Você está na página 1de 160

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

HAZIEL PEREIRA LÔBO

ANÁLISE DE PROJETOS CONTEMPORÂNEOS DE EDIFÍCIOS MISTOS EM


PERIÓDICOS TÉCNICOS NO BRASIL E A ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO

NATAL, 2021
HAZIEL PEREIRA LÔBO

ANÁLISE DE PROJETOS CONTEMPORÂNEOS DE EDIFÍCIOS MISTOS EM


PERIÓDICOS TÉCNICOS NO BRASIL E A ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO

Dissertação de mestrado, apresentada ao


Programa de Pós-graduação em Arquitetura
e Urbanismo, área de concentração
Arquitetura e Urbanismo, linha de pesquisa
Projeto e Avaliação do Ambiente Construído,
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, requisito para obtenção do título de
Mestre.

Orientador: Prof.º Dr.º Heitor de Andrade


Silva.

NATAL, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - -CT

Lôbo, Haziel Pereira.


Análise de projetos contemporâneos de edifícios mistos em
periódicos técnicos no Brasil e a espacialização do cotidiano /
Haziel Pereira Lôbo. - Natal, RN, 2021.
159f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e
Urbanismo.
Orientador: Heitor de Andrade Silva.

1. Edifício - Uso misto - Dissertação. 2. Arquitetura


contemporânea - Dissertação. 3. Estratégias da forma
arquitetônica - Dissertação. 4. Cotidiano - Dissertação. 5.
Análise de projetos - Dissertação. I. Silva, Heitor de Andrade.
II. Título.

RN/UF/BSE15 CDU 725.22

Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ANÁLISE DE PROJETOS CONTEMPORÂNEOS DE EDIFÍCIOS MISTOS EM


PERIÓDICOS TÉCNICOS NO BRASIL E A ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO

HAZIEL PEREIRA LÔBO

Dissertação de Mestrado aprovada pela Banca Examinadora, constituída por:

Prof.º Dr.º Heitor de Andrade Silva


Orientador – PPGAU/UFRN

Profª. Drª. Gleice Virginia Medeiros de Azambuja Elali


Examinadora Interna – PPGAU/UFRN

Profª. Dr.ª Amelia de Farias Panet Barros


Examinadora Externa ao Programa – PPGAU/UFPB

NATAL, 2021
AGRADECIMENTOS

Expresso aqui meus agradecimentos à minha família, avós, tios e tias, primos,
irmãos e amigos, por apoiar seguir o caminho da pós-graduação, com a realização
deste mestrado. Em especial a minha mãe por ser uma pessoa sempre presente em
minha vida, incentivando constantemente os meus estudos e cobrando ser um
profissional e, acima de tudo, uma pessoa melhor todos os dias. Agradeço às
conversas também realizadas com meu irmão sobre a realidade da pesquisa científica
no Brasil e os percalços que certamente surgirão ao longo dessa trajetória acadêmica,
que começou desde a minha iniciação científica e projeto de extensão que participei
na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba.

Agradeço imensamente também pelo acolhimento que senti ao chegar na


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desde os profissionais de
limpeza até os professores e coordenadores que se mostraram sempre muito
presentes para ouvir e conversar. Agradeço também as inúmeras conversas com meu
orientador, Prof.º Dr.º Heitor de Andrade Silva, que foram de grande valia para o
desenvolvimento dessa pesquisa, com um tema tão recente e que merece atenção e
reflexão. Além disso, agradeço o apoio financeiro que a CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) concedeu nos anos de 2020 e 2021.

Por fim, presto minha solidariedade também aqueles que perderam familiares
queridos diante da gravidade da pandemia de coronavírus que tomou conta do planeta
Terra. Que sejamos firmes para permanecermos bem e para que em um futuro
próximo possamos reencontrar pessoas amadas novamente na vida cotidiana.
COTIDIANO
Andando por vias e vielas
Vi e percebi
Sorrisos, gritos, o som ensurdecedor do automóvel também
Em cada canto, um cotidiano diferente
No alto do morro o sino bate como quem diz: Aqui tem história!
Na praça ao longe, personagens a tornam viva
O sapateiro, o vendedor de picolé e o de coco
Em cada rosto uma história diferente
O menino magricela vê e desconfia
Sujeito estranho esse que anda sem rumo pela cidade
Mal sabe que na verdade estou a observá-lo
Saramago vai dizer que o que somos não tem nome
Mas eu vou além
Somos o nosso próprio cotidiano.

(Haziel Pereira Lobo, 2021)


RESUMO

Esta pesquisa investiga a relação entre as Estratégias da Forma Arquitetônica e o


Cotidiano no contexto contemporâneo, a partir dos primeiros anos do século XXI. A
espacialização do cotidiano na obra arquitetônica é abordada por Berke (1997) e
Hertzberger (2015) como sendo a formação de espaços que remetem à vida urbana
materializados na arquitetura e seus respectivos elementos que visam a função social
e cultural no edifício misto (uso comercial e de serviço) facilitando a experienciação
humana e sua apreensão em aspectos formais no projeto. Tem o objetivo de analisar
projetos arquitetônicos de uso misto (comércio e serviço) produzidos na
contemporaneidade (entre os anos 2000 e 2019), no Brasil, que refletem aspectos do
cotidiano. Inicialmente, é construído um panorama de alguns caminhos que a
arquitetura contemporânea vem tomando nos últimos vinte anos, desde as influências
dos meios digitais, a condição ambiental e a escala humana como protagonista do
espaço que possibilita a arquitetura do cotidiano. Em um segundo momento, é feita a
aproximação de métodos de análise gráfica de projetos, marcado por autores
referência nesse campo de estudo e pela aproximação que as categorias analíticas
possuem com o cotidiano da pesquisa, visando, assim, construir uma matriz
metodológica que auxilie na análise dos resultados finais do trabalho. Essa matriz foi
produzida a partir da relação entre estratégias da forma arquitetônica do edifício misto
- conceito teórico de cotidiano – métodos de análise formal de projetos. Por fim, na
última etapa, é realizada uma análise de oito edifícios mistos em periódicos técnicos
(revistas especializadas de arquitetura) do Brasil, entre os anos 2000 - 2019,
caracterizando-os e refletindo sobre aspectos formais das obras que podem remeter
à arquitetura do cotidiano. Os resultados da pesquisa mostram que a arquitetura do
cotidiano expressa nos exemplares selecionados buscam um maior diálogo do edifício
com as pessoas e com o entorno urbano, a partir das distintas configurações de térreo
que se aproximam das ruas e calçadas, de sistemas estruturais comunicantes,
expressão paisagística, presença de varandas e mirantes, assim como espaços que
facilitam a percepção humana com diferenças de nível. Os resultados encontrados e
analisados se mostraram condizentes com a proposta da pesquisa e espera-se que
estudos posteriores possam sanar novos questionamentos suscitados durante a
realização desse trabalho.

Palavras-chave: Arquitetura Contemporânea. Estratégias da Forma Arquitetônica.


Cotidiano. Análise de Projetos. Edifício Misto.
ABSTRACT

This present research investigates the relation between Strategies of Architectural


Form and the Daily life, while contemporary trend. The everyday’s spatialization in the
architectural work is discussed by Deborah Berke (1997) and Herman Hertzberger
(2015), as the construction of the spaces that refer to the urban life in the architectural
design and their respective architectural elements that aim social cultural function in
the mixed build (commercial and service use) facilitating human experience and its
apprehension in formal aspects in the project. The aim of this work is to analyze mixed-
use architectural projects (commerce and services) produced in contemporary times
(between the years 2000 and 2019), in Brazil, which reflect aspects of daily life. Initially,
it is discussed some ways that contemporary architecture have been following in the
last twenty years, from the influences of digital media, the environmental condition and
the human scale as the protagonist of the space that enables the architecture of the
everyday. In a second stage, methods of analysis of graphic design are approached,
which is debated by reference authors in this field of study, and the approximation that
their analytical categories can have with the daily life research aiming to build a
methodological matrix that assists in the analysis of the final results of the work. This
matrix was produced from the relationship between strategies of the architectural form
of the mixed building - theoretical concept of everyday life - methods of formal design
analysis. Finally, in the last stage, an analysis of eight mixed buildings in technical
journals (specialized architectural magazines) in Brazil, between the years 2000 -
2019, characterizing them and reflecting on formal aspects of the works that can refer
to everyday architecture. The results of the research show that the architecture of the
everyday expressed in the selected models seek a better dialogue the built with the
people and the urban surrounding, starting with the differents ground floor
configurations that get closer from streets and sidewalks, structural sistem
communicants, landscape expression, presence of balconies and viewpoints, as
spaces that facilitate human perception with level differences. The results found and
analyzed proved to be consistent with the research proposal and it is hoped that further
studies can solve new questions raised during this research.

Key-words: Contemporary Architecture. Strategies of Architectural Form. Architecture


of the Everyday. Analysis of Projects. Mixed Build.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Arena do Morro - Natal (RN). 21


Figura 02 - Uso de estruturas em fractais na capela Agri Chapel - Nagasaki (Japão). 23
Figura 03 - Hospital veterinário Australian Wildlife Health Center – Melbourne (Austrália). 24
Figura 04 - Escola Primária de Gando – Gando (Burkina Faso). 25
Figura 05 - Magney House – Bingie (Austrália). 27
Figura 06 - Ópera de Oslo – Oslo (Noruega). 30
Figura 07 - Desenho esquemático da Ópera de Oslo. 31
Figura 08 - Parque do Rio Medellín – Medellín (Colômbia). 33
Figura 09 - UVA La Libertad – Medellín (Colômbia). 34
Figura 10 - Edifícios com diferentes aspectos formais. 37
Figura 11 - Proposta para a Biblioteca Nacional da França, 1989. 42
Figura 12 - Proposta para o Instituto Moreira Salles (IMS). 43
Figura 13 - Museu Guggenheim – Bilbao (Espanha). 45
Figura 14 - Ilustração do Centro Georges Pompidou – Paris (França). 47
Figura 15 - Desenho da praça conjugada ao Centro Georges Pompidou. 48
Figura 16 - Análise do Contexto. 55
Figura 17 - Categorias de Analise que melhor tratam de Contexto e Cotidiano. 55
Figura 18 - Análise da Tectônica. 56
Figura 19 - Categorias de Analise que melhor tratam de Tectônica e Cotidiano. 57
Figura 20 - Análise da Percepção da Forma. 58
Figura 21 - Categorias de Analise que melhor tratam de Percepção da Forma e Cotidiano.59
Figura 22 - Análise do Programa. 61
Figura 23 - Categorias de Analise que melhor tratam de Programa e Cotidiano. 61
Figura 24 - Princípios estratégicos para gerar o cotidiano. 65
Figura 25 - Valorização da tectônica. 66
Figura 26 - Arquitetura que não busca ser um marco na paisagem. 67
Figura 27 - Elementos arquitetônicos que lembram varandas. 67
Figura 28 - Ambientes que auxiliam tanto na permanência quanto no fluxo. 68
Figura 29 - Aplicação de materiais em divisões externas e internas que evitam flertar com
anseios mercadológicos. 68
Figura 30 - Valorização da percepção do usuário com diferenças de nível e paisagismo. 69
Figura 31 - Ambientes que preveem diferentes usos. 69
Figura 32 - Relação do térreo com a calçada. 70
Figura 33 - Aplicação de materiais comuns usados de forma não convencional. 70
Figura 34 - Relação do edifício com o entorno. 71
Figura 35 - Estratégia Transformadora Sequencial. 75
Figura 36 - Etapas de construção da Matriz Metodológica. 76
Figura 37 - Etapas para seleção dos edifícios. 82
Figura 38 - Delimitação da pesquisa. 83
Figura 39 - Etapas da coleta de dados. 86
Figura 40 - Projetos selecionados na primeira etapa no Brasil. 90
Figura 41 - Marco na paisagem. 99
Figura 42 - Inserção do edifício Harmonia 57 na paisagem urbana. 100
Figura 43 - Inserção do edifício Corujas na paisagem urbana. 101
Figura 44 - Montagem da estrutura de concreto pré-moldado. 102
Figura 45 - Sistemas estruturais empregados nos projetos. 103
Figura 46 - Sistema estrutural no Comercial Novo Jardim. 103
Figura 47 - Modulação Estrutural no Edifício Box 298. 104
Figura 48 - Estrutura e materialidade do Edifício Box 298. 105
Figura 49 – Relação esquemática entre a circulação e a projeção do térreo. 106
Figura 50 - Centro Comercial Avenida. 109
Figura 51 - Térreo do Centro Comercial Avenida. 110
Figura 52 - Adelaide Prévidi Corporate. 111
Figura 53 - Térreo do Adelaide Prévide Corporate. 112
Figura 54 - Proposta original da equipe de projeto para o térreo. 112
Figura 55 – Modelos esquemáticos de varandas mais comuns. 113
Figura 56 - Varandas internas do edifício Corujas. 114
Figura 57 - Elementos de varanda nos projetos. 115
Figura 58 - Varandas e sacadas do edifício Comercial Novo Jardim. 116
Figura 59 - Programa arquitetônico básico dos projetos. 118
Figura 60 - Zoneamento volumétrico do edifício Container Mall. 119
Figura 61 - Container Mall. 120
Figura 62 - Estrutura vegetal e tubular do Harmonia 57. 121
Figura 63 - Presença de paisagismo. 121
Figura 64 - Espaços Entre encontrados nos projetos selecionados. 122
Figura 65 - Diferentes vistas que ensejam contribuir com a percepção dos usuários. 123
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Projetos selecionados na segunda etapa. 12


Tabela 02 - Projetos selecionados na segunda etapa. 92
Tabela 03 - Programa arquitetônico do térreo. 108
LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Matriz Metodológica. 77


Quadro 02 - Número de projetos selecionados que melhor respondem às dez características
da arquitetura do cotidiano. 94
Quadro 03 - Projetos selecionados para os resultados finais. 96
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: DA TEORIA AO PROJETO 13

2 TENDÊNCIAS DA CONTEMPORANEIDADE 20

2.1 EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS 20


2.2 ARQUITETURAS COTIDIANAS 28
2.3 O MOMENTO CONTEMPORÂNEO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO 38
3 LINGUAGEM ARQUITETÔNICA E COTIDIANO 40

3.1 O INTERESSE PELO BANAL 40


3.2 O PROJETO SOB ANÁLISE 50
3.3 TRANSFORMAÇÕES DO EDIFÍCIO MISTO NA HISTÓRIA E O COTIDIANO 63
3.4 A POÉTICA DO ESPAÇO: DEZ CARACTERÍSTICAS DA ARQUITETURA DO
COTIDIANO 66
3.5 DEFINIÇÃO DO COTIDIANO DA PESQUISA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
CAPÍTULO 71
4 O COMÉRCIO EM ORGANIZAÇÃO: MÉTODOS E TÉCNICAS 73

4.1 CARACTERIZANDO O ESPAÇO HABITÁVEL: METODOLOGIA DE PESQUISA 73


4.2 ARQUITETURA DO COTIDIANO: ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO 74
4.2 MATRIZ METODOLÓGICA 75
4.5 PERIÓDICOS TÉCNICOS: ETAPAS DE COLETA DOS PROJETOS EM REVISTAS
ESPECIALIZADAS 80
4.6 TRAVESSIA: ETAPAS DA PESQUISA 82
4.7 EM CADA ESQUINA: INSTRUMENTOS DE PESQUISA 85
4.8 PLANEJAMENTO DO DEBATE TEÓRICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO
89
5 EDIFÍCIOS MISTOS NO BRASIL DO SÉCULO XXI 90

5.1 MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS NA ARQUITETURA BRASILEIRA 90


5.2 ANÁLISE DE EDIFÍCIOS MISTOS E A ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO 97
5.3 REFLEXÃO SOBRE AS ANÁLISES 124
5.4 ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO 129
6 UM CAMINHO DE POSSIBILIDADES 132

REFERÊNCIAS 138

APÊNDICE 145
13

1 INTRODUÇÃO: DA TEORIA AO PROJETO

A arquitetura contemporânea não se expressa em uma tendência uníssona em


forma, função ou tectônica. Existe uma série de vertentes que, identificadas nos anos
de 1990, mostram-se, atualmente, cada vez mais presentes na sociedade, afastando-
se de um único ideal prevalecente e hegemônico (SYKES, 2013). Os avanços no
campo da tecnologia da informação e outros meios computacionais possibilitaram a
concepção de distintas formas arquitetônicas, bem como a agenda ambiental levaram
a maioria dos escritórios a formular diferentes estratégias da forma arquitetônica e,
pode-se dizer, alcançar distintos resultados.
No entanto, a abordagem sobre arquitetura contemporânea não se resume à
obra em si, mas considera as pessoas para as quais esses espaços são concebidos.
Desse modo, a arquitetura do cotidiano é uma das vertentes que considera o contexto
urbano, as pessoas e os potenciais que a forma arquitetônica pode adquirir para
valorizar o seu entorno imediato, os usuários que transitam na cidade e aqueles que
usufruem da obra. Para Berke (2013, p. 59, grifo do autor) a “arquitetura do cotidiano”
deve considerar “[...] atender à diversidade de classe, raça, cultura e sexo; projetar
sem se prender a estilos ou fórmulas arquitetônicas a priori, preocupar-se com o
programa e a construção”.
Esta investigação tem como objeto de pesquisa a relação das estratégias da
forma arquitetônica e o cotidiano no projeto de arquitetura. Serão apresentados
exemplares que expressam a espacialização do cotidiano em elementos
arquitetônicos pensados para atender aos usuários presentes na edificação, como
também aqueles que transitam em seu entorno. Estas obras foram idealizadas a partir
do contexto local, visando atender as especificidades e demandas de uma
determinada área.
O universo de estudo corresponde a ideia arquitetônica1 do edifício misto
(presença de pontos comerciais - lojas - e espaços para prestações de serviços -
escritórios) projetado e construído, no Brasil, entre os anos 2000 - 2019 com projetos
disponíveis em periódicos técnicos (revistas especializadas em arquitetura) do país:

1 “A IDEIA se opõe à convenção do tipo e não implica uma determinada linguagem. O reconhecimento
e formulação de ideias arquitetônicas permite a compreensão e análise das arquiteturas
contemporâneas.” (QUIROGA, 2009, p. 02). Existem sete modalidades referentes a Ideia Arquitetônica:
(1) Ideia como sistemas de relações; (2) A capacidade geradora da Ideia; (3) Ideia e ordem hierárquicas;
(4) Ideia, construção e função; (5) Ideia e forma; (6) A maleabilidade da Ideia; (7) Liberdade e
atemporalidade da Ideia.
14

PROJETOdesign, Galeria da Arquitetura, ArchDaily, AU e PROJETAR2.


A escolha foi feita com base na relação que esses empreendimentos
estabelecem com seu entorno imediato à medida que são construções que atraem os
usuários por meio de seu programa, com a presença de lojas e escritórios e por meio
de sua forma arquitetônica pensada com essa finalidade. O cotidiano, naturalmente,
é um tema multidisciplinar que pode ser abordado sob diferentes perspectivas. Nessa
pesquisa, o cotidiano analisado nos edifícios mistos (uso comercial e de serviço)
reflete as Estratégias da Forma Arquitetônica3 dos escritórios de arquitetura
selecionados, fruto do contexto onde as obras estão inseridas, que possibilita os
Entre4 e, o Espaço e Evento5 discutido por Bernard Tschumi.
Este trabalho reflete sobre a materialização do cotidiano em edificações
comerciais que possuem particularidades quanto ao próprio dia a dia das pessoas que
frequentam esses empreendimentos, tais como o porteiro, os funcionários da limpeza,
os prestadores de serviços e lojistas e dos próprios clientes que fazem uso dessas
instalações. Para que o cotidiano seja incentivado entre esse conjunto de indivíduos,
é necessário que as obras sejam pensadas a partir da concepção de ambientes que
dialoguem mais com o entorno imediato (instalação de varandas, fachadas ativas,
espaços livres compartilhados, etc.) e a importação de elementos urbanísticos,
usados com mais frequência em espaços públicos, para dentro do próprio prédio

2Essa última revista, PROJETAR, apesar de seu caráter mais científico, foi a exceção, tendo em vista
que possuía em seu material alguns projetos produzidos no Nordeste que foram levados em conta para
o processo de seleção dos edifícios mistos, porque as demais revistas priorizavam em boa parte obras
advindas somente do Sul e Sudeste. Além disso, destina-se pouquíssimo espaço de divulgação textual
produzidos pela PROJETAR nas demais revistas, sendo assim, um meio encontrado de divulgar e pôr
em destaque o que se vem realizando neste periódico.

3Estratégia é designado por Bernard Tschumi como sendo a ação projetual de gerar condições para o
Evento, antes mesmo da realização de estudos acerca da forma e da função de um edifício
(SPERLING, 2008). A aplicação de estratégias permite a diversidade de relações espaciais e é
discutida nesta dissertação nos limites da análise da forma arquitetônica, não referindo-se ao processo
projetual. A Forma compreendida nesse trabalho vai além de aspectos geométricos e morfológicos,
porque conduz à concepção de espaços que possibilitam a experiênciação humana, o movimento
aleatório no Vazio (formas vazadas) dentro das edificações e consequente relação com o entorno
urbano que se torna mais importante que o Cheio (formas cheias).

4 “Os Entre (in-between, entre deux) são concebidos como espaços não programados, eles se situam
entre os espaços com programas definidos, como espaços que estimulam a circulação e a interação
[...].” (SPERLING, 2008, p. 51)
5 Tschumi (1996) considera não haver uma dissociação da arquitetura do Espaço e do Evento. A
concepção espacial por meio das estratégias da forma arquitetônica gera o Espaço e a experienciação
do espaço pelas pessoas produz o Evento. Essa construção do autor é anterior ao próprio debate sobre
as diferentes funções atribuídas a uma edificação. Pensar o Espaço e o Evento na arquitetura
contemporânea é essencial para se debater a espacialização do cotidiano.
15

(corredores abertos que incentivam as relações entre indivíduos, o paisagismo, a


desprogramação arquitetônica que propõe deixar a escala humana como protagonista
dos ambientes, a presença de praças internas, a estrutura que aguça a apreensão,
etc.). Sendo assim, considera-se a existência de uma ideia (ou um conjunto de ideias)
arquitetônica (as) que une os edifícios selecionados, situados em diferentes contextos
– como é o caso do recorte geográfico brasileiro –, que expressam o cotidiano dessa
pesquisa.
São notórias as inúmeras contradições em território nacional no que diz
respeito ao campo arquitetônico. A segregação socioespacial e econômica,
certamente, influencia a vida das pessoas no meio urbano e edificado, principalmente
quando se trata de obras comerciais, já que não são construções de uso público e sim
coletivo. Por isso, elementos arquitetônicos que geram o cotidiano desta pesquisa não
necessariamente conduzem a vitalidade urbana ou mesmo tornam a vida das pessoas
de diferentes classes sociais melhor e mais justa. Tratar dessas questões exigiria uma
metodologia de trabalho diferente da que está sendo aqui abordada. Todavia, esse
aspecto pode ser estudado posteriormente, com entrevistas e visitas em campo.
Além dessas questões, os poucos estudos que refletem acerca do edifício
misto (uso comercial e de serviço) constituem motivação e ao mesmo tempo desafio,
na busca por se compreender a materialização do cotidiano na arquitetura. As obras
comerciais, que se aproximam de ideias mercadológicas, afastam-se da Arquitetura
do Cotidiano abordado por Deborah Berke, o que pode apontar para um paradoxo.
Entretanto, historicamente, as atividades de comércio sempre tiveram aproximação
com as ruas e calçadas da cidade que, ao longo dos anos, passaram por
transformações que influenciaram na formação de novas edificações, com o
surgimento das ruas comerciais e lojas de departamento do início do século XX,
transformando-se no que se conhece, hoje, em shopping centers e em edifícios mistos
(CABRAL, 1996).
Não se pretende, aqui, discutir a questão dos shopping centers por se tratar de
obras que vão na contramão do que poderia se considerar como uma Arquitetura do
Cotidiano. São implantados sem considerar o entorno, tendo em vista que o cotidiano
discutido no trabalho relaciona o edifício com a rua/calçada, e, consequente
valorização do espaço público, o que dificilmente se encontra nos shoppings. Já os
edifícios mistos podem ser estudados à luz do cotidiano, entretanto é importante
reforçar, que as obras selecionadas não representam um panorama da produção
16

nacional ou mesmo apontam para uma característica das construções atuais no país;
são exceções, que indicam uma ideia de espacialização cotidiana materializado na
arquitetura comercial, mas que ainda não podem ser interpretados como exemplares
ideias, o que ainda instiga uma permanente reflexão das diferentes maneiras de se
propor projetos que dialoguem mais com a cidade e seu entorno, valorizando os
usuários presentes.
Desse contexto surge a questão: em que medida a espacialização do cotidiano
como vertente da arquitetura se materializa em edifícios de uso misto (comércio e
serviço) no Brasil contemporâneo? A pesquisa tem o objetivo geral de analisar
projetos arquitetônicos de uso misto (comércio e serviço) produzidos na
contemporaneidade (entre os anos 2000 e 2019), no Brasil, que refletem aspectos do
cotidiano6. Para tal, parte-se dos seguintes objetivos específicos:

(1) Compreender o conceito de cotidiano no contexto da produção arquitetônica atual.

(2) Refletir sobre métodos de análise gráfica de projetos de arquitetura que


identifiquem aspectos formais do edifício misto e sua aproximação com o cotidiano.

(3) Caracterizar as ideias arquitetônicas de projetos de edifícios mistos que reflitam o


conceito de cotidiano.

A pesquisa utiliza abordagens metodológicas distintas com características


qualitativas e quantitativas, remetendo ao método misto. Parte-se, inicialmente, de
alegações do conhecimento, onde há uma aproximação com o objeto de estudo e
consequente compreensão deste. A partir dessa premissa, é construído uma pesquisa
com caráter exploratório, tendo em vista que se parte de uma visão geral do tema que,
aos poucos, vai se aproximando dos objetivos do trabalho.
A fase qualitativa foi realizada com base na análise de algumas obras que
compõem o universo de estudo, edifícios mistos (uso comercial e de serviço),
destacando características das obras e sua aproximação com o cotidiano. Na fase
quantitativa foram feitos levantamentos estatísticos que caracterizam o conjunto dos
edifícios mistos em distintos aspectos, como sistema estrutural, altura e programa

6 O cotidiano da pesquisa refere-se aos espaços que atendem à função social e cultural da arquitetura,
gerados por meio de estratégias da forma arquitetônica que promovem o Entre, o Espaço e o Evento.
A Função Social objetiva produzir espaços que geram bem-estar, comunicação entre as pessoas,
almejando a qualidade de vida; já a Função Cultural refere-se a fatores estéticos da forma arquitetônica
ligados ao planejamento urbano e diálogo com o entorno.
17

arquitetônico. Para possibilitar o desenvolvimento do trabalho foram realizados


levantamentos bibliográficos de material técnico e fotográfico.
Para a seleção dos edifícios foram propostas três etapas. Na primeira etapa
foram selecionados edifícios mistos (uso comercial e de serviço) projetados e
construídos entre os anos 2000 – 2019. Foi levada em conta a disponibilidade de
material técnico, fotográfico e explicativo das obras. Em uma segunda etapa, foi feita
uma nova revisão dos projetos, proporcionando uma sistematização das informações
coletadas na primeira etapa. Por fim, a terceira etapa considerou uma aproximação
dos projetos selecionados na etapa dois com dez características da arquitetura do
cotidiano7. Ao final, as obras que atenderam a pelo menos cinco, dentre os dez,
aspectos dispostos foram consideradas para os resultados finais, informados no
Capítulo 5 (Edifícios Mistos no Brasil do Século XXI).
A análise dos projetos finais foi realizada a partir da Matriz Metodológica8
disposta em três categorias: (1) Aspectos Gerais da Forma, subdividida em duas
subcategorias, (1.1) Inserção no contexto urbanístico e (1.2) Estrutura e materialidade;
(2) Aspectos Específicos da Forma, subdividida em duas subcategorias, (2.1) Relação
térreo-calçada e (2.2) Varandas; (3) Aspectos Estratégicos de Projeto na Forma,
subdividida em duas subcategorias, (3.1) Programa arquitetônico e (3.2) Facilitação
da percepção do espaço pela pessoa. Essa matriz conduz um roteiro de análise das
estratégias da forma arquitetônica dos edifícios mistos selecionados.
A pesquisa está organizada em quatro seções. A primeira discute algumas
tendências contemporâneas em evidência, mostrando a diversidade de obras
arquitetônicas em diferentes países. Expõe-se o quanto a produção atual não segue

7 As dez características da arquitetura do cotidiano foram elencadas com base na discussão teórica
proposta por Berke (1997) e Hertzberger (2015), com base também nas estratégias da forma
arquitetônica do edifício mistos (uso comercial e de serviço) e, pelos métodos de análise formal
proposto por Baker (1984), Ching (1998), Clark e Pause (1983), Unwin (2003), Leupen (1999) e
Radford; Morkoc; Srivastava (2014). Sendo assim, as características elencadas são: (1) Valorização
visual dos materiais / técnicas empregadas; (2) Arquitetura que não busca como objetivo principal ser
um marco na paisagem; (3) Elementos arquitetônicos que lembram varandas; (4) Desenho de
ambientes (corredores, praças, etc) que contribuem para a permanência e não apenas o fluxo contínuo;
(5) Arquitetura que se aproxima de tendências mercadológicas, mas não necessariamente se aproxima
das mesmas; (6) Arquitetura pensado sob a ótica do usuário, facilitando a percepção das pessoas
(diferenças de nível, aberturas que contribuem com a vista exterior, implementação de projetos
paisagísticos, etc); (7) Atendimento ao programa de necessidades / desprogramação; (8) Tratamento
ofertado ao térreo que se aproxima da calçada, valorizando os transeuntes; (9) Aplicação de materiais
comuns (baratos) usados forma não convencional; (10) Relação do edifício com o entorno.
.
8 A Matriz Metodológica foi construída a partir do agrupamento das dez características da arquitetura

do cotidiano elencadas pelo presente autor, criando três categorias analíticas que possuem duas
subcategorias cada uma.
18

um padrão construtivo, havendo a influência tanto das novas tecnologias, como o uso
da computação, assim como projetos bastante simples, que foram realizados de
acordo com as condições socioeconômicas da região implantada. À medida que é
mostrado esse panorama geral, evidencia-se manifestações do cotidiano também nas
construções, que é o objeto de reflexão da investigação. A fim de respaldar
teoricamente, foram utilizados autores do campo da teoria e crítica arquitetônica
recente, tais como: Sykes (2013), Montaner (2016), Voodt e Wegen (2013), Berke
(1997), Santa Cecília (2018).
A segunda seção é formada por uma discussão mais aprofundada sobre o
cotidiano proposto na pesquisa, os reflexos da morfologia arquitetônica na atualidade,
as principais características - localização, entorno, sistema construtivo, etc; São
utilizados autores como Hertzberger (2015), Gehl (2013), Farina e Barbosa (2009) e
Tschumi (1996) para tratar dessas questões. Além disso, é realizado um debate sobre
autores que abordam métodos de análise gráfica: Baker (1984), Ching (1998), Clark
e Pause (1983), Unwin (2003), Leupen (1999), Radford; Morkoc; Srivastava (2014),
Barredo e Lassance (2011), Beltramin (2015), Lacerda (2019) e Montaner (2017). São
evidenciadas as principais características de cada um, destacando reflexões críticas
sobre modos de se discutir o projeto arquitetônico e possibilitando, com base nas
categorias analíticas, uma aproximação com a arquitetura do cotidiano. É justificada
a escolha dos edifícios mistos (uso comercial e de serviço), uma breve abordagem
histórica com Cabral (1996) e Aleixo (2005), e, por fim, são listadas dez características
da arquitetura do cotidiano com base nas informações e reflexões geradas pela
relação entre: estratégias da forma arquitetônica do edifício misto – conceito teórico
de cotidiano – métodos de análise formal de projetos. Essas características elencadas
devem fundamentar a matriz metodológica desenvolvida na pesquisa.
Na terceira seção são apresentados os métodos e técnicas adotados na
pesquisa, destacando as delimitações e as etapas de coleta de dados. Por fim, é
apresentada a matriz metodológica que guiará as análises das obras selecionadas.
Os principais autores que compõem essa fase do trabalho são: Creswell (2010), Gil
(2008), Marconi e Lakatos (2003).
A quarta seção refere-se aos resultados e, as análises da pesquisa que
contempla, em uma abordagem qualitativa e quantitativa, os dados sistematizados em
categorias analíticas, elaboradas com base na literatura. Conforme mencionado, é
constituída uma matriz metodológica para orientar as análises dos projetos
19

selecionados que poderão gerar, ao final, uma série de dados estatísticos, bem como
reflexões de natureza qualitativa, que revelem características desse conjunto de
edifícios mistos.
A presente pesquisa entre outros propósitos pretende identificar e socializar as
múltiplas possibilidades de se pensar a arquitetura sob o olhar do cotidiano em
edifícios mistos. Ao pensar em obras de cunho comercial, imagina-se grandes arranha
céus, geometrias monumentais que se tornam ícones na paisagem. Entretanto,
existem exemplares nacionais que apontam para uma tendência contemporânea que
vem sendo discutida cada vez mais, a Arquitetura do Cotidiano. Essa pesquisa busca
incentivar arquitetos e estudantes a pensar o espaço construído com base nesse
debate teórico, tornando o usuário protagonista da arquitetura.
Diante da atual situação de pandemia da SARS – CoV 2 (coronavírus) que se
encontra no planeta, infelizmente as relações humanas em ambiente urbano e
construído, encontram-se em constante alerta diante da possibilidade de indivíduos
adoecerem pela doença Covid – 19 e a transmitirem. Espera-se que com as melhorias
no panorama mundial pelos próximos meses diante da possibilidade de vacinação
populacional, as pessoas encontrem no espaço cotidiano uma maneira de sorrir
novamente e aproximar amigos, familiares e colegas de trabalho, antes distanciados
pela pandemia.
20

2 TENDÊNCIAS DA CONTEMPORANEIDADE

2.1 EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS

De acordo com Montaner (2016) já é possível identificar e discutir de forma


mais aprofundada a arquitetura contemporânea, disposição que começou a se
mostrar mais expressiva a partir do final dos anos 1990. Esses debates são resultados
de discussões, consideradas pelo autor, pouco frutíferas acerca da produção pós-
moderna, mas que tinham como intuito fazer uma contraposição ao ideal moderno que
ainda vigorava na arquitetura da metade do século XX, e que passou a ser revisto
posteriormente.
Algumas das características do movimento moderno9 foram, justamente, o
racionalismo e o funcionalismo, que estão associadas a ideias como a de que a forma
segue a função, que adotava programas arquitetônicos baseados em um zoneamento
funcional rigoroso (MONTANER, 2013). Tal rigidez na maneira de se conceber as
edificações passou a ser questionada, tendo em vista que não considerava a natureza
humana, a sua imprevisibilidade, e que, por sinal, possui grande importância para
concepção espacial.
Trata-se de um objetivo elevado para a arquitetura, que nasce do projeto
utópico modernista de curar os males da sociedade e procurar aperfeiçoá-lo.
Arquitetos, historiadores e críticos da chamada era pós-moderna
reconheceram que, ao solicitar à arquitetura uma tarefa tão ampla e
inatingível, colocou-se a disciplina numa posição impossível, destinada ao
fracasso. Além disso, figuras como Manfredo Tafuri sentiram que a
arquitetura não só não estava conseguindo melhorar a sociedade, como, na
verdade, estava piorando as coisas, embora involuntariamente. (SYKES,
2013, p. 14).

