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1964-85
Arquitetura brasileira em transe
Eduardo Pierrotti Rossetti
167
167.00 exposição
O desenho e a
construção
Território de Contato,
módulo 02: Nicolas
Robbio e Marcos Acayaba
Marta Bogéa e Abilio
Guerra
167.01 visão
estrangeira
Max Bense
Mobilidade e
inteligência brasileira
Ana Luiza Nobre
167.02 arqueologia
paulista
As ruínas do Sítio do
Morro
Um importante moinho de
trigo da era das
bandeiras
Francisco Andrade
Riposatevi, o pavilhão de Lucio Costa na Trienal de Milão de 1964 [Lucio Costa. 167.04 media
Registro de uma vivência. Rio de Janeiro: Empresa das Artes, 1995, p. 409] Brasília through
British Media
Brasília e o campo da arquitetura brasileira Daniel Mangabeira
167.05 poesía y
Brasília, utopia materializada a ser paulatinamente consolidada, instaura arquitectura
uma “condição pós-Brasília”. A presença de Brasília consolida a autonomia Las cosas que ahora se
plena e o campo de atuação da arquitetura brasileira, tornando-se ao ven
mesmo tempo, o ponto de inflexão e de sua crise (1). Esta outra Imaginario de los
circunstância do debate arquitetônico se caracteriza pela manutenção de artefactos y la
certas questões e posturas modernas em diálogo com novas questões, que já indumentaria en el
não correspondem dogmaticamente às premissas modernistas, mas nem tango
tampouco são, automaticamente, pós-modernas, ou retrógradas. Ao mesmo Mario Sabugo
tempo, esta “condição pós-Brasília” tem correspondências com o período
político da vigência da Ditadura Militar, entre 1964 e 1985. 167.06 ambiente
Meio ambiente, espaço e
Lucio Costa assinala a expectativa de transformação advinda desta sociedade
conquista, sugerindo que Brasília era mesmo um marco entre uma fase e a O trabalho do arquiteto
inauguração de novas especulações do campo arquitetônico ao afirmar que o e urbanista nas
fato de Brasília ter sido construída “foi um alívio” para todos os condições históricas
arquitetos que “se livraram” daquela arquitetura moderna que vinha desde atuais
os anos 30 até Brasília. Mais recentemente, Hugo Segawa afirma que Manoel Lemes da Silva
“Brasília está no bojo desse projeto desenvolvimentista e constituiu o Neto
marco final dessa vanguarda arquitetônica (...). O marco cronológico 167.07 acessibilidade
final desta etapa está em 1964, com a implantação da ditadura militar, Mobilidade urbana e o
encerrando a utopia [arquitetônica] do segundo pós-guerra” (2). papel da
microacessibilidade às
Neste momento histórico também ocorre o alargamento do campo profissional estações de trem
pela ênfase na presença do arquiteto como um profissional mais integrado O caso da Estação Santo
ao rol das demais profissões da sociedade, sem o glamour artístico que Amaro, SP
legitimava sua anterior excepcionalidade, situando-o definitivamente numa Yara Baiardi e Angélica
complexa prática profissional que envolve interesses econômicos, deveres Benatti Alvim
culturais e responsabilidades sociais, por vezes também enredados pelas
demandas imobiliárias intrínsecas ao crescimento urbano. Trata-se de um
profissional que deixa de atuar exclusivamente no escritório e passa a
integrar os quadros das empresas e das construtoras (3). A implicação
desta nova dinâmica se traduz nas possibilidades de experimentar outras
linguagens, trabalhar em novas dinâmicas da indústria da construção civil
e com novos programas: rodoviárias, estações de metrô, hidrelétricas,
aeroportos, indústrias, universidades, incluindo a crescente discussão
sobre pré-fabricação.
