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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - Proarq

Doutorando: Claudio R. Comas Brandão

Orientadora: prof. Dra. Ana M. G. Albano Amora

O Palácio Itamaraty em Brasília

a construção social de um monumento

Setembro de 2022
A lição de pintura Apresentação

Gostaria que o trabalho que esta banca examinadora tem em mãos fosse
Quadro nenhum está acabado,
encarado como uma das etapas de um processo interminável. O estado
disse certo pintor;
atual desta tese, incompleto e provisório, se deve em parte por ser
se pode sem fim continuá-lo,
intermediário, portanto é normal a falta de acabamento, mas pode ser
primeiro, ao além de outro quadro
que não esteja acabado mesmo na etapa final. Vale o risco, vale a riqueza
dos debates, dos encontros e do aprendizado.
que, feito a partir de tal forma,
tem na tela, oculta uma porta O estado atual deste estudo sobre o Palácio Itamaraty em Brasília, obra
que dá a um corredor
de valor artístico reconhecido, é fruto de uma pesquisa que começou no
que leva a outra e a muitas outras.
mestrado em arquitetura do Proarq. Mas a escolha do tema da pesquisa
foi movido pela minha experiência profissional e por eu ter vivido em
João Cabral de Melo Neto, Museu de tudo
Brasília grande parte da minha vida.

E que, para quem viveu em superquadras, brincou nos pilotis, comeu


pastel na plataforma rodoviária, tomou vinho barato de madrugada na
plataforma do Congresso, frequentou o Teatro Nacional e o Cine
Brasília, estudou no ICC1 e estagiou no CEPLAN2, é estranho ainda
ver a arquitetura da cidade ser reduzida à interpretações formais ou à luz
de teorias importadas. Não me lembro de algum amigo que tenha
reclamado da falta de esquinas ou se deprimido com a suposta

1O Instituto Central de Ciências, conhecido também como ‘minhocão’, é principal edifício da Universidade de Brasília, e abriga os institutos de Ciências Exatas, Ciências Humanas, Ciências Sociais,
Física, Geociências, Letras e de Psicologia; e as faculdades de Comunicação, Agronomia e Veterinária, e Arquitetura e Urbanismo.
2Centro de Planejamento Oscar Niemeyer. Instituição universitária que conserva o arquivo de desenhos da Universidade e é responsável pelo planejamento físico e ambiental, patrimônio histórico e
projetos de arquitetura dos Campi – Darcy Ribeiro, Planaltina, Gama, Ceilândia, Granja do Torto – e Unidades Dispersas da UnB.
suposta monotonia ou frieza dos blocos. Ainda paira muito preconceito dentro e quais móveis entrariam. Achei que seria o caso de propor uma
sobre a arquitetura da cidade que acaba criando resistência em se visão semelhante sobre os palácios, para superar o senso comum de que
aproveitar algumas lições importantes. Niemeyer não pensava nos interiores em seus projetos.

Já nas primeiras semanas do curso, durante a disciplina de metodologia


Trajetória da pesquisa no Proarq
de pesquisa, os professores Gustavo Rocha-Peixoto e Mônica Salgado, e
Logo após meu projeto ter sido aprovado para o mestrado no Proarq, a
meus colegas de curso, questionaram a amplitude do meu objeto de
minha orientadora, professora Ana Amora, contestou a minha opção
estudo: “não vai dar tempo”!
por pesquisar os interiores do palácios de Brasília: “Como você vai falar
do interior moderno sem fazer essa relação entre interno e externo que é Em uma das visitas à Brasília, meu amigo Elcio Gomes, que já havia
tão fuida na arquitetura brasileira?”. feito um tese sobre os palácios originais4, chamou a minha atenção para
as particularidades do Palácio Itamaraty em relação aos demais. Decidi
A escolha do tema estava ligada à minha experência em Brasília e
então concentrar a pesquisa sobre o Itamaraty, abordando o tema da
também à minha trajetória profissional. Depois de me formar, morei na
síntese das artes para entender como arquitetura, interiores, mobiliário e
Itália por sete anos, onde fiz especialização em design de interiores e de
obras de arte dialogavam naquele edifício.
mobiliário e trabalhei em escritórios de arquitetura. Foi em Milão que
entendi que a expressão “dal cucchiaio alla città”, da colher à cidade, com Em outra conversa, o colega Danilo Matoso me convenceu a não fazer
a qual Ernesto Rogers se referia ao trabalho dos arquitetos italianos, era uma dissertação sobre a síntese das artes: “depois você escreve um artigo
real. No escritório onde trabalhei3, à diferença do que se fazia aqui, as sobre isso”, disse ele, e acrescentou que ninguém ainda havia contado
encomendas variavam desde o desenvolvimento de luminárias, cadeiras direito a história do Itamaraty. Àquela altura eu já havia reunido uma
e poltronas, passava por projetos de interiores, edifícios, até grandes grande quantidade de documentos, em grande parte inéditos, e era
complexos. Numa semana se trabalhava na escala 1:1 e na outra em notável a discrepância entre o material disponível e a massa crítica
1:1000. Era inconcebível projetar um edifício sem pensar como seria por publicada sobre o edifício.

3 Park Associati
4 Palácio da Alvorada, Palácio do Congresso, Palácio do Planalto e Palácio do Supremo Tribunal Federal.
A estrutura da dissertação previa uma análise das duas fases do processo As disciplinas do doutorado foram cursadas, em grande maioria, dentro
de produção do edifício: concepção e materialização. Na banca de do programa Proarq, e foram assim divididas:
qualificação, da qual participaram os professores Hélio Herbst e Fabiola
Zonno, e o arquiteto Elcio Gomes da Silva, meu trabalho foi indicado 2019
para a mudança de curso, para que eu tivesse mais tempo para analisar o 1. Categorias morfológicas estruturais: atributos geométricos das
material levantado durante o doutorado. formas dos lugares. Prof. Maria Ângela Dias.

Por exigência da Capes, agência de fomento da pesquisa, o aceite em 2. Entre arte arquitetura e paisagem. Prof. Fabiola Zonno.
mudar de curso não implicava em abandonar a defesa do mestrado, e era
3. História das teorias da arquitetura. Prof. Gustavo Rocha-Peixoto.
preciso fazê-lo em 90 dias. E foi assim que fiz um novo recorte do
objeto de estudo, fiquei com a fase de concepção, e sistematizei as 4. Teoria e prática de ensino de projeto. Prof. Paulo Afonso

centenas de desenhos técnicos do projeto, identificando as versões Rheingantz.


preliminares, os sujeitos envolvidos no processo e situando a obra na
trajetória de produção de Oscar Niemeyer. 2020

1. Seminário de pesquisa. Profs. Ana Amora e Sylvia Rola.


O curso de doutorado
2. Estágio supervisionado 1. Prof. Ana Amora, na disciplina:
A ideia inicial do projeto de doutorado era a de retomar o trabalho e
Concepção da forma arquitetônica 2.
analisar a fase de construção, mas ao longo desse novo percurso, as
3. Tópicos especiais em arquitetura 1. Prof. Fabiola Zonno.
ideias que me eram apresentadas em outras disciplinas, e novos diálogos
com meus colegas foram moldando a pesquisa de outra maneira. 4. Estágio supervisionado 2. Prof. Gustavo Rocha-Peixoto, na
disciplina: Ateliê integrado 1.

2021
1. Spazio interno essenza dell’architettura: indagine critico- Amora e o outro, como único autor, foi escrito com base no trabalho da
percettiva sui grandi spazi interni pubblici nelle architetture del disciplina da professora Maria Ângela Dias, a seguir:
‘900 a Roma. Prof. Giancarlo Rosa. - BRANDÃO, Claudio Roberto Comas; AMORA, Ana Albano. Dois
Todas as disciplinas realizadas em 2020 foram feitas em modo remoto, palácios, uma função em dois tempos. O Itamaraty no Rio de Janeiro

por causa da pandemia de COVID-19, o que forçou professores e e em Brasília. Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 240.01, Vitruvius,
maio 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/
alunos a adaptarem os métodos de ensino e pesquisa com o uso de
20.239/7743>.
novos meios.
- BRANDÃO, Claudio Roberto Comas. O Palácio Itamaraty em
Durante o período de mobilidade em Roma, orientado pela professora
Brasília: uma análise a partir da sintaxe da linguagem
Guendalina Salimei e sua assistente Anna Riciputo, tive a possibilidade
visual. Paranoá, [S. l.], n. 31, 2021. DOI: 10.18830/
de visitar o arquivo histórico da Universidade e fazer uma pesquisa
issn.1679-0944.n31.2021.06. Disponível em: https://
sobre a formação do arquiteto Olavo Redig de Campos, formado em
periodicos.unb.br/index.php/paranoa/article/view/34945. Acesso em:
1930 e que em 1948 passou a chefiar o Serviço de Conservação do
17 set. 2022.
Patrimônio do Itamaraty. Sua participação durante a produção da nova
A produção acadêmica consistiu ainda na organização e produção da
sede do Ministério em Brasília foi fundamental.
disciplina ministrada pela professora Ana Amora: “Leituras poéticas em
arquitetura: temas da arquitetura moderna brasileira”, em colaboração
Produção acadêmica
com o prof. Rafael Barcellos Santos; na participação do 11° e 12°
Além das disciplinas cursadas em sala, foram cumpridas a de “Estudos Colóquio de Pesquisa Proarq, em 2020 e 2021; na participação em duas
dirigidos”, com a produção de um relatório de pesquisa sobre o período mesas livres durante o VI Enanparq, realizado em modo remoto em
de mobilidade acadêmica na Itália e os artigos publicados, que 2021; na participação da exposição virtual “Atlas Memória UFRJ:
correspondem às disciplinas “Pesquisas avançadas” 1 e 2. O primeiro olhares sobre o patrimônio edificado”, coordenada pelas professoras
foi escrito em coautoria com a minha orientadora, professora Ana Fabiola Zonno, Cláudia Nóbrega e Maria Ángela Dias, e realizada em
conjunto com uma equipe de alunos e professores da pós-graduação do
Proarq, do MPPP, e PPGAV da Escola de Belas Artes; e na realização em nossas vidas nas últimas décadas.
do curta-metragem “Roma Termini”, produto da disciplina cursada em
Hoje eu consigo carregar para qualquer lugar em um pequeno hard disk,
Roma, que foi exibido tanto para os alunos do curso de doutorado da
e analisar com calma, as plantas que ocupam um galpão inteiro do
Universidade Sapienza quanto para os do Proarq,.
Arquivo Público do Distrito Federal, algumas mapotecas do Instituto
Moreira Salles e os rascunhos que Oscar Niemeyer entregou para
A pesquisa científica e suas redes
Milton Ramos desenvolver há 70 anos que são conservados por sua filha
Aproveito este relatório de qualificação para introduzir a abordagem
Ana Cristina Ramos.
teórica que embasa esta tese de doutorado, a teoria do Ator-Rede, que
sustenta que a produção do conhecimento científico se dá em relações Com o celular que carrego no bolso, fotografo documentos e livros que
de associação entre entidades heterogêneas: humanas e não-humanas. antes demandavam dias ou meses de consulta nos arquivos históricos.
Qual pesquisador, há quinze anos, tinha esses meios à disposição com
Esta qualificação de doutorado representa, portanto, uma revisão do
tanta facilidade? E sobre a experiência de poder mapear o dia a dia de
estudo feito na dissertação, e a decisão de se abordar o objeto de outra
um projeto, as controvérsias em curso, a partir das reportagens dos anos
maneira, com um foco maior no processo do que no resultado, adotando
1960, sem sair do conforto de nossas casas, como fazemos acessando a
esse novo referencial teórico.
Hemeroteca Digital Brasileira?

Da mesma maneira que esta tese de doutorado, após ser defendida, pode
Além disso, esta pesquisa se insere em um momento histórico particular.
ser atribuída à minha autoria e à orientação da professora Ana Amora,
Estamos fartos de ‘mitos’. É urgente desconstruí-los, acompanhá-los em
ela carrega consigo todas as pessoas com quem debati nos últimos anos.
seu dia a dia, com suas convicções, sonhos, desejos, incertezas,
E as associações com os não-humanos?
contradições, dificuldades, como seres humanos, que são, e não como

Hoje é inegável a importância de alguns novos atores que não são seres iluminados. É necessário aproximá-los da nossa realidade atual, os

tradicionalmente reconhecidos nas páginas de agradecimentos das teses. dias deles também tinham 24 horas. É importante abordar a nossa

Atores, na teoria em questão, são todos aqueles que podem alterar uma arquitetura, mesmo em seu período ‘heróico’, como o fruto de um

situação. Me refiro, neste caso, aos dispositivos eletrônicos que entraram trabalho coletivo, de intensas negociações de interesses, em resumo, de
uma construção social.

Por fim, este trabalho não pretende ser o resultado acabado de uma
ideia. É apenas uma etapa no cruzamento das redes de associações de
ideias, pessoas, encontros, agências de fomento, vírus, hd’s externos,
computadores, livros, fotografias e desenhos. Ele pretende ser uma
porta, que dá a um corredor, que leva a outra e a muitas outras.
Sumário

1.Introdução 4. Tecendo redes


1.1. Apresentação do objeto 4.1. A definição do projeto
1.2. O processo de produção do Palácio Itamaraty
4.2. A construção do edifício
1.3. Questão da tese, objetivos e método
1.4. Apresentação dos capítulos 4.3. A integração das artes

2.Caixa de ferramentas de análise Considerações finais


2.1. Uma sociologia das associações
2.2. Ator e Rede Bibliografia

2.3. Intermediários e mediadores


2.4. Qual é a origem da ação
2.5. A questão da autoria ou o que é um autor?
2.6. Autores ou atores?

3.Conhecendo os atores

3.1. O Itamaraty: ator e cenário da ação.


3.2. Atores principais: o arquiteto, o comitente, o
construtor e os artistas.
3.3. Atores coadjuvantes: o contexto histórico, a crítica
especializada e a opinião pública.

2
1

Cerimônia de lançamento da pedra fundamental do Palácio Itamaraty pelo presidente da República Juscelino Kubitschek (11 set. 1960). Fonte: Arquivo Nacional.
1. Introdução também foi contratado em 2006 para projetar um terceiro anexo, não
construído.
1.1. Apresentação do objeto

O Palácio Itamaraty1 em Brasília integra um conjunto de três


ANEXO I
edifícios que sedia o Ministério de Relações Exteriores - MRE em
Brasília. Esses edifícios foram realizados em fases distintas. Na
ANEXO II
primeira fase, de 1959 a 1970, foram concebidos e realizados o PALÁCIO ITAMARATY

Palácio Itamaraty, com função representativa, e o Anexo I, com


função administrativa. O segundo anexo, inaugurado em 1986 –
ainda que previsto desde a primeira fase – seria realizado somente a
partir de 1974. (Fig. 1)
LOCAL PREVISTO ANEXO III
O arquiteto responsável pelo projeto de arquitetura nas duas ocasiões
foi Oscar Niemeyer (1907-2021). Durante o projeto do Palácio e do
Anexo I, atuou como funcionário público da Novacap2 e para o Figura 1: Implantação do MRE.
Fonte: MRE com anotações do autor
projeto do Anexo II, foi contratado privadamente. Seu escritório

1 Palácio Itamaraty é o nome do bloco representativo do complexo do ministério das Relações Exteriores, que abriga o gabinete do ministro das Relações Exteriores, a
Secretaria de Estado das Relações Exteriores, sala de imprensa, cerimonial e salões para cerimônias. O nome do palácio deriva do palacete neoclássico da família do Barão de
Itamaraty, antiga sede do Ministério, situado na rua Larga de São Joaquim, atual rua Marechal Floriano no Rio de Janeiro. Comprado para sediar o governo provisório da
recém proclamada República em 1889, o Itamaraty passou para o ministério das Relações Exteriores dez anos mais tarde. A nomenclatura do palácio em Brasília foi motivo de
controvérsias. Inicialmente, propunha-se palácio Rio Branco, passou a ser chamado de palácio dos Arcos durante a construção, até que foi oficialmente denominado Palácio
Itamaraty pelo decreto n° 60.502 de 14 de março de 1967, assinado pelo então presidente Humberto Castello Branco, optando-se pela manutenção do nome tradicional, pelo
qual era já conhecida internacionalmente a diplomacia brasileira. É importante evidenciar a sutil diferença de nomenclatura adotada pela instituição para distinguir o palácio de
Brasília de seu precedente carioca. Quando nos referimos ao "Palácio Itamaraty" é o de Brasília, já com o uso da contração "do" designamos o "Palácio do Itamaraty" no Rio de
Janeiro. Ao longo do texto, como é de costume, nos referiremos frequentemente ao ministério das Relações Exteriores como Itamaraty.
2 Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil. Dentro da Novacap, Oscar Niemeyer chefiava o Departamento de Urbanismo e Arquitetura (DUA), que era
responsável pelo projeto dos edifícios públicos de Brasília.

4
O recorte temporal desta tese corresponde ao período de produção palaciana de Oscar Niemeyer em Brasília e no contexto histórico em
do Palácio Itamaraty, portanto comporta a fase de concepção e de que foi realizado, seguido de um olhar da crítica sobre o edifício e
construção do edifício que se estende desde 1959 até 1970. Esse sobre a cidade de Brasília. Em seguida, faremos o relato do processo
recorte temporal responde a uma lógica que nos permite identificar a de produção do edifício, retomando, em parte a discussão iniciada na
associação entre certos atores envolvidos no processo de produção do Dissertação de Mestrado4 defendida por este autor, que tratou
edifício por um período delimitado, o que se pode chamar de um somente da fase de projeto, e apresentando o período que será
‘evento’. analisado com mais profundidade, a fase de construção. Depois
apresentaremos a questão da tese, a linha de raciocínio que estamos
Participam desse evento diversos atores: arquitetos, artistas,
seguindo e que tipo de contribuição se pode esperar deste estudo.
diplomatas, e mesmo atores não humanos, como veremos adiante,
Em seguida explicaremos os métodos e objetivos do trabalho e, por
tais como: materiais de construção, desenhos, maquetes, artigos em
fim, apresentaremos os capítulos da tese.!
revistas e jornais, além dos próprios edifícios já construídos para a
cidade.3 O Itamaraty e a produção da Escola Carioca

Nesta introdução apresentaremos o Palácio Itamaraty, situando-o na Uma parte do entendimento da obra do Itamaraty, está em
trajetória da produção arquitetônica da Escola Carioca, na produção reconhecê-la como um momento importante na produção de um

3 A noção de ‘ator’ será explicada com mais profundidade no segundo capítulo.


4 Cf. BRANDÃO, Claudio Roberto Comas. O Palácio Itamaraty em Brasília: reflexões sobre a concepção arquitetônica. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2019.

5
grupo de arquitetos cariocas, formados na Escola Nacional de Belas
Artes entre os anos 1920 e 1930, interessados nas mudanças técnicas
e expressivas da arquitetura, que ficou conhecido como Escola
Carioca5, dentre os quais destacamos Lucio Costa e Oscar
Niemeyer6. A produção mais significativa dessa Escola está
relacionada ao período histórico em que a arquitetura moderna
brasileira se afirmou como instrumento de representação do Estado,
Figura 3: Palácio Itamaraty, Brasília.
a partir da década de 19307. Foto do autor

Existe um amplo consenso na historiografia da arquitetura brasileira


que o edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro Figura 2: Ministério da Educação
e Saúde, Rio de Janeiro.
(1935-1945) simboliza a fundação da Escola Carioca8 (Fig. 2). O Foto: Arno Kikoler
Palácio Itamaraty (Fig. 3), em nosso entendimento, está no outro
extremo desta trajetória. arrasada pelos bombardeios e assolado por uma profunda crise
econômica, acendeu o debate sobre a o papel do arquiteto e do artista
No segundo pós-guerra, a necessidade de reconstrução da Europa, modernos enquanto promotores da melhoria de vida nas cidades. Um

5São chamados de ‘cariocas’ os nascidos na cidade do Rio de Janeiro. Utilizamos o termo ‘escola carioca’ a partir de Mário de Andrade (1944. In: XAVIER, 2003, p. 177 a
181), que apesar de salientar que a primeira manifestação de arquitetura moderna brasileira tenha se dado em São Paulo, credita aos cariocas a criação de uma primeira “escola”,
no sentido de um modo de se fazer arquitetura, com modelos de referência, adeptos e seguidores, e diz: “o que se pode chamar legitimamente de ‘escola’ de arquitetura moderna
no Brasil foi a do Rio, com Lucio Costa à frente”.
6Participavam também desse grupo os arquitetos Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Firmino Saldanha, Oscar Niemeyer, Alcides da Rocha Miranda, os irmãos Marcelo e
Milton Roberto, Aldary Toledo, Vital Brasil, Ernani Vasconcelos, Hélio Uchoa, Hermínio Silva, Affonso Eduardo Reidy, Gregori Warchavchik e Luiz Nunes; e os engenheiros
Fernando Saturnino de Brito, José de Oliveira Reis e Emílio Baumgart.
7 A década de 1930 é marcada pela chegada ao poder de Getúlio Vargas, que irá governar o Brasil até 1945. Seu governo de caráter nacionalista, e que implementou um
processo de modernização do pais, passou por diversas fases, entre elas um período constitucional e depois de 1937 até 1945 por uma ditadura.
8 Podemos citar, entre outros, as obras de Philip Goodwin (1943), Henrique Mindlin (1956), Yves Bruand (1981), Hugo Segawa (1998) e Carlos Eduardo Comas (2002).

6
desses debates foi o simpósio In Search of a New Monumentality, Enquanto a Reconstrução européia era vista pelos artistas como
organizado por Sigfried Giedion e pela revista The Architectural oportunidade de se corrigir erros do passado, e de se superar uma
Review em 1948, do qual participou o arquiteto brasileiro Lucio consolidada tradição das Belas Artes, aqui havia um país inteiro a ser
Costa. Ele defendia que os novos monumentos deveriam responder construído para atender às demandas de uma sociedade em franca
contemporaneamente aos problemas da sociedade, da técnica e da urbanização e crescimento demográfico. Nossas tradições artísticas,
plástica. Para isso, Costa sugeria uma maior colaboração entre ainda que ensinadas de acordo com o referencial europeu, pesavam
arquitetos e artistas e uma integração harmônica dos monumentos na bem menos do que lá, uma vez que era lá que estavam os referenciais
paisagem que poderia ser promovida pela vegetação, “incorporando o históricos ensinados e não aqui. Assim, as ideias de renovação
bucólico no monumental” (COSTA, 1948, p. 127, trad. nossa). Essa linguística nas artes e na arquitetura, vistas as condições locais, têm
seria a agenda perseguida pela Escola Carioca em sua trajetória. penetração e velocidades bem diferentes no Brasil e na Europa.

A sua participação no simpósio de 1948 foi o reconhecimento de que Os primórdios da assim chamada Escola Carioca de arquitetura
a experiência precursora da arquitetura moderna brasileira poderia coincidem com transformações políticas e a tentativa de reforma no
oferecer caminhos para a Reconstrução européia. Em 1943, o ensino das Belas Artes em torno de 1930. Seu momento mais
MoMA de Nova York já havia organizado a exposição Brazil Builds: prestigioso, em todo caso, é a construção de Brasília, inaugurada em
architecture new and old 1652-1942, que colocaria a arquitetura 1960.
brasileira definitivamente sob os holofotes. Mas seria o edifício Ao longo dessas três décadas, a linguagem moderna na arquitetura
icônico do Ministério da Educação e Saúde, MES no Rio de Janeiro deixou de ser exceção para se tornar hegemônica, o principal
(1935-1945) a atrair a atenção mundial por sua originalidade e por instrumento de representação do Estado brasileiro. Se transformou
oferecer uma alternativa entre a retórica monumentalista da rapidamente e tomou a força de um movimento: indo além da
arquitetura promovida pelos regimes totalitários ou o pragmatismo importação de modelos estrangeiros, conseguiu antecipar novas ideias
universalizante do Estilo Internacional. e propor alternativas ao Estilo Internacional que vinha se afirmando
Os desafios europeus, no entanto, eram bem diferentes dos nossos. sobretudo nos Estados Unidos.

7
Como expoentes da Escola Carioca destacamos o arquiteto Lucio correntes mais tradicionais e as de vanguarda. Pois construir um
Costa (1902-1998), que se afirmou como líder intelectual e prédio público importante era como vencer uma batalha na guerra
articulador político do grupo, e Oscar Niemeyer (1907-2012), que de pela afirmação e institucionalização de uma ou outra corrente
colaborador foi alçado ao papel de principal promotor da arquitetura arquitetônica, como afirmam Lissovsky e Sá (1996)10.
brasileira no mundo.
Lucio Costa foi o principal articulador dessa disputa pelo lado dos
A história nos informa o atribulado percurso do projeto do MES, que propunham a adoção do caminho das vanguardas, atuando junto
realizado após a anulação do concurso vencido por Archimedes ao ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema no sentido de
Memória e indicação pelo ministro da Educação e Saúde Pública, promover a estética moderna, em contraponto à linguagem estatal do
Gustavo Capanema, de Lucio Costa para assumir o projeto. ‘modernismo conservador’ (AMORA, 2006) que se materializava
contemporaneamente nas sedes dos ministérios da Guerra, da
Como já comentado, até a década de 1930 a arquitetura produzida
Fazenda e do Trabalho. Como apresentado por Mauricio Lissovsky e
pelo Estado era, sobretudo, conservadora (AMORA, 2006). O
Paulo Sergio Sá (op. cit.), bem como por Lauro Cavalcanti (2005), os
mesmo governo que construiu a sede do Ministério da Educação e
modernos conseguiram realizar uma articulação exemplar, não só
Saúde, com a participação do polêmico arquiteto franco-suíço Le
impedindo a construção do vencedor do concurso público e
Corbusier9, edificava, no mesmo período, os ministérios da Guerra,
definindo a elaboração de um novo projeto, mas também
do Trabalho e da Fazenda. Tais episódios ilustram o conflito entre as

9A participação de Le Corbusier só foi possível após a insistência de Lucio Costa junto ao ministro Gustavo Capanema, que não se sentia confortável de pedir ao presidente
nova contratação após a recente vinda de Marcello Piacentini. Capanema levou então Lucio Costa para conversar diretamente com o presidente Getúlio Vargas, que “entre
divertido e perplexo diante de tamanha obstinação, acabou por aquiescer, como se cedesse ao capricho de um neto”. Cfr. Lucio Costa, Registro de uma vivência (São Paulo,
Empresa das Artes, 1995) 136
Estes autores referem-se à carta de Lucio Costa à Capanema, logo após a inauguração do prédio, na qual Costa sugere para a ENBA nomes vinculados ao movimento
10

moderno.