Essas discussões posteriores à produção moderna foram publicadas na obra


Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965 - 1995), organizada por
Nesbitt (2008). Na citada bibliografia são tratados inúmeros temas, tais como: a
Fenomenologia, o Pós-Modernismo, os ideais referentes ao Contextualismo, a
Psicanálise, assim como aspectos políticos e éticos que regem a arquitetura. O
realismo só passa a ganhar maior destaque no final de 1990, quando a arquitetura

9 “Na arquitetura moderna, a ideia de progresso esteve relacionada à modernização das instituições, à
industrialização como motor do desenvolvimento, à construção de uma identidade brasileira que
refletisse um ideário progressista, à economia de meios e modos representada por um design que
pudesse refletir sua utilidade numa estética racionalizada” (PANET, 2013, p.131).
21

passa a considerar de maneira mais clara o contexto em diferentes realidades


socioeconômicas e geográficas do planeta, e que são discutidos na obra O Campo
Ampliado da Arquitetura: Antologia teórica (1993 – 2009), organizado por Sykes
(2013) e que é uma continuação de Nesbitt (2008). Dentre os temas ainda comuns às
duas autoras, a Tectônica ainda é discutida e evidenciada na contemporaneidade.
A expressão tectônica é uma temática abordada por Gregotti (2008), que
ressalta a importância dos detalhes na construção que contribuem para o
embelezamento da obra como fruto da aplicação de uma dada técnica e do uso de
um determinado material. Sua popularização nos últimos anos se deve à produção
bibliográfica desenvolvida por Kenneth Frampton (1983, 1990, 1995, 2005), Studies
in tectonic culture: the poetics of construction in nineteenth and twentieth century
architecture, que se propunha a discutir sobre aspectos estruturais que influenciam na
expressão arquitetônica.
Como lembra Kate Nesbitt, a tectônica aparece na crítica da arquitetura do
fim do período modernista, e vem constituir um dos principais temas do
debate contemporâneo, ao lado da semiótica, da fenomenologia, do
desconstrutivismo, do regionalismo crítico, designadamente. (AMARAL,
2009, p. 160).

Existem inúmeros exemplares na contemporaneidade que podem ilustrar a


discussão acerca da tectônica, como é o caso da Arena do Morro (Figura 01),
projetada pelo escritório suíço Herzog & De Meuron, localizada na comunidade Mãe
Luíza, em Natal (RN). A utilização de estrutura com perfis metálicos aliada aos pilares
de concreto permite realçar a materialidade que, combinada à cobertura em telha
termoacústica de alumínio, reforça a técnica construtiva atribuindo uma dimensão
plástica à obra.
Figura 01 - Arena do Morro - Natal (RN).
Figura SEQ Figura \* ARABIC 1 - Arena do Morro - Natal (RN).

Fonte: https://www.caurn.gov.br/?p=5916, 2020.


22

O dimensionamento dos materiais aplicados e os testes realizados nos


materiais são, hoje, uma realidade que se utiliza também através do auxílio de
ferramentas computacionais. A partir da Revolução Técnico - Científica (Terceira
Revolução Industrial) que se iniciou em meados de 1970, muitos escritórios de
arquitetura passaram a se utilizar desses recursos na concepção de seus projetos.
Atualmente, a produção contemporânea é influenciada consideravelmente pelos
avanços da computação que, segundo Sykes (2013 apud Celani, 2018), no século
XXI, destacam-se pela influência das tecnologias digitais, mecanismos de automação
e aplicação de novos materiais.
A Arquitetura Blobby10 ainda é um desafio a ser discutido no Brasil. Segundo
Celani (2018), a produção nacional já viveu momentos de glória com a premiação dos
arquitetos brasileiros Oscar Niemeyer (1907 - 2012) e Paulo Mendes da Rocha (92),
com o Pritzker em 1988 e 2006, respectivamente, além de avanços quanto à aplicação
de novos materiais, como o concreto armado. Entretanto, o país não acompanhou o
desenvolvimento tecnológico no mundo. A interação entre inteligência artificial e suas
aplicações na construção civil são realidade em países hoje referência na produção
contemporânea, tais como Alemanha, Espanha, EUA, entre outros.
Grandes escritórios vêm se utilizando de Sistemas Generativos (SG) 11 que
podem ser definidos como: “um método de obtenção de uma solução para um dado
problema com parâmetros em aberto, que permite a geração de múltiplas alternativas,
a partir da entrada de valores para esses parâmetros” (SEDREZ; MARTINO, 2018, p.
25). A aplicação do SG propicia o uso de algoritmos, que segundo Fischer e Herr
(2001 apud SEDREZ; MARTINO, 2018) podem gerar múltiplas soluções, obter
definições precisas de problemas e potencializar o processo criativo.
A arquitetura produzida no contexto dessas linguagens de programação pode
contribuir, por exemplo, com o uso de fractal12. A capela Agri Chapel (Figura 02),
localizada em Nagazaki, no Japão, que foi projetada pelo escritório Yu Momoeda

10 Arquitetura essencialmente produzida com o auxílio da tecnologia computacional, possuindo uma


discussão teórica baseada na complexidade de Jacobs, Venturi, Ungers, e outros do movimento pós-
moderno. (VOORDT; WEGEN, 2013).

11 Fischer e Herr (2001) afirmam que os SGs são conhecidos por 3 características: (1) capacidade de
geração de múltiplas soluções; (2) contribui com uma variedade de soluções, o que aumenta a chance
de encontrar uma melhor solução; (3) SGs podem levar a obtenção de melhores projetos com a
definição mais precisa de um dado problema. (SEDREZ, 2018).

12Estrutura geométrica complexa que pode ser aplicada em várias escalas, sendo acompanhadas pela
parametrização do projeto arquitetônico. (SEDREZ, 2018).
23

Architecture, é um exemplar que, por meio da automação, gerou estruturas em


madeira que possuem uma mesma geometria que vai diminuindo seu tamanho
proporcionalmente.
Figura 02 - Uso de estruturas em fractais na capela Agri Chapel - Nagasaki (Japão).

Fonte: https://www.yumomoeda.com/, 2020.

Além dos fractais, outras manifestações da arquitetura contemporânea têm se


realizado com base no uso dos autómatos celulares, que é um SG que auxilia no
processo de projeto e concepção de propostas.

O computador fornece novas entidades e objetos perceptuais. Antes o


arquiteto manipulava formas estáticas; agora ele pode brincar com fluxos
geométricos. A superfície e as deformações volumétricas adquirem um tipo
de evidência inalcançável através dos meios de representação gráfica
tradicionais. Elas podem ser realmente geradas e seguidas em tempo real na
tela. (PICON, 2013, p. 211).

A aplicação dos autómatos celulares pode propiciar estudos no campo de


produção de modelos urbanos que auxiliam na compreensão da forma de crescimento
das cidades, mediante simulações (PERES; POLIDORI, 2009). O uso de diferentes
amostras, a partir da inserção de diversos parâmetros, pode levar a diferentes
decisões projetuais, sendo uma característica que o algoritmo pode proporcionar.
Algumas obras foram concebidas através desse recurso, tais como o hospital
veterinário Australian Wildlife Health Center, em Melbourne (Austrália), que por meio
dos autómatos celulares estudou possibilidades de concepção de uma fachada
adaptativa. Segundo Araújo e Celani (2017, p.165): “o arquiteto Paul Minifie buscou
24

reproduzir listras de uma espécie de lagartixa típica da Austrália utilizando CA1D,


representando os estados binários com duas cores de tijolos [...].” (Figura 03).

Figura 03 - Hospital veterinário Australian Wildlife Health Center – Melbourne (Austrália).

Fonte: Araújo; Celani, 2017, p.165.

O uso de meios digitais vem sendo uma característica de grandes obras da


atualidade. O emprego desses recursos aliados ao trabalho de pesquisa é encontrado
em escritórios como os do arquiteto japonês Shigeru Ban. Segundo Montaner (2016),
as atividades desenvolvidas no escritório do vencedor do Pritzker de 2014 são
precedidas de pesquisas com a aplicação de novas técnicas e estudos acerca da
resistência dos materiais. A implementação de painéis de policarbonato e pilares de
papelão em habitações emergentes são exemplos do uso de matéria prima de baixo
custo na construção civil que, aliados aos avanços na tecnologia, fizeram o arquiteto
nipônico ser considerado um dos profissionais mais inovadores do século XXI.
Outros profissionais seguem estratégias projetuais semelhantes às de Ban e
buscam se adaptar a determinados contextos socioeconômicos. Francis Keré13, que
é natural de Burkina Faso, país situado a oeste da África, vem desenvolvendo projetos
arquitetônicos de considerável impacto social. Apesar de graduado na Alemanha, em
meados dos anos 2000 o arquiteto projetou edifícios escolares de baixo custo em seu
país de origem, e com a colaboração da população local permitiu levantar obras como
uma escola na aldeia de Gando (Figura 04) que utilizou, para levantar as paredes da
instituição, argila derivada do solo suspensas que absorve o calor e evita que ele seja

13O trabalho de Francis Keré é marcado basicamente pela utilização de mão de obra local e aplicação
de materiais de baixo custo. Ganhou diversos prêmios, dentre eles, em 2017, foi contemplado com o
Prince Claus Laureate Award do referido ano, pela qualidade plástica e sustentável de suas obras.
25

passado para as salas de aula do entorno. Métodos de ventilação cruzada foram


utilizadas, tendo em vista o clima quente local, além do uso de telhas de zinco.
Figura 04 - Escola Primária de Gando – Gando (Burkina Faso).

Fonte: http://www.kere-architecture.com/, 2020.

Segundo Montaner (2016), o início do século XXI é marcado também pela


incorporação do debate em relação à arquitetura e ao urbanismo informal. Novas
propostas de habitações coletivas e projetos de intervenção em áreas de favelas vêm
sendo cada vez mais comuns. No Brasil, o programa Favela-Bairro, por exemplo, foi
uma dessas iniciativas que visavam fazer a implantação de equipamentos urbanos e
edificados, tais como: creches, postos de saúde, quadras esportivas, além da oferta
de serviços públicos como drenagem e coleta de lixo. A arquiteta e urbanista da
prefeitura do Rio de Janeiro, Salomon (2005), promoveu um concurso público que
levou vários escritórios a participarem da iniciativa.
Além do caso mencionado acima, em outros países, o escritório Elemental,
gerenciado pelo arquiteto Alejandro Aravena14, traduziu em suas obras a preocupação
quanto ao modo de habitação de famílias mais vulneráveis. Com projetos premiados,
o escritório possui em seu currículo o desenvolvimento de conjuntos habitacionais que
lhe renderam notoriedade, tais como: Monterrey (México), Quinta Monroy (Chile), Lo
Barnechea (Chile) e Villa Verde (Chile). A preocupação com a construção de unidades
habitacionais de baixo custo que ofereçam dignidade a população não se restringe
apenas ao arquiteto chileno, tendo em vista que são ofertados concursos de projeto
de habitação social no Brasil pela Companhia de Desenvolvimento Social Habitacional
do DF (CODHAB) que, apesar de em alguns casos não serem construídos,

14Em 2016, Aravena ganhou o Prêmio Pritzker por suas obras de habitação social. O 41º laureado da
premiação é também o primeiro arquiteto chileno a receber a honraria.
26

demonstram diferentes propostas dos profissionais (arquitetos, engenheiros e


designers) envolvidos.
Diante do panorama da produção arquitetônica nos últimos anos,
principalmente com o uso da tecnologia que pode contribuir para ressaltar o aspecto
tectônico das edificações, ou mesmo a aplicação de materiais ordinários15 a serem
implantados em comunidades locais, existe um ponto a ser considerado: a
preocupação quanto ao estado de bem-estar social que os avanços tecnológicos
podem proporcionar, assim como a busca pela diminuição do impacto ambiental que
a construção civil pode acarretar ao meio.
A implementação de estratégias ecológicas é uma tendência contemporânea,
sendo uma discussão iniciada no final do século XX. Em 1992, o Rio de Janeiro sediou
a ECO - 92, conhecida também como Cúpula da Terra, que foi chefiada por líderes de
diversas nações com o objetivo de debater os problemas ambientais e possíveis
soluções. As diretrizes que almejavam a diminuição da degradação ambiental
respingaram em diversos setores da sociedade, inclusive na construção civil.
O uso de novas técnicas construtivas menos impactantes na natureza, de
recursos renováveis que contribuem tanto para preservar o meio ambiente, como para
gerar conforto à sociedade foram algumas pautas levantadas. Tais características
foram alguns dos caminhos adotados por diversos escritórios e empresas de
engenharia e arquitetura pelo mundo.
Na Austrália, por exemplo, Glenn Murcutt ganhou notoriedade com projetos de
casas com eficiência energética e buscou expressar em suas obras ideias
relacionadas à sustentabilidade (Figura 05). Ao se deparar com temas referentes às
mudanças climáticas, as residências foram desenvolvidas a partir das características
do sítio. “As preocupações ecológicas crescentes de Murcutt têm consequências cada
vez mais aparentes ao longo de seus projetos: construir alterando o menos possível
a integridade do sítio [...]” (FROMONOT, 2002, sp). Kenneth Yeang (1987) considera
que a arquitetura regionalista é aquela que incorpora características locais para
contextualizar e responder as decisões do projeto de acordo com os condicionantes

15O termo ordinário refere-se à ideia de comum. Quando se fala que um “material é ordinário”, significa
que não possui grandes custos para sua confecção, sendo considerado convencional, o que difere de
matérias-primas mais caras e de caráter espetaculoso comuns em grandes empreendimentos.
27

locais. Essa preocupação quanto ao contexto é uma pauta que marca a produção do
final do século XX.
Figura 05 - Magney House – Bingie (Austrália).

Fonte: Anthony Browell, 2008.

Em meio a essas características da produção arquitetônica que marcam o final


da era pós-moderna, a dimensão humana passou a entrar cada vez mais em pauta.
Carvalho e Duarte (2012) refletem sobre o papel estimulante que a arquitetura pode
proporcionar, relacionando-se, inclusive, com o entorno imediato. O uso de símbolos
e signos possibilitam múltiplas interações entre o edifício e as pessoas. Em Tokyo,
assim como em Nova York, existem inúmeras fachadas interativas que buscam a
apreensão dos transeuntes.

Uma das grandes críticas em relação ao Movimento Moderno, feita durante a


década de sessenta, foi baseada na perda da capacidade simbólica e
comunicativa da arquitetura pura e funcional daquele momento. Dentre os
teóricos que fizeram parte da chamada “crítica semiótica dos anos sessenta”
estão Maria Scalvini, Renato de Fusco, Umberto Eco, Christian Norberg-
Schuluz, Vittorio Gregotti, George Collins e outros. (CARVALHO; DUARTE,
2012, p. 24).

Segundo Farias (2019), uma das grandes contribuições da arquitetura nos


últimos vinte e cinco anos têm sido a exploração dos sentidos e percepções humanas
no design. Nos estudos em psicologia ambiental, a percepção ambiental inclui a coleta
de informações a partir dos sentidos. Considerar a forma como os usuários
apreendem o ambiente construído passa a ser uma pauta a ser levada em conta,
tendo em vista que o caráter meramente funcionalista acaba por desconsiderar as
ações humanas.
28

Na Psicologia Ambiental, os estudos sobre percepção e a psicologia ecológica


vêm desenvolvendo pesquisas sobre as experiências humanas relacionadas aos
ambientes em que se encontra. Tais abordagens acabam por se aproximar da forma
com que os arquitetos contemporâneos vêm desenvolvendo seus projetos, tanto
arquitetônicos, quanto urbanísticos, mostrando uma preocupação com a dimensão do
sujeito, impulsionando novos estudos no campo do design e das sensações.
Desse modo, debate-se cada vez mais a ideia de desprogramação. Considera-
se que o termo “programa de necessidades”, que é fruto da produção moderna, não
seria mais tão necessário se levado em conta a ótica imprevisível das pessoas. “O
funcionalismo tinha como princípio fundamental uma suposta correspondência entre
a materialidade dos objetos e a função que eles iriam desempenhar” (SANTA
CECÍLIA, 2018, p. 104).
Essa revisão na forma de se conceber uma edificação é uma das grandes
discussões também na contemporaneidade. Os ambientes não deveriam ser
imutáveis, tendo em vista que os usos mudam ao longo dos anos. Sendo assim, a
previsão de barreiras que delimita o espaço (paredes internas, móveis fixos, por
exemplo) deveria ser prevista apenas em casos excepcionais, permitindo que os
usuários se apropriem de sua habitação e definam o que melhor os satisfaz.
Portanto, pensar o espaço construído sob a ótica do usuário aponta para uma
tendência contemporânea intitulada Cotidiano, onde a arquitetura estuda se aproximar
das distintas realidades globais (realismo). Sendo esse o objeto do estudo aqui
desenvolvido, entende-se que a temática merece ser melhor explorada a fim de se
compreender o papel da arquitetura na formação de espaços que buscam o bem-estar
das pessoas, uma das grandes questões da arquitetura do início do século XXI.

2.2 ARQUITETURAS COTIDIANAS

Existimos numa cultura em que heróis foram substituídos por celebridades, e


quinze minutos de fama são mais valorizados do que uma vida de paciente
trabalho. Nesse clima, o arquiteto precisa se tornar uma celebridade para
ganhar a oportunidade de construir (ou então proclamar em altos brados que
se recusa a construir, para se estabelecer como força física). Os que
realmente constroem tendem a produzir edifícios assinados, projetados para
atrair a atenção da mídia e ganhar o interesse do público, pois sob essas
regras a arquitetura pode brotar apenas da mão do arquiteto de grife. O
ambiente construído está repleto desses produtos de celebridades - gestos
heroicos que não foram feitos nem encomendados por heróis. (BERKE, 2013,
p. 59).
29

Berke (2013) considera que a produção contemporânea deve ficar atenta às


construções feitas por grandes nomes da arquitetura que não consideram aspectos
cotidianos que devem ser levados em conta. O termo “cotidiano” foi cunhado
inicialmente por Henri Lefebvre 16 (1901 - 1991) que, segundo Morita e Lopes (2019,
p. 115), considerava que “[...] as relações entre as atividades humanas e sociais nunca
ocorreram de maneira totalmente lógica, direta, objetiva e passível de ser
completamente diferenciada de sua atmosfera envolvente, mas, sim, contêm vais-e-
vens [...]”.
Tratar do cotidiano é referir-se à vida em sociedade, essa ideia pode ser
verificada tanto na cidade quanto nos edifícios. A preocupação quanto a importância
da escala humana é fruto de debates por parte de Jane Jacobs e Robert Venturi a
partir do declínio da modernidade e efervescência de ideias que começam a vigorar
nos anos de 1960 (MORITA; LOPES, 2019).
Jacobs, em seus ensaios, considera que a cidade é um cenário onde são
estabelecidas relações de poder, contendo com classes sociais com diferentes
demandas, havendo uma forma de ocupação das construções que desvaloriza a
escala das pessoas (GAVAZZA, 2013). A autora considera, ainda, que o desenho das
ruas e calçadas expressam o dia a dia dos indivíduos e que por sua vez deveriam ser
melhor analisados. Esse debate acerca da valorização de espaços públicos, que visa
contribuir com cidades mais seguras, passou a ser melhor explorado em projetos
arquitetônicos que, aliados ao planejamento urbano, potencializam e contribuem com
a revitalização de áreas degradadas das cidades.
Hoje, a arquitetura contemporânea, com suas diferentes manifestações, tem
em comum projetos que visam o protagonismo do usuário, a sustentabilidade e a
integração com o lugar.

A defesa crescente de práticas arquitetônicas ecologicamente corretas segue


ao lado dos conceitos de realismo e cotidiano. No tocante à arquitetura, não
é fácil definir esses conceitos, pois eles têm significados variáveis e um tanto
subjetivos. Apesar de seu conteúdo indeterminado, as duas ideias parecem
estar entrelaçadas, na medida em que o cotidiano pode ser considerado um
subconjunto do campo mais amplo do realismo. Muitas vezes o realismo vem
associado a uma avaliação e uma atitude diante do “real” (seja o que for esse
“real”) que são diretas, considerando que ele existe e deve ser tratado em

16É um importante autor que trata da vida cotidiana, a importância do acesso que a população deve ter
ao meio urbano. Publicou diversos livros, tais como: Direito à Cidade (1968), A revolução Urbana (1970)
que são até os dias atuais debatidos nas universidades, gerando pesquisas sobre a sociedade
contemporânea.
30

níveis práticos e / ou simbólicos. O cotidiano está relacionado de maneira


positiva com o comum, o típico, o local, já que aquilo que constitui o
“cotidiano” se baseia inevitavelmente em quem é a pessoa e o que ela vive,
em termos gerais. (SYKES, 2013, p.20).

Existem edificações que podem expressar um sentimento cotidiano. A Ópera


de Oslo, por exemplo, poderia se enquadrar na discussão proposta. Projetada por
Snøhetta, é um edifício de baixo gabarito17, localizado na Noruega, na cidade de Oslo
(Figura 06). Foi inaugurada em 2008 com o intuito de suprir a demanda da região no
campo artístico, sendo considerada a maior instituição musical e teatral da Noruega.

Figura 06 - Ópera de Oslo – Oslo (Noruega).

Fonte: https://snohetta.com/projects, 2020.

Tal empreendimento foi desenvolvido mediante um concurso público lançado


em 2002. A equipe vencedora propôs um projeto que explorava as vistas da paisagem
natural, tornando-se um importante destino turístico, levando em consideração que
são ofertados espaços públicos e abertos para os usuários. Uma das grandes ideias
formuladas pelo escritório vencedor foi justamente a criação de uma espécie de

17O termo “gabarito” é utilizado na construção civil para se referir a altura máxima que uma edificação
possui, desde o pavimento térreo até a cobertura.
31

“tapete” que vai do térreo até a laje por meio de um percurso que valoriza os
transeuntes, permitindo a apropriação do prédio (Figura 07).

Figura 07 - Desenho esquemático da Ópera de Oslo.

Fonte: Radford, Morkoc e Srivastava, 2014, p.323.

No interior da Ópera de Oslo também constam espaços de transição. Nesses


ambientes internos foram oferecidos tratamentos nas superfícies, na iluminação e no
dimensionamento de forma a tornar aconchegante circular por dentro. Estratégia que
contribuiu para que as pessoas se sintam à vontade e possam usufruir tanto do
auditório e das diversas salas que constam, assim como dos cômodos transitórios.
Nesse caso, o cotidiano reside justamente na oferta de espaços públicos e
abertos para as pessoas, levando o edifício a ter uma relação mais próxima com a
cidade, além do aconchegante interior da obra que auxilia no bem-estar das pessoas
presentes.
Jacobs (2009) utiliza o termo “olhos da rua” para ressaltar a importância das
pessoas nos espaços públicos e a contribuição para a sensação de segurança.
Segundo a autora, para se ter a sensação de segurança é necessário que sejam
estabelecidas condições para que as pessoas vivenciem o meio urbano. Essas
condições podem ser obtidas por meio da melhoria na iluminação, desenhos de
calçadas que valorizem os pedestres, e até mesmo edifícios que interajam com o seu
entorno: térreos abertos, implantação de varandas que permitam a visualização da
cidade, dentre outros.
Ao considerar que os edifícios contribuem para uma cidade mais segura é
importante diferenciar uma arquitetura do cotidiano de uma arquitetura monumental.
32

“Monumentalidade” aponta, sobretudo, para obras artísticas de grandes


dimensões. À parte os protomonumentos exploratórios em aço, as primeiras
estruturas em Chicago e Nova Iorque, o “Cristal Palace” e a “Tour Eiffel”,
século XIX ainda, ela não ocorre na fase heroica inicial do Movimento
Moderno, mais preocupado com o social. Surge de fato mais tarde, no
encontro da Arquitetura Moderna, já, então, em evidência e prestigiada, em
namoro com as ditaduras, na primeira metade do século XX. (GUEDES,
2006, p.2).

A monumentalidade traz à tona referências a governos, catedrais, mansões,


edifícios da justiça, dentre outros. São produzidos com o intuito de vangloriar
determinados acontecimentos, o que vai na direção oposta à arquitetura do cotidiano.
No caso de edifícios da justiça, eles podem até mesmo inibir os usuários presentes
com o uso monumental de elementos da arquitetura, tais como grandes escadarias e
portões que fogem da ideia de apropriação por parte dos cidadãos. Guedes (2006)
considera que a arquitetura deve considerar os anseios das pessoas, sendo o
cotidiano, nesse caso, a concepção de obras com base em desejos do dia a dia e
necessidades da população.
O cotidiano como vertente da contemporaneidade é um tema fluido e que exige
um certo grau de subjetividade, entretanto é possível imaginar sua materialização em
ações concretas tanto na cidade quanto nas edificações. As ações desenvolvidas na
cidade de Medellín, na Colômbia, podem ajudar a compreender como a interação
entre espaços públicos e edificados podem se unir em prol de melhorias sociais.
Medellín em 2013 foi considerada a cidade mais inovadora do mundo, segundo o
Urban Land Institute, devido aos avanços sociais e educacionais, embora já tenha
sido considerada uma das cidades mais violentas do planeta.
Considerando os índices preocupantes que o município apresentava e baseada
em outras experiências de projetos de caráter urbano, traçou-se uma série de
estratégias e diretrizes para melhorar a qualidade de vida em Medellín. Com isso,
foram instalados equipamentos públicos, localizados estrategicamente em áreas
ocupadas por segmentos sociais em condição de vulnerabilidade, que contribuíram
com a promoção da vivência coletiva nas comunidades bem como com a mobilidade
da cidade (Figura 08).
33

Figura 08 - Parque do Rio Medellín – Medellín (Colômbia).

Fonte: Denise Antonucci, 2017.

Medellín vem construindo uma cidade resiliente, onde a redução de riscos


deve constar do projeto urbano e de estratégias visando o desenvolvimento
sustentável, melhorando progressivamente o direito de seus habitantes à
cidade. As políticas públicas são pautadas pela função social e ecológica da
propriedade; englobando habitação de interesse social, meio ambiente,
espaço público e mobilidade. (ANTONUCCI e BUENO, 2018, p. 3).

Além desses planos urbanísticos, apresentaram-se projetos arquitetônicos que


dialogavam com o entorno imediato. Algumas das medidas tomadas permitiram a
implantação de UVAs (Unidades de Vida Articulada), que são espaços destinados ao
encontro de pessoas, incentivo ao esporte, cultura e lazer. Essas obras foram
desenvolvidas pela EPM (Empresas Públicas de Medellín) que, inicialmente, mapeou
no tecido urbano áreas que precisavam de infraestrutura e iluminação pública. Assim,
constatou-se que as áreas mais escuras no mapa eram formadas por grandes
reservatórios de água abandonados. A partir dessa coleta de dados foi possível
estabelecer estudos de implantação e redesenho do entorno desses reservatórios,
como foi o caso da UVA La Libertad (Figura 09).
34

Figura 09 - UVA La Libertad – Medellín (Colômbia).

Fonte: https://www.grupoepm.com/site/fundacionepm/quehacemos/programas/uva/uvalalibertad,
2020.

