Você está na página 1de 56

Revista da Conservação do Património Arquitectónico

e da Reabilitação do Edificado
Ano XII – N.º 48 Outubro/Novembro/Dezembro 2010 – Publicação trimestral – Preço e 5,00 (IVA incluído)

Património
imaterial
REFLEXÕES
Onde mora a alma de um povo
ENTREVISTA
Sara Pereira e Rui Vieira Nery
Fado é candidato a Património Cultural Imaterial
Tema de Capa:
Património imaterial

Ficha Técnica EDITORIAL 2 CONSTRUÇÃO & AMBIENTE 29


Reconhecida pelo Ministério
da Cultura como “publicação
SÓCIOS APOIANTES 3 O automóvel eléctrico
nas cidades portuguesas
de manifesto interesse cultural”,
ao abrigo da Lei do Mecenato. POLÍTICAS PÚBLICAS 4 Uma solução pouco amiga do ambiente
(Jorge Mascarenhas)
N.º 48 Outubro/Novembro/Dezembro 2010 A Convenção do Património
Cultural Imaterial LEGISLAÇÃO 33
Propriedade e edição: Contexto e aplicação
GECoRPA – Grémio das Empresas de na reabilitação do edificado Cem anos do maior
Conservação e Restauro do Património (Clara Bertrand Cabral) Decreto de Classificação
Arquitectónico (Miguel Brito Correia)
Rua Pedro Nunes, n.º 27, 1.º Esq.
8
1050 - 170 Lisboa
Tel.: 213 542 336, Fax: 213 157 996 Instituto dos Museus e da Conservação TECNOLOGIAS 34
http://www.gecorpa.pt Programa para a Salvaguarda Novas tecnologias
E-mail: info@gecorpa.pt
do Património Cultural Imaterial ao serviço do património
Nipc: 503 980 820
Director: Vítor Cóias em Portugal A fotografia panorâmica 360º
Coordenação: Joana Gil Morão (Paulo Ferreira da Costa) e realidade virtual
Conselho redactorial: Alexandra de Carvalho
Antunes, André Teixeira, Catarina Valença REFLEXÕES 12 (António Cabral)
Gonçalves, Cátia Teles e Marques, Fátima
Fonseca, João Appleton, João Mascarenhas Património Imaterial OPINIÃO 36
Mateus, Jorge Correia, José Aguiar, José Maria Onde mora a alma de um povo
Amador, Luiz Oosterbeek, Maria Eunice da (Alexandre Parafita)
Consulta Pública do Plano
Costa Salavessa, Mário Mendonça de Oliveira, de Pormenor da Baixa Pombalina
Miguel Brito Correia, Paulo Lourenço, Soraya
Genin, Teresa de Campos Coelho
TÉCNICAS TRADICIONAIS 14 (Filipe Mário Lopes)

Secretariado: Elsa Fonseca


Colaboram neste número: A. Jaime Martins,
As construções em pasta
(Antero Leite)
DIVULGAÇÃO 38
Alexandre Parafita, Aníbal Costa, Antero Ruin’arte
Leite, António Cabral, António Oliveira,
Carlos Costa, Carlos Ferreira da Costa,
ENTREVISTA 17 Um ano de defesa do Património
(Regis Barbosa)
Clara Bertrand Cabral, Constança Saraiva, Sara Pereira e Rui Vieira Nery
Elisabete Conceição, Esmeralda Paupério, Fado
Filipe Mário Lopes, Isabel Raposo de
Candidato a Património 40
Magalhães, Jorge Mascarenhas, José Aguiar,
Luís Mota Figueira, Miguel Brito Correia, Cultural Imaterial Criação do Comité Nacional
Pedro Grenha, Regis de Souza Barbosa, do Escudo Azul
Xavier Romão ESTUDO DE CASO 20 (Isabel Raposo de Magalhães, Esmeralda Paupério,
Design gráfico e produção: Xavier Romão, Aníbal Costa)
Canto Redondo – Edição e Produção, Ld.ª O Projecto Museológico
do Museu Agrícola de Riachos –
Rua da Beneficência, 74 - 1.º
1600 - 022 Lisboa Casa-Memorial Humberto Delgado
AS LEIS DO PATRIMÓNIO 41
E-mail: geral@cantoredondo.eu Do conhecimento tácito O Código dos Contratos Públicos
Publicidade:
GECoRPA – Grémio das Empresas de
ao conhecimento explícito O Júri do Procedimento
Conservação e Restauro do Património (Luís Mota Figueira) (A. Jaime Martins)
Arquitectónico
Rua Pedro Nunes, n.º 27, 1.º Esq. 22 NOTÍCIAS 42
1050 – 170 Lisboa Rugologia
Tel.: 213 542 336, Fax. 213 157 996
http://www.gecorpa.pt
O Arquivo da Rua AGENDA 44
E-mail: info@gecorpa.pt (Constança Saraiva)
Impressão e acabamento:
Rolo & Filhos II, S. A. 24 VIDA ASSOCIATIVA 45
Distribuição: VASP, S. A. Proposta de refuncionalização para o lagar
do Pomarinho – Santiago do Escoural
LIVRARIA 48
Depósito legal: 128444/98
Programa preliminar
Registo no ERC: 122549
ISSN: 1645-4863 de intervenção museológica ASSOCIADOS GECoRPA 50
Tiragem: 2500 exemplares (Pedro Grenha)
Periodicidade: Trimestral PERSPECTIVAS 52
PATRIMÓNIO MUSICAL 26 O Mar foi ontem o que
Os textos assinados são da exclusiva responsabili-
dade dos seus autores, pelo que as opiniões expres- A Organaria enquanto bem identitário o património pode ser hoje!
sas podem não coincidir com as do GECoRPA. (António Oliveira, Carlos Costa) (José Aguiar)

Capa

As “Brincas” do Entrudo em Évora


Revista da Conservação do Património Arquitectónico
e da Reabilitação do Edificado

são manifestações tradicionais cujas


origens se perdem no tempo e que
Ano XII – N.º 48 Outubro/Novembro/Dezembro 2010 – Publicação trimestral – Preço e 5,00 (IVA incluído)

Património
imaterial fazem parte da memória e identidade
dos eborenses.
REFLEXÕES
Onde mora a alma de um povo
ENTREVISTA
Sara Pereira e Rui Vieira Nery

Fotografia: António Cabral / Digisfera


Fado é candidato a Património Cultural Imaterial

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 1


EDITORIAL

12 anos de Pedra & Cal


Tempo para “desmaterializar”
No seu livro “Les sept savoirs nécessaires à l’éducation du futur”, Edgar Morin destaca a importância do ensino da com-
preensão, como meio e fim da comunicação entre humanos, face à extraordinária diversidade das culturas que hoje
se confrontam na aldeia global. A compreensão é o caminho por excelência para aceitar o outro, e desse modo, atacar
as raízes da guetização e das suas manifestações extremas, o racismo e a xenofobia.
A coexistência na aldeia global de milhares de milhões de humanos com antecedentes culturais tão variados será
impossível se, a par de uma adesão generalizada aos valores universalmente reconhecidos, o essencial das suas refe-
rências identitárias não for salvaguardado e respeitado. Nesse sentido, a divulgação da noção de património cultural
imaterial, a partir de uma iniciativa de um conjunto de intelectuais marroquinos ligados à UNESCO e consolidada na
convenção para a salvaguarda do património cultural imaterial, adoptada pelos estados membros em 2003, é uma
etapa recente mais decisiva.
O património cultural passou, assim, a englobar não só as construções, as esculturas, pinturas e outros objectos físicos
– o património cultural material – que recebemos das gerações passadas e de que tanto nos orgulhamos, mas também
o património cultural imaterial: tradições orais, saberes ancestrais, músicas, cantares e danças tradicionais, ou seja, todo
um conjunto de referências identitárias tão importantes para certas comunidades humanas como os monumentos e
edifícios históricos são para outras.
É justamente ao Património imaterial que a P&C dedica este derradeiro número de 2010, o seu décimo segundo ano
de edição contínua. Quarenta e nove números (contando com o “número zero”, publicado ainda em Novembro de
1997) e outros tantos temas de capa focados, quase duas mil e setecentas páginas de conteúdos relacionados com a
conservação do Património e a reabilitação do edificado, a P&C precisa de se transformar, para se adaptar à evolução
das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e aumentar a sua presença na Internet.
Fecha-se, com o presente número, um ciclo da P&C. A partir do próximo número a nossa (vossa) revista adoptará
um novo figurino e uma nova orientação e tenderá, ela própria, a “desmaterializar-se” e a apoiar-se cada vez mais na
Internet em vez do papel, em linha com a renovação e revitalização do sítio de Internet do GECoRPA.
Esta mudança é natural. Nos doze anos do actual formato da revista, assistimos a uma rápida evolução na acessibi-
lidade à informação. As velocidades de transmissão de informação são hoje de 120 Mbps, quando em 1997 era, no
máximo, de 2Mbps. A utilização da Internet sofreu evolução vertiginosa. Em 1997, em Portugal, a Internet era utili-
zada por menos de 6% da população. Em 2010 estima-se que este número tenha ultrapassado os 57%. O aumento de
clientes da Internet condicionou a quantidade de domínios registados e activos. Se em 1997 seriam cerca de escassos
milhares, hoje este número situa-se na ordem do milhão.
Os computadores pessoais diminuíram no tamanho e cresceram no desempenho. As memórias RAM passaram de
poucas centenas de Mb para perto de uma dezena de Gb e os “discos rígidos” de cerca de 20 Gb para mais de 500
Gb. Novos gadgets ajudam a substituir o papel: iPads, e-Books, meios de informação muito mais dinâmicos e potentes,
onde o vídeo, como complemento dinâmico e sonoro da imagem ocupa um lugar cada vez mais importante, propor-
cionando uma qualidade crescente.
Tudo isto impõe mudanças, e a P&C não é excepção.
A “missão” a que eu me referi no editorial do n.º 0 da Pedra & Cal – ajudar os profissionais e as empresas da conserva-
ção do Património a fazerem um melhor trabalho – não mudou, e muito menos está completa. Talvez nunca o esteja,
enquanto houver Património e mulheres e homens interessados em o conservar.
Quero, por último, agradecer a todos os que colaboraram e acompanharam o projecto Pedra & Cal, e, em particular, aos
Au­­tores e aos membros do Conselho Redactorial, o generoso contributo que deram à revista ao longo destes doze anos.

Vítor Cóias

2 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


GECoRPA

Os sócios apoiantes são a base do


sucesso do GECoRPA
O GECoRPA manifesta o seu reconhecimento aos sócios apoiantes, cuja continuada
dedicação tem permitido avançar na defesa da qualidade na conservação do
património arquitectónico e na reabilitação das construções existentes.

MONUMENTA – Conservação e
Restauro do Património Arquitectónico, Ld.ª Os telhados não são só paisagem, fazem parte da
monumenta@monumenta.pt nossa vida. A história da Umbelino Monteiro, S. A.
www.monumenta.pt confunde-se com o percurso da evolução e da afir-
mação das grandes cerâmicas de construção por-
tuguesas. As elegantes moradias de luxo, pontos
privilegiados de bom gosto e requinte, valorizam-
-se com soluções ora modernas, ora tradicionais.
Podemos afirmar que os telhados nacionais devem
boa parte da sua beleza e criatividade à capacida-
de inovadora e à dinâmica de progresso que tem
orientado este trajecto com mais de 50 anos.
SOMAFRE - Construções, S. A. A Umbelino Monteiro, S. A. está consciente de
mail@somafre.pt . www.somafre.pt que produz um dos mais intemporais bens, mas é
precisamente por essa força de razão que orienta
a sua postura no mercado segundo três vectores
que considera de importância capital… Inovação,
Ambiente e Qualidade.
A defesa do ambiente é uma prioridade estratégica
da empresa que está determinada em assegurar ele­­
vados níveis de qualidade de produtos e serviços.
Foram necessários alguns anos de investigação,
STAP - Reparação, Consolidação estudos e desenvolvimentos tecnológicos, para hoje
e Modificação de Estruturas, S. A. se poder dizer que estamos perante um produto
info@stap.pt . www.stap.pt de altíssima qualidade, com propriedades únicas
e pronto para ultrapassar os limites dos projectis-
tas mais ousados.

UMBELINO MONTEIRO, S. A.
Rua do Areeiro . 3105-218 Meirinhas - PBL
TINTAS ROBBIALAC, S. A. Tel.: 236 949 000 . Fax: 236 949 049
robbialac@robbialac.pt . www.robbialac.pt geral@umbelino.pt . www.umbelino.pt

As empresas apoiantes são divulgadas na Pedra & Cal e no sítio de Internet do GECoRPA.
Torne-se sócio apoiante e conheça todas as vantagens, contactando o GECoRPA.
E-mail: info@gecorpa.pt Tel.: 21 354 23 36 Fax: 21 315 79 96

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 3


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

A Convenção do Património
Cultural Imaterial
Contexto e aplicação na reabilitação do edificado
A Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, adoptada pela UNESCO em
2003, entrou em vigor em Portugal a 21 de Agosto de 2008. Apesar de já terem decorrido mais de
dois anos, esta Convenção, os seus objectivos e a sua aplicabilidade a casos concretos são ainda
pouco conhecidos do grande público.

identidade e de continuidade. Por


conseguinte, o património cultural
imaterial abrangido pela Convenção
é apenas aquele que existe na actu­
alidade e que faz parte da vida das
comunidades, servindo os aspectos
históricos apenas para melhor com­
preender este “património vivo”.
Embora a Convenção esteja prin­
cipalmente vocacionada para sal­
vaguardar os elementos patrimo­
niais intangíveis, os bens materiais
relacionados, como por exemplo os
instrumentos, objectos, artefactos e
espaços culturais associados às ma­­
António Cabral

nifestações do património cultural


imaterial deverão igualmente ser
sal­­vaguardados. Revela-se aqui um
As “Brincas” do Entrudo em Évora são manifestações tradicionais cujas origens se perdem no tempo e que primeiro ponto de interesse para as
fazem parte da memória e identidade dos eborenses. entidades que se dedicam à reabili­
tação do edificado, dado que os bens
O PATRIMÓNIO CULTURAL para a importância desse património imóveis associados ao PCI são igual­
IMA­­TERIAL DE ACORDO COM e criar condições para a cooperação mente abrangidos pela Convenção,
A UNESCO e o auxílio internacionais. devendo a sua conservação ser efec­
A Convenção para a Salvaguarda De acordo com a Convenção, cons­ tuada no contexto de planos de sal­
do Património Cultural Imaterial faz tituem património cultural imaterial vaguarda que abarquem todas as
parte de um conjunto de sete con­ as práticas, representações, expres­ vertentes do património cultural
venções da UNESCO que incidem sões, conhecimentos e aptidões que imaterial.
sobre áreas da cultura tão díspares as comunidades e os grupos reco­
como os direitos de autor, os bens nhecem como fazendo parte inte­ COMPLEMENTARIDADE
materiais, o património construído, grante do seu património cultural. COM A CONVENÇÃO
os bens naturais e a diversidade O património cultural imaterial ca­­ DO PATRIMÓNIO MUNDIAL
das expressões culturais.1 Além da racteriza-se por ser transmitido de Quando se menciona a protecção do
salvaguarda do património cultural geração em geração, ser constante­ património no contexto da UNESCO,
imaterial (PCI), esta Convenção tem mente recriado pelas comunidades lembramo-nos imediatamente da
igualmente por objectivos fomen­ e grupos em função do seu meio, da Con­­­­venção para a Protecção do Patri­­
tar o respeito pelo património das sua interacção com a natureza e da mónio Mundial, Cultural e Natural,
comunidades, dos grupos e dos in­­ sua história, e ainda por incutir nos adoptada por aquela Organização
divíduos, promover a sensibilização seus detentores um sentimento de em 1972 e sobejamente conhecida

4 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

(ainda que por vezes mal compre­


endida).
Esta Convenção condicionou e infor­
mou a Convenção do Património
Cultural Imaterial de diversas for­
mas, sendo importante recordar aqui
a complementaridade entre ambas,
tanto no que se refere à tipologia dos
bens abrangidos como à distribui­
ção geográfica dos elementos passí­
veis de classificação. Acresce que a
António Cabral

evolução do conceito de património


verificada entre as duas adopções
está claramente reflectida no texto
A salvaguarda do património cultural imaterial ligado à pesca na Ericeira deveria incluir os conhecimen-
da Convenção de 2003. tos, as artes de pesca, as embarcações, o porto de pesca e as tradições associadas, incluindo a confecção do
A Convenção do Património Mun­ prato tradicional “caneja de infundice”.
dial considerava património cultu­
ral os monumentos, os conjuntos
e os locais de interesse e, partir de
1992, as paisagens culturais. Desde
então, tem sido dada uma importân­
cia crescente aos aspectos imateriais
dos bens patrimoniais, circunstância
que levou o ICOMOS a aprovar em
2008 a Declaração sobre a preservação
António Cabral

António Cabral

do espírito do lugar. Todavia, só em


casos muito excepcionais é possível
invocar apenas os aspectos intan­
gíveis, expressos no critério (vi) de O património cultural imaterial conjuga tradição e A transmissão do conhecimento assegura a sal-
modernidade, como nesta peça de artesanato alen- vaguarda do património cultural imaterial e pode
avaliação do valor universal excep­
tejano em que a reprodução d’“A Última Ceia” em ser realizada de modo formal, como por exemplo nos
cional, para classificar bens como cortiça é apresentada numa caixa que faz lembrar cursos das Escolas de Hotelaria e Turismo.
Património Mundial.2 uma televisão.
Outro aspecto importante a consi­
derar prende-se com os manifestos 1964, mas ausente na Convenção de sível das comunidades e grupos em
desequilíbrios geográficos na Lista 2003, por se considerar que este tipo todas as fases do processo de salva­
do Património Mundial, já que 49% de património se encontra em per­ guarda, desde a inventariação à ins­
dos bens classificados estão situa­ manente transformação. Esta parti­ crição nas Listas. Apesar de o envol­
dos na região Europa e América do cularidade é formalmente reconhe­ vimento das populações ser actual­
Norte.3 Nestas circunstâncias, a Lista cida na Declaração de Yamato de 2004 mente considerado muito desejável
Representativa do Património Cul­ onde se declara que «o termo auten­ na aplicação da Convenção de 1972,
tu­ral Imaterial da Humanidade apre­­­ ticidade, tal como aplicado ao patri­ este aspecto é levado ao extremo na
senta-se como uma contrapartida à mónio cultural tangível, não é rele­ Convenção de 2003, a qual apenas
Lista do Património Mundial, per­ vante na identificação e salvaguar­ abrange o património cultural ima­
mitindo a classificação de bens pro­ da do património cultural imate­ terial que as comunidades e grupos
venientes de regiões que possuem rial». Também, os conceitos de va­­lor efectivamente reconhecem e dese­
menos património construído clas­ universal excepcional e de represen­ jam salvaguardar.
sificável, mas que são detentoras de tatividade não são referidos no texto
inúmeras manifestações culturais ima­­ da Convenção de 2003, apesar de VERTENTES DA SALVAGUARDA
teriais. serem decisivos na Convenção de DO PATRIMÓNIO CULTURAL
Um factor distintivo essencial que 1972. IMATERIAL
reflecte a modificação do paradigma Finalmente, a Convenção do Patri­­ As convenções da UNESCO não
patrimonial é o conceito de autenti­ mónio Cultural Imaterial favorece a se esgotam na sua vertente mais
cidade, fundamental na Convenção participação cívica e fomenta a cida­ mediática, que é a da inclusão de
do Património Mundial conforme dania, ao exigir que o Estado asse­ bens nas Listas respectivas. Apesar
estipulado na Carta de Veneza de gure a mais ampla participação pos­ de esta ser a característica mais visí­

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 5


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

vel e aquela que mais paixões e tários dos elementos do património Este último domínio revela especial
razões suscita, toda a investigação, cultural imaterial existentes no ter­ interesse na reabilitação do patrimó­
análise e debate em torno dos con­ ritório dos Estados parte, exigência nio edificado, uma vez que abarca
ceitos e práticas relacionadas com inovadora entre as convenções da os saberes-fazer relacionados com
as convenções, antes e após a sua UNESCO e critério obrigatório para práticas construtivas tradicionais. Im­­
adopção, são tão importantes quan­ a inscrição de elementos nas Listas. porta aqui sublinhar que o objec­
to o normativo, sendo estas reflexões A salvaguarda do património cultu­ tivo da Convenção não é proteger
frequentemente transpostas para os ral imaterial poderá ainda efectuar- os produtos artesanais em si, mas
textos que orientam a aplicação das -se através do incremento da função antes promover as competências e
convenções. do PCI na sociedade e da integração os conhecimentos necessários à sua
A Convenção de 2003 define “salva­ da sua salvaguarda nos programas produção. Desta forma, a salvaguar­
guarda” como as medidas que visam de planeamento; do estímulo à rea­ da deverá centrar-se na criação de
assegurar a viabilidade do patri­ lização de estudos científicos, técni­ condições que incentivem os arte­
mónio cultural imaterial, incluin­ cos e artísticos tendo em vista uma sãos a continuar a fabricar os seus
do a identificação, documentação, salvaguarda eficaz; e da facilitação produtos e a transmitir o seu saber-
pesquisa, preservação, protecção, do acesso à informação relacionada -fazer a outros, em especial às gera­
pro­­­moção, valorização, transmissão, com o PCI, respeitando as práti­ ções mais novas.
essencialmente através da educação cas consuetudinárias que regulam O respeito pela autenticidade do
formal e não formal, bem como a o acesso a determinados aspectos pa­­trimónio construído, conforme
revitalização dos diferentes aspectos específicos desse património. in­­­di­cado no Documento de Nara sobre
desse património. Outras medidas visam assegurar Autenticidade de 1994, recomenda que
A nível internacional, a salvaguarda um maior reconhecimento e respeito se­­­jam utilizados materiais e técnicas
do património cultural imaterial rea­­­ pelo património cultural imaterial e tradicionais na reabilitação do edi­
liza-se mediante a inscrição na Lis­ta estimular a sua promoção através ficado, podendo a aplicação da Con­­­­
Representativa do Património Cul­tu­­ral de programas de educação, sensibi­ venção de 2003 facilitar o cumpri­­
Imaterial da Humanidade, na Lis­­ lização e informação; de acções de mento deste requisito. Por um lado,
ta do Património Cultural Ima­­te­ri­­al formação no seio das comunidades ao incentivar a transmissão do co­­
que Necessita de Salva­guarda Urgen­ e grupos envolvidos; de actividades nhecimento através de meios for­
te, ou ainda através do reconheci­­ de capacitação para a salvaguarda mais e não formais, aumenta a pos­­
mento e divulgação dos programas, do património cultural imaterial; do ­­­sibilidade de serem desenvolvidas
projectos e actividades de salva­­­­­­guar­­- apoio a meios não formais de trans­ acções de formação em técnicas
da que melhor reflectem os prin­ missão do conhecimento; e da edu­ cons­­trutivas tradicionais e nas di­­
cípios e objectivos da Con­venção. cação para a protecção dos espaços ferentes áreas relacionadas com a
A nível nacional, assume especial naturais e lugares de memória. recuperação e restauro dos bens pa­­
relevância a constituição de inven­ trimoniais; por outro lado, a divul­
O DOMÍNIO DAS “APTIDÕES gação da Convenção e dos seus ob­­
LIGADAS AO ARTESANATO jectivos, juntamente com o capital de
TRADICIONAL” E A atracção que a designação UNESCO
REABILITAÇÃO DO EDIFICADO transporta, poderá incentivar as ge­­
Nem todas as manifestações consi­ rações mais novas a se interessarem
deradas património cultural ima­ pela aprendizagem das técnicas arte­­­
terial são salvaguardadas pela Con­ sanais.
venção, que se aplica especificamen­ Em relação às Listas da Convenção do
C.M. Guimarães / Gabinete Técnico Local

te a cinco domínios, podendo um Património Cultural Imaterial, exis­


elemento pertencer simultaneamen­ tem apenas dois elementos rela­­­cio­
te a mais que um deles: a) Tradições nados com técnicas de construção já
e expressões orais, incluindo a lín­ classificados na Lista Re­­pre­sentativa:
gua como vector do património cul­ os saberes-fazer ligados à arquitectu­
tural imaterial; b) Artes do espec­ ra tradicional chinesa de estruturas
táculo; c) Práticas sociais, rituais e com madeiramento à vista, candi­da­
eventos festivos; d) Conhecimentos tados em 2009 pela China, e o Dae­
As técnicas construtivas tradicionais constituem
uma forma de património cultural imaterial que
e práticas relacionadas com a natu­ mokjang, arquitectura tradicional em
assegura a autenticidade dos sítios Património reza e o universo; e) Aptidões liga­ madeira, apresentado pela República
Mundial. das ao artesanato tradicional.4 da Coreia em 2010.

