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262.01 História da
arquitetura
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original: português
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262
262.00 viagem e cidades
A viagem e a
representação do espaço
O viajante de
Apollinaire
Adson Cristiano Bozzi
Ramatis Lima
262.02 paisagem
A concertina na
Lina Bo Bardi, Circo Piolim no vão livre do Museu, 1972 educação para a
Imagem divulgação [Acervo Instituto Bardi] paisagem
Mirela Carina Rêgo
Duarte, Luisa Acioli
dos Santos, Wilson de
como citar Barros Feitosa Júnior e
FURTADO, Lívia Tinoco da Silva. Os traços de Gramsci na obra de Lina Bo Bardi. Ana Rita Sá Carneiro
Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 262.01, Vitruvius, mar. 2022 262.03 direito à cidade
<https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.262/8431>. Ambulantes na cidade de
São Paulo
Nascida na capital da Itália em 1914, Achillina Bo Bardi desembarcou no Impactos da pandemia e
Rio de Janeiro no final de 1946. Ao chegar no Brasil, percebeu uma terra territórios em disputa
nova, sem as ruínas de uma Europa pós guerra, e um campo fértil para se Mariana Nunes Taguti,
fazer arquitetura moderna. Participou da cena cultural e arquitetônica de Débora Sanches e
vários pontos do país, mas principalmente em São Paulo e Salvador. Foi na Benedito Roberto
capital da Bahia que Lina deu uma aula sobre “Teoria e filosofia da Barbosa
arquitetura” na Universidade Federal da Bahia — UFBA, cujo manuscrito foi
publicado em 2009, juntamente com outros textos de sua autoria. Esta aula 262.04 sistemas
foi “puro Antonio Gramsci traduzido para arquitetos” (1), descreve construtivos
Silvana Rubino, professora do Departamento de História da Unicamp e A importância da
conselheira do Iphan. concepção estrutural na
fase dos estudos
Não apenas neste manuscrito de aula, como em outros escritos seus, Lina preliminares
Bo Bardi cita o filósofo Gramsci e termos por ele desenvolvidos como, por arquitetônicos
exemplo, o termo “nacional-popular”. Pode-se dizer que Lina traduziu o Estudo de caso Igreja
legado de Gramsci para cores, formas e volume (2). Além disso, o Episcopal de Brasília
pesquisador e tradutor Carlos Nelson Coutinho, que conheceu Lina, Francisco Afonso de
confirma seu pioneirismo ao falar de Gramsci no Brasil. Ele afirma: “ela Castro Júnior, Marcio
foi a segunda pessoa que me falou de Gramsci, depois do Paulo Farias. Roma Buzar e João da
Para Dona Lina, como a chamávamos carinhosamente, a Bahia era uma real Costa Pantoja
expressão do que Gramsci chamava de ‘nacional popular’” (3). 262.05 espaços fúnebres
e memória
Lina participou da resistência ao fascismo, ainda na Itália, sendo membro Reflexões sobre
do Partido Comunista Italiano (4). Torna-se natural, portanto, que cemitérios e espaços
tivesse interesse na obra de Gramsci, fundador deste partido. Foi na fúnebres na cidade
também na Itália, na região de Sardenha, em 1891, que nasceu o jornalista contemporânea
e filósofo Antonio Gramsci, preso pelo regime fascista em 1926. Durante brasileira
seus anos como prisioneiro, ele escreveu os Cadernos do cárcere, onde ele Felipe Fuchs
disserta sobre, entre outros temas, a disputa pela hegemonia na sociedade
262.06 planejamento
moderna e a busca de um Estado de caráter nacional-social.
urbano
A produção de espaço
Para além de sua atuação técnica como arquiteta, Lina Bo Bardi transitou
público na Grande São
nas áreas da curadoria, do design e da crítica cultural; desenvolveu
Paulo
textos que expunham seus pensamentos sobre arte popular brasileira e
O caso da Cava de
reitera a diferença entre nacional e nacionalismo.
