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017.04 ano 02, out. 2001

Modernismo na Amazônia
Belém do Pará, 1950/70
Jussara da Silveira Derenji

017.04
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original: português

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017

017.00
O fracasso da
arquitetura do controle
(editorial)
Affonso Orciuoli

017.01
Terrorismo e
arquitetura
Benjamin Barney Caldas

017.02
Depois do World Trade
Center?
Fernando Luiz Lara
017.03
World Trade Center
(1973-2001)
Fragilidade de um ícone
urbano
Roberto Segre
017.05
Hiroshi Hara:
Residência Dr. Moura Ribeiro, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, como morar ao longo da
Belém, 1949 rodovia
1/10 Eduardo V. Goichea Seré
e Mercedes Chirico
    Ferreira

017.06
Memórias de uma visita
Sixth Verónica Rudge
Green Prize in Urban
O movimento modernista começa no Brasil na década de 20, fase em que é Design (1)
mais profícuo nas artes plásticas e na literatura. Entre os objetivos Rodolfo Machado
iniciais do movimento estava a busca de uma arte nacional, o que em
arquitetura: "se há de extrair, sem dúvida, da obra dos antepassados", 017.07
dizia Mario de Andrade, um dos intelectuais mais significativos da Folhas da arquitetura /
vanguarda moderna no país. O que resultou deste primeiro intento foi uma Leaves of the
valorização do período colonial considerado como legitimamente architecture / Hojas de
brasileiro. la arquitectura
Fernando Freitas Fuão
Nos anos 30, o nacionalismo se dissemina por todas as áreas da cultura 017.08
brasileira amparado pela ditadura de Getúlio Vargas que implantou um Densidades, ambiência e
sistema político autoritário, similar a dos governos fascistas europeus, infra-estrutura urbana
ainda que mantenha, pelo menos até 1937, uma relativa liberdade Juan José Mascaró e
intelectual. O ano de 1937 marca o ponto de ruptura do regime, mudanças Lucia Mascaró
constitucionais que configuram o "Estado Novo", quando o nacionalismo ou
a aversão à internacionalização demonstram uma xenofobia crescente. 017.09
Conforme Moraes, "o que importa não é só compatibilizar o moderno e o Notas sobre o saber
projetar
nacional. Importa apresentar o moderno como necessariamente nacional" Alberto Rafael (Chango)
(2). Cordiviola
017.10
A exemplo dos regimes totalitários europeus, se observa uma persistência
Bolhas, pixels e sutiãs
do ecletismo, em formas monumentais, para edifícios que se constróem nos
[Blobs, pixels and
centros do poder, notadamente no Rio de Janeiro como bem demonstra a
push-up bras]
construção, em 1936, do Ministério de Justiça, em estilo neoclássico. No
Willem Jan Neutelings
mesmo ano, o edifício do Ministério de Educação, projetado por Lúcio
Costa e outros arquitetos brasileiros com a colaboração de Le Corbusier 017.11
estabelece, sem dúvida, marca decisiva para a definição dos rumos da Construção: tema e
arquitetura moderna brasileira. Nas manifestações que deveriam variações
representar o Estado, a arquitetura buscaria ser "funcional e moderna", A intervenção de
especialmente nos projetos de cunho social. A tendência seria seguida, Gustavo Scheps na Sala
também, em outros setores da construção pública e privada. de Máquinas da
Faculdade de Engenharia
Mesmo em regiões isoladas, como a Amazônia, essas seriam as linhas da de Montevidéu
arquitetura do período. Escolas, bancos estatais, hospitais, prédios para Ricardo Rocha
Correios e outros serviços nacionais ou regionais reproduziriam, em
formas simples os ideais de precisão construtiva, estrita modulação,
forte definição formal, para assegurar uma modernidade compatível com o
novo Estado. Na construção privada, edifícios ou residências, os aportes
formais e as tecnologias recém chegadas proviam o sustento básico do
desenho funcional.

Belém do Pará, centro político e comercial da Amazônia brasileira desde o


século XVII, é também sua maior cidade. Quando, em 1927, Mário de Andrade
a visitou, no seu percurso de modernista pelo país, encontrou um núcleo
urbano formalmente estruturado entre o final do século X1X e começos do
XX. São dessa época o porto, o teatro, o centro de comércio e as zonas
residenciais da burguesia da borracha, fonte de riqueza da região entre
1870 e 1911. A partir deste ano a borracha da Amazônia foi desvalorizada
nos mercados internacionais por concorrência da produção asiática e a
região sofre acentuada decadência.