8
suplantando a legislação vigente, que não permitia ao Estado A trajetória da produção do Itamaraty não foi menos atribulada do
contratar profissionais estrangeiros11. que a do MES. Embora àquela altura a arquitetura moderna já
houvesse conquistado o seu posto de principal instrumento de
Vencida a contenda, Lucio Costa decidiu convidar arquitetos12 do
representação do Estado, a reação à construção de Brasília e à
seu grupo para montar uma equipe sob sua liderança. Isso indica que,
mudança da capital contribuíram para a criação de um clima de
mais do que interessado em assumir para si a autoria do projeto,
incertezas em relação à consolidação da nova cidade e à transferência
preocupava-se em consolidar um novo movimento artístico, e, para
do Itamaraty.
tanto, era importante a formação de um coletivo que compartilhasse
do mesmo ideário. Assim como o MES, o Itamaraty foi realizado em um momento de
transição política no Brasil, do período democrático (1945-1964)
O convite para a participação de Le Corbusier sugere a intuição de
para o regime militar (1965-1985). Assim como o MES, resulta de
Lucio Costa que, para o movimento tomar corpo, era necessário uma
uma ação coletiva que envolve negociações as mais variadas, entre
bússola que os ajudasse a navegar pelos mares incertos característicos
arquitetos, artistas e políticos. Persiste, assim como no MES, a
dos períodos de grandes mudanças históricas. A presença de Le
agenda defendida por Costa para uma ‘nova monumentalidade’.
Corbusier no Rio de Janeiro é reconhecida pela contribuição para a
formação dessa primeira geração de arquitetos modernos (SANTOS Depois do Itamaraty, a associação entre arquitetos, artistas, políticos e
et. al., 1987). Porém, o que nem sempre se comenta, é que esse grupo grande parte da opinião pública, que caracterizava um certo ‘estilo de
foi forjado dentro das práticas artísticas locais e que transcendeu as pensamento’, começa a se desagregar por diversos motivos: de
ideias de Le Corbusier. mudança nas políticas culturais, de prioridades de investimento dos
governos, etc. O nosso interesse no Itamaraty é porque se trata

11Foi utilizado um artifício para Le Corbusier assessorar a equipe de arquitetos brasileiros no projeto para o MES. Por outro lado, o mesmo grupo conseguiu evitar que o
projeto do italiano Marcello Piacentini para a Cidade Universitária, cujas colunatas lembravam a intervenção desse arquiteto na Via Roma (1937), em Turim, fosse executado, e
para tal evocou-se o cumprimento da lei.
12 A equipe era composta pelos arquitetos Lucio Costa, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Ernâni Vasconcelos e Oscar Niemeyer.

9
provavelmente de uma das últimas obras de relevo financiadas pelo
Estado onde se consegue materializar o ‘pensamento coletivo’ dessa
Escola.

Os palácios de Brasília e o Itamaraty

Outra parte do entendimento do Itamaraty está em reconhecer que o


momento de sua realização não coincide com o da inauguração de
Brasília, e que esse intervalo de dez anos entre a inauguração da
cidade e a do edifício, teve impacto importante na sua configuração. Figura 4: Foto do Palácio do Planalto no dia da inauguração de
Brasília.
Fonte: Arquivo Público do DF
Quando Brasília foi inaugurada em 21 abril de 1960, era ao mesmo
tempo, na definição do geógrafo Milton Santos (2012, p. 125),
“capital política e um canteiro de construção”13. Faltavam alguns
edifícios chave para completar o conjunto monumental e vários
outros necessários para que a cidade pudesse desempenhar sua
função administrativa e abrigar uma população de 500.000
habitantes para a qual foi projetada. (Figs. 4 e 5)

Nesse sentido, é preciso traçar um limite entre os projetos elaborados


antes e depois de 1960. Naqueles posteriores, era possível observar,
Figura 5: Foto do dia da inauguração de Brasília tirada do teto
ainda em fase de estudos, a relação que os novos edifícios teriam com de um edifício residencial na SQS 208.
Fonte: Arquivo Público do DF
os preexistentes. Também no que diz respeito à materialização dos

13 O artigo citado foi apresentado no Colóquio sobre as capitais da América Latina em fevereiro de 1964 na Universidade de Toulouse, França.

10
novos projetos, já se havia acumulado uma boa experiência de obra, do programa, inicialmente, e na descentralização das tomadas de
tanto por parte dos projetistas e técnicos quanto por parte das decisão, sobretudo no que diz respeito à organização interna do
construtoras. Esta é a principal diferença entre os palácios anteriores edifício.
e os posteriores à inauguração da capital.
Podemos continuar essa lista comparando a disponibilidade de
Outra diferença importante entre os primeiros palácios e os demais é matérias-primas, mão de obra, equipamentos, entre o período
a questão dos prazos de execução. Se a inauguração da capital tinha anterior e o posterior à inauguração da capital. O importante é
uma data certa para acontecer, o mesmo não vale para as obras ressaltar que a realização do Palácio Itamaraty em Brasília se deu em
posteriores, sempre passíveis de adiamentos. tempos e condições bastante diferentes das dos palácios originais,
com impactos importantes na produção do edifício.
Quanto ao Itamaraty, especificamente, há também a participação
mais ativa do comitente. Nos palácios originais14, inaugurados em 21 Outra comparação interessante a se fazer, é com o Palácio da Justiça
de abril de 1960, o presidente Juscelino Kubitschek procurou (fig. 6), contemporâneo ao Itamaraty, seu par simétrico na Esplanada
interferir o mínimo possível nas decisões de projeto, dando dos Ministérios e que ocupa a mesma posição simbólica no conjunto.
praticamente carta branca aos projetistas15. O Itamaraty, por sua vez, O Palácio da Justiça tem soluções de acabamento de materiais,
designou uma Comissão de Transferência, composta por diplomatas qualidades espaciais e de composição volumétrica decisivamente
e arquitetos, que acompanhou o projeto desde os primeiros estudos, inferiores às do Itamaraty. A própria indecisão quanto aos arcos de
de modo dar suporte ao projeto com a descrição bastante detalhada fachada, modificados a pedido de Niemeyer uma década após sua

14São considerados ‘palácios originais’ aqueles que foram inaugurados junto com a cidade em 1960: o Palácio da Alvorada, residência presidencial, o Palácio do Planalto, sede
do poder Executivo, e os palácios do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Cf. SILVA, Elcio. Os palácios originais de Brasília. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2014.
15 De acordo com Elcio Gomes da Silva (2014), o presidente Juscelino Kubitschek “tinha a primazia de aprovação preliminar dos projetos antes mesmo da manifestação dos
usuários” (p.202). No caso do Palácio da Alvorada e do Palácio do Planalto, dos quais era o principal usuário, Kubitschek procurou fazer a “mínima intervenção a fim de
facilitar a consecução do planejamento e o cumprimento do cronograma” (p. 226). No caso do Palácio do Congresso, a comissão parlamentar designada para acompanhar o
projeto demonstrou seu descontentamento com o plano e pela pouca margem de manobra. No Supremo Tribunal Federal, a recepção inicial do projeto foi positiva, mas alguns
ministros questionaram o fato do plano não ter sido levado ao plenário.

11
inauguração, denota que algumas soluções de projeto parecem ter Contando com a colaboração de professores do CEPLAN, o
Arquiteto Oscar Niemeyer concluiu o Palácio da Justiça, que será
sido apressadas e pouco discutidas em equipe. Também no caso do construído na Praça dos Três Poderes16, em frente ao Palácio das
ministério da Justiça, parece não haver um diálogo formal entre o Relações Exteriores, com o qual deverá harmonizar plasticamente.
palácio e o anexo. Então, por que Niemeyer teria agido de maneira Oscar Niemeyer, mesmo licenciado da Prefeitura do DF e da
diferente em dois projetos da mesma importância? Universidade Nacional de Brasília, projetou o Palácio da Justiça
numa semana, tendo para isso trabalhado dia e noite, a fim de
cumprir mais uma missão em prol da consolidação da Capital da
Ao pesquisar nos documentos, constatamos que a concepção do República. (NIEMEYER…, 1965, p. 8)
Palácio da Justiça aconteceu sempre em decorrência das decisões de
Portanto, se compararmos as condições em que foram projetados
projeto para o Itamaraty. Inicialmente, se faz um projeto para o
esses dois palácios, podemos inferir que o “enquadramento condigno”
Itamaraty e não para o outro. Em seguida, com a evolução do partido
pretendido por Lucio Costa e a capacidade criadora de Niemeyer não
do Itamaraty para uma caixa de vidro, em 1960, veremos a réplica no
foram suficientes para garantir a qualidade da obra. Existem outros
Palácio da Justiça, em 1961. O diálogo formal deste último com o
motivos para isso.
bloco anexo é desarmônico, pois a construção aconteceu em dois
tempos, e quando o projeto do Palácio da Justiça foi alterado, o anexo Um desses motivos é a participação de outros atores no projeto. O
já estava sendo feito seguindo o partido antigo. No Itamaraty se deu diplomata Wladimir Murtinho, designado para fazer a interlocução
de maneira diferente, o complexo palácio/anexo foi projetado e entre o Ministério das Relações Exteriores e o arquiteto, relata que
realizado em conjunto. em 1959 ficou “junto da prancheta do Oscar Niemeyer, conversando
com ele” (MURTINHO, 1990, p. 2), uma vez que conhecia bem o
Somente em 1965, portanto dois anos após a definição do Itamaraty,
funcionamento do Ministério e porque, segundo ele, Niemeyer havia
foi apresentado o novo projeto para o Palácio da Justiça (fig. 7), com
perdido ou jogado fora o dossiê de especificações elaborado pelo seu
arcadas em em concreto armado aparente em diálogo com seu par,
Grupo de Trabalho (ibid.).
como podemos ler no Correio Braziliense de 23/06/1965:

16 O jornalista confunde a localização do Palácio da Justiça, pois na Praça dos Três Poderes fica o Palácio do Supremo Tribunal Federal.

12
contexto histórico no qual foi produzido, ainda que devamos atentar
para um e para o outro.

Conjuntura histórica

A combinação de eventos e acontecimentos durante a produção do


Itamaraty é importante para entender por que o seu processo de
produção foi tão longo. Se a conjuntura histórica, sobretudo no
campo da política, teve impacto importante na configuração final do
Palácio Itamaraty, também a sua construção, teve implicações
políticas, a mais importante delas, por exemplo, foi a consolidação da
capital em Brasília.

‘Vontade criadora’ é a expressão utilizada por Milton Santos para


explicar a articulação política e o apoio da opinião pública para a
Figura 7: Foto da maquete do Palácio da Justiça
Fonte: Correio Braziliense, Brasília, p. 8, 10 jul. 1965 construção de Brasília que o presidente Juscelino Kubitschek
conseguiu (SANTOS, op. cit.).
Como podemos ver, ainda que possam ser reunidos em um conjunto
Era de se supor que uma cidade do porte de Brasília não pudesse ser
de princípios da Escola Carioca, situados no mesmo momento da
completada nos três anos de obra que precederam a sua inauguração,
trajetória do arquiteto Oscar Niemeyer e que respondam a problemas
de 1957 a 1960. Como força contrária a essa vontade criadora, agia a
de programa da mesma ordem de importância, a diferença de
condição de subdesenvolvimento do país, afirma Santos (2012).
resultado indica que esses fatores que incidiram de maneira
Ciente disso e de modo a garantir que a cidade se tornasse um fato
importante no resultado atingido por esses palácios não podem ser
irreversível, a estratégia de Kubitschek foi priorizar o que Milton
explicados somente pela ‘vontade criadora’ do arquiteto e nem pelo

13
Santos (op. cit.) chamou de definição de uma paisagem, o que instaurou um clima de instabilidade política que exaltou a tensão
equivale à implantação no solo do plano de Lucio Costa e à entre a cidade administrativa oficial e o canteiro de obras inacabado.
construção dos principais edifícios representativos, desenhados por
Alguns acontecimentos nos anos sucessivos ao fim do governo
Oscar Niemeyer, e demais edifícios necessários ao funcionamento da
Kubitschek aumentaram esse clima de instabilidade, são eles: a
cidade. Ainda assim, vários edifícios fundamentais para a
renúncia do seu sucessor, Jânio Quadros, em agosto de 1961; a
consolidação da cidade ficaram para depois da inauguração.
tentativa de golpe para impedir a subida ao poder do vice-presidente
Após o fim do mandato do presidente Juscelino Kubitschek, em eleito João Goulart, acalmada pela instalação de um regime
janeiro de 1961, o assim chamado ‘ritmo Brasília’ diminuiu de parlamentarista que neutralizou o seu poder, restituído somente após
maneira drástica. A máquina que ele havia colocado em movimento, plebiscito em janeiro de 1963; o golpe civil-militar de 31 março de
movida por sua popularidade e habilidade política, pelo empenho de 1964, apoiado por setores da sociedade civil descontentes com as
seus colaboradores e pelos vultosos recursos empregados, perdeu reformas propostas por Goulart; e a instalação de um regime de
força. Já no fim do seu governo, em 1960, havia um princípio de governo ditatorial, proposto incialmente como transitório, mas que se
inflação e a realidade da construção de Brasília fez com que a disputa perpetuou em uma ditadura, marcada pelo violento combate à
entre “mudancistas e fiquistas” (MAIA, 2012) se deslocasse do oposição política e ideológica.
terreno do debate político para o das decisões pragmáticas, que
Assim, às vésperas de comemorar o seu décimo aniversário, Brasília
envolvia a mudança de contingentes enormes de pessoas ligadas à
ainda não havia se consolidado como capital administrativa do país e
administração pública.
a resistência do subdesenvolvimento, levantada por Milton Santos
Afinal, os funcionários precisavam, além de trabalhar na (2012), se fazia mais forte. Até 1970, a maioria dos ministros de
administração pública, encontrar lugar para morar, escolas para Estado continuava a trabalhar no Rio de Janeiro e viajava para a
colocar seus filhos, lojas, supermercados, restaurantes, cinemas, capital somente para despachar com o presidente. No caso do
teatros, cafés e tudo o mais que se espera que uma cidade possa Ministério das Relações Exteriores, a permanência do Itamaraty no
oferecer para convencer qualquer pessoa a se mudar para lá. Assim, se Rio de Janeiro fazia com que as representações diplomáticas

14
adiassem a construção de suas embaixadas em Brasília. seus edifícios que podem ter encontrado no Itamaraty alguma
tentativa de resposta.
Seria necessário mais de uma década após a inauguração da cidade
para que o conjunto de edifícios representativos fosse completado, e Durante a década de 1960, portanto contemporaneamente à
para que a mudança da capital fosse irreversível. A Torre de TV realização do Itamaraty, a crítica à Brasília – e à arquitetura moderna
ficaria pronta em 1967, a Catedral, cujo esqueleto já estava de pé em em geral – se intensificara. A visão dominante que estava na base do
1960, foi concluída dez anos mais tarde. As sedes dos ministérios da projeto da capital, desde a Carta de Atenas em 1933, que previa o
Justiça e Negócios Interiores17 e o das Relações Exteriores também zoneamento funcional, separação do fluxo de veículos e pedestres, a
são posteriores à inauguração da cidade. O Palácio Itamaraty foi rarefação da cidade, entre outros, passaria a ser objeto de crescente
inaugurado em 1970 e da Justiça, em 1972. Nesse ínterim se dava a contestação. Um dos marcos simbólicos dessa crise é a própria
campanha de retorno da capital para o Rio de Janeiro encampada dissolução dos CIAM, Congresso Internacional de Arquitetura
pelo deputado Carlos Lacerda com o apoio de parte da mídia. Foi, Moderna, durante o encontro de Otterlo, Holanda, em setembro de
portanto, neste cenário particularmente conturbado que foi realizado 1959.
o Palácio Itamaraty.
Esse espírito de reação à arquitetura moderna também emerge
durante o Congresso Extraordinário da Associação Internacional dos
Brasília e o Itamaraty sob o olhar da crítica
Críticos de Arte - AICA, realizado em Brasília, São Paulo e Rio de
Ainda que Oscar Niemeyer se demonstrasse frequentemente
Janeiro, que teve início apenas dois dias depois do encerramento do
refratário à críticas, não se pode descartar a importância do debate de
CIAM de Otterlo. Naquela ocasião, os congressistas que visitaram
ideias sobre a arquitetura de Brasília que aconteceu na época da sua
Brasília puderam ter uma noção geral da cidade a partir dos planos
inauguração, e o possível efeito em suas produções posteriores. A
apresentados por Oscar Niemeyer e de visitas a alguns edifícios,
partir dessa reflexão, achamos importante elencar algumas
como o Palácio da Alvorada, que estava pronto e decorado e o
considerações importantes que vinham sendo feitas sobre a Brasília e

17 O ministério da Justiça e Negócios Interiores, criado em 1891, mudou de nome para ministério da Justiça em 1967.

15
vizinho Hotel Brasília Palace, onde se hospedaram. As sessões
ocorreram no Supremo Tribunal Federal, onde os congressistas se
acomodaram em cadeiras dobráveis sobre o chão de cimento ainda
sem carpete. Nas fotos do evento, vemos também o esqueleto do
Palácio do Planalto e das torres do Congresso, e a cúpula da Câmara
dos Deputados ainda escorada por andaimes (Figs. 8 e 9). De modo
que achamos importante relativizar as críticas em razão do que se
podia avaliar in loco, na época, como as questões de composição e
Figura 8: A jornalista Niomar Muniz Sodré e o crítico de
escala, com certa dificuldade, e a espacialidade interna, somente no arte Jayme Maurício, à sua esquerda, chegando no evento
com o Palácio do Congresso em construção, ao fundo. 17
caso do Alvorada. set. 1959

O teor das críticas publicadas nos meses seguintes variaram da


aclamação à cidade e seus monumentos à rejeição total da proposta,
algumas bem fundamentadas e outras movidas por preconceitos e
incompreensões18.

O italiano Bruno Zevi (2012), de modo geral, reconheceu a


dedicação apaixonada dos seus criadores, mas considerou a cidade um
fracasso, resultado dos “problemas insolúveis de nossa cultura Figura 9: Participantes do Congresso em frente ao Palácio
do Supremo, ao fundo o Museu Histórico de Brasília e o
urbanística e arquitetônica”. Sobre o Palácio da Alvorada, julgou que Palácio do Planalto, em construção. Da esquerda para a
direita: Aline Saarinen, Eero Saarinen, Meyer Schapiro,
“falta uma autêntica concepção espacial. Os numerosos temas que Mary Vieira e Oscar Niemeyer. 17 set. 1959
Foto: Mario Fontenelle / Arquivo Público do DF

18Cf. LOBO, Maria da Silveira ; SEGRE, Roberto (coord. editorial). Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte (1959: Brasília, DF, São Paulo, SP e Rio
de Janeiro, RJ) Cidade Nova: síntese das artes. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU, 2009. Um balanço geral do Congresso pode ser lido em PEDROSA, Mario. Lições do Congresso
Internacional de Críticos. In: Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981. pp. 365-385.

16
poderiam conduzir a eloquentes ou significativas imagens escavadas críticas muitas vezes ácidas.
são abandonados e desperdiçados” (ZEVI, 2012, p. 71). Sibyl
Um caso emblemático com relação a esse assunto é o do urbanista
Moholy-Nagi (2012) considerou inadequada a verticalidade das
americano Edmund Norwood Bacon, que fez questão de publicar os
torres do Palácio do Congresso na paisagem do cerrado, e também o
dois relatos que escreveu sobre a cidade para enfatizar a sua mudança
fato de serem envidraçadas, dizendo que: “será difícil permanecer em
de julgamento após visitá-la. O relato ‘oficial’, feito depois da visita,
seus interiores, especialmente porque não foi previsto um sistema de
está no corpo do livro Design of cities, de 1967, e o que fez antes,
ar-condicionado” (MOHOLY-NAGI, 2012, p. 59). Françoise Choay
baseando sua análise em desenhos e fotografias, aparece no apêndice.
(2012) se encantou com a leveza das formas, mas enfatizou os
Bacon considera “uma tolice os arquitetos não aproveitarem as lições
problemas de acabamentos, sem perder de vista que “quando se fala
que ela [Brasília] proporciona” e acrescenta que “infelizmente,
de Brasília, não se pode jamais esquecer essa urgência obsessiva, essa
Brasília não pode ser entendida se não for descoberta in loco, em seu
fixação no prazo, que obrigou os responsáveis a trabalhar muito
próprio solo.” (BACON, 2012, p. 165).
depressa”. Ao analisar a integração das artes, Choay se valeu do
mesmo argumento: “isso não preocupou Niemeyer e sua equipe. Eles Também é preciso ter em mente que no período de realização do
não tinham tempo para isso. Criaram formas que bastam a si mesmas Itamaraty corresponde a uma lacuna na produção crítica sobre a
[…]”, mas criticou o encontro desarmônico entre a arquitetura e as arquitetura brasileira, que voltaria a ganhar corpo somente em
artes aplicadas no Alvorada: “Não existe a menor relação entre os meados da década de 1980. Durante esse período, inicialmente
móveis e quadros de todo tipo, reunidos ao acaso nos dois pisos, e as marcado por um clima de hostilidade em torno das atividades
formas puras da arquitetura”. (CHOAY, 2012, p. 64). culturais que se instaurou a partir do Golpe de 1964 (LIMA et. al.,
1965)19, e que em seguida pelo questionamento ao modelo
E se os congressistas da AICA não puderam avaliar fazer uma boa
desenvolvimentista que levou à construção de Brasília,
avaliação da arquitetura, visto o estado em que estavam as obras, há
“desperdiçaram-se”, de acordo com Hugo Segawa (2010, p. 198),
o caso dos que nem mesmo estiveram lá e ainda assim escreveram

19 LIMA, Alceu de Amoroso et al. Carta aberta ao presidente da República: Intelectuais e artistas pela liberdade. Última Hora, Rio de Janeiro, p. 7, 10 ago. 1965.

17
oportunidades de verificação e prova da qualidade e da natureza da
arquitetura brasileira, em nome da preservação da memória positiva
e da exaltação de episódios marcantes dessa mesma arquitetura,
ereta como paradigma qualitativo inatingível e insuperável – por
isso mesmo relegada aos panegíricos da história da arquitetura.

No Brasil, as poucas publicações produzidas logo após a abertura do


Palácio à visitação pública, que encontramos em nossa pesquisa, são a
da revista Manchete de 11 de março de 1967 (Fig. 10), com texto de
Flávio de Aquino e fotos de Roberto Stuckert; a da revista
Arquitetura, do IAB, na edição de outubro de 1968 (Fig. 11), com Figura 10: revista Manchete, Rio de Janeiro, 03 mar. 1967, p.

texto de Olavo Redig de Campos, fotos de Marcel Gautherot, que


publicou em primeira mão as plantas do projeto; e a edição de julho/
agosto de 1970 da revista Acrópole, comemorativa do 10° aniversário
da capital, que deu destaque à qualidade do edifício (Fig. 12). A
revista Módulo, editada por Oscar Niemeyer, jamais publicou o
projeto e isso pode ter ligação com clima de perseguição cultural
daquela época, após a sede da revista ser invadida e parcialmente
destruída em 1964 e ao corte de verbas do Itamaraty, que deixou de
financiar as publicações distribuídas pelas embaixadas do Brasil em
todo o mundo, em 1967?.

Nas publicações estrangeiras também encontramos poucos textos. A


historiadora norteamericana Norma Evenson, que já havia estudado
o projeto de Le Corbusier para Chandigarh, faz algumas reflexões Figura 11: capa da revista Arquitetura, Figura 12: capa da revista Acrópole,
Rio de Janeiro, n. 76, out. 1968 São Paulo, n. 375/376, jul./ago. 1970

18
interessantes sobre o Itamaraty. Em Two brazilian capitals: elemento sofisticado numa obra de essência aristocrática” (BRUAND,
architecture and urbanism in Rio de Janeiro and Brasília, de 1973, 1981, p. 197)20.
Evenson nota que o refinamento da construção do Itamaraty, mesmo
De lá para cá, o Itamaraty aparece sem maior destaque em
tirando partido do concreto aparente, o distancia de outras obras
Arquitetura moderna brasileira, de Marlene Acayaba e Sylvia Ficher,
assim ditas ‘brutalistas’ do período e que os problemas de
publicado em 1982, e em Oscar Niemeyer e o modernismo de formas
detalhamento e acabamento, comuns nos palácios originais de
livres no Brasil, de David Underwood em 2002. Maria Alice
Brasília, teriam sido contornados (EVENSON, 1973). São
Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein, em Brasil: arquiteturas após
interessantes as suas considerações sobre a originalidade do “emprego
1950, de 2010, assim como Bruand, notam uma mudança no
de espaços horizontais relativamente baixos para as principais áreas
vocabulário plástico de Niemeyer, tanto no Itamaraty quanto no
de recepção”, rejeitados “por aqueles que ainda respondem aos
Palácio da Justiça, à qual atribuem a influência de “um espírito da
atributos da arquitetura tradicional” (EVENSON, 1973, p. 200).
época tomado pela sensibilidade plástica do brutalismo” (BASTOS;
Somente em 1981, uma leitura mais completa da obra foi publicada ZEIN, 2010, p. 72). Frederico de Holanda também nota a
no Brasil. No livro Arquitetura contemporânea no Brasil, Yves Bruand peculiaridade do Itamaraty e não esconde sua predileção pelo
dedica quatro páginas ao Palácio Itamaraty na categoria ‘palácios de edifício. Em Oscar Niemeyer: de vidro e concreto, de 2011, conduz o
pórticos’, junto com o da Alvorada, o do Planalto e o do Supremo leitor em uma promenade onde exalta os “excepcionais estímulos
Tribunal Federal. Ele identifica no Itamaraty uma “reviravolta” no proporcionados pelos elementos por excelência da linguagem
“vocabulário empregado” por Niemeyer ao abandonar sua resistência arquitetônica: atributos mutantes de luz e sombra; geometria e
em usar referências históricas como válidos meios expressivos. Assim topologia dos vãos (…); variados ruídos, temperatura, umidade,
como Evenson, Bruand nota a originalidade no uso do concreto aromas” (HOLANDA, 2011, p. 99 e 101), nos quais os jardins de
aparente que, diferentemente de como vinha sendo explorado pelos Burle Marx e o espelho d’água que circunda o Palácio têm papel
adeptos do ‘brutalismo’, é pela primeira vez adotado como “um fundamental.

20 Apesar de ter sido publicado em 1981, o livro de Bruand é o resultado da sua tese de doutorado defendida em 1970 na França e o recorte de sua pesquisa vai até 1969.

