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Anónimo da Índia
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com a luz. Agora, olhando para trás, com essa idade de 63 anos,
depois de ler livros, sinto que estava além do tempo e do espaço.
Quando abri os olhos por volta das 16h, minhas primeiras palavras
foram: “Doutor, porque me trouxe de volta? Estava muito feliz
onde estava.”
Anónima
John A. Symonds
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querendo dizer com isso que não poderia suportar aquela
desilusão. Depois atirei-me ao chão e, afinal, acordei coberto de
sangue, interpelando os dois cirurgiões (que estavam assustados):
“Por que não me mataram? Por que não me deixaram morrer?”
Pensem um pouco nisso. Ter sentido durante aquela indefinida
visão extática o próprio Deus, em toda a pureza, ternura, verdade e
amor absoluto, e depois descobrir que, afinal de contas, eu não
tivera nenhuma revelação, mas havia sido enganado pela excitação
anormal do meu cérebro. Sim, subsiste a pergunta: Será possível
que o sentido interior de realidade que se seguiu, quando minha
carne estava morta para as impressões do exterior, para o sentido
ordinário das relações físicas, não fosse uma ilusão, mas uma
experiência real? Será possível que, naquele momento, eu tenha
sentido o que alguns santos disseram ter sentido sempre, a
indemonstrável mas irrefragável certeza de Deus?
Tara da Austrália
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parada a alguns metros de mim. Esta senhora era branca. Ela tinha
um vestido longo branco transparente com longos cabelos
brancos. Ela parecia brilhar. Eu me perguntava por que ela não me
ajudava. Ela apenas ficou lá e sorriu para mim. Achei que devia
estar morta. É por isso que ela não quis me ajudar. Quando decidi
pedir-lhe ajuda, ela pareceu ler minha mente. Eu pedia, mas não
em voz alta; simplesmente pensava. Pedi-lhe para me ajudar, mas
ela apenas ficou lá. Continuei pedindo. Quanto mais eu pedia,
mais ela não ajudava, e mais eu ficava angustiada. Na última vez
que pedi, ela respondeu, “Tu estás bem,” e sorriu. Eu disse: “Não
estou,” enquanto ela sorria e ia embora. Meus sentidos começaram
então a voltar. Já podia sentir e ouvir. Comecei a gritar quando a
mãe da minha amiga chegou. Quando fui levantada, os únicos
ferimentos que tinha eram arranhões nas pernas. Ao olhar para a
face do penhasco, ficou claro para mim que deveria estar morta ou
gravemente ferida. Sei em meu coração que o que vi e
experimentei foi verdadeiro e isso é tudo o que importa.
Judith A. Boss
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luminosidade. Estou agora absorvida na luz. Não sou adicionada
ao espaço ocupado pela luz. Em vez disso, sou da luz, não apenas
estou na luz. O espaço de luz não separa ou divide, mas apenas é.
Estou em união com a luz. Eu sou a unidade, mas permaneço eu
mesma. A experiência é familiar – já a conheci antes. A luz me
permeia. A luz me ama. Abraça-me, mas não me restringe. A luz
informa-me, sem palavras, e deixa-me totalmente em paz, sem
dúvidas, sem desejos não-realizados. Faço parte da alegria, do
amor, da paz e da sabedoria totais, infundidos com a luz,
afirmados pela luz. Eu apenas sou. Não há sensação de estar morta
nem de estar separada do meu corpo. Estou completamente
consciente. Minhas perceções sensoriais são intensificadas. Não
há véu entre o mundo exterior e eu. Não há mistérios aqui. A luz –
uma presença – diz-me, sem palavras, para amar a todos e buscar
sabedoria. Há mais. Existe música. A música é uma unidade, sem
notas distintas. É fluida – fluindo – viva. Parece fazer parte da luz.
No entanto, a música está fora de mim. Eu a escuto e percebo. É
familiar. Estou movendo-me para a minha esquerda e para cima.