6 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

dades que desenvolvem no terreno NOTAS


iniciativas de salvaguarda do patri­
1
Convenção para a Protecção de Bens Cul­
turais em Caso de Conflito Armado (1954);
mónio cultural imaterial às quais
Convenção relativa às Medidas a Adoptar
urge dar maior visibilidade, por para Proibir e Impedir a Importação, a Expor­
forma a que seja possível partilhar tação e a Transferência Ilícitas da Propriedade
experiências e boas práticas, criando de Bens Culturais (1970); Convenção Univer­
sinergias entre os diversos actores sal sobre Direito de Autor (1951, revista em
1971); Convenção para a Protecção do Patri­
envolvidos.
mónio Mundial, Cultural e Natural (1972);
No que se refere ao património edi­ Convenção sobre a Protecção do Património
António Cabral

ficado, a Convenção poderá cons­ Cultural Subaquático (2001); Convenção para


tituir um valioso complemento à a Salvaguarda do Património Cultural Ima­
Convenção do Património Mundial terial (2003); Convenção sobre a Protecção e
a Promoção da Diversidade das Expressões
A viabilidade de muitas manifestações cente­nárias contribuindo para o reconhecimento
Culturais (2005).
do património cultural imaterial passa pela utiliza- e transmissão dos saberes-fazer tra­ 2
O critério (vi) indica que os bens propos­
ção de instrumentos e equipamentos não tradicion- dicionais, indispensáveis à conser­ tos devem «estar directa ou materialmente
ais, como acontece nas salinas de Aveiro.
vação dos imóveis. Ao alertar para a associado a acontecimentos ou a tradições
importância do “espírito do lugar” e vivas, ideias, crenças ou obras artísticas e
literárias de significado universal excepcio­
APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO ao incluir os bens materiais na noção
nal». Os critérios para a inscrição de bens na
EM PORTUGAL de património cultural imaterial, a Lista do Património Mundial são descritos no
Fora dos circuitos académicos e pro­ Convenção de 2003 sublinha a com­ parágrafo 77 das Orientações Técnicas para a
fissionais, a Convenção da UNESCO plementaridade entre os dois tipos Aplicação da Convenção do Património Mundial
para a Salvaguarda do Património de património, uma vez que sem o (http://whc.unesco.org/en/guidelines).
3
Os dados apresentados neste texto referem-
Cultural Imaterial é ainda mal co­­ património material, o património
-se a 20 de Novembro de 2010.
nhecida em Portugal. Sendo um nor­­­­­ imaterial se torna demasiado abs­ 4
As línguas, por exemplo, não são direc­
mativo já em vigor no nosso país, tracto; e sem o património imaterial, tamente abrangidas pela Convenção, ape­
cuja essência reside na participação o património material transforma-se sar de serem indispensáveis à realização e
alargada de todos os envolvidos, uma série de objectos ou sítios ile­ transmissão do património cultural imaterial.
Para incrementar a sensibilização quanto à
é urgente divulgar e promover a gíveis.6
necessidade de salvaguardar as línguas, a
Convenção para que a salvaguar­ A Convenção para a Salvaguarda UNESCO criou o Atlas das Línguas Mundiais
da do património cultural imaterial do Património Cultural Imaterial em Perigo (http://www.unesco.org/culture/
possa ser potenciada e enquadrada foi já ratificada por 133 Estados, languages-atlas/index.php).
por este normativo. o que revela o interesse que tem
5
Kirshenblatt-Gimblett, Barbara, 2004, “In­­tan­­­­
gible Heritage as Metacultural Production”, in
O modelo mais recente de patrimó­ suscitado a nível internacional. As
Museum International: Views and Visions of the
nio cultural imaterial preconiza que inúmeras reuniões e projectos que Intangible, UNESCO, UK: Blackwell Publish­
apenas é possível manter uma tradi­ têm vindo a ser desenvolvidos no ing, 221-222 (56), 52-64.
ção viva se as condições necessárias âmbito da UNESCO são divulga­ 6
Appadurai, Arjun, 2002, “Cultural Diversity:
à reprodução cultural forem assegu­ dos no website desta Organização, A Conceptual Platform. Sustainable diver­
sity: the indivisibility of culture and develop­
radas, o que implica apoiar e valo­ sendo aí igualmente disponibiliza­
ment”, in, Katérina Stenou (ed.), UNESCO
rizar os “detentores” e os “trans­ da informação sobre os elementos Universal Declaration on Cultural Diversity - a
missores” desse património, bem inscritos nas Listas da Convenção.7 vision – a conceptual framework – a pool of ideas
como o seu modo de vida e meio Portugal só agora começou a ganhar for implementation – a new paradigm, Cultural
envolvente, salvaguardando a tota­ visibilidade nesta área com a apre­ Diversity Series, UNESCO, 1, 9-15.
7
A Lista Representativa contém actualmente
lidade do sistema como uma entida­ sentação da candidatura do Fado à
213 elementos, enquanto a Lista do Patrimó­
de viva.5 Neste sentido, a aplicação Lista Representativa, que se prevê nio Cultural Imaterial que Necessita de Salva­
eficaz da Convenção só será possível seja examinada pelo Comité do guarda Urgente inclui 16 elementos. (http://
mediante o contributo de diferentes Património Cultural Imaterial no www.unesco.org/culture/ich).
áreas disciplinares e recorrendo à próximo ano. Independentemente
constituição de parcerias variadas, da desejável apresentação em breve
inovadoras e criativas entre entida­ de outras candidaturas, o mais im­­
des públicas de tutelas diferentes, portante é a tomada de consciência
entre entidades públicas e privadas, de que existe um património cultu­ CLARA BERTRAND CABRAL,
entre os vários actores da sociedade ral português a que se dá a desig­ Comissão Nacional da UNESCO
civil, entre grupos e comunidades e nação de imaterial que urge dar a clara.cabral@unesco.pt
o Estado. Existem já inúmeras enti­ conhecer e salvaguardar.

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 7


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

Instituto dos Museus


e da Conservação
Programa para a Salvaguarda do Património
Cultural Imaterial em Portugal
Criado em resultado da fusão do Instituto Português dos Museus (1991-2007) e do Instituto
Português de Conservação e Restauro (1999-2007), o Instituto dos Museus e da Conservação
(IMC) constitui o organismo de referência a nível nacional no âmbito da actuação no domínio
do Património Cultural Imaterial (PCI).

ciado às respectivas colecções, bem


como promover campanhas de sen-
sibilização aos níveis nacional e local
sobre a importância da salvaguar-
da do PCI e desenvolver programas
educativos, designadamente a partir
dos museus.
Ao DPI-IMC compete cooperar com
centros de investigação, estabeleci-
mentos de ensino superior, autarqui­
as e particulares com vista ao registo
e divulgação dos bens imateriais,
bem como estimular estudos e o de­­
senvolvimento de metodologias de
investigação para a salvaguarda efi-
caz do património cultural imaterial.
No quadro de articulação interinsti­
tucional definido no âmbito do Mi­­
nistério da Cultura, é ainda ao DPI-
-IMC que compete assegurar a arti-
IMC: MISSÃO E COMPETÊNCIAS IMC, ao seu Departamento de Pa­­ culação e o apoio técnico às Direcções
NO ÂM­­BITO DO PCI trimónio Imaterial (DPI-IMC) com- Regionais de Cultura e a outras enti­
É ao IMC que se encontra cometida pete, designadamente, promover o dades públicas ou privadas em maté-
a missão de desenvolver e executar estudo, a sal­­­­­­­­­­vaguarda e a divulga­­­ ria de defesa e valorização dos bens
a política cultural nacional no domí- ção do Patri­mónio Cultural Imaterial, imateriais representativos das comu-
nio do Património Cultural Imaterial, pro­­mover o registo gráfico, sonoro, nidades.
designadamente através da definição audiovisual ou outro das realidades
e difusão dos normativos, metodolo­ sem su­­­porte material para efeitos ENQUADRAMENTO
gias e procedimentos relativos às di­­ do seu conhecimento, preservação LEGISLATIVO
ver­­sas componentes da sua salva- e valorização, bem como promover O regime jurídico de salvaguarda
guarda. No âmbito do Ministério da o registo dos bens culturais móveis do património cultural imaterial
Cultura, é também ao IMC que com- ou imóveis as­­­so­­ciados ao património encontra-se estabelecido em Portugal
pete a coordenação, a nível nacional, imaterial, sempre que aplicável. desde 2009, como expressão simul-
das diversas iniciativas a desenvolver Compete igualmente ao DPI-IMC tânea do desenvolvimento da Lei de
no âmbito da salvaguarda do PCI. apoiar os museus da Rede Portuguesa Bases do Património Cultural (Lei n.º
Nos termos do disposto nos diplo­ de Museus na realização de estudos 107/2001, de 8 de Setembro), desig-
mas instituidores da orgânica do sobre o património imaterial asso- nadamente do disposto no seu arti-

8 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

go 91.º, e da ratificação por parte de bre os quais, tal como definido pela Tratando-se de um sistema de infor-
Estado Português da Convenção para Lei 107/2001 e pelo Decreto-Lei n.º mação integrado, que inclui compo­
a Salvaguarda do Património Cultural 139/2009, se deve traduzir a salva- nentes de inventário, gestão e publi-
Imaterial (UNESCO). guarda de uma manifestação do Pa­­­­­­ cação online automatizada, a nova
No quadro daquele regime jurídico, tri­­­mónio Imaterial, designadamen­te versão do software (Matriz 3.0), pro­­
de­­­­­­finido pelo Decreto-Lei n.º 139/2009, registos fotográficos, fílmicos, so­­no­­­ moverá a aproximação integrada ao
de 15 de Junho de 2009, e re­­­gu­la­men­ ros, transcrições orais, ou outros. Património Material (móvel e imóvel,
tado pela Portaria n.º 196/2010, de 9 Pa­­­­­­ra além da ficha do elemento ima- natural e cultural) e ao Património
de Abril, assume par­­ticular re­­­le­­­vân­­­­ terial inventariado e dos respectivos Imaterial, de acordo com as orien-
cia a instituição do Inventário Nacio­ dados de registo, o software permi­ tações técnicas da UNESCO e do
nal do Património Cultural Ima­­terial, tirá igualmente o inventário e o aces- ICOM por parte das entidades já
que vi­sa dar cumprimento à obriga­ so em linha a outros bens patrimo- suas utilizadoras, com particular des-
ção pri­­­­­­­­­ma­­cial para o Estado Portu­­­ niais a ele associados, tais como bens taque para os Museus.
guês de­­cor­­ren­te da ratificação, em móveis, imóveis, espaços culturais e
2008, da Convenção para a Salva­guar­ naturais. O Inventário Nacional do Pa­­ DIVULGAÇÃO
­d a do Patrimó­­nio Cul­­­­tu­r al Ima­t e­r ial trimónio Cultural Imaterial será dispo- Desde a sua criação, o IMC tem pro-
(UNESCO, 2003). nibilizado publicamente em inícios curado fomentar a divulgação e valo-
de 2011 a partir de um Portal Web rização do PCI em Portugal, desig-
INVENTÁRIO NACIONAL DO PCI específico para o sector, que consistirá nadamente nos termos do dis­posto
A implementação do Inventário Na­­cio­­­­­­­- um re­­­curso de referência para toda a na Convenção para a Salvaguarda do
nal do Património Cultural Imaterial, que Comunidade dos Países de Língua Património Cultural Imaterial. A prin-
visa dar cumprimento ao dispo­sto na Por­­­­­­tuguesa, e será acompanhado da cipal das acções deste âmbito reali-
Convenção para a Salvaguarda do Pa­­tri­ pu­­­­­bli­­cação de diversos volumes de ori­ zadas pelo IMC consistiu no Ciclo
mónio Cultural Imaterial (UNESCO) em entações técnicas e boas-práticas para a de Colóquios “Museus e Património
matéria de constituição de inventários documentação e o estudo do PCI. Imaterial: agentes, fronteiras, iden-
nacionais, constitui a linha de actua- tidades”, constituído por seis coló-
ção nodal do programa de acção esta- SOFTWARE PARA A GESTÃO quios e realizado entre Fevereiro
belecido pelo IMC para a salvaguarda INTEGRADA DE PATRIMÓNIO e Novembro de 2008. O Ciclo teve
do PCI em Portugal. Como expressão de uma das suas como objectivo fundamental a pro-
O Inventário Nacional, cuja imple- principais linhas de acção para o moção da reflexão, debate e aus-
mentação decorre, naturalmente, da sector, os Museus tutelados pelo IMC cultação públicos sobre esta área
sua íntima articulação com o regime terão acesso, ainda em 2010, a uma de actuação patrimonial, designa-
jurídico estabelecido para o sector, ver­­­são actualizada do Progra­­­­­ma Ma­­­­­­­­­­­ damente sobre os desafios e opor-
em 2009, consistirá numa plataforma triz (© IMC e Softlimits, S. A., 1994- tunidades que a mesma configura,
in­­­­­­formática de acesso livre e em li­­ 2010), o software de referência do bem como sobre as modalidades
nha, que permitirá o carregamento Ministério da Cultura para o inven- de operacionalização e implementa-
dos vários tipos de documentação so­­ tário e gestão de Património. ção a nível nacional da Convenção

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 9


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

Um terceiro volume a publicar nesta


colecção en­­contra-se actualmente em
fase de pre­­­paração, para publicação
em 2011.
Finalmente, em 2008 o IMC lançou
a Colecção de DVDs “Arquivos do
Imaterial”, que tem como objecti­
vo essencial o reconhecimento da
im­­portância do registo audiovisual
como meio de salvaguarda do PCI,
designadamente enquanto compo­
nente estratégica de processos do
seu estudo e inventário em profun­
didade. Feito do retrato de determi­
UNESCO, 2003, ratificada pelo Esta­ origem, é expressão da estratégia de nado modo de vida em determinado
do Português nesse mesmo ano. valorização do papel que os Museus tempo e lugar, a Colecção “Arquivos
Para além de constituir o repositório assumem no processo de salvaguar­ do Imaterial” constitui-se também
de publicações e instrumentos elabo­ da do PCI, designadamente enquan­ como colectânea de olhares sobre a
rados pelo próprio DPI-IMC, o Portal to agentes por excelência na aborda­ diversidade das realidades sociais,
do IMC (www.imc-ip.pt) constitui gem e documentação integrada do sempre complexas, que no seu con­
um recurso de referência na divulga­ património material e imaterial. junto configuram a cultura tradicio­
ção de informação actualizada rela­ Identificação de boas práticas, refle­ nal popular em Portugal.
tiva a actividades desenvolvidas no xão e debate sobre as questões de O primeiro título desta Colecção, da
âmbito do PCI, designadamente no maior complexidade inerentes ao autoria das realizadoras Catarina
que respeita a encontros, colóquios, pro­­cesso de salvaguarda do PCI em Alves Costa e Catarina Mourão, é de­­­­­­­­­­­-
conferências, publicações e acções de Portugal: eis os objectivos essenciais dicado às Festas de Inverno em Trás-
formação. subjacentes à concretização deste -os-Montes, encontrando-se actu­­al­
importante projecto, materializado men­­­­­te em fase de edição o segundo
PUBLICAÇÕES neste volume de actas editado con­ volume, realizado no âmbito de
Desde 2008 o IMC publicou já vá­­ri­­as juntamente pelo IMC e pela Softli­ pro­­jecto orientado pelo Museu de
obras dedicadas ao PCI, de que de­­ mits, S. A.. Aveiro.
verá ser destacado Museus e Pa­­tri­­­­­mó­ Entre 2009 e 2010, o IMC editou igual­
nio Imaterial: agentes, fronteiras, identi­ ­mente duas importantes obras de INQUÉRITO “PATRIMÓNIO
dades (© IMC, 2009; 400 p.; ilustrado), com­­­­pilação de fontes para o es­­tu­do e IMATERIAL EM PORTUGAL” (2010)
que constitui o volume de actas do documentação do PCI em Por­tugal, Entre Março e Maio de 2010, o Insti­­­tu­
Ciclo de Colóquios realizado pelo uma de âmbito regional (o Ro­­­tei­ro to dos Museus e da Conservação rea­
IMC entre Fevereiro e Novembro de Bibliográfico de Etnografia da Re­­­­­­­­gião do lizou o Inquérito Património Ima­terial
2008. Reunindo 35 textos apresenta­ Oeste; 308 p.; ilustrado), e outra de em Portugal, de que foi alvo um total
dos naquele Ciclo de Colóquios, a âmbito nacional (a Biblio­gra­­­fia Ana­­lí­ de 494 entidades, assim re­­­par­ti­do
obra organiza-se em torno de seis tica de Etnografia Portu­guesa; 696 p.). entre as seguintes tipologias: Museus
grandes temas, para cuja problemati­ Esta última corresponde à reedição (139), Municípios (308), Di­recções Re­­­
zação foi convocada a colaboração de de uma obra de capital importância gionais de Cultura (7) e Unidades de
entidades diversificadas, com parti­ para esta área, publicada originalmen­ Investigação consideradas de po­­­ten­
cular expressão para os Museus, te em 1965 e da autoria de Benjamim cial relevância para a actuação no
Universidades e Centros de Inves­ Pereira, que tem servido de instru­ sector (40).
tigação, bem como profissionais de mento de referência para su­­­­­­­­cessivas O Inquérito teve como objectivo glo­
quadrantes muito variados no âmbi­ gerações de profissionais dedicados bal a identificação de acções recen­
to da Museologia, do Património e à documentação e valorização do Pa­­ temente realizadas no âmbito do
das Ciências Sociais, aqui com espe­ trimónio Cultural Imaterial. Am­­bos PCI por parte daquelas entidades,
cial destaque conferido ao modo de os títulos encontram-se já disponí­ bem como a identificação de fundos
olhar antropológico. A publicação, veis para download gratuito no documentais (em suporte texto, foto­
bem como o projecto que lhe está na website do IMC (www.imc-ip.pt). grafia, filme, som, ou outros) con­

10 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


POLÍTICAS PÚBLICAS
Tema de Capa

siderados de particular importân­­ dos do Inquérito serão disponibiliza­ Paris, que continuamente tem esti­
cia para a do­cumentação de mani­­ dos publicamente pelo Instituto dos mu­­­lado as iniciativas do IMC, de­­­
festações do PCI em Portugal, inde­ Mu­­seus e da Conservação, tendo sig­na­­damente no sentido da con­­­
pendentemente do tempo ou modo igualmente em vista a promoção da cep­ção e implementação do In­­­ven­­
da constituição destes. cooperação interinstitucional nesta tário Nacional do Património Cul­­­tural
Construído por relação íntima com área de actuação. Ima­terial. Destaque deve ser igual­
o regime jurídico de salvaguarda mente conferido às articulações
do Património Cultural Imaterial, FORMAÇÃO que o IMC tem vindo a estabelecer
o Inquérito encontra-se estruturado O IMC é responsável, através do no âm­­bito da região iberoamerica­
nas seguintes componentes de diag­­ seu Departamento de Património na, em particular com o Ministério
nóstico: a) caracterização geral da Imaterial, pela organização de Acções da Cul­­tura de Es­­­pa­­­nha, quer no
entidade na sua relação com a actu­ de Formação dedicadas ao estudo, âmbito da Sub­dirección General
ação no âmbito do PCI; b) planos documentação e inventário do PCI. de Mu­­seos Estatales, quer do Ins­
de actuação da entidade por relação A realização regular de tais acções tituto del Patri­monio Cultural de
com os vários domínios do PCI de­­ é efectuada em articulação próxima España.
finidos pela UNESCO; com os instrumentos metodológicos
c) caracterização dos fundos docu­ e normativos desenvolvidos o sec­ BIBLIOGRAFIA
mentais da entidade, simultanea­ tor do PCI pelo IMC, que constitui COSTA, Paulo Ferreira da (Coord.), 2009, Mu­­­
mente no que respeita a tipos de entidade formadora acreditada pela seus e Património Imaterial: agentes, fronteiras,
identidades, Lisboa, Instituto dos Museus e da
suporte, inventário/catalogação, e DGERT (Direcção Geral do Emprego Conservação; Softlimits, S. A..
gestão em base de dados; d) carac­ e das Relações de Trabalho). Para COSTA, Paulo Ferreira da, 2009, “Património
terização do âmbito social, territo­ além das Acções de Formação inte­ imaterial, identidade e desenvolvimento rural”,
rial e temporal dos mesmos fundos grantes do Programa de Formação in Os territórios de baixa densidade em tempos
documentais; e) caracterização dos da Rede Portuguesa de Museus, o de mudança (Conferência realizada no Centro de
Ciência Viva da Floresta, Proença-a-Nova, entre
modos de gestão, conservação e DPI-IMC organiza também acções 20 e 21 de Março de 2009), Câmara Municipal
acesso/divulgação da informação dirigidas a outros públicos, desig­ de Proença-a-Nova, pp. 169-178 [disponível
relativa a PCI; f) caracterização dos nadamente em contexto de ensino em www.imc-ip.pt].
recursos humanos e materiais e in­­ superior. Entre 2008 e 2010, o IMC COSTA, Paulo Ferreira da, 2008, “Discretos
ter­­institucionais utilizados para a realizou já nove acções de formação Tesouros: limites à protecção e outros contex­
tos para o inventário do Património Imaterial”,
actuação no âmbito do PCI. dedicadas ao estudo e inventário do Museologia.pt, n.º 2, Lisboa, Instituto dos Mu­­­
Matriz primacial de informação so­­­ PCI. Destas, quatro acções de forma­ seus e da Conservação, pp. 16-35 [disponível
bre o PCI a nível nacional, desig­ ção tiveram como destinatários pro­ em www.imc-ip.pt].
nadamente pelo seu carácter iné­ fissionais da região iberoamericana,
dito e extensivo, o Inquérito preten­ tendo sido realizadas por solicitação
de constituir-se como instrumento do Ministério da Cultura de Espanha.
fun­­­­­­damental para o conhecimento
apro­­fundado deste sector, a partir ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL
de cujos indicadores será possível a Para além da articulação com as Di­­­­­
identificação precisa de prioridades recções Regionais de Cultura, às
de actuação, em particular no que quais assegura o apoio técnico para
respeita ao desenho e implementa­ a intervenção no âmbito do PCI, o
ção de planos de salvaguarda, de IMC tem desenvolvi­do também re­­­­­­
âmbito sectorial e/ou regional, bem lações com várias outras en­­ti­­­­­­da­­­des
como à identificação dos bens ima­ de referência para o sector a nível
teriais sobre os quais deverão inci­ nacional, designada­men­­­te a Comis­ PAULO FERREIRA DA COSTA,
dir projectos de documentação com são Nacional da UNESCO, Univer­ Director do Departamento de Património
carácter prioritário, em particular sidades, Centros de Investigação e Imaterial do Instituto dos Museus e da
na perspectiva da sua inclusão no Museus. Conservação, I.P.
Inventário Nacional do Património Cul­­­ Das articulações desenvolvidas a ní­­­­­­­­­­­ Palácio Nacional da Ajuda,
Ala Sul, 4.º,
tural Imaterial. vel internacional, destaca-se, em pri­­­­­­­­
1349-021 Lisboa
Após a conclusão do seu tratamento, meiro lugar, a articulação já de­­sen­
dpi@imc-ip.pt | www.imc-ip.pt
actualmente em curso, os resulta­ vol­­vida com a Sede da UNESCO, em

