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Carlos Eduardo Comas

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

LEITURAS SULINAS:

LUCIO COSTA SOBRE A ARQUITETURA MODERNA

RESUMO

Razões da Nova Arquitetura (1934) e Universidade do Brasil (1937) de Costa merecem tanta
atenção como The International Style (1932) de Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson. Eles
olham para a Europa com olhos americanos notoriamente interessados na poética da arquitetura
moderna. Os norte-americanos enfatizam suas raízes alemãs e holandesas e sua uniformidade. O
brasileiro academicamente treinado ressalta seu espírito mediterrâneo e sua multiformidade.
Resultante da mudança trazida pela máquina, a arquitetura moderna é para ele uma proposta
inclusiva em que o drama gótico-oriental e a serenidade greco-latina se encontram e se
completam. É a herdeira da tradição clássica defendida pela Academia, implicando tanto formas
do mundo greco-romano, que inclui Portugal e suas colônias, quanto formas que simplesmente
persistiram. Em Eléments et Théorie de l'Architecture (1904), o livro de cabeceira do jovem
Costa, Julien Guadet considera que a tolerância é a marca registrada da Academia na virada do
século. Em Casa Grande e Senzala (1933), o amigo de Costa, Gilberto Freyre, considera que a
tolerância é a característica do mundo português no seu apogeu, a Era do Descobrimento. Desse
modo, a tolerância não é mais necessariamente vinculada a um historicismo retrógrado ou um
atraso histórico, não mais considerada incompatível com a unidade de estilo ou linguagem, mas
postulada como pré-requisito para um ambiente e sociedade mais ricos. Os textos de Costa tratam
da necessidade tanto de renovar a Academia quanto de reavaliar e recuperar o patrimônio
português no Brasil, tanto de superar as limitações do « Estilo Internacional » quanto de orientar
o desenvolvimento da arquitetura aoderna brasileira. Escrito para um público da língua
portuguesa, seus argumentos invocam uma história e geografia específicas, mas estão longe de
serem localistas. Acolhendo ao mesmo tempo « tanto isso quanto aquilo » e « ou isso ou aquilo »,
Venturianos avant la lettre, eles desafiam o conhecimento estabelecido e abrem novos horizontes
para o entendimento da arquitetura moderna e seu desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE:

Lucio Costa; Julien Guadet; Gilberto Freyre; Estilo Internacional; Arquitetura Moderna
Brasileira.
Lucio Costa (1902-1998) estudou arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de
Janeiro1. Anteriormente filiado ao movimento Neo-colonial, ele mudou para a Arquitetura
Moderna em 1930. Razões da Nova Arquitetura é um ensaio escrito em 1934, publicado em 19362.
Universidade do Brasil é um relatório feito em 1936, publicado em 1937. Ambos os textos
merecem tanta atenção quanto Henry-Russel Hitchcock e The International Style: architecture
since 1922 de Philip Johnson, publicado em 19323. Todos olham para a Europa com olhos
americanos, opostos à idealização da industrialização, embora comprometidos com o seu apoio;
cansados da grandiloquência e desconfiados do radicalismo, eles se interessam pela poética da
Arquitetura Moderna. Todos concordam que arquitetura é definida por escolha ao invés de
necessidade, por ‘intenção plástica consciente’ no dizer de Lucio. Os norte-americanos enfatizam
as origens nórdicas e a uniformidade, ressaltando o trabalho pioneiro de Frank Lloyd Wright.
Ciente das contribuições de Auguste Perret e Le Corbusier, favorecem Walter Gropius, Mies Van
der Rohe e J. J. P. Oud. O brasileiro destaca o espírito mediterrâneo e a multiformidade. Ciente
das contribuições de Wright, Perret, Gropius e Mies, prefere Le Corbusier.