Todo o período de auge na expansão da cidade é ignorado pelo visitante


modernista que faz elogios só aos vestígios coloniais remanescentes no
centro. Seus textos fazem conexão, porém, do verde do arvoredo urbano com
o que chama de "espírito de brasilidade", em outra articulação
perceptível no projeto modernista, a de uma magnificação da natureza.

Até fins da década de 30, convivem em Belém construções que repetem


soluções ecléticas de períodos precedentes e um neocolonialismo amorfo,
de raízes não definidas e pouca relação com a arquitetura regional. O
neocolonial é usado, em versões simplificadas, reduzidas, em geral, a um
frontão curvo ou arcos que fazem limite ao ingresso principal, em
escolas, pequenos hospitais e outros edifícios municipais. Esta tendência
se mantém na classe média que a adota em versões modernizadas do "chalét"
urbano de fases anteriores.

O estudo da verticalização de Belém mostra que edifícios de 3 e 4


andares, também caracterizam esta fase e oscilam entre o ecletismo, caso
do edifício da Associação Comercial e linhas despojadas que anunciam o
modernismo, com exemplos como os hotéis Avenida e Central, construções de
30 e 39 na principal avenida do centro da cidade (3).

As novas propostas, em termos formais, observam uma predominância de


volumes horizontais acentuados pelo jogo das aberturas, ou por uma
decoração abstrata e despojada. A composição se faz com elementos
horizontais, como na escola Vilhena Alves (1939), na qual a faixa formada
pelas janelas tem uma moldura de linhas marcadas e dois blocos verticais
definem a entrada principal.

O edifício de Correios (1940), é um dos casos mais interessantes desta


fase. O bloco vertical se ergue em torre escalonada e as linhas do art-
deco eram perceptíveis na decoração do interior e móveis, trocados nos
anos 90.

Na difícil definição entre o que é moderno e contemporâneo neste período,


Lemos (1983) propõe que arquitetura moderna seja considerada aquela cujos
partidos sejam decorrentes das últimas e novas maneiras de refletir,
examinar e atender aos problemas e condicionantes de projeto, entre esses
os dois principais sendo a técnica construtiva e o programa de
necessidades (4). As técnicas construtivas que definem a modernidade são
pautadas pelo uso de estruturas metálicas e pela exploração das
possibilidades estruturais e plásticas do concreto armado. Em Belém, como
ocorre no país, os recursos do concreto fazem possível a conquista da
altura, sempre com linhas "funcionais" e ênfase para a solução plástica
das fachadas. O ritmo das aberturas é rígido e estão ausentes os grandes
panos de vidro. Mesmo nos edifícios de maior altura, que surgem nos anos
40, se mantém o rigor da composição que joga, por vezes, com a inserção
de uma pano cego, lateral ou central.

Os elevadores são incorporados aos edifícios nestes mesmos anos 40, nos
edifícios Bema (1940), de cinco pavimentos, Dias Paes (1945), com sete,
dos Comerciários (1949), com dez, Piedade (1949), com doze. As soluções
em altura se repetem acentuando ângulos, em especial nas esquinas, com
balcões, muitas vezes curvos.

Poucos arquitetos ou engenheiros, de outras regiões do país ou do


exterior, projetam para Belém no período da segunda Guerra e anos
seguintes. Em 40 um arquiteto italiano, Ugo Fumini, projeta o templo
hebraico em linhas orientalizantes, um dos únicos casos de projeto
estrangeiro. Dos profissionais nacionais deve ser destacada a atuação de
Álvaro Vital Brasil que projeta os aeroportos de Manaus (1944) e de Belém
(1945). O de Belém tem estrutura de madeira e cobertura em cimento
amianto, pouco adequado à climatologia local. O arquiteto mostra
preocupação com os aspectos climáticos, no entanto, por orientar as faces
principais em sentido norte-sul e fazer a proteção da insolação com a
extensão do telhado.