19
Poucas são as obras monográficas sobre o edifício. Merecem destaque que conduziram ao resultado final.
Palácio Itamaraty: Brasília - Rio de Janeiro, editado pelo Banco Safra
em 1993, e o mais recente Itamaraty: a arquitetura da diplomacia, de 1.2. O processo de produção do Palácio Itamaraty
2017, de Eduardo Pierrotti Rossetti e Graça Ramos. O primeiro, O Palácio Itamaraty é um dos edifícios mais importantes no
com textos de Silvia Escorel e André Aranha Corrêa do Lago, acerta conjunto monumental de Brasília. Sua situação destacada na
ao dar relevo às colaborações de projeto, a atuação fundamental do Esplanada dos Ministérios já era prevista no projeto de Lucio Costa
comitente e a presença do acervo artístico como elemento (Fig. 13), como podemos ler no relatório do concurso do Plano
indissociável da obra. O segundo é original no que diz respeito ao Piloto:
levantamento de documentação inédita de projeto e exploração de
novos arquivos, como o do arquiteto Milton Ramos. Com isso, Ao longo dessa esplanada −o Mall dos ingleses− extenso gramado
dedicado aos pedestres, a paradas e a desfiles, foram dispostos os
Rossetti demonstra que o percurso da concepção foi mais atribulado ministérios e autarquias. Os das Relações Exteriores e Justiça
do que o habitual. Graça Ramos, por sua vez, relembra a atuação ocupando os cantos inferiores, contíguos ao edifício do Congresso e
com enquadramento condigno. (COSTA, 1995, p. 289)
fundamental de Wladimir Murtinho, sobre o qual escreve um perfil
aprofundado, na curadoria das obras de arte. O desenho de Oscar Niemeyer corresponde ao ‘enquadramento
condigno’ reservado ao edifício, sendo considerado por autores como
Como se pode ver, a crítica parece se oscilar entre análises feitas a Bruand (1981), um dos edifícios mais bem sucedidos do conjunto
partir da produção do autor, Oscar Niemeyer, para um campo de ação monumental de Brasília. O Palácio é um edifício períptero de planta
mais amplo, que reconhece a influência de seus contemporâneos sem quadrada com 86m de lado e três pavimentos de altura, mais subsolo.
deixar de enfatizar a originalidade das soluções. Em tempos mais As arcadas em concreto aparente encerram, em seu interior, uma
recentes, passa a ser valorizada a colaboração de outros arquitetos e caixa de vidro recuada. O edifício pousa sobre um amplo espelho
artistas no sucesso do resultado final. Em todos os casos, no entanto, d’água ornado por jardins e esculturas e guarda em seu interior o
toma-se como objeto de análise a obra concluída e quando se fala no mais importante acervo de obras de arte entre os edifícios públicos de
processo de desenvolvimento do projeto não são feitas as conexões Brasília, de acordo com Graça Ramos (2017), várias delas integradas

20
à arquitetura. Palácio Itamaraty

Quando comparamos o Palácio Itamaraty com outras arquiteturas do


período, e com outras obras do mesmo arquiteto, nos perguntamos se
o edifício despertaria o mesmo interesse se não fosse a qualidade da
sua execução, os jardins que o circundam e penetram, as obras de arte
integradas, e se não fosse o êxito em atender bem às demandas
funcionais do Ministério das Relações Exteriores. Não há uma
resposta certa, mas podemos tentar entender esses motivos que fazem Figura 13: Perspectiva de estudo para o concurso de Brasília. Lucio Costa (1957).
Fonte: Casa de Lucio Costa com destaque do autor para o Palácio Itamaraty
com que o edifício seja considerado um caso de sucesso. Para tanto,
achamos necessário explicar o seu processo de produção para que
possamos reconhecer a origem das soluções finais. longo se comparado aos cerca de quatro anos que levaram, em média,
a realização dos palácios originais da capital.21
Esse processo, que durou aproximadamente 11 anos, pode ser
idealmente divido em duas fases: uma de concepção e outra de Entre o primeiro estudo apresentado em 21 de março de 1959 e o
construção. Porém, como veremos a seguir, a concepção do edifício início da construção, em 16 de agosto de 1963, foram elaboradas
em um sentido mais amplo, ou seja a produção de desenhos e várias versões para o Itamaraty. E mesmo a versão que possibilitou o
protótipos que definem a configuração final do edifício, se estende início das obras de escavação e de locação das fundações, foi sendo
praticamente por todo o período de produção. De qualquer modo, modificada – às vezes de maneira significativa, como por exemplo
esquematicamente, a fase de definição do projeto dura cerca de retirando-se as marquises sobre as entradas laterais ou alterando a
quatro anos e a de construção, sete anos. É um período bastante fachada do edifício anexo – até meados de 1965, quando o projeto

21De acordo com Elcio Gomes da Silva (2014), o período de produção dos palácios originais, levando-se em conta a data de inauguração de 21 de abril de 1960 é de três anos
e nove meses para a residência oficial do Presidente da República e sede do Poder Executivo, de três anos e dois meses para a sede do Poder Legislativo e de dois anos e sete
meses para a sede do Poder Judiciário. O autor, no entanto, sinaliza que as atividades de obras nesses edifícios se estenderam para além da sua inauguração.

21
chegou à sua forma definitiva. O primeiro estudo apresentado por Oscar Niemeyer para o Itamaraty
é de 21 de março de 1959. O projeto foi publicado logo em seguida
Em nossa dissertação de mestrado identificamos oito versões para o
no Correio da Manhã com texto do crítico de arte Jayme Maurício23
projeto que possibilitou o início das obras, das quais algumas se
(fig. 14). De certo modo, essa proposta transgride a ideia de Lucio
desdobraram em variantes em fase de anteprojeto22 e projeto
Costa, que previa o afastamento do Palácio em relação aos blocos
executivo, totalizando doze esquemas diferentes. Naquela ocasião,
usamos como critério para a distinção das versões a identificação dos
estudos preliminares, ou deduzimos, a partir de projetos
complementares distintos das versões anteriores, que alguns estudos
que não foram encontrados em arquivos serviram de base para esses
estudos.

Nesta tese, para efeito de melhor compreensão, adotaremos outro


critério para identificar as versões. Agrupamos alguns estudos por
partidos volumétrico e caracterização das fachadas. Portanto
trabalharemos com quatro versões: a do partido com auditório
externo e terraço-jardim (1959), a do partido com auditório interno e
bloco anexo independente (1959), a do partido da caixa de vidro
(1960), e a do partido das arcadas (1963), como veremos a seguir.!

Figura 14: 1ª versão do projeto


A primeira versão do projeto Fonte: Correio da Manhã, p. 15, Rio de Janeiro, 24 mar. 1959.

22 Cf. BRANDÃO, Claudio Roberto Comas. O Palácio Itamaraty em Brasília: Reflexões sobre a concepção arquitetônica. Orientador: Ana M. G. Albano Amora. 2019. 164
p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
23 O mesmo artigo de Jayme Maurício foi publicado na revista Habitat n° 53, de março/abril de 1959.

22
padronizados dos outros ministérios e o alinhamento recuado, era um díptero de planta quadrada com dois andares e terraço-
diminuindo assim o efeito monumental pretendido inicialmente. jardim; por fim, para a função administrativa, foi ocupado o bloco 11
da Esplanada.24
Na solução apresentada, o último bloco da série é incorporado ao
MRE para abrigar as funções administrativas, dando mais espaço à No andar térreo do palácio, duas alas, recuadas da projeção e
função representativa no palácio. As razões dessa mudança são, em dispostas ao longo das fachadas leste e oeste, abrigavam as salas para
parte, motivadas pelas próprias demandas do Ministério. De acordo congressistas, no lado próximo ao auditório, e o gabinete ministerial
com Murtinho: no lado oposto. Na faixa central ficava o hall público junto à fachada
principal, a norte, e o jardim na parte oposta, a sul.
quando se […] iniciaram os entendimentos para a construção,
havia muita dúvida sobre um ponto que é desconhecido e que é
interessante traçar, devido a posição adotada pelo Itamaraty no
No primeiro andar, uma rampa para automóveis dava acesso ao
começo da República... ao contrário dos outros países, a parte vestíbulo nobre, também acessível pelos visitantes por outra rampa
representativa da Presidência da República não é feito no palácio,
mas sempre feito no Ministério das Relações Exteriores. em “U” que partia do hall público no térreo. Contíguo ao vestíbulo,
na faixa oeste, estavam: chapelaria, sanitários e, ao fundo, cozinha e
[…] Bom, aí era saber se íamos, ou não, continuar a ser assim. Eu
mostrei o assunto, discuti com o Lúcio Costa e mostramos ao depósito. Ao longo da fachada leste, salas de reuniões e de estar para
Oscar Niemeyer que ficou muito interessado, evidentemente, a os delegados, além de um restaurante. Esse andar é interligado ao
idéia de fazer um palácio. (MURTINHO, 1990, p. 2)
bloco da chancelaria por um passadiço.
Essa demanda programática, portanto, não havia sido contemplada
no volume de 60x60m predisposto no plano piloto de Lucio Costa. No terraço encontravam-se os salões de festas e banquetes que
ocupam as fachadas oeste e sul, formando um “L”, enquanto que o
O projeto consiste na composição volumétrica de três volumes. Um quarto restante da área era dedicada a jardins, com uma concha
grande auditório, com cobertura abobadada e planta trapezoidal, acústica. Segundo Jayme Maurício, para solucionar o problema de
servia ao Centro de Congressos; o palácio, ou bloco representativo, local adequado para as recepções oficiais, uma vez que “[…] todos os

24 Esse bloco foi posteriormente destinado ao Ministério da Saúde.

23
Terraço

Figura 15: Plantas realizadas por Oscar Niemeyer- 21 mar. 1959


Fonte: MRE com montagem feita pelo autor

jardins dos edifícios públicos são totalmente abertos e era preciso um qualquer coisa de um Palácio dos Doges, do nosso século”.
jardim fechado para as festas do governo, funcionou novamente a (CAMPOS, 1968, p. 19)
imaginação de Niemeyer: jardim suspenso, no terraço.” (MAURÍCIO,
Este estudo foi subsidiado pelas orientações consolidadas em um
1959, p. 16)
dossiê que foi entregue a Oscar Niemeyer (MURTINHO, 1990),
Nessa proposta são aplicados religiosamente os 5 pontos de Le preparado pela Comissão designada pelo ministro para o estudo e
Corbusier. É inegável a semelhança entre o partido do Palácio e o da planejamento do novo edifício do ministério das Relações Exteriores
Villa Savoye, ainda que Olavo Redig de Campos visse nele “[…] em Brasília, que era composta pelos embaixadores Antônio Mendes

24
Vianna e Décio de Moura, ministro Fernando Ramos Alencar,
cônsul Francisco José Novais Coelho, arquiteto Olavo Redig de
Campos e pelo secretário Wladimir do Amaral Murtinho.
(NOTÍCIAS..., 1958).

A participação do comitente não se resumiu à preparação desse


dossiê. Segundo afirma Murtinho (1990, p. 2): “Oscar Niemeyer que
acabou perdendo... ou extraviando ou botou de lado [tal dossiê]”, teve
de ser assessorado durante a elaboração do estudo pois, de acordo
com o diplomata, a organização espacial do Ministério havia sido
Figura 16: Foto da maquete da 2ª versão do projeto publicada na revista Brasília ed.
colocada à prova no Rio de Janeiro. E assim, Murtinho conta que especial, p. 67, jul./ago. 1960.
ficou “[…] junto da prancheta do Oscar Niemeyer, conversando com
para o anexo, foi previsto um novo edifício, perpendicular aos demais
ele, como era esta interligação e para mim foi muito fácil porque nós
ministérios. A maquete dessa versão aparece no Correio da Manhã de
na realidade, repetimos a solução que havia sido adotada no Rio de
17 de junho de 1959, sempre na coluna de Jayme Maurício, e na
Janeiro, para o palácio propriamente dito.” (ibid.)
revista Brasília, editada pela Novacap, em jun. 1959 e em jun./ jul. de
1960. (Fig. 16)
A segunda versão do projeto

Ao que tudo indica, a proposta de ocupação de um dos blocos Sem dar maiores detalhes sobre o projeto, como fizera na publicação
ministeriais e a de se construir um Centro de Congressos exterior ao da versão anterior, Jayme Maurício (1959b, p. 12) informa que “O
Palácio não foram aceitas. Assim, em junho de 1959 foi apresentado anteprojeto de Oscar Niemeyer para o Palácio Rio Branco em
um novo estudo. Brasília foi consideravelmente modificado do anteprojeto inicial que
publicamos há algum tempo, embora o programa continuasse o
Nesse novo partido, o auditório foi incorporado ao bloco do palácio e
mesmo”.

25
Para se solucionar o problema relacionado à necessidade de se que resolveu alterar parte do programa que serviu de base ao seu
traçado.
desocupar o bloco 11 da Esplanada dos Ministérios, foi projetado um
bloco anexo de cinco pavimentos, recuado e perpendicular ao edifício O Serviço de Conservação do Patrimônio elaborou as plantas de
acordo com o novo programa, introduzindo uma infinidade de
liberado, configurando uma praça entre este e o Palácio. A outra pequenas modificações que garantirão um funcionamento perfeito
modificação importante, que era a extinção do Centro de Congressos para a sede em apreço.

Internacionais, provocou a retirada do volume curvo e a incorporação Todas as alterações feitas receberam plena aprovação de Oscar
de um auditório no Palácio, que passou a ocupar o espaço antes Niemeyer. (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES,
1959, p. 271-272)
dedicado ao jardim no térreo.
A comparação entre os desenhos, não datados, realizados pelo
No segundo andar, outra mudança foi feita, a área do terraço jardim Serviço de Conservação do Patrimônio, presentes na figura 16, e as
foi coberta e transformada em um grande salão, e na laje de cobertura fotos da maquete, nos levam a crer que se tratem das plantas
foram feitos alguns recortes que corresponderiam às área ajardinadas. mencionadas no relatório.
Surgiram outras mudanças em decorrência da diferença de área entre
o antigo bloco ministerial, de dez andares, e o novo anexo, com cinco. O impacto da incorporação do auditório, da biblioteca e do arquivo

Assim, os setores destinados à biblioteca e ao arquivo, que se no volume do Palácio causou a perda de qualidade espacial no hall de

encontravam no bloco 11, migraram para o Palácio. entrada e do aspecto bucólico do jardim na cobertura, se comparados
com a versão anterior. Do ponto de vista da forma plástica, no
Assim como na versão anterior, o projeto foi desenvolvido por Oscar entanto, esse prejuízo foi recompensado pela elegância do novo
Niemeyer e equipe da Novacap, seguindo as indicações do Serviço de partido volumétrico e com a criação de uma praça – delimitada pelos
Conservação do Patrimônio, como afirma o relatório do MRE: blocos do palácio, do anexo e do bloco 11, que valoriza o edifício.

O estudo inicial feito pelo arquiteto Oscar Niemeyer para a sede Neste novo partido, o distanciamento do Palácio em relação ao bloco
definitiva do Ministério das Relações Exteriores em Brasília foi
examinado pelo Grupo de Trabalho de Transferência para Brasília, 11 devolveu o efeito monumental pretendido por Lucio Costa. A
fachada principal, caracterizada pelos pilares, mudou de uma versão

26
para a outra. A escolha entre priorizar a fachada do Eixo
Monumental ou a que fica voltada para a praça não foi imediata,
como veremos nas versões seguintes. Na primeira opção, o edifício
dialoga melhor com os demais palácios, na segunda, valoriza a criação
de um ambiente quase autônomo no conjunto monumental.

Figura 16: Desenhos realizados pelo Serviço de Conservação do Patrimônio - MRE s/d
Fonte: MRE com montagem feita pelo autor 27
A terceira versão do projeto

Após a inauguração de Brasília, ainda durante o mandato do


presidente Juscelino Kubitschek, foi realizado um terceiro estudo em
maio de 1960 (fig. 17). Sob a supervisão de Nauro Esteves, essa
versão chegou a nível de projeto, denominação utilizada na Novacap
para a fase sucessiva à de estudo preliminar25. O arquiteto Glauco
Campello (1989, p. 6), explica que “Esteves era o coordenador dos
arquitetos. Era a pessoa que respondia pelo escritório na ausência do
Oscar, também estava muito ligado a ele durante muito tempo.”26
Figura 17: 3ª versão do projeto
Desenho do autor
Os desenhos indicam que distribuição interna teria sido mantida
idêntica à versão anterior (fig. 18). O Palácio, no entanto, perdeu as Como veremos adiante, faltavam muitos edifícios importantes para

colunas de fachada e a hierarquia de fachadas. O partido adotado serem realizados após a inauguração de Brasília, e o Itamaraty era um

corresponde a uma caixa de vidro, similar à dos outros palácios na deles, pois com a sua transferência para a capital, as embaixadas se

Praça dos Três Poderes, cujo desenho das esquadrias é similar ao dos viam forçadas a mudar também. Assim, o presidente Juscelino

demais palácios, caracterizado pela alternância da altura das traves. Kubitschek e o ministro das Relações Exteriores Horácio Lafer,

Não encontramos plantas do bloco anexo, mas uma planta de fizeram a cerimônia de lançamento da pedra fundamental em 11 de

situação confirma que foi mantido, ainda que não se saiba com setembro de 1960, com a promessa de concluir a obra em um ano. O
certeza a sua altura. terreno foi cercado, mas a obra não teve início.

25O jogo de desenhos de maio, especificados como “estudo preliminar”, consiste nas plantas dos três pavimentos, fachada principal e corte passando pela escada principal, na
escala 1:200. O jogo de desenhos de junho e julho, especificados como “projeto”, consiste nas plantas dos três pavimentos, duas fachadas e quatro cortes na escala 1:100; e duas
pranchas para o palanque de lançamento da pedra fundamental nas escalas 1:50 e 1:75.
26 Cf.: <https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/conheca-nauro-jorge-esteves-o-candango-que-ajudou-niemeyer-a-moldar-brasilia.ghtml>

28
Podemos supor que a modificação no aspecto do edifício tenha fosse uma obra rápida, que pudesse ser adiantada ao máximo antes do
ocorrido por razões econômicas, afinal a inauguração de Brasília fim do mandato de Kubitschek.
havia consumido grande parte dos recursos do tesouro Nacional, e
Por outro lado, não podemos deixar de notar que o partido
por razões políticas, pois era importante garantir a irreversibilidade
arquitetônico nessa versão é o que mais se aproxima ao esboço feito
da mudança da capital, e o Itamaraty desempenhava um papel
por Lucio Costa, de um paralelepípedo simples, de base quadrada.
importante nesse sentido. Tornava-se crucial, naquele momento, que
Ainda que o novo desenho das fachadas não garantisse um destaque

Figura 18: Desenhos a nível de “projeto” realizados na Novacap - jun. 1960


Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal com montagem feita pelo autor

29
do Palácio no conjunto, o seu distanciamento em relação aos demais Durante o governo de Jânio Quadros nada se realizou em Brasília,
mas nada foi feito com intuito de deturpá-la. Ao contrário dos
ministérios enfatizava a sua importância. A valorização da entrada boatos espalhados, desse Presidente só recebemos manifestações de
seria feita pelo paisagismo da nova praça ministerial, como se vê em apreço e simpatia, embora no setor da arquitetura propriamente
dita, sua passagem pelo Planalto tenha se limitado à construção do
um estudo preliminar feita por Burle Marx em 1962. Além disso, a pombal na Praça dos Três Poderes. (NIEMEYER, 1968, p. 16)
questão de dar prioridade a uma das fachadas estaria resolvida, uma
Em 25 de agosto de 1961 Jânio renunciou ao cargo de presidente da
vez que todas passaram a ser iguais.
República alegando que ‘forças terríveis’ se levantavam contra ele,
Kubitschek não conseguiu dar início à obra do Itamaraty antes do esperando com isso que fosse reconduzido à presidência nos braços
término do seu mandato. Jânio Quadros, seu sucessor que assumiu do povo, mas o Congresso logo acatou o seu pedido, evitando o auto-
em 31 de janeiro de 1961, se demonstrou reticente em relação às golpe28. A renúncia de Jânio abriu uma grave crise política. Os
obras de Brasília e o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco27 ministros militares: da Guerra, general Odílio Denys; da
parece ter adotado atitude semelhante no que diz respeito ao Aeronáutica, brigadeiro Grün Moss e da Marinha, almirante Sílvio
Itamaraty. Oscar Niemeyer recorda que: Heck, tentaram impedir que o sucessor legal de Jânio, o vice-
presidente eleito João Goulart, assumisse o governo. Esse ato foi

27Afonso Arinos de Melo Franco foi ministro das Relações Exteriores em duas ocasiões: de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961, no governo do presidente Jânio Quadros, e
de 12 de julho a 18 de setembro de 1962, integrando o conselho de ministros de Francisco de Paula Brochado da Rocha durante o regime parlamentarista.
28Cf.: Mayer, Jorge Miguel; Xavier, Libânia. Jânio da Silva Quadros. In: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/janio-da-silva-quadros> acesso em 16 de agosto de 2022.

“A mensagem ao Congresso era formada de dois textos diferentes. O primeiro, extremamente sucinto, dizia: “Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da
Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25 de agosto de 1961.” No anexo, explicava seu gesto: “Desejei um Brasil para os
brasileiros, afrontando, neste sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do
exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou difamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a
confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade.” Depois de fazer alguns apelos e agradecimentos, o presidente encerrava o
documento se dirigindo às forças armadas, “cuja conduta exemplar em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade”.

30
contrastado pela assim chamada ‘batalha legalista’ liderada pelo – Alguma razão pessoal para isso?
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, apoiado pelo – Sim e não, digamos apenas que sou contra a ideia Brasília e,
comandante do III Exército, general Machado Lopes (FAUSTO, consequentemente, contra a transferência do Itamaraty.
2004). A solução política encontrada foi a adoção de um regime – Muito bem, vamos fazer o seguinte: você não se ocupa dessa
parlamentarista, improvisado. Tancredo Neves assumiu como construção, e sempre que eu tratar dela você se retira da sala. Está
bem assim?
primeiro-ministro e chamou Francisco Clementino de San Tiago
Dantas29 para as Relações Exteriores. – Está bem, de acordo. (BARBOSA, 2020, p. 85-86)

Trouxemos essas informações para ilustrar como a resistência interna


O seu chefe de gabinete, Mário Gibson Barbosa, conta que no dia
no Itamaraty à mudança para Brasília era forte, mesmo no círculo
em que assumiu o cargo, foi indagado pelo chanceler:
estreito do ministro. E foi enfrentando essa reação que o projeto foi
– Em que estágio se encontra a obra de construção da sede do retomado, como reporta o Diário de Notícias de 28 de dezembro de
Itamaraty em Brasília? 1961:
– Nenhum. O ministro Horácio Lafer colocou a pedra
fundamental no terreno e depois disso nada mais se fez. O chanceler San Tiago Dantas assinou portaria criando uma
Comissão Especial para organizar, no prazo de 45 dias, em estreita
– Pois essa construção será obra prioritária na minha gestão. Você colaboração com os arquitetos da Cia. Urbanizadora da Nova
se encarregará disso. Capital, o anteprojeto do Palácio Iamarati em Brasília. Integrarão
a referida Comissão o chefe do Departamento de Administração,
– Olhe, fico muito honrado com o convite para chefiar seu embaixador Antônio da Câmara Canto, que a presidirá; o ministro
gabinete, mas ainda há tempo para o senhor não concretizar essa Vladimir do Amaral Murtinho, o consultor técnico do Patrimônio
medida, que requer um ato oficial, uma portaria. [Olavo Redig de Campos] e o primeiro secretário Luis Otávio
Morin Parente de Melo. O anteprojeto, depois de aprovado, servirá
– O que é que você quer dizer com isso? de base para os trabalhos do Grupo Executivo e da Comissão,
criados pela portaria 69, do corrente ano. (NOTÍCIAS..., 1961,
– Que eu não pretendo colaborar com o senhor nessa obra Segunda Seção, p. 4)
prioritária da sua administração, porque sou contra ela.

29Francisco Clementino de San Tiago Dantas foi ministro das Relações Exteriores de 8 de setembro de 1961 a 12 de julho de 1962 integrando o conselho de ministros de
Tancredo Neves durante o regime parlamentarista.

31
Essa Comissão era subordinada ao Departamento de Administração, mas tá faltando aqui um lugar para a programação e a informática,
toda a parte de publicações e planejamento da informática, é
chefiado pelo embaixador Antônio da Câmara Canto. Naquela preciso fazer um terceiro edifício.” E nós sempre tivemos a idéia de
época, de acordo com o jornalista Luís Orlando Carneiro (1961), em fazer o terceiro edifício, não redondo, que essa é uma invenção do
Oscar. (MURTINHO, 1990, p. 9)
coluna publicada no Jornal do Brasil com o título “Itamarati tem
Estado-Maior no Planejamento Político”, o ministério das Relações A reestruturação administrativa estaria condicionada à construção da
Exteriores estava passando por uma importante reestruturação nova sede do ministério e comportaria, portanto, mudanças no
administrativa. projeto. É o que explica Carneiro (1961, p. 5) ao reportar a fala do
novo chefe do Departamento de Administração, Antônio da Câmara
A reestruturação tinha por objetivo modernizar o trabalho de Canto, que afirmara que “[…] o seu principal programa, que
planejamento da política externa com a adoção de novas tecnologias qualificou de ‘ambicioso’, era erguer em Brasília o Ministério das
da informação para processar e sistematizar dados de natureza Relações Exteriores”, pois “[…] a administração pública não pode
política, econômica e cultural, que apoiariam as decisões do continuar dividida entre Rio e Brasília […]”, e que:
ministério (CARNEIRO, 1961).
Já está trabalhando uma Comissão para estudar a transferência para
Com esse propósito, o ministro San Tiago Dantas estava cogitando a o Distrito Federal, sob a presidência do embaixador Jaime
Chermont, e uma outra comissão encarregada da construção do
compra de um computador para a análise de dados (ibid.) e, de edifício, esta integrada, entre outros, pelos diplomatas Vladimir
acordo com Murtinho, sugeriu que fosse projetado um segundo Murtinho, Parente de Melo e pelo Sr. Olavo Redig de Campos.
(CARNEIRO, 1961, 1° cad., p. 5)
anexo para abrigar os serviços de programação, informática e
publicações30: Contrariamente ao seu ‘plano ambicioso’, Câmara Canto, transferiu o
maior entusiasta da mudança, Wladimir Murtinho, para a embaixada
Quando se fez e se apresentou o anteprojeto do palácio ao ministro do Japão.
das Relações Exteriores de então, que era o San Tiago Dantas, ele
estudou e fez o seguinte comentário, que eu acho extraordinário,
porque isto era 61, o San Tiago é de 61, ele disse o seguinte: “É, Não encontramos desenhos realizados pela Novacap em 1961, mas as

30 A primeira proposta para o Anexo II, sem autoria identificada, aparece em projeto de paisagismo de Burle Marx, de 1968.

32
perspectivas do projeto paisagístico de Burle Marx, de 09 de janeiro
de 1962 (fig. 19), correspondem às plantas não datadas produzidas
pela equipe do Serviço de Conservação do Patrimônio (fig. 20).