Carapicuíba
Magdiel Silva e
Por mais que em seus escritos Lina explicite algumas de suas fontes e
Jaqueline de Araújo
influências, é necessário observar com maior pormenor suas construções
Rodolfo
para encontrar como Gramsci faz parte disso. Não apenas observar
atenciosamente seu projeto já concretizado, mas também ter conhecimento 262.07 planejamento
de como e com que finalidade a arquiteta concebeu sua obra são caminhos urbano
necessários para perceber e apontar como Lina buscou imprimir em seus Entre o planejado
projetos a visão de mundo que ela e o filósofo conterrâneo disperso e o construído
compartilhavam. compacto
A relevância dos
Duas figuras históricas conjuntos habitacionais
para a forma urbana de
O contexto em que Gramsci desenvolve suas teorias é um mundo mudado pela Belém PA
revolução industrial e que passava por diversas transformações sociais e Ana Carolina Pontes
culturais. Viveu simultaneamente a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Moutinho, Thales
de Outubro, o Fascismo, a Crise de 1929, o Nazismo, o Stalinismo e o Barroso Miranda e José
Americanismo (5). Júlio Ferreira Lima
Assim como Lina Bo Bardi é uma fonte quase inesgotável de conteúdo devido
a extensão de sua atuação na cultura, também o é Antonio Gramsci, cuja
edição brasileira das Obras de Gramsci reúne cerca de cinco mil páginas
de teoria e escritos pessoais. Nestas páginas, também são discorridas
ideias sobre o folclore, que, segundo ele, havia sido estudado de forma
pitoresca e seria preciso estudá-lo, ao contrário, como uma “concepção do
mundo e da vida”, em grande medida implícita, de determinados estratos da
sociedade, em contraposição às concepções de mundo oficiais(12), ou seja,
como parte das concepções das classes subalternas, das massas. É
justamente nesse sentido que Lina procede seu estudo sobre o folclore do
Brasil, país que, para ela, possui um dos folclores mais ricos do mundo.
Gramsci ainda aborda a práxis e levanta a questão da teoria e prática,
onde coloca-se o problema no sentido de construir, com base numa
determinada prática, uma teoria que, coincidindo e identificando-se com
os elementos decisivos da própria prática, acelere o processo histórico
em ato, tornando a prática mais homogênea, coerente, eficiente em todos
os seus elementos, isto é, elevando-a à máxima potência (13).
Lina diz que “o novo Trianon Museu é uma obra absolutamente nacional”,
referindo-se aos materiais utilizados e ainda aponta sua sutil forma de
“sabotar” o salão de baile, ao afirmar que ele foi construído “com a
esperança de vir a ser transformado” (20). O acabamento do museu é
simples, com o concreto e caiação à vista. Essa relação de materiais,
tamanho e forma o podem colocar como uma arquitetura brutalista, onde há
“uma preocupação com a expressão dos materiais em detrimento de
superfícies bem acabadas. A ideia de beleza é associada à verdade
construtiva. A edificação deve ser honesta, demonstrando seus materiais
assim como a técnica construtiva adotada” (21).
O Masp foi inaugurado com a exposição Mão do Povo Brasileiro, onde foram
expostos objetos populares neste mesmo espaço em que há obras do
Renascimento ao Impressionismo (o maior museu de arte da América Latina,
na época de sua inauguração). Para a pesquisadora Ana Belluzzo, da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU
USP, “a arte popular se tornou o agente principal para se pensar em
práticas culturais ligadas à modernidade, quando isso se impôs para um
país como o Brasil, de cultura e economia dependentes. Lina propunha como
saída a ênfase na cultura autóctone, nas forças vitais do país” (23). O
Museu de Arte de São Paulo foi projetado para abarcar a cultura nacional-
popular ao mesmo tempo que traz o povo para contemplar aquilo que há de
cultura erudita em seu acervo, para que em seu enorme vão e em seu
interior as classes populares pudessem transitar, para que fosse possível
um circo e um acervo de obras ocidentais num mesmo espaço.