Heloisa Buarque de Hollanda assinala que houve uma ruptura efetiva dos
chamados “alinhamentos ideológicos automáticos”, a partir de quando o
esquematismo binário entre “direita” e “esquerda” (16), não se mostrava
mais capaz de instrumentalizar a leitura da complexidade das
perspectivas mais amplas e plurais que se consolidaram no campo cultural,
político e social. Este momento de distensão das posturas artísticas se
alimenta da reconquista da relativa liberdade de imprensa a partir de
1975, com o boom editorial da imprensa alternativa (17), marcando a
entrada paulatina de novas referências — filosóficas, sociológicas ou
comportamentais — que passariam a permear as conversas e a reflexão nos
meios culturais. Trata-se de um novo contexto em que as simples práticas
cotidianas da vida urbana podem manifestar valores ideológicos
transformadores da dinâmica social do país (18). O espaço urbano é para
Zuenir Ventura o lugar para onde as ações culturais transformadores
voltam seu discurso contra as práticas políticas ao mesmo tempo em que os
jovens, os universitários, os “desbundados”, convivem com os novos
valores lançados na dinâmica de uma incipiente cultura de massa. Assim, o
valor que resiste nesses embates cotidianos podem se manifestar nos
versos de uma canção de algum festival, na fala de um personagem do
Teatro de Arena, ou da novela Beto Rockefeller; numa capa de revista,
numa charge d’O Pasquim, no cartaz de um filme ou num panfleto que
promove uma passeata. Este contexto indica que ainda havia resquícios
daquele elemento utópico da transformação mediante a participação, que
encontrara novos canais para se expressar e que se metamorfoseava para
sobreviver nas mutantes conjecturas político-culturais.
Lina Bo Bardi revela uma percepção igualmente aguda daquele momento pós-
Brasília: “A obsolescência da arquitetura, hoje, é clara; a perda de
sentido das grandes esperanças da arquitetura moderna, claríssima...” e,
ao mesmo tempo em que alerta os presentes para a diferença entre os
tempos, entre as diferentes gerações, Lina se mostra preocupada com os
desdobramentos do campo arquitetônico brasileiro, instigando a plateia:
“Hoje estamos numa situação um pouquinho diferente. O que vocês [jovens
arquitetos] vão fazer?” (29). Neste sentido, a abordagem de Abílio Guerra
reforça a necessária conexão entre os interesses da geração atual com as
gerações anteriores para estabelecer a continuidade de uma reflexão sobre
o próprio campo arquitetônico, quando assinala que: “Entre a negação
psicanalítica radical do pai e a adoração religiosa da deidade,
precisamos instaurar uma crítica que nos reconecte com a tradição, para
com ela aprender e redimensionar o futuro levando em conta os desacertos
do passado” (29) Ao tratar desta conexão crítica entre passado e futuro,
remete-se também a uma consideração de Otília Arantes, para quem é
“Inútil lembrar que a condenação global do Movimento Moderno faz tão
pouco sentido quanto sua apologia rotineira” (31). Ambos apontam para as
complexidades do campo arquitetônico brasileiro situadas nas perspectivas
pós-Brasília.
Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi não somente
personificam o campo arquitetônico, mas também participam de sua trama de
nexos simultaneamente, nele projetando suas arquiteturas. Portanto, para
elucidar este transe arquitetônico da arquitetura brasileira entre 1964 e
1985 é possível estabelecer uma estratégia que opere conexões entre suas
obras e com suas trajetórias profissionais (34). Isso permite averiguar
seus discursos, formular nexos e pensar na produção arquitetônica pós-
Brasília para além da chave Brutalista já consolidada.
notas
NA
Este artigo é resultante de questões e abordagens de minha tese de doutorado:
Arquitetura em transe. Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Lina Bo
Bardi: nexos da arquitetura brasileira pós-Brasília [1960-85], defendida em
2007.
1
Para a conceituação de “campo” ver BOURDIEU e STEVENS.
2
SEGAWA. Arquiteturas no Brasil 1900-1999. p.114. Grifos adicionais.
3
Idem. Capítulo 08.
4
Um indício dessa força é a matéria: “Brasília: ano zero” publicada na AU de
02/abril/1985, que coloca Brasília no começo e no final do arco temporal 1960-
1985, antes do qual e depois do qual tudo era ou deveria ser diferente.
5
VENTURA apud GASPARI et alii. 70|80 Cultura em trânsito: da repressão à
abertura. p.40-41. “Vazio Cultural “ foi originalmente publicado em Revista
Visão, julho/1971.
6
Marcelo Ridenti é um pesquisador com notório interesse pela Ditadura Militar
brasileira, vide RIDENTI. Em busca do povo brasileiro.Artistas da revolução, do
CPC à era da TV.