Como se observa nas UVAs, a preocupação quanto à integração ao espaço


público é evidente e indissociável. A partir dessas propostas implantadas em Medellín,
buscou-se o que inúmeros autores (BORJA, 2002; RODRÍGUES, 2005; SEGOVIA Y
JÓRDAN, 2005 apud BRICEÑO - ÁVILA, 2018) consideram que deve residir no
espaço público: a busca pela convivência e equilíbrio social. Nas UVAs, esse anseio
pelo comum e pelo cotidiano foi a estratégia usada para poder trazer segurança em
áreas que eram tomadas pela violência e tráfico de drogas, de forma a possibilitar
valorização da escala humana, trazendo mais qualidade vida às comunidades.
Os exemplos citados acima entram em convergência com debates formulados
nos anos 1990, visto que “Nas últimas décadas do século XX, o novo urbanismo surgiu
como um movimento em defesa de projetos urbanos caracterizados pela criação de
bairros com uso misto do solo, níveis de renda variados, diversidade social, alta
densidade e respeito pelo pedestre” (CARTA DO NOVO URBANISMO, 2013). A partir
dessa linha de pensamento, em 1993, os arquitetos Andrés Duany, Elizabeth Plater -
Zyberk e Peter Calthorpe idealizaram o Congresso para o Novo Urbanismo que teve
como pauta diretrizes que estabelecem a importância da relação edifício - cidade.
Foram previstos neste evento a revitalização de áreas urbanas existentes, projetos
arquitetônicos desenvolvidos com base nas características antropomórficas locais,
pensados a partir de um processo colaborativo, com o desenho de ruas e calçadas
35

que valorizem o pedestre.


Essa direção a uma arquitetura do século XXI que visa não somente solucionar
os problemas de projeto com base nos anseios dos clientes, mas entrar em sintonia
com questões mais amplas, tais como a sustentabilidade, são fatores que influenciam
a materialização do cotidiano como uma vertente contemporânea. Jan Gehl reflete em
seus ensaios os pensamentos de Jane Jacobs sobre a importância de se levar em
conta a dimensão humana, que foi pouco explorada pelo campo da arquitetura do
século XX.

Por décadas, a dimensão humana tem sido um tópico do planejamento


urbano esquecido e tratado a esmo, enquanto várias outras questões ganham
mais força, como a acomodação do vertiginoso aumento do tráfego de
automóveis. Além disso, as ideologias dominantes de planejamento - em
especial, o modernismo - deram baixa prioridade ao espaço público, as áreas
de pedestres e ao papel do espaço urbano como local de encontro dos
moradores da cidade. Por fim, gradativamente, as forças do mercado e as
tendências arquitetônicas afins mudaram seu foco, saindo das inter-relações
e espaços comuns da cidade para edifícios individuais, os quais, durante o
processo, tornaram-se cada vez mais isolados, autossuficientes e
indiferentes. (GEHL, 2013, p. 3)

Essa visão de Jacobs, fruto de sua vivência em Nova York, e que, por sinal,
gerou a obra Morte e vida das Grandes Cidades, trouxe importantes reflexões sobre
como vinham sendo desenvolvidas as cidades modernistas e, até mesmo, a
construção de edifícios autônomos, sem muita relação com os espaços abertos
presentes no entorno dos centros. É importante ressaltar que em países da América
Latina o contexto socioeconômico e paisagístico difere daquele abordado por Jacobs
e Gelh. São realidades diferentes, mas que bebem de um tema em comum com a
realidade dos países Latinos: a importância do cotidiano na sociedade.
Outros autores também discutem a relação da arquitetura com o cotidiano
como uma tendência. Peñafiel (2001) fala da importância da relação da arquitetura
com as tradições culturais de cada região e com a paisagem local. O autor faz
referência a cidades como Washington e Rio de Janeiro, pelas relações entre
arquitetura e o meio natural / edificado, fazendo paralelamente críticas à maneira
como vem sendo construídas edificações em sua cidade natal, Santiago – Chile.
Penãfiel (2001) faz observações com relação ao tratamento dado às fachadas das
edificações e critica a falta de uma linguagem arquitetônica que, com diferentes
abordagens, seja visualmente harmoniosa e se relacione com a materialidade típica
da região. O cotidiano como uma maneira de estratégia da forma arquitetônica é
relacionado à inserção dos projetos no meio e assim o autor considera que cidades
36

como Santiago devem buscar uma linguagem construtiva que se concatene de forma
mais integrada e evidente com a região.
Por fim, todos esses aspectos discutidos até aqui apontam para um potencial
de urbanidade encontrado nas cidades e até mesmo nas edificações como
consequência tanto de políticas urbanas quanto da espacialização do cotidiano nas
edificações.
Poucos conceitos em estudos urbanos aspiram tocar a condição urbano
como o de “urbanidade”. Talvez não por acaso, poucos outros encontram
definições tão difusas ou pouco sistemáticas. Conceitos conhecidos variam
da visão de senso comum da urbanidade como “civilidade do convívio”, ao
foco nas relações objetivas entre configurações do espaço urbano e o uso do
espaço público, e às condições espaciais de uma aparente “vitalidade
urbana”. (NETTO, 2013, p. 234).

Apesar de não ser tão clara a definição de urbanidade, Frederico de Holanda


busca uma aproximação com a arquitetura, considerando que: “[...] a urbanidade pode
estar relacionada aos elementos-meio da arquitetura - os cheios, os volumes, ou aos
elementos-fim - os espaços, os vazios” (Coutinho, 1970; Holanda, 2010 apud Holanda,
2012, p. 163). Quando se trata de cheios e vazios, há a possibilidade de serem feitas
diferentes leituras dos edifícios a partir dos ritmos nas fachadas e da configuração
espacial que valoriza a dimensão humana. Netto, Vargas e Saboya (2012) consideram
que a arquitetura possui impactos que vão além do estímulo à percepção dos usuários
que usufruem da edificação, pois podem influenciar na apropriação das pessoas nos
espaços públicos, por exemplo. Os autores atestam a hipótese com três variáveis de
edifícios que podem gerar diferentes efeitos sociais no seu entorno (Figura 10).
37

Figura 10 - Edifícios com diferentes aspectos formais.

Fonte: Netto, Vargas e Saboya, 2012, p 266.

Na imagem acima, o edifício contínuo seria aquele horizontal onde as


atividades diárias são realizadas no térreo e os limites da edificação são próximos do
lote urbano (efeitos locais positivos). Já os blocos considerados isolados são aqueles
que ficam livres no lote, com afastamentos laterais significativos e que, segundo os
autores, foram mais explorados no modernismo (efeitos locais negativos). Por fim, os
blocos híbridos são aqueles que possuem um volume característico na base, próximo
das divisas do lote e um volume vertical no centro (efeitos locais intermediários).
Desse modo, o gabarito, os usos atribuídos ao térreo, o desenho de fachadas
e até mesmo os materiais dispostos possibilitam uma arquitetura do cotidiano. Sendo
assim, percebe-se com base na discussão proposta e nos exemplos empregados, a
forma arquitetônica pode contribuir com o caráter cotidiano de uma obra e gerar um
potencial de urbanidade que não será aprofundado nesta pesquisa.
Destarte, a produção contemporânea é marcada pela diversidade de projetos,
desde aqueles que se utilizam de ampla tecnologia digital, como o Australian Wildlife
Health Center, em Melbourne (Austrália), a partir dos autômatos celulares, até obras
bastante simples, como a Escola Primária de Gando (Burkina Faso), desenvolvida
com base em valores afetivos do arquiteto com sua comunidade.
Entende-se que não há como estabelecer uma regra ou norma para se definir
a arquitetura contemporânea. Dentro desse apanhado de obras, existem aquelas que
podem ser denominadas como Arquitetura do Cotidiano, sendo caracterizadas a partir
38

de produções arquitetônicas que consideram seu entorno visando soluções que


dialogam com o meio urbano, podendo haver a reutilização de prédios e afins para
melhorar a segurança da população e revitalizar áreas degradadas, como o caso das
UVAs em Medellín. Outras soluções visam atrair as pessoas para a vista da cidade,
como a Ópera de Oslo, que é influenciada pela paisagem edificada e natural da região.
Com isso, considera-se que é necessário um aprofundamento no tema a fim de gerar
uma maior aproximação entre a forma arquitetônica e o cotidiano, assim como pensar
quais autores poderiam respaldar a análise de maneira mais significativa no que diz
respeito à espacialização dessa tendência da contemporaneidade.

2.3 O MOMENTO CONTEMPORÂNEO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO

No final dos anos de 1990, uma série de tendências contemporâneas passam


a entrar em vigência. O uso dos meios digitais informados por Araújo e Celani (2017)
são alguns desses caminhos que os escritórios de arquitetura vêm utilizando, a partir
do SG. O uso de autômatos celulares e de fractais exemplificam os efeitos da
linguagem de programação e seu emprego atualmente. Além disso, a aplicação de
recursos digitais pode indicar a própria preocupação com o meio ambiente, visando
projetos com menor desperdício de materiais, valorizando aspectos tectônicos, dentre
outros. A partir dessa abordagem ambiental, que por sinal, é uma tendência também,
tendo em vista os impactos negativos do homem na natureza, alguns nomes da
arquitetura ganharam notoriedade, tais como Francis Keré, Alejandro Aravena,
Shigeru Ban, etc. Esses profissionais têm em comum, além de estudos referentes aos
impactos gerados pelo contexto onde a obra se encontra, uma preocupação com
relação ao próprio cotidiano das pessoas.
Nesse sentido, o cotidiano é uma vertente contemporânea que nasce a partir
do debate proposto por Deborah Berke há mais de 20 anos na bibliografia The
Architecture of the Everyday. São listadas pela autora uma série de características de
obras que almejam o espaço cotidiano, tais como: banal, ordinária, funcional e
construída. Medellín (Colômbia) possui uma série de intervenções que se aproximam
de uma arquitetura do cotidiano, como o caso das UVAs. Em outros países com nível
socioeconômico elevado, como a Noruega, a Ópera de Oslo também responde a
39

preceitos cotidianos.
Todo esse debate, se estudado de uma maneira aprofundada e in loco, aponta
para os efeitos sociais que a arquitetura pode causar em seu entorno imediato. A
urbanidade não é foco de estudo neste trabalho, mas mostra o quanto uma arquitetura
pensada como fruto de seu contexto pode influenciar de maneira decisiva na vida
diária das pessoas de uma região.
40

3 LINGUAGEM ARQUITETÔNICA E COTIDIANO

3.1 O INTERESSE PELO BANAL

A arquitetura não pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana,
tal como vivida por todas as pessoas; é como vestuário, que não deve apenas
nos vestir, mas ajustar-se bem a nós. E, se é moda hoje em dia preocupar-
se com as aparências exteriores, ainda que habilmente investidas de
referências a coisas superiores, então a arquitetura foi degradada a um tipo
inferior de escultura. O essencial é que, seja lá o que se faça, onde quer que
se organize o espaço e de que maneira, ele terá inevitavelmente certo grau
de influência sobre a situação das pessoas. (HERTZBERGER, 2015, p. 174).

A arquitetura tem influência na percepção e apreensão dos usuários, podendo


ou não remeter a aspectos cotidianos em seus elementos. Como se viu nas
características informadas no capítulo anterior, com os projetos idealizados em Oslo
e em Medellín, que buscavam a idealização de espaços que possibilitam a valorização
e apropriação dos usuários, essas obras são caracterizadas por buscar referências
espaciais nos espaços públicos como uma maneira de proporcionar aos transeuntes
sensação de bem-estar e relação com o entorno.
Segundo Zeeman (1980 apud VOORDT; WEGEN, 2013) os edifícios deveriam
possuir tanto uma função social, pois auxiliam no bem-estar das pessoas desde a sua
concepção espacial, quanto uma função cultural, com uma arquitetura que se adapta
às características urbanísticas e ambientais de uma região a qual está inserida.

● Função Social: “As edificações criam espaços e lugares nos quais os indivíduos
podem cumprir de modo ótimo as suas atividades. Aqui, os elementos primários
são saúde, bem-estar, comunicações e qualidade de vida” (VOORDT; WEGEN,
2013, p.09).
● Função Cultural: “A edificação também deve atender a exigências ligadas à forma
e ao caráter do ambiente espacial. A função cultural envolve fatores estéticos,
arquitetônicos, ambientais e de planejamento e desenho urbano” (VOORDT;
WEGEN, 2013, p.09).

Outros autores como Hillier e Leaman (1976 apud VOORDT; WEGEN, 2013)
acrescentam também a função simbólica como necessária nessa discussão. A
edificação seria interpretada como fruto de expectativas dos clientes e dos usuários
que usufruem da mesma, além de ideias formuladas pelo próprio projetista. “Isso faz
41

dela um objeto cultural, um objeto com importância e significado social e simbólico”


(VOORDT; WEGEN, 2013, p.10).
Nesse sentido, o cotidiano como um termo multidisciplinar é interpretado no
campo da Geografia como sendo expressões da vida do dia a dia e suas ocorrências
no plano espacial.

É o reconhecimento de que a forma como pensamos, analisamos e


representamos o espaço é importante nas concepções e logicamente nos
movimentos cotidianos da casa, do trabalho e do lazer, entre outros. Dito de
outra forma, o uso que fazemos do espaço privado e público está relacionado
com as representações mentais e gráficas que foram sendo construídas e que
temos do cotidiano [...]. (ANDREIS, 2011, p. 6).

Na arquitetura de uso misto, que compõe o universo de estudo dessa pesquisa,


o cotidiano é interpretado como sendo a construção de ambientes privados e/ou
coletivos que remete/lembra espaços públicos (corredores verdes, calçadões, praças,
etc) e busca relação com seu entorno imediato (com as calçadas e ruas, com a
quadra, com as edificações próximas, enfim, com a cidade e sua vida diária). Sendo
assim, os aspectos formais da obra: implantação, acessos, desenho do térreo, usos
atribuídos ao edifício, a quantidade de pavimentos, e a própria estrutura prevista são
frutos de estratégias da forma arquitetônica proposta pelos escritórios, que podem ou
não expressar o cotidiano materializado na arquitetura comercial, o que torna essa
investigação passível de análise.
A vida cotidiana não existe sem interação social. Sendo assim, uma das
atribuições dos espaços é impulsionar maior aproximação entre as pessoas. Os
empreendimentos comerciais, por sua natureza mercadológica, podem ser
interpretados como obras que pouco se atentam a essa questão. Entretanto, em certa
medida, essas obras contribuem (ou deveriam contribuir) de forma significativa com a
função social, cultural e simbólica da arquitetura nas cidades. As estratégias da forma
arquitetônica, pensadas pelos escritórios de arquitetura, podem estimular o cotidiano,
por exemplo, por meio de espaços livres compartilhados18.
Berke (1997) e Hertzberger (2015), em suas reflexões a respeito da relação
entre a forma arquitetônica e o cotidiano, elencam uma série de características que
relaciona essas duas variáveis. Para os autores, a arquitetura deve valorizar a

18O Espaço Livre (EL) é compreendido, segundo Magnoli (2006, p. 179) como sendo: “todo espaço
não ocupado por um volume edificado (espaço-solo, espaço-água, espaço-luz ao redor das edificações
a que as pessoas têm acesso).” Sendo assim, os espaços livres compartilhados seriam parcelas de
área de um lote privado ofertadas para o uso público, como fruto de incentivos urbanísticos, ou outra
razão qualquer.
42

percepção dos usuários por meio do desenho de ambientes que preveem funções não
tão bem definidas (não funcionalistas), permitindo que as pessoas escolham o uso
dos espaços, de acordo com o que desejarem. Corrobora com a ideia de Santa Cecília
(2018) em relação a discussão sobre desprogramação arquitetônica. Heidegger (2010
apud SANTA CECÍLIA, 2018) considera que todo edifício, independentemente de seu
uso, tem a função de conceber espaços para habitar, pois as construções são feitas
para abrigar o cotidiano do homem.
Desse modo, as edificações devem ser planejadas de maneira a acolher as
ações humanas, sendo o vazio arquitetônico responsável por abrigar os
acontecimentos diários, o que difere da clareza de um programa de necessidades bem
definido. Bruno Zevi (1918 – 2000) considera que o espaço vazio é o “protagonista da
arquitetura”, sendo um aspecto que pode ser encontrado na proposta do arquiteto
Rem Koolhaas, por exemplo, em parceria com o escritório OMA para o concurso da
Biblioteca Nacional da França, em 1989 (Figura 11).

Figura 11 - Proposta para a Biblioteca Nacional da França, 1989.

Fonte: Croqui de Mario Bisell, 2018.

Nesse croqui é possível perceber a “forma negativa” em amarelo que expressa


o vazio, o que pode ser considerado como o essencial em uma construção, pois reflete
os espaços que serão vividos em grupo pelos usuários. Percebe-se também os
elementos estruturais que contrastam com o vazio arquitetônico que dão suporte à
forma prismática que compõe o edifício. Outra proposta projetual que possui
43

semelhança com o exemplo acima é o Instituto Moreira Salles (IMS) que foi projetado
pelo Andrade Morettin Arquitetos. Na obra, o escritório buscou espaços abertos com
poucas divisões internas que viessem a limitar a circulação de pessoas (Figura 12).

Figura 12 - Proposta para o Instituto Moreira Salles (IMS).

Fonte¹: Croqui de Mario Bisell, 2018. Fonte ²: https://www.andrademorettin.com.br/, 2020.

Com uma proposta que visa uma articulação com a malha urbana, a obra cria
um espaço aberto ao público no pavimento superior que se associa por meio de
escadas rolantes com o térreo, possibilitando diferentes sensações e vistas para as
pessoas que desejam conhecê-lo. Segundo Biselli e Lima (2018) a obra foi
desenvolvida a partir da relação com a cidade, e promove chances de serem
realizadas “aventuras existenciais” ao longo do edifício. Para possibilitar esse vazio
arquitetônico na edificação, é preciso garantir condições de habitabilidade também,
como atender às condições climáticas de cada região, possibilitar que os “habitantes”
tenham privacidade e possam se apropriar dos espaços. Essa série de questões
levam a se discutir a importância da desprogramação, já iniciada no começo do
capítulo.
O espaço habitável possui, segundo Santa Cecília (2018), duas categorias: (I)
Barreiras Necessárias (elementos de proteção solar, por exemplo), que são aquelas
divisões internas e externas que possibilitam que os aspectos funcionais, essenciais
de um edifício, sejam respeitados, e (II) Barreiras Contingentes (compartimentos
internos, por exemplo), que são também divisões espaciais que podem ser revistas
dependendo de aspectos culturais de uma determinada sociedade, não sendo
44

consideradas essenciais para as condições de habitabilidade. Por esses motivos, a


abordagem funcionalista, que prevê um programa de necessidades rígido que não
considera eventuais transformações do prédio ao longo dos anos, não é a mais
adequada.
Segundo Voodt e Wegen (2013, p. 73) “o registro de necessidades, desejos e
condições limitantes como parte do processo de construção é conhecido como
‘programa de necessidades’ ou briefing”. Seu uso durante o processo projetual é
importante, porém, prever modificações espaciais reversíveis durante a vida útil de
uma obra também é essencial. O debate acerca do programa de necessidades, feito
a partir dos anos 1990 aos dias atuais, considera que o uso de sistemas de informação
vem ajudando na sua construção, à medida que o desenvolvimento tecnológico vem
sendo cada vez mais presente no dia a dia, pois os arquitetos acabam se utilizando
de uma série de variáveis (físicas, climáticas, econômicas, etc), por meio de uma
linguagem de programação, para poder definir a melhor forma de se propor um projeto
com base nas barreiras necessárias, podendo levar a uma arquitetura do cotidiano.
O uso da linguagem de programação ganhou maior notoriedade a partir do
Museu Guggenheim, projetado por Frank Gehry. Esse museu, que apesar de ter sido
obra de um arquiteto de grife, característica que Berke (1997) tanto crítica, possui
particularidades que devem ser melhor exploradas e que podem ser relacionadas com
uma aproximação de aspectos cotidianos, segundo Sykes (2013). Localizado em
Bilbao - Espanha, a obra que foi concebida entre os anos de 1991 e 1997, fica às
margens do rio Nervión, próximo à ponte La Salve, tornou-se um dos principais pontos
turísticos da referida cidade. Seu aspecto cotidiano se encontra no diálogo
estabelecido com o entorno, com o auxílio de ações também de planejamento urbano,
e a sua forma arquitetônica que pode ser interpretada como uma referência à tradição
portuária da cidade (Figura 13).
45

Figura 13 - Museu Guggenheim – Bilbao (Espanha).

Fonte: Street View Google Maps, 2020.

A arquitetura do cotidiano é, em muitos aspectos, a antítese de projetos como


o Guggenheim de Bilbao, de Gehry, guiada não pela vontade de ser icônica
ou monumental, e sim pelo interesse na especificidade do local, criado para
e pelo contexto e a população do lugar onde o edifício existe. (SYKES, 2013,
p. 20).

Logo, pensar no entorno imediato foi decisivo para que as pessoas se


identificassem com o Guggenheim, entretanto a referida obra ainda não corresponde
às características da arquitetura do cotidiano, mas apontam para um importante
diálogo do edifício com a cidade, a partir da relação do edifício com as intervenções
urbanísticas realizadas (função cultural da arquitetura). Outra obra que pode ter
semelhanças quanto a esses elementos formais é o Centro Georges Pompidou, que
foi planejado por Renzo Piano e Richard Rogers, e inaugurado em 1977. Apesar da
época, essa obra traz à tona aspectos estruturais e a solução do térreo com
compartilhamento de espaços livres, que dão pistas para a materialização do
cotidiano, e por isso merecem ser discutidas, pois apontam para uma tendência
contemporânea da arquitetura que talvez valorize a percepção e consequente
apreensão visual dos usuários na estrutura.
Antes de mostrar a característica da obra de Piano e Rogers, vale pensar: como
a estrutura pode levar a uma arquitetura do cotidiano? A resposta exige uma
discussão mais aprofundada sobre o papel funcional e plástico desses elementos que
46

auxiliam decisivamente na estabilidade de uma edificação. Leupen (1991, p. 102)


define uma estrutura como sendo: “as partes de um edifício que recebem as cargas
do mesmo e as transmitem para as fundações”.19 Como foi enfatizado anteriormente,
é interessante que a edificação preveja espaços reversíveis, e essa previsão parte
também da estrutura selecionada. Segundo Hertzberger (1991, p. 152) “deveríamos
fazer projetos de tal modo que o resultado não se referisse abertamente a uma meta
inequívoca, mas que ainda admitisse a interpretação, para assumir sua identidade
pelo uso”. Ou seja, considerar que o sistema estrutural seja reversível pode ser um
passo interessante para haver diferentes interpretações da forma arquitetônica.
Além de pensar a estrutura sob o aspecto da reversibilidade, que dialoga com
a ideia de desprogramação, ela também pode ser interpretada como um meio que
satisfaz requisitos plásticos / funcionais. Leupen (1999) aborda essa questão a partir
da contribuição da tecnologia para a: (I) monumentalidade e (II) teatralidade de um
sistema estrutural.

(I) Monumentalidade: relaciona-se com a expressão e propriedades de um


determinado material, como as características específicas do concreto ou da madeira,
que podem possivelmente influenciar na percepção da forma e da textura de uma
construção, sendo caracterizada por seu aspecto escultórico.

(II) Teatralidade: relaciona-se com uma expressão estrutural que pode ser flexível,
prevendo eventuais modificações ao longo dos anos, mas também uma estrutura que
tem a função de comunicar os usuários determinadas informações do ponto de vista
técnico da obra e do próprio programa funcional. O uso de cores pode ser um recurso
que auxilia na teatralização de uma obra.

A partir dessa breve explanação, percebe-se que o Centro Georges Pompidou


é um importante exemplar de teatralidade. Suas estruturas tubulares são percebidas
por meio de cores distintas que fazem as pessoas ao seu redor perceber e admirar
suas características, atribuindo um potencial plástico à obra. Seu baixo gabarito e um
desenho de térreo que dialoga com a vida urbana da cidade proporciona também
maior aproximação de aspectos cotidianos, pois leva em conta a escala humana
(Figura 14). Segundo Gehl (2013, p. 206), “não pergunte o que a cidade pode fazer

19Trecho traduzido pelo autor de Leupen (1991, p. 102): “Las partes de un edificio que reciben las
cargas del mismo y las trasnmiten a los cimentos.”
47

pelo seu edifício, mas o que seu edifício pode fazer pela cidade! Uma resposta óbvia
e imediata poderia ser: térreos atraentes que se projetam bem à frente em relação aos
andares superiores”. Esse trecho indicado por Gehl reflete a importância também do
térreo para a produção de uma arquitetura do cotidiano.

Figura 14 - Ilustração do Centro Georges Pompidou – Paris (França).

Fonte: Leupen, 1999, p. 128.

Em virtude da atenção oferecida aos sistemas viários ao longo dos anos, foram
construídos muitos estacionamentos, negligenciando o espaço público e a escala do
pedestre. O Centro George Pompidou tem por característica justamente o desenho de
projeto que considera o seu entorno, criando uma praça que, assim como a Ópera de
Oslo, busca uma maior aproximação com as pessoas (Figura 15).

Embora os grandes edifícios que têm como objetivo ser acessíveis para o
maior número possível de pessoas não fiquem permanentemente abertos e
ainda que os períodos em que estão abertos sejam de fato impostos de cima,
tais edifícios realmente implicam uma expansão fundamental e considerável
do mundo público. (HERTZBERGER, 2015, p. 74).
48

Figura 15 - Desenho da praça conjugada ao Centro Georges Pompidou.

Fonte: Gehl, 2013, p. 208.

Essa relação entre a forma e o uso pode ser melhor expressada no pavimento
térreo e em elementos arquitetônicos que podem servir para diferentes usos nos
espaços internos da edificação. Por exemplo, o pilar que possui uma base muito larga
e torna-se assento, elementos vazados das fachadas que passam a ser usados como
anteparo e aos poucos vão tornando a forma arquitetônica convidativa para as
pessoas. É uma importante característica da arquitetura contemporânea a concepção
de elementos que não são estáticos em sua função, pois consideram a
imprevisibilidade humana como essencial e necessária para que a obra atenda a uma
produção cotidiana, feita para pessoas.

Não é preciso muito para que as coisas sirvam como uma espécie de
estrutura à qual a vida cotidiana pode ligar-se. O simples corrimão em que as
pessoas idosas podem se apoiar quando sobem ou descem uma rua íngreme
é, para todas as crianças da vizinhança, um desafio para mostrar sua
agilidade. Serve como um brinquedo de playground e no verão é sempre
usado para construir cabanas e esconderijos. (HERTZBERGER, 2015, p.
178).

Essa leitura, que é feita da arquitetura e que dispensa o caráter meramente


funcional, é atribuída por Bernard Tschumi como Evento.
49

O espaço do evento é mais que o espaço do programa. O EVENTO é o


constante movimento aleatório que se dá no espaço habitado e, colocá-lo
como questão central do projeto equivale a afirmar que a finalidade primordial
da arquitetura é o abrigo interior do qual o edifício é a casca. Esta afirmação,
no entanto, não se refere à antiga dicotomia entre orgânico e racional; função
e forma. Mas conduz a uma concepção do projeto em que se pretende mediar
as relações desconexas entre os processos envolvidos no pensamento
projetual e a realidade do espaço em uso. (FARINA; BARBOSA, 2009, p. 6)

Além dessas ressalvas, Tschumi considera que o mais adequado é utilizar o


binômio espaço-evento, substituindo o binômio forma-função, porque considera de
uma maneira mais ampla o espaço vivencial e suas transformações (SPERLING,
2008). À medida que o arquiteto estabelece uma proposta projetual delimitada por
formas geométricas, (retângulos, círculos, etc) é deixado de lado a riqueza das ações
humanas. Tschumi (1996) vai além, e considera que para saber e compreender de
fato a sequência de determinados acontecimentos é necessário estabelecer uma
relação entre Espaço / Evento / Movimento, atribuindo a sigla SEM (Space, Event and
Moviment). O Movimento é considerado por Tschumi (1996, p. 162) como sendo: “[...]
uma extensão das convenções coreográficas, tentando eliminar os significados pré-
concebidos dados as ações particulares, concentrando-se em seus efeitos espaciais:
o movimento dos corpos no espaço [...]”20
Certamente, não é possível identificar a fundo, apenas com a análise da forma
arquitetônica todas as maneiras de apropriação dos usuários, com os movimentos
aleatórios que podem ser realizados no plano espacial. Entretanto, é possível
identificar quais características melhor respondem ao conceito de Evento que, por sua
vez, relaciona-se diretamente com a obra arquitetônica que, é um dos fatores que
levam a uma arquitetura do cotidiano. Além do conceito de Evento, o uso da estrutura
como mecanismo que proporciona a teatralidade e/ ou a monumentalidade, a
desprogramação que considera a dimensão humana, são alguns caminhos que em
conjunto podem proporcionar aspectos cotidianos de uma obra.
O uso de matérias primas comuns, que são considerados baratos em relação
a outras, é um ponto a ser considerado nessa discussão. Berke (2013, p. 63) reflete
que “o cotidiano flerta, às vezes, perigosamente, com a cultura de massa. No entanto,
continua a ser o que ainda não foi cooptado”. A aplicação em grande escala do vidro
em grandes fachadas ou mesmo do mármore em grande quantidade poderia ser um

20Trecho traduzido pelo autor de Tschumi (1996, p. 162): “[...] an extension from the drawn conventions
of chreography, it attempts to eliminate the preconceived meanings given to particular actions in order
to concentrate on their spatial effects: the movement of bodies in space [...].”
50

exemplo do que não se deve propor em uma obra que almeja ser do cotidiano, pois
deveria celebrar o potencial criativo e não convencional de materiais comuns. Seu uso
pode variar a depender do material e do contexto da obra, podendo ser utilizado o
metal, a madeira, o tijolo, o concreto, entre outros.
A beleza do material, de sua textura e cor devem ser levados em conta. A
madeira, por exemplo, tem uma importante função de transmitir sensação de conforto
e repouso, a partir de sua cor marrom e, que pode ser utilizada tanto como sistema
estrutural, quanto em espaços internos. Thomas (2002) considera que as cores
podem transmitir diferentes sensações que condicionam o estado emocional das
pessoas.
É importante ressaltar que Deborah Berke expõe sugestões sobre o cotidiano
na arquitetura, entretanto, a autora deixa em aberto novas possibilidades de
interpretação sobre o tema. Por isso, apesar dos edifícios mistos (uso comercial e de
serviço) serem obras que dialogam com ideais mercadológicos, considera-se que,
quando são concebidos a partir de estratégias da forma arquitetônica para atender a
Função Social e Função Cultural, materializam na arquitetura o Entre, o Espaço, o
Evento e, consequentemente, o Movimento21, gerando a espacialização do cotidiano
dessa pesquisa. Sendo assim, existe uma ideia arquitetônica entorno de projetos
mistos que traduz a materializam do cotidiano que, mesmo situados em diferentes
regiões do Brasil, é possível analisar essas obras se realizadas por meio de uma
metodologia de pesquisa bem definida, com a aplicação de um método analítico que
tenha por intuito ressaltar aspectos cotidianos em empreendimentos mistos.

3.2 O PROJETO SOB ANÁLISE

A discussão teórica apresentada no primeiro capítulo revela a correlação entre


o cotidiano, como uma vertente da arquitetura contemporânea, e a forma
arquitetônica. Entretanto, somente essa abordagem não é suficiente para estabelecer
um roteiro de análise formal, havendo a necessidade de se fazer uma aproximação

21 O Movimento aponta para o debate sobre cotidiano, mas não é estudado de maneira mais
aprofundada, porque trata do movimento e ações realizadas pelas pessoas a partir da experienciação
(Evento), o que poderia levar, em caráter de metodologia, a uma análise pós-ocupação, que não é o
objetivo dessa pesquisa.
51

do debate sobre cotidiano com métodos de análise gráfica de projeto.