Lucio apresentou a Arquitetura Moderna em Razões como o resultado de mudanças trazidas pela
Revolução Industrial e como herança da tradição acadêmica. Ele não vê sentido em opor
modernidade à tradição. Fabril porque recusa ornamentação e grandiloquência, a Arquitetura
Moderna se aplica da mesma forma em casas e palácios. Suas formas correspondem às normas
técnicas e sociais contemporâneas, como foram uma vez as formas do Parthenon, Hagia Sophia
ou das Catedrais de Reims e Amiens. Seu segredo é a estrutura independente que libera as paredes
de suporte de carga, exigindo a ausência de vigas aparentes e a presença de balanços para garantir
uma planta e fachada verdadeiramente livres. Em outras palavras, na era da máquina, a estrutura
independente é a condição normativa da construção, mas a condição normativa da arquitetura é a
estrutura independente promovida por Le Corbusier, o Brunelleschi do século XX, com o projeto
da Casa Dom-ino (1915). A arquitetura moderna valoriza a construção, fiel à sua etimologia.
Favorece um térreo aberto em vez de uma base maciça, porque a construção moderna demanda a
revisão de valores plásticos, mas não rejeita a simetria. Reafirma o sentido da comensuração e
redefine as regras de composição, florescendo pela repetição de um número limitado de
elementos, como grandes estilos do passado. A padronização não é uma invenção moderna, ele
propõe: produção industrial e artesanal diferem em grau, não em natureza.

1
Fundada em 1826 por D. Pedro I, primeiro imperador do Brasil, como Academia Imperial de Belas Artes,
conforme a Francesa Académie des Beaux-Arts. Prix de Roma, vencedor do Grandjean de Montigny,
organizou o curso de arquitetura e foi seu primeiro diretor.
2
Ambos publicados por Lucio Costa. Sobre arquitetura (Porto Alegre: CEUA, 1962), 17-40 (Razões da
nova arquitetura), 67-85 (Universidade do Brasil).
3
Henry-Russel Hitchcock e Philip Johnson. The International Style: Architecture since 1922 (New York:
Norton, 1932).
Lucio relembra que a internacionalização da arquitetura não começou com o concreto armado e
a Primeira Guerra Mundial. O romântico e o gótico podem ter sido difundidos pela Igreja Católica,
mas o Renascimento, nascido localmente de um desejo de simplificação, foi importado por
exércitos franceses antes de se espalhar por toda a Europa, levando ao classicismo do séc. XVII
e mais tarde, depois de um interlúdio barroco, ao academismo. A arquitetura moderna não é
judaica nem germânica, embora a Alemanha de Weimar fosse sua base antes de Hitler. Tirando o
trabalho de Gropius e Mies, a arquitetura moderna alemã exibia traços barrocos condenáveis. A
arquitetura moderna também não é eslava, apesar de a Rússia antes de Stalin ter sido outra base.
Na melhor das hipóteses, a arquitetura moderna sobreviveu pela pura razão Mediterrânea, e se
suas formas são singulares, ela mostra a clareza e objetividade que distinguem o mundo Greco-
Romano ao qual Portugal e sua colônia americana pertenciam.4

A referência a obras-primas do passado implica em uma noção acadêmica tardia e compreensiva


do cânone clássico, independentemente do tempo, local e escola, como Julien Guadet argumentou
em Eléments et Théorie de l'Architecture de 1904, livro5 de cabeceira do jovem Lucio. O
pluralismo de Lucio não é meramente estilístico : ele reconhece tanto tanto a arquitetura
arquitravada quanto a arqueada. Além disso, ele sabe que a estrutura Dom-ino satisfaz tanto um
jogo aditivo pitoresco de volumes sob a luz quanto uma caixa compacta ou escavada6. Sua
descrição do plano livre indica uma compreensão clara da sua natureza dialética, mais visível
quando colunas geometricamente ordenadas constrastam com paredes topologicamente
ordenadas. Ele não diz nada sobre telhados ou paredes portantes, embora seus próprios projetos
domésticos empreguem telhados tanto inclinados quanto planos, e misturem apoios pontuais e
paredes portantes, assim como fez Le Corbusier.

Não é surpresa que Lucio altere e expanda suas ideias em Universidade, apresentando a
arquitetura moderna como uma proposta arquitetônica inclusiva em que duas concepções, até
então opostas, se encontram e complementam mutuamente, a exaltação gótico-oriental e a
serenidade greco-latina ou mediterrânea. A Reitoria exemplifica a calma apolínea. Um prisma
puro e ordinário esconde a estrutura do tipo Dom-ino. Em um pequeno Palácio dos Sovietes, a
aacachapada Aula Magna exemplifica o dinamismo dionisíaco. Seu exoesqueleto apresenta um
arco parabólico e pórticos estruturais que recordam arcobotantes. Le Corbusier é também o Abade
Suger do século. Em comparação, Hitchcock e Johnson minimizam a importância de Le