O final de seu texto sobre a concepção do Masp talvez seja sua parte mais
interessante, onde são expostas suas expectativas quanto ao futuro da
obra e merece ser exposto na íntegra:
Sesc Pompeia
A Fábrica de Tambores da Pompeia foi visitada por Lina pela primeira vez
em 1976 (24), era um conjunto de galpões de concreto distribuídos
racionalmente conforme os projetos ingleses do início da industrialização
europeia em meados do século 19. A antiga fábrica era frequentada por
famílias que andavam pelos pavilhões e, principalmente, por crianças
brincando. Para projetar o Sesc Pompeia, Lina visitou com frequência o
lugar a fim de “fixar essas cenas populares”.
Encantada com a elegante e precursora estrutura de concreto do local,
Lina sentiu-se no dever de conservá-la e recuperá-la. Ela explica que sua
ideia inicial para essa missão “foi a de ‘arquitetura pobre’, isto é, não
no sentido de indigência mas no sentido artesanal” (24). Este termo é
usado pela arquiteta mais de uma vez. Posteriormente Lina explica:
Ao falar sobre suas ideias para o Sesc Pompeia, Lina retoma sua
experiência nacional-popular do Masp, onde ela “eliminou o esnobismo
cultural tão querido pelos intelectuais”, ou seja quebrou a tradição de
casta que Gramsci atribui aos intelectuais italianos e das nações
ocidentais, e abraçou as soluções “diretas e despidas” que testemunhou na
cultura popular do povo brasileiro. Ele repete o ato ao projetar a
recuperação da fábrica de tambores, demonstrando, portanto, sua
preocupação em ser um intelectual orgânico, capaz de elaborar e reviver
os sentimentos populares.
Ainda explicando o partido do Sesc Pompeia, Lina comenta para quem ela
dedica a construção — jovens das padarias, açougues, quitandas e em suma,
o povo — e expõe sua opinião defensora da cultura brasileira, afirmando a
importância do Povo Brasileiro (maiúsculas utilizadas pela arquiteta),
enquanto nos países ocidentais considerados desenvolvidos a cultura é
feita pela “classe média que procura angustiadamente uma saída em um
mundo hipócrita e castrado cujas liberdades eles mesmos destruíram há
séculos”(29).
O Museu de Arte Moderna da Bahia parte da fascinação que Lina teve pelo
Nordeste. Para ela, existiam três fatores que permitiriam que a Bahia se
tornasse um centro nacional de cultura: a existência de uma universidade
em expansão, sua classe estudantil e, sobretudo, o caráter profundamente
popular da Bahia e de todo o Nordeste (30). Embora nenhuma parte de sua
estrutura tenha sido inteiramente projetada por Lina — afinal este museu
é, e sempre foi, sediado em prédios coloniais — a arquiteta teve papel
fundamental em seu desenvolvimento e inauguração após ser transferido
para o Solar do Unhão, onde deixou de ser o Museu de Arte da Bahia e
tornou-se o Museu de Arte Moderna da Bahia.
Neste ponto, é preciso entrar com datas. O Museu de Arte da Bahia — Mamb
é um dos primeiros do país, em 1960 foi inaugurado como Museu de Arte
Moderna da Bahia sediado no Teatro Castro Alves, cuja direção foi
assumida por Lina Bo Bardi. Em 1963 foi migrado para o Solar do Unhão,
onde também foi inaugurado o Museu de Arte Popular da Bahia — MAP. Em
1964 o Mamb foi ocupado pela 6ª Região Militar (31).