Trata-se de uma variante do projeto de 1960, com a planta espelhada,


de modo que a entrada do ministro e o salão nobre na cobertura
ficassem voltados para a praça. Podemos supor que essa variante foi
desenvolvida na segunda metade de 1961, seguindo solicitações de Figura 19: Perspectiva da “praça de entrada” no estudo de Burle Marx, 09 jan. 1962.
Fonte: MRE
mudanças feitas por San Tiago Dantas em função das novas
demandas da instituição. Nota-se, por exemplo, que o Anexo I, na
propôs diversas modificações aceitas e adotadas e, finalmente, com
perspectiva de Burle Marx tem mais pavimentos do que na proposta o Ministro Hermes Lima que compreensivo, deixou ao meu
anterior. critério a conclusão do projeto, o que logo fiz, por ele prontamente
aprovado”. (NIEMEYER, 1963, p. 1-3)
A entrevista que Oscar Niemeyer concede para o Correio Braziliense Em março de 1962, San Tiago Dantas assinou um acordo com a
em janeiro de 1963 corrobora com essa suposição: Novacap no sentido de concretizar a transferência do Ministério,
como reporta o jornalista Manuel Mendes do Correio Braziliense em
Em princípios de 1961 – diz o Sr. Oscar Niemeyer, elaborei os
planos desse Palácio, entregando-os ao Itamarati, para que os O cerrado de casaca:
examinasse e propusesse as modificações conveniente. Durante
meses – prossegue o arquiteto de Brasília – aguardamos essas No dia 31 de março, é dado um passo importante em direção à
sugestões, o que me parece natural e compreensível, tendo em conta futura transferência do Itamaraty, com a assinatura de um
as mudanças de Ministros com as inevitáveis decorrências Convênio entre o Ministério das Relações Exteriores e a
administrativas. Historiando o seu trabalho, o Sr. Oscar Niemeyer Companhia Urbanizadora da Nova Capital. O documento firmado
acrescenta que no curso desse período manteve contato com o pelo Chanceler San Tiago Dantas e pelo senhor Francisco Laranja
pessoal daquele Ministério, primeiro com o Sr. Olavo Redig de estabelecia que o Itamaraty delegava à Novacap “a elaboração do
Campos, "a quem devo dedicada colaboração, adaptando projeto, plantas, especificações e detalhes, assim como a execução
internamente meu projeto às conveniências funcionais do das obras até o final do acabamento das edificações”. (MENDES,
Itamarati. Depois, com o ex-Ministro San Tiago Dantas, que 1995, p. 35)

33
Figura 20: Plantas realizadas pelo Serviço de Conservação do Patrimônio, s/d.
Fonte: MRE

34
O acordo previa o comprometimento do Ministério das Relações a primeira greve do período, pois se opunha à vontade das principais
Exteriores a entregar os 400 milhões de cruzeiros previstos em lideranças sindicais que compunham o Comando Nacional de Greve
dotação orçamentária para o início imediato da obra e determinava a (FAUSTO, 2004; CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO
comprovação das despesas pelo Tribunal de Contas (ibid.). DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL, s.d.).

Enfim, o Congresso aprovou a indicação de Francisco de Paula


O agravamento da crise política
Brochado da Rocha em 10 de julho. Durante o breve período em que
Em 06 de junho de 1962 o gabinete ministerial de Tancredo Neves
esteve no comando do conselho de ministros, Brochado da Rocha
se demitiu em bloco. De acordo com Boris Fausto (2004), para que
primou pela antecipação do plebiscito que deveria decidir sobre o
Tancredo pudesse se candidatar como deputado nas eleições, mas
regime político presidencialista ou parlamentarista, previsto para
também, segundo o historiador, porque “o próprio Tancredo não
1965. Mas, “diante da impossibilidade de obter a aprovação
acreditava no parlamentarismo” (FAUSTO, 2004, p. 454). A
parlamentar para as medidas pleiteadas, Brochado da Rocha
demissão de Tancredo abriu nova crise política. San Tiago Dantas
renunciou no dia 14 de setembro, seguindo imediatamente para
pleiteou o cargo de primeiro-ministro junto ao presidente, como
Porto Alegre” (KORNIS, s.d.). À frente da pasta das Relações
explica Gibson Barbosa:
Exteriores no governo de Brochado da Rocha esteve Afonso Arinos.
Prolongando‐se a situação de vacância da chefia do governo, San Na ocasião de sua posse, o jornalista Ari Cunha comentou que:
Tiago candidatou‐se abertamente perante Goulart, procurando
convencê‐lo de que, se não o escolhesse, perderia substância Com o doutor Afonso Arinos nas Relações Exteriores, agora é que
perante a opinião pública, que entenderia essa não indicação como o Itamaraty não vem mesmo para Brasília. Do prédio só há o
um recuo diante da extrema direita, que se coordenava para cercado e a placa, e é preciso muito Ministro para vencer a má
combater o seu nome. (BARBOSA, 2020, p. 100) vontade dos funcionários. (CUNHA apud MENDES, 1995, p. 35).

Após impasse no Congresso, que rejeitou a indicação de San Tiago


A consolidação da carreira internacional de Oscar Niemeyer
Dantas para o cargo, Goulart indicou o presidente do Senado, Auro
Contemporaneamente, em meio a esse contexto de crise, Oscar
de Moura Andrade, de perfil conservador. Sua indicação desencadeou
Niemeyer embarcou para o Líbano para trabalhar no projeto da Feira

35
Internacional e Permanente do Líbano em Trípoli (fig. 21). O convite Café no porto de Beirute. A sua posição estratégica dava ao Brasil
para o projeto foi intermediado por Bolivar de Freitas (NIEMEYER, melhores condições para competir com o café produzido na África
1968), embaixador – sem carreira diplomática – indicado para o nos mercados médio-orientais.
cargo pelo presidente Juscelino Kubitschek em 1958 e que foi
A encomenda do projeto para a Feira de Trípoli também pode ser
mantido à frente da embaixada em Beirute por Jânio Quadros,
encarada como um gesto de aproximação entre os dois países. Para o
satisfeito com o seu trabalho (POLITIS, 1960).
governo brasileiro, significava um passo importante em sua
Desde que assumiu o cargo, Bolivar de Freitas vinha atuando junto diplomacia cultural, que já vinha atuando fortemente nas décadas
ao governo libanês e empresários locais no sentido de estreitar as anteriores, como veremos com mais profundidade no capítulo 3, na
relações econômicas e culturais entre os dois países. De acordo com promoção de arquitetos e artistas brasileiros no exterior. Para os
Mansour Challita, escritor e diplomata libanês radicado no Brasil: libaneses, a oportunidade de realizar o projeto de um dos arquitetos
mais conceituados na época. Para Niemeyer, por sua vez, o projeto era
O Líbano tem-se convertido nestes últimos anos num centro
bancário e comercial de importância internacional. Graças ao interessante tanto pela escala e pela liberdade de criação que lhe foi
sistema de liberdade cambial e aduaneira, ao seu regimem concedida31, quanto pela compensação econômica. De acordo com
democrático, à sua política externa baseada na amizade com o
Ocidente e na solidariedade e cooperação com os outros países Jayme Maurício (1962, 2° caderno, p. 2):
árabes, graças, também, a um talento comercial milenar. O Líbano
tem servido de ponto de encontro a capitais e capitalistas vindos de […] Niemeyer já teria faturado 250.000 dólares pelos seus projetos,
todos os pontos do mundo. (CHALLITA, 1960, 1° caderno, p. 15) o que teria motivado uma carta ao Sr.. Juscelino Kubitschek
informando “estou indo à forra da miséria que passei para fazer
Em 1961, Bolivar de Freitas integrou a Missão comercial brasileira Brasília”, ou qualquer coisa parecida.” 32
que conquistou a criação de um entreposto do Instituto Brasileiro de
A estadia de Niemeyer no Líbano coincidiu com a fase de estagnação

31Jayme Maurício (1962) reporta que Niemeyer recusou o projeto de reforma de uma grande área de Beirute pois teria que se sujeitar às posturas municipais com as quais não
concordava.
32A título de comparação, o salário que Niemeyer recebia pela Novacap, de acordo com Nauro Esteves (1998), deveria ser de Cr$ 40.000 a Cr$50.000. Isso correspondia, no
câmbio da época, a aproximadamente U$150, o que hoje seria o correspondente a aproximadamente U$1500.

36
Figura 21: Maquete do projeto para a Feira Internacional e Permanente do Líbano em Trípoli. Oscar Niemeyer (1962)
Fonte: Módulo, Rio de Janeiro, n. 30, out. 1962.

37
das construções em Brasília, mas, assim que retornou ao Brasil, no das Relações Exteriores se instalasse em Brasília no prazo de 60 dias.
final de outubro de 1962, viu-se um princípio de retorno das Tal determinação parece ter provocado a decisão de Hermes Lima de
atividades. trazer de volta o incansável Wladimir Murtinho para assumir a
Comissão de Transferência e gabinete ministerial, funções que
O alinhamento dos interesses assumiu a partir de junho34.

Várias circunstâncias, na esferas política, administrativa e técnica,


Foi também Hermes Lima quem conduziu Darcy Ribeiro ao
convergiram para que o projeto do Itamaraty começasse a se
ministério da Educação, onde, junto com Anísio Teixeira, grande
concretizar em 1963.
amigo de Lima, deu início à construção da Universidade de Brasília.

Na esfera política, houve a indicação de Hermes Lima33 para assumir Tais ações tiveram impacto importante na consolidação da capital,

o cargo de primeiro-ministro, além do de chanceler, que já ocupava como podemos entender na afirmação de Niemeyer:

desde o início do mandato de Brochado da Rocha. Foi durante o


Durante o período governamental de João Goulart, tive minhas
mandato de Lima que a primeira parcela da verba empenhada na atividades no Brasil dirigidas para a Prefeitura e a Universidade de
Brasília. Na Prefeitura, dentro dos programas fixados, procurei
assinatura do Convênio para a construção do Ministério, no valor de
preservar a cidade contra a incompreensão e o mau-gosto dos que a
Cr$ 240 milhões, foi liberada. ameaçam permanentemente, elaborando ao mesmo tempo diversos
projetos, como o Palácio dos Arcos, o Estádio Nacional, o
Ministério da Justiça, o Touring Clube, a Universidade de Brasília,
Em 13 de fevereiro de 1963, após recuperar o poder validado pelo
etc. Foi nesse período que meu amigo Hermes Lima – então
resultado do plebiscito, João Goulart determinou que o Ministério Ministro do Exterior – aprovou o projeto do Palácio dos Arcos

Hermes Lima foi ministro das Relações Exteriores de 18 de setembro de 1962 a 18 de junho de 1963, inicialmente integrando o conselho do primeiro-ministro Brochado da
33

Rocha, até 18 de setembro de 1962, e depois no governo do presidente João Goulart.


34Embora Murtinho afirme no depoimento de 1990 ao Arquivo Público do DF que teria retornado para assumir a referida Comissão no final de 1962, a sua carta ao ministro
Hermes Lima informa que, a pedido do embaixador Décio Moura, concluiria o seu trabalho em Tóquio e embarcaria a seguir. Na ocasião, Murtinho cuidou da construção do
Pavilhão, projeto arquitetônico de Manoel Koscinsky Corrêa com jardins e painéis de Burle Marx, inaugurado em 16 de abril de 1963, assim como da edição do Suplemento
Brasil, publicado no jornal Mainichi Shinbum. Cf. Carta de Wladimir Murtinho a Hermes Lima, de 04 de março de 1963. Arquivo Hermes Lima, FGV CPDOC, HL c
1963.03.04.

38
(elemento de fixação indispensável), dando-me inteira liberdade de extraordinária”, pois, de acordo com o diplomata, puderam contar
prosseguir com os desenhos, projeto que Wladimir Murtinho
tornou realidade com uma determinação exemplar. (NIEMEYER,
com “[…] um admirável arquiteto para desenvolver e assistir a
1968, p. 23-26) execução do projeto”. (MURTINHO, 1990, p. 4)

Na esfera administrativa, vimos não somente a sinergia entre Hermes


Em correspondência de 1975, na qual fazia a recomendação de
Lima e Wladimir Murtinho em conduzir a mudança do Itamaraty,
Ramos para o projeto projeto de ampliação do Teatro Nacional para
mas também com a Prefeitura do Distrito Federal, com quem o
o superintendente da Novacap, Murtinho, na época secretário de
Itamaraty estava negociando a construção das residências para
Educação e Cultura do DF, escreve:
funcionário.
Senhor Superintendente:
Na esfera técnica, foi selado o acordo com a Novacap e com a
Em aditamento às informações verbais que tive oportunidade de
Companhia Construtora Pederneiras S.A. que, por meio do seu prestar ao Excelentíssimo Senhor Governador e a V. Exa., desejaria
representante em Brasília, o arquiteto Milton Ramos, cuidaria do reiterar que julgo de grande valor e de excepcional capacidade
profissional o Dr. Milton Ramos, Arquiteto, que acaba de concluir
desenvolvimento do projeto e da construção. para a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil
(NOVACAP) o projeto de renovação do Cine Brasília e cujo nome
Apesar da pouca idade, Milton Ramos, na época com 33 anos, tinha foi sugerido pelo arquiteto Oscar Niemeyer para desenvolver os
projetos arquitetônicos necessários à complementação e restauração
considerável experiência como desenhista técnico e pode, segundo do Teatro Nacional.
afirma em depoimento, adquirir rapidamente experiência de obra nas
O arquiteto Milton Ramos havia sido escolhido em 1962 por
condições impostas pelo ‘ritmo Brasília’ nos anos anteriores. O bom Oscar Niemeyer para efetuar trabalhos semelhantes em relação ao
entrosamento que aconteceu com a equipe da Novacap durante a Palácio dos Arcos, onde hoje está localizada a sede do Ministério
das Relações Exteriores (MRE). Na minha qualidade de Presidente
obra do Hospital Distrital resultou na indicação para assumir o da Comissão de Transferência do MRE para Brasília e responsável
desenvolvimento do projeto. pela coordenação dos edifícios necessários à referida transferência,
de 1963 a 1969, tive oportunidade de admirar a eficiência
profissional, a capacidade e dedicação do arquiteto Milton Ramos,
De acordo com o depoimento de Murtinho em 1990, a designação cujo trabalho no Itamaraty reputo ímpar. (MURTINHO, 1975)
de Ramos para desenvolver o projeto foi “[…] uma sorte

39
Quanto ao apoio técnico por parte do Ministério, Murtinho afirma uma renovação no seu vocabulário de soluções e novas reflexões sobre
que: o fazer arquitetônico.

Tínhamos uma série de arquitetos do Itamaraty, que faziam a parte Niemeyer começa reafirmando a sua posição – já defendida no texto
de complementação, explicações, desenvolvimento, especialmente
da parte de decoração. Então o principal deles era o Olavo Redig
Depoimento, de 1958 – a favor da liberdade criadora, contra os “[…]
de Campos […] um arquiteto, de formação clássica, um dos puristas da arquitetura” e “[…] seus conhecidos primas de
primeiros arquitetos a adotar a forma da arquitetura moderna,
autor de grandes residências e um homem que se havia formado vidro” (NIEMEYER, 1962, p. 18). Em sua passagem pela Europa,
em Roma, e tinha portanto um conhecimento do que são salões, do procurou entender como esses assuntos vinham sendo tratados na
que é espaço […], do que é luxo. (MURTINHO, 1990, p. 4.)
arquitetura contemporânea e na do passado.
Desse modo, naquele momento, parecia haver, finalmente, um
alinhamento de interesses entre as partes: o arquiteto, o comitente e o No texto, ele procura demonstrar a contradição que a arquitetura

construtor; e condições favoráveis para que cada uma delas pudesse contemporânea deveria enfrentar, a de ter à disposição novas técnicas

realizar o seu trabalho. A consequência previsível seria dar início e materiais que dariam ao arquiteto maior liberdade de invenção e, ao

imediato à obra seguindo o anteprojeto de 1961, já modificado mesmo tempo, manter a racionalidade e a funcionalidade nos

seguindo as recomendações de San Tiago Dantas, como afirmara edifícios (ibid.). Niemeyer explica como, no caso do Palácio dos

Niemeyer (1963)35. Decidiu-se por retomar o estudo. Doges em Veneza, isso foi pensado, invertendo a lógica estrutural de
se concentrar o peso na base para dar mais leveza ao edifício.
O texto Contradição na arquitetura, que Niemeyer escreve a bordo do
transatlântico Giulio Cesare, após sua estadia no Líbano em 1962, De acordo com o arquiteto, o paradigma do funcionalismo,

pode dar pistas sobre a mudança da forma do edifício na retomada defendido por seus antecessores modernos, já não se justificava, desde

do projeto. O texto indica que as experiências do arquiteto, visitando que a luta pela aceitação da nova arquitetura havia sido vencida. Isso

cidades européias e depois projetando a Feira de Trípoli, produziriam explica, segundo ele, o porquê da “[…] recuperação de Gaudí, com
sua delirante arquitetura, recuperação tão sintomática na época atual;

35 Ver citação na p. 38

40
isso explica o movimento renovador que senti na Europa, o interesse A terceira variante, também baseada em rascunhos feitos por
pela forma diferente, bela e criadora”. Explica também por que Niemeyer, se aproxima do desenho definitivo, tem malha estrutural
alguns arquitetos, “[…] guiados pela intuição” evoluem, como ele de 6x6m, arcos plenos e com superfície complexa, e pilares extremos
“[…] desinteressado dos comentários que na crítica especializada rotacionados em 45° para manter a constância nas quatro fachadas.
possam provocar”.(NIEMEYER, 1962, p. 18) Pelo o que indicam as datas nos carimbos dos desenhos elaborados
por Milton Ramos, essas três variantes podem ter sido entregues a ele
Essa renovação na linguagem e no uso de novas técnicas, para a qual
contemporaneamente. A fachada com arcos de 6m é desenhada por
a Feira de Trípoli parece ter funcionado como uma espécie de
Ramos em 10 de fevereiro e as de 4m, em 20 de fevereiro (fig. 24).
laboratório, aparece nos projetos realizados entre 1962 e 1963. É o
caso da adoção dos arcos , que também aparecem no Convento dos
Dominicanos e no Itamaraty; das mega-estruturas multifuncionais,
como o Instituto Central de Ciências da UnB; da exposição das
nervuras nas lajes, como nos pavilhões de Serviços Gerais da UnB, no
Itamaraty e no Automóvel Club em Brasília; e no uso do concreto
aparente, em todas elas.

Baseada em desenhos de Oscar Niemeyer entregues a Milton Ramos,


a 4ª versão do projeto para o Palácio foi apresentada em três
variantes: as duas primeiras, com uma malha estrutural de 4x4m e a
terceira, de 6x6m. As variantes com malha 4x4m aparecem em três
pranchas de estudo na escala 1:500, desenhadas por Oscar Niemeyer,
e não datadas. Uma dessas pranchas parece ser de rascunho (fig. 21).
Nas outras duas, tituladas de ‘ME 1’ e ‘ME 2’ (figs. 22 e 23), vemos
duas propostas para o desenho dos arcos e alguns detalhes em corte.

41
“A preocupação básica foi permitir a maior flexibilidade interna a fim
de garantir a necessária atualização dos serviços e as modificações
inevitáveis e contínuas que a pátria nos obriga a prever. Assim, as áreas
de trabalhos são dentro do possível contínuas, sem interrupções, com
sanitários, etc. Com o objetivo de lhes destinar às instabilidades das
alterações, condição que sabemos essencial e que justificam certos
requintes que um programa com caráter permanente facilita, programa
que estamos certos não existe.” (NIEMEYER, 1962 ou 1963a)

“A preocupação básica é manter no projeto um critério de flexibilidade


que permita atualizá-lo de acordo com as exigências do trabalho. Isso
obriga, naturalmente, a uma solução mais simples, localizando
sanitários, colunas, etc., de forma a não criar obstáculos às
modificações inevitáveis, modificações que a pátria nos faz considerar
21 [formais] e repetidas, de acordo com pontos de vista
pessoais.” (NIEMEYER, 1962 ou 1963b)

22 Figuras 21 a 23: Estudos feitos por Oscar Niemeyer, 1962 ou 1963.


Fonte: Arquivo Milton Ramos (imagens manipuladas pelo autor)
42
Figura 24: As três variantes para a fachada principal de fev. 1963
Fonte: Arquivo Público do DF (imagens manipuladas e montadas pelo autor)

43
A quarta versão do projeto

Nesta quarta versão do projeto, em suas três variantes, as arcadas em


concreto aparente sustentam a estrutura que cobre uma caixa de
vidro recuada e limitada à altura do guarda-corpo no pavimento
superior. Desse modo, a estrutura da cobertura parece ser
independente da caixa de vidro, ainda que pilares internos a
sustentem na parte central. Além da diferença na modulação, e de seu
impacto nas dimensões totais do edifício – 72x72m na modulação de
4m e 84x84m na modulação de 6m – foram propostas também
Figura 26: Variantes com módulo de 4m e arcos parabólicos
variantes para o desenho dos arcos e para as marquises-varandas, Desenho do autor
como podemos ver nas simulações tridimensionais (figs. 25-27).

Figura 25: Variantes com módulo de 4m e arcos plenos Figura 27: Variantes com módulo de 6m e arcos plenos de superfície complexa
Desenho do autor Desenho do autor

44
Internamente, o projeto reproduz, em linhas gerais medida, a vestíbulo térreo, que passa de linear para helicoidal. No 1° pavimento
organização dos ambientes já definida em 1961, com auditório semi- se faz um recorte na laje, simétrico à posição da escada, deixando
enterrado no térreo; blocos de salas ao longo das fachadas leste e uma passagem entre os salões junto à fachada principal e o salão de
oeste no térreo e primeiro andar; cozinha e salas de banquetes e exposições, do outro lado, com chapelaria rente à fachada sul (fig. 28).
recepção no segundo. A entrada do ministro volta a ser pela fachada No segundo andar, ao qual se ascendia por uma escada linear, o
leste, portanto oposta à praça, como nas plantas de 1960.

Não é possível avaliar com exatidão a alteração no programa porque


vários ambientes não estão identificados. A estratégia de Niemeyer,
como escrito em uma das pranchas, era definir as circulações e blocos
sanitários para dar flexibilidade à distribuição interna, que ficaria sob
responsabilidade da equipe de Campos.

A diferença de área entre as variantes de 4m e 6m se dá, sobretudo,


no auditório, nas circulações e nos ambientes de representação, no
‘miolo’ do edifício portanto, enquanto que as alas de escritórios têm
áreas compatíveis nos dois casos. Wladimir Murtinho conta que
Niemeyer comemorou a aceitação do uso do módulo de 6m, que, na
opinião do diplomata, é o “[…] que dá a grandeza e a elegância do
Palácio do Itamaraty” (MURTINHO, 1990, p. 15). Essa proposta
Figura 28: Planta do 1° andar. 08 mar. 1963
passou então a ser desenvolvida nos meses que antecedem o início da Fonte: Arquivo Público do DF
obra, como veremos a seguir.
jardim suspenso foi localizado na posição definitiva, mirando a Praça
No mês seguinte, em março de 1963, vemos a mudança da escada no dos Três Poderes. Duas grandes marquises, com função de varanda,

45
protegiam as entradas no térreo. Uma maior para o público, na libera assim o espaço para o jardim no térreo, sobre o seu teto. A
fachada principal, dando para o Eixo Monumental, e outra menor, na ideia da parede escultural em uma das laterais do auditório já aparece
fachada leste, sobre a entrada do ministro e dos congressistas. nos croquis do arquiteto e serviria de base para a o trabalho do artista
Sergio Camargo que viria a ser contratado anos mais tarde. A escada
Entre abril e maio, começaram a ser detalhados os banheiros no sub-
helicoidal passou a atender os três andares e com isso foi deslocada
solo e o corte no terreno. Ainda não era previsto o espelho d’água.
para a faixa oeste, para desembarcar na sala de banquetes do terraço.
Anotações a lápis nas plantas de anteprojeto, indicam algumas
O recorte na laje do 1° pavimento adquiriu a forma curva definitiva e
mudanças a serem feitas: a marquise maior deveria ser eliminada; o
uma escada secundária, linear, conectava o jardim com o salão de
corte na laje do mezanino passaria para o lado da escada, como é
exposições.
hoje, porém com forma retangular, deixando uma passagem mais
ampla entre o grande hall e o salão de credenciais, na fachada norte; a Criou-se um elevador de grandes dimensões que conectava os
escada para o terraço passa a ser helicoidal, como no térreo, porém ambientes cerimoniais: vestíbulo, salão de exposições e salão de
desencontrada nos andares, mantendo assim a ideia da subida por banquetes (figs. 31 a 34). Em paralelo, vinham sendo detalhados: os
patamares (MURTINHO, 1990). A chapelaria, antes rente à fachada pilares perimetrais, cujas faces externas, antes contidas na modulação
sul, é descolada para dar espaço ao corredor de ligação entre as alas de 6m, foram deslocadas 1m para fora, aumentando a projeção do
leste e oeste de escritórios. (Figs. 29 e 30) Palácio de 84x84m para 86x86m; e o encontro da envoltória de vidro
com o espelho d’água, que passa por baixo da esquadria, dando a
Em junho o projeto se aproximou do esquema definitivo, com a
impressão que o edifício flutuasse.
separação das entradas do ministro e dos congressistas, colocadas em
fachadas opostas. Em meados de junho o presidente da República fez uma reforma
ministerial, indicando Hermes Lima para o Supremo e, para as
Em julho, Niemeyer entregou uma nova série de desenhos a Milton
Relações Exteriores, Evandro Lins e Silva36.
Ramos, feitos a mão na escala 1:200. Neles, vemos o auditório enterrado,

36 Evandro Lins e Silva foi ministro das Relações Exteriores de 18 de junho a 22 de agosto de 1962 no governo do presidente João Goulart.

46
Figura 29: Planta do 2° pav. de 17 abr. 1963 Figura 30: Planta do 1° pav. de 6 mai. 1963
Fonte: Arquivo Público do DF Fonte: Arquivo Público do DF

47
27

31 32 33

Figuras 31 a 34: Estudo feito por Oscar Niemeyer em 2 jul. 1963.


Na ordem: planta do subsolo, corte do auditório, planta do 1° pav e
planta do 2° pav.
Fonte: Arquivo Milton Ramos 34

48
O início da construção O anteprojeto para o bloco anexo é um pouco posterior ao do
Palácio, começou em outubro de 1963 e, inicialmente, previa pilares
O projeto foi definido quase contemporaneamente ao início da obra.
aparentes marcando o ritmo vertical nas fachadas longas (fig. 35).
Para ser mais exato, a obra começou em 16 de agosto de 1963 e os
Em abril de 1964, os desenhos indicam que a estrutura ficaria na
desenhos da versão definitiva do anteprojeto foram realizados entre
parte interna (fig. 36) e, um ano mais tarde, aparecem os brises
fins de agosto e outubro, durante a fase inicial de preparação do
verticais metálicos na fachada norte do anexo (fig. 37).
canteiro e movimento de terra. Como já foi acenado anteriormente,
esses desenhos seriam passíveis de mudanças, que seriam realizadas
sem que o ritmo da construção fosse prejudicado.