Existem inúmeros métodos de análise gráfica que auxiliam na compreensão do
projeto arquitetônico. Destacam-se alguns autores: Baker (1984), Ching (1998), Clark
e Pause (1983), Unwin (2003), Leupen (1999) e Radford; Morkoc; Srivastava (2014).
Esses últimos, Radford; Morkoc; Srivastava (2014), fazem as suas análises com
influência de Baker e Unwin, mas com adaptações em relação às obras
contemporâneas, considerando com maior ênfase a importância de uma produção
pensada sob a ótica do usuário.
Barredo e Lassance (2011) consideram que é importante o uso do recurso de
análise gráfica como um meio de proporcionar uma visão integrada do projeto de
arquitetura, levando até mesmo a uma aproximação com o processo de concepção
do arquiteto. Com a coleta e sistematização de informações de uma obra, pode-se
construir uma visão crítica por parte do pesquisador / arquiteto. Segundo Beltramin
(2015 apud Lacerda, 2019, p. 169) “o exercício analítico de um projeto por meio de
desenhos procura, portanto, identificar e investigar elementos - físicos, técnicos,
conceituais, simbólicos, etc - que compõe e que são parte de um processo mental e
prático do arquiteto [...]”.
Os autores de métodos de análise de projetos listados também são
caracterizados por trabalhar com o redesenho, o detalhamento de determinados
elementos de uma obra, a listagem de tópicos que remetem a determinados aspectos,
tais como estrutura, geometria, etc. Alguns abordam a fenomenologia em suas
discussões teóricas, como Unwin, outros enfatizam categorias analíticas que têm
correlação especificamente com a arquitetura moderna, como Baker. Em geral, cada
autor confronta a imagem com o texto produzido com base nas suas próprias
observações e constatações, evidenciadas também por meio da obtenção de material
documental colhido, discurso do arquiteto e acontecimentos históricos.

Desde a segunda metade do século XX até os dias atuais, diversos teóricos


de arquitetura e urbanismo versam sobre a análise de projetos e obras - suas
potencialidades e os efeitos de sua incorporação ao processo de projeto. De
caráter essencialmente processual, a análise, enquanto exercício cíclico,
requer uma certa organização, um conjunto de diretrizes e procedimentos que
viabilizem sua execução da melhor forma possível. (BELTRAMIN, 2015, p.
02).

Ribeiro e Masini (2013) consideram que a análise projetual é um importante


caminho metodológico para se promover uma leitura reflexiva de uma obra, pois
proporciona repertório para estudantes e aprimoramento profissional. Sua utilização
52

pode ser feita também no campo da pesquisa de projeto e de teoria, proporcionando


uma série de dados e características mais aprofundadas de obras arquitetônicas.
Mahfuz (2013, p. 04) reflete sobre o uso do redesenho de projetos como sendo um
“[...] meio de adquirir conhecimento específico sobre os principais aspectos da
arquitetura”. O autor ainda afirma que esse processo traduz na memória uma série de
informações que dificilmente são esquecidas novamente.
É possível associar o redesenho com o uso dos diagramas como forma de
ilustração. A respeito dessa relação, Montaner (2017, p. 08) faz as seguintes
considerações: “Como ponto de partida e quando são capazes de interpretar vetores,
fenômenos e desejos da realidade, os diagramas podem ser um bom instrumento para
examinar e enriquecer os aspectos sociais, culturais e discursivos da prática
arquitetônica”. Allen (1998 apud Lacerda, 2019) considera que o uso do diagrama
possibilita ampliar as formas de leitura e reflexão de um determinado objeto de estudo,
sendo assim, um recurso bastante comum para se estudar obras arquitetônicas.

Os diagramas permitem “filtrar” aspectos específicos do projeto, de modo a


permitir destacar e visualizar informações, contribuindo assim para o
conhecimento aprofundado das intenções projetuais do arquiteto. De certo
modo, os diagramas permitem refazer o percurso das decisões tomadas pelo
arquiteto. Portanto, os diagramas permitem dissecar como as formas foram
ordenadas no espaço. (ROSSATO; FLORIO; TAGLIARI, 2017, p. 17).

Montaner também se refere aos diagramas associando-os em duas categorias:


(I) ferramenta de análise e (II) instrumento de projeto, que superam o debate sobre
tipologia da década de 1970. Tais questões referentes ao uso de diagramas corrobora
com Quiroga (2009) que, ao substituir “tipo” por “ideia”, se utiliza de uma série de
desenhos esquemáticos para destacar como as ideias arquitetônicas se transformam
em diferentes estratégias projetuais, representadas por meio de diagramas. Montaner
também estabelece uma série de nomenclaturas acerca das variáveis (I) e (II).
Enquanto ferramenta de análise, pode-se associar sua aplicação aos mapas de
legibilidade, de Kevin Lynch, outros estritamente analíticos como os de Alexander
Klein, os simbolistas desenvolvidos por Leonardo da Vinci, os de Proporção criados
por Le Corbusier, dentre outros. Já os instrumentos de projeto são: os processuais,
de Rem Koolhaas, funcionais do UNStudio, icônicos como os do BIG, estruturais como
os de Frei Otto, dentre outros. Compreender e se ater a essa divisão em dois tipos de
diagramas, de análise e de projeto, é importante para saber distinguir de que modo se
pode utilizá-los quando necessário em projetos arquitetônicos contemporâneos.
53

Podemos definir o diagrama como uma ferramenta gráfica que permite


visualizar fenômenos ou fluxos, tanto da realidade como do projeto. O
diagrama, que surge da matéria ou phylum que ainda não possui nenhuma
forma ou figura precisa, é uma primeira etapa de cristalização momentânea,
uma visão esquemática concebida para evoluir ao longo do tempo sem
condicionar a forma. (MONTANEAR, 2017, p. 23).

O uso do diagrama na arquitetura contemporânea busca representar o menor


elemento gráfico que representa uma ideia em construção. Sendo assim, os
diagramas podem expressar de maneira representacional as estratégias de
concepção usadas por escritórios de arquitetura para projetar os edifícios mistos. São
um recurso muito importante para avaliar por meio da representação gráfica a
materialização do cotidiano nas obras.
A espacialização do cotidiano pode ser interpretada como sendo fruto das
relações entre elementos arquitetônicos refletidos em aspectos tectônicos, inseridos
na paisagem urbana, desenvolvidos a partir de uma desprogramação, considerando
a imprevisibilidade humana. Alguns autores de métodos de análise de projeto
aproximam-se desse debate, envolvendo a forma arquitetônica e o cotidiano. Existem
categorias analíticas desses autores que podem ser agrupadas em temas fruto da
relação entre essas duas variáveis: Contexto, Tectônica, Percepção da Forma e
Programa.

3.2.1 Contexto

Unwin (2003) é descrito por Sousa (2017) como um autor que enfatiza a
arquitetura a partir de uma organização conceitual, com combinações de elementos
que criam a ideia de lugar, atribuindo um significado e com isso, aproximando-se da
fenomenologia. Suas categorias analíticas são produzidas a partir da relação de três
variáveis: (1) Elementos Principais da Arquitetura; (2) Elementos Básicos da
Arquitetura; (3) Elementos Modificadores da Arquitetura. A relação entre essas
variáveis gera 11 tópicos que fazem o leitor enxergar aspectos particulares das obras
selecionadas, desde elementos básicos até uma leitura mais ampla (Apêndice A).
Com a construção desses onze tópicos analíticos, Unwin (2003) propõe sua
base discursiva a associação de texto analítico e a representação gráfica. Na
categoria Aproveitamento de Elementos Preexistentes, é tratado do objeto
54

arquitetônico como definidor do espaço, influenciado por determinados elementos da


paisagem, criando, a partir desse aproveitamento, um cenário particular dentro do
contexto onde a obra se encontra, aproximando do debate sobre o cotidiano.
Um terreno com uma topografia específica torna-se “palco” para a concepção
espacial e criação de elementos construídos que adquirem um cotidiano próprio. Essa
visão do autor considera a análise das partes (elementos arquitetônicos) para o todo
da obra. Essa aproximação com o cotidiano é semelhante com a abordagem de Baker
(1984). Para Unwin, a arquitetura cria o lugar, o que difere de Baker que considera
que a mesma é influenciada pelo lugar. Baker constrói seu material textual com
influência das teorias de Norberg Schulz, que por sua vez, considera que a paisagem,
os relevos, a flora, podem influenciar nas decisões de projeto, sendo proposto pelo
autor sete categorias para estudar a arquitetura (Apêndice B). Com pouca correlação
dos desenhos com o texto escrito, Barredo e Lassance (2011) definem Baker como
um autor que levanta a questão da “forma” ao longo de toda a sua obra, mas não
chega a construir uma definição, apesar de ressaltar elementos formais de Le
Corbusier. São utilizados diversos diagramas de representação, perspectivas, cortes
e plantas que vão sendo apresentadas.
Baker propõe tratar de Genius Loci considerando características do entorno
que influenciam nas decisões de projeto. A partir dessa concepção de espaços, fruto
do entorno, criam-se diferentes ambientes propícios para o Evento. A experienciação
das pessoas diante das inúmeras possibilidades de relação do edifício com o entorno
torna essa categoria abordada por Baker passível de ser observada sob a ótica do
cotidiano.
Outros autores também incluem em sua base discursiva questões relativas ao
contexto, tais como Radford; Morkoc; Srivastava (2014), que tratam das
particularidades do lugar onde a obra se insere, desde uma visão mais ampla até às
especificidades geográficas e socioeconômicas. O desenvolvimento do trabalho por
esses autores é embasado, principalmente, pelas diferentes influências que o
contexto, tanto do ponto de vista macro quanto micro, pode exercer sobre as
edificações (Figura 16).
55

Figura 16 - Análise do Contexto.

Fonte: Radford; Morkoc; Srivastava, 2014, p. 252.

Essa característica proposta pelos autores é baseada também em Baker e


Unwin, que discutem as influências do lugar. Entretanto, são feitas adequações
quanto a essa abordagem na produção contemporânea, tendo em vista a inserção de
novas variáveis que levam em conta uma arquitetura que prevê a relação da
edificação com os usuários por meio de estudos referentes à ergonomia, a cultura
local, dentre outros. Essas obras possuem cotidianos próprios, com espaços
construídos fruto dos condicionantes locais (Figura 17).

Figura 17 - Categorias de Analise que melhor tratam de Contexto e Cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.


56

3.2.2 Tectônica

Segundo Beltramin (2015, p. 12), Clark e Pause (1983), na obra Precedents in


Architecture, “propõem e aplicam um procedimento de análise puramente gráfico,
baseado em um modo de pensar a arquitetura que enfatiza os aspectos elementares
comuns entre projetos e obras de diversos autores e estilos [..]”. É por meio dessa
abordagem que são estabelecidas 12 categorias de análise que, para Barredo e
Lassance (2011), caracterizam aspectos parciais de 104 edificações publicadas no
livro. Nas 11 primeiras categorias são analisados elementos arquitetônicos como a
estrutura, a geometria, a hierarquia, entre outros, que, ao final, culminam em um
desenho de partido, sendo essa a 12ª categoria (Apêndice C).
Assim como Unwin (2003), Clark e Pause (1983) aproximam-se do processo
de projeto ao tentar desvendar o possível partido arquitetônico adotado pelo arquiteto.
Na categoria Estrutura, Clark e Pause realizam estudos diagramáticos das estruturas
existentes nas obras, permitindo perceber como são projetados os vãos e
compreende a dimensão espacial como resultado da aplicação de um determinado
sistema estrutural. Leupen (1999), que possui em sua base analítica seis categorias
(Apêndice D), também estuda questões estruturais que são classificadas pelo autor
como (i) Monumental e (ii) Teatral, onde são realizadas análises de obras pós-
modernas a partir das características portantes e sua relação com a percepção
humana (Figura 18).

Figura 18 - Análise da Tectônica.

Fonte: Leupen, 1999, p. 119.

Tratar de questões tectônicas das propostas edílicas dos arquitetos aproxima


o debate sobre a espacialização ao cotidiano, tendo em vista que a utilização desses
57

elementos essenciais para a sustentação de um prédio pode ensejar a percepção das


pessoas, se utilizadas de maneira aparente. Outros autores que abordam a temática
Tectônica (análise de técnicas e materiais construtivos de forma geral) são Radford;
Morkoc; Srivastava (2014). Eles possuem três categorias em seu método: Lugar,
Pessoas e Tecnologia (Apêndice E). Essa última, Tecnologia, é abordada pelos
autores a partir de uma investigação da relação do sistema estrutural com o edifício
como um todo, os materiais escolhidos e os motivos que levaram a suas aplicações.
Quando se fala em materiais construtivos, pode-se associar a textura que os
materiais proporcionam às sensações que os usuários podem obter ao entrar em
contato com esses elementos. As sensações promovem estímulos aos indivíduos,
possibilitam a percepção através da apreensão do material aplicado. Tratar dessas
questões e dos diferentes insumos utilizados na construção são fatores que
influenciam no cotidiano, pois as particularidades da tectônica conduzem para a
espacialização do cotidiano. A seguir, é possível verificar quais autores melhor
abordam esse tema (Figura 19).

Figura 19 - Categorias de Analise que melhor tratam de Tectônica e Cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.


58

3.2.3 Percepção da Forma

Ching (1998) também é outro autor bastante conhecido no campo da análise


projetual. Ele possui algumas particularidades que o distingue dos demais autores
citados até aqui: suas análises partem de elementos espaciais e formais que não
reivindicam uma discussão aprofundada sobre um dado projeto arquitetônico (Figura
22). Não é objeto de interesse discutir características detalhadas de uma obra, mas
contribuir com um conhecimento amplo sobre aspectos da arquitetura, em geral.
Segundo Beltramin (2015, p. 26): “Os elementos considerados no modelo de Ching
são inter-relacionados, sendo os mais complexos originados dos mais simples”.
Existem sete categorias primárias (Espaço, Estrutura, Delimitação, Movimento
– Espaço/Tempo, Tecnologia, Programa de Necessidades, Contexto). Por meio de
uma correlação entre os elementos primários são produzidas outras sete categorias,
que são, de fato, as que representam cada capítulo do livro de Ching, e nas quais as
análises das obras são baseadas (Apêndice F).
Na categoria Forma e Espaço, Ching aproxima-se da espacialização do
cotidiano à medida que considera que é no espaço que se encontra o campo das
sensações, tais como cheiros, a textura nas superfícies e o movimento percebido
pelos usuários. Esses ambientes são gerados e vivenciados a partir dos cheios e
vazios propostos na forma arquitetônica (Figura 20).

Figura 20 - Análise da Percepção da Forma.

Fonte: Ching, 1998, p. 109.


59

Segundo Ching (1998) é a partir dessas delimitações do espaço, que a luz é


gerada. Os usuários percebem a dimensão de uma obra a partir da claridade que
incide na forma, irrompendo-se a arquitetura. São estudados pelo autor diversas
configurações de planos (verticais, horizontais e suas variações): seções circulares,
retangulares, dentre outras que influenciam na espacialidade. Essa maneira de refletir
corrobora com outros autores, como Baker que estuda a plasticidade como fruto do
contexto, criando formas geométricas diversas que podem ser apreendidas pelo olhar
humano (Figura 21).

Figura 21 - Categorias de Analise que melhor tratam de Percepção da Forma e Cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Clark e Pause também abordam aspectos geométricos da arquitetura como


geradores do espaço, possibilitando diferentes apreensões. Radford; Morkoc;
Srivastava tratam da forma arquitetônica, mas colocam as pessoas como
protagonistas dos ambientes. São realizadas análises da forma arquitetônica, em
60

específico, o vazio que condiciona as diferentes experiências humanas, apontando


para a possibilidade do Evento que gera o espaço cotidiano.

3.2.4 Programa

O programa trata dos usos atribuídos à edificação. Os autores mencionados


não citam a desprogramação informada por Santa Cecília (2018). A desprogramação
é uma maneira contemporânea de debater uma arquitetura que torna as ações e
desejos humanos dentro de um espaço edificado mais importante do que a previsão
de usos profundamente bem definidos propostos pelos arquitetos. O item
“desprogramação” não é contemplado pelos autores de métodos de análise formal
dispostos neste capítulo porque, no momento de criação de suas categorias
analíticas, esse termo ainda não era conhecido/popularizado dentro da literatura da
época.
Leupen (1999), por exemplo, constrói uma abordagem sob um ponto de vista
histórico, o que se diferencia das abordagens dos autores citados anteriormente, mas
se aproxima da maneira com que Radford; Morkoc; Srivastava (2014) constroem sua
bibliografia, que se baseia em um tempo cronológico. Na categoria Projeto e “uso”,
Leupen (1999) discute as transformações espaciais ocorridas em determinados
ambientes de uma obra e sua relação com o programa de necessidades. Sua
construção teórica parte da premissa de que esses diferentes usos foram surgindo /
modificando ao longo dos anos, exemplificando com construções na Roma Antiga,
Idade Média, passando pelos anos de 1900, mostrando a influência que as revoluções
industriais causaram no modo de habitar. Sendo assim, o autor faz um apanhado
histórico para justificar essas mudanças nos usos, correlacionando também ao
crescimento das cidades, etc.
Unwin (2003), dentre todos esses autores de métodos de análise formal, é o
que melhor debate o Uso sob o ponto de vista do cotidiano. Na categoria Elementos
que desempenham mais de uma função, o autor deixa em aberto as inúmeras
possibilidades que um elemento arquitetônico pode desempenhar (Figura 22).
61

Figura 22 - Análise do Programa.

Fonte: Unwin, 2003, p. 38.

Considera-se que mesmo com os arquitetos propondo usos bem definidos,


nunca é possível imaginar de que maneira as pessoas irão se apropriar de um
ambiente, ou mesmo, criar esse ambiente.

Um elemento de cobertura pode se tornar também um elemento de percurso


a partir do momento em que se torna transitável. Esse é um aspecto essencial
e intrigante em um projeto de arquitetura, uma vez que envolve processos
mentais de reconhecimento e criação (identificação) de lugares de modo
dinâmico e interativo – a função, por mais que seja planejada pelo projeto,
sempre pode estar condicionada aos elementos e atividades existentes no
lugar. (BELTRAMIN, 2015, p.59).

Clark e Pause também possuem uma categoria semelhante, Circulação – Uso,


para tratar da relação entre o fluxo dentro da edificação e a conexão entre os
diferentes ambientes. A maneira como os projetos são realizados e, se pensados sob
a ótica dos usuários e seus desejos, podem aproximar a categoria Circulação - Uso
da espacialização do cotidiano, apesar de não ser um objetivo desses autores de
métodos (Figura 23).

Figura 23 - Categorias de Analise que melhor tratam de Programa e Cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.


62

Os autores citados até aqui, naturalmente, não esgotam o assunto, mas


oferecem fundamentos para a construção de um modelo de análise para esta
pesquisa. Podem ser caracterizados por discutirem, em geral, relações espaciais,
formais e estruturais que se empenham, por meio do redesenho e do texto, em
analisar projetos e obras arquitetônicas de diferentes épocas. Por exemplo, Clark e
Pause, como já informado, enfatizam a representação gráfica em detrimento de
reflexões teóricas mais profundas. Já Ching limita-se em falar sobre elementos da
arquitetura sem se aprofundar em nenhuma obra. Um dos esforços empreendidos na
pesquisa é referente ao exercício de identificar, de forma complementar, categorias
analíticas que possam ser aplicadas na análise de projetos comerciais
contemporâneos no Brasil, com ênfase nos fundamentos do conceito de cotidiano.
Existem uma série de aspectos comuns nos autores de métodos que podem
auxiliar na discussão do cotidiano expresso na forma arquitetônica. O Sistema
Estrutural, como já mencionado, é um importante fator que é levado em conta, assim
como a forma e a espacialidade também contribuem para o debate proposto.
Possivelmente, a desprogramação, que é objeto de estudo de Santa Cecília (2018), é
uma temática ainda nova, não tendo sido mencionada pelos autores de métodos de
análise gráfica, visto que eles tratam do Uso como sendo fruto de um programa de
necessidades bem definido, sendo uma característica de teorias da arquitetura
moderna, como o funcionalismo.
Para cada autor foram selecionadas categorias que melhor auxiliam na
construção da matriz metodológica, com os seguintes temas: Contexto, Tectônica,
Percepção da Forma e Programa. Dentre as categorias selecionadas, algumas se
repetem com frequência, como a “Forma” descrita por Ching e que pode ter o mesmo
sentido que a categoria “Plástica”, que Baker enfatiza, ou mesmo, “Geometria” que
Clark e Pause nomeiam. Radford; Morkoc; Srivastava incluem a categoria “Pessoas”,
que entre os demais autores não é citada, o que pode contribuir na construção da
matriz metodológica, mas com muita cautela, tendo em vista que esses autores não
preveem a análise pós-ocupação, mas apenas consideram que os elementos
arquitetônicos deveriam ser pensados considerando a ótica do usuário, com diferentes
maneiras de ocupação, podendo variar dependendo do contexto cultural.
63

3.3 TRANSFORMAÇÕES DO EDIFÍCIO MISTO NA HISTÓRIA E O COTIDIANO

Como destacado ao longo da discussão teórica, existem um número


considerável de vertentes de expressão formal da arquitetura contemporânea desde
os anos 1990, tais como a agenda ambiental, a tectônica e a fenomenologia.
Entretanto, mesmo com esse panorama diversificado dentro do campo da arquitetura,
existem também movimentos contrários que devem ser avaliados de forma crítica.
Movimentos como o Greenwashing22, através do qual a produção de edifícios que
almejam o caráter espetacular, havendo, em alguns casos, uma falta de relação com
o espaço público, são, também, encontrados na contemporaneidade.

Esses escritórios costumam trabalhar para os grandes agentes da


globalização, projetando hotéis, edifícios de escritório ou centros comerciais,
e, para os governos e entidades privadas, projetam museus para o culto ao
espetáculo e para a indústria turística. (MONTANER, 2016, p. 22).

Montaner (2016) se utiliza do termo “metarracionalista”, inicialmente cunhado


pelo crítico mexicano José Juan Garza, para definir essa produção que atende a
anseios exclusivamente mercadológicos e sem compromisso social. Sendo assim,
apesar da arquitetura comercial ser um exemplar que pode se encaixar nessas obras
que acabam não exercendo uma função social na cidade, a origem da sua expressão
formal advém dos antigos centros de mercado do mundo Ocidental, que
posteriormente ganharam espaços próprios. Considera-se que esses edifícios são
empreendimentos que desempenham um importante papel nos centros urbanos e
podem ser discutidos sob a ótica do cotidiano. As galerias comerciais, por exemplo,
possuíam vãos projetados que interligam diferentes ruas e, eram destinos tanto de
fluxo quanto de permanência. Possuíam estruturas lineares, bem próximas ao
desenho de vias tradicionais de comércio, com lojas do lado da rua e acesso para
carros (ALEIXO, 2005).
A formação das cidades tem relação direta com o desenvolvimento das
atividades comerciais. Do ponto de vista histórico, o comércio sempre se localizou em
áreas estratégicas dentro da malha urbana como uma forma de atrair pessoas para
as mercadorias disponíveis. Na Idade Média as atividades comerciais se encontravam

22Termo usado para designar uma apropriação enganosa por parte de empresas, corporações,
pessoas e políticos com a finalidade de disseminar ideias e práticas sustentáveis que na realidade não
são aplicadas por parte dessas entidades.
64

dentro da praça, em mercados ou próximas a igrejas, ou mesmo como uma extensão


da rua principal da cidade. Com o passar dos anos, essas atividades passaram a ser
realizadas dentro de um edifício, com a presença de uma série de lojas (CABRAL,
1996).
Com a Revolução Industrial do século XVIII, foram surgindo novas demandas
dos meios de produção, da conformação urbana, além de um aumento populacional
gradativo.

Surgiram então novos tipos comerciais: as galerias - como expansões


horizontais da rua comercial, com o intento de multiplicar o perímetro de
fachada e utilizar o interior do quarteirão proporcionando o conforto da
passagem coberta -, e as lojas de departamento, como expansões verticais
da rua comercial. (CABRAL, 1996, p. 36).

As ruas comerciais seriam assim uma sucessão de lojas que se alinham às


ruas e possuem vitrines voltadas para a calçada, podendo ou não ter outros usos nos
demais andares. Nesses empreendimentos admite-se uma variedade de funções, e a
proximidade da forma arquitetônica com o espaço público é essencial para que o
pedestre se sinta acolhido e atraído para dentro da edificação.

Se no caso do edifício isolado o volume exterior pode ser um resultado direto


da configuração interna, no caso da rua de fachada contínua a arquitetura
responde ao mesmo tempo a pressões internas e externas: eventualmente,
ou o edifício se deforma a fim de acomodar-se ao alinhamento fixado, ou
existe um elemento compositivo que faz a transição, como os já referidos
pórticos e arcadas. Venturi considera a possibilidade latente de contradição
e contraste como uma característica essencial da arquitetura urbana.
(CABRAL, 1996, p. 50).

Já as lojas de departamento, diferentemente das ruas comerciais, possuem um


caráter mais vertical, com funções menos definidas. Preveem flexibilidade e, por isso,
o sistema estrutural empregado proposto considera essa ampliação ou redução dos
espaços. A entrada é, em geral, composta por um pé direito duplo e a relação com a
calçada é menos visível que as ruas comerciais. Sua formação está relacionada com
a revolução industrial e a inserção do automóvel na vida das pessoas, pois aos poucos
passaram a ser construídos estacionamentos no lote das lojas de departamento do
final do século XIX. Esses empreendimentos possuem uma proximidade formal e
funcional com os shopping centers que hoje se encontram nas cidades de médio e
grande porte do Brasil.
Sendo assim, percebe-se que os edifícios mistos (uso comercial e de serviço)
do século XXI possuem semelhanças tanto com as ruas comerciais quanto com as
65

lojas de departamentos citadas acima. São obras que se encontram também em


centros urbanos, sendo caracterizadas por possuírem mais de um andar, além de se
aproximarem da morfologia das calçadas e ruas.
A análise dessas edificações à luz do cotidiano é a proposta desse trabalho,
que visa perceber quais características formais esses empreendimentos possuem que
possa dialogar com essa tendência contemporânea. Para que seja possível gerar o
cotidiano analisado por esta pesquisa, faz-se necessário que sejam previstas
estratégias da forma arquitetônica que materialize nos edifícios mistos espaços livres
compartilhados, áreas de verdes, corredores (Entre) que incentivam as relações
pessoais, estruturas que, talvez, incentivem a percepção e apreensão humana, dentre
outros (Figura 24).

Figura 24 - Princípios estratégicos para gerar o cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Como ressaltado anteriormente, a arquitetura do cotidiano almeja valorizar o


entorno imediato e a percepção das pessoas. Esses aspectos são importantes e
podem também ser observados na produção edificada comercial, apesar da
preocupação que Montaner (2016) demonstra com a concepção de construções
exclusivamente mercadológicas observadas atualmente.
66

3.4 A POÉTICA DO ESPAÇO: DEZ CARACTERÍSTICAS DA ARQUITETURA DO


COTIDIANO

A partir dos estudos analíticos realizados e dos aspectos formais de edifícios


mistos, com base no referencial teórico-conceitual-metodológico, buscou-se definir
dez características da arquitetura do cotidiano que resultam das seguintes relações:
estratégias da forma arquitetônica do edifício misto - conceito teórico de
cotidiano – métodos de análise formal de projetos. A seguir é possível verificar a
relação entre essas variáveis.

(1) Valorização visual dos materiais / técnicas empregadas: a valorização da


tectônica e da materialidade é uma característica que pode ser visualizada em
uma arquitetura do cotidiano, tendo em vista que essa aplicação contribui para a
percepção e consequente apreensão dos usuários também (Figura 25).

Figura 25 - Valorização da tectônica.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(2) Arquitetura que não busca como objetivo principal ser um marco na
paisagem: uma característica da arquitetura do cotidiano é a sua discreta presença
na paisagem urbana. Pode-se associar à construção de uma edificação que possui
poucos andares, distanciando-se ao máximo dos grandes arranha céus, que se
adequam à altura das construções do seu entorno, dentre outros (Figura 26).
67

Figura 26 - Arquitetura que não busca ser um marco na paisagem.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(3) Elementos arquitetônicos que lembram varandas23: os olhos voltados para a


rua como discutidos por Jacobs podem ser expressados por meio das aberturas
realizadas nas fachadas dos prédios, sendo a varanda um importante elementos
arquitetônico que contribui para que os usuários possam visualizar o entorno onde a
edificação se insere e, com isso, aproximando mais a relação das pessoas com a
cidade (Figura 27).
Figura 27 - Elementos arquitetônicos que lembram varandas.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(4) Desenho de ambientes (corredores, praças, etc) que contribuem para a


permanência e não apenas o fluxo contínuo: pode-se interpretar esse tópico como
sendo a construção de espaços voltados para impulsionar as relações humanas, a

23 Lange (2017) atribui o termo “Espaço-Varanda” para se referir aos elementos arquitetônicos que
derivam das varandas, sem necessariamente serem uma literalmente. A autora considera que o
“Espaço-Varanda” é um elemento da produção brasileira muito importante e que seu redesenho ao
longo dos anos adaptou-se às demandas da sociedade e ao contexto de cada terreno.
68

partir do desenho de praças no térreo, do desenho de corredores mais largos e que


incentivam a permanência dos usuários presentes (Figura 28).

Figura 28 - Ambientes que auxiliam tanto na permanência quanto


no fluxo.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(5) Arquitetura que se aproxima de tendências mercadológicas, mas não


necessariamente se utiliza das mesmas: essa é uma importante característica de
uma arquitetura do cotidiano, pois a mesma pode flertar com os anseios
mercadológicos, mas busca não se aproximar tanto. Por exemplo, evitar o uso de
materiais de revestimento de alto custo e comuns em exposições de determinados
segmentos da construção civil e, que podem “maquiar” ambientes internos (Figura
29).
Figura 29 - Aplicação de materiais em divisões externas e internas que evitam flertar
com anseios mercadológicos.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(6) Arquitetura pensada sob a ótica do usuário, facilitando a percepção do


espaço pelos usuários (diferenças de nível24, aberturas que contribuem com a

24 A aplicação das diferenças de nível enquanto facilitador da percepção humana foi idealizada,
inicialmente, por Adolf Loos (1870-1933). O arquiteto austríaco foi um dos percussores do
Raumplan.Tal expressão pode ser definida como “uma forma de projetar a partir do espaço
tridimensional, pensando de que forma os variados níveis, bem como as diferentes alturas dos
69

vista exterior, implementação de projetos paisagísticos, etc): a criação de


ambientes que ensejam a percepção humana, como pátios internos onde se preveem
projetos paisagísticos, a presença de cheios e vazios, assim como as próprias
diferenças de nível que podem ser previstas em projeto (Figura 30).
Figura 30 - Valorização da percepção do usuário com diferenças de nível e paisagismo.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(7) Atendimento ao programa de necessidades / desprogramação: como


demonstrado na leitura realizada até aqui, a desprogramação é uma realidade da
arquitetura contemporânea, tendo em vista que a concepção espacial deve se ater à
própria imprevisibilidade humana, e a previsão de ambientes que podem exercer
diferentes usos (Figura 31).