Em direção à música – movendo-me rapidamente. No entanto, não
há nenhuma sensação de mover-me através da luz. A luz não tem
pontos de referência para medir o movimento. Não sei quanto
tempo se passou – pode ter sido um segundo – ou eras. Não é um
tempo linear no sentido de mover-se de um evento para o próximo
– nem há uma sensação de passado, presente e futuro separados.
Não sinto calor nem frio. Não existem contrastes. Existe apenas
um senso de unidade, bem-aventurança e harmonia. De repente,
estou de volta ao carro.
J. B. B.
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coisas estranhas em tudo isso que a consecução da verdade parece
deixar um homem, neste particular, mais ou menos como o
encontra. O Dr. B. foi um exemplo. Ele parecia contente em viver
numa casa barata, pobre, e preferia cortejar a rudeza no trajar, no
conversar e no viver. Ao mesmo tempo, se era provocado com a
questão da visão interior, tornava-se vivo até o âmago de seu ser.
Ele fora um espírita mas, após a iluminação, embora parecesse
saber que muito do que o espiritismo ensinava era verdadeiro, sua
importância foi extremamente diminuída pelas verdades muito
maiores a que teve acesso. Certa vez ele me contou uma coisa
curiosa: disse que morreu, que seu espírito deixou o corpo durante
vinte minutos e que olhou para o corpo, pairou sobre ele e
finalmente voltou para o mesmo. E disse isto num tom grave e
convincente que causava no ouvinte um sentimento horripilante.
Ninguém que o tivesse ouvido contar isso poderia deixar de
acreditar.
Carl Jung
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surgiu no meu campo visual. A uma pequena distância percebi no
espaço um enorme bloco de pedra, escuro como um meteorito. A
pedra flutuava no espaço e eu também. Vi pedras semelhantes nas
costas do Golfo de Bengala. São blocos de granito marrom escuro,
nos quais às vezes se escavavam templos. Uma entrada dava
acesso ao pequeno vestíbulo. Dois degraus conduziam ao
vestíbulo: no interior à esquerda, abria-se o portal do templo.
Quando me aproximei dos degraus do rochedo, aconteceu-me algo
estranho: tudo o que tinha sido até então se afastava de mim. Tudo
o que acreditava, desejava ou pensava, toda a fantasmagoria da
existência terrestre se desligava de mim ou me era arrancada –
processo extremamente doloroso. No entanto, alguma coisa
subsistia, porque me parecia então ter ao meu lado tudo o que
vivera ou fizera, tudo o que se tinha desenrolado à minha volta. Eu
era feito de minha história e tinha a certeza de que era bem eu.
Esta experiência me deu a impressão de uma extrema pobreza,
mas ao mesmo tempo de uma extrema satisfação. Não tinha mais
nada a querer nem a desejar; poder-se-ia dizer que eu era objetivo;
era aquilo que tinha vivido. No princípio, dominava o sentimento
de aniquilamento, de ser despojado; depois, isso também
desapareceu. Tudo parecia ter passado, e o que restava era um
facto consumado sem nenhuma referência ao que tinha sido antes.
Tive ainda uma outra preocupação: enquanto me aproximava do
templo, estava certo de chegar a um lugar iluminado e de aí
encontrar o grupo de seres aos quais na realidade pertenço. Então
finalmente compreenderia – isso também era para mim uma
certeza – em que relação histórica me alinhava, eu ou minha vida.
Eu saberia o que houvera antes de mim, porque me tornara o que
sou e para o que minha vida tenderia. Minha vida parecia ter sido
cortada por uma tesoura numa longa corrente e na qual muitas
perguntas ficaram sem resposta. Eu tinha certeza de que receberia
uma resposta a todas essas perguntas, assim que penetrasse o
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templo de pedra. Aí compreenderia porque tudo fora assim e não
de outra maneira. Eu me aproximaria de pessoas que saberiam
responder à minha pergunta sobre o antes e o depois. Enquanto
pensava nessas coisas, ergueu-se uma imagem: era meu médico,
ou melhor, sua imagem, circundada por uma corrente de ouro ou
por uma coroa de louros dourada. Quando ele chegou diante de
mim, pairando como uma imagem nascida das profundezas,
produziu-se entre nós uma silenciosa transmissão de pensamentos.