4
A retórica de Costa não é inteiramente coerente, pois ele também critica antigos romanos (e norte-
americanos modernos) por serem construtores notáveis em vez de arquitetos. Curiosamente, Hitchcock e
Johnson fazem a mesma observação.
5
Julien Guadet. Eléments et Théorie de l'Architecture. Tome 1 (Paris: Librairie de la Construction Moderne,
1904), 83. Original: 'Le classique est tout ce qui est reste victorieux dans les éternelles luttes des arts....Le
classique n'est le privilège d'aucun temps, d'aucun pays, d'aucune école'. Livro de cabeceira, como disse
para o autor em entrevista particular, 1995.
6
Como mostrado em "Les Quatre Compositions" que aparecem na 5ª Conferência de Buenos Aires, Le
Plan de la Maison Moderne: Le Corbusier. Précisions (Paris: Crès, 1930).
Corbusier. Eles reconhecem o papel fundamental da estrutura independente, mas sua ênfase é na
pele: volume em vez de massa, e regularidade em vez de simetria axial, junto com a evasão de
ornamentação7. Para eles, a arquitetura moderna combina num único edifício o foco gótico na
estrutura com o foco clássico no design, enquanto Lucio vê edifícios ou parte de edifícios com
conotações clássicas ao lado de edifícios ou parte de edifícios com conotações góticas.

Hitchcock e Johnson não ignoram recursos locais, destacando a adequação do balloon-frame à


estética contemporânea. Mas eles desconfiam das tradições locais, ao contrário de Lucio. Se a
arquitetura moderna é internacional, ele escreve, porque a tecnologia não tem fronteiras, pode
ganhar um caráter local pelo uso de plantas, materiais e acabamento representativos, além de
vegetação adequada. Essa paráfrase abreviada do verbete ‘caráter’ na Encyclopédie Méthodique
de Quatremère de Quincy de 1788 confere com a análise comparativa que Guadet faz de edifícios
renascentistas de programas similares, edifícios italianos em Roma e edifícios derivados dos
italianos em Paris8. Guadet sugere que qualquer tipo de caráter local pode se obter por inflexões
dentro do mesmo estilo, e não por um estilo diferente, como pressuposto no início do século XIX.
Nem a expressão do genius loci nem a expressão de identidade nacional é incompatível com o
Estilo Internacional. Uma fonte de variação mais importante é a expressão de caráter
programático. Em seu projeto para o concurso Vila Operária de Monlevade, feito
simultaneamente com Razões, Lucio visa ‘dar a cada edifício o caráter apropriado para seu
propósito (e situação) conservando a unidade, o ar de família... que caracterizam o verdadeiro
estilo’9. Ele condena o historicismo eclético, mas não se opõe ao entendimento acadêmico de boa
arquitetura como composição correta dotada de caráter apropriado.

Textos subseqüentes acrescentam detalhes. Em Documentação necessária de 1937, um texto


sobre a evolução da casa brasileira, Lucio elogia a franqueza de empreiteiros portugueses no final
do século XIX no Rio, avançando a idéia de uma arquitetura popular inconsciente10. Implícita em
Universidade, a reabilitação do barroco e do expressionismo torna-se evidente no relatório sobre
o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York de 1939, projetado por Lucio com Oscar
Niemeyer11. Para Lucio, as curvas transmitem graça e elegância jônicas à composição, em
contraste com a severidade dórica da maioria da produção moderna. Derivadas da geometria da
maior testada do terreno, elas sugerem movimento e dão ao pavilhão um toque Barroco,
estabelecendo uma conexão com o passado colonial brasileiro. Lucio refinou sua terminologia

7
Evitar a ornamentação é seu terceiro princípio, o único que não se concentra sobre os efeitos externos.
8
Quatremère de Quincy. Encyclopédie Méthodique. (Paris: Panckouke, 1788). A primeira edição do livro
é encontrada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. The Guadet analysis in Guadet 1904, Tome 1, 134.
9
Lucio Costa. Vila Monlevade em Costa 1966, 42-55.
10
Republicado em Costa 1966, 86-94.
11
Paul Lester Wiener projetou o interior da exposição. O relatório é publicado em Album comemorativo do
Pavilhão Brasileiro de Nova York (New York: H.K. Publishing, 1939). Tradução pelo autor e David
Leatherbarrow, em Solving problems, making art, being modern. Journal of Architectural Education 64
(2010), 65-68.
em Considerações sobre o ensino de arquitetura, publicado em 1945. Ele associa o espírito
Nórdico-Oriental com uma abordagem orgânica-funcional da arquitetura, e o espírito Greco-
Romano com uma abordagem plástica-ideal. Na arquitetura gótica, as formas florescem como
plantas crescendo de dentro para fora. Na arquitetura clássica, as formas se contém como
elementos sólidos, voltando-se para o interior, de fora para dentro12. Mais uma vez, Lucio sugere
que a arquiterura moderna admite tanto formas livremente concebidas quanto geometricamente
definidas, tanto massas contidas quanto dispersas, quer isoladamente ou em conjuntos13.

