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MIA COUTO E A CULTURA MOÇAMBICANA: a simbologia crítica na obra A Varanda do

Frangipani

ANA PAULA CAVALCANTI VIEIRA1

1 – INTRODUÇÃO

A realidade africana foi, por muito tempo, ignorada ou tratada com descaso pelo
mundo ocidental. A história da África diversas vezes foi estudada apenas como um elemento da
história de outros países e sua cultura e crenças, consideradas sob a ótica do Ocidente, eram
esquecidas ou reputadas como fantasias sem valor. Percebe-se uma crítica constante, reveladora
de que a desvalorização da cultura africana diante da europeia, ou mesmo da americana, está
também presente entre os próprios africanos, que, por vários fatores, tem-se esquecido de suas
raízes, assimilando o “modo de vida branco” e tomando-o como superior.
Este artigo, no ensejo de juntar-se à gama de estudos que têm expandido o
conhecimento da cultura africana, volta-se para a literatura moçambicana – através de seu
representante Mia Couto –, para tratar da desvalorização das tradições africanas por parte de seus
nativos e da necessidade de resgate da identidade cultural por parte das etnias que compõem
Moçambique. Por intermédio do livro A varanda do frangipani (1996), o autor faz uso de alguns
elementos simbólicos para conclamar seus conterrâneos ao resgate e à manutenção do patrimônio
cultural de Moçambique, na busca da consolidação de uma identidade nacional em vias de
construção. Alguns destes elementos, assim como seus contextos histórico e cultural, são o objeto
de discussão deste trabalho.

2 – MOÇAMBIQUE: HISTÓRIA E CULTURA

Para entender a relação entre os fatos históricos e a cultura moçambicana, aplicando-a


à Literatura, trabalhar-se-á com a noção de cultura apresentada pelo autor moçambicano Luis
Bernardo Honwana:

________________
1
Este artigo é fruto da monografia “A Varanda Do Frangipani: simbologia crítica de Mia Couto sobre a
cultura moçambicana”, defendida em 2008, sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Manir Miguel Feitosa.
Cultura como base comum do ser e estar de uma comunidade e, por isso, o chão
onde vão ancorar todas as criações e projecções humanas – incluindo esta forma
particular que é a literatura. (HONWANA, 2006, p. 18)

Estudar a literatura em Moçambique envolve uma observação de sua formação


histórica e, consequentemente, cultural. Portanto, o entendimento da cultura como “base comum”
e “âncora das criações humanas”, aplicada à situação atual de Moçambique, passa pelo período
de colonização portuguesa e seus efeitos na sociedade moçambicana, já que o processo de
colonização carrega em si, intrínseca e necessariamente, a dominação ideológica e cultural.
A estratégia utilizada pelos colonizadores era arrancar do povo dominado sua
identidade cultural e subjugá-lo aos padrões da metrópole. O meio encontrado por Portugal para
conseguir fazer isso em Moçambique foi disseminando a ideia de que a cultura africana era
inferior, levando os colonizados a desistirem de suas raízes e buscarem abrigo nos padrões
portugueses que, em tese, lhe garantiriam status ou acesso a um mundo “superior”.
Como parte dessa estratégia, então, pregava-se o ideal de igualdade entre os
colonizados e os colonizadores, para que estes fossem convencidos de que poderiam tornar-se
como aqueles se renunciassem ao seu patrimônio cultural. O que, se via, no entanto, era ser esse
um argumento falacioso, com o intuito único de estabelecer a dominação, perpetuando as
diferenças, já que o colonizado nunca seria efetivamente reconhecido como igual pelo
colonizador.
Essa política, chamada “política de assimilação”, garantia que atividades criativas
como a literatura fossem reduzidas – já que a cultura metropolitana estava em vias de ser
assimilada – e direcionada à disseminação da superioridade do colonizador em meio aos poucos
autóctones alfabetizados – os “assimilados” – que, em sua maioria, faziam parte das elites.
Como um dos maiores símbolos culturais, as línguas existentes em Moçambique
sofreram os efeitos da assimilação, pois a maior e mais forte ferramenta adotada pela metrópole
foi a imposição da língua portuguesa. Uma língua carrega consigo grande parte da cultura de seu
povo, já que, por exemplo, a maneira de pensar de um povo pode se evidenciar na estrutura
lógica e sintática de suas construções linguísticas; e as ideias e pontos de conexão entre elas se
mostram na construção do léxico e nos campos semânticos. A intenção latente em se privar um
povo de sua própria língua é a de suprimir o passado, desconstruir as tradições e roubar o
principal meio de autoafirmação.
Com elas [as línguas], desaparece a memória de factos, experiências, tradições,
sistemas de conhecimento e valores, e até de criações como a literatura oral – de
que as línguas são o repositório e o veículo. O desaparecimento de uma língua é
a morte da cultura de que ela é matriz e, ao mesmo tempo, o testemunho mais
visível e permanente. (HONWANA, 2006, p. 19)