Figuras 35: Anteprojeto do bloco administrativo. Planta do 2° pavimento. 10 out. 1963


Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal

49
Figuras 36: Anteprojeto do bloco administrativo. Planta do 2° pavimento. 17 fev. 1964
Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal

Figuras 37: Projeto de Execução do bloco administrativo. Planta do 2° pavimento - 2ª junta. 11 fev. 1965
Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal

50
A estrutura do Palácio começou a ser calculada pelo escritório de procuravam-me em Brasília e que, no Rio, meu escritório fora
vasculhado pela polícia.
engenharia da Novacap, chefiado por Joaquim Cardozo, a partir de
dezembro de 1963 e a do Anexo, em fevereiro de 1964. A partir de Entre os impactos negativos da ditadura sobre a vida do arquiteto,
então, começaram a ser elaborados os projetos de paisagismo devido à sua posição política contrária ao regime, podemos listar: seu
(1965-1966), iluminação (1966-1967), obras de arte integradas afastamento da Universidade de Brasília; a invasão do seu escritório
(1966-1968) e mobiliário (1967-1969), que foram contratados à no Rio de Janeiro; a retirada do apoio financeiro do Itamaraty à
parte37. revista Módulo; as conduções para responder a inquéritos policiais;
sem contar que assistiu à prisão e ao exílio de amigos próximos. Mas
O Golpe de 1964 e as viagens de Niemeyer o fato que talvez mais o tenha deixado indignado foi a recusa da
Aeronáutica para a realização do seu projeto para o Aeroporto de
A presença de Oscar Niemeyer durante a fase construtiva do
Brasília, sem justificativas plausíveis.
Itamaraty foi intermitente. Em fevereiro de 1964 ele embarcou para
a Europa para depois se dirigir a Israel – onde projetou os conjuntos O outro motivo, afirma Niemeyer (1968), era a demanda por
Nordia e Panorama, o Hotel Scandinavia, a residência Federmann e a projetos. Com efeito, o arquiteto passou a viajar com frequência para
Universidade de Haifa – e Gana, para projetar a Universidade de atender às novas encomendas, que se intensificariam nos anos
Acra. Voltaria para Brasília somente em novembro. seguintes, enquanto a obra do Itamaraty procedia em ritmo
acelerado.
Um dos motivos para a sua longa permanência no exterior foi a
deflagração do golpe civil-militar em 31 de março de 1964. Segundo De julho a setembro de 1965, Niemeyer esteve em Portugal, França e
Niemeyer (1968, p. 31) Israel, para seguir os projetos, dentre outros, do conjunto urbanístico

[…] os amigos escreviam dizendo-me que os jornais anunciavam de Pena Furada, a sede do Partido Comunista Francês em Paris e a
ter o governo cassado meus direitos políticos, que os militares Universidade de Haifa. Entre julho de 1966 e fevereiro de 1967,

37 Com exceção dos projetos de Athos Bulcão, que era funcionário da Novacap, contratado como técnico de decoração. Bulcão projetou o baixo relevo em mármore no
vestíbulo do térreo, a paginação dos pisos de pedra, a treliça em madeira e metal do 1° andar e os painéis de azulejos no bloco anexo.

51
viajou para desenvolver os projetos para o Hotel na Ilha da Madeira do Paraná (1967), a Ponte Costa e Silva em Brasília (1967), o Palácio
em Portugal, o conjunto urbanístico de Grasse na França e o Centro do Jaburu em Brasília (1967), o Hotel Nacional de São Conrado no
Cívico de Argel na Argélia. Rio de Janeiro (1968) e o Quartel General do Exército em Brasília
(1968), além de vários projetos não construídos, como o Aeroporto e
Em 1968 esteve fora do país por mais três meses, para seguir o
o Estádio Nacional em Brasília e a Assembléia Legislativa de Minas
projeto da editora dirigida por Giorgio Mondadori em Milão, Itália,
Gerais, entre outros que não passaram da fase de estudo preliminar.
e a sua casa em Cap-Ferrat, na França. Na Argélia, trabalhou no
projeto da Universidade e da Mesquita de Argel. Voltaria aos Sua ausência durante a obra do Itamaraty, portanto, nos parece mais
mesmos países em agosto de 1969 e em fevereiro de 1970 para dar justificada pelo volume de encomendas que ele havia assumindo do
continuidade a esses projetos, para iniciar a sede da Renault, nos que por um suposto exílio político. Ainda assim, mesmo quando
arredores de Paris, e a Universidade de Constantine na Argélia. estava fora do país, Niemeyer mantinha um certo controle sobre as
decisões de projeto, como afirma Eduardo Rossetti (2012, p. 35), que
No Brasil a demanda por projetos não foi inferior, ainda que
destaca a
pesassem sobre o arquiteto os efeitos da ditadura, e nos perguntamos
se é correta a visão de que ele se visse obrigado ao exílio, bastante […] notória a troca de informações registradas em planta
sobre o detalhamento do vidro da cabine de tradução do
consolidada no senso comum e, em parte, difundida pela auditório, o que demonstra que Niemeyer, onde quer que
historiografia (KATINSKY, 1991; OHTAKE, 2007)38. ele estivesse – Rio, Paris, Beirute –, estava acompanhando o
canteiro do palácio”.
Entre 1964 e 1970 projetou no Brasil: o Palácio da Justiça e a Casa Por outro lado, é preciso reconhecer que a autonomia das equipes
de Chá em Brasília (1965), o Anexo II da Câmara dos Deputados responsáveis de desenvolvimento de projeto, a de Milton Ramos e a
(1965), a Escola Ginda Bloch em Teresópolis (1966), a sede da de Olavo Redig de Campos, foi determinante para o bom
revista Manchete no Rio de Janeiro (1966), o Instituto de Educação andamento do trabalho mesmo quando Niemeyer não estava em

Em “Brasília em três tempos: a arquitetura de Oscar Niemeyer na Capital”, Júlio Katinsky (1991) chama de “arquitetura do exílio” as obras produzidas entre 1964 e 1984.
38

Em “Oscar Niemeyer”, Ricardo Ohtake (2007, p. 101) afirma que Niemeyer se vê “[…] obrigado, a viajar e trabalhar no exterior”.

52
Brasília. Sabemos que Milton Ramos, na função de desenvolvedor do Lins e Silva para o Supremo, assim como já havia feito com Hermes
projeto e de executor da obra, produziu um volume enorme de Lima, e João Augusto de Araújo Castro40 assumiu o Ministério.
desenhos sem a supervisão direta de Niemeyer. Igualmente, o
Em setembro de 1963, foram concluídas as plantas do Palácio a nível
Itamaraty assumiu a responsabilidade pela distribuição interna dos
de anteprojeto. São os mesmos desenhos publicados no livro de
ambientes e do mobiliário, que ficou sob os cuidados da equipe de
Bruand (1981, p. 196-197), que ainda seriam modificados nos anos
Olavo Redig de Campos, e pela curadoria das obras de arte, feita por
seguintes. É o caso das marquises-varandas sobre as entradas laterais
Wladimir Murtinho – com a qual Niemeyer (1989) nem sempre
e da escada secundária que conectava o jardim no térreo ao
estava de acordo39. É difícil, portanto, atribuir as soluções de
mezanino, que seriam retiradas, e da escada para o terraço em “U”,
desenvolvimento e complementação das obras do edifício a uma ou
que se tornaria linear. Em paralelo, surgiam alguns detalhes como o
outra pessoa.
dos arcos, para os quais Milton Ramos propôs a correção visual no
Voltando ao início da construção, no dia 1° de agosto de 1963, arcos extremos, como afirma em palestra no IAB-DF. (RAMOS,
chegaram a Brasília Wladimir Murtinho e Olavo Redig de Campos 1996)
para fazer os últimos acertos e, em 16 de agosto, começou o
Em outubro de 1963, Ramos concedeu entrevista ao Correio
estaqueamento do terreno. Logo teriam início as escavações, baseadas
Braziliense, informando que a obra estava na fase de conclusão da
em desenhos Com o corte do terreno definido em projeto nas
parte de fundação e escavação do subsolo do bloco administrativo, e
semanas seguintes,. Em fins de agosto houve nova mudança de
que uma equipe de 300 operários estava trabalhando diariamente até
ministro das Relações Exteriores, o presidente João Goulart indicou
às 22 horas (RAMOS, 1963). Portanto, os desenhos saiam da

39 Em seu depoimento ao Arquivo Público do DF, Niemeyer (1989, p. 24) afirma: “Mas no Ministério da Cultura, o Murtinho, que, que graças a ele foi feito... pena que ele
(incomp.), né? (incomp.) um pequeno grupo que cerca ele (incomp.) lá não funcionou bem essa ligação da arquitetura com as artes plásticas, ficou meio independente, mas vai
ser a última vez.” Em sua fala, o arquiteto confunde o ministério da Cultura com o das Relações Exteriores, provavelmente porque mencionava anteriormente na entrevista a
sua participação no projeto do ministério da Educação e Saúde do Rio (posteriormente da Cultura) ou porque, à época, Murtinho era secretário da Cultura do DF. O
depoimento de Niemeyer indica que Murtinho também não tinha autonomia completa na curadoria das obras e precisava atender a outros interesses.
40 João Augusto de Araújo Castro foi ministro das Relações Exteriores de 22 de agosto de 1963 a 31 de março de 1964 no governo do presidente João Goulart.

53
prancheta – o escritório da Pederneiras ficava no canteiro – para o Luiz Brun de Almeida Souza, na articulação das decisões da
canteiro. Comissão de Transferência com os órgão locais, a Prefeitura do
Distrito Federal e a Novacap.
A consolidação de Brasília durante a ditadura militar
Àquela altura, nos meses anteriores ao golpe civil-militar que depôs o
No início de 1964, a irreversibilidade da mudança do Itamaraty
presidente João Goulart, a máquina para a mudança do Ministério
parecia evidente, como reportou o Correio Braziliense em 24 de
estava em movimento acelerado42, mas a consolidação da capital
janeiro, de acordo com Manuel Mendes:
ainda era incerta. De acordo com Mendes (1995, p. 46)
Não há mais razão para dúvida. As medidas que têm sido adotadas
pelo Ministro41 Wladimir Murtinho são positivas e já bastaram […] quando mais intensa era a crise política que vinha se
para revitalizar a fé que o povo nutre pelos destinos de Brasília. arrastando a meses, o Congresso fazia um forte movimento para
Operoso, compenetrado da função que exerce, esse diplomata está levar a Capital de volta ao Rio, com o argumento de que lá o
dando mostra de civismo ao atacar, com vigor, as obras que na Governo Federal estaria melhor instalado para enfrentar a situação
verdade não vinham sendo devidamente consideradas. (MENDES, caótica que o país atravessava. E Brasília era apontada como uma
1995, p. 44) das causas dessa crise.

Em fevereiro, segundo Mendes (1995), o gabinete avançado do Ainda que as resistências dentro do Itamaraty permanecessem até

Itamaraty, que já contava com o auxílio do diplomata Rubens 1970, as incertezas quanto à mudança foram sendo dissipadas com a

Antônio Barbosa, que intercedia junto ao Ministério da Fazenda e instalação do regime militar, que aliviou as tensões internas no

ao Congresso, no âmbito Federal, recebeu o reforço do diplomata governo – na base da repressão – e apostou na consolidação de

41Neste caso não se refere ao cargo de ministro das Relações Exteriores e sim à posição de Murtinho na carreira diplomática. Ao concluir o curso no Instituto Rio Branco, o
diplomata começa como terceiro secretário, depois segundo secretário, primeiro secretário, conselheiro, ministro de segunda classe e, por fim, ministro de primeira classe, ou
embaixador. Murtinho havia sido promovido a ministro de segunda classe em 1961 e passaria a embaixador em 1967.
42 Um exemplo do empenho do Itamaraty foi a assinatura um Convênio em 03 de julho de 1964 entre o ministério das Relações Exteriores, o da Educação e Cultura, a
Prefeitura do Distrito Federal, a Fundação Universidade de Brasília e a Novacap para assegurar residência para os funcionários do Ministério e de organismos internacionais. O
Convênio previa a construção de prédios de apartamentos nas Superquadras 107, 108, 307 e 308 norte, de propriedade da UnB. Foi projetado pelos professores da
Universidade: Sérgio Souza Lima, Mayumi Souza Lima e com a colaboração de Oscar Kneipp. Posteriormente, o empreendimento foi interrompido e somente quatro blocos
foram feitos.

54
Figura 38: Detalhe da escada helicoidal de 29 jan. 1964 Figura 39: Detalhe da escada helicoidal de 17 fev. 1964 Figura 40: Detalhe da escada helicoidal de 04 mar. 1964
Fonte: Arquivo Público do DF Fonte: Arquivo Público do DF Fonte: Arquivo Público do DF

Brasília. Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha43, demonstrou-se


entusiasmado ao visitar as obras do Palácio, como afirma Mendes
Assim, os militares puderam, ao mesmo tempo, explorar o capital
(1995), que presenciou sua reação.
simbólico que essa mudança traria para o regime e se distanciar dos
conflitos sociais no Rio de Janeiro. Para os brasilienses, qualquer A autonomia de Milton Ramos
atitude no sentido de retomar o ritmo das construções receberia o
Neste ínterim, Milton Ramos assumira maior autonomia sobre o
apoio de vários setores da sociedade: da classe trabalhadora, do
projeto. A escada helicoidal no vestíbulo, à qual se lhe atribui a
empresariado local, das construtoras e de parte da classe política.
autoria junto com Joaquim Cardozo, reconhecida por sua qualidade
Logo após a mudança de comando no governo, o novo ministro das

43 Vasco Leitão da Cunha foi ministro das Relações Exteriores de 4 de abril de 1964 a 17 de janeiro de 1966 no governo do presidente militar Humberto Castello Branco.

55
escultural44, aparecem em três pranchas de detalhes, datadas de 29 de
janeiro, 17 de fevereiro e 8 de março de 1964, esta última com viga
achatada, provavelmente sugerida por Joaquim Cardozo (figs. 39 a
40). Além da impressionante estrutura da escada, engastada nas lajes
e sem apoio central, Cardozo calculou as lajes nervuradas – com vãos
de até 30m em 70cm de espessura – e as arcadas, entre junho e
dezembro de 1964.

Em setembro, Milton Ramos fez um protótipo dos arcos em escala


real no estacionamento em frente ao escritório da obra (fig. 41).
Assim, pode verificar detalhes de fôrma, o efeito das marcas no
concreto e a correção visual no arco de canto. Além desse protótipo,
como ele próprio afirma, chegou “[…] ao ponto de fazer maquetes de
coisas principais, como aquela escada central em concreto, em escala
1:20, armada com arame, pra sentir na realidade. Porque eu sabia que
aquilo era uma coisa de extrema importância, então ela teria que ir
para o local com a maior certeza.” (RAMOS, 1996, n.p)
Figura 41: Protótipo dos arcos em concreto armado
Fonte: Arquivo Milton Ramos
Um jogo de desenhos datado de 26 de fevereiro de 1965, para
“estudo de acabamentos”, nos mostra uma versão atualizada das secundária no térreo e com a escada que conduz ao terraço na forma
plantas, quase fiel ao executado, já sem marquises laterais, sem escada definitiva. Essas definições ocorreram pouca antes de se concretar a

44 Cf. ESCOREL, Silvia. O Palácio Itamaraty em Brasília. In: PALÁCIO Itamaraty: Brasília, Rio de Janeiro. São Paulo: Banco Safra, 1993.

56
para Israel, para cuidar do projeto da Universidade de Haifa e depois
para a França, onde começou as negociações para o projeto para o
Partido Comunista Francês em Paris. Voltaria ao Brasil em outubro
de 1965.

A partir de meados de 1965, foram convocados outros profissionais


para participar da obra do Itamaraty. Em agosto, Burle Marx
começou os desenhos para os jardins do espelho d’água e do
vestíbulo. No mês seguinte, Bruno Giorgi partiu para Carrara na
Itália, onde esculpiu o Meteoro, obra a ser colocada no espelho d’água.
Afirma Maria Clara Redig de Campos (2008), que Niemeyer teria
sido convencido sobre a escultura, quando Olavo Redig de Campos
ensaiou sua posição na maquete usando uma bolinha de papel
amassado.
Figura 42: Foto do canteiro de obras do Itamaraty em 15.03.1965
Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
No mesmo ano começou a ser feito o projeto de iluminação,
laje do mezanino, que ocorreu por volta de março de 1965 (fig. 42).45 inaugurando esse tipo de projeto na arquitetura de palácios de
Brasília. O projeto foi desenvolvido pelo escritório de Livio Levi em
De novembro de 1964 até meados de 1965, Niemeyer esteve em
São Paulo a partir de outubro de 1965, e previa, além da definição
Brasília trabalhando no projeto da Universidade, onde desenvolveu os
dos pontos de luz, o projeto das luminárias, tanto integradas ao
projetos para o Palácio da Justiça e para a Casa de Chá na Praça dos
edifício quanto soltas.
Três Poderes junto com a equipe do CEPLAN. Em junho, viajaria

45 A data da concretagem não é exata, mas em foto datada de 15.03.1965 do Arquivo Público do Distrito Federal, podemos verificar que as formas da laje do mezanino
estavam prontas. Nessa mesma foto pode-se ver o protótipo dos arcos no estacionamento.

57
A festa da cumeeira

Em 20 de abril de 1966, comemorando a data de nascimento do


Barão de Rio Branco, a estrutura do Palácio foi inaugurada em um
evento para cerca de 150 pessoas. Na ocasião, visitaram a obra 54
embaixadores estrangeiros, conduzidos por Wladimir Murtinho
(ITAMARATI..., 1966) e recebidos pelo novo chanceler, Juracy
Magalhães46 e pelo presidente Humberto Castello Branco, em uma
demonstração da importância simbólica do Palácio na consolidação
da imagem do regime perante o mundo. Fotos do evento mostram
Murtinho explicando detalhes do projeto para os convidados ao
redor da maquete e os arquitetos Olavo Redig de Campos e Milton Figura 43: Festa da cumeeira. 20 abr. 1966. No centro, em primeiro plano,
Wladimir Murtinho e Juracy Magalhães. Atrás de Murtinho, Olavo Redig de
Ramos acompanhando a comitiva (fig. 43). Campos. No topo da escada, à esquerda, Milton Ramos (de óculos e camisa de
manga curta).

A integração das artes treliça em madeira e metal na Sala dos Tratados do mezanino, foi
desenhada em novembro. (Fig. 44) Entre julho de 1966 e fevereiro de
Em meados de 1966 várias obras de arte integradas começaram a ser
1967, Niemeyer esteve em Portugal e na França, desta vez para
elaboradas. Em junho, Athos Bulcão detalhou o baixo relevo em
apresentar o projeto para o Algarve e desenvolver os projetos de
mármore para a parede do vestíbulo e, em agosto, a paginação dos
Grasse e do PCF. Enquanto em Paris, participou da comissão
pisos em pedra. Em setembro, o crítico Jayme Maurício reportava
julgadora do Prêmio Marinetti, durante o Salon des Realités Nouvelles,
que “[…] está belíssimo, informam, o painel-muro que o escultor
Sérgio Camargo está realizando no Itamaraty, orientado pelo que premiou por unanimidade a artista brasileira Mary Vieira, que já

ministro Waldemar Murtinho (sic).” (MAURÍCIO, 1966, p. 5), já a havia proposto uma escultura na Praça dos Três Poderes na época da

46 Juracy Magalhães foi ministro das Relações Exteriores de 17 de janeiro de 1966 a 15 de março de 1967 no governo do presidente militar Humberto Castello Branco.

58
Figura 44: Detalhe da treliça de Athos Bulcão para a Sala dos Tratados em 30 nov. 1966
Fonte: Arquivo Público do DF

Figura 45: Polivolume: elevação


repartida. Estudo para a
escultura do Itamaraty. Mary
Vieira (1966)
Fonte: Instituto Moreira
Salles / Acervo Jayme

Figura 46: Polivolume: ponto de


encontro escultura de Mary Vieira
no Itamaraty. (1970 c.)
Foto: Marcel Gautherot / Instituto
Moreira Salles. (Sentados, da dir.
para a esq.: O. Redig de Campos,
Milton Ramos e Mary Vieira.
Demais não identificados

59
inauguração da capital, projeto que não foi adiante. Desse reencontro
com a artista, partiria o convite para a realização da escultura para o
vestíbulo do Itamaraty, que ficaria pronta somente para a inauguração
do Palácio (figs. 45 e 46). O Meteoro de Giorgi chegou a Brasília no
fim de dezembro de 1966. A peça, que pesa cerca de 50 toneladas no
total, foi dividida em 3 partes para possibilitar o transporte e a
instalação (fig. 47).

O Itamaraty abre à visitação pública

O Correio Braziliense reportou o retorno de Niemeyer a Brasília em 12


de março de 1967. No dia 15, o presidente Humberto Castello Branco
recebeu embaixadores para um brinde no Palácio e dois dias depois o
edifício foi aberto à visitação pública. Em 22 de maio de 1967 aconteceu
o primeiro jantar oficial para recepcionar o príncipe herdeiro Akihito e à
princesa Michiko do Japão. O auditório ainda não estava pronto e faltava
complementar o edifício com mobiliário e algumas obras integradas.

Para o bloco Anexo, ainda inacabado, detalhavam-se divisórias


internas e os brises na fachada norte, especificados em desenho na
cor verde, mas que, durante um teste de cor na obra foram, foram
modificados para a cor amarela, aprovada por Niemeyer
(MURTINHO, 1990).
Figura 47: Bruno Giorgi e operários durante a instalação da escultura
Meteoro
Fonte: Arquivo Público do DF

60
Em setembro chegou à Brasília o lustre monumental feito pelo Niemeyer, como Joaquim Tenreiro, que já havia feito o mobiliário
joalheiro e escultor Pedro Corrêa de Araújo, instalado na chegada da para a residência de Francisco Peixoto em Cataguases.
escada que conduz ao terraço, a sala D. Pedro I. Murtinho (1990)
relata que a peça de bronze e cristal lapidado, com cerca de 5m de A recepção para a rainha da Inglaterra
diâmetro precisou ser levada por uma grua dos bombeiros. Foram A segunda recepção oficial a chefes de governo estrangeiros no
cerca de dois anos de trabalho, durante os quais o Ministério Itamaraty, foi oferecida à primeira-ministra da Índia Indira Gandhi
comprava as pedras de cristal e mandava lapidar para que o artista as em setembro de 1968. Pouco depois, foi organizada a visita da rainha
montasse. Foi a encontrada para adquirir a escultura, comprando o Elizabeth II da Inglaterra ao Brasil. A rainha foi recebida em uma
material de acordo com a demanda do escultor. das maiores festas já ocorridas no Itamaraty, com cerca de 4000
pessoas, em 5 de novembro de 1968.
O Design entra em cena
Sua visita aconteceu no período dos levantes dos movimentos
Em 1968 foi encomendado o projeto para o mobiliário de escritório
estudantis no mundo inteiro, que no Brasil se associaram aos
para o Palácio ao designer Karl Hanz Bergmiller. Esta foi uma das
protestos contra a ditadura. Assim, a sua recepção no Palácio é mais
iniciativas do Itamaraty de incentivo à nascente disciplina do
um indício de como o edifício estava sendo capitalizado pelo governo
desenho industrial no Brasil. Acredita-se que a proximidade de
para projetar uma boa imagem do país para o mundo, às vésperas dos
Murtinho com Aloísio Magalhães, ligado à Escola Superior de
Desenho Industrial, ESDI, no Rio de Janeiro tenha sido importante
nesse sentido. Trabalharam também outros profissionais, mais
próximos ao campo de influência do Itamaraty, como os arquitetos
Jorge Hue, Bernardo Figueiredo e Sérgio Rodrigues47; ou de Oscar

47Em 1951, Sérgio Rodrigues havia participado da equipe de projeto para o Centro Cívico de Curitiba, integrada por Olavo Redig de Campos e pelo professor David Xavier
de Azambuja, do qual era assistente. Rodrigues também foi chamado para mobiliar a Casa do Brasil na Itália, no Palácio Doria Pamphilj em Roma, no início da década de
1960, projeto coordenado por Olavo Redig de Campos.

61
‘anos de chumbo’48.

A partir das fotos da cerimônia podemos constatar que, além da obra


do Palácio, os interiores também estão quase concluídos, como por
exemplo: a treliça de Athos Bulcão, o mobiliário de Bernardo
Figueiredo, Joaquim Tenreiro e Sérgio Rodrigues, a tapeçaria de
Burle Marx, o lustre de Pedro Correia de Araújo e a escultura de
Alfredo Ceschiatti. (Figs. 48 a 55)

48 Assim é conhecido o período da ditadura militar, marcado pela violenta repressão aos seus opositores, que se estende da emissão do Ato Constitucional n° 5, em 13 de
dezembro de 1968 até o fim do governo Médici, em março de 1974. “O AI-5 autorizou o presidente da República, independente de qualquer apreciação judicial, a decretar o
recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e a
suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, a decretar o confisco de ‘bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente’ e a suspender a garantia
de habeas-corpus.” (CALICCHIO, s. d.). Assistiu-se nesse período à intensificação de uma série de abusos que já vinham sendo cometidos pelo Estado e pelas polícias desde o
início da ditadura.

62
48 49 50 51

52 53 54 55

Figuras 48 a 55: Cerimônia de recepção da Rainha Elizabeth II da Inglaterra realizada em 05 nov. 1968.
Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal

63
A inauguração do Palácio Itamaraty No dia da inauguração foram recebidas cerca de 2.000 pessoas, de
acordo com a reportagem do Jornal do Brasil de 21 de abril de 1970,
Apesar das cerimônias oficiais realizadas no Palácio, a mudança do
formando uma fila ininterrupta de convidados das 20h30 às 22h00.
Ministério não acontecia. Murtinho (1990) relata que passou a
Durante a cerimônia, houve a formatura da turma de diplomatas do
duvidar disso, pois parecia que o Palácio se transformaria somente
Instituto Rio Branco e a condecoração com a Ordem do Rio Branco
em um grande local de recepções. Quando o edifício estava quase
de uma centena de personalidades políticas e da sociedade civil, entre
pronto, Murtinho foi enviado para servir na Índia pelo então
elas o embaixador Wladimir Murtinho. Não se tem notícias da
ministro José de Magalhães Pinto49, em uma atitude típica em
participação de Oscar Niemeyer na cerimônia.
governos autoritários. É possível que houvesse temor por parte do
chanceler que o embaixador roubasse a cena no evento de Os fatos apresentados neste capítulo introdutório estão reportados na
inauguração. linha do tempo apresentada na figura 56. Ali podemos ver as fases de
desenvolvimento do projeto, os acontecimentos mais relevantes, a
Por ironia do destino, Magalhães Pinto não demorou no cargo e o
presença em Brasília dos principais personagens que atuaram no
sucessor, o ministro Mário Gibson Barbosa50, antes opositor
projeto e a vigência dos mandatos dos governantes e ministros das
declarado à Brasília, foi o responsável pela mudança. Pouco antes da
Relações Exteriores. A montagem da linha do tempo nos permitirá
inauguração marcada para o Dia do Diplomata, em 20 de abril de
traçar as redes de associações e mapear as controvérsias do processo,
1970, Niemeyer fez algumas alterações no edifício. Mandou demolir
como veremos no quarto capítulo.
um trecho da parede em aclive no auditório, para permitir que as
pessoas se aproximassem da mesa principal e, a pedido do chanceler,
projetou um corrimão removível na parte interna da escada helicoidal
para ser instalado durante cerimônias.