Figura 31 - Ambientes que preveem diferentes usos.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(8) Tratamento ofertado ao térreo que se aproxima da calçada, valorizando os


transeuntes: o desenho do térreo pode se aproximar do desenho das calçadas, a
partir da aplicação de materiais de piso semelhantes, aberturas que convida o

ambientes, podem dialogar para criar atmosferas diversas, que não são ensimesmadas, mas sim
interrelacionadas”. (MOREIRA, 2020, p. 01).
70

transeunte a percorrer os espaços internos da edificação, sendo uma arquitetura que


se preocupa no nível do térreo com uma maior interação com o entorno (Figura 32)25.

Figura 32 - Relação do térreo com a calçada.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(9) Aplicação de materiais comuns (baratos) usados de forma não convencional:


quando são empregados materiais mais baratos, como determinadas madeiras, telhas
metálicas, o uso do bambu, dentre outros que podem ser utilizados de forma não
convencional nas fachadas e, com isso, expressando certo grau de criatividade
(Figura 33).

Figura 33 - Aplicação de materiais comuns usados de forma não convencional.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

(10) Relação do edifício com o entorno: a relação do edifício com o entorno pode
ser interpretada a partir de aberturas em diferentes fachadas, que considera as

25 O diálogo do térreo com a calçada pode ser encontrado também por meio de espaços livres
compartilhados, que prevê a oferta de uma pequena parcela da área do lote ao espaço público,
promovendo tratamentos paisagísticos, favorecendo o urbanismo do entorno. O uso também de
fachadas ativas, que corresponde à ocupação da fachada que se encontra alinhada ao passeio público,
aberta aos usuários, tornando o espaço cotidiano do entorno mais dinâmico, contribui com a vida
urbana e maior relação das lojas situadas no térreo com a vida diária dos transeuntes.
71

potencialidades do sítio e suas particularidades, e com isso, dialogando com o seu


entorno, jamais negligenciando-o (Figura 34).

Figura 34 - Relação do edifício com o entorno.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

3.5 DEFINIÇÃO DO COTIDIANO DA PESQUISA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O


CAPÍTULO

O cotidiano debatido na pesquisa busca o Entre, o Espaço e Evento, elementos


discutidos por Tschumi (1996), a partir de estratégias da forma arquitetônica utilizadas
pelos escritórios de arquitetura que almejam o espaço cotidiano materializado na
arquitetura comercial. Esse cotidiano é fruto da função social e cultural que os projetos
devem (ou deveriam) proporcionar às pessoas e ao entorno que as circundam. Para
que isso seja possível, as estratégias devem considerar ambientes que se
assemelham a verdadeiros calçadões, prevendo praças internas para o convívio dos
que vivenciam aquele determinado dia a dia, a previsão de espaços livres
compartilhados, etc. Logo, independente do contexto no qual as obras comerciais
estão inseridas, esses conceitos devem aparecer, pois estimulam as relações entre
os clientes, os prestadores de serviços e lojistas, e até mesmo os próprios funcionários
de limpeza e afins.
Sabe-se que o cotidiano pode ser estudado sob a ótica da vitalidade urbana,
com a apropriação de grupos que lutam por uma causa social, ou mesmo por pessoas
que se sentem acolhidas por um determinado espaço público / edificado, devido as
72

memórias do passado. Entretanto, sabe-se que a espacialização do cotidiano também


pode ser observada em certa medida em edifícios mistos (uso comercial e de serviço),
com base na concepção de ambientes que materializam conceitos usados na vida
urbana, transportando-os para dentro da edificação.
A desprogramação arquitetônica debatida por Santa Cecília, os aspectos
estruturais previstos por Leupen e a própria finalidade do Evento, discutido por
Tschumi são caminhos que podem levar ao espaço cotidiano. Entretanto, para que
essa abordagem seja viável é necessário um método de análise. Como os autores de
métodos de análise formal não preveem uma categoria chamada “cotidiano”, buscou-
se aproximar o que esses autores relatam com a discussão teórica sobre o cotidiano.
Por fim, é feita uma breve síntese da história do edifício misto, caracterizando-
o, e aproximando-o da pesquisa, para que, ao final, sejam propostas dez
características da arquitetura do cotidiano que foram desenvolvidas a partir de três
variáveis: estratégias da forma arquitetônica do edifício misto - conceito teórico de
cotidiano – métodos de análise formal de projetos.
73

4 O COMÉRCIO EM ORGANIZAÇÃO: MÉTODOS E TÉCNICAS

4.1 CARACTERIZANDO O ESPAÇO HABITÁVEL: METODOLOGIA DE PESQUISA

Segundo o modelo de Crotty citado por Creswell (2010), existem três perguntas
que caracterizam um projeto de pesquisa, a saber: (1) que alegações de
conhecimento são feitas pelo pesquisador? (2) que estratégias de investigação vão
orientar os procedimentos? (3) que métodos de coleta de dados serão usados?
Nas alegações de conhecimento os pesquisadores se deparam com o
paradigma, tendo em vista que vão aprendendo aos poucos sobre o objeto de estudo
(LINCON; GUBA, 2000; MERTENS, 1998 apud CRESWELL, 2010). Em seguida, são
formuladas estratégias de investigação que direcionam de forma mais específica os
procedimentos da pesquisa, para então partir para uma discussão mais específica e
que toma um determinado caminho, onde é escolhido o (s) método (s) que melhor
responde aos objetivos do trabalho.
Esta pesquisa adota estratégias metodológicas mistas, de natureza qualitativa
e quantitativa. São feitas alegações teóricas ao longo de toda a dissertação, a fim de
desenvolver a redação acerca do cotidiano na arquitetura contemporânea. São
expostos, ao final, projetos de edifícios mistos selecionados. Também são
considerados resultados quantitativos sobre a caracterização dos empreendimentos
mistos (uso comercial e de serviço), que compõem o universo de estudo para destacar
semelhanças e diferenças entre os mesmos.
Dessa maneira, é feito um levantamento estatístico da localização geográfica
das obras e suas características formais que auxiliam na reflexão e debate sobre a
produção contemporânea nacional. Dentro desses parâmetros estatísticos é
importante refletir também sobre as regiões do Brasil mais contempladas nas revistas
que compõem as fontes de dados, a fim de compreender a razão de alguns estados
possuírem mais obras do que outros.
Considera-se também que a discussão proposta partiu de uma pesquisa
exploratória, sugerindo uma visão mais geral sobre um dado objeto, visto que o tema
ainda é pouco desenvolvido e, por essa razão deve ser tratado com mais cautela.
(GIL, 2008).
74

Essa visão mais geral se deve ao fato de ser importante ressaltar, inicialmente,
o panorama da arquitetura contemporânea no mundo, tendo em vista os avanços
quanto ao uso de novas tecnologias que auxiliam na construção civil, o debate sobre
a sustentabilidade, a notabilidade de uma arquitetura voltada para as pessoas e
pensada para um determinado contexto. Esses argumentos fundamentam uma
discussão sobre aspectos formais da arquitetura do cotidiano. Sob esse olhar,
pretende-se partir de um panorama geral até detalhes mais específicos que
respondem aos objetivos do trabalho.
Partindo de uma leitura mais abrangente e teórica, de caráter exploratório, é
desenvolvida uma pesquisa com teor mais descritivo, cuja finalidade é atender aos
objetivos gerais e específicos da investigação. Desse modo, são propostas
descrições/caracterizações que visam estabelecer uma relação entre as variáveis,
estratégias da forma arquitetônica e cotidiano.

4.2 ARQUITETURA DO COTIDIANO: ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, a aplicação do método de natureza


misto é fundamental. Vários desafios podem surgir durante o percurso metodológico,
sendo assim, o pesquisador necessita de afinidade com as abordagens qualitativa e
quantitativa para que possa sanar os desafios que se ensejam durante o percurso
metodológico (CRESWELL, 2010).
Para o método misto adotado nesta pesquisa será aplicada a estratégia
transformadora sequencial, que considera haver uma teoria que embasa e guia os
estudos e análises propostas. Na empregabilidade da estratégia transformadora
sequencial, tanto a fase quantitativa quanto a qualitativa podem vir primeiro, embora,
a depender da quantidade de material disponível na coleta de dados, possa haver
uma prioridade nas abordagens. Durante a interpretação dos dados, as duas fases
podem ser utilizadas na descrição da pesquisa e seus resultados finais (Figura 35).

O objetivo de uma estratégia transformadora sequencial é empregar métodos


que melhor atendem à perspectiva teórica do pesquisador. Usando duas
fases, o pesquisador transformador sequencial pode conseguir dar voz a
diversas perspectivas, ou para melhor defender os participantes, ou para
entender melhor um fenômeno ou processo que está mudando corno
resultado de estar sendo estudado. O modelo sequencial transformador
compartilha pontos fortes e pontos fracos metodológicos com duas outras
técnicas sequenciais de métodos mistos. O uso de fases distintas facilita sua
75

implementação, descrição e compartilhamento de resultados, embora exija


tempo para completar as duas fases de coleta de dados. Mais importante,
esse projeto coloca a pesquisa de métodos mistos dentro de uma estrutura
transformadora. (CRESWELL, 2010, p. 219).

Figura 35 - Estratégia Transformadora Sequencial.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Para Gil (2008) o embasamento teórico desempenha um importante papel na


metodologia de uma pesquisa científica. As teorias estabelecem conceitos que podem
auxiliar na construção de uma hipótese, se necessário. Sendo assim, para estruturar
a discussão teórica proposta serão selecionadas, dentro do universo de estudo, obras
que manifestam aspectos cotidianos, baseados nas dez características da arquitetura
do cotidiano que foi desenvolvido a partir das reflexões realizadas por Berke (1997)
sobre o cotidiano, questões conceituais informadas por Tschumi (1996) e sua
aproximação com o edifício misto (uso comercial e de serviço) e, por fim, as categorias
analíticas de autores que tratam de métodos de análise formal de projetos. Com a
junção dessas teorias e definição de elementos arquitetônicos que apontam para a
espacialização do cotidiano é possível ser feita a seleção e coleta de dados adequada,
para a realização de investigações de maneira profunda. Os exemplares usados para
exemplificar a discussão teórica são os edifícios mistos, selecionados em periódicos
técnicos (revistas especializadas de arquitetura) entre os anos 2000 - 2019.

4.2 MATRIZ METODOLÓGICA

Com base nas características da arquitetura do cotidiano, e na análise gráfica


de projetos, discutidas no capítulo anterior, foi possível fazer a seleção dos
exemplares coletados nas revistas especializadas que melhor respondiam a pelo
menos cinco das dez características adotadas. Em paralelo a esse processo de
seleção de obras nas revistas especializadas em arquitetura (periódicos técnicos), foi
76

desenvolvida uma Matriz Metodológica26, que resultou em três categorias analíticas


(com duas subcategorias, cada uma) que serão utilizadas para a discussão qualitativa
no capítulo de resultados finais (Figura 36).

Figura 36 - Etapas de construção da Matriz Metodológica.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

26 A Matriz Metodológica foi construída a partir do agrupamento dos dez pontos listados no capítulo
anterior: 1. Valorização visual dos materiais /técnicas empregadas; 2. Arquitetura que não busca como
objetivo principal ser um marco na paisagem; 3. Elementos arquitetônicos que lembram varandas; 4.
Desenho de ambientes – corredores, praças, etc – que contribuem para a permanência e não apenas
o fluxo contínuo; 5. Arquitetura que se aproxima de tendências mercadológicas, mas não
necessariamente se utiliza das mesmas; 6. Arquitetura pensada sob a ótica do usuário, facilitando a
percepção do espaço pelos usuários [...]; 7. Atendimento ao programa de necessidades /
desprogramação; 8. Tratamento ofertado ao térreo que se aproxima da calçada, valorizando os
transeuntes; 9. Aplicação de materiais comuns – baratos – usados de forma não convencional; 10.
Relação do edifício com o entorno.
77

Nesse sentido, foi elaborada uma tabela que destaca como se dará a análise
qualitativa conjugada por meio de diagramas que permitirão, ao final, a construção de
levantamentos de dados quantitativos gerais de aspectos formais das edificações
(Quadro 01).
Quadro 01 - Matriz Metodológica.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Com isso, foram estabelecidas três categorias de análise que refletem aspectos
da arquitetura do cotidiano de forma sintética que deverão ser observados nas
edificações:
78

(1) ASPECTOS GERAIS DA FORMA

(1.1) Inserção no contexto urbanístico: uma arquitetura do cotidiano é


necessariamente concebida dentro das cidades, havendo a necessidade de estudar
relações com o entorno urbano. A inserção do edifício na quadra e seu constante
diálogo formal com as construções do entorno, com a vida urbana de uma
determinada localidade, como resposta ao contexto.

(1.2) Estrutura e materialidade: a importância de ressaltar o sistema estrutural


enquanto elemento arquitetônico que auxilia em aspectos funcionais e plásticos de
uma edificação. Entretanto, mais importante do que a definição estrutural, as
diferentes texturas aplicadas, o uso de cores empregadas que tornam a estrutura um
sistema comunicante e possibilitam que os usuários possam interagir, são
considerados aspectos que apontam para o caráter cotidiano.

(2) ASPECTOS ESPECÍFICOS DA FORMA

(2.1) Relação térreo-calçada27: essa relação foi destacada de forma exclusiva, tendo
em vista que um dos grandes desafios da produção contemporânea é estabelecer
uma linguagem espacial que leve a uma interação entre o pavimento térreo e a
calçada, gerando uma valorização do espaço público, contribuindo com a formação
de espaços de permanência que possibilitam as diferentes apropriações dos usuários.

(2.2) Varandas28: o desenho de aberturas que se assemelham a varandas contribuem


para a visualização de diferentes vistas que podem ser apropriados pelos usuários do
edifício, auxiliando na sensação de segurança dos pedestres nas ruas e calçadas.
Podem ser interpretados como mirantes e sacadas que conduzem o olhar humano
para o entorno da obra, mas também para dentro do vazio existente no interior da
edificação, que permite um olhar atento para as aventuras existenciais das pessoas.

27Apesar da subcategoria térreo-calçada ser enquadrada como uma maneira de se analisar um projeto
e sua relação com cidade, foi considerado essencial ser estudada de maneira mais detalhada
separadamente da subcategoria inserção no contexto urbanístico.
28A subcategoria varandas reflete um elemento arquitetônico bastante específico de uma obra. Sua
análise mais detalhada em uma subcategoria própria foi escolhida por tratar de um espaço destinado
à contemplação da paisagem, dialogando com os preceitos formulados por Jane Jacobs.
79

(3) ASPECTOS ESTRATÉGICOS DE PROJETO NA FORMA

(3.1) Programa Arquitetônico: como já debatido nos capítulos anteriores, a (des)


programação é um fator essencial para se prever os diferentes usos que um espaço
pode abarcar, o que permite uma compreensão melhor de como um edifício funciona.
A análise do programa arquitetônico pode compreender estudos específicos de
espaços que permitem a apropriação das pessoas, que são potenciais ambientes para
manifestações cotidianas, e que não possuem necessariamente um nome específico.

(3.2) Facilitação da percepção do espaço pela pessoa29: a previsão de diferenças


de nível dentro de uma obra também é importante para a percepção dos usuários, que
unido ao paisagismo, pode trazer diferentes sensações para as pessoas presentes. A
legibilidade da combinação entre o olhar tridimensional e a humanização do ambiente
construído possibilita a apropriação do corpo pelo espaço.

Sendo assim, com esses breves esclarecimentos, foram elencadas essas


categorias que servirão de base para posteriores análises formais dos edifícios mistos
(uso comercial e de serviço).

29 Ao utilizar a palavra “pessoa” como título da sexta categoria analítica, busca-se como referência o
método de análise formal desenvolvido por Radford; Morkoc; Srivastava (2014). Os autores possuem
a categoria People como uma maneira de incluir o potencial de percepção das pessoas na análise dos
edifícios, apesar de não considerar o uso de entrevistas como recurso metodológico. Radford, Morkoc
e Srivastava (2014, p. 12) fazem os seguintes questionamentos: “People: How do people approach,
enter and move through the building? How do they experience the bulding form, its spaces and its
symbolism? How does the building function? How does it respond to the ergonomics of human
activities? How does it respond to children, the elderly and people with impaired mobility, vision or
hearing? How does it respond to the particular regional culture? How does it respond to local and
international architectural culture?”
Os autores questionam-se na categoria People como as pessoas se relacionam com a obra, pensado
em questões ergonômicas, locais e culturais dos potenciais usuários dentro da edificação.
80

4.5 PERIÓDICOS TÉCNICOS: ETAPAS DE COLETA DOS PROJETOS EM


REVISTAS ESPECIALIZADAS

Os exemplos de edifícios mistos foram obtidos em periódicos técnicos (revistas


especializadas de arquitetura)30 no Brasil: PROJETOdesign31, Galeria da Arquitetura,
ArchDaily, AU e PROJETAR32. A escolha desses periódicos (fontes de dados) foi feita
pelo fato de possuírem fontes de dados mais acessíveis, com material técnico/textual
detalhado e reconhecido no meio profissional, o que viabiliza posteriores seleções e
análises de projetos. São veículos de circulação encontrados digitalmente, o que
facilita a leitura e a obtenção de dados fotográficos, com exceção da revista AU, que
possui modelos impressos também.
A escolha dos projetos arquitetônicos (objetos de análise) dentro desses
periódicos técnicos foi dividida em três etapas:

ETAPA 01: A primeira etapa corresponde à seleção com base no volume de material
disponível nas revistas, foram necessários atender aos seguintes critérios:

(1) Ter projetos arquitetônicos de edifícios mistos com mais de um pavimento,


produzido entre os anos 2000 - 2019, tendo os mesmos sido em seguida construídos,
com exceção daqueles obtidos na revista PROJETAR.

(2) Haver disponibilidade de material técnico.

(3) Haver disponibilidade de fotografias.

(4) Haver presença de texto explicativo.

Com essa primeira etapa foram adquiridos 73 projetos.

30Alguns edifícios mistos nas revistas especializadas eram definidos de formas diferentes, ora um
correspondia a um empreendimento institucional, ora exclusivamente comercial, ora de uso
empresarial. Tais “confusões” na nomenclatura e enquadramento do que se considera por “edifício
misto (uso comercial e de serviço)” foi uma dificuldade encontrada, pois exige do pesquisador uma
análise mais minuciosa do programa de necessidades, para verificar se as obras selecionadas se
enquadram ou não no universo de estudo.

31A revista possuía exemplares que não foram possíveis de acessar, pois eram destinados somente
aos assinantes, mas que corresponderam a menor parte dos exemplares selecionados.

32Periódico de caráter científico vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRN,


mas que amplia a produção regional de projetos arquitetônicos na pesquisa, pois a seleção feita reúne
em sua grande maioria projetos do Sudeste.
81

ETAPA 02: Em uma segunda etapa, foi necessário avaliar novamente os projetos
selecionados a fim de compreender de forma mais detalhada se possuíam, de fato,
material técnico viável para análise e se o uso misto da edificação correspondia
majoritariamente à ambientes de lojas33 e salas de escritório34 exclusivamente, tendo
em vista que algumas das obras obtidas na primeira etapa possuíam o uso residencial,
com a presença de apartamentos e, outras obras eram mais próximas de um
empreendimento corporativo, o que poderia inviabilizar a análise. Sendo assim, após
a segunda avaliação, foram adquiridos 33 projetos, onde a maioria deles provém da
região Sudeste.35

ETAPA 03: Por fim, esses projetos selecionados passaram por uma terceira avaliação
baseada na aproximação que possivelmente teriam com características da arquitetura
do cotidiano, sendo assim, buscou-se aproximar os projetos selecionados na Etapa
02 com as dez características da arquitetura do cotidiano mencionados no capítulo
anterior para atender de maneira positiva a pelo menos cinco das dez características
da arquitetura do cotidiano.

Ao final, foram escolhidos 16 projetos para uma análise mais detalhada no


capítulo 5, e os demais (17 projetos) encontram-se no Apêndice G. Com isso, a
seleção do universo de estudo passou por três etapas de avaliação (Figura 37) que
proporcionaram um melhor enquadramento dos projetos selecionados com os

33 Compreende-se o termo “loja” como sendo referente às butiques, cafés, restaurantes, galerias de
arte, salas comerciais destinadas à entrega de um produto. Segundo o artigo 3º, inciso 1º da Lei nº
8.078/ 1990 “Produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial”.

34Compreende-se como salas de escritório: ambientes destinados a oferecer serviços diversos, e não
um produto. Segundo o artigo 3º, inciso 2º da Lei nº 8.078/ 1990 “Serviço é qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. É importante destacar
que o serviço oferecido não deve levar o nome de uma empresa exclusiva, pois pode-se configurar
como um empreendimento corporativo e não de uso misto como está sendo destacado na pesquisa.

35 O que faz refletir sobre as razões que poderiam levar a ter uma disparidade tão grande em relação
a outras localidades do Brasil. Será que as regiões Sul, Nordeste, Centro – Oeste e Norte não possuem
o hábito de divulgar em revistas especializadas de arquitetura as obras produzidas em suas respectivas
localidades? Será que são os periódicos que não empregam em seus conteúdos produções derivadas
de outros lugares? A hipótese formulada para esse questionamento considera que em razão do corpo
editorial dessas revistas se encontrar no Sudeste, com exceção da PROJETAR, é oferecido maior
visibilidade para projetos situados nessas imediações.
82

objetivos da pesquisa, analisando o cotidiano em edifícios mistos (uso comercial e de


serviço).

Figura 37 - Etapas para seleção dos edifícios.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

4.6 TRAVESSIA: ETAPAS DA PESQUISA

A pesquisa foi organizada para ocorrer em quatro etapas: (1) preparação da


pesquisa; (2) fases da pesquisa; (3) execução; e o (4) relatório de pesquisa, compondo
a revisão de literatura da dissertação, conforme modelo proposto por Marconi e
Lakatos (2003). Ao longo de toda a revisão, buscou-se aproximar o campo da teoria
e da crítica arquitetônica por meio do cotidiano, com autores de métodos de análise
gráfica e estratégias da forma arquitetônica do edifício misto, ao ponto de gerar uma
matriz metodológica (item 4.2) informada neste capítulo, com o intuito direcionar
aspectos das obras selecionadas ainda não observados sob a ótica da espacialização
do cotidiano (Figura 38).
83

Figura 38 - Delimitação da pesquisa.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Na fase de preparação da pesquisa foram selecionadas bibliografias que


compõem o corpo do trabalho. Tais autores são referências quanto a temáticas ligadas
à arquitetura contemporânea, reflexões sobre a pós-modernidade e métodos de
análise gráfica. Com isso, foram definidos os cronogramas, o problema da pesquisa e
a formulação dos objetivos específicos a serem ser atendidos.
Desse modo, as fases da pesquisa são definidas da seguinte maneira: (A)
definição do tema de pesquisa; (B) levantamento de dados; (C) formulação do
problema; (D) delimitação da pesquisa; (E) definição da estratégia de pesquisa; (F)
amostragem; (G) seleção de métodos e técnicas; (H) elaboração dos instrumentos de
pesquisa; (I) teste de instrumentos e procedimentos.
A definição do tema da pesquisa se deu, dentre outras razões, por inquietações
do pesquisador a respeito da relação de elementos da arquitetura com o cotidiano. O
cotidiano materializado na arquitetura contemporânea e pesquisado sob um ponto de
vista científico foi introduzido por Deborah Berke, mas não aprofundado, o que gerou
lacunas passíveis de serem estudadas a partir de um método científico que possibilite
uma investigação mais específica. A ideia arquitetônica do edifício misto (uso
comercial e de serviço) foi escolhida para análise por ser considerada um exemplar
pouco estudado sob a ótica do cotidiano, tendo em vista que Berke (1997) apenas
84

sugere características da arquitetura do cotidiano, abrindo espaço para novas


possibilidades de investigação.
A análise desses exemplares no contexto nacional traz novos olhares quanto
às diferentes configurações formais que essas obras podem adquirir com a
materialização do cotidiano dentro do contexto urbanístico, permitindo que estudantes
de arquitetura, arquitetos e pesquisadores possam compreender melhor esses
edifícios no debate contemporâneo sobre cotidiano, possibilitando novos
questionamentos não contemplados por esta pesquisa.
Sendo assim, considera-se que o cotidiano analisado nessa pesquisa surge,
dentre outros fatores, das estratégias da forma arquitetônica que, a partir da função
social e da cultura da arquitetura, podem promover/impulsionar o Entre, o Espaço e o
Evento informados por Bernard Tschumi, gerando um cotidiano que se materializa em
corredores, em praças internas, em térreos ativos e em estruturas aparentes de
edifícios mistos.
Com relação a delimitação da pesquisa, foi atribuído o universo de estudo que
poderia responder às inquietações motivadoras do trabalho e sua seleção em
periódicos técnicos. Os edifícios mistos (uso comercial e de serviço) produzidos no
Brasil, a partir dos anos 2000, foram escolhidos tendo em vista sua forma arquitetônica
que pode condicionar uma discussão sobre a função social, cultural e até simbólica
do edifício, apesar de possuírem caráter mercadológico. Para tanto, foram realizadas
leituras e buscas de métodos de análise de projetos. Os autores encontrados (Baker,
1984; Ching, 1998; Clark e Pause, 1983; Unwin, 2003; Leupen, 1999; e, Radford,
Morkoc e Srivastava, 2014) não possuíam, diretamente, em suas categorias
analíticas, o elemento cotidiano especificamente delimitado, logo, fez-se necessário
uma aproximação teórica entre os métodos gráfico/textuais, propostos pelos autores
citados, para verificar em que medida alguns tópicos poderiam auxiliar na construção
de uma matriz metodológica para o estudo aqui empreendido.
Dentre as inúmeras vertentes da atualidade, a que trata do cotidiano despertou
interesse de pesquisa, principalmente por se tratar de um desafio para os arquitetos
na projeção de edifícios que contemplem o entorno do projeto, considerando a
qualidade espacial sob a ótica dos usuários. Essa inquietação foi abordada pela 12ª
Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (2019), cujo título do tema central
foi: Todo dia. A partir dessa temática foi suscitada a importância da sustentabilidade
e do cotidiano para um melhor desenvolvimento tanto das cidades, quanto dos
85

edifícios, o que aponta a necessidade de aprofundar ainda mais o tema aqui abordado.
A fase de levantamento de dados foi realizada após a definição do tema do
trabalho. No entanto, ao longo da pesquisa foi necessário fazer atualizações quanto a
essa coleta, visto que é uma atividade essencial para o aprofundamento do assunto.
Colher essas informações faz parte do debate teórico proposto e da seleção dos
edifícios mistos explorados, havendo uma necessidade constante de revisão para que
a pesquisa chegue ao final com qualidade.

4.7 EM CADA ESQUINA: INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Os eixos de pesquisa são formados pela discussão teórica sobre o cotidiano


na produção contemporânea e pela caracterização de aspectos formais da
arquitetura. Conforme mencionado, a pesquisa é construída de forma qualitativa e
quantitativa. A primeira constitui caráter exploratório, tendo em vista a escassez de
uma literatura que reúna, de forma aprofundada, o primeiro eixo de pesquisa, qual
seja: o cotidiano. Desse modo, fez-se necessário esforço desta dissertação em
realizar essa reunião, considerando a necessidade de obtenção de dados que
possibilitassem a realização dessa primeira fase (Figura 39). Quanto à fase
quantitativa, só foi possível alcançá-la através da sistematização de todas as
informações coletadas, o que gerou uma série de análises estatísticas que
caracterizam o conjunto de edifícios selecionados, proporcionando, por fim, os
resultados.
86

Figura 39 - Etapas da coleta de dados.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

4.7.1 Amostra

A amostra se deu por meio da seleção de edifícios mistos (uso comercial e de


serviço), em periódicos técnicos (revistas especializadas de arquitetura), que
possuem o projeto arquitetônico produzido entre os anos 2000 – 2019 no Brasil. As
revistas especializadas utilizadas foram: PROJETOdesign, Galeria da Arquitetura,
ArchDaily, AU e PROJETAR.
87

4.7.1.1 Elaboração do instrumento e avaliação

Adotou-se recursos de representação gráfica36, quando necessário, de


algumas características formais das edificações seguindo a determinação da matriz
metodológica unido ao texto descritivo para caracterizar a amostra selecionada. O
diagrama é uma importante estratégia que junto ao discurso teórico contribui com a
proposta do trabalho. Desse modo, a implementação da abordagem quantitativa
proporcionou uma visão específica de algumas obras, enquanto a qualitativa
possibilitou a caracterização das construções selecionadas que destacam
semelhanças e diferenças entre os edifícios, com as diferentes maneiras de
espacializar o cotidiano.

4.7.1.2 Coleta e processamento de dados

A coleta de dados dos edifícios mistos em periódicos técnicos de arquitetura


incluiu textos explicativos, fotografias e material técnico. Sua realização se deu ao
longo do ano de 2019, para que em janeiro de 2020 fosse feito o processamento das
informações coletadas, permitindo o prosseguimento da pesquisa.
Um fator determinante para a seleção definitiva dos projetos foi o uso de dez
características da arquitetura do cotidiano elencados no item 3.4 (A Poética do
Espaço: Dez Característica da Arquitetura do Cotidiano) que mostram características
que se aproximam dos objetivos da pesquisa. A partir desses pontos, foram
analisados e selecionados 16 edifícios que melhor responderam a, no mínimo, cinco
dentre os dez pontos que serão melhor detalhados no próximo capítulo.

4.7.1.3 Tratamento e análise dos dados

Após a seleção dos projetos, serão feitas análises e interpretações dos dados.
Segundo Creswell (2010), a fase qualitativa da pesquisa considera o uso de textos e

36 Foram utilizados os programas AutoCAD, SketchUp, Adobe Photoshop e Adobe Illustrator como
ferramentas para a produção dos estudos técnicos e diagramáticos dos exemplares selecionados no
resultado final da pesquisa.
88

imagens que auxiliam na identificação de temas e categorias que possibilitam tirar


conclusões, que o autor julga que levam em conta interpretações também pessoais
do pesquisador. Para Creswell (2010) existem seis etapas durante esse processo: (1)
organizar e preparar os dados coletados; (2) realizar leitura de forma ampla do
conjunto do material obtido, fazendo considerações gerais das informações
constatadas; (3) inferir questionamentos e justificativas, por meio de um processo de
codificação das informações, que contribuem para a separação por grupos, reduzindo
o número de categorias, permitindo uma análise preliminar; (4) descrever os cenários
previstos com a codificação realizada no passo anterior; (5) considerar como será feito
a representação da narrativa qualitativa - figuras, tabelas e textos teóricos; (6) por fim,
interpretar de maneira detalhada os dados, que podem levar em conta uma visão
pessoal do investigador e a confrontação desses materiais com a literatura, para, ao
final, gerar novas perguntas que não foram sanadas pela pesquisa e que possibilitam
novos estudos.

