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229.01 arquitetura
moderna
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229
229.00 arquitetura e
memória
Imaginar o passado, com
saudade do futuro
Marta Bogéa
229.02 crítica
Dan Graham
Dialéticas do vidro e
autoimagem
Michel Nunes Lopes
Masson
Mies van der Rohe, S. R. Crown Hall (1950-56). Illinois Institute of
Technology
Foto Rodrigo Queiroz
como citar
QUEIROZ, Rodrigo. O espaço moderno como fração do infinito. Mies van der Rohe e
o projeto para o campus do Illinois Institute of Technology em Chicago.
Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 229.01, Vitruvius, jun. 2019
<https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.229/7416>.
Em seu conhecido livro Arte Moderna (3), Giulio Carlo Argan postula que a
arquitetura moderna é resultado da simultaneidade de ações como a
planificação urbana, a industrialização e a abstração construtiva da
forma. Para o historiador italiano, o caráter universalizante da forma
moderna não se exprime somente na forma em si, mas na sua intrínseca
condição de modelo, de elemento de uma totalidade maior definida pela
relação espacial entre essas mesmas formas. Ou seja, enquanto conceito, a
arquitetura moderna já nasce urbanismo e vice-versa, são uma coisa só.
Donald Judd. “Untitled (Stack)”, 1967. Laca sobre ferro galvanizado. 22,8 x
101,6 x 78,7cm cada peça. Nove peças com intervalos de 22,8 cm entre elas.
Museu de Arte Moderna de Nova York
Foto Rodrigo Queiroz
Esquerda: Piet Mondrian. “Tableau n.2 / Composition n.V”, 1914. óleo sobre
tela. 54,8 x 85,3cm. Direita: Theo van Doesburg. “Ritmo da dança russa”, 1918.
óleo sobre tela. 135,9 x 61,6cm. Museu de Arte Moderna de Nova York
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, 860-880 N Lake Shore Drive Apartments (1949-51) Chicago
Foto Rodrigo Queiroz
Para o arquiteto, tanto o projeto do campus do IIT como dos edifícios que
o integram são consequência de uma mesma decisão espacial: a retícula de
7,30m x 7,30m (24’ x 24’), medida do módulo estrutural mínimo das peças
metálicas utilizadas nos projetos dos edifícios. Notem que o arquiteto
lança mão de um módulo estrutural interno à lógica do edifício para
definir a organização destes no espaço. Para Mies não há diferenciação
disciplinar entre os projetos da arquitetura e do urbanismo. Forma e
vazio desdobram uma métrica comum proveniente da técnica. Tanto as
edificações como os espaços que as envolvem são dimensionados a partir de
um mesmo módulo reticular resultante da relação entre forma
arquitetônica, cálculo estrutural, técnica construtiva e
industrialização.
Dos vinte edifícios projetados por Mies no IIT, dois são, sem dúvida, os
mais conhecidos: o S. R. Crown Hall (1956) e a Chapel of St. Savoir
(1952). Mais do que a própria imagem do campus como um todo (só possível
visto do alto, aliás), o S. R. Crown Hall (10) é o símbolo mais
representativo da presença de Mies no IIT, seja como arquiteto dos
edifícios, seja como educador e diretor do College of Architecture, ali
sediado.
Mies van der Rohe, Siegel Hall (1957). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, Wishnick Hall (1946). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, Wishnick Hall (1946), detalhe. Illinois Institute of
Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, Wishnick Hall (1946), detalhe. Illinois Institute of
Technology
Foto Maria Isabel Imbronito
No projeto da St. Savior Chapel (1949), Mies adota o mesmo partido formal
e material que identifica os Alumni Hall, Wishnick Hall, Perlstein Hall e
Siegel Hall: volumetria em formato de prisma de seção retangular com os
fechamentos exteriores definidos por planos verticais de tijolo e de
vidro. Porém, na capela, os planos de vidro e tijolo não estão separados
pelos pilares metálicos localizados no plano da fachada como nos demais
edifícios. No templo projetado por Mies, as colunas encontram-se
ocultadas pela parede de tijolo que envolve todo o comprimento do volume,
além de parte das larguras, nas fachadas frontal e posterior, de maneira
igual.