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 11


REFLEXÕES
Tema de Capa

Património Imaterial
Onde mora a alma de um povo
Um dos grandes desafios colocados ao mundo moderno é a necessidade e urgência da protec­
ção do património cultural imaterial dos povos, que tende a ser aniquilado pelo fenómeno da
globalização. Este fenómeno, que atravessa irremediavelmente todas as sociedades, tem vindo
a causar, entre outros efeitos negativos, a extinção dos modos de vida locais e o desenraiza­
mento das novas gerações em relação às suas referências culturais.

res, excelências, parémias, apodos,


adivinhas, rimas infantis, orações,
rezas, responsos, fórmulas de su­­
perstições e de mezinhas, escon­
juros, pragas e maldições, agouros
ou profecias, orações com escárnio,
galanteios, pregões, chamamentos
de animais…), como também todo
o universo de saberes e vivências da
cosmogonia popular, tais como os
falares regionais, os ritos e as festas,
os jogos, as danças, os saberes do
artesanato, da culinária e dos traba­
lhos rurais e marítimos, a mitologia
popular, a etiologia dos lugares de
memória, etc..
Difere, pois, da cultura material pela
natureza dos seus suportes, uma
vez que esta se sustenta, funda­
mentalmente, na estrutura física das
obras de arte, dos monumentos, das
ruínas, das paisagens, de algumas
aldeias, algumas cidades, etc..
O património imaterial, por sua vez,
por sustentar-se em suportes extre­
mamente frágeis que a sociedade
moderna e a Globalização põem
permanentemente em causa, está
em risco de perder-se. Aliás, uma
parte significativa ter-se-á já per­
dido com a extinção dos respecti­
vos contextos, associados à vivência
Rostos de histórias e memórias. rural: perderam-se muitas peças do
romanceiro e do cancioneiro por­
O que é então o património imate­ que têm a memória oral como meio que se extinguiram muitos traba­
rial? Embora não haja estudos de de preservação e de transmissão. lhos agrários como segadas, desfo­
natureza conceptual suficientemen­ Engloba, por isso, não só o campo lhadas, malhadas, rogas, pastoreio;
te aprofundados, é possível, à parti­ “esmigalhado” da literatura popu­ perderam-se muitos contos e lendas
da, admitir como definição elemen­ lar de tradição oral (lendas, mitos, porque se extinguiram os fiandei­
tar todo o conjunto de manifestações contos populares, romanceiros, can­ ros e quase já os serões à lareira;
e expressões de natureza intangível cioneiros, quadras, autos popula­ perdem-se as fórmulas de rezas,

12 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


REFLEXÕES
Tema de Capa

mezinhas, superstições e agouros


porque se vão extinguindo muitas
práticas esotéricas de cariz popular,
especialmente os rituais associados
à medicina popular; perdem-se tam-
bém os textos de muitas orações
populares por força da extinção dos
antigos rituais de morte e da adop-
ção de novas práticas civilizacionais
relacionadas com a doença e outras
obsessões íntimas; entretanto, vão-
-se perdendo apodos, ditos e pragas
porque se extinguem tradições e Mitologia da paisagem.
trabalhos rurais como matanças do
porco, lagaradas, torna-geiras, etc.. da literatura oral tradicional, como é
Em Portugal, porque são diversifi- o caso dos que compõem os roman-
cados os seus espaços etno-geográ- ceiros, só ganham mesmo sentido na
ficos, há regiões que, praticamente, oralidade.
perderam já as suas referências cul- De preferência, devem ser preserva-
turais tradicionais. Assim aconte- dos ou repostos (em etno-museus e
ce, em especial, com as grandes eco-museus, por exemplo) alguns
metrópoles. Por outro lado, noutras cenários tradicionais que possam
regiões, como é o caso de Trás- constituir-se como espaços de inter-
-os-Montes e Alto Douro, é ainda pretação, para as novas gerações,
possível achar um razoável grau de daquilo que é a cultura mais genuí-
consistência em matéria de literatu- na do seu povo.
ra oral tradicional e de outros bens Ao serem proclamados pela UNESCO
culturais imateriais, por força da como “obras-mestras” da humani­
manutenção de alguns contextos e dade (como tem acontecido em mui-
“habitats” tradicionais. É imperio- tos países), os patrimónios imateriais
so, contudo, reconhecer a iminência ganham, obviamente, uma nova
da sua extinção, com a alteração “energia” com implicações positivas
gradual do modo de vida local e o na sua preservação e dignificação. A Sr.ª Cândida junto ao túmulo do conde de Ariães.
desaparecimento de certos traba- aquisição de tal estatuto não é, toda-
lhos agrários e de outros cenários via, determinante. Determinante é necessidade de um retorno ao acon-
da tradição rural onde os textos se a adopção pelos países de medidas chego das suas identidades, poderão
reproduziam e reelaboravam. legais e administrativas de protec- acusar-nos de não ter tido o devido
Às sociedades modernas cabe, en­­tão, ção do património imaterial, que cuidado em preservar as suas refe-
encontrar meios para resgatar, reuti- tenham efeitos quer na criação e rências culturais. Ou seja, culpar-nos-
lizar e preservar todos estes bens. E a enriquecimento de etno-museus ou -ão de ter rompido o fio da memória
recolha e publicação, em livro, de tal eco-museus, quer na realização de que os liga às suas raízes.
património não pode ser uma solu- inventários regionais e no fomen-
ção definitiva, como alguns desejam. to de estudos interpretativos deste
Nas páginas de um livro os textos património.
ALEXANDRE PARAFITA,
tendem a cristalizar. O livro deverá, Afinal, está em jogo a memória e
Escritor, Doutor em Cultura Portuguesa,
por isso, ser apenas um último recur- a identidade de um povo. Se ficar- Centro de Tradições Populares Portuguesas
so. E sempre um recurso provisório, mos de braços cruzados, as futuras da Universidade de Lisboa
Aliás, alguns dos mais belos textos gerações, ao confrontarem-se com a

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 13


TÉCNICAS TRADICIONAIS
Tema de Capa

As construções em pasta
No Alto Minho, e em particular numa faixa do território que se estende entre os concelhos de
Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção e Melgaço, existe um conjunto de construções nas
quais se aplicou um material tradicional em granito – a pasta.

seguir duas orientações: a horizontal


(ou do levante), ou vertical, quer no
sentido Norte-Sul, quer na orienta-
ção Este-Oeste (Afonso, 1982: 142).
Após terem optado pela melhor linha
de corte, os pedreiros sinalizavam-na
na rocha por pontos em barro (o ris-
cote), sobre os quais abriam com pon-
teiros orifícios fusiformes (as cunhei-
ras)4. Depois introduziam neles umas
cunhas em madeira, geralmente de
oliveira, que martelavam com maços
até ficarem bem ajustados às paredes
do orifício.
A seguir deitava-se água sobre as
cunhas que, ao dilatarem, rachavam
a pedra em tiras (a pasta) com cerca
de 50 a 60cm de largura e um com-
primento oscilando entre 1 a 3m.
A espessura rondava os 10cm. Por
vezes, saíam pastas duplas que eram
Casa de Maria Galega, construída nos anos 50 do século XX (Campos, Vila Nova de Cerveira). posteriormente abertas na obra5.
Mais tarde, as cunhas em madeira
Orlando Ribeiro definiu a pasta co­­­mo resto da rocha […] as principais pedreiras passaram a ser em ferro e foram
uma prancha de granito, delgada e talha- encontram-se, quanto ao granito porfirói- depois substituídas pelos guilhos de
da com certa regularidade, não tanta que de, na região de Friestas, Gondomil e Lara. broca ou pinchotes em aço com duas
os seus lados se ajustem perfeitamente: A pedra mais procurada para os palmetas que criavam um orifício em
nas vedações os elementos encostam-se esteios das latadas (postes) e os muros V essencial para rachar a rocha. O
uns aos outros; nas casas, as juntas le­­ e casas em pasta era a da pedreira processo veio a simplificar-se com
vam sempre um reboco caiado, mostran- do Salgueirinho, situada em Sanfins o emprego da agudadeira que dis-
do um estranho aspecto listrado de alto e de Friestas, por ser de grão muito pensou o uso de palmetas (Afonso,
baixo. homogéneo, o que lhe confere gran- 1982:144-146).
O granito branco, acinzentado, era o de resistência e impermeabilidade1. O transporte da pasta para a obra
mais utilizado para a construção em O modo de extracção tradicional do utilizava, antigamente, carros de bois
pasta, mas empregava-se também o granito começava, quase sempre, mesmo quando apareceram os cami-
granito rosa, ou granito de Monção, por escavar a terra à procura de ões, pois estes não podiam aceder às
existente num afloramento litoló- uma rocha e, logo que esta aparecia, pedreiras pelos estreitos caminhos.
gico que se estende na direcção da procedia-se ao seu corte, ou rachar2. As pedras iam para os descarregadou-
Galiza até Porriño. O processo atendia ao modo como ros situados em locais mais acessíveis
Segundo Carlos Teixeira, o granito de a pedra estava organizada em dife- ao transporte por estrada6.
Monção é de textura porfiróide, levemente rentes planos de clivagem, ou seja, de A construção das casas iniciava-se
róseo, no geral com grandes cristais de linhas de corte3. Os pedreiros procu- com a abertura dos caboucos com
feld­­­spato, que se destacam da massa de ravam rachar o penedo segundo os 50cm de fundo, onde as pranchas
grão médio e grosseiro constituinte do correres da pedra, para o que podiam de granito eram colocadas ao alto e

14 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


TÉCNICAS TRADICIONAIS
Tema de Capa

parcialmente enterradas, formando


o andar térreo. A parte restante da Muro em pasta (Campos, Vila Nova de Cerveira).
parede era em tijolo, mas existem
casas feitas inteiramente em pasta7.
Abertos os caboucos, faziam-se os
cantos da obra colocando em cada
extremidade duas pedras em ângulo
recto a servir de cunhais e ligadas
por um fio que servia de nível para
o alinhamento das outras pedras8.
Na execução dos paramentos procu-
rava-se assentar as pastas de mo­­­do
a reduzir o mais possível a largura
Casa em pasta (próximo de Valença). Casa em Breia (Mazedo, Monção).
das juntas. Depois de assentadas,
as pastas eram recortadas por cima
à mesma altura com uma marreta gas em tijolos colocados vertical- causar danos nas linhas de água e
que se ia batendo em pequenas pan- mente ou obliquamente em duas no solo onde se cultivava, pastorea-
cadas, escanando a pedra e seguindo filas opostas, travados (ou fecha- va ou florestava com espécies arbó-
um fio estendido a servir de nível9. dos) ao meio por uma cunha. Nos reas como o carvalho, o sobreiro,
Nas juntas aplicava-se argamassa de interstícios das ombreiras coloca- etc., cuja madeira era utilizada na
cal hidráulica do seguinte modo: fa­­­ vam-se pequenas pedras. Depois construção de casas de habitação e
zia-se um molho de palha de centeio rebocavam-se os fechos com arga- fabrico de alfaias, teares, rodas de
atada com um fio a um pau, que se massa13. moinhos, prensas de lagar, etc..
encostava a toda a altura do intervalo Para a cobertura das casas mais anti- Fazia-se a fracturação da rocha no
entre duas pastas e seguro por uma gas empregava-se a telha canudo; nas mí­­nimo indispensável para satisfa-
pedra. O outro lado da jun­­ta era, mais modernas, a telha marselha14. zer as necessidades das comunida-
então, revestido com a argamassa. A utilização da pasta como material des camponesas. Não se exportava
Depois desta puxar um pouco, retira- de construção revelava certas espe- pedra.
va-se o pau e continuava a proceder- cificações que hoje são ponderadas A arquitectura tradicional em pasta
-se do mesmo modo para argamassar nas opções para uma Arquitectura exigia menor quantidade de grani-
as outras juntas10. sustentável ambientalmente. to e implicava menos desperdício
Por ser em pedra não porosa, a pasta Logo na fase da exploração dos re­­cur­ do que o sistema construtivo em
evitava as infiltrações de água e, por ­sos naturais para a obtenção dos ma­­­ perpeanho. Contrariamente a outros
isso, a parede exterior ficava, quase teriais, os métodos utilizados reve­­la­ ma­­­teriais (como o betão), a obtenção
sempre aparente enquanto que a do vam uma minimização dos impactos. do granito em pranchas não impli-
interior poderia ser rebocada com Evitava-se o mais possível a utili­ cava grande consumo energético.
argamassa de cal e areia11. za­­ção dos maciços rochosos que Era ainda de execução menos one-
A cal vinha do centro do País em com- coroavam os cimos dos montes, em rosa do que a realizada em perpea-
boio dentro de barricas de madeira e muitos casos, inacessíveis aos meios nho, pois este exigia gruas e outros
era queimada conforme as necessida- de transporte utilizados e, por isso aparelhos de elevação das pedras
des, sendo traçada com areia para se mesmo, onde era difícil fazer carre- e necessitava de mais mão de obra
fazer a argamassa12. go e transporte da pedra. para picar e esquadriar a pedra.
Os vãos das portas e janelas eram Os pedreiros procuravam as rochas A técnica utilizada no erguer dos
superiormente rematados por ver- na meia encosta escavando-as sem muros e das paredes representava

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 15


TÉCNICAS TRADICIONAIS
Tema de Capa

um saber-fazer de grande eficiência o risco de extinção. Em vez de se mentação de uma estratégia visan-
na procura da maior estabilidade e reabilitarem os velhos muros prefe- do aquele objectivo. O que subsiste
resistência aos esforços mecânicos e rir-se-á construir de novo segundo do saber-fazer no construir aguarda
condições atmosféricas sem deixar modelos importados de que resul- medidas de salvaguarda através
de garantir condições de conforto tará a banalização da paisagem, de intervenções de reabilitação e
térmico do seu interior. aumentando o desperdício e o con- conservação por profissionais qua-
Permitia ainda satisfazer a necessi- sumo de recursos naturais. lificados nas técnicas construtivas
dade de construção de anexos rurais As casas de habitação e anexos em tradicionais.
(cobertos, sequeiros, etc.) a um baixo pasta também correm o risco de As construções murárias e as casas
custo, o que também ajudou a resol- uma cada vez maior degradação se em pasta constituem, entre outros,
ver o problema da habitação para não forem alvo de intervenções para testemunhos de uma Arquitectura
algumas famílias de menores rendi- conservação e restauro. Existem já Po­­pular que, após décadas de aban-
mentos. alguns casos de substituição de pare- dono e destruição, tem direito a ser
Usadas como vedação de campos des em pasta por alvenaria de tijolo considerada, não como uma reminis-
– prados, as construções murárias rebocado por cimento. Outras habi- cência de um viver de dificuldades e
em pasta constituem, para além de tações acabam por ruir por completo miséria, mas antes como um legado
uma solução simples e eficiente, um e em lugar delas surgem constru- de uma herança cultural a preser-
elemento valorizador da paisagem ções de tipologias nada condizentes var. Preservar, não numa perspecti-
agrária. Porém, com o definhamento com a arquitectura tradicional. va meramente patrimonialista, versus
das economias camponesas e o aban- No Alto Minho urge implemen- turística ou de rentabilização imobi-
dono da actividade agrícola associa- tar uma política de Conservação e liária, mas privilegiando a divulga-
da à pastagem, muitos campos – pra- Reabilitação do Património enqua- ção do saber-fazer tradicional que,
dos deixam de o ser e podem vir a drada num modelo de desenvol- incorporado em técnicas construti-
perder as suas vedações em pasta por vimento económico que acautele vas ambientalmente sustentáveis e
não terem sido alvo de conservação. as diferenças culturais regionais e identitárias, poderá alicerçar o futuro
Ao serem substituídos por outras contribua para contrariar o crescen- inovador.
soluções, desinseridas no contexto te desemprego e o processo de des-
da identidade cultural das comu- povoamento em curso, permitindo AGRADECIMENTOS
nidades locais, menosprezar-se-á o às comunidades camponesas serem Ao Sr. Alípio Nunes pela sua orientação na
visita às pedreiras de Salgueirinho explican-
saber-fazer tradicional, que correrá os agentes privilegiados na imple-
do-nos o modo tradicional da extracção do
granito em pasta.
Ao Sr. Diamantino Gonçalves Cunha, de Cha-
A A.C.E.R – Associação Cultural e de Estudos Regionais é uma Associação mosinhos, S. Pedro da Torre, Valença pelos
Cultural sem fins lucrativos com personalidade jurídica, registada no esclarecimentos prestados e descrição do pro-
cesso construtivo em pasta.
R.N.P.C. sob o nº P 505844575 e que prossegue como objectivos estatutá-
rios: “a inventariação, estudo e divulgação do Património Cultural; salva­ NOTAS
guarda do Património Natural e Cultural; intercâmbio com outras asso- 1
a 4 Alípio Nunes, Friestas, Valença.
ciações congéneres nacionais e estrangeiras”. Como logótipo usa a folha 5
a 14 Diamantino Cunha, Chamosinhos, S.
do Ácer, ou Bordo pseudoplatanus, espécie arbórea existente no noroeste Pedro da Torre, Valença.
montanhoso do país.
BIBLIOGRAFIA
O grupo de sócios que constituíram a A.C.E.R. desenvolveu, desde 1988, a RIBEIRO, Orlando – A civilização do granito no
inventariação do Património Natural e Cultural do Alto Minho, uma parte Norte de Portugal (elementos para o seu estudo),
do qual se encontra disponível no site http://emi.valedominhodigital.pt. “Geografia e Civilização”, p. 24.
Procurando implementar a continuidade da iniciativa e imprimir-lhe maior TEIXEIRA, Carlos – Carta geológica de Portu­gal.
Notícia explicativa da folha 1-A (Valença). Servi-
dinâmica, a A.C.E.R. está a desenvolver o projecto Os saberes fazer do passa-
ços Geológicos de Portugal, Lisboa, 1956.
do no desenvolvimento rural do Vale do Minho compreendendo 1) Pesquisa e AFONSO, Manuel Pires – A Arte de Talhar a
inventariação visando aquilatar a existência, no Vale do Minho, de mão de Pedra, Sep. “Mínia”, n.º 5, P.N.P.G., Braga,
obra habilitada nas antigas técnicas tradicionais de Conservação e Restau- 1982.
ro, algumas em risco de extinção com descrição, registo em fotografia digi-
tal e vídeo, divulgação em site e livro do “saber fazer” de algumas daquelas
técnicas incluindo o levantamento das expressões culturais tradicionais
imateriais individuais e colectivas; 2) Sensibilização da comunidade escolar ANTERO LEITE,
do Vale do Minho; 3) Proposta de realização, por entidades formadoras A.C.E.R. – Associação Cultural
credenciadas, de cursos nas antigas técnicas de Conservação e Restauro. e de Estudos Regionais

16 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ENTREVISTA
Tema de Capa

Fado
Candidato a Património Cultural Imaterial da Humanidade
Ao dedicar este número ao Património Imaterial, a Pedra&Cal não poderia deixar de abordar um
dos mais marcantes e importantes fenómenos da cultura portuguesa, o fado: um repositório de
memórias, caminhando a par e passo com os diversos acontecimentos políticos e sociais da Histó­
ria dos séculos XIX ao XXI.

Representante vivo de uma identida­


de, o fado liga-se não só à cidade de
Lisboa, como também à comunidade
portuguesa espalhada pelos quatro
cantos do mundo. Tudo isto bastaria
para darmos uma especial atenção a
esta expressão musical, no entanto,
foi apresentada, este ano, a sua can­
didatura a Património Cultural Ima­
­­­­terial da Humanidade pela Câ­­­­ma­­ra
Municipal de Lisboa.
A equipa da Pedra&Cal visitou o Mu­­
seu do Fado. Fundado em 1998, si­­tu­
a-se no Largo do Chafariz de Den­tro,
em Alfama. Ocupa um antigo edifí­
cio, que outrora fora uma estação ele­­
vatória de águas. No seu interior há
um espaço para uma exposição per­
manente e um local para ex­­posições
temporárias, um auditório para pa­­ Interior do Museu do Fado.
les­­tras e espectáculos e uma escola,
que lança as sementes para os gran­ testemunho que não o da memória
des músicos do futuro. Detentor de de cada um. Portanto, atendendo a
prémios e distinções, como a Men­ção esta preocupação procurámos substi­
Honrosa na categoria Melhor Museu tuir os cenários que existiam na anti­
Português, em 2009, atribuída pela As­­ ga exposição que recriavam ambien­
sociação Portuguesa de Mu­­seo­­lo­gia, tes de fado, como uma casa de fados
o museu alia diversos registos com o e uma taberna. Substituiu-se este dis­
intuito de podermos tocar o etéreo curso museográfico por outro, ao
fado. Durante a visita ti­­ve­mos a hon­ longo do qual é possível consultar
­ra de conversar com a di­­rec­tora do dezenas de conteúdos sobre o fado,
Mu­­seu do Fado, Sara Pereira. desde largas dezenas de fados de
João Brizzi / CR

vários intérpretes a histórias das vi­­


Quais são as estratégias utilizadas das dos fadistas, pesquisar as colec­
para musealizar o Património Ima­ ções do museu no centro de docu­
terial? Sara Pereira, Directora do Museu do Fado. mentação, consultar a biografia de
Houve uma remodelação do museu um artista e visionar um filme dele,
em 2008, ao abrigo de uma candida­ to do nosso objecto, o fado, como além de pesquisar sobre o roteiro de
tura ao programa operacional da cul­ algo essencialmente imaterial, algo fado em Lisboa. A preocupação sub­
tura. Esta remodelação inseriu-se fugaz, incorpóreo e irrepetível, que jacente a toda esta renovação do cir­
den­­tro de uma lógica de entendimen­ dificilmente se materializa noutro cuito expositivo foi a de dotar o mu­­

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 17


ENTREVISTA
Tema de Capa

­
continuam a ser a grande solução o objectivo de ter um museu vivo. A
para promover e interpretar esta escola oferece cursos de guitarra
memória. portuguesa e de viola de fado, reali-
za seminários para letristas de fado,
Qual é a origem do espólio do mu­­ e ateliês para canto. Há alunos de
seu? todos os cantos do país e do mundo,
Todas as colecções do museu foram já tivemos alunos norte-americanos,
fruto de doações de intérpretes, mú­­­ italianos e japoneses, é muito curio-
sicos, construtores de instrumentos, so perceber que há este encantamen-
entre outros. Todos doaram ao mu­­seu to universal pelo fado.
João Brizzi / CR

as suas colecções, o seu património


afectivo em prol da construção deste E quanto ao fabrico da guitarra por­
projecto comum, um projecto colecti- tuguesa? Existe alguma estratégia
Centro de Documentação, Museu do Fado. vo muito virado para a comunidade, de­­finida para a salvaguarda des­­te
em estreito diálogo com os artistas. ofício?
seu dos instrumentos ne­­cessários A Colecção está estimada em 17 000 Há dois mestres construtores em
para musealizar o património imate- peças. actividade consensualmente reco-
rial, nomeadamente através de um nhecidos e acarinhados pela comu-
sistema de áudio-guias que permitis- No espaço do museu também existe nidade, os mestres Gilberto Grácio e
se a cada visitante escutar o fado e o uma escola de fado. Como funciona Óscar Cardoso. A nossa ideia foi
artista à sua escolha sem cons­­­tran­ e quando surgiu? definir com eles um programa de
gimentos de grupo. Os au­­­diovisuais A escola surgiu em 2001 e consolida formação para as novas gerações.