Lucio também tem em mente uma arquitetura moderna brasileira orientada por seus dois textos
prévios14, e exemplificada por projetos como o Ministério da Educação (1936-45) e o Pavilhão
Brasileiro (1938-39), , o Park Hotel Nova Friburgo (1945) e os apartamentos do Parque Guinle
(1943-53) de sua lavra, o Aeroporto Santos Dummont de MMM Roberto (1938-46) e a sede da
Viação Férrea do Rio Grande do Sul de Affonso Eduardo Reidy (1944-45), o Grande Hotel de
Ouro Preto (1940-44) e o Complexo da Pampulha (1942-45) de Niemeyer. A Pampulha condensa
as idéias de Lucio. A atualização de um parque aristocrático de circuito pitoresco do século XVIII
ancora um bairro-jardim suburbano da classe média alta. Um rio represado se torna uma praça
líquida, e construções são distribuídas ao longo da margem, como fez Henry Hoare em Stourhead
(c. 1746). Um circuito de canoagem complementa o circuito automobilístico e peatonal da via ao
longo da margem do lago15.

12
Republicado em Costa 1966, 111-117. Ele inclui no texto uma definição completa: arquitetura é
construção com intenção plástica na função de determinada época, meio, material, tecnologia e programa;
é erudita quando a intenção é consciente, popular quando não é.
13
Costa recapitula em 1952. Em Considerações Sobre Arte Contemporânea, a flor e o cristal são
apresentados como metáforas para dois tipos de beleza. O cristal está associado com estática e um conceito
centrípeto predominante no eixo Mesopotâmia-Mediterrâneo e produzindo sensações de densidade,
equilíbrio e contenção. A flor está associada com dinâmica e um conceito centrífuga de forma predominante
no eixo Nórdico-Oriental. Costa oferece uma taxonomia ascendente de curvas (Gótico) expandida em
direções contraditórias simultâneas (Barroco), girando em torno de si mesma (Hindu), rodando em busca
de um vértice (Eslavo), fragmentando em limites convencionais aprisionados (Árabe) ramificados
(Iraniano) ou se curvando num ritmo padrão (Sino-Japonês), originando sensações de balanço, êxtase, giro
gráfico, vertigem, ansiedade, impulso transbordante, exaltação junto à sensação de superfície fragmentada
e a predominância de volumes de aparência arbitrária, bem como silhuetas elaboradas: afiada, irregular,
tortuosa, torcida, intrincada, graciosa ou ondulada. Republicado em Costa 1966, 202-229.
14
Para uma análise detalhadas, veja Carlos Eduardo Comas. Précisions brésiliennes sur un état passé de
l'architecture et de l'urbanisme modernes, d'après les projets et les oeuvres de Lucio Costa, Oscar
Nemeyer, M & M Roberto, Affonso Reidy, Jorge Moreira & Cie, 1936-1945. Dissertação de Doutorado.
Université de Paris VIII. Tradução para o Português. Precisões brasileiras: sobre um estado passado da
arquitetura e urbanismo modernos: a partir dos projetos e obras de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, MMM
Roberto, Affonso Reidy, Jorge Moreira & Cia., 1936-45. http://hdl.handle.net/10183/10898. Pampulha é
examinado no capítulo 5. Veja também Comas, Memorandum latinoamericano. la ejemplaridad
arquitectónica de lo marginal. 2G 8 (1998), 129-143, e Mariangela Castro and Sylvia Fingerut eds. Igreja
da Pampulha. Restauro e reflexões. (Rio: Fundação Roberto Marinho, 2006).
15
Pampulha foi amplamente publicado. Principais fontes para fotografias e referências iconográficas são
Philip Goodwin e George Kidder-Smith. Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652-1942 (New York:
MoMA, 1943); Stamo Papadaki. The work of Oscar Niemeyer (New York: Reinhold, 1950); Henrique
Mindlin. Modern architecture in Brazil (Amsterdam: Colibris, 1956); Comas 2002; Comas 2006.
Emergindo em uma pequena ilha, a Casa do Baile de um pavimento é todo em curvas com
graciosidade feminina. Ela lembra tanto uma cabana circular primitiva quanto uma maloca dos
índios Curutu16. No entanto, não é diferente de uma barcaça atracada ou um barco a vapor.
Estreito, mas de comprimento similar, o Iate Clube fica em terra, mas exala vitalidade: uma casa
flutuante angular escorrega na água, uma composição piramidal estratificada que atravessa as
casas Errazuris e Citrohan. O mecanomórfico, viril tônus muscular, não exclui a curva ocasional.
Maior e mais rico, o Cassino fica no topo de um promontório. Um prisma de dois pavimentos
para apostas e um cilindro sob palafitas para dançar definem um quadrado de braços quase iguais.
Volumes em balanço, recuos e simetrias diagonais estendem a composição. Colunas colossais no
acesso transmitem grandiosidade. O Cassino foi primeiro um espaço de recreação e, em seguida,
uma casa suburbana. Consciente da beleza do sítio, Niemeyer escolhe apresenta-lo como Vila-
Belvedere, prestando homenagem aos precedentes veneráveis, à Rotonda de Palladio, às casas
neoclássicas brasileiras e à Savoye17 de Le Corbusier. O Hotel ainda maior, mas não construído,
é outra composição piramidal e uma apropriação extrema do tema cilindro e prisma. O prisma se
torna um bloco de apartamentos linear inclinado na crescente tradição Georgiana. O cilindro se
transforma em um volume alongado ligado às superfícies curvas complexas que abrigam as salas
públicas do pavimento térreo.