49José de Magalhães Pinto foi ministro das Relações Exteriores de 15 de março de 1967 a 30 de outubro de 1969 no governo do presidente militar Artur da Costa e Silva e
continuou no cargo de ministro no período governado pela Junta Provisória de 1969, formada depois que Costa e Silva sofreu um AVC.
50 Mário Gibson Barbosa foi ministro das Relações Exteriores de 31 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974 no governo do presidente militar Emílio Garrastazu Médici.

64
FASE DE CONCEPÇÃO FASE DE CONSTRUÇÃO
1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970
VERSÃO ETAPA DE PROJETO J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D

1 ESTUDO PRELIMINAR 1
2 ESTUDO PRELIMINAR 2
LAYOUT MRE ?
ESTUDO PRELIMINAR 3
ANTEPROJETO
3
PAISAGISMO
LAYOUT MRE
ESTUDO PRELIMINAR 4
ANTEPROJETO
EXECUTIVO
DETALHES
ESTRUTURA
4
PAISAGISMO
ILUMINAÇÃO
OBRAS INTEGRADAS
MOBILIÁRIO
LAYOUT MRE
EVENTOS RELEVANTES 1° Estudo Preliminar Inaug. de Lançamento da Assinatura Mur]nho assume Definição do Golpe civil-militar Inauguração Visita Visita Visita Inauguração
Brasília Pedra fundamental Convênio c/ Novacap Comissão de Transferência Anteprojeto Anteprojeto defini]vo da estrutura Rei Olavo NORIndira Gandhi IND Rainha Elizabeth II e transferência MRE
Início da obra 1ª recepção oficial 15.03 1° banquete oficial
abertura à visitação 17.03 Visita príncipe Akihito JP

OSCAR NIEMEYER

WLADIMIR MURTINHO

MILTON RAMOS

OLAVO REDIG DE CAMPOS

SISTEMA DE GOVERNO Presidencialismo Parlamentarismo Presidencialismo Ditadura militar

PRESIDENTE DA REPÚBLICA Juscelino Kubitschek Jânio Quadros M João Goulart M Castello Branco Costa e Silva JM Emílio Médici

PRIMEIRO MINISTRO Tancredo Neves BR H. Lima

MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES Negrão de Lima Horácio Lafer Afonso Arinos San Tiago Dantas Hermes Lima ELS Araújo Castro Vasco Leitão da Cunha Juracy Magalhães José de Magalhães Pinto Gibson Barbosa

M) Paschoal Ranieri Mazzilli


JM) Junta Militar
BR) Francisco Brochado da Rocha
ELS) Evandro Lins e Silva

Figura 56: Linha do tempo do processo de produção do Palácio Itamaraty


Fonte: do autor

65

1
1.3. Questão da pesquisa e objetivos reforçado a ideia sobre a sua centralidade na criação. Também
abordamos o desenvolvimento do projeto como uma fase de
Nesta tese, daremos continuidade à pesquisa iniciada no mestrado51,
refinamento gradual na qual a intenção criadora é mantida. Com
na qual analisamos o desenvolvimento do projeto para o Palácio
relação às colaborações, ainda que tenhamos reconhecido a
Itamaraty. Ampliamos o recorte temporal adotado na dissertação
participação de outros profissionais no processo, não estabelecemos
para tratar do processo de produção como um todo, englobando
relações que nos permitissem entender melhor essas interferências.
tanto a fase de concepção quanto a de construção do edifício. Como
A conjuntura histórica, por sua vez, foi tratada como um ‘pano de
vimos no relato apresentado no capítulo introdutório, a participação
fundo’. Por fim, nossa análise sobre a concepção arquitetônica se
de profissionais ligados ao projeto tendeu a crescer ao longo do
concentrou no projeto definitivo.
processo de produção e alguns aspectos conjunturais parecem ter sido
determinantes para a configuração final da obra. No entanto, a riqueza do material de arquivo levantado e a
reconstrução do período histórico da produção do edifício têm
Na ocasião do mestrado, o objetivo principal da dissertação havia
reforçado o nosso entendimento de que para se contar a história do
sido analisar o objeto a partir da documentação gráfica levantada e
Palácio Itamaraty é preciso dar mais atenção ao processo do que ao
escritos dos autores. Assim, sistematizamos as versões do projeto e,
produto final. Isso provocou a pergunta central que pretendemos
em seguida, tecemos algumas reflexões sobre a concepção
responder nesta tese: é possível contar essa história de outra maneira,
arquitetônica, adotando o método do “reconhecimento crítico
fazendo uma historiografia do processo?
referenciado” (COMAS, 1986) e (ZEIN, 2011), que tem por objetivo
reconhecer a obra arquitetônica a partir de uma análise do objeto em A resposta a esse tipo de pergunta exigiu a adoção de outras
si e da comparação com outras obras referenciais para “iluminar o ferramentas metodológicas com as quais não estávamos habituados,
cenário criativo em que se desenvolve nosso projeto” (ZEIN, 2011). que fossem capazes de dar suporte à análise de realidades complexas
e em constante transformação, diferentes, portanto de um ‘cenário
Fazendo referências sobretudo à obra de Niemeyer, acreditamos ter

51 BRANDÃO, op. cit.

66
criativo’ , ou de um ‘contexto’ no qual a obra se insere. artísticas, profissionais variados em um único objeto, abre a
perspectiva para o entendimento da prática arquitetônica como um
Assim, pretendemos com esta tese, contribuir para o debate em
processo de negociação. Portanto, essa abordagem não deve ser
Teoria da Arquitetura utilizando novas ferramentas de análise para o
entendida como uma cruzada contra o autor. Acreditamos que
reconhecimento de obras arquitetônicas. Espera-se com isso oferecer
reconhecer no arquiteto a sua capacidade de mediar ideias e
outras perspectivas para o estudo da história da arquitetura.
demandas, e de traduzí-las em desenhos, seja muito mais relevante

Mas qual a vantagem de concentrar a pesquisa no processo de para a comunidade do que a de um criador solitário.

produção? Afinal, não são os edifícios que deveriam nos interessar?


Como veremos no capítulo seguinte, o processo de concepção e

Por um lado, com esse tipo de enfoque, podem ermergir na pesquisa produção não consiste simplesmente na difusão de uma ideia que se

o trabalho de outros profissionais que podem ter sofrido um processo transmite por intermediários passivos. Veremos que no percurso que

de apagamento histórico por estarem subordinados a arquitetos mais uma ideia de projeto faz até a sua materialização, existem momentos

conhecidos. Por outro lado, esse tipo de pesquisa abre espaço para o de impulsionamento, de resistência, de mudanças de rota, que podem

reconhecimento de algumas obras como resultado de associações ser promovidos por outros sujeitos (arquitetos, políticos, críticos), por

entre profissionais52. objetos (equipamentos, materiais, técnicas) ou por acontecimentos


que independem da vontade criadora. São todos atores no processo
Além disso, entender como se materializa um edifício, e como esse
processo consegue acomodar diversas ideias, pontos de vista, práticas Nosso método de análise consiste em encontrar o fio de Ariadne

52Foi o caso, por exemplo, da Sessão Livre “Oscar Niemeyer: Parcerias”, coordenada por Carlos Eduardo Dias Comas e Juliano Vasconcellos, no VI Enanparq - Brasília 2020
com as seguintes comunicações: “Poética em Construção: Afluências na Obra do Berço”, de Denise Vianna Vianna e Ivan de Lima Xavier; “Valoroso desenhista. Corbu, Oscar,
Rio, 1936”, de Marcos Leite Almeida e Carlos Eduardo Dias Comas; “A Brasilidade do Amanhã. Lucio, Oscar, NY, 1939”, de Carlos Eduardo Dias Comas e Marcos Leite
Almeida; “A Sede dasNações Unidas e seus autores”, de Elcio Gomes da Silva e José Manoel Morales Sánchez; “Projetar em diálogo: Oscar Niemeyer e Milton Ramos na
produção do Palácio Itamaraty”, de Claudio R. Comas Brandão e Ana Albano Amora e “O criador e o construtor: a colaboração de João Filgueiras Lima(Lelé) nos projetos
pré-moldados de Oscar Niemeyer para a UnB”, de Juliano Caldas Vasconcellos. Foram apresentados alguns projetos nos quais Niemeyer trabalhou em colaboração com outros
profissionais: arquitetos, como Le Corbusier, Lucio Costa, João Filgueiras Lima (Lelé), Milton Ramos; integrando uma equipe, como no caso da sede das Nações Unidas; e em
diálogo com a engenharia, como no projeto para a Obra do Berço com o engenheiro Emilio Baumgart.

67
nesse emaranhado de eventos para encontrar o caminho que nos Gerência de Pesquisa do Arquivo Público do Distrito Federal. O
interessa percorrer nesse labirinto, que é a produção do Palácio livro O cerrado de casaca, do jornalista Manuel Mendes, que escrevia a
Itamaraty. coluna Correio Diplomático para o Correio Braziliense traz uma
cronologia minuciosa dos eventos a partir do ponto de vista da
O material de pesquisa é heterogêneo, consiste em: documentos
imprensa. Outros periódicos, além do Correio Braziliense, que nos
primários da época da construção: desenhos técnicos, cadernos de
auxiliaram na montagem da cronologia foram: Correio da Manhã,
especificações, cronogramas de obra e contratos; documentos
Jornal do Brasil, Diário de Notícias e Manchete.
primários da produção técnica de alguns artistas; relatos dos sujeitos
que participaram ativamente ou que acompanharam a obra; e É importante ressaltar que a quantidade de informações pesquisadas
reportagens de jornal. em jornais para esta tese não seria viável se não fosse o serviço
oferecido pela Biblioteca Nacional pela Hemeroteca Digital Brasileira.
Para a consulta dos documentos da construção foram consultados: o
O acesso democrático à Hemeroteca pela internet tem se tornado um
Arquivo Público do Distrito Federal, os arquivos do MRE e o
‘ator’ de grande importância nas pesquisas históricas, desde a sua
arquivo da família do arquiteto Milton Ramos. As fontes dos
implantação em 2008.
documentos da produção técnica do arquiteto Olavo Redig de
Campos são: o acervo do arquiteto no Instituto Moreira Salles e o Nosso objetivo principal nesta tese é contar a história da realização
arquivo histórico da Universidade Sapienza de Roma. Sobre a do edifício como resultado de um processo do qual participaram
produção da artista Mary Vieira foi consultado o acervo do crítico várias ‘atores’53, portanto não nos concentrarmos exclusivamente na
Jayme Maurício no Instituto Moreira Salles. figura de Oscar Niemeyer.

Os relatos dos autores e de terceiros fazem parte do Programa de Nossos objetivos específicos são:
História Oral, do projeto Memória da Construção de Brasília da
- Entender os diversos contextos históricos que atravessam a
53 O conceito de ‘ator’ que aparecerá frequentemente nesta tese será melhor explicado no segundo capítulo. Refere-se à abordagem adotada pela teoria do Ator-Rede, no qual
‘ator’ é qualquer coisa ou pessoa que ‘age’ no sentido de modificar certa situação.

68
produção do edifício e que interferem na sua produção. terminologia teatral, identificamos esees atores da seguinte maneira:
o Itamaraty, ou o cenário da ação; os atores principais – o criador, o
- Levantar os autores e conceitos que darão suporte à nossa análise,
comitente e o executor; e os atores coadjuvantes – artistas, críticos e a
que escrevem sobre a sociologia das associações, sobre obras
opinião pública. Essa classificação nos ajudará a título de esquema,
coletivas e sobre a relativização da autoria.
mas veremos que frequentemente, assim como no teatro ou no

- Identificar e conhecer os atores que participaram do processo de cinema, essas se misturam.

produção do Palácio Itamaraty e discutir a autoria da obra.


Em seguida, no capítulo 4, seguiremos as trajetórias dos atores em

- Cartografar as associações dos atores e as controvérsias ao longo do algumas ‘cenas’ chave para a compreensão do edifício: a definição do

processo de produção, para o qual elegeremos algumas ações que projeto, a construção do edifício, a integração das artes e a curadoria

consideramos mais significativas.! das obras e mobiliário.

Nas considerações finais, avaliaremos os resultados de nossas análises,


1.4. Apresentação dos capítulos
a validade e contribuição dessa abordagem para a historiográfica da
No capítulo 2, que segue esta introdução, apresentaremos as arquitetura, e possíveis desdobramentos da pesquisa
ferramentas que auxiliam em nossa análise do edifício.
Introduziremos então alguns conceitos como: ator e rede, simetria,
intermediários e mediadores. Conheceremos os autores referenciais
na teoria do Ator-Rede e, em seguida, discutiremos a questão da
autoria e como ela será tratada em nossa abordagem.

No capítulo 3 conheceremos os atores humanos, ou autores, e os


atores não humanos, tradicionalmente descritos como contexto ou
fatores externos, que produzem o edifício. Adotando uma

69
2

Trabalho de realização das formas da escada e laje do mezanino do Palácio Itamaraty (1965 circa). Foto: Milton Ramos
2. Caixa de ferramentas de análise tratamentos – nem sempre lícitos – que aumentam a performance
dos atletas; e até dos torcedores fanáticos que ‘empurram’ o ciclista
Podemos definir análise como a observação atenta de um objeto para
montanha acima aos gritos ou da interferência das casas de aposta.
melhor compreendê-lo. Esse trabalho consiste em ‘desmontar’ um
Para complicar nossa análise, o ciclista e sua equipe estão em
objeto, se necessário, para depois remontar as peças como estavam
movimento. (Fig. 57)
antes. Existe, portanto, para cada tipo de análise um ferramental
apropriado. Não se disseca um animal com um jogo de chaves allen,
assim como um bisturi não ajuda a montar uma bicicleta, por
exemplo. As nossas ferramentas são o texto e os gráficos.

Permanecendo em nossa metáfora ciclística, a análise processual, que


estamos propondo aqui, consiste desviar a atenção tanto da bicicleta
quanto do ciclista, como causas de um bom resultado em prova, para
olhar para o universo de uma corrida de ciclismo. Não nos interessa,
portanto, pesquisar somente as inovações tecnológicas da bicicleta, ou
procurar no ciclista – no seu potencial genético ou forma física – a
explicação para o seu sucesso. Nosso trabalho é muito mais tentar
entender o que e quem está por trás da carreira de um campeão e que
não cabe em cima do pódio.
Figura 57: Mecânico da equipe Saxo Bank ajustando a bicicleta do ciclista Fabian
Cancellara em movimento durante o Tour de France 2010
É conhecer, certamente, a qualidade da bicicleta e do ciclista, mas Foto: Pascal Pivani - Getty Images

também o papel dos treinadores, mecânicos, nutricionistas,


Assim como para se vencer um Tour é preciso bem mais do que um
cozinheiros e diretores de equipe; dos patrocinadores e fabricantes de
ciclista forte e uma boa bicicleta, a produção de um edifício tende a
bicicletas movidos por pesquisas de mercado; dos médicos e seus
reunir diversos participantes além dos arquitetos e engenheiros. Ela

71
convoca a participação de múltiplos contributos ao longo do processo: Rheingantz promoveu um debate sobre o texto “«Give me a gun and
para se resolver questões de funcionalidade, da técnica de construção, I will make all buildings move»: An ANT’s view of Architecture”, de
dos custos e prazos de execução, da sua recepção pela comunidade. Bruno Latour e Albena Yaneva. Nesse texto, Latour e Yaneva (2017)
dizem que o problema dos edifícios é que eles parecem
No caso de palácios, que são edifícios monumentais que se
extremamente estáticos para nós. Para se entender a realidade de um
distinguem de outros porque o seu caráter simbólico e representativo
edifício, afirmam os autores, seria necessário criar algum dispositivo
tem tanto ou mais valor do que as questões práticas que envolvem a
semelhante ao fuzil cronofotográfico inventado por Étienne-Jules
sua construção, essa participação múltipla é ainda mais complexa.
Marey em 1882 para analisar o movimento de animais e humanos,
Nestes casos, somadas às responsabilidades da autoria sobre as
captando-o em uma única imagem (figs. 58 e 59).
decisões técnicas e artística do projeto, existem os interesses dos que
são representados pelo edifício. O problema em se encarar edifícios como objetos estáticos, afirmam
Latour e Yaneva (2017), é que nós não vivemos no espaço euclidiano
Para tratar de questões complexas como a produção de edifícios
representado nos desenhos, e assim muitas dimensões do projeto
representativos, encontramos na teoria do Ator-Rede (ANT) um
ficam de fora. Onde aparecem, por exemplo:
ferramental importante para mapear como interesses múltiplos, e às
vezes conflitantes, sobre um objeto, atuam durante a sua produção, e […] os clientes irritados e suas demandas às vezes
conflitantes? Onde você insere as restrições legais e
que nos auxiliarão em nossas reflexões e análise. urbanísticas? Onde você localiza o orçamento e as
diferentes opções de financiamento? Onde você coloca a
O contato com esse novo ferramental teórico começou no início do logística das muitas negociações sucessivas? Onde você
situa a avaliação sutil de profissionais qualificados versus
curso de doutorado, durante a disciplina “Teoria e prática do ensino
não qualificados? Onde você armazena as várias maquetes
de projeto de arquitetura”, quando o professor Paulo Afonso que você teve que modificar para absorver as demandas

72
contínuas de tantos atores conflitantes – usuários,
comunidades de vizinhos, preservacionistas, clientes,
representantes do governo e autoridades municipais?
(LATOUR; YANEVA, 2017, p. 81, trad. nossa)54

A provocação feita por Latour e Yaneva parecia conversar


diretamente com nossa pesquisa e com as questões que surgiram
durante o mestrado. As ferramentas metodológicas que eles oferecem
podem nos ajudar a mostrar as várias dimensões que implicaram na
Figura 58: Fuzil Cronofotográfico de Marey. construção do Itamaraty.
Foto: Rama (Creative Commons) <https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Chronophotographic_gun-CnAM_16955-IMG_5275-white.jpg> acesso em 11 ago.
Bruno Latour e Albena Yaneva, assim como outros autores que
veremos adiante, integram o campo de estudos conhecido como
Ciência Tecnologia e Sociedade, CTS, ou Estudos Sociais em
Ciência e Tecnologia, ESCT, dependendo da fonte. Esses autores
buscam entender a construção do conhecimento e a produção
tecnológica a partir da observação dos seus processos, em uma
perspectiva de construção coletiva, ou social. Suas pesquisas se
caracterizam pela abordagem da ciência e tecnologia “[…] não como
provenientes de uma natureza ou realidade pré-existente, e sim como
Figura 59: Cronofotografia de uma garça durante o vôo (c. 1883-87).
Foto: Étienne-Jules Marey. Domínio público realização da prática humana, como um movimento incessante de

54 […] the angry clients and their sometimes conflicting demands? Where do you insert the legal and city planning constraints? Where do you locate the budgeting and the
different budget options? Where do you put the logistics of the many successive trades? Where do you situate the subtle evaluation of skilled versus unskilled practitioners?
Where do you archive the many successive models that you had to modify so as to absorb the continuous demands of so many conflicting stakeholders—users, communities of
neighbors, preservationists, clients, representatives of the government and city authorities?

73
entrechoques e acomodações entre atores, princípios teóricos e dados captar o processo, digamos o vôo do edifício, é variado: desenhos,
empíricos.” (PREMEBIDA; NEVES; ALMEIDA, 2011, p. 28-29) depoimentos, artigos de jornais e revistas, diagramas, entre outros.

Dentre esses estudiosos, adotaremos como referencial teórico, os que De acordo com Bruno Latour (1994, 2016), a história das ciências e
trabalham com a teoria do Ator-Rede, cuja sigla em inglês é ANT, das técnicas costuma abordar a criação de objetos técnicos e
especialmente Bruno Latour55, um de seus fundadores, e Albena descobertas científicas a partir do seu resultado final, sem levar em
Yaneva, que adota a teoria no ensino e pesquisa da arquitetura. Em consideração o atribulado processo que leva a esse resultado, quase
comum, esses autores defendem que a produção do conhecimento sempre cheio de recuos, mudanças de direção, imprevistos e até
científico e de objetos técnicos – entre os quais os edifícios – se dá mesmo golpes de sorte.
em relações simétricas nas quais se associam entidades heterogêneas:
Inicialmente, é precisamos apresentar a teoria Ator-Rede (ANT),
humanas e não-humanas, que veremos adiante.
suas acepções e sua contribuição para a análise do processo de
O dispositivo utilizado para captar o processo de produção do produção do Palácio do Itamaraty. Assim, achamos necessário
edifício, o nosso ‘fuzil cronofotográfico’, é sobretudo o relato textual. explicar o conceito de simetria e a sua importância para a ANT; em
De acordo com Latour (2012, p. 187) “Os relatos textuais são o seguida, discutiremos a questão da autoria e como será abordada em
laboratório do cientista social; e, se a prática laboratorial pode servir nossa análise.
de guia, é em virtude da natureza artificial do lugar que a objetividade
consegue ser alcançada, desde que artefatos sejam detectados graças a
uma atenção contínua e obsessiva”.

Para a produção do texto, os instrumentos que que nos permitirão

55 Entre os propositores da ‘teoria do Ator-Rede’, em português TAR ou ‘Actor Network Theory’, ANT, podemos citar os professores da École des mines de Paris: Bruno Latour,
Michel Callon e Madeleine Akrich e o sociólogo inglês John Law. Nesta tese manteremos o acrônimo em sua forma original inglesa pois, como afirmam os revisores técnicos
Iara Maria de Almeida Souza e Dário Ribeiro de Sales Júnior na apresentação da tradução brasileira de Reassembling the social: an introduction to Actor-Network-Theory,
de Bruno Latour, o autor se compara a uma formiga (ant em inglês): “míope, viciado em trabalho e farejador de trilhas.” (LATOUR, 2012, p. 11).

74
2.1. A teoria do Ator-Rede, ou sociologia das traduções determina a outra.”

A simetria está no cerne da metodologia de pesquisa na teoria do Nesse mesmo sentido, de acordo com Albena Yaneva (2022, p. 11):
Ator-Rede. Parte-se do princípio que o ‘social’ é um conjunto
heterogêneo de entidades, humanas e não-humanas, que podem Uma distinção decorrente do assentamento Natureza-Sociedade é
aquela que separa os sujeitos dos objetos. De acordo com Latour, a
performar determinadas ações em associação. Por esse motivo a ANT distinção sujeito-objeto é irrelevante. Em vez disso, ele sugere o uso
também é chamada por seus fundadores de ‘sociologia das do termo não-humano para substituir o de objeto e ampliar seu
escopo. Os não-humanos podem incluir objetos, animais,
associações’, ou ‘sociologia das traduções’. divindades, tecnologias, regulamentos e podem ser participantes
ativos na vida social, assim como sujeitos. […] A sugestão de
De acordo com Rodrigo das Neves Costa (2019), o esforço da ANT Latour é enriquecer os debates sobre a modernidade prestando
muita atenção aos modos como o humano e o não-humano são
está em combater a noção de que as relações sociais devam ser acoplados na prática; e restabelecer a simetria entre eles,
explicadas por uma macro-estrutura – cultural, histórica, ou de convocando antropólogos simétricos a colocar em primeiro plano o
que ele chama de trabalho de mediação e tradução.
classes – ao passo que a natureza deva ser explicada por leis
científicas. Para os teóricos da ANT, a noção de simetria consiste em Com isso, Latour se opõe ao princípio de assimetria na definição de

“não conceder privilégios explicativos à sociedade, à tecnologia ou à sociedade que Émile Durkheim faz em Regras do método sociológico e

natureza” (COSTA, 2019, p. 50). que é citada por Latour (2012):

Essa noção, portanto, contrastaria, segundo Latour (2019), com a Além dos objetos materiais incorporados à sociedade, devem ser
considerados os produtos de uma atividade social prévia: leis,
divisão moderna entre sociedade e natureza, segundo a qual o que é costumes estabelecidos, obras literárias e artísticas etc. Mas, é claro,
os impulsos que determinam as transformações sociais não provêm
verdadeiro, ou absoluto, pode ser explicado pelas leis da natureza e o
nem do material nem do imaterial, pois nenhum deles possui força
que é falso, ou relativo, pela sociedade. Como explica Rodrigo Costa motriz [puissance motrice]. […] São a matéria sobre a qual agem as
forças sociais da sociedade; mas, por si próprias, não liberam
(2019, p. 50), o princípio de simetria defendido por Latour, “sugere
nenhuma energia social [aucune force vive]. Como fator ativo, então,
que tanto natureza quanto sociedade devem ser explicadas a partir de só o que permanece é o meio humano. (Durkheim apud Latour,
2012, p. 110. Grifos do autor)
um quadro comum e geral, em que uma não necessariamente

75
Latour (2012) advoga que a explicação do social deve emergir da 60, no qual o autor identifica três abordagens da sociedade. A
observação, acompanhando o desenrolar das ações, e não o contrário. primeira é a assimetria, que separa as ciências sociais das naturais,
Segundo ele, não são existe uma ‘sociedade’ lá fora e nem mesmo uma regida por relações entre humanos e a outra, absoluta, regida por
uma ‘natureza’ dentro da qual e sobre a qual agimos. Objetos e ‘leis’ da natureza e, portanto sempre verdadeiras. A segunda é o
humanos podem agir ou, em outras palavras, têm ‘agência’, e toda primeiro princípio da simetria, formulado por David Bloor, que
entidade, seja ela humana ou não, que participa da ação, ou seja, que defende que tanto as crenças falsas quanto as verdadeiras têm uma
transforma uma situação, é considerada um ‘ator’. explicação social. E a terceira abordagem, o princípio da simetria
generalizada, é que tanto natureza quanto sociedade precisam ser
Uma das características da ANT está em convocar outros ‘atores’ na
composição do social, admitindo que o ‘social’ é composto por
Polo natureza Polo sujeito/sociedade

entidades heterogêneas, atores humanos e não-humanos, adotando


Explicagdes
uma nova postura metodológica. A modernidade, afirma Latour O que e verdadeiro Oque e falso
assIMetricas

(2019), que teria por objetivo separar cultura e natureza em um e explicado e explicado

pela natureza pela sociedade

processo de ‘purificação’, acaba produzindo cada vez mais híbridos de


humanos e não-humanos. Primeiro

principio
de simetria

Yaneva (2022, p. 36) diz que: A natureza nao explica Tanto o que e verdadeiro

nemo que e falso quanto o que e falso

nemo que e verdadeiro sao explicados pela sociedade


O princípio da simetria é crucial para seu argumento [de Latour].
Implica tomar uma posição no meio dos acontecimentos de onde A natureza ea sociedade
Principio
se pode prestar atenção simultaneamente tanto aos humanos precisam ser explicadas de simetria

quanto aos não humanos, permitindo a proliferação de híbridos. generalizada


Isso significa situar-nos, como fizemos, no meio de uma A explicagao parte
controvérsia ou no curso de uma prática de design dos quase- -objetos

O princípio da simetria é explicado por Latour no diagrama da figura Figura 60


Fonte: LATOUR, 2019, p. 119

76
explicados por uma regra comum. (LATOUR, 2019) uma parede de tijolos: só se separarão de novo depois que a parede
estiver terminada. Mas, durante a construção, não resta dúvida de
que estão conectadas. (LATOUR, 2012, p. 113)
Isso não significa, no entanto, admitir que humanos e não humanos
agem da mesma maneira. O que se pretende com a ANT é Seu objetivo, nesse caso, não é tomar a força da gravidade como um
enriquecer as relações sociais ao admitir que os objetos também têm simples dado de fato, uma ‘lei’ superior da natureza. A força da
participação nos processos. gravidade, nesse exemplo, torna-se questão de interesse a partir do
momento em que passa a modificar o comportamento dos operários.
Para Latour (2012, p. 114)
Ela os faz agir em função das condições físicas que se impõem contra
A ANT não é – repito não é – a criação de uma absurda ‘simetria
entre humanos e não humanos’. Obter simetria, para nós, significa a sua força de trabalho, o peso dos tijolos, mas deixa de exercer sua
não impor a priori uma assimetria espúria entre ação humana ‘força’ , portanto deixa de ser um ‘ator’, quando o trabalho termina, e
intencional e mundo material de relações causais.
volta a ser apenas uma lei natural.
Latour (2012) argumenta que, apesar da incomensurabilidade entre
os modos de ação materiais e aqueles tradicionalmente concebidos A força da gravidade, neste caso, pode ser convocada como ‘ator’ para

como sociais, não se deve separar a priori a agência dos humanos e explicar a inércia social em certas situações de trabalho e não em

dos não humanos em uma determinada situação. A título de outras. Cabe ao pesquisador, portanto, identificar quais são

exemplo, ele explica a associação entre trabalhadores, tijolos e a força efetivamente os ‘atores’56, de acordo com a situação investigada.

da gravidade para se construir uma parede:

A inércia social e a gravidade física talvez pareçam desconexas, mas


não precisam sê-la quando uma equipe de trabalhadores constrói

56 Latour adota também o termo ‘actante’, ou ‘atuante’, como recurso técnico emprestado da teoria linguística. De acordo com o teórico lituano Algirdas Julius Greimas (1917-1992), em sua
análise de mitos e fábulas tradicionais, as ações dos atores podem ser classificadas em algumas categorias semânticas: sujeito, ajudante e opositor, do lado de quem pratica a ação, e objeto,
destinador e destinatário, do lado que quem a recebe. ‘Actante’, portanto, é alguém ou alguma coisa que participa da ação narrativa em uma dessas funções, enquanto ‘Ator’ é a encarnação do
‘actante’ em uma situação específica (MARCHESE, 1990). Nós preferimos adotar somente o termo ‘ator’ e deixamos claro que em nossa abordagem, os ‘atores’ nunca estão de fora do processo
ação.