­
Rui Vieira Nery é um dos maiores ção de competências da Assembleia
musicólogos portugueses, conhecido Geral da UNESCO, decide nesta ma­­
não só pela sua produção académica téria) sobre outras candidaturas já
como também pela sua acção enquan- apreciadas neste contexto.
to Director-Adjunto do Serviço de A primeira condição exigida é o ca­­
Mú­­­sica da Fundação Calouste Gul­­ rácter representativo do género pro-
ben­kian e como Secretário de Estado posto – neste caso o Fado – como prá­­­­
da Cultura. Actualmente, exerce a fun­ tica identitária da cultura da comuni-
­ção de Director do Programa Gul­­ben­ dade que o produz. Esta representa-
­kian Educação para a Cultura e é o tividade é demonstrada quer pela
Presidente da Comissão Cien­­tífica da própria dimensão da sua prática co­­mo
Candidatura do Fado à Património pelas declarações expressas das insti-
Cultural Imaterial da Humanidade. tuições representativas da comu­­ni­­da­­­
A Pedra&Cal teve o privilégio de en­­­ de no plano político (Câmara e As­­­
trevistar o musicólogo sobre a candi- sembleia Municipal de Lisboa, Go­­ver­ Rui Vieira Nery, Presidente da Comissão Científica
datura do Fado. ­­­no, Assembleia da República, Presi­ da Candidatura do Fado.
dente da República), quer por decla-
Qual é a estratégia adoptada para rações expressas de apoio, tanto por Em segundo lugar é necessário de­­
que o Fado seja considerado Patri­­ parte das associações que represen- monstrar que existe um plano de sal­
mó­­­nio da Humanidade? Quais são tam os músicos, os autores e os edito- ­vaguarda que expressa um compro-
os pontos fortes da candidatura? res, como das comunidades popula- misso das instituições públicas e pri-
A estratégia da Candidatura do Fado res de bairro, sobretudo colectivida- vadas do País proponente na protec-
assenta antes de mais nos termos de­­­ des de Cultura e Recreio que têm uma ção e estudo do género proposto.
finidos pelo próprio texto da Con­­­ for­­te tradição de associação à prática Nest­­e caso temos protocolos de cola-
ven­­ção da UNESCO para o Patri­­­mó­­ do Fado, e como dos próprios fadis- boração entre a Câmara de Lisboa
nio Cultural Imaterial da Huma­­ni­­da­ tas, que são os protagonistas do géne- (através da EGEAC) e todas as enti-
de, e também na análise das decisões ro. A candidatura inclui largas deze- dades que possuem espólios docu-
do órgão competente (a Comissão In­­ nas de declarações individuais e ins- mentais relevantes para a História do
ter-Governamental que, por delega- titucionais de apoio neste sentido. Fado (Instituto de Etnomusicologia,

18 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ENTREVISTA
Tema de Capa

Eles próprios garantirão a formação


de novos construtores. A partir de
2012 contamos ter instalada uma
oficina de construção de guitarra
portuguesa no âmbito de um pro-
jecto de renovação da Mouraria. A
oficina de construção de guitarras
tam­­­bém poderá ser visitada por
turistas.

E já há algum local específico?


Temos um edifício em mente, no Lar­
­­go da Achada. Isto prende-se com
outro projecto que a Câmara de Lis­
boa está a desenvolver, que é a recu-
peração da Casa da Severa, na rua
do Capelão. Este edifício também se­­­­-
rá reabilitado e transformado num
espaço de cafetaria, com projecção
de filmes e com programação. No
mesmo eixo teremos muitos pó­­los
visitáveis. O Mais Português dos Quadros, painel lenticular, João Vieira, 2005.

RDP-RTP, Biblioteca Nacional, Arqui­ uma nova geração de intérpretes de género é essencial para a sua evolu-
­­vo Nacional da Torre do Tombo, Mu­­ grande qualidade. De facto, não está ção futura e para a sua vitalidade.
seu Nacional do Teatro, Museu do em risco de desaparecer. Isto pode
Fa­do, Museu da Cidade, Museu de dificultar a candidatura? Além dis­­ Sendo o Fado reconhecido Patri­mó­
Etnologia, Sociedade Portuguesa de to, quais são os aspectos específicos nio Imaterial da Humanidade, quais
Autores, A Voz do Operário, etc.). que necessitam de acções de salva­ seriam os benefícios para Portugal e
Pre­­tende-se a articulação em rede guarda? para a cidade de Lisboa?
destas instituições de modo a facilitar A Convenção separa entre a Lista Para lá da visibilidade internacional
o acesso a toda a documentação nelas Representativa do Património Cultu­ acrescida que a inclusão na Lista da
preservada e facilitar um programa ral Imaterial da Humanidade, que é UNESCO poderá trazer ao Fado, a
de intervenção em várias linhas: aquela a que o Fado é candidato, e Lisboa e à Cultura portuguesa no seu
- inventariação das gravações fono- que não implica risco imediato de de­­ todo, a vantagem da Candidatura te­­rá
gráficas de Fado, desde 1900; saparecimento do género proposto, e sempre sido o esforço de pesquisa, re­­
- digitalização dessas gravações, nu­­­- uma segunda lista de Patri­­mónio em colha e estudo que foi levado a cabo
ma primeira fase até à década de 1950; risco, que neste caso não se aplica. A para a sua preservação, a uma escala
- reedição de fontes relevantes para a aprovação anterior do Tango e do sem precedentes, e o espírito de co­­­
História do Fado (antologias poéticas, Fla­­menco, que estão igualmente em mu­­nidade que se gerou na co­­mu­­ni­
colecções de partituras, iconografia); pleno desenvolvimento na actualida- dade fadista, em particular, e na opi-
- reedição de estudos importantes da de, demonstra que esse não deverá nião pública, em geral, em torno da
historiografia do Fado (Pinto de Car­ ser um obstáculo à aprovação da nos­ Candidatura e da importância patri-
­valho, Alberto Pimentel, Avelino de sa Candidatura. No entanto, su­­b­li­­ monial do Fado. Qualquer que venha
Sousa, Luís Moita, A. Vítor Machado, nha­­mos fortemente na Candi­­datu­ra a ser a decisão final – e estamos con-
Ruben de Carvalho, Joaquim Pais de a necessidade de preservação das fiantes em que será positiva – essa
Brito, etc.); fon­­tes documentais para a História vitória já está adquirida.
- apoio à reedição de discografia de do Fado, independentemente do seu
Fado com valor documental. desenvolvimento actual, que até ago­
­ra têm estado de um modo geral ina­ Entrevistas de
O fado é hoje um estilo reconhecido cessíveis e dispersas, e consideramos REGIS BARBOSA,
Pedra & Cal
em todo o mundo e que conta com que essa preservação da memória do

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 19


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

O Projecto Museológico
do Museu Agrícola de Riachos
– Casa-Memorial Humberto Delgado
Do conhecimento tácito ao conhecimento explícito
O Museu Agrícola de Riachos (MAR) desde 1989 tem vindo a promover a reunião entre a prá-
tica museológica e o uso museográfico das culturas, material e imaterial, integrando-as como
componentes do desenvolvimento de base territorial, tornando-as, assim, referências obriga-
tórias e base de acção deste museu comunitário.

nos está transitoriamente confiado,


suscita-nos uma reflexão/acção con-
creta. Por isso o desenvolvimento do
Projecto Museológico “MEMÓRIA
VIVA – Património, Museologia e
Cidadania”, liderado pela Direcção
Técnica do MAR, com o apoio da
Direcção da Associação de Defesa
do Património Histórico e Natural
da Região de Riachos, enquadra-se
no modo como aquela direcção vê
o papel da cultura museológica. A
política de afirmação está inserida
na ideia geral de que o trabalho
Manuel Lopes Triguinho

em rede e as parcerias de colabora-


ção/cooperação hão-de ser pilares
fundamentais para a continuidade
de valorização do acervo conjun-
Debulha na Eira, com Locomóvel, década de 50, século XX. to do Museu Agrícola de Riachos
integrando, desde 2010, os testemu-
Para nós, o conhecimento tácito, ou temáticas; Colóquios, Seminários, nhos patentes na Casa Memorial
seja, aquela forma de conhecimento Estágios, Projectos de Investigação, Humberto Delgado (CMHD), tanto
enformada por valores e crenças, Parcerias nacionais e internacio- materiais quanto imateriais.
transforma-se, nas nossas práticas, nais, etc.). Neste sentido, e tendo A comunidade envolvente a estas
no conhecimento explícito, enten- em consideração os instrumentos duas instituições culturais aposta
dido, aqui, como aquela forma de jurídicos e técnicos de enquadra- no tema da Memória do trabalho
conhecimento que é articulável, mento desta visão, a publicação da rural, na Freguesia de Riachos, e no
transmissível, didacticamente útil. Portaria n.º 196/2010 de 9 de Abril, tema da Liberdade, na Freguesia
O conhecimento resultante é o que criando condições para que pos- da Brogueira. Estes valores percep-
nos dá capacidade para agir, tam- samos dispor de um procedimen- cionam-se através dos testemunhos
bém, de um ponto de vista social. to de inventariação do património confiados pelas populações locais
A mutação deste conhecimento cultural imaterial, permitindo a sua às instituições de onde emana este
regista-se através da dinâmica expo- identificação, estudo e documenta- projecto conjunto e na forma como
sitiva e dos eventos que se suce- ção sistemáticos, foi relevante. Os elas parecem sentir ser o papel des-
dem nos ciclos agrários (Festa da passos a dar para melhorar a sal- tas casas de cultura. A fusão entre
Bênção do Gado, Festa da Flor, etc.) vaguarda e correspondentes divul- o projecto museológico do MAR e
e nos ciclos urbanos (Exposições gação e fruição do património que o da CMHD, asseguram condições

20 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

de trabalho concreto e perspecti-


vas de modernidade na adminis-
tração e partilha da Memória Viva
regional. O PM agrega os valores
da Etnografia com os da História
Manuel Lopes Triguinho

Contemporânea.
O Núcleo de Técnicas Tradicionais
de Construção, desde 1994 que se
dedica ao estudo, divulgação e visi-
tação turístico-cultural das técnicas Largo da Igreja Velha, década de 60, século XX.
que, um pouco por todo o território,
se foram desenvolvendo desde os uma agricultura intensa de várzea e memória que o futuro da democra-
tempos da fixação da população de regadio natural ou de troços de cia exige sempre renovado.
até aos tempos em que os vestígios charneca e de leiras, anexas a matas, O Museu Agrícola de Riachos inte-
desse e de outros tipos de ocu- vinhedos e pomares, deixava tempo gra-se na designação de museu
pação humana se tornam recursos para esse tipo de trabalho casei- etnográfico e «museu da comunida-
que podem activar o património ro. Há, vincadas nas memórias dos de», porque, também na perspectiva
natural e cultural. Observar uma Homens e Mulheres, bem como nos UNESCO, associa etnografia, antro-
obra de taipa ou de adobe, bem documentos deixados pela voraci- pologia e folclore, considerados
como perceber o uso dos desig- dade do tempo, muito material que como «culturas ou elementos culturais
nados «tufos» como material por- ajuda à «reconstrução da Memória» pré-industriais, estudados através dos
tante de muros e caixas murárias, bem como à «didáctica do Tempo». testemunhos passados ou pertencentes
é lição histórica e experimentação Em ambas nos é possível vislum- a um passado mais recente estudados
prática que se podem conciliar no brar testemunhos importantes para directamente». O espaço dedicado às
espaço museológico de Riachos e percebermos em ambiente rural e técnicas tradicionais de construção,
Brogueira. Como factores de acti- urbano a cultura material e imaterial patentes na museografia criada para
vação económica os materiais locais da Região. o efeito, merece visita demorada.
determinam, também, a especifici- Em termos classificativos, a Casa- No mês de Julho de 2011 está pro-
dade da cultura construtiva com -Memorial poder-se-á integrar no gramada uma Oficina de Técnicas
autenticidade regional. A diferen- conceito de museu histórico, face Tradicionais de Arquitectura Verna­
ciação dos destinos turísticos tam- às determinações da UNESCO no cular que pretende apresentar em
bém se estrutura com estes contri- que se refere ao facto de ser integrá- associação com o Museu Rural da
butos. Tal como as instalações do vel na tipologia de museus, casas e Golegã e o CESPOGA – Centro de
MAR, antigo Lagar de Azeite, são monumentos históricos ao ar livre Estudos Politécnicos da Golegã,
de um edificado onde se detectam que «evocam ou ilustram certos acon- uma explicação sobre as técnicas de
o uso de tufos e a aplicação de taipa tecimentos da história nacional», como construção e os depoimentos dos
e adobe, também a CMHD, na fre- é o caso objectivo relacionando a que as exercitaram.
guesia vizinha ostenta as mesmas história de Portugal e da luta pela
técnicas de construção da arqui- democracia, no século XX e a figura
LUÍS MOTA FIGUEIRA,
tectura vernacular. O ciclo agrário nacional e internacional do General
Director Técnico do Museu Agrícola
determinava, aliás, que a reparação Humberto Delgado, foco central de de Riachos e Casa-Memorial Humberto
das casas rurais se deveria desen- uma época histórica marcante da Delgado
volver quando as tarefas agrárias de colectividade humana e do valor de

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 21


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

Rugologia
O Arquivo da Rua
Quando falamos de intervenções, independentemente do seu carácter, o conhecimento do
lugar é condição para o seu êxito. Quando se trata de intervir numa rua, o conhecimento da
mesma pode revelar-se um processo bastante complexo, sobretudo o conhecimento das suas
camadas humanas ou sociais, propriedades menos evidentes e concretas.

Descubra as diferenças – Fotografias actuais e antigas da Travessa da Queimada. Exemplo de uma série de fotografias tiradas de madru-
Comparação entre fotografias actuais e antigas com a mesma perspectiva (do Arquivo Fotográfico de gada na Travessa da Queimada, com o fim de explorar
Lisboa), permitindo a percepção das alterações na rua nos últimos cem anos. a relação entre o corpo humano e a arquitectura da rua.

Quando falamos de intervenções, Rugologia é uma palavra inventada. O maior desafio nesta investigação,
independentemente do seu carácter, Vem do grego rugo – rua e de logia pelas suas características idiossin­crá­
o conhecimento do lugar é condição – estudo, significa o estudo da rua. ticas, foi definir a sua metodo­lo­­gia.
para o seu êxito. Quando se trata de Como é que se pode estudar uma Comecei por organizar a rua através
intervir numa rua, o conhecimento rua? A resposta teve que passar pelo dos números de polícia, cons­­truí um
da mesma pode revelar-se um pro- estudo das inúmeras camadas asso- livro onde as páginas são envelopes,
cesso bastante complexo, sobretudo ciadas a um território tais como a sua portas e contentores das respectivas
o conhecimento das suas camadas história, geografia e toponímia (com histórias, imagens e do­­­cu­­­mentos.
humanas ou sociais, propriedades a ajuda de documentos antigos e actu­ Este método permitiu que fosse adi-
menos evidentes e concretas. ­­­­ais, através das memórias dos seus cionada informação, não apenas du­­
Património imaterial ou intangível é ha­­­bitantes, comerciantes, e todos aque­ rante o período da investigação, mas
aquele que é intocável, aquele que ­­les que a partilham). A informação também depois deste terminar.
não existe na sua essência enquanto encontrada e reunida sobre a Tra­ves­ A Travessa da Queimada é uma rua
objecto. A sua materialização, no en­­ sa da Queimada revelou-se muito ex­­­ em forma de vale. Por ser uma das
­­­tanto, permite que seja percepciona- tensa: uma úni­ca rua pode parecer principais artérias de entrada no
do. A exposição Rugologia – o Arquivo inicialmente uma realidade relativa- Bairro Alto, tem movimentos de
da Rua, criada a partir de elementos mente pequena, no entanto, no desen­ pessoas muito específicos ao longo
visíveis, plásticos, lumínicos e tangí- ­­­­volvimento do pro­­­­jecto, manifestou- do dia. Além de bastante comércio
veis, procurou comunicar a essência -se como infinitamen­te divisível, onde diurno e nocturno, tem algumas ca­­
e possível património imaterial da cada uma das suas partes era passível sas vazias também com muito para
Travessa da Queimada. de ser um distinto objecto de estudo. contar.

22 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

Rugologia partiu de um exercício


lançado pelos professores Luís
Jorge Gonçalves e Nuno Sacra­
mento no Mestrado de Museolo­
gia, da Faculdade de Belas Artes
de Lisboa. Este exercício tinha
como objectivo, numa primeira
fase, a in­­vestigação exaustiva de
uma rua no centro de Lisboa e,
numa segunda, o desenvolvimen­
to de um projecto na mesma, na
base dessa investigação.
O mapa da rua. O senhor Carlos, dono do talho da Travessa
Foi pedido aos visitantes da exposição que fizessem da Quei­­m ada, na exposição com a família, a
Depois de todo o tempo passado na de memória o mapa da Travessa da Queimada, para olhar pa­r a as histórias e fotografias do seu es-
através dos vários desenhos ser possível identificar tabelecimento.
rua e reunida a extensa informação quais os elementos mais representativos da rua.
sobre a mesma, senti que não tinha
ainda acesso à sua vivência integral.
Perante este sentimento, apercebi-
-me de que para aprofundar este co­­
nhecimento teria que dar um novo
passo na aproximação à rua.
Durante uma semana fui uma habi-
tante da Travessa da Queimada. Vivi
num hostel com duas grandes janelas
viradas para o meu objecto de estudo.
Durante estes dias convidei colegas,
amigos, família e conhecidos: pesso-
as de diferentes áreas, com variadas Homenagem à Livraria Ultramarina. Entrada da exposição, no n.º 26 da Travessa da
experiências e origens. Através das O n.º 26 da Travessa da Queimada foi a Livraria Queimada, os caixotes de fruta foram amavel-
suas distintas impressões, formações Ul­­tramarina, nesta sala foi feita uma homenagem mente oferecidos pela mercearia da rua para a
e interesses surgiram conversas crí- à história do lugar da exposição. Foi pedido aos exposição.
vis­i­t­ antes que deixassem desenhados alguns dos
ticas em volta do estudo que decor- seus livros de referência nas prateleiras também
ria, possibilitando uma visão mais desenhadas da parede. Na mesa alguns livros
abrangente, e talvez mais real desta abertos que fazem referência à história da rua.
rua. Foi possível conhecer as dife-
renças abismais entre a sua activi-
dade diurna e nocturna, (tema bas- -se valiosos participantes. Os novos socialmente comprometida implica
tante polémico entre os habitantes), visitantes da rua, através da exposi- naturalmente a participação da comu­
ser cliente do talho, experimentar os ção puderam ter acesso ao seu con- ­­­nidade ligada ao lugar. Ao trabalhar
dife­­­­rentes restaurantes, conhecer o junto de memórias, e aqueles que já a no sentido da inclusão, cultural e in­­
cabeleireiro ali estabelecido há várias conheciam ficaram sensibilizados ao te­­lectual, este projecto absorveu o
décadas e sobretudo ser tratada por descobrir que havia tanto para contar conhecimento da rua e suas especifi-
‘vizinha’ pelo merceeiro. sobre ela. A exposição Ru­­golo­gia – o cidades, tornando-o assim acessível
Ao adicionar os registos desta inten- Ar­­quivo da Rua funcionou como um e relevante para as partes que nele
sa semana e ao comparar com a in­­­ arquivo aberto sobre a Travessa da foram activos. Pelo que pude obser-
ves­­­tigação anteriormente feita, en­­­ Quei­­mada, no sentido em que os seus var, Rugologia foi um projecto catali-
tendi que tinha uma espécie de ar­­­ visitantes puderam ainda contribuir sador para a alteração da perspectiva
quivo que contava uma grande his­­­­­­ para o seu crescimento, depo­­sitando da rua por aqueles que tiveram aces-
tória sobre a Travessa da Quei­­ma­ no es­­paço as suas próprias impres- so ao projecto, a reacção colectiva foi
da. História essa que foi partilhada sões. Penso, no entanto, que este ar­­ de reconhecimento e identificação.
na própria rua, em forma de exposi- qui­­­vo ou que esta história não está Pela vossa participação, muito obri-
ção, num espaço (gentilmente cedido completa, continuo também a pensar gada a todos.
pela Somafre, S. A.) que já foi uma em como a contar melhor. No fundo,
livraria. A pequena comunidade da a história de uma rua é uma história
CONSTANÇA SARAIVA,
Travessa da Queimada contribuiu interminável, co­­­mo a história de qual­
constancasaraiva@gmail.com
para a construção da exposição – co­­ quer lugar. www.rugologia.com
­merciantes e moradores revelaram- A prática artística contextualizada ou

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 23


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

Proposta de refuncionalização
para o lagar do Pomarinho
– Santiago do Escoural
Programa preliminar de intervenção museológica
A proposta aqui trazida à discussão apresenta-se como o esboço para um programa de inter-
venção e recuperação do património edificado partindo da legitimação do valor patrimonial
do núcleo do antigo Lagar de Azeite – “Lagar do Pomarinho” – sito em Santiago do Escoural,
concelho de Montemor-o-Novo.

pressupõe traços identificatórios, re­­


lacionais e históricos.
Pretende-se estabelecer o nódulo de
identidade que permite legitimar o
núcleo do Lagar como um sítio de
interesse patrimonial, nódulo este
que sustentará a sua valorização e
divulgação.