O Cassino, o Iate Clube, a Casa do Baile e o Hotel são variações sobre o tipo de estrutura Dom-
inó. A Capela de São Francisco é abobadada a partir do solo. A nave nasce com uma seção
parabólica, uma projeção trapezoidal e um volume cônico truncado, ladeado por salas de apoio
sob conchas inferiores. Sua silhueta é um ideograma da elevação espiritual com um toque Neo-

16
Veja placas feitas por José Joaquim Freyre na edição fac-símile de Alexandre Rodrigues Ferreira. Viagem
filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá (1784-1792) 2 vols. (Rio:
Conselho Nacional de Cultura, 1971). O original é mantido na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em
Desenhos de gentios, animais quadrúpedes, aves, amphibios e peixes; armas, instrumentos músicos e
mechanicos, vestidos, ornatos e utencis domesticos dos mesmos gentios etc. Da Expedição Philosophica
do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, codex 21,1,1. Parte do
relatório foi transcrita em Heloisa Alberto Torres, Contribuição para o estudo da proteção ao material
arqueológico e etnográfico brasileiro, Revista do SPHAN 1, 1937. SPHAN significa Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, fundado no mesmo ano, depois IPHAN, Herança Nacional Brasileira. Outro
artigo fala de malocas identificadas como casas de dança: Gastão Cruls, Decoração das malocas indígenas.
Revista do SPHAN 5 (1941), 158, ao mesmo tempo que Niemeyer estava trabalhando no Grande Hotel de
Ouro Preto com a instituição. Uma biografia de Ferreira tinha saído em 1939. V. Correia Filho. Alexandre
Rodrigues Ferreira. Vida e obra do grande naturalista brasileiro (São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1939). Para a persistência das malocas, veja Roy Nash. The conquest of Brazil (San Diego: Harcourt Brace,
1926) citado como epígrafo no relatório sobre Monlevade de Costa, 1934. Traduzido como A conquista do
Brasil (Rio: Editora Nacional, 1939), 227.
17
Niemeyer também estudou na Escola de Belas Artes do Rio. Note que o Cassino de Pio IV foi ilustrado
em Guadet 1904, Tome 4, 195, fig. 1635. Topologicamente similar à Rotonda de Palladio, possui um pátio
central elíptico e quatro pavilhões ortogonais. Paolo Almerico, o primeiro proprietário da Rotonda, havia
sido um referendário apostólico de Pio IV. Casas Neoclássicas pertinentes no Rio são a casa própria de
Grandjean de Montigny e a casa de Joseph Pézérat para a Marquesa de Santos, amante de D. Pedro I.
Enquanto Montigny havia sido estudante na Beaux-Arts, Pézérat havia estudado na Ecole Polytechnique in
Paris.
Gótico ou Expressionista que remete à Gaudí e Domenikus Böhm – junto ao hangar de Freyssinet
em Orly e o Salão do Cimento de Maillart. A nave simples, parvis, e a torre sineira tem fachada
para o lago, e um painel de azulejos sobre a vida do santo reveste a parede de frente para a avenida:
o hangar de Deus de Niemeyer segue a tradição Franciscana. Embora aludindo a capelas de vilas
ou plantações de semelhante forma T, Niemeyer reduz para escala miniatura os traços
caraterísticos de grandes igrejas da ordem no Brasil18. Alusões vernáculas e maquinistas se
combinam na fachada de acesso. A cortina metálica vagamente aeronáutica protege o painel
superior transparente – evocando tanto um biombo de hastes de madeira na entrada de uma capela
de plantação quanto os tubos de um órgão não existente atrás do coro.19