Quem então produziu arquitetura na Amazônia nesta fase? O estudo do


período deixa perceber a formação de um grupo reduzido de engenheiros
locais que dominou o panorama construtivo até fins da década de 60. Este
grupo de engenheiros, em especial Judah Levy, Laurindo Amorim, Agenor
Penna de Carvalho e Camilo Porto de Oliveira, tem grande responsabilidade
na imposição de um padrão arquitetônico e construtivo até o surgimento do
primeiro curso de arquitetura em 1964. O curso de arquitetura seria, mais
precisamente, uma iniciativa de alguns engenheiros que buscavam
regularizar sua situação de projetistas. Sua criação traria arquitetos do
sul do país que, como professores e profissionais, seriam os primeiros
arquitetos no período mais recente.

A assimilação das técnicas modernas, concreto, elevadores, por


profissionais locais torna possível na década de 50, a construção do mais
alto arranha-céu da cidade, edifício Manuel Pinto da Silva com vinte e
seis pavimentos, altura que não tornaria a ser alcançada nas décadas
seguintes.

Alguns edifícios residenciais surgem entre 50 e 70, de oito a vinte


andares e no panorama genérico tem lugar próprio o Palácio do Rádio
(1956), edifício misto comercial / residencial, pioneiro de uma nova
concepção no meio urbano belemense: base para comércio, corpo formado por
apartamentos pequenos que com freqüência servem como escritórios ou
consultórios. O edifício mantém ainda, algumas de suas configurações
primitivas, térreo comercial com lojas e cinema (5). Nos treze andares a
circulação contínua une apartamentos, escritórios e consultórios médicos.
De concepção semelhante é o edifício Importadora (1954), térreo
comercial, nesse caso destinada a um único estabelecimento comercial e
nos dez pavimentos, escritórios e consultórios ligados por uma circulação
aberta.

A valorização do solo urbano é um dos fatores que estimulam a


verticalização e é significativo da pouca vitalidade econômica regional o
número pequeno de edifícios que surgem, em comparação com o aumento da
população. Até 1969 o número de novas edificações altas em Belém não
passa de nove por ano, em geral se mantendo em três ou quatro, para uma
população de meio milhão de pessoas. Além disto, as diferenças sociais
dão a Belém uma conformação peculiar. Os estudos urbanos demonstram que
48 a 50% da população vive em condições de pobreza, em áreas baixas e
insalubres que se distribuem pela cidade. A classe mais afastada ocupa as
terras altas e centrais, em crescente verticalização.

Mais precisamente, as edificações em altura são feitas, portanto, para


uma classe alta que opta por verticalizar as áreas altas centrais ou
periféricas ao centro, com edifícios de apartamentos amplos e, em alguns
casos de luxo, que substituem a residência unifamiliar como símbolo de
status. Esses edifícios tem uma arquitetura simples e funcional.
Utilizam-se tecnologias modernas porém a decoração das entradas e áreas
comuns pode preservar recursos do art-nouveau ou deco. Soluções
interessantes são dadas por sacadas que se curvam nas esquinas, exploram
as possibilidades do concreto armado, circundam as fachadas. É o caso dos
edifícios Piedade (1949), Uirapurú (1951) e Renascença (1952). Alguns
edifícios de apartamentos de três e quatro pavimentos, para usuários mais
exigentes que a média ainda que com menos possibilidades financeiras,
exploram uma autonomia formal similar a das residências de classe mais
alta, caso do edifício São Miguel com implantação em padrão inovador ou o
edifício Don Carlos, com rampas e curvas em seqüência.

Os anos 60 marcam mudanças importantes para a Amazônia brasileira que, se


integra ao país através de uma estrada de rodagem, de Belém a Brasília, a
nova capital. Ainda que a classe alta efetue uma crescente opção por
edifícios de apartamentos alguns poucos privilegiados dentro desta classe
seguem escolhendo residenciais isoladas. "Os ricos..., ampliam e
exteriorizam a autonomia e a originalidade da célula" diz Segre (1991),
ao comentar o panorama genérico da Latino América, o que sem dúvida,
coincide com Belém. Esta classe abastada possibilita a construção de
clubes sociais e desportivos sempre com uma ênfase na liberdade de
formas. É na arquitetura dos clubes e das residências que se encontram as
soluções de maior interesse ao estudo do período. O desenvolvimento da
primitiva linha nacionalista que deu origem a equívocos como o
neocolonial sem expressão dos anos 40, foi substituído por uma linha
construtiva na qual princípios estéticos da vanguarda modernista buscam
referência nas tradições construtivas regionais. O exemplo mais
significativo destes projetos é uma residência de 1953 e de autoria de um
engenheiro civil, Angelita Silva. A casa tem uma valorização da natureza,
no jardim que usa vegetação da região e faz uma nova leitura dos
azulejos, tradicionais na Amazônia, que surgem em desenhos modernos. O
jogo dos telhados e o uso de tramas em madeira como modernos "muxarabis",
dão limites e privacidade às áreas íntimas e recuperam, também, a
primeira fase de Lúcio Costa quando ainda maneja os códigos formais do
colonial brasileiro.