Realmente meu médico fora delegado pela Terra para trazer-me
uma mensagem: protestavam contra a minha partida. Não tinha o
direito de deixar a Terra e devia retornar. No momento em que
percebi essa mensagem a visão desapareceu. Dececionei-me
profundamente; tudo parecia ter sido em vão. O doloroso processo
de “desfolhamento” tinha sido inútil: não me fora permitido entrar
no templo, nem encontrar as pessoas às quais pertenço. Na
realidade, passaram-se ainda três semanas antes que me decidisse
a viver; não podia alimentar-me, tinha aversão pelos alimentos. O
espetáculo da cidade e das montanhas que via do meu leito de
enfermo parecia uma cortina pintada com furos negros ou uma
folha de jornal rasgada com fotografias que nada me diziam.
Dececionado, pensei: “Agora é preciso voltar para dentro das
caixinhas!” Parecia que atrás do horizonte cósmico, haviam
construído artificialmente um mundo de três dimensões no qual
cada ser humano ocupava uma caixinha. E de agora em diante
deveria de novo convencer-me que viver nesse mundo tinha algum
valor! A vida e o mundo inteiro se me afiguravam uma prisão e era
imensamente irritante pensar que encontraria tudo na mesma
ordem. Sentia resistência contra meu médico porque ele me
conduzira à vida.
Albert Heim
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Heim, então candidato ao doutorado em geologia, liderava
um grupo num íngreme campo de neve nos alpes suíços quando
perdeu o equilíbrio e escorregou de um penhasco. Durante uma
queda de mais de dezoito metros, ele não sentiu dor – isso veio
depois –, mas todos os seus pensamentos permaneceram coerentes
e muito claros. E o tempo ficou lento: “O que senti em cinco a dez
segundos não poderia ser descrito em dez vezes mais tempo.”
Heim teve muito tempo para tomar decisões práticas durante a
queda. Decidiu ficar com o cajado da neve, pois ainda poderia ser
útil, e pensou em tirar os óculos, para o caso de eles se quebrarem.
Também decidiu chamar seus companheiros imediatamente, caso
sobrevivesse à queda, para que eles não se apressassem
indevidamente na sua própria descida pelo penhasco perigoso.
Mas isso não foi tudo. Ele prossegue: “Meu pensamento seguinte
foi que eu não seria capaz de dar minha palestra inaugural na
universidade que havia sido anunciada para cinco dias depois.
Pensei em como a notícia da minha morte chegaria a meus entes
queridos e consolei-os em meus pensamentos. Então vi toda a
minha vida passada acontecer em muitas imagens, como se
estivesse num palco a alguma distância de mim. Me vi como o
personagem principal da atuação. Tudo foi transfigurado como se
por uma luz celestial e tudo era belo, sem tristeza, sem ansiedade e
sem dor. A memória de experiências muito trágicas que tive era
clara, mas não triste. Não senti conflito ou contenda; o conflito foi
transmutado em amor. Pensamentos elevados e harmoniosos
dominavam e uniam as imagens individuais e, como música
magnífica, uma calma divina varreu minha alma. Fiquei cada vez
mais cercado por um esplêndido céu azul com delicadas nuvens
rosadas e violetas. Entrei nele sem dor e suavemente e vi que
agora eu estava caindo livremente pelo ar e que lá em baixo um
campo de neve me esperava. Observações objetivas, pensamentos
e sentimentos subjetivos eram simultâneos. Então ouvi um barulho
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e minha queda terminou.” Após o impacto, Heim ficou
inconsciente por meia hora. Seus companheiros tiveram de
carregá-lo até às cabanas mais próximas. No entanto, cinco dias
depois, ele deu sua palestra inaugural dentro do prazo e,
aparentemente, com bons resultados. Mais tarde, em 1892, Heim
publicou uma coleção de relatos de alpinistas que caíram nos
Alpes, de soldados feridos em guerra, de trabalhadores que caíram
de andaimes e de indivíduos que quase morreram em acidentes ou
por afogamento. Todos relataram experiências de vida após a
morte. Esse livro, chamado “Observações sobre Quedas Fatais”
foi traduzido para o inglês em 1972 e é o precursor das
investigações de experiências de quase-morte dos tempos
modernos.