LAGAR COMO SÍTIO DE


INTERESSE PATRIMONIAL
O conceito de património é dotado de
uma carga profundamente identitá-
ria. O valor patrimonial está di­­rec­­ta­
mente associado à historicidade do
objecto, à sua significação cultural, ou
Complexo do Lagar do Pomarinho. seja, a construções plenas de valores
representativos da memória co­­lec­­­tiva
Subjacente a esta formulação surge a LÓGICA DE LUGAR de uma determinada comunidade.
proposta de refuncionalização e mu­­ Situado numa zona descontínua da Considerado um bem cultural, des-
sea­­lização deste lugar enquanto es­­ malha urbana orgânica, o complexo taca-se no tecido urbano e no con-
pa­­­­ço definido pela sua vida social, in­­­ edificado do Lagar apresenta-se qua­ junto das manifestações culturais por
tegrando a comunidade, o indivíduo, ­­se no limiar da paisagem rural, mal representar heranças técnicas e cul-
o espaço humanizado e edificado e o articulado morfologicamente em re­­ turais de temporalidades passadas,
campo da memória social. lação ao tecido orgânico da vila. A de significação histórica. São estes os
Em suma, este programa sugere uma área total do terreno é de 880m2, com elementos não tangíveis do patrimó-
proposta catalisadora de contributos uma área de implantação de 650m2. nio cultural que carecem ser salva-
vários. Através de uma intervenção Do ponto de vista sociológico, o es­­ guardados. A especificidade das con-
des­­ta natureza, ajustada ao local, pre­ paço habitado, socializado e cultura- figurações espaciais internas, a cons-
­­tende-se proceder à sua (re)apropria­ lizado poderá ser apreciado como tituição estética, as formas e os sím-
ção através da aproximação das me­­ uma reprodução de memórias fixa- bolos inscritos na matriz do edifica-
mó­­rias do local com o local. Por ou­­ das. O Lagar é então tomado como do, os objectos e artefactos, represen-
tras palavras, pretende-se problema- um espaço de convergência de expe- tam imagens repletas de memórias e
tizar o complexo do Lagar e a sua en­­­­ rimentação individual e colectiva valor patrimonial.
volvente contribuindo para a re­­qua­­­li­ que concorre para a formação da sua O conjunto do Lagar, considerado
ficação da malha urbana em in­­­­­ter­­ac­ identidade social. O espaço é aqui um bem cultural em virtude da sua
ção com o rural, devolvendo ao La­­ entendido como lugar antropológi- unidade ou integração na paisagem,
gar a sua dignidade estética e social. co, uma construção simbólica que assume um valor singular do ponto

24 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ESTUDO DE CASO
Tema de Capa

de vista etnológico e antropológico cos. Não obstante, ao património fí­­­ seológica. Preservar o pa­­­tri­­mó­­­nio pas­­­
uma vez que compreende realiza­ sico e construído junta-se a cultura sa assim a integrar uma conceptuali­
ções singulares da actividade huma­ na sua dimensão imaterial. A consa­ zação mais ampla, incorporando a ne­­
na. O Lagar é, assim, objecto de um gração da noção de sítio com valor cessidade de o de­­­­volver à co­­­­muni­da­
plano de salvaguarda do valor patri­ pa­­­­trimonial lança as bases para o re­­ ­­de de pertença.
monial, reabilitação e renovação ten­ ­­conhecimento em particular dos Neste sentido, importa ter em conta
­­­do em conta as especificidades da “objectos monumento” como objec­ o edificado e sua interacção na ma­­­
sua morfologia e contexto social. tos de salvaguarda patrimonial. O lha urbana em que se insere, a capa­
modelo de intervenção no espaço cidade de adaptação do edificado às
PATRIMÓNIO EDIFICADO traduz-se no conceito de reabilitação novas exigências funcionais, o nível
Do ponto de vista urbanístico, o que, por sua vez, defende a salva­ de intervenção a assumir nas acções
alargamento do conceito de patrimó­ guarda dos conjuntos históricos de de reabilitação. A definição dos pa­­
­nio arquitectónico ao conjunto do edi­ matriz rural tradicional. A ideia de râ­­­metros de intervenção es­­­tende-se
­­ficado, prende-se com a noção de reabilitação constitui-se, deste mo­­­do, aqui à noção de espaço ma­­­terial, de
“mu­­­seificação” do património, per­ como a base para o entendimento do configuração estética e de funciona­
­­­mitindo uma reapropriação do pas­ património e para a sua respectiva lidade pré existente.
sado para motivos culturais ou lúdi­ salvaguarda numa perspectiva mu­­ A materialização do complexo edifi­
cado do Lagar num equipamento
cul­­­tural pressupõe um espaço quali­
ficado e renovado em termos arqui­
tectónicos. Uma intervenção desta na­­
­­tureza passa por redesenhar o espa­
ço cénico do tecido urbano, actuan­
do a vários níveis, considerando a
linguagem arquitectónica e o seu con­
­­texto de inserção. Não obstante, a va­­­
lorização do edifício enquanto obra
ar­­quitectónica poderá funcionar como
um factor de captação de público, evo­
­­cando a experimentação da própria
arquitectura.

MODELO DE
REFUNCIONALIZAÇÃO
Trata-se de uma tentativa de inova­
ção museológica ao nível do plano
local, assumindo, porém, um impor­
tante papel na descentralização cul­
Aspecto do interior do Lagar – Casa das Mós, futuro Núcleo de exposição permanente.
tural e na projecção sociocultural. O
pre­­sente programa apresenta-se co­­­­­mo
um diagnóstico que sugere hipóteses
no âmbito de uma intervenção mu­­
seo­­lógica de carácter industrial e etno­
­­­­­gráfico. Aqui, o pa­­trimónio arqui­­tec­
tónico integrado e a circunscrição dos
testemunhos em relação ao espaço
fí­­sico, fomentam uma reconversão
pro­­gramática in situ com base em
elementos que conjugam, de forma
coe­­rente, os conteúdos e o espaço
físico.

Proposta de implementação de espaços funcionais


para o Núcleo Museológico do Lagar. PEDRO GRENHA,
Antropólogo

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 25


PATRIMÓNIO MUSICAL
Tema de Capa

A Organaria
enquanto bem identitário
A imaterialidade de combinar sons e silêncio exige-nos dar importância à preservação do patri-
mónio musical. Por conseguinte, a recente intervenção no órgão de tubos pertencente à Capela de
Nossa Senhora da Esperança, em Sátão, Viseu fez perdurar este instrumento de excelência e de
destaque na liturgia cristã, revitalizando o culto divino.

lendas, costumes, etc.. Enaltece o ca­­ sido o primeiro instrumento de te­­


rácter determinante desta categoria o clas. Recria a sensação entre o tan-
elo à comunidade que a produz. gível e o intangível – ao pressionar
Assim sendo, o caso em análise ma­­ uma tecla, a nota do órgão prolonga-
nifesta-se nos domínios da prática -se, não pára, é eterna.
social, concretamente da comunida- Outrora ligado a manifestações lai-
de litúrgica e dos fiéis que rituali- cas, o seu uso foi autorizado nas
zam o seu dia-a-dia, como também, igrejas pelo Papa Vitaliano no século
num sentido mais lato, no domínio VII. Torna-se participante na acção
da arte, na medida em que exalta as litúrgica com Pio XI e indispensável
artes do espectáculo. Pretende-se, no cerimonial litúrgico no pontifica-
portanto, a sensibilização para a sal- do do Papa Pio XII: tenha-se em grande
Notação musical para órgão datada do século XVI 1.
vaguarda do bem identitário como apreço na Igreja latina o órgão de tubos,
um fim em si mesmo, cuidando do instrumento musical tradicional e cujo
PATRIMÓNIO IMATERIAL: SAL­ património imaterial e garantindo som é capaz de dar às cerimónias do culto
VAGUARDAR PARA TRANSMITIR a transmissão colectiva de geração um esplendor extraordinário e elevar po­­
O conceito de Património é amplo e para geração. derosamente o espírito para Deus2.
engloba categorias como material e A Igreja transformou-o, dando-lhe
imaterial, que respeitam as directi- AS ARTES DO ESPECTÁCULO, grandes proporções físicas, firmeza
vas de qualidade, lugar e situação, OS EVENTOS FESTIVOS E A OR­­ e magnificência; nas igrejas cató-
temporalidade e substância patrimo­ GA­NA­­­RIA licas, por norma, o órgão situa-se
nial, tanto pública como privada. A música é uma arte de represen- numa zona elevada em relação aos
Salientamos assim a importância da tação incluída nas artes do espectá- fiéis, no coro alto ou na capela-mor,
preservação do património musical culo como forma de linguagem e de em tribuna.
dando como exemplo a Organaria e expressão. A sua prática cultural e a O órgão materializa o canto de um
um caso prático, seguindo as linhas sua herança, forjadas pelo homem, coro, de um solista, o início de um
da Convenção para a Salvaguarda devem ser preservadas e, neste sen- serviço eucarístico e o seu desfecho;
do Património Cultural Imaterial, em tido, a preservação do património proporciona vivências da comuni­­
vigor desde 20 de Abril de 2006, rela- musical é uma forma de sobrevivên- da­d e dentro dos espaços religio-
tiva à protecção dos bens culturais, cia da própria musicalidade e da sua sos, atra­­vés do sentido da audição
que se ressaltam como resumo do imaterialidade. – a cultura e o estado emocional
património imaterial da humanida- O órgão é o mais complexo dos ins­­­ de ca­­­da indivíduo vai ter impacto
de: as tradições orais, os reportórios trumentos a nível de construção: pos- na forma como reinterpreta o que
musicais, os saberes construtivos, sui grande potência sonora, tendo ouve, embora se encontre inserido

26 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


PATRIMÓNIO MUSICAL
Tema de Capa

num ritual comum. O enriqueci-


mento que este instrumento dá ao
culto é relevante para os seus mem-
bros, pois identifica-os e torna-os
distintivos de outras comunidades.
As igrejas são lugares de concer-
tos realizados fora das celebrações
devendo identificar-se com a música
religiosa: não é legítimo programar para
uma igreja a execução de uma música que
não seja de inspiração religiosa e que foi
composta para ser executada em contex­
tos profanos precisos, seja ela clássica, ou
contemporânea, de alto nível ou popular:
isto não respeitaria o carácter sagrado
da igreja, e a mesma obra musical seria
executada num contexto que lhe não é
conatural3.
Isso acontece se a função do objecto
(instrumento) se mantiver funcional
e preservada, ou seja, no caso do
órgão de tubos da Capela de Nossa
Senhora da Esperança, permite que Vista de pormenor sobre os três corpos de tubos do órgão da Capela de Nossa Senhora da Esperança.
o organista mantenha viva a exalta-
ção do culto através da arte musical Por este motivo, uma intervenção Este órgão foi executado em 1768,
de índole sacra. nes­­te campo de trabalho terá de por Francisco António Solha, Mes­­tre
paut­­ar-se necessariamente por um Organeiro galego, radicado em Por­­
PRESERVAR duplo critério: o critério de interven­ tugal na segunda metade do século
A IMATERIALIDADE DE UM ção mí­­nima relativamente aos ele­­­ XVIII: de estilo rococó, si­­­­tuado no
ÓRGÃO DE TUBOS mentos existentes, mas indo mais coro alto do lado da Epís­­­­tola, é clas-
Enquanto instrumento musical, o além quanto aos elementos em falta, sificado por decreto de 1978. É um
prin­­cipal elemento que define um repondo-os com novos tubos cons- exemplar muito in­­teressante pela sua
órgão de tubos é a composição dos truídos com as mesmas técnicas e qualidade, proporção e quantidade
seus registos e a sua particular ma­­ materiais originais, muito embora de recursos musicais de que dispõe:
neira de soar, que deve ser respeita- dotando-os de uma marca, para que a sua caixa, com quase quatro metros
da e preservada. Neste campo, sob o possam ser claramente diferenciá- de altura, alberga seis registos para
pretexto do tratamento material do veis dos originais. cada mão (de carácter Ibérico 6+6,
objecto, uma intervenção de conser- A recuperação do órgão de tubos com três corpos de tubos); a torre
vação e restauro não pode provocar da Capela de Nossa Senhora da central, semicircular, alinha os tubos,
alterações significativas na sonori- Esperança obedeceu criteriosamente os quais se encontram assentes sobre
dade original. Aliás, os objectivos da a tais preceitos: a intervenção, reali- uma estrutura decorada por meio de
intervenção de conservação e restau­ zada pelo Atelier Samthiago e pelo concheados e enrolamento.
ro deverão ser, não só a recuperação Mestre Organeiro Manuel Fonseca, No espaço correspondente ao Atril
estética e a preservação dos mate- teve sempre como fio condutor e do órgão, por cima do teclado, pode-
riais, mas sobretudo a recuperação principal objectivo a recuperação do mos ler uma máxima de exaltação
da especial maneira de soar daquele seu som original; procurou-se, pois, à Virgem, em estrita ligação com a
órgão em particular, da sua sonori- a recuperação integral da sua imate- musicalidade do instrumento: Aplau­­­
dade original. rialidade patrimonial. da agora Maria com o órgão.

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 27


PATRIMÓNIO MUSICAL
Tema de Capa

cumpre a sua dupla função – embe­


leza e enriquece o espaço em que
se encontra e, a nível funcional, é
uti­­lizado para dar diversos concer­
tos onde o seu som único surge em
comunhão com toda a envolvência
Barroca.

NOTAS
1
Wolfenbüttel Herzog August Bibliothek.
2
Constituição Apostólica SACROSANCTUM
CONCILIUM, artigo n.º 120.
3
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO,
Concerti nelle chiese, n.º 8, in EV 10, 2259.
4
Gabinete de Comunicação Social da Câmara
Municipal de Sátão – 8 de Setembro de 2010
(Fonte).

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
EUSÉBIO, Maria de Fátima – A capela de
Nossa Senhora da Esperança, Ed. Fundação
Mariana Seixas: Viseu, 2006.
GOMES, Manuel Saturino da Costa – Patrimó-
nio Classificado. Actas dos encontros promo­
vidos pelo IPPAR e pela UCP. Universidade
Concerto de música sacra, promovido na recém-recuperada Capela de Nossa Senhora da Esperança. Católica: Lisboa, 1997.
Vista geral sobre a nave4. MIGUEL, Ana M. M. – Historia de la conserva-
ción y la restauración desde la antiguedade hasta
el siglio xx. Editorial Tecnos: Madrid, 2002.
CONCLUSÃO Num instrumento musical, se faltam
pp. 245-246.
A conservação de um órgão de tu­­bos elementos produtores de som, não se RAMOS, Célia – O órgão de tubos – das origens
é uma disciplina específica, distinta pode imaginar o som da música, da profanas à consagração religiosa. In Revista da
de qualquer outra, mesmo dentro da forma para que foi concebido, não se Fa­­­­culdade de Letras – DCTP. Faculdade de Le­­
conservação e restauro, especificidade consegue sentir a sonoridade particu­ tras do Porto: Porto, 2003. vol. 2. pp. 229-244.
RAMOS, Manuel João – Breve nota crítica sobre
que resulta em parte da sua dualida­ lar daquela obra de arte. Nesta co­­in­­
a introdução da expressão “património intangí-
de funcional – obra de arte e instru­ cidência, num mes­­­mo objecto, de um vel” em Portugal. In, Conservar para Quê?.
mento musical. Qualquer elemento património ma­­­terial riquíssimo e de DCTP-FLUP-CEAUCP-FCT: Porto-Coimbra,
mecânico, estrutural ou sonoro que uma beleza extraordinária e de um 2005. pp. 67-76.
lhe falte, deve ser restituído, ao con­ pa­­­­­trimónio imaterial cheio de sim­­bo­ UNESCO – http://www.unesco.pt/cgi-bin/
cultura/temas/cul_tema.php?t=9. 18 Nov. 2010.
trário do que se passa em outras dis­ ­logia e significado, temos de privilegi­
UNESCO – http://www.unesco.pt/cgi-bin/
ciplinas da Conservação e Res­tau­ro: ar esta segunda característica, o que cultura/docs/cul_doc.php?idd=16. 18 Nov. 2010.
não se pode aqui simular com pe­­­­ constitui, de facto, a especificidade de
quenos traços ou cromatismos mais uma intervenção deste tipo – daí a
suaves discerníveis apenas a curta im­­portância de recuperarmos a parti­
distância, como se faz no restauro de cular maneira de soar de um órgão ANTÓNIO OLIVEIRA,
pintura ou policromia em geral; se se de tubos. Conservador-restaurador
aoliveira@samthiago.com
tratasse de uma escultura, com a fa­­ O órgão da Capela de Nossa Se­­nho­
CARLOS COSTA,
lha de um dedo ou de um braço, po­­ ra da Esperança é um instrumen­­
Conservador-restaurador, sócio-gerente
deríamos deixá-la sem esse elemento, to emblemático que mereceu ser ccosta@samthiago.com
sem que o observador tivesse dificul­ de­v olvido ao seu estado original Atelier Samthiago – Conservação e Restauro
dade de perceber a essência da peça. sem nenhum tipo de limitação: hoje

28 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


CONSTRUÇÃO & AMBIENTE

O automóvel eléctrico
nas cidades portuguesas
Uma solução pouco amiga do ambiente
Recentemente, tem sido feita uma divulgação do automóvel eléctrico como uma boa solução para
reduzir as emissões no interior das cidades. Como iremos ver ao longo deste artigo, no nosso país,
o automóvel eléctrico não será menos poluente que o automóvel tradicional, podendo até ser mais
poluente e acarretar mais inconvenientes ambientais.
© Jorge Mascarenhas

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 29


CONSTRUÇÃO & AMBIENTE

© Jorge Mascarenhas

30 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


© Jorge Mascarenhas CONSTRUÇÃO & AMBIENTE

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 31


CONSTRUÇÃO & AMBIENTE

© Jorge Mascarenhas

JORGE MASCARENHAS,
Doutor em Arquitectura, Professor coordenador do Instituto Politécnico de Tomar
Membro da Comissão Coordenadora do Mestrado de Reabilitação e Renovação Urbana do Instituto Politécnico de Tomar

32 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


LEGISLAÇÃO

Cem anos do maior


Decreto de Classificação
A classificação de monumentos representa o reconhecimento oficial do seu valor histórico-artístico.
À medida que a sociedade se torna mais profundamente consciente da importância de preservar
determinados edifícios que recordem um acontecimento histórico ou constituam uma obra de arte
construída, surge a convicção de que o seu valor deve ser reconhecido oficialmente.

O desbaratar de monumentos e obras A Comissão dos Monumentos Na­­


de arte, que se seguiu à nacionaliza- cio­­nais elaborou as bases para a clas­
ção dos bens das ordens religiosas ­sificação de imóveis como mo­­nu­­
em 1834, agudizou a convicção de mentos nacionais, que foram re­­gu­­­la­
que, se o Estado adquiriu tão rico mentadas por Decreto em 1901. O
património, então tem a obrigação pri­­meiro monumento classificado
de cuidar dele. Foi lento o processo em Portugal foi o Castelo de Elvas,
de institucionalização de uma acção em 1906, seguindo-se mais três de­­
eficaz do Estado para salvaguardar cretos nos anos seguintes até que,
os monumentos nacionais, pois em­­ por Decreto de 16 de Junho de 1910
bora pensada em 1839, só em 1870 é (Diário do Governo n.º 136, de 23 de
criada a primeira Comissão dos Mo­­ Junho, pp. 2163-2166), são finalmen-
nu­­­mentos Nacionais. No entanto, de­­ te classificados 469 monumentos
vido às sucessivas mudanças mi­­nis­­ na­­cionais.
teriais, esta Comissão e outras que se O Decreto de 1910 baseia-se na lista
lhe se­­­guiram em 1875, 1881, 1882 e de 1880, mas apresenta os imóveis ricórdias e hospitais, aquedutos, cha­
1890 tiveram curta duração e só em de uma forma muito mais sistemati- ­­farizes e fontes, pontes, ar­­­­cos e pa­­
1893 a Comissão dos Monu­mentos zada em três grupos: monumentos drões comemorativos, pe­­lourinhos e
Nacionais adquire carácter perma- pré-históricos; monumentos lusita- trechos arquitectónicos). Em cada
nente. nos e romanos; e monumentos me­­ gru­­­po e sub-grupo os imóveis estão
Mais eficiente foi a Real Associação dievais, do renascimento e moder- organizados por distritos e, dentro
dos Arquitectos Civis e Arqueólogos nos. No grupo dos monu­mentos pré- destes, por concelhos.
Portugueses (fundada em 1863) que, -históricos estão listadas 57 antas. O Desde 1910 já foram publicados
em 1880, apresentou ao governo um grupo dos 48 monumentos lusitanos mais de 160 decretos de classifica-
“Relatório e mapa acerca dos edifí- e romanos divide-se em castros, en­­ ção, abrangendo um total de cerca
cios que devem ser considerados trincheiramentos, povoações, caste- de 3200 imóveis. A classificação obe-
mo­­numentos nacionais”, que apre- los, conjuntos de marcos miliários, dece a uma série de critérios gerais,
senta uma lista de 216 monumentos pontes, templos, arcos, fontes, está- como sejam o valor histórico, cultu-
(incluindo uma curta descrição da tuas, inscrições e ruínas. O grupo dos ral, estético, social e técnico-científico,
importância de cada um deles) agru- monumentos medievais, do re­­nas­­ci­­ e a critérios complementares, como
pados em seis classes: 18 monumen- mento e modernos está dividido em sejam o da antiguidade, integridade,
tos históricos e artísticos; 76 edifícios 173 monumentos religiosos (cate- autenticidade, exemplaridade, singu-
importantes para o estudo da histó- drais, mosteiros, basílicas, igrejas, laridade ou raridade.
ria das artes, túmulos e aquedutos; ca­­pelas, cruzeiros, túmulos e se­­pul­­
36 monumentos militares; 15 monu- turas), em 69 monumentos militares
mentos comemorativos de grandes (castelos, torres e padrões) e em 121
portugueses; 32 padrões e arcos co­­ monumentos civis (paços reais, pa­­
me­­morativos, lugares memoráveis, ços municipais, paços episcopais,
MIGUEL BRITO CORREIA,
pelourinhos e cruzeiros; e 39 monu- pa­­ços de universidade, palácios par- Arquitecto
mentos pré-históricos. ticulares e casas memoráveis, mise-

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 33


TECNOLOGIAS

Novas tecnologias
ao serviço do património
A fotografia panorâmica 360º e realidade virtual
Quer se trate de património edificado ou paisagens culturais, o registo do património cultu-
ral através da utilização de meios visuais é indispensável nas acções de conservação, tendo
surgido muito recentemente uma nova tecnologia que alia a fotografia tradicional às novas
tecnologias informáticas, com resultados tão surpreendentes quanto espectaculares.