De fato,“a empresa colonial levou muita coisa, mas deixou outras. Trata-se pois de
aproveitar a herança, conquistar seu uso.” (CHAVES, 2004. p. 152). A colonização roubou da
população muito de sua cultura, mas disponibilizou a cultura colonial, principalmente sua língua,
para ser utilizada e aproveitada. A língua portuguesa torna-se, pois, instrumento de registro de um
povo tradicionalmente oral – como o africano – e uma porta de acesso ao mundo ocidental, que
agora pode ouvir as vozes antes limitadas e restritas à compreensão local. Nesse contexto, a partir
da possibilidade de domínio da língua portuguesa e seu uso para a manifestação de opiniões
críticas apontadas pelos intelectuais, inicia-se uma busca intensa pela identidade nacional, por um
conjunto de valores e símbolos que expressem a essência do país.
Como sinal de subversão à dominação colonial, passa-se a defender um retorno às
origens, às tradições a que foram levados a renunciar, aos valores e crenças existentes em
Moçambique antes da interferência portuguesa. Dessa forma, apesar de Moçambique já ser um
país independente desde 1975, o movimento de revalorização da tradição moçambicana é uma
tentativa de libertação real do domínio português, retomando as rédeas para a reconstrução de um
Moçambique autêntico e coerente.

3 - A LITERATURA EM MOÇAMBIQUE

Com uma história marcada por séculos de exploração e, após a independência


conquistada em uma violenta guerra civil, Moçambique vê-se capaz de produzir uma literatura
consciente e responsável por mobilizar a sociedade em direção ao seu crescimento como nação.
O surgimento da literatura se dá, então, como o desenvolvimento de uma concepção
de linguagem até então ausente da realidade moçambicana – a escrita - , uma vez que o país era
antes tradicionalmente oral, e se estabelece como um instrumento de luta em favor da ânsia de
reestruturação e independência que cresce em Moçambique. Opta-se, então, pela poesia, em
decorrência de sua proximidade com a oralidade pelo fato de, nas tradições orais, a poesia
representar um meio de perpetuação devido ao seu poder de facilitar a memorização. A métrica, o
ritmo e a rima contribuem para enriquecer e diversificar, ao mesmo tempo em que facilitam o
registro na memória.

Nas culturas ágrafas, o poder mnemônico da poesia é que enriquece a literatura


com suas possibilidades de permanência e transformação. O patrimônio cultural
é ao fim o que se mantém tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita
da linguagem, e isso, pelo fio interminável da memória. (MAQUÊA, 2005, p.
178)

A partir dessa literatura nascente, Moçambique passa a ter histórias próprias, contadas
e registradas sob o ponto de vista africano e não mais da Metrópole. Começa a existir uma
possibilidade concreta de expansão da “moçambicanidade” e de espaços para discussões sobre o
presente e o futuro do país: “Instrumento de afirmação da nacionalidade, a literatura será também
um meio de conhecer o país, de mergulhar num mundo de histórias não contadas, ou mal
contadas, inclusive pela literatura colonial.” (CHAVES, 2004, p. 154).
Essa literatura, nascida após a independência, configura uma forma de afirmação
diante do ex-colonizador, já que faz uso do instrumento principal de dominação – a língua – para
desligar-se do domínio colonial e afirmar-se enquanto nação. Institui-se, então, o desafio de
subverter a ordem colonial e criar um espaço para que os moçambicanos se expressem, se
revelem e registrem suas raízes. Diante desse desafio, a língua portuguesa é o meio de acesso da
tradição moçambicana – oral – ao registro escrito.
O desenvolvimento dessa literatura não se dá, todavia, de forma simples. Antes, o
escritor se depara com uma complexa reflexão: suas responsabilidades de escritor e a relação
entre a literatura e essa utopia vibrante e ainda imprecisa que é a nacionalidade. José Luis Cabaço
(2004) defende que, confrontados com esse dilema, os escritores seguem três caminhos: a)
produzir uma literatura colonial, eurocêntrica, alienada e descritiva de uma realidade política e
cultural que não buscou compreender. Tais escritores vão-se junto com a sociedade colonial; b)
basear-se na própria experiência europeizada, buscando referências que consideram universais,
mesmo se circunscritas à cultura ocidental. Não louvam o colonialismo, mas, se não são
aclamados, recordam com nostalgia os tempos em que sua manifestação anticolonialista era parte
de uma sociedade que entendiam; ou c) tentar retratar a terra e os homens de que se descobriram
parte, para com eles interagirem como escritores e como cidadãos socialmente ativos,
reconstituindo a História por meio da escrita.
Tomando como referência o terceiro tipo de escritor pensado por Cabaço (2004),
instala-se na composição literária o retrato de uma cultura diversificada, pluralizada pelas vozes
moçambicanas, que não podem ser resumidas em um estereótipo, como se fez nos tempos de
colonialismo, mas que, em suas diferenças, compõem a unidade do povo de Moçambique.