4.7.1.4 Caracterização na perspectiva do pesquisador

Devido ao caráter qualitativo previsto no método misto, é necessário mostrar a


visão por parte do pesquisador, com base nas leituras teóricas alçadas, e no material
fotográfico, textual e técnico analisado em questão. Em trabalhos que envolvem
criatividade, classe social e até mesmo análise projetual que trata um tema fluido como
o cotidiano, é preciso que o pesquisador seja o mais transparente possível para que
os resultados finais não venham a ser distorcidos apenas por opiniões pessoais.
Segundo Gil (2008, p. 29): “A objetividade, entretanto, não é facilmente obtida por
causa de sua sutileza e implicações complexas. Todo conhecimento do mundo é
afetado pelas predisposições dos observadores”.
Por isso, a ressalva para a nitidez nas etapas de pesquisa, delimitação do
universo de estudo, e caracterização da amostra que deve ficar evidente, sempre com
justificativas e cautela para não contaminar a amostra com uma visão exclusivamente
pessoal, sem dados comprobatórios.
89

4.7.1.5 Caracterização na perspectiva do material coletado nas revistas

Como o desenvolvimento dessa pesquisa envolve a utilização de material


oriundo de revistas especializadas em arquitetura, foi usado o material textual
derivado dessas publicações como maneira de viabilizar determinadas descrições do
pesquisador referentes a questões técnicas das obras selecionadas, informações
respeitantes à localização e explanação geral sobre os projetos em questão.

4.8 PLANEJAMENTO DO DEBATE TEÓRICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O


CAPÍTULO

A partir do debate construído sobre o cotidiano, as estratégias da forma


arquitetônica utilizadas pelos escritórios de arquitetura e os principais métodos de
análise formal, propõe-se dez características da arquitetura do cotidiano. Essas
características foram usadas para coletar os projetos mistos (uso comercial e de
serviço) em revistas especializadas de arquitetura que respondessem a cinco dentre
essas dez características.
Paralelo a esse processo de coleta de projetos nos periódicos técnicos, as dez
características da arquitetura do cotidiano foram agrupadas formando três macro
categorias analíticas que correspondem à matriz metodológica que guiará a análise
dos resultados finais no próximo capítulo. Com isso, percebe-se que se partiu de uma
pesquisa exploratória, sendo desenvolvida com fins de maior conhecimento, tendo em
vista que o tema é pouco conhecido.
O trabalho prevê a aplicação do método misto (qualitativo e quantitativo),
porque a coleta de dados exige um destaque em relação à localidade onde as
edificações se encontram, características que há em comum entre as mesmas, etc.
Além disso, é feito análise descritiva de uma amostra desses projetos selecionados
nas revistas técnicas. Para a viabilidade dessas análises foi utilizado a estratégia
transformadora sequencial que considera haver uma teoria que embasa o
desenvolvimento do trabalho.
90

5 EDIFÍCIOS MISTOS NO BRASIL DO SÉCULO XXI

5.1 MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS NA ARQUITETURA BRASILEIRA

Para a seleção final dos projetos que atendem ao debate sobre o cotidiano
proposto por esta pesquisa (materialização de espaços que atendam a função social
e cultural da arquitetura, gerados por meio de estratégias da forma arquitetônica que
promovam o Entre, o Espaço e o Evento), foi necessário que o levantamento realizado
nos periódicos técnicos passasse por três fases. Na primeira etapa, empreendeu-se
um levantamento de maneira geral, considerando o volume de projetos que abordam
o uso misto, o que correspondeu a um total de 73 exemplares (Figura 40).

Figura 40 - Projetos selecionados na primeira etapa no Brasil.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


91

A maioria dos projetos são provindos das regiões Sudeste e Sul do país, com
53 e 10 projetos, respectivamente. No entanto, um volume considerável desses
modelos foi descartado, tendo em vista o não atendimento às expectativas da
pesquisa, que considerava, exclusivamente, a presença de atividades comerciais
(lojas) e atividades de prestação de serviços (escritórios) para análises. Percebe-se,
já nesse primeiro levantamento, que o Norte é a região menos privilegiada pelas
revistas.
Em uma segunda etapa (Tabela 01), foram averiguados mais à fundo o material
coletado na etapa anterior, sendo necessário ser realizado estudos em cima do
material técnico disponibilizado, para compreender os reais usos atribuídos a essas
obras. Com esse período intermediário de seleção e exclusão de projetos, foram
obtidos ao final 33 exemplares. Com uma diferença brusca em relação aos dados
anteriores, o Sudeste permanece como a região mais contemplada nesta pesquisa.

Tabela 01 - Projetos selecionados na segunda etapa.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Após essa seleção, empreendeu-se a aproximação dos 33 projetos com as dez


características da arquitetura do cotidiano, a fim de verificar se atendiam a pelo menos
cinco dentre as dez listadas. Sendo assim, os que cumpriram esse critério foram
considerados adequados para o debate sobre o cotidiano. A seguir, são listados os
exemplares selecionados com respectivos escritórios e projetos, além de suas
localizações, que foram organizadas por regiões: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste do
Brasil, com exceção do Centro-Oeste (Tabela 02).
92

Tabela 02 - Projetos selecionados na segunda etapa.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Atender aos pontos listados pode dar pistas da relação entre as estratégias da
forma arquitetônica e do edifício misto (uso comercial e de serviço) com o cotidiano
93

nos últimos anos. A maior parte dos projetos foram produzidos a partir de 2010, essa
parcela correspondendo a 75% dos projetos (12 projetos). Os outros 25% (4 projetos)
foram concebidos entre os anos 2000 e 2019.
Os exemplares Hermes 880, que foram projetados pelo escritório Felipe
Bezerra Arquitetura, e o Centro Comercial Avenida (não construído), planejado por
Henrique Ramos, estão entre os selecionados e são responsáveis por trazer
importantes contribuições para o debate sobre o cotidiano em empreendimentos de
caráter comercial e de serviço (misto). No Sul do país, verificou-se que o Eudoro
Berlink 865, planejado pelo OSPA Arquitetura, situado em Porto Alegre, atende às
características da arquitetura do cotidiano dispostas na pesquisa, possuindo
estratégias da forma arquitetônica que promovem o Evento através da presença de
um térreo que se aproxima da calçada, o que proporciona uma geometria não
monumental à paisagem da cidade gaúcha.
A cidade de São Paulo foi a mais contemplada com projetos que ilustram os
objetivos desta pesquisa. Como já esperado, a capital paulista possui numerosos
projetos arquitetônicos situados nos periódicos técnicos, o que proporciona, inclusive,
uma reflexão crítica acerca da hipervalorização de um único estado do Brasil. Todavia,
possuindo inúmeros exemplares comerciais, seria quase impossível não haver
também o maior número de propostas edificadas. Alguns escritórios aparecem com
grande frequência nas etapas de seleção das obras. Os nomes mais regulares foram:
Triptyque, Andrade Morettin, Nitsche Arquitetos e Aflalo Gasperini. Esse último não foi
considerado nos resultados finais, visto que possuía exemplares bastante
monumentais, ampliando a discussão para futuras pesquisas.
Na amostra coletada, alguns projetos, tais como o Edifício Pop +, o Módulo
Bruxelas e o Ed. João Moura, encontram-se na Vila Madalena (SP), bairro boêmio
com uma grande quantidade de cafés, restaurantes e murais coloridos que exaltam a
vida urbana dentro dessa realidade. Contudo, é curioso pensar que haviam poucos
projetos comerciais exemplificados nas revistas que fossem situados em outros
bairros da capital. A hipótese levantada considera que bairros mais centrais,
formulados por escritórios mais conhecidos e populares por ganharem premiações em
arquitetura, são mais privilegiados pelos periódicos técnicos.
Dentro do universo dos edifícios mistos produzidos no Brasil, é possível extrair
algumas observações importantes. Dentre os projetos analisados, o uso do concreto
armado enquanto sistema estrutural é unânime, apesar da estrutura em aço ter sido
94

também empregada, mas em menor escala. Segundo Rebello (2007, p. 22): “As
estruturas metálicas, no nosso país, ainda apresentam um custo inicial mais elevado
se comparadas com estruturas de concreto armado”.
A seleção realizada nas revistas especializadas e a aproximação dos projetos
arquitetônicos comerciais com a espacialização do cotidiano possibilitou verificar que
a Característica 9, aplicação de materiais comuns usados de forma não convencional,
foi uma das menos encontradas nos exemplares analisados. Entretanto, tiveram
casos como o do Edifício Box 298, situado em São Paulo, que se utilizou de telha
metálica galvanizada pintada, o que corresponde a um material ordinário, inclusive,
ressaltado pelo próprio escritório, mas que foi usada para compor as fachadas e
respondeu bem a característica evocada (Quadro 02).

Quadro 02 - Número de projetos selecionados que melhor respondem às dez características da


arquitetura do cotidiano.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


95

Alguns casos buscaram dar maior tratamento ao térreo (característica 8),


aproximando-se da calçada, o que contribui diretamente para o aspecto cotidiano e
para a humanização dos percursos, tais como a proposta do arquiteto Henrique S. M.
Ramos, com o Centro Comercial Avenida, situado em Natal (RN). Tais soluções de
projeto demonstram preocupação em relação aos usuários que usufruem desses
ambientes e sua interação com o entorno imediato.
Para a característica 3; elementos arquitetônicos que lembram varandas,
houve também interessantes exemplares. A Galeria Comercial Novo Jardim, projetada
pelo escritório Elementar Arquitetura, localizado em Recife, materializa ideias
propagadas por Jacobs (2009), como os olhares voltados para as ruas e calçadas,
que, segundo a autora, pode contribuir com uma maior sensação de segurança e
reforçar o convívio social nas ruas.
Thomas (2002) considera que a arquitetura produzida no final dos anos de 1990
passou a se preocupar mais com questões sociais e ambientais, à medida que busca
ser mais responsável em relação ao meio ambiente e às pessoas. Nesse sentido,
atribuindo o termo New Age (2000 +), Derek Thomas se questiona sobre os aspectos
formais que poderiam definir a produção atual.
Destarte, a materialização do cotidiano da pesquisa busca responder à função
social e cultural da arquitetura contemporânea gerando corredores (Entre) que
facilitam a percepção humana, praças internas e espaços livres compartilhados
(Espaço) que atraem pessoas para a sua experienciação (Evento). Esses caminhos
adotados na contemporaneidade traduzem as estratégias da forma arquitetônica
estudadas nesta pesquisa através dos exemplares escolhidos.
Sendo assim, com a construção da matriz metodológica apresentada no
capítulo anterior: (1) Aspectos Gerais da Forma, subdividida em duas subcategorias,
(1.1) Inserção no contexto urbanístico e (1.2) Estrutura e materialidade; (2) Aspectos
Específicos da Forma, subdividida em duas subcategorias, (2.1) Relação térreo-
calçada e (2.2) Varandas; (3) Aspectos Estratégicos de Projeto na Forma, subdividida
em duas subcategorias, (3.1) Programa arquitetônico e (3.2) Facilitação da percepção
do espaço pela pessoa; é proposto a análise qualitativa de oito projetos.
Os oito exemplares foram selecionados com base nos seguintes critérios:
96

(1) Projetos situados em diferentes localidades do país, considerando a dimensão


nacional que a pesquisa abarca37.
(2) Projetos que atendem ao maior número de características da arquitetura do
cotidiano.
(3) Projetos desenvolvidos por diferentes escritórios.

A seguir, encontra-se o quadro síntese dos projetos selecionados para os


resultados da pesquisa (Quadro 03).

Quadro 03 - Projetos selecionados para os resultados finais.

Figura 41 - Sistema estrutural no Comercial Novo Jardim.Quadro 4 - Projetos selecionados para os


resultados finais.

37No critério referente à localização geográfica, buscou-se dar maior prioridade ao Sudeste, por
possuir mais obras (dez projetos), no universo de 16; seguido do Nordeste (três projetos), Sul (2
projetos) e Norte (1 projeto).
97

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Todos os critérios dispostos possuem o mesmo peso e são caracterizados por


possuírem uma ideia arquitetônica em comum: a espacialização do cotidiano como
fruto de estratégias da forma arquitetônica que geram o Entre, Espaço e o Evento,
buscando a função social e cultural da arquitetura. É importante ressaltar que ao longo
dos resultados comparativos entre os oito projetos selecionados, há a descrição mais
detalhada de um ou dois exemplares que melhor respondem àquela referida
subcategoria. Todas as 16 obras encontram-se no Apêndice H com as características
da arquitetura do cotidiano.

5.2 ANÁLISE DE EDIFÍCIOS MISTOS E A ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO

Os oito projetos selecionados para uma análise comparativa mais detalhada


são: Harmonia 57 (Triptyque Architecture), Corujas (FGMF), Box 298 (Andrade
Morettin Arquitetura), Centro Comercial Avenida (Henrique Ramos), Adelaide Prévidi
Corporate (Tagir Fattori Arquitetura), Comercial Novo Jardim (Elementar Arquitetura),
Container Mall (Roberto Moita Arquitetos) e o Une (Gui Mattos Arquitetura).
98

5.2.1 Aspectos Gerais da Forma

A categoria Aspectos Gerais da Forma é composta por duas subcategorias que


são: Inserção no contexto urbanístico e Estrutura e materialidade que descreve e
analisa os projetos escolhidos a partir de um ponto de vista macro.

5.2.1.1 Inserção no contexto urbanístico

Os oito projetos selecionados estão distribuídos em diferentes regiões do


Brasil. Quatro deles no Sudeste, sendo o estado de São Paulo o mais beneficiado;
outros dois no Nordeste, um no Sul do país e outro no Norte. Todos os exemplares
estão situados em cidades de grande e médio porte, em sua maioria nas capitais São
Paulo, Recife, Natal e Manaus.
São previstos, em média, três andares, com exceções como o Centro
Comercial Avenida e o Une que possuem, respectivamente, cinco e nove andares,
ambos com acesso à cobertura. O Comercial Une é o que possui a maior quantidade
de pavimentos, sendo também o projeto de maior tamanho, se comparado aos
demais, inserido na paisagem. Todos os edifícios que se encontram na capital paulista
possuem teto jardim, com acesso por meio de escadas e elevadores, que pode ser
usado pelos usuários para observar a paisagem edificada que os rodeia. É uma
solução que exige o uso de uma laje impermeabilizada que garante resistência
mecânica, evita infiltrações e corrosão das armaduras.
A descrição realizada pelos escritórios nos periódicos técnicos considera o
planejamento e soluções de projeto a partir também do contexto urbanístico. Tais
discursos relatados pelos sócios foram considerados adequados, levando em conta,
exclusivamente, a análise dos desenhos técnicos e fotográficos disponíveis.
Entretanto, alguns modelos como, Edifício Box 298, por exemplo, foi considerado um
marco na paisagem, diferentemente do Comercial Novo Jardim que possui um volume
horizontal e discreto na cidade pernambucana. O termo “marco” refere-se justamente
àqueles projetos que se destacam no entorno, considerando a altura das edificações
circundantes unido a requisitos plásticos da edificação. O Container Mall não é
99

considerado um marco na paisagem por se tratar de empreendimento de pequeno


porte envolvido por uma densidade edificada também de baixo gabarito (Figura 41).

Figura 41 - Marco na paisagem.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Dentro da malha urbana, o edifício Harmonia 57, se encontra na rua Harmonia,


na Vila Madalena, em São Paulo, tendo sido desenvolvido pelo escritório franco-
brasileiro Triptyque Architecture, em 2008. Seu entorno é composto por edificações
de pequeno a médio porte, com a presença de residências e comércios (Figura 42). A
edificação não é monumental na paisagem, possuindo cerca de três pavimentos mais
o subsolo. Possui uma coloração cinza, realçada pelo verde das plantas e utilização
da madeira.

O projeto da Rua Harmonia localiza-se num bairro paulista com grande fluxo
artístico e permeabilidade da criação, onde galerias e muros se confundem,
funcionando como palco para novas formas de expressão. O beco em frente
ao prédio – por exemplo – é coberto por pinturas e grafites. Esse conceito de
experimentação extravasa da rua para dentro da obra. (TRIPTYQUE
ARCHITECTURE, 2011, p.02).
100

Figura 42 - Inserção do edifício Harmonia 57 na paisagem urbana.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-16694/harmonia-57-triptyque, 2021.

Harmonia 5738 é formado por dois blocos que são interligados por uma
passarela metálica. A fachada é composta por sistemas de captação de água e
irrigação recobertas por vegetação que condiciona a obra a um ecossistema próprio.
Tal maneira de concepção revela um modo de inserção na paisagem, pois inclui o
edifício em meio a grande densidade de árvores e de pequenas construções.
Assim como o exemplar anterior, o edifício Corujas39 também se encontra em
São Paulo, na Vila Madalena, na rua Natingui. Projetado pelo escritório FGMF, em
2014, o mesmo é circundado por construções de pequeno e médio porte, com usos
residenciais e culturais. Possui três pavimentos, com amplos espaços avarandados
que possibilitam diferentes vistas da cidade (Figura 43).

Essa espacialidade nos parece extremamente adequada para o clima de São


Paulo e em especial ao local, no bairro boêmio e cultural da Vila Madalena,
em que a escala do pedestre e o convívio entre as pessoas está em primeiro
plano. Há na edificação, no intuito de reforçar essas questões, muitas áreas
de convívio, bicicletário, vestiários comuns e até um café para que os usuários
se conheçam e possam inclusive trabalhar nas áreas comuns, criando quase
uma micro-comunidade. É o total oposto dos modernos prédios de escritório,
que segregam ao máximo os usuários uns dos outros. (FGMF ARQUITETOS,
2016, p.09).

38 O edifício Harmonia 57 respondeu a 9 características da arquitetura do cotidiano

39 O edifício Corujas atendeu a 8 características da arquitetura do cotidiano.


101

Figura 43 - Inserção do edifício Corujas na paisagem urbana.

Fonte¹: Google Maps, 2021. Fonte²: https://www.archdaily.com.br/br/787289/edificio-corujas-fgmf-


arquitetos?ad_medium=gallery, 2021.

Com uma forma horizontal, o empreendimento é marcado pela formação de


espaços de convívio e utilização de relativa densidade vegetal, que assim como
Harmonia 57, apreende uma estratégia da forma arquitetônica que dialoga com o
entorno urbano. Ambos os projetos (Harmonia 57 e Corujas) vão na contramão da
idealização de edifícios comerciais monumentais que não consideram a escala
humana e o cotidiano da cidade, e do bairro onde se insere.

5.2.1.2 Estrutura e Materialidade

A maioria dos oito projetos possui o concreto como sistema estrutural principal.
Em alguns casos foram verificados a aplicação de sistemas mistos que preveem a
estrutura metálica também. O edifício Corujas, por exemplo, se utiliza de concreto pré-
moldado (Figura 44), que é produzido no local da obra em um molde, havendo uma
fiscalização menos rigorosa quanto a qualidade da peça, diferentemente do pré-
fabricado, que é feito em uma fábrica com um controle de qualidade mais rigoroso. As
vantagens do pré-moldado que foram levadas em conta para a proposta do Corujas
se dão pela rapidez de execução da obra, o que difere também do concreto in loco,
que é a maneira mais convencional de construção no Brasil.
102

Figura 44 - Montagem da estrutura de concreto pré-moldado.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/787289/edificio-corujas-fgmf-arquitetos?ad_medium=gallery,
2021.

No caso do Harmonia 57, foi utilizado paredes espessas de concreto orgânico,


que possui uma camada porosa onde pequenas espécies vegetais ficam acopladas.
Além dessa ideia, são também percebidos o uso da madeira que contribui com a
sensação de bem-estar, típico desse material. Já o Container Mall não segue o
padrão convencional de sistema estrutural. O uso de containers pode ser um caminho
viável, considerando também a rapidez de execução, além de possuir versatilidade,
pode ser reutilizado, gerando também formas arquitetônicas distintas, mas que deve
ser previsto considerando o clima local, que pode influenciar no tipo de isolamento
térmico mais adequado.
Outros materiais complementares também foram comuns nessas obras
selecionadas, como o caso do vidro e de caixilhos metálicos que passam ideia de
leveza em meio a robustez dos sistemas estruturais aparentes, em sua grande
maioria, de concreto. A previsão de escadas metálicas também foi comum entre os
exemplares, sendo o aço a matéria-prima principal, que assegura rapidez na
montagem das peças e alta durabilidade.
Já o edifício Une possui soluções estruturais geradas a partir do uso do
concreto, metal e placas pré-moldadas. Foram empregados forros pré-moldados de
metal, que unidos ao sistema viga x pilar de concreto conferem uma estrutura mista à
edificação. No caso do Centro Comercial Avenida, a estrutura metálica é prevista no
103

térreo atendendo aos espaços de lojas que são independentes do corpo do edifício
proposto, que é conformado por sistema viga x pilar de concreto. A estrutura metálica
adotada nesse projeto é viável quando se trata de ambientes de vendas de produtos,
por haver uma velocidade de montagem que permite que a atividade comercial inicie
rapidamente, atendendo ao público alvo que almeja alcançar (Figura 45).
Figura 45 - Sistemas estruturais empregados nos projetos.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Nesses oito projetos selecionados, apenas o Adelaide Prévidi Corporate não


possui uma estrutura portante aparente. Caminho diferente do percorrido pelo
Comercial Novo Jardim, que considerou o uso do concreto aparente e a modulação
bem definida uma maneira de ressaltar aspectos tectônicos da proposta. O caráter
robusto do exemplar aponta para uma monumentalidade estrutural (Figura 46).

Figura 46 - Sistema estrutural no Comercial Novo Jardim.

Figura 42 - Modulação Estrutural no Edifício Box 298.Figura 43 - Sistema estrutural no Comercial


Novo Jardim.

Fonte: https://www.elementararquitetura.com/projeto.php/galeria-novo-jardim?p=galeria-novo-
jardim, 2021.
104

O Edifício Box 29840 é marcado por um sistema estrutural de viga e pilar de


concreto armado que possibilitam a criação de vãos com diferentes medidas, e
consequente flexibilização espacial, criando uma diversidade de usos. Parte-se de um
módulo base em torno de 5 m x 5 m com pilares de concreto armado (Figura 47).

Figura 47 - Modulação Estrutural no Edifício Box 298.

Figura 44 - Modulação Estrutural no Edifício Box 298.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Nas fachadas, planos de alvenaria revestidos com telha metálica galvanizada


e pintada, e vidro com caixilho de alumínio, acrescentaram uma rica variação
de cor e volume ao edifício horizontalizado. Eles se assemelham a
contêineres coloridos empilhados. A impressão deve-se ao fechamento
lateral da estrutura executado de maneira alternada, ora com telhas metálicas
coloridas ora com caixilhos com vidros. A telha metálica tem a vantagem de
garantir a durabilidade das fachadas aliada à fácil manutenção. A praticidade
do material é observada desde a fase de execução do projeto. (MELLO, 2014,
p.02)

São utilizados materiais de fachada com a telha metálica galvanizada, que


poderia ser considerado um material ordinário, além do uso das esquadrias em vidro.
A materialidade da obra se encontra na aplicação do concreto, que vai desde o
sistema estrutural, assim como seu préstimo nas lajes, que variam também de
dimensão devido aos mezaninos propostos no projeto. É curioso perceber também
que são feitas passarelas com estrutura metálica, o que lembra uma arquitetura
industrial (Figura 48).

40 O edifício Box 298 atendeu a 9 características da arquitetura do cotidiano.


105

Figura 48 - Estrutura e materialidade do Edifício Box 298.

Figura 45 - Estrutura e materialidade do Edifício Box 298.

Tabela 03 - Programa arquitetônico do térreo.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/623136/edificio-box-298-slash-andrade-morettin-arquitetos-
associados, 2020.

5.2.2 Aspectos Específicos da Forma

A categoria Aspectos Específicos da Forma é composta por duas


subcategorias que são: Relação térreo-calçada e Varandas que garantem uma análise
mais detalhada sobre os usos atribuídos ao pavimento térreo e as diferentes
configurações de varandas que contribui para desenvolver novos olhares sobre a
cidade materializados nos exemplos selecionados.

5.2.2.1 Relação Térreo-Calçada

Os usos mais frequentes no térreo do conjunto de projetos selecionados são


de atividades comerciais de lojas. A maneira de tratamento do nível do primeiro
pavimento e sua aproximação com a calçada e a escala humana é considerado
condizente com o debate sobre o cotidiano. Existem diferentes configurações de
acessos ao térreo que mostram a importância de se estudar a relação do edifício com
a cidade, considerando o fluxo de usuários e a morfologia urbana.
O edifício Box 298 possui uma entrada localizada na Rua Wisard. Devido a
obra se encontrar afastada da calçada, foi proposta uma rota de acesso ao prédio com
um tratamento paisagístico bastante simples, mas que humaniza mais a conexão
entre o edifício e a cidade. É uma solução interessante se pensar que é criado um
106

percurso aberto aos transeuntes que se interliga com a calçada, possibilitando


adentrar ao lote, sem que haja restrições. Outros projetos que consideram um
afastamento considerável da calçada são o Harmonia 57, o Container Mall e o Une
(Figura 49).
Figura 49 – Relação esquemática entre a circulação e a projeção do térreo.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.


107

No caso da proposta encontrada no comercial Une, buscou-se tornar a entrada


bastante verde através da inserção de diferentes vegetações, além de um valoroso
vão que se abre para a cidade, com a manutenção de uma cor de piso semelhante ao
do entorno. Entretanto, é importante destacar que apesar dessas qualidades, foram
dispostas catracas que restringem a entrada ao prédio, diferentemente de outros
projetos selecionados como o Comercial Novo Jardim, que prevê as lojas separadas
da calçada apenas por portas de vidro e permite também uma visualização do exterior
sem restrições.
Outros usos frequentes encontrados nos oito projetos são os cafés, que se
destinam tanto para os prestadores de serviços quanto para os potenciais clientes.
São destinos apreciados por pessoas atraídas pelo produto oferecido (café e suas
diferentes versões para degustação) potencializando o diálogo entre esse conjunto de
indivíduos. As academias também são elementos atrativos encontrados nos térreos.
Destino que pode ser usufruído por usuários de diferentes localidades (não apenas
do entorno imediato). O segundo ambiente mais comum encontrado nesses edifícios
mistos são os restaurantes e lanchonetes, informado em três41 dos oito projetos
estudados neste capítulo. As diferentes maneiras de disposição de assentos nesses
espaços podem ser um meio de aproximar mais as atividades realizadas no térreo
com a calçada e imediações.
Os usos mais comumente encontrado são as lojas (associadas à venda de
móveis, roupas e afins) que não se encontram apenas no edifício Corujas. Salas de
reunião, curiosamente, estão presentes em dois projetos (Box 298 e Une), sendo um
espaço destinado a atividades frequentemente associadas ao setor de serviços, mas
que nessas propostas edílicas foram pensadas no térreo. Em geral, os destinos
comerciais possuem menos restrição de acesso, possuindo maior diálogo com a
malha urbana, o que é dificilmente encontrado nos setores de serviço que são
frequentemente locados nos andares superiores (Tabela 03).

41 Box 298, Centro Comercial Avenida e Container Mall.


108

Tabela 03 - Programa arquitetônico do térreo.

Figura 46 - Térreo do Centro Comercial Avenida.Tabela 04 - Programa


arquitetônico do térreo.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Sendo outra proposta interessante, o Centro Comercial Avenida42 foi idealizado


pelo arquiteto Henrique Ramos43 em Natal – RN, no bairro Lagoa Nova (zona sul da
cidade). Localizado em uma área de zona urbana com infraestrutura consolidada entre
as avenidas Senador Salgado Filho e Amintas Barros, a ideia arquitetônica por trás
do projeto visa atender a demanda populacional que mora e usufrui do entorno. A
pouca massa vegetal investigada pelo arquiteto foi percebida, fazendo-se necessário
pensar espaços no térreo que comportasse árvores de pequeno e médio porte, além
de um calçamento que atendesse a esse intenso fluxo de pessoas (Figura 50).

42 O edifício Centro Comercial Avenida atendeu a 7 características da arquitetura do cotidiano. É


necessário informar também que o Centro Comercial Avenida é a única proposta que não chegou a ser
construída, dentre as 16 selecionadas para os resultados finais. Ela foi incluída a partir das leituras da
revista PROJETAR por ser uma maneira de valorizar bons modelos desenvolvidos no Nordeste e
informados neste periódico. Como já ressaltado ao longo da dissertação, pouquíssimos projetos dessa
região do Brasil foram contemplados nas revistas eletrônicas PROJETOdesign, Galeria da Arquitetura
e ArchDaily, que são de caráter mais comercial.

43Henrique Sérgio Macedo Ramos é arquiteto, com mestrado pelo Programa de Pós-graduação em
Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPAPMA
UFRN).
109

Figura 50 - Centro Comercial Avenida.

Fonte: Ramos, 2016, p.153.

Em uma área com edificações com predominância de dois a três pavimentos,


a proposta idealizada é de porte médio, compreendendo o térreo e mezanino (que
comporta as lojas) e mais seis pavimentos destinados à prestação de serviços.
Tratando do térreo, foram pensadas diferentes formas de acesso, que interligam as
avenidas do entorno (Figura 51). A maior parte das lojas foi disposta próxima da
calçada, com a vitrine voltada para a avenida Amintas Barros, atraindo o olhar das
pessoas que transitam pela localidade. Além disso, foi proposta uma paginação no
piso que estabelece uma conexão da propriedade com a área pública (a calçada),
levando o fluxo de pedestres a circular nos espaços verdes propostos que possuem a
presença de bancos que traduzem a espacialização do cotidiano, criando ambientes
de lazer.
110

Figura 51 - Térreo do Centro Comercial Avenida.

Figura 47 - Adelaide Prévidi Corporate.Figura 48 - Térreo do Centro Comercial Avenida.

Fonte: Ramos, 2016, p.152, alterado pelo autor.

O acesso aos pavimentos superiores é feito por meio da recepção e da


administração, elementos que auxiliam para que a convergência aos escritórios se
faça de maneira mais restrita. Dentre as lojas e vitrines que se encontram no térreo, a
presença de um restaurante atrai as pessoas que passam pelas proximidades,
garantindo conforto e permanência em meio a praça arborizada.

Os pavilhões de lojas têm ênfase na sua conformação horizontal, e a


proximidade e relação com as vias que circundam o terreno são idealizadas
com o sentido de permitir o empreendimento se apropriar do movimento de
pessoas no perímetro da quadra. Esses pavilhões se caracterizam pela
permeabilidade visual, como já mencionado, e generosos elementos de
cobertura, marquises e brises, para proteção da insolação direta. (RAMOS,
2016, p. 131).

Essas diferentes maneiras de imersão na malha urbana também são


observadas no edifício Adelaide Prévidi Corporate44, que foi projetado pelo escritório
Tagir Fattori Arquitetura, encontrando-se em Caxias do Sul (RS), na esquina entre as
ruas Gen. Arcy da Rocha Nóbrega e Professora Viero, no bairro Madureira. A obra
que é rodeada de construções de pequeno porte, possui quatro andares, além do
subsolo, reflete os desafios de uma paisagem edificada, que difere dos grandes
arranha céus comerciais, e em alguns casos, monumentais, que podem ser
encontrados em grandes capitais e em outros centros urbanos.

44 O edifício Adelaide Prévidi Corporate atendeu a 5 características da arquitetura do cotidiano.


111

A proposta desenvolvida em Caxias do Sul, apesar de ter um programa


reduzido e, um edifício de menor escala em relação ao anterior, possui um tratamento
ofertado ao térreo que possibilita o caminhar pela calçada de forma menos vulnerável.
O lote do empreendimento não é tão grande quanto o edifício proposto por Henrique
Ramos, mas ainda assim, atende a um programa arquitetônico que prevê o uso misto
dos ambientes, considerando a importância da escala humana no empreendimento e
em seu entorno (Figura 52).