Quer se trate de património edifica- RECONVERSÃO DA IMAGEM NA A fotografia panorâmica 360º VR


do ou paisagens culturais, o registo ERA DIGITAL (realidade virtual) é mais completa
do património cultural através da Por muito fiel que seja à realidade, e fidedigna, só passível de existir na
utilização de meios visuais é indis- a fotografia tradicional, estática, é actual era digital. Tendo por base
pensável nas acções de conservação, incapaz de transmitir ao observador fotos estáticas (normais), e através da
tendo surgido muito recentemente a totalidade dos espaços de forma utilização de tecnologia e software
uma nova tecnologia que alia a foto- clara e pormenorizada, informando específicos, é possível “colar” estas
grafia tradicional às novas tecnolo- sobre a relação espacial dos diferen- fotos e transformá-las em panora-
gias informáticas, com resultados tes elementos em presença e contex- mas esféricos, dinâmicos e interac-
tão surpreendentes quanto especta- tualizando de forma inequívoca o tivos, de alta qualidade, que podem
culares. património na sua envolvente. ser visionados em computadores,

Centro do Chalet da Condessa d’Edla – Fotografia pânoramica 360º VR em formato jpg.

34 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


TECNOLOGIAS

iphones, pda’s, quiosques multimé-


dia, etc..
Além dos detalhes que o zoom per-
mite examinar, é também possível,
em qualquer ponto desejado, incluir
caixas dinâmicas com fotos estáti-
cas, textos, ficheiros áudio ou vídeo,
links para páginas ou websites rele-
vantes, ou mesmo outras fotografias
panorâmicas. Dentro de uma única
fotografia VR e através de um cli-
que de rato, acede-se a informação
em formatos diversos que, de outra
forma, estaria dispersa por vários
ficheiros ou em diversos suportes.
Associada a esta nova forma de Soalho da Sala de Bilhar do Palácio de Monserrate – Fotografia pânoramica 360º VR em formato jpg.
imagem, podem ser desenvolvidas
visitas virtuais que possibilitam a determinada região ou desenvolvi- foi possível obter uma fotografia
deslocação entre salas ou espaços dos por uma empresa especializada, estática, de linhas direitas, realizada
mediante a utilização de ícones para podendo ser criado um portefólio no a apenas 1,70m do soalho, onde são
marcar o local de passagem e da formato de visita virtual. visíveis o chão e os rodapés da sala,
inclusão de plantas ou mapas geo- dando uma noção muito real e com-
referenciados (Google Maps, por UMA NOVA FORMA DE REGISTAR pleta da configuração das marcas.
exemplo). As funcionalidades refe- E PROMOVER O PATRIMÓNIO As imagens em realidade virtual
ridas anteriormente para as fotogra- As potencialidades desta tecnologia fazem-nos viajar até ao mundo real
fias panorâmicas isoladas (textos, aplicada à reabilitação do património através do comando de um rato de
áudio, vídeo) podem ser desenvol- foi testada no decurso do levanta- computador e um dos aspectos mais
vidas de uma forma integrada para mento fotográfico do Chalet da Con­ positivos das fotografias panorâmi-
toda a visita, por forma a tirar o dessa d’Edla em fotografia panorâ- cas prende-se com o facto de o ob­­ser­
melhor partido possível das valên- mica 360º VR, solicitado pela Parques ­­vador se transformar num agente
cias do elemento patrimonial e dos de Sintra – Monte da Lua antes do pró-activo e interveniente, que pode
recursos disponíveis. início das obras de reconstrução. escolher a cada momento o que de­­
A aplicação desta tecnologia, ainda Entre as imagens obtidas, importa seja ver e a quantidade de informa-
recente no nosso país, à reabilitação salientar a panorâmica realizada a ção a que pretende aceder.
do edificado e à conservação do patri- 4m de altura, no topo de uma das As novas tecnologias alteram a for­­
mónio arquitectónico é vastíssima e paredes interiores no centro do ma como o mundo é apresentado e
pode transformar-se, a curto prazo, Chalet, que resultou num plano geral facilitam o acesso aos locais de uma
numa importante ferramenta de tra- muito pormenorizado do interior forma cada vez mais autêntica e in­­­
balho. Além do registo das diferen- que permite ver simultaneamente, na teractiva, exigindo que as empresas
tes fases do processo para memória mesma imagem, várias salas do piso facilitem e agilizem a interacção com
futura, a visita aos sítios de forma térreo e os quartos do primeiro piso. os seus colaboradores, com os seus
virtual permite preparar melhor as Outra experiência inovadora decor- clientes e com os seus públicos. Nesta
visitas físicas ou recordar com exac- reu no Palácio de Monserrate, onde o constante busca de qualidade e efi­
tidão os locais, obter informações desejo de preservar para o futuro as ciência que caracteriza a contempo­
seleccionadas e relevantes de forma estranhas e misteriosas marcas exis- raneidade, a fotografia panorâmica
fácil e expedita, aceder virtualmente tentes no soalho da Sala de Bilhar co­­­ 360º VR e as visitas virtuais que pos-
a espaços de difícil acesso, analisar os locaram o desafio de conseguir uma sibilita constituem ferramentas im­­
detalhes repetidamente e de diversos fotografia em que o chão estivesse pres­­cindíveis que marcam a dife­
ângulos e, ainda, apreciar os espaços completa e correctamente replicado. rença.
na sua totalidade e enquadrados nas A sala mede 9,03mx5,50m, tornando
envolventes. A utilização da fotogra- praticamente impossível conseguir
ANTÓNIO CABRAL,
fia virtual de forma continuada na uma fotografia estática de toda a área
Fotógrafo, Digisfera
reabilitação, por outro lado, permite pelos meios convencionais sem gran- antonio@cabral.com.pt
dar a conhecer com pormenor os dife- de distorção. Utilizando a técnica www.digisfera.pt
rentes projectos de reabilitação em usada nas fotografias panorâmicas,

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 35


OPINIÃO

Consulta Pública
do Plano de Pormenor
da Baixa Pombalina
uma grande unidade de projecto a
assegurar a monumentalidade ao
empreendimento e a expressão de
uma estrutura forte e bem afirmada
da morfologia urbana.
Do ponto de vista do edificado, tra-
ta-se duma experiência construtiva
exemplar, largamente ancorada nos
saberes acumulados nas construções,
anteriores, do Convento de Mafra e
do Aqueduto das Águas Livres.

1.3. O valor estético e construtivo


do conjunto
Por tudo isto, a Baixa Pombalina
foi, e continua a ser, uma referência
incontornável no panorama urbano
internacional, uma unidade de teci-
do urbano e um objecto patrimonial
de alto valor estético e construtivo.
E este valor não reside em cada um
Baixa Pombalina: vista aérea. dos edifícios por si, mas antes é o
respectivo conjunto que se consti-
1. A BAIXA POMBALINA: • integra no seu novo edificado os tuiu nesse objecto, de uma indes-
O renascer do centro da Cidade após seus valores, expressando a sua mentível unidade, feita da diversi-
o terramoto de 1755. Um Património alma e a sua posição no Mundo, dade de respostas a necessidades e
da Humanidade, testemunho de von­ que o mesmo é dizer que inova na condicionalismos vários.
tade colectiva apoiada numa busca continuidade cultural;
técnica de resistência sísmica do sé­­­ • cria técnicas construtivas, e aper- 1.4. O PPBP valor acrescentado para
culo XVIII. feiçoa outras já conhecidas, que a Candidatura a P.H.
proporcionam à cidade a maior Tendo presente este enunciado, pro-
1.1 O Gesto Urbanístico resistência possível a eventuais pomos que o Plano de Pormenor da
A Baixa Pombalina consubstancia sismos, assegurando-lhe, deste Baixa Pombalina (PPBP) retome, co­­ra­­­­­
o grande gesto urbanístico que fez modo, o seu futuro. josamente, o dossier de proposta de
renascer a cidade, destruída por can­­­didatura da Baixa Pombalina a Pa­­­­­­­
um cataclismo. Na sua concepção, 1.2. O monumento e a construção re­­ trimónio da Humanidade, ideia que,
estão presentes três coordenadas de sistente aos sismos de há muito, vem sendo inexplicada-
primeira importância: Este era já o centro da cidade e mente adiada. Essa pro­po­­­sta deverá
• dá continuidade à comunidade a escolha foi recriá-lo no mesmo ser feita sob a forma temática do re­­
urbana, residente e activa, que aí lugar, dando-lhe a projecção que nascimento de uma cidade que, arra­
existiu, bem como às actividades novos tempos e novas condições de ­sada por um sismo, procurou e afi­
centrais de governo; governação exigiam. Daí, a ideia de nou as técnicas que lhe asseguras­

36 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


OPINIÃO

sem a reconstrução e a sobrevivên­ • a eliminação da Av. da Ribeira


cia no futuro. Esta será a originalida­ das Naus;
de de Lisboa, senhora de um centro • idêntica capacidade de tráfego à
que constitui um study case de indiscu­ existente actualmente pode ser
tível interesse histórico e construtivo. ob­­tida pela substituição dessa
Avenida, pelas Ruas do Arsenal
1.5. A adaptação do PPBP e Alfândega (sentido poente-nas­
Esta retoma exige, obviamente, cente), e pela Rua do Comércio
compromissos difíceis, porém exe­ (sentido nascente-poente) com
quíveis, mediante a revisão, neste duas passagens por debaixo das
sentido, das normas agora propos­ colinas – Campo das Cebolas/Rua
tas no PPBP: do Comércio a nascente e Praça do
• os prédios pombalinos existentes Município/Corpo Santo a poente.
deverão ser integralmente preser­ Deste modo se poderá alcançar a tão
vados, não só nos aspectos arqui­ desejada ligação dos lisboetas com
tectónicos como na sua estrutura o seu rio.
de gaiola, reparando-a, reforçan­ Este reencontro com o Tejo deverá ser
do-a e refazendo-a nos casos em enriquecido com o desfrute do es­­­­­­paço
que foi adulterada ou demolida; do Arsenal, onde deverão estar pre­
• os prédios cujas gaiolas do século sentes as memórias da Ma­­rinha Por­­
XIX perderam de vista a resistên­ tuguesa com o seu Arsenal e o res­­­
cia aos sismos, deverão reforçar a tabelecimento da Ribeira das Naus,
sua estrutura aproximando-se das com o Dique e sua ligação ao rio. Gaiola Pombalina.
soluções pombalinas e procuran­
do reduzir as volumetrias a R/C 2.2. A Praça do Comércio Porta do 2.3. Deslocalizações não, descentra­
e três pisos. Estes prédios deverão Mar lizações
ser mantidos e viabilizados por­ A Baixa Pombalina tem como peça As deslocalizações das actividades
que asseguraram a continuidade fundadora a Praça do Comércio, centrais a que vimos assistindo são,
do plano inicial, responsável pela porta aberta ao mar, cais de parti­ em nosso entender, uma das causas
unidade hoje existente, que tem de da e de acolhimento, imagem duma da desertificação da Baixa. Trata-se
ser respeitada e valorizada; Nação que, nesse século XVIII, procu­ duma violenta epidemia urbana que
• qualquer intervenção que venha rou reencontrar uma linha de rumo nos parece longe de ser debelada.
a ocorrer neste tecido, deverá que lhe assegurasse o seu lugar na Pelo contrário, anunciam-se no­­vos
obedecer ao cartulário pombali­ comunidade internacional. Daí, o seu ataques à permanência de tais acti­
no, sob pena de quebra lamentá­ indiscutível ca­­rác­­ter monumen­tal que, vidades neste espaço e suas imedia­
vel da unidade do seu plano, que a nosso ver, não deverá, em caso al­­­ ções. Pensamos que, face às necessi­
nos é anterior e temos obrigação, gum ser desvirtuado por ocupações dades, reais, de expansão, se deveria
e interesse, em respeitar. e actividades sem qualidade cultu­ optar não pela deslocalização mas
ral e estética. A dignidade de que se sim pela descentralização de serviços
2. OUTROS CONTRIBUTOS reveste exige o respeito pe­­lo espa­ pelo conjunto do tecido da cidade,
2.1. A Frente Ribeirinha da Baixa ço, preenchido por uma força vi­­­sual para o que poderá o PPBP não dar
Pombalina que atrai, por si só, os que vêm ad­­ alternativas de ocupação a activida­
A reformulação da circulação na mirá-lo. Obvia­­mente, há pro­­postas a des que deverão ser mantidas.
Frente Ribeirinha entre Santa Apo­ fazer para a sua vivência – exposi­
lónia e Cais do Sodré já realizada ções, colóqui­os, concertos, etc., nos
deverá ser retomada de modo a não pisos térreos dos edifícios, com algu­
só desencorajar o atravessamento mas actividades de restauração, que
mecânico da Baixa como a libertar algumas já lá estão de há muito. Po­­
FILIPE MÁRIO LOPES,
essa faixa de contacto privilegiado rém, tudo sensatamente condiciona­
Presidente da OPRURB – Associação
com o estuário, para o que lembra­ do às exigências do espírito do lugar,
Ofícios do Património e da Reabilitação
mos a proposta, conhecida, do Arq. demasiado belo e forte para com ele Urbana
Tudella: se actuar de modo ligeiro.

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 37


DIVULGAÇÃO

Ruin’arte
Um ano de defesa do Património
O projecto Ruin’arte é uma forma de protesto pessoal com uma visão artística, que visa chamar a
atenção para a degradação do património, verdadeiro descalabro.

um apeadeiro na zona da Figueira


da Foz, num local esquecido pelo
tempo, Gastão de Brito deparou-
-se com uma imagem que beirava
o surreal: uma igreja colossal com
fachada maneirista, que suportava
árvores no seu telhado e contava
ainda com uma chaminé industrial.
Procurou saber do que se tratava,
mas não obteve qualquer resposta.
Ficou a sensação de que havia sido
arrancada uma página da História
de Portugal, ficou também a ideia
de fotografar a preto e branco estas
ruínas que se espalhavam pelo país.
Anos depois regressou ao local, o pa­­
norama era o mesmo, mas fotogra­
fou a ruína. Além disto, descobriu
tratar-se do Mosteiro de Santa Maria
de Seiça, mandado erigir por Dom
Afonso Henriques e concluído no
reinado de Dom Sancho. A impo­
nência do edifício corroborava para
Mosteiro de Santa Maria de Seiça.
a importância que teve ainda nos
tempos da Reconquista.
O veículo é a Internet, a forma mis­ em ruína em Portugal. Todo o pro­ Ao longo da actividade do blog
tura fotografia e textos com rigor cesso de produção dos artigos é feito diversos casos semelhantes deram o
histórico e ironia à flor da pele, o por Gastão de Brito, que, fotógrafo ar da sua (des)graça. Podemos citar
objectivo é a defesa do património. de profissão, descobriu na investiga­ um dos locais mais vergonhosos
Talvez estas palavras pudessem re­­ ção histórica e na escrita um prazer para a cidade de Lisboa, o Pátio de
sumir as peças apresentadas em um e um aliado na compreensão do pa­­ dom Fradique. A lente fotográfica
ano de blogosfera, mas estaríamos a trimónio. À morosa investigação do­­ registou um autêntico pátio do sécu­
pecar por omissão, já que seguiram- cu­­­mental soma-se a fotografia, que lo XV completamente em ruínas,
-se exposições, entrevistas para a co­­ através da tecnologia digital alia tomado pelos grafites e abandonado.
municação social e mais trabalho de co­res e fotografia a preto e branco, O pátio fica nas traseiras do palácio
campo. Gastão de Brito e Silva pare­ num estilo característico do blog. O Belmonte, entre o Castelo de São
ce incansável, apesar de admitir os resultado é a constatação de que não Jorge e a Cerca Moura, constituindo
entraves que a falta de apoios coloca se pode dar o património por perdi­ uma zona de passagem muito utiliza­­
ao desenvolvimento do projecto. O do, porque depois de ruir já não há da pelos turistas. A zona foi ex­­pro­­­­pri­
blog Ruin’arte percorreu Portugal volta a dar. ­ada pela Câmara de Lisboa há mais
continental de norte a sul, somou Este sentimento de indignação face de cinco anos.
1250 imagens e passou por 600 ruí­ ao descaso com a memória e a cul­ Também em Lisboa existiu na ave­
nas. Trabalho hercúleo, se não fosse tura despertou muito tempo antes nida Casal Ribeiro um edifício de
uma gota no oceano do património do projecto Ruin’arte. Próximo a estilo arte nova, que foi habitado

38 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


DIVULGAÇÃO

por ninguém menos que Fernando


Pessoa. O Ruin’arte ainda conseguiu
prestar a sua homenagem ao poeta
antes que a construção fosse abai-
xo. Por todo o país, o blog registou
situações análogas, mas Gastão de
Brito faz questão de chamar atenção
às antigas fábricas, frequentemente
relegadas ao abandono e ao esque-
cimento. Foram fotografadas vinte
fábricas, que ao extinguirem-se, dei-
xaram muitos sem trabalho e gran-
des áreas degradadas.
Algumas das ruínas registadas fo­­ram
reabilitadas, outras desaparece­­ram
pa­­ra sempre, muitas permanecem
degradando-se dia após dia. Gastão
de Brito ressalta que são necessárias
acções por parte do Estado, como a
diminuição de impostos para a rea­­­­­bi­
­litação, que poderia repassar a carga
tributária para a construção nova. A
Pátio de Dom Fradique.
sensibilização da população em ge­­
ral e da classe política em particular
são objectivos que passam pelo au­­
mento do raio de acção e do impacto
do Ruin’arte. Em suma, o projecto
Ruin’arte é uma forma de pro­­testo
pessoal com uma visão ar­­tís­tica, que
visa chamar a atenção para a degra-
dação do património, verdadeiro des­
­­calabro. Apoios são bem-vindos. Para
acompanhar o Ruin’arte aceda ao blog
do projecto em http://ruinarte.blog­
spot.com.

REGIS BARBOSA,
Av. Casal Ribeiro. Cinema Paris. Pedra & Cal
Edifício onde morou Fernando Pessoa.

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 39


DIVULGAÇÃO

Criação do Comité Nacional


do Escudo Azul
as erupções vulcânicas da Islândia e vir em situações de risco e de emer­
Java; os incêndios em Portugal, Rú­­s­ gência despoletados por catástrofes
sia, Austrália; a explosão da platafor­ naturais ou guerras.
ma petrolífera no Golfo do Mé­­xico…, Os seus objectivos dão especial ênfase
fizeram de 2010 um “anno horribilis” à prevenção de riscos, à formação de
em termos de vidas humanas e per­ especialistas em gestão de situações
das patrimoniais. Também as si­­tua­ de emergência, bem como à elabora­
ções de conflito armado, terrorismo e ção de normas no âmbito da preven­
vandalismo constituem um factor de ção e protecção de acervos e co­­lecções
risco para os bens culturais. patrimoniais, num espírito de entrea­
Não é por acaso que se multiplica­ juda e colaboração internacional.
ram iniciativas internacionais nos Sendo essencial que iniciativas inter­
mais variados campos e que a Assem­ nacionais desta natureza tenham eco
­bleia Geral das Nações Unidas, no nos diversos países, a pouco e pouco
primeiro Dia Internacional para a foram sendo criados, ou estão em fa­­se
Re­­dução de Catástrofes, celebrado de constituição, comités nacionais.
no passado dia 8 de Outubro, veio Adoptando os princípios definidos
alertar para que a redução de riscos na Carta de Estrasburgo (indepen­
é um problema (premente) de todos, dência, neutralidade, profissionalis­
Na sessão de encerramento do Se­­ que requer a participação e o empe­ mo, voluntariado, respeito pela iden­
minário ARP – Avaliação de Risco em nho de governos, de organizações tidade e diversidade culturais e actu­
Património, que decorreu na Facul­da­ da sociedade civil e de redes de pro­ ação conjunta), estes comités nacio­
­de de Engenharia da Universidade do fissionais. nais reúnem profissionais de hori­
Porto, nos dias 6 e 7 de Dezembro, re­­ Para antecipar, para salvar, para zontes e formações variadas, permi­
presentantes nacionais do ICCROM, reconstruir de forma eficaz é funda­ tindo uma troca de experiências e de
ICOMOS, ICOM, IFLA e ICA decidi­ mental colaborar. Colaborar com as informação, a possibilidade de traba­
ram propor a criação de um comité estruturas governamentais de salva­ lhar “no terreno”, na proximidade
nacional do Escudo Azul, inserido no mento, com as estruturas patrimo­ das colecções a proteger, benefician­
seio do International Committee of niais, com as instâncias nacionais e do de uma vasta rede internacional
the Blue Shield, uma organização não internacionais vocacionadas para a de apoio.
governamental que tem como missão sal­­vaguarda do património. Neste
proteger os bens culturais, coorde­ contexto insere-se a actuação do Co­­
nando acções preventivas e de res­ mité Internacional do Escudo Azul, ISABEL RAPOSO DE MAGALHÃES,
posta a situações de emergência e de considerado o equivalente da Cruz Representante portuguesa no Conselho
catástrofe. Vermelha para o Património Cultural. do ICCROM (International Centre for the
Durante a última década, mais de Criado em 1996 pelas quatro entida­ Study of the Preservation and Restoration
4 000 catástrofes naturais semearam des fundadoras que representam os of Cultural Property)
morte, desolação, destruição e prejuí­ arquivos, os museus, os monumen­ ESMERALDA PAUPÉRIO,
zos incalculáveis. Desde o início do tos e sítios e as bibliotecas (ICA, Instituto da Construção da Faculdade de
ano, os terramotos de Haiti, Japão, ICOM, ICOMOS e IFFLA) o Comité Engenharia da Universidade do Porto
XAVIER ROMÃO,
Chile, Taiwan, Sumatra; as tremen­ Internacional do Escudo Azul agru­
Faculdade de Engenharia da Universidade
das inundações no Brasil, Peru, Chi­ pa profissionais voluntários das ins­
do Porto
na, Índia, Paquistão, México; as tem­ tituições patrimoniais e dos organis­ ANÍBAL COSTA,
pestades que assolaram a Madeira, mos da protecção civil, disponíveis Universidade de Aveiro
França, Espanha, Bélgica, Alemanha; para sensibilizar, aconselhar e inter­