Lina diz que o Mamb não foi museu no sentido tradicional, cujo objetivo é
somente conservar um acervo, suas atividades foram dirigidas a criação de
um movimento cultural. O programa do museu não era ambicioso, era apenas
um caminho (36). Durante a estadia do Mamb no Teatro Castro Alves, Lina
começou seu trabalho eliminando a “cultura estabelecida” da cidade,
buscando apoio da Universidade e dos estudantes, abrindo o museu
gratuitamente para o povo e procurando desenvolver ao máximo uma
atividade didática. Nos subterrâneos funcionava uma escola de iniciação
artística para crianças e na rampa de acesso foi instalado um auditório-
cinema para aulas, projeções e debates. A Universidade e a Escola de
Teatro contribuíam para as atividades do museu; seus jovens cineastas
construíam com as próprias mãos seus cenários.
Percebe-se que inerente aos objetivos dos museus havia a tentativa do que
Gramsci chama de elevação das massas. Dessa forma, as oficinas e escolas
do museu buscariam trabalhar na criação de elites de intelectuais
surgidos diretamente da massa e que permanecessem em contato com ela,
desenvolvendo a cultura nacional-popular (37).
Últimas observações
notas
1
JÚNIOR, Gonçalo. Arquiteta da mudança. Pesquisa Fapesp, São Paulo, ago. 2009,
p. 162.
2
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Lina por escrito: textos escolhidos de Lina
Bo Bardi. Coleção Face Norte. Rio de Janeiro, Cosac Naify, 2009, p. 21.
3
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das ideias. São
Paulo, Cortez, 2006, p. 148.
4
CARRANZA, Edite Galote. Casa Valéria Cirell e o nacional-popular. Pós V.21, São
Paulo, jun. 2014, p. 122.
5
SEMERARO, Giovani. A filosofia da história “nacional-popular” nos cadernos de
Antonio Gramsci. Revista HISTEDBR On-line, n. 54, Campinas, dez. 2013, p. 61.
6
Idem, ibidem, p. 60.
7
COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos: 1916-1935.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011, p. 22.
8
Idem, ibidem, p. 26.
9
Idem, ibidem, p. 142.
10
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere Volume 6: Literatura. Folclore.
Gramática. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, p. 42.
11
ALENCAR, Mônica Maria Torres de. Gramsci e a perspectiva nacional-popular no
âmbito da Cultura. O Social em Questão, ano 20, n. 39, set./dez. 2017, p. 185.
12
COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos: 1916-1935
(op. cit.), p. 150.
13
Idem, ibidem, p. 163.
14
CODEBÒ, Agnese. A arquiteta tecendo a cidade: a praxis de Lina Bo Bardi no SESC
Pompeia. V!RUS, n. 14, São Carlos, 2017 <https://bit.ly/3wU1Olt>.
15
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere Volume 6: Literatura. Folclore. Gramática
(op. cit.), p. 38.
16
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Op. cit., p. 169.
17
ALENCAR, Mônica Maria Torres de. Op. cit., p. 198.
18
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Op. cit., p. 122.
19
Idem, ibidem, p. 124.
20
Idem, ibidem, p. 125.
21
SANVITTO, Maria Luiza Adams. Brutalismo paulista: uma estética justificada por
uma ética? Anais do 10º Seminário Docomomo Brasil. Arquitetura moderna e
internacional: conexões brutalistas 1955-75, Curitiba, PUC PR, 15-18 out. 2013,
p. 2.
22
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Op. cit., p. 126.
23
Idem, ibidem, p. 127.
24
Idem, ibidem, p. 147.
25
CARRANZA, Edite Galote. Op. cit., p. 126.
26
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Op. cit., p. 152.
27
Idem, ibidem, p. 153.
28
Idem, ibidem, p. 151.
29
Idem, ibidem, p. 154.
30
Idem, ibidem, p. 132.
31
Idem, ibidem, p. 136.
32
Idem, ibidem, p. 130.
33
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere Volume 6: Literatura. Folclore. Gramática
(op. cit.), p. 42.
34
COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos: 1916-1935
(op. cit.), p. 25.
35
RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Op. cit., p. 135.
36
Idem, ibidem, p. 131.
37
COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos: 1916-1935
(op. cit.), p. 142.
38
Idem, ibidem, p. 31.
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