Pampulha atualiza a variedade de pavilhões do século XVIII sem reverter ao ecletismo estilístico.
Niemeyer dota cada construção com personalidades distintas muito convenientes de acordo com
as diferentes finalidades, através de planos, materiais e acabamentos, bem como estrutura.
Pampulha reforça a visão de Lucio da Arquitetura moderna como uma proposta inclusiva e como
herança da tradição acadêmica. Guadet havia considerado tolerância a marca registrada de Beaux-
Arts, na virada do século: ‘'L'originalité de notre école est d'être la plus libérale qu'il y ait au
monde’, ele escreveu20. Ele critica a tendência arqueológica da arquitetura do século XIX, mas
logicamente não pode condenar o estilo eclético. De acordo com Niemeyer, Lucio afirma que a
diversidade formal não é incompatível com a unidade de estilo da arquitetura moderna, desde que
não seja puramente definida pelas obras que exemplificam o Estilo Internacional na mostra do
MoMA de 1932.

Na verdade Lucio não se opõe aos princípios de Hitchcock e Johnson, mas ele dá prioridade à
estrutura em vez da pele. Ele rejeitas as restrições deles sobre as formas, materiais e texturas, o
seu viés sachlichkeit, e o foco na estética maquinária. Lucio quer superar as limitações do Estilo
Internacional. Preocupado com a criação de um ambiente mais rico, ele se alinha com as exceções
da mostra, a Casa de Mandrot de Le Corbusier propondo uma nova rusticidade, a Casa Tugendhat
House e o Pavilhão de Barcelona de Mies propondo uma nova suntuosidade, a planta baixa do
Edifício do Jornal Turun Sanomat de Alvar Aalto propondo uma nova muscularidade. Na década
seguinte à crise de 1929, quando a fé na máquina desaparece, quando a aerodinâmica desfaz a
associação de superfícies retangulares com tecnologia de movimento avançada, as falhas técnicas
de muitos edifícios modernos se tornam evidentes. Proscrita na Alemanha e URSS, praticada por
uma minoria em outros lugares, a arquitetura moderna encara um dilema, e Lucio sabe disso. Para

18
Assim como Cairu na Bahia (1654-86). Veja Germain Bazin. L'architecture réligieuse baroque au Brésil,
2 vols. Paris: Librairie Plon; São Paulo: Museu de Arte, 1956. Cairu, plate 34, vol. 2
19
Especificamente, a capela do Sítio de Santo Antônio (1681) no município de São Roque, estado de São
Paulo, destacadas em Mario de Andrade. A capela de Santo Antônio. Revista do SPHAN 1, 1937. Veja
também Luis Saia. O alpendre nas capelas brasileiras. Revista do SPHAN 3, 1939.
20
Guadet 1904, Tome 1, 80.
sobreviver, deve tornar-se competitiva, enfrentando uma diversidade de programas novos e
antigos, materiais, técnicas e locais. Em suma, para Lucio, deve imitar a tradição clássica, tal
como definida por Guadet, admitindo um ecletismo de fontes, desde que filtados por abstração.