Mies van der Rohe, St. Savior Chapel (1949). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, Carman Hall Apartments (1953). Illinois Institute of
Technology
Foto Rodrigo Queiroz
O S.R. Crown Hall implanta-se justamente em uma das “cabeças” desse eixo,
localizada próxima ao acesso de quem chega ao campus pela estação de trem
35th Bronzeville IIT (13). Vale dizer que essa linha de trem suspensa
passa pelo meio do campus, dividindo-o ao meio. De um lado, estão
localizados os edifícios educacionais e de pesquisa e do outro, os
edifícios destinados às demais atividades do cotidiano universitário,
como edifícios habitacionais, centros de convivência, restaurante e a
própria “The God Box”, a maioria deles também projetada por Mies.
Esse edifício é o único projetado por Mies no campus do IIT que não se
caracteriza pelos planos de fachada em trama estrutural ortogonal e com
os alvéolos retangulares preenchidos por vidro, tijolo ou por ambos. O
edifício do College of Architecture no IIT pode ser compreendido como a
síntese mais radical da experiência de Mies nos EUA, pois realiza, ao
mesmo tempo, a forma transparente e o espaço contínuo, livre.
Medindo 36m x 67m, a cobertura do S.R. Crown Hall é sustentada por quatro
vigas invertidas dispostas paralelamente, no sentido de sua largura, ou
seja, vencendo um vão de 36m. Tal solução estrutural libera o espaço
interior do piso superior da necessidade e, sendo assim, da presença de
qualquer elemento estrutural. Na intenção de justamente enfatizar a
percepção da continuidade espacial decorrente da ausência de apoios, Mies
suprimiu, obviamente, qualquer fechamento interno que tocasse a face
inferior da laje de cobertura. Localizado no eixo de simetria transversal
da planta, porém mais próximo da entrada secundária, oposta à principal,
há um conjunto de painéis de madeira que funciona como anteparo que
resguarda o acesso posterior, cuja altura equivale à metade do pé-
direito. A imagem desses painéis de madeira clara soltos no espaço
interior do S.R. Crown Hall faz lembrar, inevitavelmente, da mesma
relação painel de madeira/espaço transparente elaborada por Mies na casa
Farnsworth (1945-51), onde esses mesmos painéis contém o núcleo
hidráulico (cozinha e dois banheiros gêmeos), cuja dimensão e locação na
planta definem todas as funções do espaço. Contudo, vale lembrar que tal
relação já é perceptível no projeto de Mies para a residência Tugendhat
(1928-30), na qual o fechamento que delimita e dá forma à sala de jantar
é um painel de madeira, só que em formato semicircular com as
extremidades levemente prolongadas, mas que nesse caso toca o teto, mesmo
não tendo função estrutural aparente.
Mies van der Rohe, S. R. Crown Hall (1950-56). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, S. R. Crown Hall (1950-56). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, S. R. Crown Hall (1950-56). Illinois Institute of Technology
Foto Rodrigo Queiroz
Mies van der Rohe, Seagram Building (1954-58), Nova York. Detalhe do
embasamento/plataforma
Foto Rodrigo Queiroz
notas
1
IITRI Minerals and Metals Research Building – dois edifícios (1943); IITRI Life
Sciences Research Building – dois edifícios (1943); Engeneering Research
Building (1945); Alumni Hall (1946); Wishnick Hall (1946); Perlstein Hall
(1947); Steam and Heating Plant – centro de produção de energia (1949);
Institute of Gas Technology Complex – 3 edifícios (1949/1955); American
Association of Railroads Complex – três edifícios (1950/1955); Robert F. Carr
Memorial – Chapel of St. Savior (1952); The Commons – convivência (1954);
Bailey Hall – apartamentos (1954); Carman Hall – apartamentos (1954);
Cunningham Hall – apartamentos (1954); S.R. Crown Hall – College of
Architecture (1956); Siegel Hall (1957).
2
Há controvérsias sobre qual o maior conjunto de edifícios projetados por Mies
van der Rohe em um mesmo lugar. O site Archdaily, em matéria sobre o Illinois
Institute of Technolgy, o aponta como “the greatest concentration of Mies-
designed buildings in the world”. Contudo, esse mesmo site, quando apresenta o
conjunto residencial em Laffayette Park, Detroit, informa que este conjunto
“constitutes the world's largest collection of buildings designed by Mies van
der Rohe”.
3
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
4
TELLES, Sophia S. Arquitetura modernista: um espaço sem lugar. In: GUERRA,
Abilio (Org.) Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna
brasileira (vol.01). São Paulo, Romano Guerra, 2010.
5
Simetria, espelhamentos e centralidade focal Le Corbusier planos urbanos
6
Diagonais, inflexões, rupturas e sobreposições Aos moldes dos esquemas
dinâmicos de Kazimir Malevich (1879-1935), que no futuro seriam o ponto de
partida para os primeiros projetos da arquiteta iraniana Zaha Hadid (1950-2016)
7
C.f.: BOIS, Yve-Alain. A pintura como modelo. São Paulo, Martis Fontes, 2009.