40 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


AS LEIS DO PATRIMÓNIO

O Código
dos Contratos Públicos
O Júri do Procedimento
Não existe Júri no ajuste directo com co, quando as haja (118.º/1 e 151.º), no
um só convidado (67.º/1), nem no con­ procedimento de negociação (202.º) e
­­curso público urgente (156.º/2). no diálogo concorrencial (213.º); for­
O Júri do procedimento tem compe­ ­­mular propostas de exclusão e ava­
tência para: a condução das fases de liação dos trabalhos de concepção
instrução do procedimento pré-con­ vinculativas para o órgão adjudican­
tratual (67.º); a abertura das propos­ te (227.º/4 e 233.º/1).
tas e organização da lista de concor­ Além dos poderes acabados de men­
rentes ou candidatos (138.º/1, 177.º/1 cionar, o Júri terá competência para
e 231.º/8 e 9 do CCP e 7.º/5 do DL exercer os poderes que lhe sejam
nº 143-A/2008); a apreciação das de­legados pelo órgão adjudicante
propostas e candidaturas (69.º/1 e (69.º/2), desde que não sejam compe­
139.º/5); a elaboração dos relatórios tências exclusivas do órgão decisório.
do procedimento, designadamente, Os membros do Júri são nomeados
para apre­­­ciar as respostas à audiên­ pelo órgão adjudicante, em número
cia prévia e propor ao órgão adjudi­ ímpar, num mínimo de três efectivos
cante a tomada de decisões sobre a e dois suplentes (67.º/1 e 227.º/1),
exclusão ou se­­lecção de candidaturas, devendo ser designado, de entre eles,
exclusão de propostas ou de soluções o presidente (67.º/1 e 227.º/1), po­­
Escrevemos sobre o Júri, pois vem e sua avaliação e ordenação (69.º/1, dendo ser membros do órgão adjudi­
sendo comum a dúvida sobre a ex­­ 122.º e 124.º, 146.º, 147.º e 148.º, 152.º, cante (67.º/2).
tensão das competências que o Có­­di­ 177.º, 178.º, 183.º a 186.º, 204.º, 212.º e Por fim, os membros do júri estão
go dos Contratos Públicos (de agora 215.º, 231.º e 232.º); a solicitação de sujeitos aos impedimentos e suspei­
em diante CCP) atribui ao Júri do esclarecimentos sobre as propostas ções dos art. os 44.º e 48.º do CPA.
Procedimento. (72.º/1) e candidaturas (183.º/1); pro­­­ Também por isso, a identificação dos
O Júri é um órgão colegial, hierarqui­ ceder ao convite para a fase de nego­ membros do júri deve ser logo efec­
camente não subordinado, no plano ciações do ajus­­­te directo e para con­ tuada nos convites ou programas de
técnico da avaliação e ordenação de vidar os concorrentes a apresentar as procedimento, para exercício tem­
candidaturas e propostas, ao órgão versões fi­­­nais das respectivas pro­ pestivo, pelos interessados, dos direi­
adjudicante. Compete-lhe elaborar pa­­­­­­ postas (118.º e 121.º); a publicitação tos de requerer a declaração dos res­
re­­ceres técnicos sob a “forma” de pro­ das listas de concorrentes e candida­ pectivos impedimentos, escusas ou
postas de decisão para o órgão adju­ tos (138.º/1 e 177.º/1); a convocató­ suspeições.
dicante, as quais podem ou não por ria e realização das sessões de diálo­
aquele ser adoptadas (124.º/4, 148.º/4, go no procedimento de diálogo con­
212.º/5 e 6, 215.º/3), salvo no caso da correncial (213.º e 21.º); convidar os
exclusão, avaliação e ordenação dos candidatos qualificados a apresentar A. JAIME MARTINS,
trabalhos do concurso de con­­­cepção os trabalhos de concepção do con­ Advogado-sócio da ATMJ – Sociedade
em que o parecer técnico é vinculati­ curso de concepção (232.º/5); con­ de Advogados, RL
vo para o órgão decisor (227.º/4 e duzir as sessões de ne­­­go­­ciação no a.jaimemartins@atmj.pt
233.º/1). ajuste directo e no concurso públi­

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 41


NOTÍCIAS

Plano de Pormenor do Parque Mayer


pode pôr em risco o Jardim Botânico
O Parque Mayer e a sua zona envol­ também, para a abertura de um novo
vente já têm uma Proposta de Plano percurso pedonal, que liga a rua da
de Pormenor, que foi aberta a discus­ Escola Politécnica à rua do Salitre: o
são pública no passado mês de resultado disto seria a subtracção de
Novembro. Entretanto, esta proposta uma parcela do jardim. A estufa que
tem suscitado muitas críticas de di­­ se insere nesta zona seria substituída
versas associações, o que culminou por um edifício novo. Entretanto, é
com o lançamento de uma petição ressaltada a concordância relativa­
online em Defesa da Missão do Jardim mente à necessidade de um plano de
Botânico e pela Revisão da Proposta pormenor para a área.
do Plano de Pormenor do Parque A Plataforma em Defesa do Jardim Bo­­
Mayer, Jardim Botânico, Edifícios da ­tânico de Lisboa é formada pela Asso­
Politécnica e Zona Envolvente (www. ­ciação Árvores de Portugal, pela APAP
gopetition.com/petition/39771. – Associação dos Arquitectos Paisa­
html). A Plataforma em Defesa do gis­­­tas, pela Associação Lisboa Verde,
Jardim Botânico de Lisboa considera pelos Cidadãos pelo Capitólio, pelo
Obra na rua do Salitre, em plena zona de protec-
o plano desajustado, desintegrado e ção do Jardim Botânico. Fó­­rum Cidadania Lx, pelo Gru­po dos
altamente lesivo para a salvaguarda Amigos da Tapada das Ne­­ces­­sidades,
do quarteirão histórico. Além disto, são referidos o abate de pela Liga dos Amigos do Jardim Bo­­
De entre os aspectos negativos levan­ árvores na zona de protecção do Jar­ tânico, pela OPRURB – Ofí­­­cios do Pa­­­
tados estão a maior impermeabiliza­ dim Botânico para a construção de trimónio e da Reabi­­li­­ta­ção Urbana, pe­­-
ção e edificação da zona, que inclui um estacionamento e a criação de la Quercus - Núcleo de Lisboa e pelo
edificações contíguas ao Jardim Bo­­ uma barreira visual que não valoriza GECoRPA.
tânico, gerando uma grande pressão. a Cerca Pombalina. Chama a atenção, RSB

­­­­
Resolução sobre riscos sísmicos
é publicada em Diário da República
Foi publicada em Diário da República, devem ser apresentados nos planos de património histórico e zonas his­
no dia 11 de Agosto de 2010, a Re­­ de ordenamento municipal, de forma tóricas dos núcleos urbanos”.
solução n.º 102, intitulada “Adopção a orientar os usos do solo. O docu­ No que diz respeito às infra-estrutu­
de medidas para reduzir os riscos mento aconselha também que se pro­ ras tuteladas pelo Estado e ao Pa­­tri­­
sísmicos”. O documento foi aprova­ ceda a um levantamento da vulnera­ mónio histórico-cultural, chama-se a
do em Assembleia da República no bilidade sísmica do edificado público, atenção para que sejam realizados
dia 22 de Julho de 2010. que deve gerar um plano de avaliação pro­­gramas específicos de interven­
Dentre os pontos apresentados, des­ e hierarquização das prioridades. ção, visando a diminuição da vulne­
tacamos a recomendação de promo­ A recomendação refere, também, a rabilidade sísmica. O documento men­
ver junto das autarquias, e com o elaboração de “um plano nacional de ­ciona ainda que seja assegurada a
apoio dos serviços do Estado, a ela­ redução da vulnerabilidade sísmica “obrigatoriedade de segurança estru­
boração de Cartas de Risco Sísmico, das redes de infra-estruturas indus­ tural anti-sísmica nos programas de
com o intuito de identificar as zonas triais, hospitalares, escolares, gover­ reabilitação urbana”.
mais vulneráveis, assim como as namentais, das infra-estruturas de Para descarregar o documento aceda
tipologias de edificado mais propí­ transportes, energia, telecomunica­ ao sítio de internet do “Diário da Re­­­
cias a danos desta natureza e sua ções, gás, água e saneamento e de pú­­blica electrónico”, em www.dre.pt.
respectiva localização. Os resultados outros pontos críticos, bem como as RSB

42 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


NOTÍCIAS

Obra de Michel Giacometti


é reeditada 20 anos após a sua morte
No dia 24 de Novembro completa­ tologia da Música Regional Por­ A série de televisão “Povo que can­
ram-se 20 anos da morte de Michel tuguesa” foi feita em colaboração ta”, concebida em parceria com o rea­
Giacometti. Nascido na Córsega em com Fernando Lopes Graça, em ­lizador Alfredo Tropa na década de
1929, este etnomusicólogo foi pionei­ finais dos anos sessenta e inícios dos 70, foi recentemente reeditada em
ro na recolha das tradições musicais setenta. Nos cinco volumes desta DVD, numa colecção de 12 volumes
populares portuguesas. É uma figura colecção são apresentados registos que abarcam 37 episódios. A produ­
incontornável na defesa e valoriza­ das tradições musicais de Trás-os- ção, feita pela RTP, foi gravada a
ção do Património Imaterial. Em -Montes, Algarve, Minho, Alentejo e preto e branco devido às grandes di­­­
1959, Giacometti chegou a Portugal, Beiras. Seguiram-se, depois, realiza­ ficuldades técnicas enfrentadas. Na
e no ano seguinte fundou os arquivos ções em formatos variados: áudio, no­­­­va edição estão incluídos entrevis­
sonoros portugueses, que visavam vídeo, textos e exposições. Desta­ca­ tas, fotografias e textos de especialis­
reunir uma grande quantidade de mos o contributo dado na génese do tas, que contaram com a coordenação
testemunhos musicais de todo país, Museu do Trabalho, em Setúbal, do antropólogo Paulo Lima. O pro­
algo até então inédito. Adoptou que hoje tem o seu nome. Também jecto é uma parceria da Tradisom e
Portugal, onde viveu o resto da sua em parceria com Fernando Lopes da RTP, podendo ser adquirido jun­
vida, e onde está sepultado. Graça foi editado, pelo Círculo de tamente com o jornal “O Público”.
A obra de Giacometti é vasta. Fruto Leitores, o “Cancioneiro Popular Por­
dos seus primeiros trabalhos, a “An­­ ­­tuguês”. RSB

­­­­
Linha do Tua permanece com destino incerto
Após a decisão do IGESPAR de ar­­ mento do processo saiu no Diário o que irá inviabilizar qualquer reto­
quivar o processo de classificação, da República em menos de 10 dias. ma da sua funcionalidade. Inau­gu­ra­
o movimento em defesa da linha Vale a pena lembrar que o parecer da em 27 de Outubro de 1887, a Li­­
do Tua apresentou uma providên­ emitido no dia 3 de Novembro pe­­la nha do Tua ligava o Tua a Mirandela,
cia cautelar no Tribunal Admi­nis­ Secção do Património Ar­­qui­­­tectónico tendo posteriormente sido ampliada
trativo e Fiscal do Porto com o e Arqueológico do Conselho Na­­cio­ até Bragança (1906). A obra teve
intuito de sus­­­­­pender o parecer. A nal de Cultura concluiu que a Linha co­­mo responsável o engenheiro Dinis
alegação dos proponentes da can­ do Tua não tem interesse do ponto de da Mo­­ta, um dos grandes engenhei­
didatura é a de que uma série de vista arqueológico, arquitectónico, ros portugueses do século XIX, que
ilegalidades ocorreram no proces­ artístico, etnográfico, científico, técni­ conseguiu vencer as diversas dificul­
so, destacando-se a inexistência de co e industrial que justificasse a dades impostas pelo terreno. A linha
audiência prévia. Referem também requerida classificação. Mes­m o o férrea também serviu de inspiração
que houve um grande contraste na património imaterial associado à para diversas obras artísticas, das
forma como o IGESPAR tra­­­tou a linha férrea não daria razões para quais uma das mais recentes é o pre­
abertura e o en­­­cerramento do pro­ uma classificação, podendo ser salva­ miado documentário “Pare, escute,
cesso. Enquanto o procedimento guardado através de um núcleo olhe”, de Jorge Pelicano.
de abertura demorou três meses museológico, segundo o documento.
até ser publicado em Diário da Re­­ A construção da barragem na foz do
pública, o despacho do arquiva­ Tua vai submergir 16km de ferrovia, RSB

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 43


AGENDA

Seminário 6.º Congresso


“Cuidar das Casas: Luso-Moçambicano
a manutenção de Engenharia
do Património Irá decorrer, entre os dias 29 de Agosto e 2 de
Corrente” Setembro de 2011, em Maputo, o 6.º Con­­
gresso Luso-Moçambicano de Engenharia.
O ICOMOS-Portugal vai organizar o Se­­­mi­­nário “Cuidar das Serão trata­­dos diversos te­­­­­mas no âmbito da
Casas: a manutenção do Património Corrente”, que irá de­­­correr engenharia, incluindo a Reabilitação Ur­­ba­­na.
no Porto, dia 25 de Fevereiro de 2011. O even­­to é organizado pela Faculdade de En­­
A grande maioria dos encontros científicos tem abordado o ­­­ge­­nha­­ria da Universidade do Porto (FEUP),
património excepcional ou classificado, ficando esquecido o pela Faculdade de En­­genharia da Uni­­ver­­
património menor ou corrente, aquele em que habitamos e que sidade Eduardo Mon­­­­dlane (FEUEM), e pelas
conforma a imagem das nossas cidades. No entanto, o cuidado Ordens dos En­­ge­­nheiros de Portugal e de Mo­­
e a preservação informada e consciente deste património cons- ­­çam­bique. O período de re­­­­­­cepção de resumos
tituem um contributo importante para uma mais desejável sus- termina a 14 de Fevereiro de 2011.
tentabilidade urbana, bem como para a promoção de processos
de coesão social. Este Seminário constituirá uma oportunidade Informações:
para o debate e a reflexão sobre o estado dos conhecimentos, FEUP/DEMec
divulgando as mais recentes propostas científicas, teóricas e Tel.: 22 508 17 71
E-mail: sg@fe.up.pt
práticas neste âmbito. É dirigido a técnicos, estudantes e inves-
http://paginas.fe.up.pt/clme/2011
tigadores das áreas da arquitectura, da engenharia e de outras
profissões envolvidas na reabilitação urbana.
Este evento tem o apoio institucional do GECoRPA.
Lisboa recebe
Informações:
E-mail: icomos.porto@gmail.com congresso sobre
http://ncrep.fe.up.pt/ICOMOS_cuidardascasas
estruturas em madeira
Organizada pelo LNEC (Laboratório Nacional
de Engenharia Civil), pela Universidade do
Mi­­­nho e pelo Instituto de Investigação Cien­­
tífica Tropical, a SHATIS’11 (International Con­
ference on Structural Health Assessment of Timber
Struc­­tures) decorrerá nos dias 16 e 17 de
Congresso Internacional Junho de 2011 em Lisboa. A conferência visa
sobre Património Imaterial ser um es­­­paço de troca de experiências entre
investigadores e profissionais, com enfoque na
recebe propostas avaliação e conservação de estruturas de ma­­
deira. O even­­­­to conta ainda com o apoio da
O Green Lines Institute e o Internacional Journal of Heritage and Sus­ RILEM (In­­­ternational Union of Laboratories
­tainable Development organizam o Sharing Cultures 2011, 2nd In­­ and Ex­­­perts in Construction Materials, Systems
ter­­national Conference on Intangible Heritage. O evento irá de­­correr and Struc­­­tures), do ISCARSAH (International
em Tomar, entre os dias 3 e 6 de Julho de 2011, no entanto o Scientific Commitee on the Analysis of Ar­­chi­­
prazo para a submissão de resumos finda-se no dia 31 de Janeiro tectural Heritage), do ICOMOS, do GECoRPA
de 2011. A conferência, baseada nos tópicos propostos pela Con­ e do IGESPAR, I.P.
­venção da UNESCO, contará com a presença de investigadores e
académicos num espaço voltado para a troca de experiências.
Informações:
Informações: Tel.: 21 844 30 71
Sharing Cultures 2011 E-mail:
e-mail: sc2011@greenlines-intitute.org shatisinfo@lnec.pt
http://sc2011.greenlines-institute.org http://shatis11.lnec.pt

44 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


VIDA ASSOCIATIVA

Seminário ARP 2010 “Avaliação de Risco


em Património: Necessidade ou Luxo?”
Decorreu nos dias 6 e 7 de Dezembro
de 2010, na Faculdade de Enge­­nha­
ria da Universidade do Porto (FEUP),
o seminário ARP 2010 “Avaliação de
Risco em Património: Necessidade ou
Luxo?”, co-organizado pelo Núcleo
de Conservação e Reabilitação d’Edi­
­­­fícios e Património da FEUP e pela
Dr.ª Isabel Raposo de Magalhães,
membro do Conselho do ICCROM.
Este seminário abordou a temática
dos riscos em património móvel e
imóvel induzidos por catástrofes
naturais, contribuindo para um au­­
mento da cooperação multidiscipli­
nar nesta área e para uma maior
consciencialização da sua importân­ grou a Protecção Civil Italiana após Getty Institute. Este seminário con­
­cia na sociedade. O seminário con­ o Sismo de L’Áquila de 2009, o tou com o apoio e o patrocínio de
tou com palestras de especialistas Prof. Jonathan Ashley-Smith, espe­ várias entidades, destacando-se o
nacionais e internacionais, tais co­­­­­mo cialista em avaliação de risco em GECoRPA e a Monumenta – Conser­
o Arq.º Corrado Marsilli, que inte­ museus, e o Arq.º Rand Eppich do ­­vação e Restauro do Património, Ld.ª.

GECoRPA: 1997-2010
O GECoRPA completou, no passado • A alteração dos Estatutos do trução, das opções estratégicas com ela
mês de Outubro, o seu 13.º aniversá­ GECoRPA que passaram a permitir a relacionadas e dos sectores de actividade a
rio. São treze anos ininterruptos de integração de sócios individuais que montante e a jusante, sobre o património
promoção da excelência na conserva­ desenvolvam actividade no âmbito da natural e o património cultural, em par-
ção dos monumentos e na reabilita­ conservação e restauro do patrimó­ ticular na sua vertente património cons-
ção do edificado e, também, de acção nio, abrindo, portanto, a associação à truído a proteger; (2) demonstrar que as
cívica em prol da salvaguarda do pa­ participação activa de singulares; estratégias tendentes a conservar o patri-
trimónio cultural do Pais. • O contributo para o Plano de Por­ mónio natural e a reabilitar e valorizar o
Ao longo deste último ano de activi­ menor de Salvaguarda da Baixa Pom­ património construído contribuem, si-
dade o GECoRPA tomou várias ini­ ­balina de Lisboa, que mereceu uma multaneamente, para a sustentabilidade
ciativas na linha destes grandes ob­ análise cuidada por parte da Di­ do sector da construção e para o desenvol-
jectivos, entre as quais se destacam: recção do GECoRPA, no sentido de vimento sustentável do País.
• A exposição feita ao Sr. Ministro da alertar para a importância e para as Estes exemplos demonstram bem o
Obras Públicas, Transportes e Comu­ consequências das medidas a adop­ empenhamento do Grémio em pros­
ni­cações, no sentido de se promover tar nesta zona histórica lisboeta (vide seguir a sua acção na promoção dos
uma completa revisão do enquadra­ Pedra&Cal n.º 47, p. 47); grandes objectivos que se propôs: (1)
mento legislativo do sector da constru­ • A organização do Encontro “Patri­ promover a cooperação na defesa de
ção, no sentido de ter em conta a nova mónio Natural e Cultural: Construção interesses comuns das empresas, de
realidade deste sector, que se deseja e Sustentabilidade!”, que teve lugar na um melhor ordenamento do sector e
cada vez mais centrada na reabilitação Fundação Calouste Gulbenkian no de uma adequada regulação do mer­
do edificado e da infra-estrutura; pas­­sado dia 18 de Outubro, promovi­ cado; (2) disponibilizar formação e in­
• Os contactos com o IGESPAR tendo do em colaboração com a Quer­cus e o formação especializadas e a promoção
em vista promover uma maior exi­ ICOMOS Portugal. A forte ade­­são do de boas práticas; (3) dar um contri­bu­to
gência de qualificação das empresas público corroborou a premência dos cívico para o progresso do País, em de­
que se pretendem dedicarem à conser­ objectivos centrais do En­contro: (1) ­fesa do património cultural e natural.
vação do património arquitectónico; evidenciar os múltiplos impactos da cons- EGC

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 45


VIDA ASSOCIATIVA

GECoRPA, Quercus
­ e Icomos-Portugal promoveram
encontro sobre Património
e Sustentabilidade
Sistema de Informação da Bio­di­ver­
sidade na Europa (http://biodiversi­
ty.europa.eu). Também abordando a
biodiversidade, José Lima dos Santos,
do Instituto Superior de Agronomia,
centrou a sua participação no valor
económico dos ecossistemas. Ainda
durante a manhã, iniciou-se o segun­
do tema do encontro: “Regresso às
cidades – Construir com o construí­
do”, que teve como oradores Joan
Bus­­quets, da Faculdade de Urba­nis­
mo e Arquitectura de Barcelona, Ál­­
varo Domingues, da Faculdade de
Ar­­quitectura da Universidade do
Por­­to e Helena Roseta, da Câmara
Mu­­nicipal de Lisboa. Enquanto Joan
Mesa da Sessão de Abertura: Vítor Cóias, Presidente do GECoRPA; Dulce Pássaro, Ministra do Ambiente e do Busquets expôs a problemática da re­
Ordenamento do Território; e Viriato Soromenho-Marques, Coordenador do Programa Gulbenkian Ambiente. ­novação das cidades na sua apresen­
tação intitulada “Retro-fitting the ci­
No dia 18 de Outubro o GECoRPA – tural e da Natureza, ambos ameaça­ ty: Theory and Practice”, Álvaro Do­­
Grémio das Empresas de Conservação dos por um modelo de construção mingues reflectiu sobre a descaracte­
e Restauro do Património Arquitec­­ calcado na criação de novos equipa­ rização do campo. Por fim, He­­le­­na
tónico, a Quercus – Associação Na­­ mentos. Além disto, constituem um Roseta traçou um quadro da questão
cio­­­nal de Conservação da Natureza, importante vector para o desenvolvi­ urbanística em Lisboa, focan­­do as
e o ICOMOS Portugal – Comissão Na­ mento de uma economia sustentável. zonas prioritárias de intervenção.
­cional Portuguesa do Conselho Inter­­ Estiveram presentes diversas perso­ Depois do almoço, inaugurou-se o
nacional dos Monumentos e dos Sí­­ nalidades envolvidas na problemáti­ tema “Conciliar construção com sal­
tios, realizaram na Fundação Ca­ ca tratada no encontro, desde acadé­ vaguarda – Estratégias para a susten­
louste Gulbenkian o Encontro “Patri­ micos até dirigentes associativos, in­ tabilidade na construção”. Kaarin
mónio Natural e Cultural: Cons­tru­ cluindo também autoridades como a Taipale demonstrou o impacto da
ção e Sustentabilidade!”, que teve o Ministra do Ambiente e Ordenamento construção nova tanto no que diz res­
apoio do Programa Gulbenkian Am­ do Território, Dulce Pássaro, e o Se­ peito ao consumo de energia quanto
biente e o patrocínio da Stap – Reabi­ cretário de Estado da Cultura, Elísio às emissões de dióxido de carbono. Já
li­tação, Consolidação e Modificação Sumavielle. Deste modo, foi possível Alexandra Gesta partilhou a experi­
de Estruturas, S. A.. realizar um debate que abarcasse va­ ência de 25 anos de reabilitação em
O evento pretendeu reflectir e deba­ riados aspectos. Guimarães, processo que culminou
ter a importância da salvaguarda do Após a abertura do evento, fez uso com a classificação do centro históri­
património natural e cultural como da palavra Ronan Uhel, da Agência co como património mundial. A ideia
via para a sustentabilidade no orde­ Europeia do Ambiente, que apresen­ de direito à cidade perpassou esta
namento do território, na gestão do tou um balanço do estado da biodi­ sessão, que contou ainda com uma
edificado e no sector da construção. versidade na Europa, chamando a activa participação da assistência. O
A abordagem feita reitera a impor­ atenção para o valor dos bens e servi­ clima de debate permaneceu na ses­
tância da fusão entre os movimentos ços oriundos dos ecossistemas. Deu são seguinte, que foi moderada por
de salvaguarda do Património Cul­­ ainda conhecimento da existência do Luísa Schmidt e contou com os con­

46 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


VIDA ASSOCIATIVA

Intervenção de Dulce Pássaro, Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Vista geral do auditório.


Te­­rritório.