A pequena edificação fica hierarquizada em térreo com lojas protegidas por


uma marquise que se projeta três metros em direção à rua. O mezanino fica
entre a marquise e o primeiro pavimento tipo, este último o protege como se
o pavimento recuasse em relação ao volume principal. De maneira que o
prédio criasse uma transição entre seus vizinhos, foram criados volumes
verticais que servem de anteparos para futuras edificações que ali possam
se instalar, assim a edificação pode surgir solta, livre de regulações do ritmo
do entorno. (TAGIR FATTORI ARQUITETURA, 2017, p.03).

Figura 52 - Adelaide Prévidi Corporate.

Figura 49 - Térreo do Adelaide Prévide Corporate.Figura 50 - Adelaide Prévidi Corporate.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/885213/adelaide-previdi-corporate-tagir-fattori-arquitetura-plus-
sta, 2021.

No caso do Adelaide Prévidi, o seu tratamento ao nível dos usuários é bastante


simples e até comum em obras comerciais. Existem dois tipos de acesso, que é aquele
voltado para as salas do térreo (lojas) e outro acesso voltado para os andares
112

superiores, passando por uma recepção, o que mostra a preocupação em manter


áreas mais privativas e mais restritas às salas de escritório (Figura 53).

Figura 53 - Térreo do Adelaide Prévide Corporate.

Figura 51 - Proposta original da equipe de projeto para o térreo.Figura 52 - Térreo do Adelaide


Prévide Corporate.

Fonte: Planta – baixa alterada pelo autor, 2020.

Deve-se ressaltar também que no projeto original era considerado uma


porcentagem de área verde para o tratamento paisagístico, o que na prática, não foi
feito, tendo sido o mesmo ofertado para vagas de veículos (Figura 54).

Figura 54 - Proposta original da equipe de projeto para o térreo.

Figura 53 – Modelos esquemáticos de varandas mais


comuns.Figura 54 - Proposta original da equipe de projeto para o
térreo.

Fonte: http://tfarq.com.br/adelaide-previdi/, 2020.

São previstas vagas de estacionamento tanto no nível térreo quanto no subsolo


para atender a demanda dos profissionais e usuários que se utilizam desse
empreendimento. Essa solução é usual em obras comerciais de pequeno a médio
porte, sendo necessário respeitar o espaço da calçada para os transeuntes e, se
possível, até considerar melhorar a própria passagem dos pedestres, o que traz
113

inúmeros benefícios para as pessoas, sendo uma maneira do edifício contribuir para
uma cidade mais segura e atrativa.

5.2.2.2 Varandas

A maioria dos projetos selecionados possuem a presença de elementos


arquitetônicos que se assemelham a varandas, atraindo o olhar humano para a
paisagem que os envolve. Com exceção do Comercial Prévidi Corporate, os demais
projetos contemplam espaços vazios destinados à apreensão de diferentes vistas do
exterior. Foram identificados quatro modelos básicos de varandas que garantem o
vazio como palco para a experienciação humana. O modelo um e dois é o que foi
utilizado com mais frequência nos projetos. São propostas bastante comuns que
variam apenas na diferença de dimensionamento. O terceiro modelo foi encontrado
no Harmonia 57, no Corujas e no Box 298 que possui um desenho em L que
proporciona uma visão mais ampla da cidade de São Paulo. O quarto modelo foi
encontrado apenas no Une e possui um design bastante característico, com a
marcação horizontal do vazio de maneira bem definida (Figura 55).
Figura 55 – Modelos esquemáticos de varandas mais comuns.

Figura 55 - Varandas internas do edifício Corujas.Figura 56 – Modelos esquemáticos de varandas mais


comuns.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Uma característica marcante nesse conjunto de projetos são essas aberturas


que contribuem para que os usuários do prédio possam ter diferentes olhares sobre a
cidade. Implantados com distintas disposições, percebe-se ritmos na fachada que
atraem os olhares e podem passar sensação de segurança para quem passa pelas
114

redondezas. O olhar para a malha urbana acaba sendo o grande protagonista em


projetos que preveem essa abertura, como é o caso do Centro Comercial Avenida que
possui essas vistas para atender a questões de conforto, em meio às altas
temperaturas da cidade de Natal, proporcionando maior qualidade do ambiente aos
prestadores de serviços, que foram os mais agraciados com a presença de elementos
de varandas.
Outros exemplos, como o Container Mall, trabalham corredores externos com
um guarda-corpo em metal que assegura momentos de “descanso” em meio ao
cotidiano de um edifício misto. O Corujas prevê também a instalação de elementos de
varanda voltados para dentro dos jardins internos da proposta, contribuindo para a
própria ventilação natural necessária e essencial para a saúde humana, assim como
importante para a possibilidade de gerar a percepção de circulação das pessoas
dentro do prédio (Figura 56).

Figura 56 - Varandas internas do edifício Corujas.

Figura 57 - Elementos de varanda nos projetos.Figura 58 - Varandas internas do edifício Corujas.

Fonte:https://www.archdaily.com.br/br/787289/edificio-corujas-fgmf-
arquitetos?ad_medium=gallery, 2021.

Desenhados em disposições diversas nos projetos, essas varandas reforçam


na geometria dos exemplares selecionados um aspecto comum a todos: a forma
115

quadrática e racional da arquitetura brasileira no edifício misto, que se relaciona com


o próprio modernismo que teve uma importante contribuição nesse quesito: a
valorização da paisagem por meio dessas aberturas (Figura 57).

Inicialmente, existe uma proximidade óbvia entre habitações indígenas e


natureza. Em construções sobre palafitas, a relação é direta. Em seguida, em
centros urbanos coloniais, a presença de habitações geminadas e ruelas
estreitas limita a visada do morador. A paisagem deixa de ser natural para se
tornar urbana. O vínculo entre moradia e paisagem só reaparece em algumas
construções neoclássicas. Isto ocorre devido à introdução do jardim lateral e
à transformação da varanda. Neste momento, a varanda se volta para a
lateral do lote, com função de contemplar a natureza. Contudo, a relação da
moradia neoclássica com o seu jardim é igualmente restrita. Somente no
modernismo que o contato da residência com a paisagem voltará a ser usado.
(LANGE, 2017, p. 02).

Figura 57 - Elementos de varanda nos projetos.

Figura 59 - Programa arquitetônico básico dos projetos.Figura 60 - Elementos de varanda nos projetos.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

O edifício Comercial Novo Jardim45 possui como característica a presença de


varandas e aberturas nas fachadas que contribuem para que os usuários do prédio
possam ter diferentes olhares sobre a cidade (Figura 58). Localizado em Recife, no
bairro Jardim Jordão, a obra é composta por um programa arquitetônico que comporta
lojas no térreo e escritórios nos andares superiores, além da presença de mezaninos
e pé-direito duplo. Segundo o escritório, Elementar Arquitetura (2013, p. 01),
responsável pela proposta: “O partido do projeto surgiu da necessidade de marcar a

45 O edifício Comercial Novo Jardim atendeu a 8 características da arquitetura do cotidiano.


116

paisagem com um edifício de forte impacto estético, que chame atenção para suas
lojas e salas, mas sem alta sofisticação devido ao caráter popular do entorno”.

Figura 58 - Varandas e sacadas do edifício Comercial Novo Jardim.

Fonte¹: https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/elementar-arquitetura_/galeria-comercial-
novo-jardim/1782, 2021. Fonte²: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Essa sensibilidade em criar sacadas nos prédios é importante, inclusive em


empreendimentos mistos, pois os mesmos podem se situar em áreas centrais e
periféricas da cidade que, em determinados horários, tem pouca circulação de
pedestres. A presença desses elementos de fachada materializa os “olhos voltados
para a rua” debatidos por Jacobs em seus ensaios.
Criar linhas de visão de dentro do prédio para o exterior é um caminho viável
que pode ser adotado sem comprometer a privacidade. O Comercial Novo Jardim,
117

que é composto por três pavimentos, possui uma forma horizontal no lote,
conseguindo expressar bem a relevância de se criar aberturas que possibilitem
diferentes experiências visuais. Essa possibilidade de criação de varandas foi
viabilizada pela racionalidade construtiva empregada, gerando uma malha retangular
que cria vazios que deixam à cargo das pessoas um novo olhar sobre o entorno.

5.2.3 Aspectos Estratégicos de Projeto na Forma

A categoria Aspectos Estratégicos de Projeto na Forma é composta por duas


subcategorias que são: Programa arquitetônico e Facilitação da percepção do espaço
pela pessoa. Nesse caso, são estudadas as estratégias projetuais expressados na
forma arquitetônica.

5.2.3.1 Programa Arquitetônico

Os oito projetos selecionados possuem uma maneira de tratar o programa


arquitetônico semelhante. São dispostos espaços comerciais no térreo, com a
presença de mezaninos e espaços de prestação de serviços que se encontram nos
andares superiores. Exemplos como o edifício Une, Box 298, Adelaide Prévidi,
Harmonia 57, Corujas e Centro Comercial Avenida são previstos estacionamentos
subsolos também, havendo exceções apenas no Container Mall e Comercial Novo
Jardim, que possuem vagas apenas próximo da calçada. Essas grandes áreas
destinadas aos carros variam conforme a dimensão do programa arquitetônico. O
Harmonia 57 e o Corujas, por exemplo, propõem um subsolo para esse fim, já outros
de tamanho mais expressivo, como o Une, prevê três pavimentos abaixo da calçada
para atender às expectativas pensadas para esse projeto (Figura 59).
No caso do Box 298, são pensados restaurantes e lojas no térreo, além de
salas de reunião e academias. Os conjuntos comerciais que contribuem para o uso
misto da edificação se encontram nos andares superiores, com pé direito duplo,
atribuindo uma maior dimensão ao espaço. No caso do comercial Une, os usos são
semelhantes, mas é previsto também uma cobertura para o lazer e descanso,
possibilitando aos usuários um olhar para a cidade enquanto organismo vivo.
118

O Harmonia 57 considera também salas comerciais flexíveis, pois é


compreendido que ao longo dos anos novos usos podem ser previstos, com a venda
de outros produtos. O Centro Comercial Avenida, por ser um projeto de maior
dimensão, possui um número considerável de salas comerciais (14 salas para cada
pavimento tipo, com 38 m² aproximadamente) auxiliadas por espaços de reunião e
eventos.
Figura 59 - Programa arquitetônico básico dos projetos.

Figura 61 - Zoneamento volumétrico do edifício Container Mall.Figura 62 -


Programa arquitetônico básico dos projetos.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Os edifícios mistos selecionados possuem um programa arquitetônico muito


semelhante. O Container Mall46, por exemplo, projetado pelo escritório Roberto Moita
Arquitetos expressa de uma maneira sintética a ideia arquitetônica dos
empreendimentos mistos (uso comercial e de serviço). A partir do zoneamento
volumétrico criado, observa-se que o pavimento térreo é formado por salas comerciais
e, os andares acima são formados por salas de escritório (Figura 60). São propostos
restaurantes e lojas no térreo e no andar superior, salas destinadas às atividades de

46 O edifício Container Mall atendeu a 8 características da arquitetura do cotidiano.


119

prestação de serviços que são conectadas por uma escada metálica que interliga o
piso térreo ao superior.

Figura 60 - Zoneamento volumétrico do edifício Container Mall.

Figura 63 - Container Mall.Figura 64 - Zoneamento volumétrico do edifício Container


Mall.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Foram utilizadas 20 caixas de 2,50 m x 6 m x 2,35 m de altura, que foram


solidarizadas, formando dez módulos duplos de 5 m x 6 m, com total de 30
m² de área em cada módulo. O arquiteto posicionou cinco no térreo,
destinadas a lojas comerciais, e cinco no primeiro pavimento. Uma loja
destinada à alimentação, ao lado da escada, foi formada por dois desses
módulos, um inferior e outro superior. (SAYECH, 2013, p.50).

O aspecto cotidiano do empreendimento reside na destinação de espaços que


atraem diferentes públicos no térreo. A altura da própria edificação considera a escala
humana, tornando-a atrativa para os clientes, ao mesmo tempo que se integra à
paisagem urbana e à vegetação de seu entorno (Figura 61). O uso de containers foi
um caminho adotado por Moita que visa a rapidez na instalação, tendo em vista que
as próprias chapas metálicas delimitam os ambientes. O projeto também prevê
espaços verdes que circundam a obra, a presença de bicicletários e a manutenção de
árvores nativas (mangueiras).
120

Figura 61 - Container Mall.

Figura 65 - Presença de paisagismo.Figura 66 - Container Mall.

Fonte: Street View Google Maps, 2021.

5.2.3.2 Facilitação da percepção do espaço pela pessoa

A ideia arquitetônica em torno de espaços que preveem diferenças de nível e


paisagismo (mais e menos expressivo) é comum a todos os oito projetos
selecionados. Apesar de se situar em diferentes regiões do Brasil, a busca por
espaços de convívio e relações pessoais podem ser encontrados desde os corredores
largos presentes tanto na área externa quanto interna das edificações, como o caso
do edifício Corujas. O uso de mezaninos, que geram vazios internos, como o caso do
Box 298, e do Adelaide Prévidi também influenciam na facilitação da percepção das
pessoas.
O emprego da proposta paisagística mais evidente é uma marca desses
projetos selecionados. O Container Mall, com sua volumetria “cautelosa” na paisagem
é “abraçado” pela vegetação abundante, típica do Norte do país, que se integra à obra
e cria um microclima local para os presentes dentro do espaço comercial. Outra
maneira de se gerar essa valorização do paisagismo foi encontrado no Harmonia 57
que possui uma proposta de camada vegetal nas paredes e uma rede de drenagem
de água das chuvas que é tratada e reutilizada para abastecer o prédio e manter viva
as diferentes plantas que garante, literalmente, harmonia ao conjunto da obra e facilita
a apreensão humana de suas estruturas vegetais e tubulares aparentes (Figura 62).
121

Figura 62 - Estrutura vegetal e tubular do Harmonia 57.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-16694/harmonia-57-triptyque, 2021.

Outro recurso bastante comum é a previsão de ambientes em áreas comuns


que consideram a instalação de mobiliários unido ao paisagismo, como o Centro
Comercial Avenida e o Comercial Novo Jardim, com a presença de uma vegetação
mais evidente (Figura 63).

Figura 63 - Presença de paisagismo.

Figura 67 - Espaços Entre encontrados nos projetos selecionados.Figura 68 - Presença


de paisagismo.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.


122

Pequenas praças internas também podem ser ótimas soluções, visando


promover interação entre as pessoas, como foi observado no Harmonia 57, Corujas e
o Container Mall. Em meio a esse trabalho paisagístico os espaços Entre, como
referenciados por Tschumi (1996), os corredores, as próprias escadas como destinos
de facilitação das relações interpessoais, foram espaços bastante explorados nos oito
modelos selecionados (Figura 64).

Figura 64 - Espaços Entre encontrados nos projetos selecionados.

Figura 69 - Espaços Entre encontrados nos projetos selecionados.

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2021.

Localizado em São Paulo, na Vila Madalena, o comercial Une 47, que se


encontra na rua Natingui, foi projetado pelo escritório Gui Mattos Arquitetura, em 2016.
É marcante o tratamento paisagístico que humaniza o ambiente construído, além da

47
O edifício Une atendeu a 7 características da arquitetura do cotidiano.
123

presença de passarelas que interligam os dois blocos de salas comerciais. O contraste


entre a cor amarelo vibrante e o cinza do concreto, as diferenças de nível entre cada
andar, com corredores largos e com vista para o átrio central facilita que os usuários
que circulam dentro do prédio possam perceber a dimensão espacial, tectônica e
paisagística que caracteriza a obra (Figura 65).

O lote profundo e regular, sugere ao partido do projeto uma geometria simples


e concisa. Elevada sobre pilotis, a grande massa projetual é "perfurada" de
forma irregular, possibilitando a criação de um átrio que articula todos os
sistemas de circulação e a obtenção de uma segunda fonte de iluminação e
ventilação, para as unidades comerciais. (GUI MATTOS ARQUITETURA,
2019, p. 03).

Figura 65 - Diferentes vistas que ensejam contribuir com a percepção dos usuários.

Fonte¹: https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/guimattos_/edificio-comercial-une/3566,
2020. Fonte²: Produzido pelo próprio autor, 2021.
124

A presença do vazio condiciona o Evento, à medida que permite que os


usuários se apropriem, possibilitando aventuras existenciais. A diferença de nível
como maneira de chamar a atenção das pessoas foi objeto de estudo de Adolf Loos
que aplicou o Raumplan (conexão tridimensional entre diferentes espaços) em obras
como a Villa Müller (construída em 1930) e que são hoje uma das grandes
características das construções contemporâneas de destaque, inclusive, para aquelas
que se apoiam na espacialização do cotidiano.

5.3 REFLEXÃO SOBRE AS ANÁLISES

A partir da análise desses oito projetos, percebe-se que as manifestações do


cotidiano podem aparecer de diferentes maneiras na arquitetura comercial.
Historicamente, o edifício de uso misto foi se desenvolvendo com base no advento
das galerias comercias que possuíam uma estrutura formal mais próxima das ruas,
com alturas mais brandas e relação com a morfologia e o cotidiano das pessoas, mais
evidente. Essas características puderam ser observadas na maioria das propostas
desse capítulo. A inserção no contexto urbanístico leva em conta a forma como a obra
aparece na paisagem edificada.
O contexto é um fator determinante nas estratégias adotadas pelas formas
arquitetônicas, esse elemento deve ser levado em conta pelos escritórios de
arquitetura na atualidade. A arquitetura contemporânea é caracterizada por
construções que observam os condicionantes ambientais e legais, influências culturais
da região, a alturas dos edifícios que permeiam a área de implantação e, acima de
tudo, a pessoas que fazem parte daquele dia a dia. Essa maneira de compreender a
relação do edifício com a cidade é uma tendência que considera a importância da
cidade salubre composta por projetos pensados a partir de diretrizes urbanísticas e
paisagísticas.
No conjunto dos oito edifícios selecionados ainda havia alguns que foram
considerados um marco na paisagem, como o Une, Box 298 e o Centro Comercial
Avenida, que aparecem de uma maneira muito característica em São Paulo e em
Natal. Apesar do cotidiano da pesquisa almejar ser mais discreto na cidade, ainda
assim, foram propostas arquitetônicas que expressaram de maneira muito positiva as
125

características da arquitetura do cotidiano, o que mostra que esse debate não deve
ser interpretado como uma regra absoluta para todos os edifícios, sendo necessário
estudar caso a caso para compreender seu impacto visual no entorno. As propostas
possuem elementos arquitetônicos que dialogam com o meio externo, como as
próprias varandas, o paisagismo e o programa arquitetônico concebido que valoriza o
pavimento térreo e a calçada, o que pode tornar a ideia de “marco” como benéfico, se
observado outros elementos importantes da arquitetura do cotidiano.
A estrutura e a materialidade também influenciam no cotidiano. Não fica ainda
muito claro o quanto a estrutura contribui com a percepção e consequente apreensão
das pessoas, mas fica evidente que os materiais aplicados e previstos em obra, por
meio da luz e da textura podem chamar a atenção de transeuntes de dentro e de fora
do prédio. A estrutura aparente é um recurso utilizado que, além de contribuir com a
eficácia da construção, pode também ganhar uma dimensão plástica, que enfatiza o
saber-fazer.
Ao longo do levantamento e reflexão sobre os métodos de análise formal de
projetos, percebeu-se que os autores tratam desse tema, retratando o sistema
estrutural empregado e os materiais mais comuns de um dado objeto arquitetônico.
Essa maneira de enxergar esse tema foi empregada nos resultados dessa pesquisa
para retratar as técnicas mais evidentes (aspectos tectônicos).
O concreto armado foi o mais encontrado e isso retrata o quanto o Brasil é
influenciado, desde o início do século XX, por esse sistema portante. Apesar disso,
também houve casos com sistema misto (concreto e metal) nas soluções de projeto,
como o edifício Corujas. Curioso pensar que a madeira não foi empregada em nenhum
dos oito projetos, sendo atualmente utilizada em obras de médio a grande porte, tais
como The Tree, situado na Noruega que, com 14 andares, é considerado o prédio
mais alto em madeira no mundo e o T3 Minneapolis, planejado pelo escritório Michael
Green Architecture, em 2016, sendo uma proposta edílica de escritório com usos
semelhantes com os encontrados nos resultados finais desta pesquisa.
Neste país de medidas continentais com grandes áreas de floresta, cabe refletir
sobre a sua pouca prestabilidade na realidade contemporânea nacional, tendo em
vista que a questão mais importante é a maneira como esse material é aplicado, visto
que sua exploração de forma consciente e derivada de áreas de reflorestamento é um
ponto positivo ecologicamente, pois é renovável (REBELLO, 2007).
126

Nos últimos anos, o bioconcreto foi descoberto por pesquisadores da University


of Technology (TU Delft). O material se auto regenera e pode ser um caminho viável
para futuras construções no Brasil, ao invés de seguir com o uso tradicional desta
matéria-prima. O país, que já foi referência na utilização inovadora do concreto, não
se atentou para novas maneiras de tratar o próprio material em meio aos avanços
tecnológicos globais, sendo um ponto de inflexão ainda não solucionado.
A relação do térreo com a calçada também vem sendo um importante caminho
adotado para se dialogar mais com a cidade e seu entorno. A utilização de desenho
de piso da calçada semelhante ao empregado no pavimento térreo, com recuos
valorosos que tornam o usuário protagonista do espaço público, são importantes
estratégias hoje adotadas em países referência na produção contemporânea, como o
caso da Ópera de Oslo (Noruega) que cria um “tapete” que interliga os espaços livres
compartilhados à edificação.
A previsão de diferentes usos, principalmente no caso de empreendimentos
mistos, é um meio que atrai diferentes públicos, com diferentes condições
socioeconômicas para dentro da obra, e foi adotado nos exemplares selecionados a
partir das lojas com diferentes atribuições que atendem uma diversidade de pessoas.
Prever espaços de cafés e restaurantes são maneiras eficazes de gerar a convivência
no cotidiano das pessoas que frequentemente vivem o espaço edificado e seu entorno
imediato.
As críticas a arquitetura moderna e o desejo de explorar os sentidos no design,
como é enfatizado por Farias (2019), reflete na relação térreo-calçado o uso de
fachadas ativas, espaços livres compartilhados como um recurso viável e adotado em
alguns dos oito modelos selecionados. Colocar a escala do usuário como motivador
para gerar o espaço cotidiano, garantindo em certa medida uma função social e
cultural da arquitetura no meio urbano foi encontrado nos projetos selecionados como
maneira de gerar o cotidiano.
As varandas conjugadas com as janelas, referenciadas em tantas canções
brasileiras, como “Varandas” de Almir Sater e “Paisagem da Janela” de Beto Guedes,
são aberturas que além de contribuir com a ventilação cruzada, são adotadas
principalmente em obras verticais como meios de se promover o espaço cotidiano.
Seu uso em edifícios mistos (uso comercial e de serviço) não é tão comum, mas vem
sendo adotado como maneira de chamar atenção para a cidade e àqueles que
caminham nas imediações, afastando de conjuntos monumentais de cunho vertical
127

repletos de janelas de vidro que parecem se fechar para o meio externo. Além dessa
série de funções, garantir fachadas com desenhos diversificados promovem um
caráter dinâmico e plástico na volumetria.
A arquitetura contemporânea, movida por seu contexto, não possui como
finalidade principal o aspecto formal nos moldes pensados do ideário moderno, mas
sim, é formulada a partir de desejos de responder às condições do entorno imediato,
sendo o desenho de vazios que remete às varandas uma maneira específica de se
garantir diversidade plástica e funcional ao edifício, seguindo diretrizes teóricas
propostas por autores como Gehl (2013) e Jacobs (2009). Entretanto, é importante
ser justo ao considerar que a diversidade de ideias de varandas foi resgatada pelo
modernismo, a partir do ideário corbusiano48 das “janelas em fita” que, assim como as
varandas, contribuem com a aproximação do interior para o exterior, influenciando as
propostas contemporâneas também, segundo Lange (2017).
O programa arquitetônico, como referenciado por Santa Cecília (2018) a partir
do termo desprogramação, gera o Evento. Prever os diferentes usos de um edifício e
as eventuais mudanças que podem ser ocasionadas por mudanças propostas pelo
proprietário do empreendimento ou mesmo alterações de configuração de espaços é
uma característica que aponta para o cotidiano. O exemplar utilizado, Container Mall,
traduz bem essas eventuais ocasiões, tendo o arquiteto responsável pensado no
emprego de containers para ampliações ou reduções de usos. Pensar nessas
variações do espaço dialoga com o sistema estrutural proposto e também com a
previsão de barreiras contingentes (divisões internas) que podem ser desenvolvidas
no projeto a partir de painéis de metal/madeira móveis, alvenaria convencional, dentre
outros.
Nesse quesito, cabe aos profissionais envolvidos desenvolver estratégias
formais que considerem essas mudanças ao longo dos anos, assim como a
compreensão dos desejos do cliente, ou seja, a função simbólica da arquitetura, que
traduz as expectativas das pessoas envolvidas diretamente ou indiretamente na
proposta construtiva.
Por fim, a facilitação da percepção do usuário é caracterizada pelas diferenças
de nível e pelo projeto paisagístico previsto. Considerar o mezanino, as rampas, os

48 O ideário corbusiano refere-se às bases da arquitetura moderna proposta por Le Corbusier


(pseudônimo de Charles-Edouard Jeanneret-Gris) que considerava cinco pontos: (1) Planta Livre; (2)
Fachada Livre; (3) Janela em Fita; (4) Terraço Jardim; (5) Pilotis.
128

corredores externos como espaços de contemplação é um meio de atrair o olhar


humano para o vazio. Existem também inúmeros benefícios do paisagismo em um
projeto, tais como o relaxamento mental, sensação de bem-estar, dentre outras
questões que facilitam a apreensão dos usuários perante a vegetação proposta em
uma obra. O préstimo do espaço ao olhar humano, é estudado por pesquisadores da
psicologia ambiental, com o desenvolvimento de metodologias de estudo que avaliam
as diferentes maneiras de apreensão do ambiente construído pelo indivíduo.
Existem, hoje, centros que pesquisam, por exemplo, a estreita compatibilidade
entre a neurociência e a arquitetura, como na Washington State University, com
trabalhos coordenados por Mona Ghandi, que avaliam os impactos do uso de
tecnologias computacionais na produção arquitetônica e seus efeitos no
comportamento dos usuários e consequente estado emocional.
Nessa subcategoria, facilitação da percepção do espaço pela pessoa, foi
mantida a interpretação do pesquisador, considerando o tempo para conclusão desse
trabalho, que poderia ficar inviável se necessitasse passar por exercícios de análise
qualitativa que envolvesse terceiros, entretanto é um caminho que será realizado em
futuras pesquisas. Estudos que visem verificar os diferentes estados de percepção e
consequentemente apreensão do ambiente construído pode ser feito a partir de
diferentes metodologias que envolvam análise pós-ocupação, com entrevista com os
reais usuários dos empreendimentos ou mesmo com fotografias que mostram
realidades diferentes dentro do projeto, envolvendo paisagismo, diferenças de nível e
afins, para análise a partir do olhar de arquitetos terceiros.
Espera-se que a matriz metodológica aplicada e os projetos apresentados
neste capítulo possam servir de sugestão para arquitetos e estudantes de arquitetura
desenvolverem modelos de edifícios mistos (uso comercial e de serviço) que sejam
pensados a partir do cotidiano. É uma maneira da arquitetura comercial poder
responder de forma mais adequada aos condicionantes do entorno que, apesar de
não ser de uso público, pode ser realizado pensando no dia a dia e bem-estar das
pessoas.
Diante de todos esses pontos citados e analisados na pesquisa, é de se
considerar que o atual momento de pandemia do novo coronavírus (COVID – 19) torna
a vida cotidiana nos espaços públicos alterada e até mesmo impossibilitada. As
relações pessoais vêm sendo mais desenvolvidas no habitar das residências e
apartamentos, evidenciando uma série de questões relativas à qualidade desses
129

ambientes que, por vezes, possuem espaços subutilizados, com problemas de


ventilação e mesmo de humanização. Pensar a materialização do cotidiano para a
arquitetura é apontar para uma tendência mundial que é construir pensando na
qualidade de vida daquelas pessoas que vivenciam um determinado dia a dia.
As inúmeras crises sanitárias que a humanidade vivenciou ao longo dos
séculos, tais como a peste bubônica (peste negra) que ceifou milhões de pessoas na
idade média fizeram com que se repensassem os modelos de cidade e a arquitetura,
desafiando urbanistas e arquitetos a propor projetos que amenizassem novas
possibilidades de expansão de doenças altamente transmissíveis. Com a atual
condição imposta pela COVID -19, e a possibilidade de uma imensa logística de
vacinação em massa, questiona-se: como os arquitetos poderão contribuir com novas
obras pensadas a partir da vida banal das pessoas nos edifícios? A arquitetura do
cotidiano pode gerar uma resposta a essas questões, visto que aponta para um projeto
pensado sob a ótica das pessoas e da vida diária daqueles que vivenciam o espaço
construído.