3.1 - Escrita x Oralidade

O dilema originado do confronto entre a oralidade – que carrega em si as tradições


africanas – e a escrita – modalidade de expressão associada à violência cultural que significou a
colonização – permeia toda a formação literária moçambicana, pois a escrita surge como parte de
um contexto de transformações trágicas. Para entender melhor as diferenças entre a escrita e a
oralidade, José Luis Cabaço explica:

A literatura(...) é uma arte que, situada fora do universo da sociedade oral, traz
em si elementos que, com maior ou menor intensidade, exprimem superioridade.
O seu encontro com a tradição oral é complexo. A oratura não é só a palavra
falada. O contador de estórias é tão mais artista quanto mais rica forem as
expressões, os gestos, as interjeições, as entoações da voz e os silêncios.
(CABAÇO, 2004, p. 68)

Fernanda Cavacas resume muito bem o confronto entre oralidade e escrita em


Moçambique, lembrando que essa dualidade é agravada pela divergência entre as línguas, ou
seja, além das diferenças intrínsecas entre o oral e o escrito, em Moçambique são expressões de
línguas distintas, o que complica ainda mais a transposição da tradição oral – em línguas
africanas, com sistemas semânticos, lógicos e de valores característicos – para a representação
escrita –, realizada em língua portuguesa. Como se vê:

Entretanto, a importância da oralidade africana faz-se sentir ainda mais no caso


da literatura, porque muitas vezes a(s) língua(s) natural(is) sobre que se criam os
sistemas modelizantes oral e escrito é(são) diferente(s). Acresce a razão política
– por vezes de aceitação difícil – de ser à (antiga) língua do colonizador que é
dada a função de traduzir emoções, conflitos e aspirações, numa lógica de
construção de um projecto de identidade nacional. (CAVACAS, 2006, p. 69)
Esse conflito, portanto, precisa ser analisado sob o ponto de vista de que as duas
vertentes englobam conceitos como tradição/modernidade que não podem mais ser entendidos
como substantivos específicos da colônia e da metrópole. Para que Moçambique se estabeleça no
mundo atual, precisa ser capaz de promover o diálogo entre os dois conceitos, mantendo traços da
tradição no desenvolvimento da modernidade.
A partir da constatação desses dilemas, os escritores moçambicanos procuram
soluções, iniciando a literatura nacional. Com suas produções permeadas de poesia – em virtude
de sua aproximação da oralidade –, produzem primeiramente contos, pois parecem ter um vínculo
maior com as narrativas orais que compunham as tradições. A literatura, então, evolui, passando
a fazer uso do romance, adaptando-o aos moldes exigidos pelo contexto moçambicano.
Uma das maneiras encontradas pelos autores africanos de inserir a oralidade no
romance é tratando a língua falada como um traço da cultura, o que torna possível transportá-la,
tal como é falada, para a escrita, num processo dinâmico.
Observada, pois, a interação entre oralidade e escrita, torna-se possível articular
tradição e modernidade nas linhas produzidas, de maneira a defender, incentivar e propagar a
identidade plural de Moçambique, que se constrói a cada frase e se estabelece a cada novo
diálogo entre o antigo e o novo.

