representante da Sub-Prefeitura sobre a continuidade dos
fóruns de participação social existentes no “Ação Centro”, ao que foram
informados que eles serão retomados em breve.

Assim, a discussão de uma proposta aparentemente pontual – a


transformação das áreas de circulação exclusiva de pedestres no centro –
exige o entendimento das políticas de mobilidade urbana implementadas em
São Paulo nos últimos 30 anos, destacando as suas responsabilidades sobre
o atual estado da área central. Faltam estudos aprofundados sobre esse
tema. Mas, se na área de transportes há um certo consenso sobre as
políticas de incentivo ao transporte coletivo através da penalização do
transporte por automóveis privados e do apoio ao transporte não
motorizado, na área de urbanismo não existe uma convergência das
avaliações das causas do esvaziamento dos imóveis da área central. Pelo
contrário, as posições nesse tema são bastante conflitantes. Da migração
da elite paulistana para a zona sudoeste da cidade à dificuldade de
acesso dessa elite ao centro com seu transporte privado, vários são os
motivos apontados, não havendo nem mesmo consenso sobre a identificação
de uma degradação na área, pois muitos consideram que aquilo que é
apontado como decadência da região não passa de uma mudança de perfil
social dos seus usuários.

Sem dúvida é necessário avançar nesse debate, assim como nas pesquisas
sobre o assunto. Ainda mais se considerarmos que novos mecanismos
experimentados internacionalmente na área de mobilidade urbana para
desestimular o uso do transporte individual privado nas grandes cidades
podem vir a ser propostos para São Paulo. É necessário que desenvolvamos
uma reflexão integrada entre essa área e a área de urbanismo para tais
propostas sejam sempre norteadas por uma idéia da cidade que queremos.

Apesar dos seus limites e restrito à discussão pública da proposta da


“Associação Viva o Centro”, o evento indica a potencialidade do IAB SP em
se afirmar como importante fórum de discussão das questões urbanísticas
de São Paulo, em uma ação capaz de ultrapassar os contornos corporativos
da profissão do arquiteto e envolver vários setores que tem a cidade como
campo de ação.

Post scriptum

Nas semanas seguintes a este evento a proposta da abertura dos calçadões


desapareceu da mídia paulistana. As iniciativas concretas do executivo
municipal na região central parecem se concentrar no tema da segurança
pública, sendo o cercamento da Praça da República a iniciativa de maior
significado urbano até agora implementada. No entanto, o Fórum Paulistano
de Passeio Público (realizado em 11 de maio) apresentou e discutiu
publicamente uma série de propostas para padronização da construção e
ocupação por mobiliários, concessionárias de serviços e paisagismo,
refletindo a consolidação de esforços que vêm se acumulando nos últimos
anos em São Paulo nessa área.

sobre o autor

Renato Luiz Sobral Anelli, arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura


e Urbanismo, USP-São Carlos

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