5.4 ESPACIALIZAÇÃO DO COTIDIANO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO

No resultado da pesquisa foram coletados para análise comparativa, de caráter


qualitativo, cerca de oito projetos que responderam pelo menos a cinco dentre as dez
características da arquitetura do cotidiano. A maioria desses projetos se encontra em
São Paulo, com perfis de obras que variam entre três a nove andares, com algumas
exceções, situados em áreas urbanas com contextos distintos. Existe uma ideia
arquitetônica comum de cotidiano nessas propostas que são concebidas a partir de
diferentes estratégias da forma arquitetônica. Os critérios para escolha desses
projetos foram a partir da localização geográfica (considerando a dimensão geográfica
que a pesquisa abarca), os diferentes escritórios envolvidos e resposta às dez
características da arquitetura do cotidiano. A partir dessa postura, foram listados os
seguintes projetos para os resultados finais: Harmonia 57 (Triptyque Architecture),
Corujas (FGMF), Box 298 (Andrade Morettin Arquitetura), Centro Comercial Avenida
(Henrique Ramos), Adelaide Prévidi Corporate (Tagir Fattori Arquitetura), Comercial
Novo Jardim (Elementar Arquitetura), Container Mall (Roberto Moita Arquitetos) e o
Une (Gui Mattos Arquitetura).
130

A análise das oito propostas edílicas de maneira qualitativa mostrou


características formais que apontam para o cotidiano, tais como a inserção na
paisagem observados no Harmonia 57 e no edifício Corujas e as relações que podem
ser estabelecidas com o contexto da capital paulistana e o bairro boêmio da Vila
Madalena. Outras propostas, como a do arquiteto Henrique Ramos, trazem um
importante debate sobre as diferentes maneiras de tratamento ofertado ao térreo, com
desenhos de piso que tornam o caminhar das pessoas potencialmente agradável
diante das praças internas com a vegetação ladeada de mobiliários fixos que tornam
o térreo um espaço de convivência.
O Comercial Novo Jardim também respondeu de maneira positiva às questões
relativas aos desenhos de varandas (e mesmo de mirantes e sacadas) que conduz o
olhar humano para o entorno, aproximando o debate teórico proposto por Jacobs, que
permite novas vistas para a cidade, gerando sensações de segurança para quem
circula pelas calçadas. O programa arquitetônico idealizado no Container Mall é um
exemplar que também traduz o edifício misto no entorno urbano, com a presença de
estacionamentos, lojas e escritórios que não se limita ao uso proposto em si, pois
geram-se dentro do programa espaços de circulação e permanência que possibilitam
diferentes maneiras de apropriação dos usuários dentro do edifício. A facilitação da
percepção pelo usuário no projeto também pode ser observada no Une, tratando de
espaços tridimensionais e paisagismo que conduz o debate sobre o Raumplan e a
humanização do ambiente construído com a presença do paisagismo evidenciado de
maneira mais clara na maioria dos projetos selecionados. Essas características, fruto
da relação entre as estratégias da forma arquitetônica empregada pelos escritórios de
arquitetura com o cotidiano, são caminhos viáveis para se valorizar a escala das
pessoas, e o dia a dia dos funcionários e clientes que usufruem dessas obras.
Entretanto, ainda é necessário se fazer alguns questionamentos, a partir do
estudo desenvolvido nesta pesquisa. Quais as razões que levam às revistas
privilegiarem edifícios produzidos somente no sudeste? Em que medida a tectônica
influencia na arquitetura do cotidiano? Em que medida o paisagismo e o espaço
tridimensional facilitam a percepção humana? Quais as configurações de térreo que
melhor respondem ao diálogo do edifício com a cidade? Existem outros inúmeros
questionamentos que podem ser feitos, e que apontam para as características da
arquitetura do cotidiano em edifícios mistos no Brasil.
131

Com a atual circunstância de pandemia da SARS – CoV 2 (coronavírus), os


espaços de convivência social (tanto públicos como privados) que geram o cotidiano
estão sob cuidados para que o coronavírus não venha a atingir ainda mais a
sociedade, sendo um desafio para os arquitetos responder à novas maneiras de gerar
arquitetura como resposta a falta de qualidade do ambiente construído que a
pandemia desnudou.
132

6 UM CAMINHO DE POSSIBILIDADES

A pesquisa buscou compreender em que medida a espacialização do cotidiano


como vertente da arquitetura se materializa em edifícios de uso misto (presença de
comércio e de serviço) no Brasil contemporâneo. Para atender às expectativas do
trabalho, foram desenvolvidos três objetivos: (1) compreender o conceito de cotidiano
no contexto da produção arquitetônica atual; (2) refletir sobre métodos de análise
gráfica de projetos de arquitetura que identifiquem aspectos formais do edifício misto
e sua aproximação com o cotidiano e (3) caracterizar ideias arquitetônicas de projetos
de edifícios mistos, que reflitam o conceito de cotidiano.
Naturalmente, o cotidiano neste tipo de projeto assume características
específicas e pouco estudadas, o que revela um aspecto relevante desta investigação.
A arquitetura do cotidiano foi objeto de discussão levantada por Berke (1997) e reuniu
uma série de pesquisadores que tratam do tema no espaço urbano e arquitetônico. A
própria autora não deixa claro como identificar uma arquitetura do cotidiano, mas deixa
indicativos para melhor compreender o assunto. Nesse sentido, buscou-se
compreender e delimitar o cotidiano através deste estudo.
O cotidiano é aqui estudado como fruto de estratégias da forma arquitetônica
utilizadas e propostas pelos escritórios de arquitetura que visem a promoção dos
elementos Entre, Espaço e Evento debatidos por Bernard Tschumi, a fim de
possibilitar a função social e cultural do edifício, facilitando a experiênciação humana
nos edifícios mistos (uso comercial e de serviço). Essas ideias arquitetônicas
materializam vãos no térreo que remetem às praças públicas, varandas que
direcionam o olhar humano à cidade e, estruturas que não se resumem apenas à
sustentação edílica, possuindo valor plástico também.
Desse modo, entende-se que é um tema fluido e desafiador ao ser aplicado à
análise de edifícios mistos situados em diferentes regiões do Brasil. Entretanto, o que
une essas propostas é a ideia arquitetônica que promove a espacialização do
cotidiano, objeto amplamente debatido por esta pesquisa. Mesmo localizados em
estados diferentes do país, com realidades geográficas e socioeconômicas distintas,
a amostra selecionada possuía características comuns que possibilita o Evento, a
desprogramação arquitetônica e a facilitação da percepção das pessoas em relação
às diferenças de nível e o espaço tridimensional, e as diferentes propostas estruturais
encontradas.
133

A reflexão sobre esse tema pode se associar a produção de bibliotecas, escolas


e quadras esportivas que tem por intuito promover um diálogo com a comunidade
onde se insere ou mesmo refletir sobre a apropriação de grupos sociais ativos na
sociedade para valorizar um determinado lugar (construído ou não). No entanto, foi
traçada uma investigação a partir da análise de material técnico / fotográfico e textual
que auxiliasse o debate sobre o cotidiano, recorte esse que não contemplou a questão
da ocupação de espaços por grupos mais vulneráveis que reivindicam seu lugar na
sociedade.
Destarte, o empreendimento comercial de uso misto é um exemplar que pode
trazer importantes contribuições para o entorno e bem-estar para os usuários
utilizadores do espaço da obra. O edifício misto (uso comercial e de serviço), se
produzido considerando a função social, a cultural e até mesmo a simbólica, dentro
de seu contexto, traz à tona a espacialização do cotidiano. É importante, todavia, fazer
ressalvas quanto a função social, já que a pesquisa não prevê a visita em campo
(análise pós-ocupação), não podem socializar a maneira como as pessoas de
diferentes condições sociais são tratadas dentro do empreendimento, tendo em vista
a possibilidade de ocorrência de situações de constrangimento e de exclusão, que
não são considerados na metodologia desta pesquisa, podendo ser contemplados em
trabalhos posteriores.
A partir das reflexões propostas, percebe-se que a produção nacional possui
exemplares que podem ser associados e analisados sob a ótica do cotidiano. A busca
por princípios formais materializados nos edifícios mistos (uso comercial e de serviço)
tem o intuito de responder em que medida o cotidiano, como uma tendência
contemporânea, que considera a escala humana como protagonista do espaço, pode
ser observado nesses empreendimentos no Brasil, a partir do século XXI. Por essa
razão, o objetivo geral da pesquisa foi analisar projetos arquitetônicos de uso misto
(comércio e serviço) produzidos na contemporaneidade (entre os anos 2000 e 2019),
no Brasil, que refletem aspectos do cotidiano.
A metodologia empregada respondeu de maneira positiva aos objetivos
propostos. Foi possível observar que algumas das obras selecionadas responderam
melhor do que outras aos critérios aqui estabelecidos, considerando a importância
concedida a facilitação da experienciação humana na arquitetura através dos
elementos arquitetônicos. Para chegar a tais conclusões, foi necessário elencar dez
características da arquitetura do cotidiano materializadas nos projetos. Esse caminho
134

adotado busca unir o debate teórico / conceitual de cotidiano com a análise de projeto
arquitetônico, sendo uma maneira utilizada para selecionar as obras que melhor
respondem ao cotidiano analisado na pesquisa.
A seleção de edifícios mistos foi realizada em periódicos técnicos
especializados de arquitetura (PROJETOdesign, Galeria da Arquitetura, ArchDaily,
AU e PROJETAR), entre os anos 2000 e 2019, que propiciou um sucinto panorama
nacional, dentro das limitações das publicações das revistas selecionadas. O
empenho em pesquisar nesses periódicos se deu, resumidamente, pela facilidade de
acesso às publicações, pela constatação de um volume de material passível de
viabilizar a pesquisa. Entretanto, ainda algumas dificuldades foram encontradas ao
longo da seleção das obras pela falta de material técnico adequado e pela dificuldade
de compreensão do programa arquitetônico existente.
A construção da matriz metodológica, que direcionou a base analítica, também
passou por uma série de filtros. A correlação entre os métodos de análise de projetos
com o cotidiano foi um desafio de leitura e reflexão que associou os autores que lidam
com a análise de projetos (Baker, 1984; Ching, 1998; Clark e Pause, 1983; Unwin,
2003; Leupen, 1999; e, Radford; Morkoç; Srivastava, 2014) e a interpretação do
pesquisador sobre aspectos cotidianos da arquitetura informados por Berke (1997,
2013) e Hertzberger (2015), a fim de conduzir um olhar próprio para a pesquisa. A
inserção das estratégias da forma arquitetônica do edifício misto dentro da construção
da matriz possibilitou, também, ao final, uma maior clareza sobre quais elementos
arquitetônicos deveriam ser observados nesses projetos.
A matriz metodológica final é composta por três macro categorias, possuindo
duas subcategorias cada: (1) Aspectos Gerais da Forma: (1.1) Inserção no Contexto
urbanístico e (1.2) Estrutura e Materialidade; (2) Aspectos Específicos da Forma: (2.1)
Relação térreo-calçada e (2.2) Varandas; e (3) Aspectos Estratégicos de Projeto na
Forma: (3.1) Programa Arquitetônico; (3.2) Facilitação da percepção do espaço pela
pessoa.
Foram percebidas dificuldades quanto à subcategoria Estrutura e
Materialidade, porque trata dos materiais aplicados nas obras, sendo o ordinário
pouco encontrado nos exemplares. A subcategoria Relação Térreo-Calçada também
gerou dissensão devido à dificuldade em informar, de uma maneira mais precisa, o
fluxo no térreo. Contudo, tendo em vista que foi previsto estudos em cima de desenhos
técnicos, fotografias e textos informativos nas revistas, conclui-se que foi adequada a
135

maneira de discutir os projetos selecionados.


A maioria das publicações mostram realidades do Sudeste, com pouca atenção
para o Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Entretanto, foi possível encontrar edifícios que
materializam o cotidiano situado nessas regiões na AU e PROJETAR, com o
Container Mall e o Centro Comercial Avenida, respectivamente. As obras
contempladas para análise não devem ser vistas como modelos, e sim como
representações de projetos que corresponderam às características de uma arquitetura
do cotidiano na realidade brasileira, que, por sinal, revela desigualdades e
segregações socioespaciais.
Para cumprir as metas de caracterizar o edifício misto, foi necessário o
emprego de uma abordagem quantitativa e qualitativa, a partir da estratégia
transformadora sequencial. A primeira, foi aplicada à medida que foram feitas as
seleções dos modelos em periódicos técnicos de arquitetura, considerando o ano de
construção das obras, a disponibilidade de material técnico, fotográfico e textual que,
ao final, foram escolhidos com base também na aplicação das dez características da
arquitetura do cotidiano. Com a seleção final realizada foi possível fazer uma análise
qualitativa de oito exemplares com base na matriz metodológica construída.
A fim de atender às expectativas de um projeto científico foi importante seguir
as etapas de pesquisa: preparação da pesquisa, fases da pesquisa, execução e
relatório de pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 2003). Para que essas etapas fossem
cumpridas de maneira satisfatória, em meio ao contexto de isolamento social causado
pela pandemia de SARS – CoV 2 (coronavírus), fez-se necessário um levantamento
de projetos exclusivamente pelos periódicos técnicos, não havendo a possibilidade de
visita em campo (apesar de não ser o intuito do trabalho), o que fez perceber a
importância do desenvolvimento de análises formais de edifícios por material técnico
/ fotográfico de maneira adequada para responder aos objetivos da pesquisa.
Ao longo do desenvolvimento do trabalho foram feitas alegações do
conhecimento para compreender melhor o debate teórico sobre o cotidiano na
arquitetura contemporânea. Como há poucos estudos referentes ao tema, foi
necessária a construção de um levantamento panorâmico, do tipo exploratório que
culminou na descrição do trabalho realizado, inicialmente, com a exposição de
vertentes contemporâneas, desde os usos de recursos digitais, influências do debate
ambiental, o urbanismo informal, até a apreciação de uma arquitetura que valoriza
cada vez mais as pessoas e a própria cidade. Em seguida, é direcionada a abordagem
136

escrita para as influências do cotidiano na arquitetura, especificamente ao debatido


na pesquisa, que culmina nas dez características da arquitetura do cotidiano e nas
posteriores seleções do universo de estudo e análise a partir da matriz metodológica
de oito exemplares escolhidos com base nos critérios de localização geográfica,
atendimento ao maior número de características da arquitetura do cotidiano e os
diferentes escritórios envolvidos nesses projetos.
A representação gráfica como mecanismo para enfatizar determinados
aspectos discutidos no corpo do texto foi essencial para a viabilidade das análises
realizadas, além de dialogar com os autores de métodos de análise formal. O uso
dessas ferramentas faz referência também com debates contemporâneos idealizados
por Montaner (2017) sobre o diagrama como meio de expressar estratégias de projeto
e, no caso desta dissertação, de informar relações espaciais do cotidiano na forma
arquitetônica.
Espera-se que novos estudos sejam realizados e aprofundados no campo
abordado por este projeto, que considerem também a análise pós ocupação para
evidenciar, de forma mais clara, a influência que as obras podem exercer sobre a
vitalidade urbana. Deseja-se também que novas investigações possam aprofundar a
discussão teórica sobre a tectônica na qualidade espacial, os potenciais de percepção
e apreensão humana e sua relação com o cotidiano, inclusive, por meio de recursos
digitais que possam proporcionar novos olhares sobre a maneira de perceber o
cotidiano.
Cabe salientar que a expressão cotidiana da arquitetura pode ser evidenciada
em outros países, não apenas em construções realizadas no Brasil. Sendo assim, a
estratégia metodológica de seleção de obras por meio de periódicos técnicos (revistas
especializadas), com base em critérios, consegue ser ampliada para outras nações.
Estudos na América Latina, por exemplo, produziriam dados qualitativos e
quantitativos que ampliam o panorama de novas estratégias contemporâneas da
forma arquitetônica nas Américas, e possíveis comparações, inclusive, entre países
situados em outros continentes.
Esta pesquisa mostrou que é possível analisar o cotidiano a partir de uma
metodologia de pesquisa bem definida, considerando os limites que o material
disponibilizado nas revistas proporciona. A reflexão teórica construída ao longo desta
dissertação é apenas um passo, em meio a tantas outras possibilidades de
investigação, que relaciona a teoria e o projeto, havendo a necessidade de aprofundar
137

cada vez mais esses temas frente à arquitetura produzida nos últimos anos e as
recentes produções bibliográficas aqui ressaltadas e que conduzem novos olhares
para a contemporaneidade.
138

REFERÊNCIAS

ADELAIDE PRÉVIDI CORPORATE / TAGIR FATTORI ARQUITETURA + STA


[Adelaide Prévidi Corporate / Tagir Fattori Arquitetura + STA], 2017. ArchDaily
Basil. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/885213/adelaide-previdi-
corporate-tagir-fattori-arquitetura-plus-sta. Acesso em: 22 jan. 2021.

ALEIXO, C.A.P. Edifícios e Galerias Comerciais: Arquitetura e Comércio na cidade


de São Paulo, anos 50 e 60. 268 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade Federal de São
Paulo, São Paulo, 2005.
AMARAL, I. Quase tudo que você queria saber sobre tectônica, mas tinha vergonha
de perguntar. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da FAUUSP, v. 26, p. 148-167, 2010.
Andrade Morettin Arquitetos. Disponível em: https://www.andrademorettin.com.br/.
Acesso em: 10 de jun. 2020.
ANDREIS, A. M.. Conceitos fundamentais nos processos de aprender Geografia.
REVISTA GEOGRAFICA DE AMERICA CENTRAL (IMPRESSO), v. especial, p. 01-
15, 2011.
ANTONUCCI, D. ; BUENO, L. A construção do espaço público em Medellín: Quinze
anos de experiência em políticas, planos e projetos integrados. Arquitextos, São
Paulo, v. 218, 2018, 14 p.
ARAUJO, A. L.; CELANI, G. Interpretações Arquitetônicas dos Autômatos Celulares.
conceitos e aplicações recentes. CADERNOS DO PROARQ (UFRJ), v. 29, p. 154-
174, 2017.
ARCHDAILY. ArchDaily Brasil. S. /.: Archdaily 2020. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br. Acesso em: 15 jul. 2019.
ARCHDAILY. ArchDaily Brasil. S. /.: Achdaily, 2020. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/623136/edificio-box-298-slash-andrade-morettin-
arquitetos-associados. Acesso em: 15 jul. 2020.
ARCHDAILY. ArchDaily Brasil. S. /.: Achdaily, 2020. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/885213/adelaide-previdi-corporate-tagir-fattori-
arquitetura-plus-sta. Acesso em: 15 jun. 2020.
AU. Revista AU. Disponível em: Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de
Melo Tinôco – DARQ - CT. Acesso em: 20 ago.2019.
BAKER, G. H. Le Corbusier: uma análise da forma. São Paulo: Martins Fontes,
1984. 399 p.
BARREDO, H. E.; LASSANCE, G. Análise gráfica, uma questão de síntese. A
hermenêutica no ateliê de projeto. Arquitextos, São Paulo, v. 133, 2011, 9 p.
139

BELTRAMIN, R. M. G. Caracterização e sistematização de quatro modelos de


análise gráfica: Clark-Pause, Ching, Baker e Unwin. 148 f. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, São
Paulo, 2015.
BERKE, D. Thoughts on the Everyday. In: HARRIS, S.; BERKER, D. (Org.).
Architecture of the Everyday. Nova York: Princeton Architectural Press, 1997, p.
222-26.
BERKE, D. Pensamentos sobre o Cotidiano. In: SYKES, K. (Org.). O campo
ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993 – 2009. Nova Iorque: Universidade
de Princeton, 2013. p. 58 – 63.
BISELLI, M.; LIMA, Ana Gabriela Godinho . Estratégias Contemporâneas de Projeto
na Cidade de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, v. 18, 2018, 8 p.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso
em: 19 jul. 2020.
BRICEÑO – ÁVILA, M. Paisaje urbano y espacio público como expresión de la
vidade cotidiana. Revista de Arquitectura, Bogotá, v. 20, p. 1 – 13, 2018.
CABRAL, C. P. C. Tipologias comerciais em Porto Alegre: da rua comercial ao
shopping center. 194 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS, Porto Alegr, 1996.
CARTA DO NOVO URBANISMO. Congresso para o novo urbanismo. In: SYKES, K.
(org.). O campo ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993 – 2009. Nova
Iorque: Universidade de Princeton, 2013, p. 52 – 57.
CARVALHO, N. M.; DUARTE, R. Arquitetura e luz na complex-cidade
contemporânea: estudo de projetações recentes sob a teoria de Robert Venturi.
OCULUM ENSAIOS Campinas, v. 1. jan./jun., p. 18 -29, 2012.
CAU. CAU/RN. S. /.: Cau, 2020. Disponível em: https://www.caurn.gov.br/?p=5916.
Acesso em: 15 jun. 2020.

CELANI, M. G. C. Uma nova era para a arquitetura. In: CELANI, M. G. C.; SEDREZ,
M. (Org.). Arquitetura contemporânea e a automação prática e reflexão. São
Paulo: ProBooks, 2018. p. 17 - 20.
CHING, F. D. K. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 1998. 399 p.
CLARK, R. H.; PAUSE, M. Arquitectura: temas de composición. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 1983. 306 p.
CRESWELL, J.W. Projeto de Pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e
misto. São Paulo: SAGE, 2010. 248 p.
EDIFÍCIO CORUJAS / FGMF ARQUITETOS [Corujas Building / FGMF Arquitetos],
2016. ArchDaily Brasil. Disponível em:
140

https://www.archdaily.com.br/br/787289/edificio-corujas-fgmf-arquitetos. Acesso
em: 7 fev. 2021.
MELLO, T. Edifício Box 298, 2014. Galeria da Arquitetura. Disponível em:
https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/andrade-morettin-
arquitetos_/edificio-box-298/1191. Acesso em: 22 jan. 2021.
EDIFÍCIO UNE / GUI MATTOS, 2019. ArchDaily Brasil. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/914830/edificio-une-gui-mattos. Acesso em: 22 jan.
2021.
ELEMENTAR ARQUITETURA, 2013. Elementar Arquitetura. Disponível em:
https://www.elementararquitetura.com/projeto/galeria-novo-jardim. Acesso em: 22
jan. 2021.
FARIAS, F. J. F. Sobre la condición del diseño urbano y arquitectónico: desde el
posmodernismo hasta el siglo XXI. ESTOA - Revista de La Faculdade de
Arquitectura y Urbanismo de La Universidad de Cuenca. Cuenca, v. 8, jun. p. 33
– 42, 2019.
FARINA, M. A.; BARBOSA, R. F. Programa & Evento ou o evento do programa, uma
questão de conceituação. In: IV PROJETAR 2009, 2009, São Paulo. Projeto como
Investigação: Antologia. São Paulo: Alter Market, 2009, 12 p.
FRAMPTON, K. Studies in tectonic culture: The poetics of construction in
nineteenth and twentieth century architecture. John Cava (E.). Cambridge: MIT
Press, 1995, 430 p.
FROMONOT, F. Arquitetura racionalista na velha paisagem. A obra de Glenn
Murcutt. Arquitextos, São Paulo, v. 25, 2002, 5 p.
GAVAZZA, N. A cidade de Jane Jacobs e planejamento urbano. Arquitextos, São
Paulo, v. 137, p. s/p, 2013.
GEHL, J. Cidade para pessoas/ Jan Gehl; tradução Anita Di Marco. 2. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2013, 262 p.
Galeria da Arquitetura. Disponível em: https://www.galeriadaarquitetura.com.br/.
Acesso em: 15 jul. 2019.
GALERIA DA ARQUITETURA. Galeria da Arquitetura. S. /.; Galeria da Arquitetura,
2020. Disponível em:
https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/guimattos_/edificio-comercial-
une/3566. Acesso em: 15 de jun. 2020.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo, 2008. 216 p.
GREGOTTI, V. O exercício do detalhe (1983). In: NESBITT, K. (org). Uma nova
agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965 – 1995). 2. ed. São Paulo:
Cosac Naify, Ver., 2008. p. 535 – 538.
GUEDES, J. Monumentalidade x Cotidiano: a função pública da arquitetura.
Arquitextos, São Paulo, v. 071, 2006, 7 p.
141

HARMONIA 57 / TRIPTYQUE [Harmonia 57 / Triptyque], 2011. ArchDaily Brasil.


Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/01-16694/harmonia-57-triptyque.
Acesso em: 22 jan. 2021.
HERTZBERGER, H. Lições de arquitetura. Tradução: Carlos Eduardo Lima
Machado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2015, 272 p.
HOLANDA, F. Urbanidade: arquitetônica e social. In: Aguiar, D.; Netto, V. M. (Org.).
Urbanidades. Rio de Janeiro: Folio Digital: Letra e Imagem, 2012. p. 163 – 188.
JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 2. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009. 510 p.
JORNAL DA USP. Bienal de Arquitetura de São Paulo destaca o cotidiano.
Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/colunistas/bienal-de-arquitetura-de-sao-
paulo-destaca-o-cotidiano/. Acesso em: 02 fev. 2020.
KERE. Kere Arcitecture. S. /.: Kere, 2020. Disponível em: http://www.kere-
architecture.com/. Acesso em: 20 março. 2020.

LACERDA, M. P. Por uma arquitetura fluida: uma análise entre teoria e prática nas
mediatecas de Toyo Ito. 258 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo),
Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, São Paulo, 2019.
LANGE, M. Coleção de tipologias de varandas brasileiras / Marjorie Lange,
2017. ArchDaily Brasil. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/805724/colecao-de-tipologias-de-varandas-
brasileiras-marjorie-lange. Acesso em: 28 fev. 2021.
LEUPEN, B. et al. Proyecto y análisis: evolución de los princípios en arquitecura.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1999, 224 p.
MAGNOLI, M. M. E. M.. Espaço livre: objeto de trabalho. Paisagem e Ambiente, v.
21, p. 175-198, 2006.
MAHFUZ, E. C. Banalidade ou correção: dois modos de ensinar arquitetura e suas
consequências. Arquitextos, São Paulo, v. 159, 2013, 14 p.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2003, 311 p.
MICHAEL GREEN ARCHITECTURE, 2016. Michael Green Architecture.
Disponível em: http://mg-architecture.ca/work/t3-minneapolis/. Acesso em 28 de fev.
2021.
MONTANER, J. A condição contemporânea da arquitetura. Barcelona: Editora
Gustavo Gili, SL, 2016, 128 p.
MONTANER, J. A modernidade superada: ensaios sobre arquitetura
contemporânea. Barcelona: Editora Gustavo Gili, SL, 2013, 184 p.
MONTANER, J. M. Dos diagramas às experiências, ruma a uma arquitetura de
ação. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2017, 192 p.
142

MOREIRA, S. O que é Raumplan, 2020. ArchDaily Brasil. Disponível em:


https://www.archdaily.com.br/br/935025/o-que-e-raumplan. Acesso em: 05 de jan.
2021.
MORITA, C. A. M.; LOPES, R. S. Caminhos para uma apropriação em arquitetura.
Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line), v. 17, p. 114-128,
2019.
NESBITT, K. (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965 -
1995). 2. ed. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2008. 664 p.
NETTO, V.M.. A urbanidade como devir do urbano. EURE (Santiago. En línea), v.
39, p. 233-263, 2013.
NETTO, V.M.; Vargas, J. C; SABOYA, R. T. Os efeitos sociais da morfologia
arquitetônica. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 4, p 261-282, 2012.
PANET, A. F. Permanências e Perspectivas no Ensino de Projeto de Arquitetura
no Brasil: uma análise a partir da produção científica dos Seminários UFRGS (1985)
e Projetar (2003 – 2011). 407 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2013.
PEÑAFIEL, J. D. Lo cotidiano de la arquitectura. Revista ARQ. Santiago, v. 1., p. 2 –
5, 2001.
PERES, O. M.; POLIDORI, M. C. Modelos Urbanos baseados em Autômatos
Celulares: integrando ambiente natural e o crescimento urbano. In: WCAMA - I
Workshop de Computação Aplicada à Gestão do Meio Ambiente e Recursos
Naturais, 2009, Bento Gonçalves, RS. Anais do WCAMA - I Workshop de
Computação Aplicada à Gestão do Meio Ambiente e Recursos Naturais, 2009, 10 p.
PICON, A. A arquitetura e o virtual rumo a uma nova materialidade. In: SYKES, K.
(org.). O campo ampliado da arquitetura antologia teórica 1993 - 2009. Nova
Iorque: Editora Cosac Naify, Universidade de Princeton, 2013, p. 205 - 219.
PROJETAR. Revista PROJETAR. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/revprojetar/about. Acesso em: 12 dez. 2019.
PROJETO. PROJETOdesign. S. /.: Projeto, 2020. Disponível em:
https://revistaprojeto.com.br/category/acervo/. Acesso em: 15 jul. 2019.
QUIROGA, F. A. Del tipo a la idea. Herramientas teóricas del proyecto
arquitectónico moderno y contemporâneo. IV PROJETAR 2009. PROJETO COMO
INVESTIGAÇÃO: ENSINO PESQUISA E PRÁTICA, FAU – UPM, São Paulo, 2009.
18 p.
RADFORD, A.; MORKOC, S. B.; SRIVASTAVA, A. The elements of modern
architecture: understanding contemporary buildings. Londres: Thames & Hudson,
2014, 344 p.
RAMOS, H. S. M. Centro Comercial Avenida: um espaço aberto à cidade. 217 f.
Dissertação (Mestrado Profissional em Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, Natal, 2016.
143

REBELLO, Y. C. P. Bases para Projeto Estrutural. São Paulo: zigurate Editora,


2007, 286 p.
RIBEIRO, P. P. A.; MASINI, D. A representação na análise de projeto. In: 2º
Colóquio de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo e Design. Brasil - Portugal: UFU
e UL, 2013, Uberlândia. Anais 2º Colóquio de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo
e Design. Brasil - Portugal: UFU e UL. Uberlândia/MG: FAUeD/UFU, v. 01. 2013, p.
199 - 208.
ROSSATO, L.; FLORIO, W. ; TAGLIARI, A. Técnicas de redesenho, representação e
investigação de projetos de arquitetura como contribuição pela permanência e
conservação de sua herança cultural. O caso de projetos modernos brasileiros. In: 5º
Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação, 2017, Belo Horizonte. 5º
Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação Arq Doc, 2017, 20 p.
SALOMON, M. H. R.. Programa Favela-Bairro: construir cidade onde havia casa. O
caso de Vila Canoa. Arquitextos, São Paulo, v. 064, 2005, 3 p.
SANTA CECÍLIA, B; Campomori, M. (org.). Aprender fazendo: ensaios sobre o
ensino de projeto. Editora da Escola de Arquitetura da UFMG. 2018, 240 p.
SAYECH, S. Espaços comerciais / Espaços de trabalho. Revista AU, São Paulo, v.
233, 2013, 85 p.
SEDREZ, M.; MARTINO, J. A. Sistemas generativos. In CELANI, M. G. C.; SEDREZ,
M. (org.). Arquitetura contemporânea e automação prática e reflexão. São Paulo:
ProBooks, 2018, p. 25 - 28.
SEDREZ, M. Geometria fractal: da escala do edifício à escala da cidade. In:
CELANI, M.G.C; SEDREZ, M. (org.). Arquitetura contemporânea e automação:
prática e reflexão. São Paulo: ProBooks, 2018, p. 55 - 68.
SOUSA, L. G. Arquitetura de Feições Brutalistas no Piauí: dez exemplares. 261 f.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade de São Paulo,
USP, 2017.
SNOHETTA. Snohetta. Disponível em: https://snohetta.com/projects. Acesso em: 20
março. 2020.
SPERLING, D. M. Espaço e Evento: considerações críticas sobre a arquitetura
contemporânea. 190 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade
de São Paulo, USP, 2008.
SYKES, K. O Campo ampliado da arquitetura: antologia teórica 1993 – 2009.
Introdução. In: SYKES, K (org.) Editora Cosac Naify, Nova Iorque: Universidade de
Princeton, 2013, 416 p.
THOMAS, D. Architecture and the Urban Environment: a vision for the New Age.
Architectural Press: Oxford, 2002, 224 p.
TSCHUMI, B. Architecture and Disjunction. London: The MIT Press. 1996, 278 p.

UVA LA LIBERTAD. FUNDACIÓN EPM. S. /.: Uva La Libertad. Disponível em:


https://www.grupo-
144

epm.com/site/fundacionepm/quehacemos/programas/uva/uvalalibertad. Acesso em:


20 de março. 2020.
UNWIN, S. Análisis de la arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, AS, 2003. 208 p.
VOORDT, T. J.M. van der; WEGEN, Herman B. R. van. Arquitetura sob o olhar do
usuário. Tradução: Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Oficina de Textos, 2013,
237 p.
YEANG, K. Tropical Urban Regionalism. In: JENCKS, C.; KROPF, K (org.) Theories
and Manifestoes of Contemporary Architecture. 2. ed. John Wiley & Son, 2006. p.
157 – 160.

Yu Momoeda Architecture Office. Disponível em: https://www.yumomoeda.com/.


Acesso em: 20 março. 2020.
145

APÊNDICE

Apêndice A – Categorias Analíticas de Simon Unwin (2003).

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Apêndice B – Categorias Analíticas de Geoffrey Baker (1984).

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


146

Apêndice C – Categorias Analíticas de Roger Clark e Michael Pause (1983).

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Apêndice D – Categorias Analíticas de Bernard Leupen (1999).

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


147

Apêndice E – Categorias Analíticas de Radford; Morkoc; Srivastava (2014).

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Apêndice F – Categorias Analíticas de Francis Ching (1998)

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


148

Apêndice G - Projetos selecionados na Etapa 02.


149
150
151
152
153

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.


154

Apêndice H - Projetos selecionados na Etapa 03.


155
156
157
158
159

Fonte: Produzido pelo próprio autor, 2020.

Você também pode gostar