7
Estas relações são destacadas ao longo dos quatro títulos: A ditadura
envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura derrotada e A ditadura
encurralada.
8
SCHWARZ. Cultura e política, 1964-1969. in O pai de família e outros estudos.
p.63.
9
ARANTES. Urbanismo em fim de linha. p.118.
10
TELLES. Arquitetura moderna no Brasil: o desenho da superfície. p.III.
11
AMARAL. Arte para quê? p.337.
12
Idem, p.315.
13
RIDENTI. Op. cit., p.323
14
VENTURA in GASPARI et alii. Op. cit., p.52-85. A falta de ar, artigo
originalmente publicado na Revista Visão, em agosto de 1973.
15
KONDER. A questão da ideologia. 60-66.
16
GORENDER. Combate nas trevas. p.11.
17
Ridenti aponta um total de 24 novas publicações. op. cit., p.404.
18
Sobre a entrada de valores ideológicos no cotidiano vide KONDER. Op. cit.,
p.241.
19
MOTTA. Noites tropicais. p.293
20
CANCLINI. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
p.198.
21
HOBSBAWM. A era dos extremos. O breve século XX – 1914-1991. p.491-495.
22
MORAIS. Chatô: o rei do Brasil. p.496-504.
23
JAMESON. Op. cit., p.30.
24
Idem. p.125.
25
RIDENTI. O fantasma da revolução brasileira. p.80
26
Para explorar a complexidade da Tropicália vide: BASULADO. Tropicália: a
revolution in Brazilian culture; LIMA. Marginália; VELOSO. Verdade Tropical;
DIAS. Anos 70: enquanto corria a barca; MELLO. A era dos festivais;
27
VELOSO. Verdade Tropical. p.185-187.
28
Vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=y_kt5oBWM-M (acesso:
23/03/2014)
29
Lina Bo Bardi in Arquitetura e desenvolvimento nacional. Depoimento de
arquitetos paulistas. p. 21-22.
30
GUERRA. Lucio Costa: modernidade e tradição: montagem discursiva da arquitetura
moderna brasileira. p.17.
31
ARANTES. O lugar da arquitetura depois dos modernos. p.53.
32
idem. p.38. Soma-se a este fato uma economia fechada e controlada pelo Estado,
o que contradiz a dinâmica econômica da pós-modernidade. Somente a partir da
abertura econômica do governo Collor, em 1990 —quando a economia é
“escancarada” elegendo-se como novo regulador o “mercado”— é que se atinge uma
outra dinâmica econômica que seria menos contraditória com as condições
econômicas de pós-modernidade. Ainda assim, conforme a mesma Otilia, seríamos
“pós” em todos os sentidos.
33
JAMESON. Pós-Modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. p.31.
34
Entendo que a demanda por biografias mais completas sobre cada um deles é
urgente.
35
Considera-se as revistas Acrópole, Habitat, Módulo, Projeto e AU.
36
JENCKS. Arquitectura Internacional. p.14.
37
HOLLANDA. Op. cit., p.58.
38
RIDENTI (1993). p.75.
39
Vilanova Artigas in AU nº.01 (jan/1985) p.28.
40
ARTIGAS (2004). Op. cit., p.167.
41
Idem. p.167.
42
Vilanova Artigas in AU nº.01 (jan/1985) p.28
43
ARTIGAS (2004). Op. cit., p.167.
44
GASPARI. A Ditadura escancarada. p.232.
45
SEGAWA. Op. Cit., p.191
46
MARTINS. Arquitetura e Estado no Brasil – elementos para uma investigação sobre
a constituição do discurso moderno no Brasil; a obra de Lucio Costa (1929-
1952). p.80. Grifos adicionais.
47
FRAMPTON. História crítica da arquitetura moderna. p.341.
48
SEGAWA. Op. cit., capítulo 08.
49
Trata-se de uma nota presente na edição nº.28, da revista Módulo. Nela informa-
se a existência de um programa semanal de TV: “Arquitetos na TV” exibido em São
Paulo pelo então Canal 9 que entrava no ar às 20h e que merecerá futuras
pesquisas.
50
TAFURI. Teorias e historia da arquitetura. p.21-22.
51
Sobre os “nexos arquitetônicos” ver Rossetti, tese de Doutorado.
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Paulo, 1994.
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