Debate com moderação de Luísa Schmidt (Instituto de Ciências Sociais da Universidade Mesa redonda com Francisco Ferreira da Quercus, José Aguiar do ICOMOS-
de Lisboa), em que participaram João Ferrão (Instituto de Ciências Sociais da Uni­­ver­ -Por­tu­gal, Vítor Cóias do GECoRPA e Elísio Summavielle, Secretário de Estado
si­­­dade de Lisboa), Pedro Bingre (Instituto Politécnico de Coimbra), Manuela Ra­­­­­­poso da Cultura.
Magalhães (Instituto Superior de Agronomia) e Helena Cluny (Procuradoria Geral da
República).

vidados João Ferrão, Pedro Bingre, nas, referiu os problemas inerentes à líderes políticos e por quem os elege.
Manuela Raposos Magalhães e Hele­­ qualidade do ambiente, nomeada­ Neste sentido, considera falacioso ar­
na Cluny. De entre os assuntos trata­ mente aos níveis de ruído e qualida­ gumentar que é através da constru­
dos destacaram-se as questões rela­ de do ar, frutos, em grande medida, ção que o País se desenvolve. Con­
cionadas com o direito do Urbanismo. de uma forma equivocada de conce­ cluiu que a reabilitação do edificado e
Finalmente, as conclusões do encon­ ber a mobilidade. José Aguiar citou a da infra-estrutura e a conservação do
tro foram apresentadas numa sessão crise actual que o país vive como uma património cultural cons­­truído po­
que reuniu Vítor Cóias, presidente do oportunidade de mudança: é possível dem ser importantes cata­­lisadores
GECoRPA, Francisco Ferreira, vice- utilizar menos recursos para atingir das mudanças necessárias para a sus­
presidente da Quercus, José Agui­­ar, bons resultados. Também atentou à tentabilidade do País. Por último,
presidente do ICOMOS-Por­tugal e necessidade de uma nova lei dos so­ Elísio Sumavielle elogiou o encontro,
Elísio Sumavielle, Secre­­tá­­rio de Esta­ los, que impeça a lógica do “crime que expressando o avanço re­presentado
do da Cultura. Francisco Fe­r­reira res­ compensa”. Já Vítor Cóias defendeu pela abordagem transversal que une
saltou a importância dos ecossistemas que a reabilitação, como alternativa à os Patrimónios Cul­­tu­ral e Natural.
e da necessidade de se conferir valor cons­­trução nova, tem sido travada por RSB
aos mesmos, de modo semelhante ao vários obstáculos, como um sector da
que ocorre hoje com o mercado do car­ construção demasiado influente e
­bono. Neste âmbito chamou a aten­­ção cioso dos seus interesses corporativos Para mais informações, aceda ao sítio de
para os riscos inerentes à perda da e uma cultura em que as expressões internet do encontro em http://construcao-
biodiversidade da Península Ibérica. “deixar obra feita” e “construir o País” sustentavel.gecorpa.pt), onde pode ser fei­
to o download das apresentações.
No que diz respeito às questões urba­ são geralmente tomadas à letra pelos

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 47


LIVRARIA

Destaques
Viver e saber fazer
Tecnologias tradicionais na região do Douro – estudos preliminares Edição: Fundação
Autor: Vários Autores
Museu do Douro
Preço: € 47.50
Viver e saber fazer: tecnologias tradicionais na região do Douro é um projecto experimental co-financiado pelo FEDER – Programa Ope­­
Código: FMD.E.1
racional de Cultura, que tem por objectivo identificar, estudar, preservar e divulgar a memória das tecnologias tradicionais utilizadas na
Re­­gião do Douro para dar resposta às exigências colocadas no quotidiano pelas actividades produtivas e de subsistência (Da Apresentação).
O presente volume publica os resultados desta primeira experiência.

Património Imaterial do Douro


Narrações Orais: Contos. Lendas. Mitos
Vol. 1 – Concelho de Tabuaço Edição: Fundação
Vol. 2 – Concelhos de Carrazeda de Ansiães e Vila Flor Museu do Douro
Autor: Alexandre Parafita Preço: € 23.00 (cada
volume – vendidos
Esta obra é o primeiro impulso visível para um inventário do Património Imaterial do Douro. Nela se apresenta uma vasta recolha em separado)
e compilação das narrações orais dos concelhos de Tabuaço, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor, acompanhada de um estudo teórico- Código: FMD.CP.1
metodológico e interpretativo desse património. e FMD.CP.2
Alexandre Parafita é docente do ensino superior e investigador nos ramos da mitologia e da literatura oral tradicional. Autor de várias
dezenas de obras, nos domínios da literatura infanto-juvenil e dos estudos do património imaterial, os seus livros são adoptados e
recomendados em escolas e universidades, incluindo o Plano Nacional de Leitura (PNL).

100 anos de Património. Memória e Identidade


Autor: Vários Autores
Edição: IGESPAR
Integrado nas Comemorações do Centenário da República, este livro lança diversas perspectivas sobre a salvaguarda do patrimó-
Preço: € 26.00
nio arquitectónico, arqueológico e museológico desde os antecedentes pré-republicanos até à actualidade. Editado pelo IGESPAR,
Código: IP.C.1
coordenado por Jorge Custódio e composto por textos de mais 42 autores, o livro pretende reflectir sobre a evolução dos conceitos e
das práticas do património e inclui as biografias de alguns dos mais destacados intervenientes e uma cronologia de congressos, de
organizações e de normas internacionais.

Terra incognita
Discovering and preserving European Earthen Architecture
Autor: Vários Autores Edição:
Argumentum
Trata-se de uma publicação inédita onde se encontram reunidas cerca de uma centena de artigos escritos por especialistas e investiga- Preço: € 33.25
dores de história, antropologia, arqueologia, engenharia, arquitectura e construção em terra. Código: AR.E.8
Produto de uma parceria entre cinco universidades europeias e apoiado pelo Programa Europeu “Cultura 2000”, este conjunto de dois
livros apresenta um vasto panorama da Arquitectura de Terra na Europa e das suas técnicas de construção e manutenção, num apelo
ao seu reconhecimento e preservação.

Outros títulos à venda na Livraria GECoRPA


Estruturas mistas Sistemas de Construção XII Biografia de um Pombalino
de aço e betão Sistemas de Movimentos Um caso de reabilitação
Autor: Luís Calado, João Santos
de Terras. na Baixa de Lisboa
Processos diversos Autor: João G. Appleton,
Edição: IST Press Isabel Domingos
Preço: € 45.43
Autor: Autor: Jorge Mascarenhas
Código: IST.M.2 Edição: Edições Orion
Edição: Livros Horizonte Preço: € 36.34
Preço: € 21.20 Código: OR.E.7
Código: HT.E.47

Habitação de Interesse Energia Solar em Edifícios Revista “Monumentos”


Social em Portugal Autor: Luíz Ruriz, João Rosendo, Vila Real de Santo António,
1988-2005 Fernando Lourenço, Kathrin Calhau a cidade ideal
Autor: António Baptista Coelho, Autor: Vários Autores
Edição: Edições Orion
Pedro Baptista Coelho Preço: € 38.37
Edição: IHRU
Código: OR.E.8
Edição: Livros Horizonte Preço: € 25.00
Preço: € 23.32 Código: IH.PP.2
Código: HT.E.45

Para saber mais sobre estes e outros livros, consulte a Livraria Virtual em www.gecorpa.pt.
Faça a sua encomenda por e-mail (info@gecorpa.pt) ou online na Livraria Virtual.

Os associados do GECoRPA e os assinantes da Pedra & Cal têm 10% desconto.*


* excepto nas promoções e nas revistas Pedra & Cal

48 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


LIVRARIA

Assinatura anual da Pedra & Cal


Revista da Conservação do Património Arquitectónico Revista da Conservação do Património Arquitectónico
e da Reabilitação do Edificado e da Reabilitação do Edificado

Ano XI – N.º 44 Outubro/Novembro/Dezembro 2009 – Publicação trimestral – Preço € 5,00 (IVA incluí-

Ano XII – N.º 46 Abril/Maio/Junho 2010 – Publicação trimestral – Preço € 5.00 (IVA incluído)
As Crianças
e o Património
REFLEXÕES
Património
Hospitalar
20.º aniversário da Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

0 0 0 4 0
PREVENÇÃO & SEGURANÇA

607727 077237
As crianças e o parque edificado

5
JOGO CAÇA AO TESOURO PARA OS MAIS PEQUENOS Património em risco - Hospital do Desterro

Novo preço de assinatura - € 20


Assinatura anual de estudante - € 17
CD-ROM Pedra & Cal
– 5 Anos (1998 – 2003) Traga um novo assinante
€ 10 e receba como oferta

Livro Branco sobre o futuro das empresas de restauro


Promoção de 4 números da do património na Europa ou o Manual de Educação
Pedra & Cal à sua escolha Patrimonial para crianças
€ 12
Os números 0, 1, 2, 4, 5, 6, 7, 13, 14, 25, 26 e 27 encontram-se esgotados.

Assinaturas
Assinatura anual de 4 números da Pedra & Cal – € 20 (portes incluídos)
Assinatura anual de estudante de 4 números da Pedra & Cal – € 17 (portes incluídos; mediante envio de cópia de documento comprovativo de estudante)
Assinatura a partir do n.º ___

Promoções
“Traga um novo assinante” e receba como oferta o Livro Branco sobre o futuro das empresas de restauro do património na Europa
ou o Manual de Educação Patrimonial para crianças
CD-ROM Pedra & Cal – 5 Anos (1998 – 2003) – € 10
4 números da Pedra & Cal à sua escolha, n.os ___, ___, ___, ___ – € 12 (acrescem € 2,50 de portes de envio; promoção válida para os
números anteriores a 2008)

Boletim de Assinatura Promoção “Traga um novo assinante”


Preencha o boletim de assinatura com os dados do novo
Nome ____________________________________________________________ assinante e indique aqui os seus dados:
Endereço _________________________________________________________
Código Postal _____________-________ Localidade _____________________ Nome ___________________________________________________
Telefone _________________ E-mail __________________________________ Endereço ________________________________________________
N.º contribuinte _______________ Actividade / Profissão _______________ Código Postal ____________-_____ Localidade _______________
Telefone ________________ E-mail __________________________
N.º contribuinte _______________ Profissão __________________

Modalidade NIB: 0033 0000 0022 8202 78305 (Agradecemos o envio do comprovativo de pagamento por e-mail ou fax)
de pagamento Cheque à ordem de GECoRPA, n.º ______________________, sobre o Banco __________________________

Fotocopie este cupão e envie-o preenchido para:


GECoRPA . Rua Pedro Nunes, n.º 27 – 1.º Esq.º, 1050 – 170 Lisboa . E-mail: info@gecorpa.pt . Fax: 213 157 996

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 49


ASSOCIADOS GECoRPA

GRUPO I - Projecto, fiscalização e consultoria


Betar – Estudos e Projectos de Estabilidade, Ld.ª
LEB – Projectistas, Designers e Consultores em
Projectos de estruturas e fundações para
Reabilitação de Construções, Ld.ª
reabilitação, recuperação e renovação de
Projecto, consultoria e fiscalização na área da
construções antigas e conservação e restauro
reabilitação do património construído.
do património arquitectónico.

Strutt Património, Ld.ª


PENGEST – Planeamento, Engenharia e Gestão, S. A. Coordenação e gestão de intervenções em património
Projectos de conservação e restauro do património Gestão, consultadoria e fiscalização na área da
arquitectónico. Projectos de reabilitação, reabilitação de edifícios e património arquitectónico
recuperação e renovação de construções antigas. Projecto geral de reabilitação e eficiência energética
Gestão, consultadoria e fiscalização. na recuperação e renovação de construções antigas

Trimétrica Engenharia, Ld.ª


VHM – Coordenação e Gestão de Projectos, S. A.
Projectos de conservação e restauro do património
Projecto geral de reabilitação, recuperação
arquitectónico. Projectos de reabilitação, recuperação
e renovação de construções antigas
e renovação de construções antigas.

VICTOR NEVES – Arquitectura e Urbanismo, Ld.ª


Projectos de conservação e restauro do património
arquitectónico. Projectos de reabilitação, recuperação
e renovação de construções antigas. Instalações
especiais em património arquitectónico e construções
antigas.

GRUPO II - Levantamentos, inspecções e ensaios

ERA – Arqueologia - Conservação e Gestão do


OZ – Diagnóstico, Levantamento e Controlo de
Património, S. A.
Qualidade de Estruturas e Fundações, Ld.ª
Conservação e restauro de estruturas
Levantamentos. Inspecções e ensaios não
arqueológicas e do património arquitectónico.
destrutivos. Estudo e diagnóstico.
Inspecções e ensaios. Levantamentos.

GRUPO III - Execução dos trabalhos. Empreiteiros e Subempreiteiros

Alfredo & Carvalhido, Ld.ª AOF – Augusto de Oliveira Ferreira & C.ª, Ld.ª
Conservação e restauro do património Conservação e reabilitação de edifícios.
arquitectónico. Conservação e reabilitação Consolidação estrutural. Cantarias e alvenarias.
de construções antigas. Pinturas e carpintarias. Conservação e restauro de
património artístico.

Arquinave – Sociedade de Construções, S. A. Atelier Samthiago, Ld.ª


Conservação e restauro do património Projecto de conservação e restauro do património
arquitectónico. Reabilitação, recuperação e arquitectónico. Conservação e restauro do património
renovação de construções antigas. Instalações arquitectónico. Azulejos; Cantarias (limpeza e
especiais em património arquitectónico e tratamento); Dourados; Esculturas de pedra;
construções antigas. Pinturas decorativas; Rebocos e estuques; Talha

BEL – Engenharia e Reabilitação de Estruturas, S. A. Coberplan, Ld.ª


Conservação e restauro do património Conservação e restauro do património
arquitectónico. Reabilitação, recuperação e arquitectónico. Reabilitação, recuperação e
renovação de construções antigas. renovação de construções antigas. Instalações
Instalações especiais em património arquitectónico especiais em património arquitectónico e
e construções antigas. construções antigas.

CRERE - Centro de Restauro, Estudo e


Remodelação do Espaço, Ld.ª
Construções Borges & Cantante, Ld.ª Conservação e restauro do património arquitectónico.
Construção de edifícios. Conservação e Azulejo, cantaria, douramento, escultura policromada,
reabilitação de construções antigas. pintura de cavalete e pintura mural. Rebocos tradicio-
nais, estuques e gessos artísticos. Serralharias artísticas,
talha dourada e policromada. Vidro e vitral.

50 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010


ASSOCIADOS GECoRPA

EL&A - Edificadora Luz & Alves, Ld.ª


Conservação e restauro do património
CVF – Construtora de Vila Franca, Ld.ª
arquitectónico. Reabilitação, recuperação e
Conservação de rebocos e estuques. Consolidação
renovação de construções antigas. Instalações
estrutural. Carpintarias. Reparação de coberturas.
especiais em património arquitectónico e
construções antigas.

Empripar – Obras Públicas e Privadas, S. A. In Situ – Conservação de Bens Culturais, Ld.ª


Conservação e restauro do património Conservação e restauro do património
arquitectónico. Reabilitação, recuperação e arquitectónico. Reabilitação, recuperação e
renovação de construções antigas. Instalações renovação de construções antigas. Instalações
especiais em património arquitectónico e especiais em património arquitectónico e
construções antigas. construções antigas.

Matias & Ávilas, Ld.ª


MIU – Gabinete Técnico de Engenharia, Ld.ª
Conservação e restauro do património
Construção, conservação e reabilitação de
arquitectónico. Reabilitação, recuperação e
edifícios. Conservação e reabilitação de
renovação de construções antigas. Instalações
património arquitectónico. Conservação de
especiais em património arquitectónico e
rebocos, estuques e pinturas.
construções antigas.

Monumenta – Conservação e Restauro do NAESTEIRA – Sociedade de Urbanização


Património Arquitectónico, Ld.ª e Construções, S. A.
Conservação e reabilitação de edifícios. Conservação e restauro do património arquitectónico.
Consolidação estrutural. Conservação de Reabilitação, recuperação e renovação de
cantarias e alvenarias. construções antigas. Instalações especiais em
património arquitectónico e construções antigas.

Policon – Construções, S. A. Poliobra – Construções Civis, Ld.ª


Conservação, restauro e reabilitação do Construção e reabilitação de edifícios.
património construído e instalações especiais. Serralharias e pinturas.

Quinagre Construções, S. A. Somafre – Construções, S. A.


Construção de edifícios. Reabilitação. Construção, conservação e reabilitação de
Consolidação estrutural. edifícios. Serralharias. Carpintarias. Pinturas.

STAP – Reparação, Consolidação e Modificação


Somague – Engenharia, S. A.
de Estruturas, S. A.
Serviço de Engenharia Global – Obras Públicas
Reabilitação de estruturas de betão. Consolidação
e Construção Civil.
de fundações. Consolidação estrutural.

STB – Reabilitação do Património Edificado, Ld.a Para mais informações sobre os associados
Reparação e reforço de estruturas. Reabilitação
de edifícios. Inspecção técnica de edifícios e
GECoRPA, as suas actividades e os seus
estruturas. Instalação de juntas. Pintura e contactos, visite a rubrica “Associados” no
revestimentos industriais. nosso sítio www.gecorpa.pt.

GRUPO IV - Fabrico e/ou distribuição de produtos e materiais


Henriques Duque, Ld.ª
Impressão digital sobre azulejo.
ONDULINE – Materiais de Construção, S. A.
Para parede interior e exterior, reprodução
Produção e comercialização de materiais para
de quaisquer padrões, desenhos, fotos, cores
construção.
ou texturas. Recuperação de património: réplicas
de azulejos, azulejos novos com aspecto antigo.

Umbelino Monteiro, S. A.
Tintas Robbialac, S. A.
Produção e comercialização de produtos e
Produção e comercialização de produtos de base
materiais para o património arquitectónico e
inorgânica para aplicações não estruturais.
construções antigas

Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010 51


PERSPECTIVAS

O Mar foi ontem o que


o património pode ser hoje!
Escrevo mediterrâneo hierarquicamente no quadro de uma para o vasto território da influência
Na serena voz do Índico (boa) norma, são formas de, sempre histórica e cultural portuguesa.
Sangro norte sem as tocarmos directamente, poder A Universidade de Coimbra, ela pró­
Em coração do sul retomar as produções de outros tem­ pria a protagonizar uma candidatura
Na praia do oriente pos e salvaguardá-las. O conheci­ para inscrição na lista do património
Sou areia náufraga mento é, pois, o início do processo de mundial – candidatura que se baseia
De nenhum mundo resistência ao tempo e aos homens; o nos valores da sua própria universa­
Hei-de processo que tornará possível no lidade enquanto centro de excelência
Começar mais tarde futuro o restauro, que nos devolverá na produção e transmissão de conhe­
Por ora o valor documental e o êxtase artísti­ cimento pelo mundo (Coimbra foi
Sou a pegada co ou simbólico, e que permitirá – durante séculos a única Universidade
Do passo por acontecer onde seja adequado e possível, – rea­ do Império) – tornou-se o verdadeiro
bilitar para novas funções (a arqui­ motor deste projecto, organizando
Poema Mestiço, de Mia Couto tectura, para o ser, deverá ser sempre em estreita parceria com a Comissão
uma arte funcional). Nacional da UNESCO, o Ministério
São raríssimas as declarações interna­ Todos sabemos bem que a produção da Cultura e o ICOMOS-Portugal e,
cionais, ainda mais na área da conser­ e a partilha de conhecimento são dos agora, com o apoio do Turismo de
vação, que se iniciam com um poema. mais importantes factores da salva­ Portugal.
São também muito poucos os docu­ guarda: o conhecimento responsabi­ Em 2006 concretizou-se em Coimbra
mentos de referência subscritos por lizará eternamente quem vandaliza e o primeiro encontro internacional
delegados de 25 países que se com­ oblitera! Parece-me uma evidência WHPO; agora, em 2010, num segun­
prometem a partilhar esforços no (re) constatar que a estupidez será sem­ do encontro na mesma (univer)cida­
conhecimento e na salvaguarda do pre atrevida, mas, apesar dela, o de, delegados do Brasil, Marrocos,
património de origem, ou de influên­ vandalismo tem sempre de se refrear Argentina, Uruguai, Paraguai, Mé­­
cia partilhada, de um pequeno país quando sabemos muitos (desejavel­ xico, Uruguai, Benim, Senegal, Gui­
europeu, que se espalhou pelos qua­ mente todos) o grande valor das coi­ né-Bissau, Cabo Verde, Região de
tros cantos do mundo. sas que merecem esse valor (de se Macau (China) Irão, Índia, Sri Lanka,
O poema acima citado é de Mia constituírem como o nosso patrimó­ Holanda, Malta, Espanha, Moçam­
Couto e inicia a Declaração de Coim­ nio comum). bique, Quénia, Tanzânia, Gana, Gâm­­­-
bra que marca a fundação da Rede A Rede WHPO orienta-se sobretudo bia, Angola e Portugal assinaram a
WHPO ocorrida na conclusão do se­­ para esta partilha do conhecimento e Declaração de Coimbra que fundou a
gundo encontro internacional World para a divulgação dos saberes que rede WHPO (a Comissão Instaladora
Heritage Portuguese Origin (WHPO), fundamentam o essencial da conser­ é presidida pelo ICOMOS Brasil e a
concretizado entre 23 e 26 de Outubro vação, i.e., os processos de reelabora­ sua sede será a Universidade de
de 2010 na Universidade de Coimbra, ção da memória e de (re)significação Coimbra).
a partir de então o centro e a sede de que informam as nossas (diversas) Os contributos do I e do II Encontros
uma nova rede de cooperação entre teorias de valores (assim mais parti­ WHPO (documentos de referência,
todos os países que detêm patrimó­ lhadas e mais universais ainda). comunicações, etc.) já estão disponí­
nio de origem ou influência cultural A geração desta rede WHPO come­ veis em http://www.uc.pt/whpo ...a
portuguesa. çou em 2003 quando o Director do memória do futuro do património
Sempre em eterna crise, com cada vez Património Mundial, Francesco Ban­ universal de origem ou influência
menos recursos económicos, teremos darin, propôs uma parceria entre os portuguesa irá (re)construir-se agora,
no futuro imensas dificuldades em representantes do ICOMOS de Por­ acreditando em Mia Couto quando
apoiar financeiramente a conservação tugal, do Brasil e do México, para nos diz que “O mar foi ontem o que o
activa da nossa partilhada memória e apoiar o surgimento de comités na­­ património pode ser hoje, [e que] basta
os seus testemunhos físicos, sobretu­ cionais do ICOMOS e a aplicação da vencer alguns Adamastores”.
do aqueles que se fixaram numa ar­­ Convenção do Património Mundial a
quitectura e num urbanismo mesti­ países africanos de língua portugue­
JOSÉ AGUIAR,
ços, espalhados por tantas latitudes. sa. O ICOMOS-Portugal, em alterna­
Arquitecto
No entanto investigar, publicar, ava­ tiva, defendeu uma geografia de par­ (colaboração de Ana Paula Amendoeira)
liar, inventariar e depois classificar cerias mais amplas, uma rede aberta

52 Pedra & Cal n.º 48 Outubro . Novembro . Dezembro 2010

Você também pode gostar