77
2.2. Ator e Rede Dando sequência à metáfora teatral, Latour explica que:

Assim, em nosso estudo decidimos ampliar nosso leque participantes, Tão logo se inicia a peça, como Erwin Goffman demonstrou tantas
que na ANT são denominados de ‘atores’, no processo de produção vezes, nada mais se sabe ao certo: é real? É falso? A reação do
público conta para alguma coisa? E quanto à iluminação? Nos
do Itamaraty. Admitimos em nosso estudo, que o processo de bastidores, o que o elenco está fazendo? A mensagem do autor foi
produção do edifício não é configurado somente por seus criadores transmitida fielmente ou completamente deturpada? A personagem
principal se deixou levar por alguém? Nesse caso, por quem? Que
consagrados, mas também pela ação da crítica de arquitetura, da fazem os coadjuvantes? Onde está o ponto? Se quisermos
política interna e externa, da instituição MRE, dos diplomatas e dos desdobrar a metáfora, a própria palavra ator desvia nossa atenção
para um total deslocamento da ação, advertindo-nos de que esse
outros artistas e técnicos. E, além desses, ao assumirmos a concepção não é um caso coerente, controlado, bem acabado e bem delineado.
latouriana de que os objetos também têm agência: desenhos,
Para a Latour (2012, p. 108) “qualquer coisa que modifique uma
maquetes, condicionantes materiais, etc., serão tratados com maior
situação fazendo diferença é um ator”. Desse modo, a distinção entre
interesse em nossas análises.
sujeito e objeto não faz sentido.
De acordo com Bruno Latour (2012, p. 75) “O ‘ator’, na expressão
Ator e rede coexistem, daí o motivo do hífen. Não há ator sem ação,
hifenizada ‘ator-rede’, não é a fonte de um ato e sim o alvo móvel de
assim como não há uma rede preestabelecida esperando que os atores
um amplo conjunto de entidades que enxameiam em sua direção.” A
ocupem seus pontos de intersecção. Uma rede se forma somente e
adoção do termo, portanto, deve ser apreendida em sua
partir das associações entre atores, da criação de conexões.
multiplicidade de sentidos, assim como acontece na estrutura
narrativa dos textos teatrais. Diz Latour: A rede, afirma Latour (2012, p. 189, grifo do autor) “não designa um
objeto exterior com a forma aproximada de pontos interconectados,
Não é por acaso que essa expressão [ator], como ‘personagem’, foi
tirada do palco. Longe de indicar uma fonte pura e singela da ação, como um telefone, uma rodovia ou uma ‘rede’ de esgoto. Ela nada
ambas remetem a enigmas tão antigos quanto a própria instituição mais é do que um indicador da qualidade de um texto sobre os tópicos à
do teatro – como Jean-Paul Sartre mostrou em seu célebre retrato
do garçon de café, que já não sabe a diferença entre seu “eu mão.” A palavra, confessa Latour (ibid.), não é a mais adequada
autêntico” e seu “papel social”. (Ibid.) porque pode se confundir com as redes técnicas: metroviária ou

78
elétricas, por exemplo; ou com organizações: empresas, mercados e Yaneva (2022, p. 35) explica que:
países. Ainda assim, os teóricos da ANT mantém o seu uso na forma
Se, segundo o modelo de difusão, existem poucos cientistas
composta ator-rede. Diz Latour:. trabalhando, debatendo e compartilhando ideias porque são únicos,
talentosos, 'sobre-humanos', no modelo da tradução, se existem
Portanto, rede é uma expressão para avaliar quanta energia, poucos cientistas, é porque existe uma rede que prolonga o seu
movimento e especificidade nossos próprios relatos podem incluir. trabalho. Existem outros atores e massas perdidas, que os ajudam
Rede é conceito e não coisa. É uma ferramenta que nos ajuda a ou os desviam. A noção de redes nos ajuda a entender como tão
descrever algo, não algo que esteja sendo descrito. (LATOUR, poucos atores conseguem cobrir o mundo […] A emergência de
2012, p. 192) Intermediários e mediadores uma ‘sociedade’ ou de uma ‘cultura’ é consequência da construção de
redes mais longas que nos fazem cruzar caminhos seguidos por
A noção de rede, explica Albena Yaneva (2022), contrasta com o outros.
‘modelo de difusão’ do conhecimento, no qual as ‘descobertas Assim, Bruno Latour (2012) advoga que a força social deve ser
científicas’ são localizadas e centradas em alguns humanos (ibid.) e, explicado e não servir de explicação para uma determinada situação,
em seguida, difundidas na sociedade. De acordo com esse modelo, partindo de conceitos formulados a priori. Portanto, ao invés de
passam a ser questões para a ciência: identificar o impacto das ‘forças’ sociais ou do poder político na obra

[…] alocar influência, prioridade e originalidade entre os grandes


que estamos estudando, nos concentraremos no processo de produção
cientistas e a quem atribuir a descoberta têm preocupado os do edifício, para daí chegar às conclusões sobre o resultado que
debates da história da ciência por muito tempo. A única explicação
razoável de novidade para eles está no iniciador, aquele que conhecemos. Por processo de produção, entendemos a sequência de
primeiro teve a ideia e cujo gênio ganha dimensões mitológicas. eventos que engloba desde uma fase inicial de concepção do edifício
(YANEVA, 2022, p. 30)
à fase conseguinte de construção.
Em contraposição ao ‘modelo de difusão’, os ‘modelos de tradução’ ou
de ‘rede’ nos ajudam a entender como ideias, conceitos e teorias se A arquitetura, em nossa abordagem, é entendida como uma produção

afirmam não pela natureza de suas descobertas, mas pela sua força em rede, e muitos indicadores da formação dessa rede pode ser visto

em formar consensos e de estabilizar controvérsias. Isso não ocorre no projeto. O projeto não é algo que deixa de ter valor, em suas fases

em um modelo de difusão, mas depende da formação de redes. anteriores à definição, uma vez que o objeto é construído. Ele é o

79
fórum de negociações que guarda os vestígios de participação de relevância central para o entendimento de como as ações se
atores variados, as controvérsias que surgiram no processo e como desenrolaram. Tratar o projeto como mediador é entender o seu papel
foram estabilizadas. de ator no processo de produção do edifício.

Segundo Latour (2012, p. 64) “[…] faz grande diferença se os meios Alguns historiadores entendem que a concepção moderna do
de produzir o social são encarados como intermediários ou mediadores. arquiteto, como um trabalhador intelectual, remonte ao Renascimento.
No início, a bifurcação parece insignificante, mas por fim nos Foi nesse período que as representações gráficas em escala ganharam
conduzirá a territórios diferentes.” importância e que o desenho passou a mediar as relações de trabalho
no canteiro de obras.
Em outras palavras, encarar o projeto como ‘intermediário’ significa
compreendê-lo como uma unidade, mesmo que o seu desenvolvimento O arquiteto florentino Antonio Averlino, o Filarete (1400-1469),
seja complexo e controverso. Um intermediário, na concepção de comparava o edifício à criação conjunta de um filho. Diz Filarete:
Latour (2012) é um simples transmissor de informações e, uma vez
Tu talvez pudesses dizer: me disseste que o edifício se assemelha ao
que seu trabalho está concluído, pode ser encerrado em uma ‘caixa homem; então, se assim é, é necessário gerar e depois dar à luz
preta’, arquivado e até mesmo esquecido. como o homem.

A concepção de um edifício ocorre da seguinte forma: por si só,


Podemos dizer, portanto, que um ator está mais próximo da função ninguém pode gerar outro [um filho] sem a mulher, e da mesma
de ‘mediador’ do que de ‘intermediário’. forma o edifício não pode ser criado [creato] por um só.

Da mesma forma que sem a mulher não se gera um filho, também


Quando o desenho, por sua vez, é encarado como um ‘mediador’ e aquele que quer edificar necessita de um arquiteto. […] O arquiteto
passamos a entendê-lo como um lugar de negociações e não como vem a ser a mãe do edifício.
um mero veiculador de mensagens. Abrir os desenhos, nesse caso, é Mas antes de pari-lo, assim como a mulher carrega o filho por nove
como abrir a caixa preta de um avião após um acidente, aquilo que ou sete meses em seu corpo, também o arquiteto deve fantasiar,
pensar e amadurecer o edifício na memória com diversas
seria simplesmente esquecido – quando tudo dá certo – passa ter possibilidades por nove ou sete meses, e deve fazer vários desenhos
em pensamento em respeito à geração que fizera com o patrono,

80
segundo a sua vontade. Pois assim como a mulher, aqui também negociações entre uma grande variedade de atores. (CALLON,
sem o homem nada se faz […] (FILARETE apud PEDRO, 2011, 1996, p. 28) 58
p. 86-87)
Segundo Callon, o projeto sofre modificações constantes durante
Para Filarete, o domínio da representação gráfica era um instrumento
todo o processo, desde os primeiros estudos. Já durante a obra, as
indispensável, não somente para ver o edifício por completo antes de
modificações somente mudam de substância, deixam de acontecer no
se construir, aumentando o seu controle sobre a obra, mas sobretudo
papel e passam para materiais menos flexíveis. Callon (1998) aponta
por permitir a inclusão do comitente nas decisões de projeto antes do
dois motivos para evitar a separação entre trabalho intelectual e o
início da construção (PEDRO, 2011).
material.

De acordo com Sérgio Ferro, em sua análise materialista histórica


O primeiro é que a prática de projeto, com suas idas e vindas está
sobre o trabalho no canteiro de obras, a relação entre desenho e
sujeito a modificações imprevisíveis e não lineares. Verdadeiras
canteiro no modo de produção capitalista é despótica, o desenho
reviravoltas podem acontecer, ideias são abandonadas com grande
“[…] chega pronto e de fora” (FERRO, 2006, p. 108), mas alguns
facilidade e isso é mais comum do que em outras disciplinas
autores contestam essa visão.
(CALLON, 1998). O autor sustenta que, as ideias não seguem um

Para Michel Callon (1998), no texto “O trabalho da concepção em fluxo claro de refinação ao longo do processo. “O ponto de partida,

arquitetura”57: assumindo que esta noção tem um sentido, é muitas vezes banal,
convencional e consensual: é um prisioneiro
É difícil, senão impossível, atribuir a uma pessoa, ou a um pequeno
grupo de indivíduos, a paternidade de um projeto. Essa é uma do estado de coisas ou pior das utopias compartilhadas.”59 (Ibid. p.,
realidade composta, alcançada por meio de uma série de
26.) As controvérsias, no entanto, se avolumam a medida em que o

57 Cf. CALLON, Michel. “Le travail de conception en architecture”. In: Situations - Les cahiers de la recherche architecturale, 37, n. 1, 1996. 25-35.
58 Tradução de: Il est difficile, voire impossible, d'attribuer à une personne, ou à un petit groupe d'individus, la paternité d'un projet. Celui-ci est une réalité composée, obtenue à travers une
série de négociations entre une grande variété d'acteurs.
59 Tradução de: Le point de départ, a supposer que cette notion ait un sens, est souvent banal, conventionnel et convenu : il est prisonnier de l'état des choses ou pire des utopies partagées.

81
projeto avança. “Na discussão, na interação, no confronto entre ou humana, ou de uma intenção, digamos pura, do arquiteto. Fato
pontos de vista antagônicos e incompatíveis, nascem formas e está, que mesmo durante a obra, o projeto admite a participação de
associações radicalmente novas e do confronto de pontos de vista outros atores em um processo de negociação contínua. As
discordantes.”60 (Ibid., p. 27.) Com essas afirmações, Callon defende observações empíricas, como explica Callon (1998, p. 27), mostram
que o entendimento de concepção como a fase inicial de se colocar as que não há divisão clara entre concepção e obra:
ideias no papel, geralmente centrada em uma ou poucas pessoas,
As transformações nunca terminam. Elas se tornam mais difíceis,
deveria ser deslocado para a fase de desenvolvimento, que é quando não porque de repente os atores perdem sua inspiração ou –
os problemas de projeto se apresentam e passam a interessar um insinuação mais perversa – porque passamos da esfera dos criadores
para a dos executores sem imaginação, mas mais simplesmente
número bem maior de ‘atores’. porque os materiais sobre os quais as transformações poderiam e
deveriam se relacionar são mais robustos, mais massivos, mais
A segunda razão para se abandonar a oposição entre concepção e compactos: uma vez que o concreto armado é derramado, as
escolhas, endurecidas, tornam-se irreversíveis. Certamente ainda
construção, “é a distinção que ela tende a fazer entre ideias e práticas podemos reorganizar, recombinar, reconfigurar, mas o preço a pagar
materiais, sendo estas consequência daquelas”61 (ibid.). em esforço e em engenhosidade é alto.62

Com essa afirmação, Callon sustenta que as mudanças realizadas em


Não se pode afirmar de antemão se as modificações em projeto, no
obra não são menos inventivas do que as mudanças no papel, são
curso da obra, partem de uma ‘exigência’ do canteiro, seja ela material
simplesmente de outra natureza, exigem outros conhecimentos, e têm

60Tradução de: Dans la discussion, dans l'interaction, dans la confrontation entre des points de vue antagonistes et incompatibles, naissent des formes et des associations radicalement
nouvelles
61 Tradução de: est la distinction qu'elle tend a accréditer entre idées et pratiques matérielles, les secondes étant la conséquence des premières.
62 Tradução de: Les transformations ne s'arrêtent jamais. Elles deviennent plus difficiles, non pas parce que les acteurs perdent soudain leur inspiration ou, insinuation plus méchante, parce
que l'on passe de la sphère des créateurs à celle des exécutants sans imagination, mais plus simplement parce que les matériaux sur lesquels les transformations pourraient et devraient porter
sont plus robustes, plus massifs, plus compacts: une fois le béton armé et coulé, les choix qu'il durcit deviennent irréversibles. On peut certes encore réaménager, recombiner, reconfigurer, mais
le prix à payer en efforts et en ingéniosité est élevé.

82
outras densidades. Diz o autor: mensagens escritas em 1959 por operários da obra do Palácio do
Congresso em Brasília, em um vão técnico entre lajes.
A oposição entre as ideias e sua execução, os projetos e sua
realização, é um efeito produzido pelos gradientes de resistência
dos materiais nos quais trabalhamos. A folha de papel, leve como
A participação desses indivíduos na obra poderiam ser explicadas
uma pluma, estimula e solicita a imaginação; o bloco de cimento como massa anônima ou força de trabalho. Mas, após as descobertas
lhe pesa e desencoraja.63 (Ibid., trad. nossa)
feitas durante obras de reparo da estrutura em 2011, essa massa de
De acordo com esse ponto de vista, torna-se difícil sustentar a tese trabalhadores ganhou nome e sobrenome, quando as suas mensagens
que o projeto chegue pronto e de fora, com o faz Sérgio Ferro (2006). escritas no concreto vieram à luz. (fig. 61)
Isso não significa assumir a participação dos operários durante a fase
de concepção do edifício e nem minimizar os problemas decorrentes Em termos práticos, nesta pesquisa, trataremos de entender as

da exploração da força de trabalho no canteiro de obras. relações entre a obra construída e fatores normalmente tratados como
‘externos’ na obra, mas que atuam na configuração do resultado final,
Trata-se de encarar a obra construída como resultado de várias tais como: o tipo de contrato de execução, a disponibilidade material
traduções e manter a incerteza quanto à origem das ações. As e tecnológica, os recursos humanos empregados na obra. Trataremos
informações não viajam incólumes da demanda do comitente, também de mostrar como a própria evolução da obra – com todas as
passando pela cabeça do arquiteto e daí para o papel e, em seguida questões que passam a exigir do projetista novas soluções – atua na
detalhada para ser construída em um esquema de pirâmide, de cima conformação definitiva do edifício.
para baixo. Elas passam por processos de mediação e transformações
em um caminho bem mais complexo. A relação entre desenho e canteiro em uma obra qualquer é de tipo
iterativo, ou seja, quando o resultado de uma operação fornece
Até mesmo o operário que está na escala mais baixa da hierarquia de elementos para a operação sucessiva em um problema. A concepção,
uma obra pode ser considerado um ator. Vejamos, por exemplo, as nesse caso, está sempre em discussão, pois necessita atender a

63 L'opposition entre les idées et leur exécution, les projets et leur réalisation, est un effet produit par les gradients de résistance de materiaux sur lesquels on travaille. La feuille de papier,
Iégère comme une plume, stimule et sollicite l'imagination ; le pesant parpaing Ia leste et Ia decourage.

83
demandas cada vez mais numerosas.

No projeto do Itamaraty, isso fica bastante evidente quando


analisamos a linha do tempo já apresentada na figura 56. Ali,
notamos que a maior parte dos desenhos foi produzida durante a fase
de construção. Seria simplesmente falta de tempo? Ainda que seja
possível – mas injustificável, visto o prazo alongado de projeto – é
mais provável que o próprio desenrolar da obra estivesse
demandando por novas soluções de projeto.

De maneira geral, quando concentramos nosso estudo na obra


construída, todo o percurso que leva ao edifício resultante pode ser
reduzido a uma sequência de etapas que tende a minimizar a Figura 61: Inscrições feitas à lápis pelos operários José Silva Guerra (22/04/1959) e por
Messias […] (18/09/1959) no interior de um ambiente técnico do Palácio do Congresso
complexidade do processo e dar um sentido definido à sequência de Fonte:<https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/candangos-deixam-
mensagens-escritas-nas-lajes-do-predio-do-congresso> acesso em 12/08/2022
etapas. Esquematicamente, podemos descrever essa sequência da
seguinte maneira: croquis > estudo preliminar > anteprojeto > projeto busca pela origem de certas soluções e de quem as criou do que o
executivo > projetos complementares > construção > edifício entendimento do que está por trás delas, tais como: demandas do
concluído. Nesse tipo de esquema, as etapas intermediárias podem cliente, restrições orçamentárias, capacidade técnica da mão de obra,
ser esquecidas, uma vez que interessam as ideias iniciais do arquiteto disponibilidade de materiais, experiência do arquiteto, etc. O projeto,
e o edifício concluído – não por acaso é assim que muitas vezes as visto desse modo, é mais um intermediário do que um mediador. Ele
obras de arquitetura são apresentadas ao público. É como acontece de funciona como um canal no qual as informações são transmitidas
acordo com o ‘método difusor’ da ciência. entre o arquiteto e a obra, se possível, com o mínimo de interferência.

O interesse pelo projeto, segundo esse método, está mais ligado à Por outro lado, quando desviamos nosso foco para o processo de

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produção – que em nossa abordagem inclui a concepção e a proposta de análise feita por Michel Foucault (2001).
construção – e admitimos que o projeto é questão de interesse para
vários atores além dos arquitetos, surgem algumas questões cruciais, 2.3. Qual é a origem da ação
de caráter não somente teórico, mas que tem implicações práticas Adotar a abordagem do ator-rede para tratar da produção de um
para a história da arquitetura e para a conservação do edifício. edifício pressupõe entender que os atores, a princípio, não são
condicionados por ‘forças externas’, às quais se sujeitam ou contra as
Do ponto de vista histórico, como definir a data original do projeto,
quais lutam. Vejamos, por exemplo, como Giulio Carlo Argan
devemos nos referir ao estudo que mais se parece com o edifício
entendia a função do arquiteto, no texto “Projeto e destino”, de 1965:
construído ou ao primeiro realizado? A quem se deve atribuir a
autoria da obra, ao arquiteto principal, ao coletivo de arquitetos, aos Há notoriamente forças externas (para citar uma: a especulação
arquitetos e artistas cujas obras integram o edifício? O que é a obra, a imobiliária) que tentam desviar o plano, dirigindo a um interesse
particular um trabalho que, tendo no princípio a "simpatia”
arquitetura do edifício ou o conjunto arquitetura e obras de arte?
sociológica, deveria ser feito para a coletividade. Quando as forças
Quem deve decidir sobre o edifício, o seu criador ou o seu comitente? externas prevalecem, o plano trai as razões e as finalidades
institucionais do planejamento: a falência do projeto abre a porta à
Quando examinamos o processo de produção do Itamaraty, desordem do destino.

constatamos que sua evolução é bem diferente de uma sequência linear. […] O projetista que elabora um plano lutando contra as forças que
tentam impedi-lo de projetar para a coletividade determina a própria
É cheia de interrupções, desvios e retomadas; caracterizada pela
metodologia como comportamento de luta contra aquelas forças.
crescente entrada de novos atores, como podemos ver na figura 62. Não se projeta nunca para, mas sempre contra alguém ou alguma
coisa: contra a especulação imobiliária e as leis ou as autoridades que
a protegem, contra a exploração do homem pelo homem, contra a
Para dar conta da complexidade do nosso objeto de estudo e tentar
mecanização da existência, contra a inércia do hábito e do costume,
dar resposta a algumas questões colocadas acima, apresentaremos a contra tabus e a superstição, contra a agressão dos violentos, contra a
adversidade das forças naturais; sobretudo projeta-se contra a
seguir alguns temas já pesquisados por outros autores, como o que é
resignação ao imprevisível, ao acaso, á desordem, aos golpes cegos dos
ator e rede na visão de Bruno Latour (2012) e, a partir disso, como acontecimentos, ao destino. Projeta-se contra a pressão de um
passado imodificável, para que sua força seja impulso e não peso,
podemos colocar em questão a autoria, levando em consideração a senso de responsabilidade e não complexo de culpa. Projeta-se para

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Figura 62: Diagrama que representa o processo de desvios e composição durante a concepção do Itamaraty.
Fonte: do autor

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algo que é, para que mude; não se pode projetar para algo que não é; pressurosamente que os atores talvez não saibam o que fazem
não se projeta para aquilo que será depois da revolução, mas para enquanto nós, cientistas sociais, conhecemos a existência de uma
revolução, portanto, contra todo tipo de conservadorismo. (ARGAN, força social capaz de ‘obrigá-los’ a fazer coisas sem querer.
2001, p. 53, grifos nossos)
Manter a postura de incerteza quanto à origem das ações conduz
Na ótica de Argan o sujeito criador é aquele que luta para defender a
nossa pesquisa em duas direções. A primeira é uma tendência ao
sua criação. Mas quando assumimos que os sujeitos criadores são
apagamento do contexto como força motriz da história, a segunda é
somente alguns dentre outros atores, essa lógica pode ser
o apagamento do autor como fonte da ação criativa.
questionada. Antes de atribuir a criação exclusivamente ao arquiteto,
no embate que se dá entre a intenção criativa e as forças externas, é Sobre essa primeira tendência, procuramos demonstrar que não há
preciso hesitar quanto à origem da ação criativa, como afirma Latour um contexto histórico atuando como força condicionante do projeto.
(2012, p. 74, grifo do autor): Em nossa abordagem, o contexto histórico é tratado como um ator
que transforma e se transforma durante o processo de produção do
A ação deve permanecer como surpresa, mediação, acontecimento.
É por esse motivo que devemos começar, também aqui, não da
edifício.
‘determinação da ação pela sociedade’, das ‘habilidades de cálculo
dos indivíduos’ ou do ‘poder do inconsciente’, como em geral Sendo assim, evitamos explicar o Palácio Itamaraty apenas como
faríamos, mas da subdeterminação da ação, das incertezas e
parte de uma experiência mais ampla de Brasília, ou da arquitetura
controvérsias em torno de quem e o quê está agindo quando ‘nós’
entramos em ação – e não há, é claro, nenhuma maneira de decidir moderna brasileira, pois isso acarreta em um esforço para dar certo
se essa fonte de incerteza reside no analista ou no ator.
sentido e unidade a essas experiências. Nos interessa, por outro lado,
Portanto, continua Latour (ibid., p. 76): entender como alguns problemas que estavam no centro dos debates
naquele período, tais como a síntese das artes ou a monumentalidade,
Não é porque hesitemos quanto à fonte da ação que precisamos nos
apressar em esclarecer de onde ela provém, recorrendo, por foram tratados no Itamaraty. Acreditamos que esses problemas
exemplo, às ‘forças globais da sociedade’, aos ‘cálculos transparentes devem ser tratados em sua especificidade, levando em consideração
do eu’, às ‘paixões íntimas do coração’, à ‘intencionalidade da
pessoa’, ‘aos escrúpulos corrosivos da consciência moral’, aos ‘papéis quem trabalhou, em que condições, com quais recursos à disposição,
a nós atribuídos pelas expectativas sociais’ ou à ‘má-fé’. A incerteza em quanto tempo, e de acordo com quais pontos de vista.
deve permanecer como tal o tempo todo, pois não vamos afirmar