3.2 - Mia Couto

Dentro do contexto de construção da literatura moçambicana, nasce António Emílio


Leite Couto – Mia Couto –, um autor filho de portugueses, natural da Beira, capital da província
de Sofala. Um moçambicano consciente e empenhado em construir uma literatura própria de
Moçambique, para extrair das dificuldades e dos infortúnios do país o caminho para um futuro
consciente, mas esperançoso.
A linguagem característica, as palavras criadas por Mia Couto, todas as
especificidades de sua produção escrita têm sido vistas como parte de uma construção literária
feita para revelar, trazer às vistas a Moçambique existente. Não se encontra, em meio às palavras
de Mia Couto, uma visão distorcida pelas emoções ou pelas crenças em nenhum sentido. Não há
um embate entre bem e mal. O que se observa é um poder de análise crítica e consciente da
realidade de seu país e uma proposta de avanço baseada na compreensão dos limites e
possibilidades de Moçambique. Assim, é possível detectar uma ideia de conciliação entre
tradição e modernidade que pode ser explicada pelo contexto de conflito entre as etnias de seu
país e ao mesmo tempo fortalecimento da modernidade em que se insere a sua produção.
A composição de sua obra é feita a partir de figuras representativas do povo de
Moçambique, que importam consigo suas marcas, suas linguagens. Faz uso de formas de
expressão diferentes, “experiências estéticas criativas e temáticas alternativas ao império cultural
estabelecido pelo Ocidente” (MAQUÊA, 2005. p. 169), compondo um mosaico das
características étnicas e culturais do país.
A escrita de Mia Couto assemelha-se à do brasileiro Guimarães Rosa e à do angolano
Luandino Vieira, criando palavras e expressões, importadas da oralidade ou do contexto de
espontaneidade da fala para preencher a escrita. Por isso é capaz de reescrever Moçambique de
forma nova e criativa, revigorando sua literatura por meio de trocadilhos e jogos poéticos feitos
ao longo do texto, de maneira a transportar para sua obra traços da oralidade do povo
moçambicano.
Essa marcação da fala popular na produção literária é o resultado de uma apropriação
efetiva da língua portuguesa pelo autor, que apresenta ao leitor uma “língua moçambicanizada,
imbuída de culturas várias, força de coesão e de construção de uma matriz cultural
moçambicana.” (CAVACAS, 2006, p. 57). Essa “língua moçambicanizada” resulta da ousadia do
escritor que não hesita em esquecer as imposições normativas da gramática portuguesa trazida
pelos colonizadores a fim de alcançar efeitos poéticos originais. Mas essa característica não pode
ser interpretada como um processo de criação meramente linguístico ou estilístico. Envolve muito
mais intenções e isto se evidencia no fato de construir tramas bem elaboradas, ricas em sentidos
e, principalmente, em ideologias e representações simbólicas da visão crítica que se pretende
despertar no leitor. Assim, mais do que uma mera criação linguística, “sua escrita insere na
estrutura lingüística o conflito existente entre a língua portuguesa e a visão de mundo das culturas
moçambicanas, bem como a tipologia discursiva das línguas étnicas” (ALBERGARIA;
SANTOS, 2006, p. 96), enchendo o lirismo de sua obra de uma profunda consciência social.
Percebe-se que a literatura de Mia Couto entrelaça problemas passados e presentes,
no intuito de construir um Moçambique dinâmico e capaz de se reconhecer enquanto nação: “E é
o que faz, numa luta entre a nostalgia de um mundo distante e a fé empenhada na cultura do seu
mundo da infância, entre um passado a que não renuncia e o presente que quer diferente e que ele
próprio também vai moldando.” (CAVACAS, 2006, p. 65).
Assim, Mia Couto busca resgatar o passado, não como fonte pura da identidade
moçambicana, mas como base para a consolidação do que é e está se tornando o país.

4 - A VARANDA DO FRANGIPANI: SIMBOLOGIA CRÍTICA

A produção de Mia Couto pode ser observada como uma interação entre prosa e
poesia, o que contribui para se entender a presença de símbolos em sua obra, já que “a poesia só
se realiza pela transitividade simbólica do discurso, ou seja, pela sensibilidade criadora que
apenas se consuma quando atinge a emoção da leitura.” (SECCO, 2006, p. 73)
As personagens criadas por Couto são, geralmente, complexas. Retratam seres
humanos com dualidades e contradições, visto que ele retrata, através de suas personagens, um
país cheio de dualismos e oposições. “Engendram fraquezas e determinações, sensibilidades e
incertezas mediante uma história interrompida. É no recorte do descontínuo e de fugidias
temporalidades que tais forças se espreitam.” (MAQUÊA, 2005, p. 172)
Muitas de suas narrativas são povoadas pelo insólito, advindo das tradições
moçambicanas, como maneira de atingir o real que se impõe como verdade e questionar os ideais
de racionalidade europeia. Assim, pela fantasia, a memória das tradições é ativada, conduzindo o
romance pelas tramas construídas de forma a reavivar o que se perdeu ao longo dos anos.
Em se tratando especificamente do livro A varanda do frangipani, a história se passa
em um Moçambique pós-Guerra Civil, desestruturado econômica e culturalmente, no qual os
valores da modernidade, impostos pelo poder vigente, se chocam com os valores culturais
tradicionais.
Com base no fato de que “o discurso literário de Mia Couto tece uma rede intertextual
e simbólica com os mitos e as crenças dos povos moçambicanos.” (SECCO, 2006, p. 72),
algumas das considerações feitas por Mia Couto sobre a cultura moçambicana através de
elementos simbólicos serão trabalhadas a seguir.
Mia Couto apresenta, em sua obra A varanda do frangipani (1996), dois
protagonistas: Izidine Naíta (inspetor de polícia) e Ermelindo Mucanga (xipoco – fantasma – que
encarna temporariamente no corpo do inspetor). Não há interação direta entre os dois até o último
capítulo, mas percebe-se um contraste de visões, em que o fantasma é um elemento
representativo das crenças africanas e o inspetor é o retrato do africano sem tradições, sem
vínculo com sua origem. Não é, portanto, por acaso o fato de os dois só se encontrarem no último
capítulo. O xipoco encarna no corpo do inspetor, permanece nele, sabe muitas coisas, mas não
influencia nem aconselha seu “hospedeiro”. Izidine Naíta é descrito como “gente sem história,
gente que existe por imitação” (COUTO, 2007, p. 57). O inspetor é uma representação do
esquecimento e empobrecimento cultural em Moçambique e, ao longo do livro, ele é confrontado
diretamente através das histórias e invenções dos velhos do asilo e através das críticas da
enfermeira do local, Marta Gimo.
Acompanhando as duas personagens, Mia Couto povoa o livro de símbolos, que
carregam em si sentidos subjacentes, indispensáveis na construção do conflito que perpassa não
só a história das personagens, mas a de cada moçambicano. É possível identificar alguns
símbolos de grande força na obra, dos quais três foram escolhidos para uma análise mais detida: a
Fortaleza de São Nicolau, onde transcorre a história, e as personagens Nãozinha e Marta Gimo.