As soluções mais características do período, estão longe da modéstia


deste projeto. Estruturas autônomas, pilotis, curvas, rampas e marquises
com grandes balanços são freqüentes e se enriquecem com elementos
plásticos como painéis ou revestimentos de azulejos em desenho e
composições modernistas. As preocupações com o clima têm desenvolvimento
com o emprego de pára-sóis, ou de "cobogós", elementos celulares de
cimento ou cerâmica.

Nos clubes se aproveita a necessidade de amplos espaços e vãos livres


para propor arcos parabólicos, curvas de traçado fluído, jogo de formas
nas rampas e escadas. As casas mais simples estão sobre pilotis e
destacam o corpo superior, enfatizam a estrutura autônoma e a
transparência dos vidros ou as formas de elementos em cerâmica ou cimento
"cobogós", que servem também a ventilação. Nos casos mais elaborados o
projeto inclui rampas e marquises de grandes dimensões e formas
caprichosas.

O melhor exemplo das intenções dos projetistas desta época é uma


residência feita por Camilo Porto de Oliveira, engenheiro e, depois de
1969, arquiteto, em que volumes se articulam e valorizam as qualidades
plásticas permitidas pelo uso do concreto armado. Linhas curvas e
trapezoidais definem os vários corpos da construção enfatizados pelos
volumes como, também, pelas cores usadas.

O mesmo engenheiro, Porto de Oliveira, repete em clubes as soluções e


propostas desse projeto. No edifício do clube de Remo (1958) utiliza uma
série de volumes onde sobressai um arco parabólico na entrada principal
marcada, também, por uma marquise em concreto armado. Na fachada, panos
de vidro e brise soleil em versões verticais e horizontais. No Clube da
Assembléia Paraense (1955), introduz pilotis em forma de V nas coberturas
curvas sobre as piscinas.

Outra solução expressiva é a do Club Tuna Luso que mantém as linhas


curvas do projeto original (1958), neste caso do engenheiro Lauríndo
Amorim. O salão de festas é um bloco redondo sobre pilotis e a marquise
se prolonga com intenções meramente plásticas.

A arquitetura moderna, em suas várias manifestações, define espaços no


centro de Belém e está representada em outras zonas da cidade. Uma
primeira observação, nesta ocasião brevemente relatada, constatou uma
excepcional integridade dos projetos originais e algumas formas
singulares de expressão de uma época importante na arquitetura nacional.
Esperamos que estudos como este possam contribuir para a preservação
desta arquitetura e, também, para avançar em busca de formas de ocupação
do espaço em resposta aos problemas específicos da região.

notas

1
Texto apresentado originalmente no I Seminário DOCOMOMO Brasil realizado de 12
a 14 de junho de 1995,  publicado posteriormente em seus Anais.

2
MORAES, Eduardo Jardim. Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol. 1, nº 2, 1988,
p. 220.

3
A verticalização de Belém foi tese de pós graduação de Janete Coimbra de
Oliveira (USP, 1992), fonte de alguns dados utilizados.

4
LEMOS. Carlos A. C. "Arquitetura contemporânea" in História Geral da Arte no
Brasil, São Paulo. 1983, vol 2, p. 825.

5
A lamentar que  recentemente, num exemplo tristemente comum, o cinema tenha
sido transformado em templo e retirada sua decoração original.

sobre o autor

Jussara da Silveira Derenji é arquiteta (FAU UFRGS), mestre em história pela


PUC-RS e professora aposentada da Universidade Federal do Pará. É co-autora do
livro "Ecletismo no Brasil" e organizou a coletânia "Arquitetura do ferro.
Memória e questionamento". Foi diretora do Departamento do Patrimônio Histórico
de Belém PA.

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