8
A compreensão da lógica comum que identifica as passagens de escala dessa
organização exponencial, na sequência pintura – escultura – arquitetura –
cidade, resulta de discussões com a historiadora Sophia Telles, sistematizadas
em um curso elaborado pela própria historiadora em 2011, mas também remonta a
diálogos estabelecidos com a arquiteta e professora Anne Marie Sumner durante a
segunda metade da década de 1990, quando de minha graduação na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
9
Lembremos que as medidas da sala de aula padrão nos manuais do FDE até hoje são
7,20m x 7,20m
10
O nome do edifício sede do College of Architecture, S. R. Crown Hall, é uma
homenagem a Solomon R. Crown, filho do casal Arie e Ida Crown, imigrantes
lituanos que chegaram em Chicago em 1875. Solomon (conhecido apenas como Sol)
morreu jovem, aos 27 anos, dois anos após assumir os negócios da família. A
construção do S. R. Crown Hall se realizou graças à doação da Arie and Ida
Crown Foundation (hoje Crown Family Philanthropies).
11
O projeto original da fábrica de sapatos Fagus (1910) é de autoria de Eduard
Werner. Uma das exigências feitas pelo proprietário, Carl Benscheidt, a Walter
Gropius e Adolf Meyer era a manutenção da planta do projeto de Werner, cabendo
aos dois arquitetos somente a reformulação das fachadas. De 1911 à 1925,
Gropius elaborou todos os projetos de reforma e ampliação da Fábrica de sapatos
Fagus.
12
Carman Hall, Bailey Hall e Cunningham Hall.
13
A estação de trem 35th Bronzeville IIT (2003) é projeto do arquiteto alemão
residente em Chicago Helmut Jahn (1940-)
14
O termo “tablado sobre palafitas elevado do solo” foi utilizado por Abilio
Guerra em seu texto “Oscar Niemeyer e seu duplo: Mies van der Rohe” (GUERRA,
Abilio. Arquitetura e Natureza. São Paulo, Romano Guerra, 2017, p.165.) para
descrever a constituição formal e espacial da Casa Farnsworth (Mies van der
Rohe, 1945-51), identificada pelos planos verticais transparentes e pelos
planos horizontais soltos, seja o plano intermediário (“tablado”) entre a cota
do térreo elevado e o chão, sejam os planos de piso e de cobertura da própria
residência, que se prolongam para além do comprimento do perímetro
transparente.
15
Sobre o lugar de Frank Lloyd Wright na constituição da gramatica neoplástica
ver: “Cubismo, De Stijl e as novas concepções de espaço”CURTIS, William J. R.
Arquitetura Moderna desde 1900. Porto Alegre, Bookman, 2008, p. 149-159.
16
A desmontagem do volume, a partir do recuo dos planos transparentes sob a
projeção da cobertura plana, evidenciando em primeiro plano apenas a esbeltez
das colunas e das lajes de cobertura e de embasamento suspenso, caracteriza
muitos dos projetos de Niemeyer pós-1955, sendo os mais conhecidos os palácios
de Brasília. Esse deslocamento dos planos verticais para o interior do
perímetro da cobertura como estratégia de dissolução da solidez da arquitetura
histórica é uma questão central na obra de Mies (Pavilhão de Barcelona e Neue
Galerie) e que claramente ecoou nos projetos de Niemeyer desse período. Em seu
artigo “Oscar Niemeyer e seu duplo: Mies van der Rohe”, Abilio Guerra
estabelece com precisão os pontos de contato entre as obras de Mies e Niemeyer,
tendo como mote os projetos do Pavilhão de Barcelona e a Casa de Canoas. Cf.:
GUERRA, Abilio. Arquitetura e Natureza. São Paulo, Romano Guerra, 2017, p. 155-
197).
sobre o autor
Rodrigo Queiroz é arquiteto (FAU Mackenzie, 1998), licenciado em Artes (Febasp,
2001), mestre (ECA USP, 2003), doutor (FAU USP, 2007) e professor livre-docente
do Departamento de Projeto da FAU USP. Curador de exposições de arquitetura
moderna, tais como “Ibirapuera: modernidades sobrepostas” (Oca, 2014/2015), “Le
Corbusier, América do Sul, 1929” (Ceuma, 2012), “Brasília: an utopia come
true”, (Trienal de Milão, 2010) e “Coleção Niemeyer” (MAC USP, 2007/2008).
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