4.1 - Fortaleza de São Nicolau: prisão e refúgio

Na obra em questão, o espaço escolhido é o campo. Como em outras obras, em A


varanda do frangipani, Mia Couto constrói a história em um cenário que é “lugar de mistérios e
de acontecimentos extraordinários ainda que em situação de abandono e decadência” (FEITOSA,
2007).
A primeira apresentação da fortaleza se dá através de uma resumida narração de sua
história, levando o leitor a construir uma imagem a partir dos fatos que se passaram nela. O
trecho em que consta tal descrição está logo no primeiro capítulo e diz:

A árvore do frangipani ocupa uma varanda de uma fortaleza colonial. Aquela


varanda já assistiu a muita história. Por aquele terraço escoaram escravos,
marfins e panos. Naquela pedra deflagraram canhões lusitanos sobre navios
holandeses. Nos fins do tempo colonial, se entendeu construir uma prisão para
encerrar os revolucionários que combatiam contra os portugueses. Depois da
Independência ali se improvisou um asilo para velhos. Com os terceiro-idosos, o
lugar definhou. Veio a guerra, abrindo pastos para mortes. Mas os tiros ficaram
longe do forte. Terminada a guerra, o asilo restava como herança de ninguém.
Ali se descoloriam os tempos, tudo engomado a silêncios e ausências. (COUTO,
2007, p. 11)
Como a sofrer com os restos da guerra, além da destruição, a fortaleza é cercada por
um campo minado, que a isola do mundo.
Durante os longos anos da guerra, o asilo esteve isolado do resto do país. O
lugar cortara relações com o universo. As rochas, junto à praia, dificultavam o
acesso por mar. As minas, do lado interior, fechavam o cerco. Apenas pelo ar se
alcançava São Nicolau. (COUTO, 2007, p. 20)

A decadência da fortaleza fica ainda mais evidente na seguinte descrição: “Vista do


alto, a fortaleza é, antes, uma fraqueleza. Se notam os escombros com costelas descaindo sobre o
barranco, frente à praia rochosa. Esse monumento que os colonos queriam eternizar em belezas
estava agora definhando.” (COUTO, 2007, p. 20). O trocadilho fortaleza/fraqueleza denuncia a
imagem contraditória transmitida pela construção.
Analisando, inicialmente, a simbologia evocada pela figura da fortaleza, tem-se um
forte como “o símbolo do refúgio interior do homem, da caverna do coração, do lugar
privilegiado de comunicação entre a alma e a Divindade” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007,
p. 448). Tal simbologia revela a importância do local em que a história acontece enquanto
guardião das raízes religiosas de Moçambique. Isso leva à ideia de que o cenário em que se
desenvolve a história é, em essência, um ambiente não só de refúgio contra os males e perigos
externos, como também um espaço que propicie a relação transcendental do ser humano com o
divino. A permanência das personagens na fortaleza implica uma aproximação com elementos
que vão além da realidade e conduzem num caminho de volta às tradições e crenças
moçambicanas.
Há, contudo, um contraponto entre a figura da fortaleza (mesmo em escombros) e
o que ela se tornou: um asilo. A transformação pode ser entendida, inicialmente, como uma
fragilização do que antes era um refúgio e um abrigo, símbolo de força e segurança, já que um
asilo pode até representar um abrigo, mas não impõe a força e segurança de um forte. Um asilo é
um refúgio de idosos e essa realidade pode transmitir uma imagem associada às limitações da
velhice e à morte.
Em contrapartida, a transformação do forte em asilo pode representar um
engrandecimento, pois a velhice traz consigo a experiência e isso torna-se símbolo de sabedoria.
Os velhos que moram no asilo já viveram muitas coisas, viram o país passar por diversas
situações, conhecem as mudanças ocorridas e permanecem como derradeiros conhecedores das
crenças e ideias antigas. Assim, o refúgio da fortaleza transforma-se em um asilo, que abriga e
protege “o antigamente”. Mas essa proteção, embora seja boa por conservar as tradições a salvo
das transformações do mundo externo ao asilo, acaba por ter um efeito negativo, pois a segurança
vem do isolamento, que diminui o poder de ação externa, mas de semelhante modo impede que
“o antigamente” chegue ao mundo e tenha poder de influência e atuação. Portanto, o asilo o
mantém seguro, mas o isola do mundo e, por isso, acaba por condená-lo à extinção.
A morte é razão do confronto do inspetor com as tradições. O inspetor chega ao asilo
para investigar um crime de homicídio e depara-se com a afirmação de Marta Gimo de que o
crime real que acontece ali é o crime contra o “antigamente”, que condena as tradições
moçambicanas, que deveriam ser o bom fundamento para a construção da identidade atual, ao
fim. Além disso, ao longo da narrativa, percebe-se que as personagens estão todas envolvidas de
alguma forma com a morte. O inspetor está investigando um assassinato e, embora não saiba, sua
morte está sendo tramada. Ernestina e Marta Gimo sofreram as marcas da morte pelos filhos que
perderam. E os velhos, com o passar dos dias, se identificam com a morte e anseiam por ela. Tal
abordagem da morte e sua inclusão no fio condutor da trama podem ser interpretadas, além de
extinção das tradições, como um “rito de passagem”, baseando-se no fato de que “Todas as
iniciações atravessam uma fase de morte, antes de abrir o acesso a uma vida nova.”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 621)
Neste aspecto, a morte tão presente na fortaleza pode ser entendida como um
instrumento de aproximação entre o homem e a sabedoria divina. Isto fica evidente na escolha do
narrador – que é um “xipoco” (fantasma) e, portanto, já passou pela experiência da morte – cujo
conselheiro é um “halakavuma” (ou pangolim = mamífero coberto de escamas) que, conforme a
crença moçambicana, habita os céus, descendo à terra para transmitir aos chefes tradicionais as
novidades sobre o futuro. Dessa forma, a fortaleza, que é tida como “um depósito de morte”
(COUTO, 2007, p. 135), ganha a atribuição nobre de lugar de revelação, pois os mortos que
abriga são um caminho de contato com um representante dos céus (“halakavuma”).
Tais evidências comprovam a importância da fortaleza na defesa das tradições e, mais
do que isso, no retrato da dualidade e dos conflitos naturais da sociedade moçambicana.