Eben Alexander
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qualquer tipo de amor que temos aqui na Terra. Era algo mais
elevado, que trazia em si todos esses amores, porém mais
verdadeiro e puro que qualquer um deles. Sem usar palavras, ela
falou comigo. Sua mensagem me atingiu como um vento, e
compreendi imediatamente que ela era verdadeira. A mensagem
tinha três partes, e se tivesse que traduzi-la em linguagem terrena,
eu diria que era mais ou menos isto: “Tu és amado e valorizado
imensamente, para sempre.” “Não há nada a temer.” “Não há nada
que possas fazer de errado.” A mensagem me proporcionou uma
imensa sensação de alívio. Era como se eu passasse a conhecer as
regras de um jogo que havia jogado a vida inteira sem nunca tê-lo
compreendido de todo. “Nós te mostraremos muitas coisas aqui,”
a menina me disse, de novo sem usar palavras, apenas projetando
a essência do significado delas em mim. “Mas, no fim, tu irás
voltar.” Em seguida me vi num lugar cheio de nuvens. Mais alto
que as nuvens – imensuravelmente mais alto –, num aglomerado
de esferas transparentes, seres deslumbrantes se deslocavam em
arco por todo o céu, deixando grandes rastros atrás de si. Eram
muito diferentes de qualquer coisa que eu tivesse conhecido neste
planeta. Eles eram mais evoluídos. Superiores. Um som forte e
majestoso, como uma música sacra, veio de cima, e me perguntei
se aqueles seres superiores estariam produzindo esse uníssono.
Refletindo sobre isso mais tarde, me ocorreu que a alegria dessas
criaturas era tão imensa que elas tinham que manifestar esse som –
como se fosse uma emoção impossível de conter. Era algo
palpável e quase material, assim como uma chuva que se sente na
pele, mas que não nos deixa molhados. Ver e ouvir não eram
coisas separadas naquele lugar. Eu podia ouvir a beleza dos corpos
daqueles seres cintilantes e, ao mesmo tempo, ver a perfeição do
que eles cantavam. Parecia que não era possível ver ou escutar
qualquer coisa ali sem se tornar parte dela – sem se fundir com
aquilo de alguma forma misteriosa. Lá tudo era diferente e, no
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entanto, fazia parte de algo maior, como os belos desenhos
entrelaçados nos tapetes persas, ou como nas asas de borboleta.
Continuei avançando e me vi entrando num imenso vazio, escuro,
infinito em tamanho, mas também infinitamente prazeroso. Ao
mesmo tempo que era negro, estava repleto de luz: uma luz que
parecia vir de uma esfera brilhante que agora eu sentia próxima a
mim. Mais tarde, quando já estava de volta a este mundo,
encontrei uma citação do poeta cristão do século XVII, Henri
Vaughan, que chega próximo da descrição desse lugar – esse
amplo centro escuro que era o lar do Divino: “Existe em Deus,
alguns dizem, uma profunda e ofuscante escuridão.” Era
exatamente isto: uma escuridão absoluta que também era repleta
de luz. Compreendi que sou parte do Divino e que nada,
absolutamente nada, pode tirar isso de mim.
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bispo doente, de repente viu alguns homens em túnicas brancas se
aproximando. O brilho de seu semblante ultrapassava em muito o
esplendor de suas vestes. Deslumbrado com o brilho da visão, o
menino começou a perguntar em voz alta e animada quem eram
esses homens. Despertado por sua voz, o bispo também ergueu os
olhos para ver os visitantes e, reconhecendo imediatamente quem
eram, tentou acalmar o menino, que a essa altura estava tremendo
de medo. “Não temas, meu rapaz,” disse ele. “Os dois mártires,
São Juvenal e São Eleutério, vieram visitar-me.” Mas o menino
saiu correndo da sala o mais rápido que pôde tomado de terror
com a visão incomum e contou ao pai e aos médicos o que tinha
visto. Imediatamente eles desceram para ver por si próprios e
encontraram o bispo já morto. Os santos mártires, diante dos quais
o menino ficou tão assustado, levaram sua alma com eles.