Os textos de Lucio também fazem parte de uma reavaliação e recuperação da herança Portuguesa.
O desprezo por todas as coisas portuguesas acompanhou a Proclamação da República em 1889.
Uma reação iniciou por volta de 1914, quando o estilo neocolonial tornou-se outra oferta no
banquete eclético, embora suas superfícies lisas austeras e apelo para as origens pareceu
aristocrático em comparação com o excesso ornamental que favorecia à imigração massiva e novo
investimento. A reação se torna mais intensa, embora ainda pertencente à uma minoria, em
meados dos anos vinte, como modernistas na literatura e nas artes visuais começaram a se
interessar por seu passado colonial. O verdadeiro avanço foi a publicação de Casa Grande e
Senzala, em 1933 por Gilberto Freyre21. Contrário à opinião predominante entre a elite do país,
Freyre argumentou que a colonização portuguesa do Brasil foi o único empreendimento europeu
de sucesso nos trópicos; com a miscigenação de raças como sua arma, levou à uma rica mistura
cultural e uma lingua comum expandida em que três etnias foram unidas em um ‘equilíbrio de
antagonismos’. A cultura portuguesa já era hibrida em 1500, o subproduto de um relacionamento
complexo e de longa-data com os Mouros. A experiência brasileira simplesmente estendeu a
experiência da Península Ibérica. Sendo assim, Freyre considera tolerância da diversidade etnica
uma característica marcante portuguesa na Era do Descobrimento: miscigenação e suas origens
ibéricas já não estão vinculadas ao atraso histórico, mas compreendidas como fatores positivos
na construção de uma nação no Novo Mundo22. Sob essa perspectiva, a admiração de Lucio por
Le Corbusier assume outro sentido. Pelo menos dois dos elementos arquitetônicos fundamentais
que o francês promove podem ser equiparados a elementos facilmente encontrados na tradição
construtiva popular e racional luso-brasileira, a janela de rótula colonial antecipando o brise-
soleil, e a caixilharia corrida imperial antecipando fenêtres en longueur e pans de verre. Na
verdade Lucio reconheceu as influências Orientais sobre as formas da arquitetura moderna nos
anos vinte, assim como habitantes de Pessac ou Stuttgart se opuseram ao arabismo de seus novos

21
Costa fez amizade com Freyre mais tarde. Freyre foi o autor de Sugestões para o estudo da arte brasileira
em relação com a de Portugal e a das colônias. Revista do SPHAN 1, 1937, e depois de Mocambos do
Nordeste (Rio: SPHAN, 1938), o primeiro Caderno de Cultura editado pelo instituto, para o qual Costa
estava trabalhando desde 1937 no Museu das Missões como consultor externo, se tornando empregado em
1939, promovido a diretor em 1946. Costa já cita Freyre em Documentação Necessária. Costa 1966 (1937),
87. Freyre cita Costa: Gilberto Freyre. A moderna arquitetura brasileira "moura" e "romana", in Um novo
mundo nos trópicos (São Paulo: Editora Nacional; EDUSP, 1971), 213-214. Veja Entre o CIAM e o
SPHAN: diálogos entre Gilberto Freyre e Lucio Costa. em Gilberto Freyre em quatro tempos. Ethel
Volfzon Kosminsky, Claude Lépine, Fernanda Arêas Peixoto, eds. (Bauru: Edusc; São Paulo: Editora
Unesp, 2003).
22
Gilberto Freyre. Casa Grande e Senzala. 25th edition (Rio José Olympio,1987 {1933}), 189-281.
Translation, The Masters and the Slaves (New York: Knopf, 1946).
desenvolvimentos23. E ele faz bom uso desses traços familiares, juntamente com superfícies
vernáculas lisas, para afirmar brasilidade sem reverter ao folclore, e afirmar modernidade
enraizada na tradição sem reverter ao historicismo- consciente de que o enjamento com a
modernidade e a construção da nação são duas faces da mesma moeda.