4.2 - Nãozinha: a feiticeira que vira água


Um segundo símbolo a ser analisado é a personagem Nãozinha. Uma das habitantes
do asilo, é uma espécie de líder dos velhos. Rotulada de feiticeira, cercada de crenças e rituais e
detentora de grande poder místico, Nãozinha pode ser vista como o maior símbolo da resistência
à morte das tradições dentro do livro. É tida pelos outros velhos como feiticeira e é a
representante maior das crenças moçambicanas. Está presente em diversos momentos da
narrativa, e sua atuação se configura sempre permeada de religiosidade. Embora ela afirme que
seus poderes nascem da mentira (COUTO, 2007, p. 78), sua intervenção sobrenatural marca
momentos cruciais da história, servindo como conselheira e mesmo salvadora dos moradores do
asilo, ao livrá-los, através de feitiçaria, das armas contrabandeadas, guardadas em segredo na
fortaleza.
A presença de acontecimentos insólitos nas cenas que envolvem a feiticeira pode ser
avaliada, à luz do pensamento de Vera Maquêa, como um instrumento que entrelaça a poesia e as
tradições africanas, enriquecendo a narrativa.

Todos os acontecimentos insólitos criam imagens de concentrada poesia e de


incontida busca de superação de uma condição de existência. É como se uma
solução simples pudesse ser dada à transformação da vida. A matéria se torna
fluida, se desmaterializa, descorporifica. Poder-se-ia ler como a presença do
surreal, não fosse a consciência mítica que essas imagens carregam da cultura
africana, indiciando uma coordenação narrativa cujo propósito se revela ser a
própria arquitetura da realidade e sua representação poética. (MAQUÊA, 2005,
p. 180)