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Vimos também o quanto é complexa a atribuição da autoria em nos apressarmos em classificar o que vemos em quadros contextuais
ou categorias de explicação pré-existentes (ou seja, fatores sociais,
criações coletivas, sobretudo quando se trata de um monumento políticos ou culturais), apenas seguimos e descrevemos, desenhamos
público, pois nestes casos, vários atores são convocados a participar da e mapeamos, testemunhamos que nem um edifício nem um
determinado contexto são estáticos. (Ibid.)
obra: o comitente e o arquiteto, mas também todos os que
colaboraram para a sua realização e quem a recebe, o público. Tomando o nosso objeto de estudo, o Palácio Itamaraty, podemos
explicar as marcas da formas na estrutura de concreto como uma
Onde está a origem do projeto: no gênio criativo do arquiteto, ou na adesão à “sensibilidade plástica do brutalismo” (BASTOS; ZEIN,
intervenções do comitente? O que faz do edifício um monumento: a 2010, p. 72), inaugurada em Marselha por Le Corbusier alguns anos
qualidade de sua execução e as obras de arte que o integram, ou a antes e que estava em voga na arquitetura da época ou à necessidade
maneira como é recebido pelo público? A ferramenta metodológica de se concretar a estrutura por camadas, visto que a construtora não
que nos auxiliará no entendimento dessas questões é o ‘mapeamento tinha a sua disposição um caminhão lança para bombear o concreto
de controvérsias’. (RAMOS, 1996). A adoção desse acabamento também poderia ser
explicada pela disponibilidade de tempo hábil para se executar bem a
De acordo com Albena Yaneva (2022, p. 41):
obra, que não foi o caso dos palácio originais, que precisaram ser
Seguindo controvérsias arquitetônicas, descobrimos que a revestidos de mármore? (CHOAY, 2012)
materialidade dos edifícios é tão complexa quanto o mundo de suas
interpretações simbólicas. Ao adicionar a multiplicidade material à
multiplicidade simbólica na arquitetura, surge um quadro muito A cor ocreada do concreto, exaltada por Bruand (1981) e Rossetti
mais complexo: daí a necessidade de mapeá-lo. (2017), teria resultado de um capricho de Niemeyer, das pesquisas de

As controvérsias não significam necessariamente antagonismos, Milton Ramos que conclui que somente os seixos rolados poderiam

podem ser entendida também como pontos de vista diferentes que entrar nas extremidades estreitas das formas dos pilares (RAMOS,

precisam ser negociados. A autora explica que: 1996), ou à cor do cascalho de rio que vinha sendo usado por falta de

Quando estamos no meio desse processo, nos perguntamos: isso é


‘social’, ‘econômico’, ‘natural’, ‘estético’ ou ‘técnico’? Se em vez de

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brita na região? (SANT’ANNA, 1989)64 Traçando a arquitetura em construção com cuidado, cautela e
respeito a todos os participantes, testemunhamos construções que
não são feitas por mentes poderosas (arquitetos estelares,
São esses tipos de pergunta que a teoria do Ator-Rede nos convida a
demiurgos, aqueles poderosos ‘deuses’), mas arquitetura que emerge
fazer quando nos deparamos com situações complexas e que nos dão à medida que traça muitas relações intrincadas e hesitantes com
materiais e tecnologias, competências, órgãos e instituições.
uma dimensão mais próxima à realidade da construção de um
edifício. Como explica Yaneva (op. cit., p. 41): Que importa quem cria? Seria a pergunta natural a se fazer em
seguida à uma investigação do tipo. Mas, antes de nos apressarmos
as controvérsias em arquitetura não se referem particularmente aos
debates midiáticos ou aos escândalos em torno da arquitetura, mas
em destituir o arquiteto de seu posto de comando, é importante
sim à série de incertezas por que passa um projeto de design, um entender qual função o seu nome exerce na obra.
edifício, um plano urbano ou um processo construtivo; uma
situação de desacordo entre diferentes atores sobre questões de
design, conhecimento incerto ou tecnologias. É um sinônimo de A questão da autoria ou o que é um autor?
“arquitetura em construção”.
Na década de 1960, a centralidade da autoria vinha sendo
As explicações que emergem do mapeamento de controvérsias
questionada por pensadores como Roland Barthes, que decretara a
tendem a desmistificar algumas noções consolidadas sobre a criação,
“morte do autor” em um artigo de 196865. De acordo com Barthes
aproximam o entendimento de obras arquitetônicas das questões
(2004), o sentido de um texto não está em decifrar a intenção do seu
práticas da profissão, das relações cotidianas e corriqueiras que não
criador, mas se concretiza somente na leitura.
aparecem nas capas de revista, e a diluir e desmitificar o autor.
Em resposta a Barthes, Michel Foucault, profere uma conferência no
De acordo com Yaneva (ibid., p. 76):
ano seguinte na Sociedade Francesa de Filosofia intitulada “O que é

64 Cláudio Oscar de Carvalho Sant’anna foi engenheiro da Construtora Kosmos e conta, em depoimento ao Arquivo Público do Distrito Federal, a dificuldade que foi
encontrar agregados graúdos para o concreto nos arredores de Brasília, diferentemente de sua experiência no Rio de Janeiro, rico em jazidas de granito e gnaisse. Sant’anna
explica que no princípio usava pedras calcáreas vendidas em blocos e quebradas à marreta, depois chegou a montar uma britadeira para moer quartzito, cuja jazida tinha sido
indicada por um morador das redondezas, mas que por sua dureza desgastava as peças com facilidade, até que começou a usar cascalho de rio, de cor amarelada, o que não era
habitual no Brasil, e que por sua característica lisa, exigiu que a técnica fosse adaptada.
65 Cf. BARTHES, Roland. “A morte do autor”. In: O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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um autor?”. Foucault (2009, p. 271) afirma que “não basta, autores foi garantido o benefício da propriedade, com a exploração
evidentemente, repetir como afirmação vazia que o autor econômica dos direitos de autor, ao mesmo tempo em que passaram
desapareceu”. Em outras palavras, não basta dizer que o autor morreu ser responsabilizados legalmente pelo que publicam.
para que sua morte seja decretada. É preciso colocar o problema de
Os textos científicos, no entanto, seguiram caminho diferente, afirma
outra forma.
Foucault (2009). Se na Idade Média, a referência a autores como
Foucault (2009) entende que o autor desempenha um papel Hipócrates ou Plínio conferia autoridade à aprovação de teses
importante em nossa sociedade contemporânea e, ao invés de reforçar científicas, entre os séculos XVII e XVIII esses discursos passaram a
a constatação do seu desaparecimento, é preciso entender qual é a sua ser aceitos em função de sua capacidade de demonstração. Diz
função e onde ela é exercida. O que está em jogo não é somente a Foucault:
identificação do sujeito criador, mas sim como o seu nome atua no
A função autor se apaga, o nome do inventor servindo no máximo
interior do discurso e na circulação de ideias. Segundo Foucault para batizar um teorema, uma proposição, um efeito notável, uma
(2009, p. 273-274) propriedade, um corpo, um conjunto de ele mentos. uma síndrome
patológica. (FOUCAULT, 2009, p. 276)
[…] o nome do autor funciona para caracterizar um certo modo de
ser do discurso: para um discurso, o fato de haver um nome de Já na literatura, o nome do autor continua exercendo função
autor, o fato de que se possa dizer “isso foi escrito por tal pessoa”, importante e, mesmo que a crítica recente tenha começado a se
ou “tal pessoa é o autor disso”, indica que esse discurso não é uma
palavra cotidiana, indiferente, uma palavra que se afasta, que flutua distanciar da autoria como elemento de análise para se concentrar na
e passa, uma palavra imediatamente consumível, mas que se trata
de uma palavra que deve ser recebida de uma certa maneira e que estrutura dos textos, Foucault (ibidem) afirma que:
deve, em uma dada cultura, receber um certo status.
a qualquer texto de poesia ou de ficção se perguntará de onde ele
Foucault explica que a função autor deve ser localizada no tempo e vem, quem o escreveu, em que data, em que circunstâncias ou a
no espaço. No campo da literatura, na Europa, a atribuição de autoria partir de que projeto. O sentido que lhe é dado, o status ou o valor
que nele se reconhece dependem da maneira com que se responde a
ganha valor na virada do séc. XVIII para o XIX e está relacionada à essas questões. […] O anonimato literário não é suportável para
entrada dos textos no sistema de propriedade. Desse modo aos

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nós: só o aceitamos na qualidade de enigma. A função autor hoje excluindo aqueles com estilo diferente; e interpolar os textos aos
em dia atua fortemente nas obras literárias.
acontecimentos da época para dar coerência histórica ao autor.
A terceira característica é que a função autor não é ‘natural’ e, (FOUCAULT, 2009)
portanto, é uma representação que se cria do indivíduo criador:
Outra característica da função autor nos discursos é a multiplicidade
É o resultado de uma operação complexa que constrói um certo ser de egos que um mesmo autor pode assumir na obra. Na literatura, por
de razão que se chama de autor. Sem dúvida, a esse ser de razão,
tenta-se dar um status realista: seria, no indivíduo, uma instância exemplo, isso acontece nos textos narrados em primeira pessoa, nos
“profunda”, um poder "criador”, um “projeto”, o lugar originário da quais o alter ego do autor pode ocupar várias posições e tempos na
escrita. Mas, na verdade, o que no indivíduo é designado como
autor (ou o que faz de um indivíduo um autor) é apenas a projeção, narrativa. Mesmo nos textos científicos, o autor pode ocupar posições
em termos sempre mais ou menos psicologizantes, do tratamento distintas e exercer várias funções ao longo do texto, como explica
que se dá aos textos, das aproximações que se operam, dos traços
que se estabelecem como pertinentes, das continuidades que se Foucault (2009, p. 279):
admitem ou das exclusões que se praticam. Todas essas operações
variam de acordo com as épocas e os tipos de discurso. (Ibidem, p. Na verdade, todos os discursos que possuem a função autor
277) comportam essa pluralidade de ego. O ego que fala no prefácio de
um tratado de matemática […] não é idêntico nem em sua posição
Para sustentar a tese de que a função autor se apoia em consensos, e nem em seu funcionamento àquele que fala no curso de uma
demonstração e que aparece sob a forma de um "Eu concluo” ou
que portanto é construída, Foucault compara a atribuição de autoria
"Eu suponho”: em um caso, o "eu$' remete a um indivíduo sem
na crítica moderna com a exegese cristã, “quando ela queria provar o equivalente que […] concluiu um certo trabalho; no segundo, o
valor de um texto pela santidade do autor” (ibid.). Os críticos "eu” designa um plano e um momento de demonstração que
qualquer indivíduo pode ocupar, desde que ele tenha aceito o
modernos relacionam a obra ao autor usando mecanismos mesmo sistema de símbolos, o mesmo jogo de axiomas, o mesmo
semelhantes aos que São Jerônimo adotava no séc. V para legitimar a conjunto de demonstrações preliminares. Mas se poderia também,
no mesmo tratado, observar um terceiro ego: aquele que fala para
autoria e para atribuir textos diversos ao mesmo autor. Esse dizer o sentido do trabalho, os obstáculos encontrados, os
mecanismos consistiam em: dar unidade e coerência ao autor, resultados obtidos, os problemas que ainda se colocam: esse ego se
situa no campo dos discursos matemáticos já existentes ou ainda
retirando do conjunto da obra os textos inferiores aos demais e por vir.

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Os traços da função autor expostos por Foucault podem ser assim Nesse sentido, eles são bastante diferentes, por exemplo, de um
autor de romances que, no fundo, é sempre o autor do seu próprio
resumidos: o autor está ligado a um sistema institucional e jurídico, texto. Freud não é simplesmente o autor da Traumdeutung ou de O
chiste; Marx não é simplesmente o autor do Manifesto ou do
hoje caracterizado pelo direito de propriedade autoral; a função autor Capital, eles estabeleceram uma possibilidade infinita de discursos.
(FOUCAULT, 2009, p. 280-281. grifos do autor)
depende do momento histórico e do ambiente cultural na qual atua;
o autor é construído socialmente e a atribuição da autoria depende de No encerramento da conferência, Foucault (2009) sugere caminhos

mecanismos complexos baseados na lógica da unidade de de trabalho possíveis: a possibilidade de uma análise tipológica e da
análise histórica dos discursos. No primeiro caso, voltado para a
pensamento e na sua aceitação dentro do ambiente de circulação de
análise da forma e estrutura dos discursos, deve-se levar em conta as
ideias; nem todos os discursos são providos da função autor, mas
diferentes formas de relação entre o discurso e o autor, como
naqueles providos dessa função, o autor pode se desdobrar em
anteriormente exemplificado. No segundo caso, Foucault (2009, p.
múltiplos egos. (FOUCAULT, 2009) 286) sugere que:

Foucault (2009) também chama a atenção para casos específicos, em Talvez seja o momento de estudar os discursos não mais apenas em
seu valor expressivo ou suas transformações formais, mas nas
que os autores são bem mais do que os responsáveis por suas obras, modalidades de sua existência: os modos de circulação, de
livros, teorias ou tradições disciplinares. São casos em que a autoria valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam de
acordo com cada cultura e se modificam no interior de cada uma; a
transborda a ordem do discurso e passa a ser ‘transdiscursiva’. Esses maneira com que eles se articulam nas relações sociais se decifra de
modo, parece-me, mais direto no jogo da função autor e em suas
autores, que Foucault define como ‘fundadores de discursividade’, modificações do que nos temas ou nos conceitos que eles operam.
aparecem entre os séculos XIX e XX e seus textos fundam métodos
Em outras palavras, antes de se tentar apagar o autor, é o caso de
e possibilidade de criação de outros textos, por outros autores. É o
entender que tipo de papel o seu nome desempenha na difusão das
caso da teoria psicanalítica de Sigmund Freud e do materialismo
ideias. Foucault propõe estudar aspecto ‘social’ dos discursos,
histórico dialético de Karl Marx. Diz Foucault:
entender como eles circulam e se transformam, questionando “os

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privilégios do sujeito” (ibid., p. 287) e invertendo a lógica de se o nome do autor confere status à obra, por outro, é àquele a quem se

questionar a intencionalidade do sujeito, ou buscar em sentido e atribui a autoria que apontamos o dedo no momento de criticá-la:
seja por sua qualidade estética, funcional, por quanto custou aos
unidade à obra dos autores,
cofres públicos, por seu impacto na vida urbana, e assim por diante.
Mas antes colocar essas questões: como, segundo que condições e Portanto, por mais que se constate a distribuição de responsabilidades
sob que formas alguma coisa como um sujeito pode aparecer na
ordem dos discursos? Que lugar ele pode ocupar em cada tipo de da autoria, a culpa pelos problemas recai sempre sobre aquele que é
discurso, que funções exercer, e obedecendo a que regras? Trata-se, designado como autor.
em suma, de retirar do sujeito (ou do seu substituto) seu papel de
fundamento originário, e de analisá-lo como uma função variável e
complexa do discurso.
Por fim, é preciso entender que a função autor é variável na história e
no contexto cultural na qual se insere. O reconhecimento da autoria
Transpondo as questões levantadas por Foucault para a arquitetura
depende, muitas vezes, da pesquisa de documentos e da formação de
podemos chegar a algumas conclusões parciais sobre a importância
consenso entre historiadores e críticos que, usando mecanismos
da função autor.
muitas vezes complexos, conseguem atribuir a criação de uma obra à
A primeira é que a função autor concede ao sujeito o privilégio do um ou outro indivíduo. Assim, é possível que indivíduos antes
reconhecimento por sua criação e todos os benefícios que derivam tratados sem grande interesse adquiram a função autor com o passar
disso: premiações, convites para participar de concursos, novos do tempo.
contratos, etc. A associação da autoria à obra está relacionada ao
A dupla tarefa deste trabalho consiste em tratar a autoria como um
acúmulo de capital social e simbólico (BOURDIEU, 2004) e muitos
valor indissociável da obra, mas tratando o autor sempre com
arquitetos, Niemeyer é um exemplo, renegam projetos que foram
desconfiança, sem lhe dar a prioridade da criação. Em outras palavras,
transformados sem o seu consentimento.
é fazer com que o autor se torne uma questão de interesse e não um
Em segundo lugar, assim como na literatura, como explica Foucault, dado de fato.
a função autor na arquitetura oscila entre dois polos. Se, por um lado,
A respeito deste assunto, podemos exemplificar a disputa em torno

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da autoria do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro na edifício, por exemplo, numa tentativa de fatiar a autoria.
historiografia. Alguns pesquisadores demonstraram que o arquiteto
Esse exemplo demonstra que a função autor, além de ter importância
suíço Le Corbusier, por muito tempo considerado o autor do projeto,
no sistema institucional e do direito de propriedade, é também uma
inclusive por Oscar Niemeyer (2000)66, atuou na verdade como
questão historiográfica, está enraizada no sistema de circulação de
consultor da equipe liderada por Lucio Costa. Essa demonstração,
ideias e muitas vezes têm a função de aumentar ou diminuir a
apoiada no levantamento das versões de projeto e em
importância de um ou outro indivíduo. Não podemos descartar,
correspondências, atesta que a proposta final que Le Corbusier
portanto, que o consenso atual não seja contestado no futuro,
elaborou antes de retornar para a Europa não se concretizou.
agregando ao grupo, por exemplo, a participação do ministro
Assim, ainda que os princípios gerais do projeto possam ser Gustavo Capanema ou de seu chefe de Gabinete, Carlos Drummond
atribuídos a ele, tais como a elevação do bloco principal sobre pilotis e de Andrade. Em outras palavras, a autoria é uma construção social e
a composição em volumes independentes e soltos no terreno, a o privilégio do sujeito pode aumentar ou diminuir em razão de
solução final ficou a cargo da equipe brasileira. A atribuição de alguns fatores que podem variar de acordo com o momento histórico.
autoria, nesse caso, se apoiou em critérios como: considerar a obra Portanto, não se trata somente de novas descobertas da pesquisa, o
arquitetônica como site specific e que somente os indivíduos que que é fundamental, mas também do entendimento corrente sobre
acompanharam a elaboração do esquema definitivo são considerados autoria.
os autores do projeto.

Ainda assim, não é raro encontrar na historiografia relatos que


atribuam algumas soluções do projeto à figura de Oscar Niemeyer,
como é o caso dos pilotis de dupla altura junto à entrada principal do
66Niemeyer, falando a respeito da visita de Le Corbusier ao Brasil em 1936 para dar consultoria para o projeto da Universidade do Brasil, afirma que: “Foi durante esse período
que Lúcio resolveu mostrar-lhe o projeto que elaborara para aquele Ministério. E Le Corbusier foi radical, propondo um novo projeto. Dois, aliás. Um para um terreno
imaginário junto ao mar. Outro para o local definitivo. Surpreso, mas generoso como sempre foi, Lúcio abriu mão do trabalho que tanto o interessava, aceitando e apoiando o
projeto de Le Corbusier.” (NIEMEYER, 2000, p. 8)

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2.4. Autores ou atores a relação entre autor e obra.

Com isso, gostaríamos de concluir este capítulo dizendo que, apesar Cabe a nós entender como a sua função é valorizada no ambiente de
de termos ampliado o leque de atores em nossa pesquisa, e também concepção, e como é exercida durante a realização do edifício. Para
ampliado o conceito de concepção, entendendo-a em um sentido isso, a partir de agora, trataremos os autores como atores. Nossa
mais amplo, o nome do autor continua desempenhando um papel tarefa seguinte será conhecê-los melhor.
importante para o entendimento da obra. Nossa postura, portanto,
não deve ser jamais a de se tentar apagar a importância do autor, mas
sim de colocá-la em discussão, tratando o valor da sua ‘assinatura’
como um dos atores do processo.

Temos consciência que uma solução desenhada por Niemeyer


carregava consigo todo o sistema de valorização da autoria que
acabamos de explicar e que era recebida, portanto, de modo diferente
das ideias propostas por Olavo Redig de Campos ou Milton Ramos,
subordinadas às dele.

Nesse ponto, os questionamentos de Foucault a respeito da autoria e


a incerteza quanto a origem da ação em Latour se tocam. Ainda que
nossa análise sobre o problema da concepção amplie a noção de
autoria, a função autor não pode ser negligenciada, ou apagada. Isso
não significa conceder ao autor os privilégios do sujeito, como afirma
Foucault (2009), ou se partir do pressuposto que ele é a fonte da
criação, como contesta Latour (2012). Somos convocados a entender

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3

Cerimônia de inauguração da estrutura para os embaixadores (20 abr. 1966). Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
3.Conhecendo os atores dando especial atenção ao período em que atuaram no Itamaraty. Em
nossa abordagem, o autor não deve ser entendido como uma unidade
Neste capítulo conheceremos os atores humanos e os atores não
de pensamento e nem a origem da criação.
humanos, que produzem o edifício. Como vimos no capítulo anterior,
o conceito de ‘ator’ diz respeito a tudo aquilo que transforma a Por fim, apresentaremos como contexto histórico e crítico, e veremos
situação, em nosso caso, a produção do edifício. Nosso propósito, que não são cenários que estão ‘fora’ do projeto. O contexto não é
neste capítulo, não é simplesmente biográfico. Nos interessa conhecer uma realidade dada, na qual o edifício se insere e ao qual se adequa, e
melhor cada ator, mas, sobretudo, como participam do processo de sim um ator que compõe a processo, interagindo, modificando a ação
produção o edifício e sendo modificado.

Inicialmente apresentaremos o Palácio do Itamaraty no Rio de As fontes de pesquisa são documentos históricos e relatos textuais
Janeiro para conhecer a sua configuração e os projetos de reformas levantados nos seguintes arquivos:
realizados ao longo das décadas, ou mesmo os não realizados, que
sintetizam as transformações desejadas pela instituição. Esse - Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty: documentos da
conhecimento dará suporte às análises feitas no capítulo seguinte, nas antiga sede do ministério das Relações Exteriores no Rio de
quais veremos como essa configuração pode ter impactado na Janeiro.
definição do projeto para a sede de Brasília.
- Arquivo Público do Distrito Federal: depoimentos de Oscar
Conheceremos também o Itamaraty como instituição, para entender Niemeyer, Athos Bulcão, Wladimir Murtinho, Bruno Giorgi, José
a sua participação na promoção e divulgação da arte e da cultura Osvaldo de Meira Penna; correspondências oficiais da Novacap;
brasileira, e de como essas redes de promoção influíram em decisões projetos e fotografias.
durante a produção do palácio, especialmente no que diz respeito à
- Arquivo histórico da Universidade Sapienza em Roma:
curadoria de obras e mobiliário.
documentos sobre o ensino de arquitetura na Regia Scuola Superiore
A seguir apresentaremos os principais autores, arquitetos e artistas, di Architettura in Roma e formação do arquiteto Olavo Redig de

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Campos. - Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional: notícias da construção
do Palácio Itamaraty e da atuação do Ministério para a promoção e
- Arquivo do Serviço de Conservação do Patrimônio na embaixada difusão da arte e da cultura brasileira.
do Brasil em Roma: fotos e documentos da reforma do Palácio
Doria Pamphilj realizado pelo arquiteto Olavo Redig de Campos e
o mobiliário desenhado por Sérgio Rodrigues que será introduzido
também no Itamaraty.

- Instituto Moreira Salle: acervo do arquiteto Olavo Redig de


Campos e do crítico de arte Jayme Maurício, no qual encontramos
correspondências com a artista Mary Vieira sobre a realização da
escultura para o Itamaraty e as negociações de sua participação na
Bienal de Arte em Veneza, também promovida pelo Itamaraty.

- Arquivo da Coordenação de Patrimônio, CPAT, do ministério das


Relações Exteriores: contratos de obras e documentação técnica da
construção do Palácio Itamaraty.

- Arquivo histórico do ministério das Relações Exteriores em


Brasília: correspondência diplomática (ainda não consultado).

- Núcleo de Pesquisa e Documentação, NPD, da Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da UFRJ: documentos sobre o ensino e
formação do arquiteto Milton Ramos (ainda não consultado).

98
4

Operários trabalhando durante visita de inspeção das obras do Itamaraty pelo prefeito do Distrito Federal Wadjô Gomide (1969 circa). Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
4.Tecendo redes

Neste capítulo, vamos cartografar as associações dos atores ao longo


do processo de produção do Palácio, elegendo alguns movimentos
que consideramos mais significativos:

- A definição do projeto de arquitetura em função das demandas da


instituição e da mudança de visão política sobre a consolidação de
Brasília.

- A construção do edifício em função dos recursos tecnológicos,


materiais e humanos à disposição.

- A curadoria das obras de arte, integradas ou não, de acordo com


pontos de vista diferentes: da parte do comitente, do arquiteto e
dos artistas.

Espera-se com as análises presentes neste capítulo, colocar em


discussão alguns temas que, quando tratados simplesmente a nível
teórico, perdem a sua ancoragem na realidade.

100
‘O autor’ e ‘a obra’. Oscar Niemeyer diante do Palácio Itamaraty às vésperas da inauguração, em março de 1970. Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
Considerações finais

Nas considerações finais, retomaremos a questão central da tese: é


possível fazer uma historiografia dos processos? Discutiremos os
resultados a que chegamos em nossas análises para avaliar se essa
metodologia é válida e se pode ser aplicada no estudo de outras obras
arquitetônicas.

Discutiremos também possíveis desdobramentos da pesquisa, como a


possível aplicação do método no ensino de projeto e de história da
arquitetura.

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