Escrito para um público de língua portuguesa, os textos de Lucio estão longe de serem localistas.
Eles fazem certos debates da Segunda Guerra Mundial soarem sectários ou tentativos. A polêmica
de Bruno Zevi em Verso un'architettura orgânica de 1945, colocando um organicismo inspirado
em Wright – a arquitetura da democracia – contra o racionalismo – a arquitetura das ditaduras –
parece um palavreado bruto pseudo-humanista. Seus preconceitos se manifestam quando as
mesmas curvas consideradas aclamadas em Aalto são condenadas frívolas em Niemeyer24. Na
abertura do MoMA 1948, no simpósio sobre “O que está acontecendo com a arquitetura
moderna?”, Alfred Barr Jr. afirmou que o neue Gemütlichkeit, ou International Cottage Style,
estava substituindo o neue Sachlichkeit, ou Estilo Internacional, mas acrescentou que um
representante competente projetaria um arranha-céu de acordo com os princípios anteriores. Ele
foi ambivalente sobre o Cottage Style ser um estilo para o tema ou uma questão de expressão
programática, evitando a palavra “caráter” nas suas implicações25.

Barr notou, contudo, que Hitchcock e Johnson definiram o estilo como “um retrato de crescimento
potencial”, e o Estilo Internacional como “amplo e elástico”26. A propriedade de Johnson (1946-
1949) ilustra o ponto, compatibilizando a Brick House com a Glass House, que contou com um
cilindro de tijolos dentro de um prisma envidraçado27. Ele não cita nem o Cassino de Niemeyer –
que ele conhecia de Brazil Builds – nem a Savoye de Le Corbusier na lista cuidadosamente editada
de precedentes desde Schinkel até Mies via Choisy. Inconscientemente, talvez, há similaridade
nas preocupações de design e estratégias entre Johnson e Niemeyer, ambos em busca da
diversidade de caráter dentro do mesmo estilo28. Em um apêndice de 1951, Hitchcock escreveu
que a Arquitetura moderna deveria permitir uma gama de efeitos diversos, como mostrado no
trabalho de Wright, o Michelangelo do século XX. Ele reconheceu que Le Corbusier havia feito
o máximo para expandir as sanções do Estilo Internacional, mas insiste na maior tipicidade de
Gropius, e cita a Senior House de Aalto no MIT de 1948 como o mais representativo trabalho

23
Jorge Francisco Liernur. Orientalismo y arquitectura moderna: el debate sobre el techo plano. in Block 8
(2011), 10-25.
24
Bruno Zevi. Verso un'architettura organica. Torino: Einaudi, 1945. Translation,Towards an organic
architecture (London: Faber & Faber, 1949).
25
Niemeyer, um comunista, deveria comparecer mas teve seu visto negado. Hitchcock e Johnson estavam
presentes.
26
What is happening to modern Architecture? (New York: MoMA,1948), 8.
27
Philip Johnson. House in New Canaan. Architectural Review vol. 108, n 645. September 1950. in Philip
Johnson The Glass House. David Whitney and Jeffrey Kipnis eds. (New York; Pantheon Books, 1993), 8-
15.
28
Mesmo se o anterior não parece interessado pela fluidez e nunca tenha mencionado a Beaux-Arts.
contemporâneo com formas curvas e inclinadas29. Sem dúvidas, ao evidenciar continuidades entre
pensamento acadêmico e arquitetura moderna, os textos de Lucio são os mais estimulantes. O
Estilo Internacional é compreendido no final dos anos quarenta como um epitáfio para os vinte
trabalhos sancionados. Os textos de Lucio aparecem como um anúncio, embora o trabalho
complexo e contraditório identificado no Brasil – e América Latina – nunca teve aprovação plena
no Norte. Eles são Venturianos antes do tempo30. Mas Lucio supera Venturi, porque ele encontra
lugar também para Mies e para as texturas ásperas. Seus textos admitem formulações
arquitetônicas inclusivas, “tanto x quanto y,” como formulações arquitetônicas inclusivas. “ou x
ou y.” Merecedores de difusão em outras língua que não o português, eles desafiam a sabedoria
historiográfica convencional ao mesmo tempo que abrem horizontes para melhor compreensão
da arquitetura moderna e seu desenvolvimento.

COMAS, Carlos Eduardo. Leituras sulinas, Lucio Costa sobre arquitetura. In: Sobre a
obra de Lucio Costa. Textos selecionados. Anna Paula Canez e Samuel Brito, orgs.
Porto Alegre: Uniritter, 2015.

29
Henry-Russell Hitchcock and Philip Johnson. The International Style. with a new foreword and appendix.
(New York/ London: 1966 [1932]), 237-255. Veja especialmente. 239, 246.
30
Mesmo se Venturi mantém silêncio sobre a Arquitetura Moderna brasileira, e celebra Aalto junto de Le
Corbusier.

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