É interessante notar que o efeito defendido por Vera Maquêa chega a ser literal na
narrativa, pois a personagem, através da qual os “acontecimentos insólitos” se realizam –
Nãozinha –, todas as noites transforma-se em água. “A matéria se torna fluida, se desmaterializa,
descorporifica” e só se refaz pela manhã. Nãozinha é, então, apresentada como “mulher-água”.
Ela afirma: “Para dizer a verdade, eu só me sinto feliz quando me vou aguando. Nesse estado em
que me durmo estou dispensada de sonhar: a água não tem passado. Para o rio tudo é hoje, onda
de passar sem nunca ter passado.” (COUTO, 2007, p. 81).
Mais uma vez a morte se faz presente, agora de maneira figurada, como símbolo de
renovação e rito de passagem que tornam Nãozinha mais forte e capaz de carregar consigo as
tradições. Por esse entendimento, a feiticeira, a representante mais forte e ardorosa dos
fundamentos religiosos, das crenças moçambicanas que estão se perdendo no tempo, renova-se a
cada noite, por intermédio das águas, fortalecendo-se para o dia seguinte.
Da mesma forma, enquanto o ritual diário da personagem de transformar-se em água
representa uma espécie de morte, o voltar no dia seguinte traz uma significação simbólica da
água que nos faz entendê-la como fonte de vida (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 15).
Como um dos elementos vitais para a sobrevivência humana, a água é essencial e
indispensável à preservação da vida. Analisar a representação simbólica da personagem Nãozinha
como guardiã ou mesmo personificação das tradições moçambicanas é entender a tradição como
essência, fonte em que todos os africanos devem beber se quiserem alimentar e perpetuar sua
identidade. Essa perpetuação é um processo dinâmico, que implica renovação a cada gole. No
entanto, a personagem traz também, mais uma vez, ao livro uma relação das lembranças e do
passado com a morte, mostrando a denúncia do autor do passado esquecido de seu país.
É, também, digno de atenção o fato de que Nãozinha, apesar de personificar a cultura
africana, seus ritos, crenças e religiões, revela, através de alguns gestos e palavras, uma espécie
de ceticismo. Isso pode ser visto em momentos quando: a) diz que não é feiticeira, mas se
aproveita disso para não apanhar; b) afirma que seus poderes nascem da mentira; c) teme por
Salufo Tuco e, por isso, pede ajuda a Ernestina, afirmando não ser feiticeira e não poder protegê-
lo; d) depois de benzer o inspetor, joga a lata fora com um gesto de indiferença.
Em sua confissão, Marta Gimo diz que “Nãozinha se inventou de feiticeira. Tanto que
acabou por duvidar de seus poderes.” (COUTO, 2007, p. 124). No entanto, a negação de seu
status de feiticeira não muda a sua postura de defesa das crenças. Ela busca que os outros
acreditem em seus poderes e os estimula a guardarem e a respeitarem as tradições.
Apesar de reconhecer sua humanidade, Nãozinha constitui-se instrumento de
revelações ao longo de todo o livro, demonstrando mais um aspecto de conexão simbólica com a
água, ao mostrar-se “um símbolo de pureza passiva. Ela é um meio e um lugar de revelação”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 21)
A “falsa” feiticeira, tão frágil e pequena que passeava pelo campo minado e, de tão
leve, não disparava as bombas, reflete na verdade a força e a ligação entre o passado e o presente,
entre um povo e sua identidade. Nãozinha é a representação de uma tradição aparentemente frágil
e desacreditada por si mesma, mas ainda assim importante para os seus, renovada a cada dia para
inspirar e estabelecer a confiança dos que nela se fiam.
4.3 - Marta Gimo: um convite às origens

Marta foi criada como “assimilada”. A ela foi imposta a educação da colônia. Ela
representa alguém nascido distante das tradições – o que se evidencia pela profissão ocidental de
enfermeira e pelo fato de descender de uma família que há muito já perdera seus nomes africanos.
Ela, como outros moçambicanos, era uma estrangeira em sua própria terra, alheia aos seus
costumes e a suas origens. Ao chegar ao asilo, Marta estava ferida pelas experiências vividas num
campo de reeducação, mas encontrou no asilo um refúgio, um lugar em que podia exercer sua
profissão, ajudar os outros, numa tentativa de se recuperar dos próprios sofrimentos. Através da
fala de Marta, Mia Couto traz à luz críticas sobre a guerra, sobre a corrupção e sobre a
necessidade de se retomar antigos valores para a construção do presente. No início de sua
“confissão”, Marta afirma que “os velhos foram expulsos de nós mesmos”. As histórias, os
valores, as crenças passadas de geração em geração estavam sendo negligenciados, esquecidos,
expulsos da vida de cada um.
Marta, então, figura no livro como a voz que traduz a linguagem dos antigos,
confrontando Izidine Naíta que, “mesmo sendo preto, é lá da cidade. Não sabe, nem respeita.”
(COUTO, 2007, p. 77). Ela o acusa de ser estranho às tradições de sua própria terra, dizendo:
“Você tem medo deles (...) esses velhos são o passado que você recalca no fundo da sua cabeça.
Esses velhos lhe fazem lembrar de onde veio” (COUTO, 2007, p. 74). Marta tem autoridade para
cumprir tal papel, por ter passado de estrangeira à participante de sua própria cultura.
Ao criticar o inspetor por não ser capaz de compreender o que dizem os velhos em
suas confissões, Marta propõe que essas vozes, antigas portadoras da superioridade da tradição,
sejam ouvidas em resposta à destruição gerada pela guerra, em resposta às distorções sociais
advindas do processo de colonização, sendo este “um gesto de defesa da identidade possível”
(CHAVES, 2004, p. 150).
Sendo capaz de perceber os males de um país distante de uma identidade própria e a
necessidade de reconstrução do que se havia perdido, surge uma compreensão de que a tradição
deve ser parte da identidade moçambicana, numa relação dinâmica com a modernidade atual.
Diante desse entendimento, Marta recupera os sentimentos mutilados pela guerra,
reconstruindo seus ideais pela união de seus valores modernos no contato com os velhos do asilo,
representantes do “antigamente”. Ela reconhece os danos da guerra que, segundo ela, tiram do
mundo o “ciclo dos tempos” e instauram o “ciclo do sangue”, dividindo o mundo em antes e
depois da guerra. No entanto a personagem encontra no refúgio representado pelo asilo um novo
ciclo: o “ciclo dos sonhos”:

A guerra engole os mortos e devora os sobreviventes. Eu não queria ser um resto


dessa violência. Ao menos, aqui na fortaleza, os velhos intentavam outra ordem
na minha vivência. Eles me davam o ciclo dos sonhos. Seus pequenos delírios
eram os novos muros da minha fortaleza (COUTO, 2007, p. 121-122)

Surgem, portanto, da fraqueza do asilo, os muros de uma nova fortaleza, que protege
a cultura e a essência de uma identidade através da consciência e convivência com as origens
culturais de sua terra.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Literatura, enquanto instrumento de manifestação cultural, exerce um papel


importantíssimo na afirmação e construção da identidade de um país. Em Moçambique, a
produção literária tem se estabelecido como um dos principais instrumentos de conscientização
dos cidadãos da necessidade de resgate e preservação das tradições para a consolidação de uma
“moçambicanidade” que lhes garanta a consubstanciação de uma identidade nacional.
Os estudos de obras literárias, como A varanda do frangipani, mostram-se, portanto,
de elevada importância para a compreensão do fenômeno de afirmação cultural pelo qual
Moçambique tem passado desde o período da sua independência.
Assim, entende-se a relevância da análise dos símbolos presentes no livro, à medida
que contribui para o entendimento da situação cultural em Moçambique, bem como dos dilemas
suscitados ao longo da discussão hodierna atinente à construção do futuro do país.
Concluiu-se, outrossim, que A varanda do frangipani compõe, juntamente com outras
obras de intelectuais moçambicanos, um meio de denúncia da situação vivida por seus
compatriotas, visando à defesa da construção daquilo que possa vir a ser a identidade de seu país,
já que, diante de todo o arcabouço teórico-argumentativo apresentado neste trabalho, percebeu-se
que a obra analisada faz uso de elementos simbólicos representativos da realidade cultural
regional, em contraposição aos valores extramoçambicanos.
Desta feita, faz-se a relação antitética fortaleza X fraqueleza, mostrando-se a
fragilidade do antigamente, representado pelos idosos do asilo que a fortaleza abriga, e, em
contrapartida, sua importância enquanto fundamento para a construção de uma identidade
cultural do país. Couto conota um Moçambique em busca da sua moçambicanidade, visando a
preencher o lapso entre o enfraquecimento do antigamente e a valorização das tradições culturais
na contemporaneidade, como arrimo de um futuro nacional peculiar mais forte ainda, ou seja,
com a sua identidade firmada e consolidada.
De semelhante modo, a personagem Nãozinha ratifica a oposição entre a fragilidade
provocada pelo tempo e a força advinda da manutenção das crenças e tradições de seus
antepassados. Percebeu-se, então, o retrato criado por Couto de um Moçambique passível de
encontrar forças e proteção em suas raízes e tradições. Não se percebeu, no entanto, ao longo da
análise realizada, uma defesa das crenças enquanto verdades, dogmas religiosos inquestionáveis.
O que se depreendeu foi a valorização da capacidade de, enquanto cidadãos conscientes, serem
capazes de resgatar os traços culturais, os princípios sociais que compunham a identidade e os
valores de um povo e que podem ter se perdido na tentativa vã de se adequar aos moldes externos
impostos por meio da colonização, em função do discurso falacioso de superioridade cultural do
colonizador.
Assim, uma maneira sugestiva de reconhecer o antigamente, sem deixar de
vislumbrar o prospectivo, é o que muito bem está representado pela personagem Marta Gimo, na
qual as transformações impostas pela colonização não a impediram de reconhecer a importância
do passado, fazendo-o fundamental instrumento para a construção de um futuro fincado nos fatos
que compõem a história da sociedade moçambicana, mas sempre com os olhos voltados para as
mudanças que o amanhã certamente trará consigo.
Enfim, Mia Couto expõe em defesa do caráter peculiar, nacional, radical do povo
Moçambicano, que deve lutar na busca incessante e constante por sua moçambicanidade, fazendo
do passado trágico e de dominação o alicerce a partir do qual deverá ser construída uma
Moçambique forte, firme e sólida no que tange às suas marcas culturais, ou seja, o modo de
pensar, agir e sentir de seu povo; marca que o identifique como tal e apenas como tal, mostrando
que o reconhecimento do passado é fundamental para construção do futuro.

REFERÊNCIAS
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Mia Couto e a pintura expressionista alemã. In: Via Atlântica. n. 9. São Paulo: Departamento de
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CAVACAS, Fernanda. Mia Couto: a palavra oral de sabor quotidiano/palavra escrita de saber
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CHAVES, Rita. O passado presente na literatura africana. In: Via Atlântica. n. 7. São Paulo:
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, USP, 2004. p. 147-162.

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Silva et al. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

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FEITOSA, Márcia Manir Miguel. O espaço da imaginação ou a imaginação do espaço em Um


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Disponível em:
<http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/02_2007/03_artigo_de_marcia_manir_miguel_feitosa
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Via Atlântica. n. 9. São Paulo: Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, USP, 2006. p. 71-
84.

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