Sérvulo
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recebia na forma de esmolas, ele pedia que distribuíssem pelos
pobres. Ele não sabia ler nem escrever; ainda assim, ele comprou
para si os livros sagrados da Escritura e fez com que fossem lidos
para ele regularmente por pessoas religiosas que costumava
convidar para sua casa como hóspedes. Assim, à sua maneira, ele
adquiriu conhecimento de toda a Escritura, embora, como eu
disse, ele fosse bastante analfabeto. Em seus sofrimentos, ele se
dedicava dia e noite às orações de agradecimento e aos hinos de
louvor. Quando chegou a hora de receber a recompensa por sua
paciência, a dor em seus membros se concentrou em seus órgãos
vitais. Percebendo que a morte estava próxima, ele pediu aos
estranhos e convidados que se levantassem e recitassem com ele
os salmos para os moribundos. Enquanto ele cantava os salmos
com eles, esperando a morte, repentinamente interrompe sua
oração dizendo, “Escutem.” “Não ouvem os belos hinos ressoando
no céu?” Quando voltou sua mente para prestar atenção às
melodias que ressoavam dentro dele, sua alma foi libertada do
corpo. À sua partida, um odor perfumado se espalhou pela sala,
dando a todos uma sensação de deleite indescritível. Eles agora
estavam certos de que os coros do céu o haviam recebido em sua
companhia.
David Wheeler
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certeza se esses sons seriam fruto da minha imaginação ou o
murmúrio de espíritos que ali estivessem perto. A minha
consciência foi-se obscurecendo e o mundo ao meu redor
transformou-se num túnel quente e acolhedor de paredes que
refletiam uma luz vermelho-alaranjada. Sentia-me como se
estivesse a olhar para o brilho do fogão de um abrigo de montanha
numa estância de ski, depois de ter passado o dia inteiro lá fora, ao
frio. O fogo atrai-nos e faz-nos sentir seguros. De repente, senti
um grande bem-estar. Depois, percebi que algo se transformara
dentro de mim. Nunca me acontecera nada de semelhante até
então, nem voltou a acontecer. Mas lembro-me muito bem de
tudo. Senti que me afastava do meu corpo. Dei-me conta de uma
nítida separação em relação a ele. Nada daquilo se assemelhava a
um sonho, nem se tratava de uma alucinação. Sabia apenas
intuitivamente que uma parte do meu ser se afastava da outra. Não
estava assustado. Era uma sensação agradável. Comecei a flutuar
um pouco acima do meu corpo. Tudo à minha volta mudava de
perspectiva. Em vez de confiar nos meus sentidos para recolher as
informações do mundo circundante, passei eu a fazer parte do
mundo. Liberto de quaisquer perceções físicas, simplesmente
conhecia e percebia tudo o que se passava em redor. Sabia que
estava a morrer e não tinha medo. O abandono total do meu
espírito soltando-se do corpo físico deu-se sem qualquer surpresa.
Foi agradável — muito estranho, mas aceitei isso perfeitamente.
Era como se sempre tivesse sabido que este processo era possível
e que, quando isso aconteceu realmente, a vida e o depois
deixaram de ter segredos para mim. Tornei-me simultaneamente
uma parte integrante e um observador. Passei a ser uma forma sem
substância palpável. Sem olhar para baixo, dali onde me
encontrava, sabia que o meu corpo jazia na cama do hospital. Tive
um vislumbre transcendental de uma outra existência. E depois
voltei. A chama bruxuleante que parecia estar a conduzir-me,
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extinguiu-se subitamente.
John Lilly
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A lancinante dor de cabeça, a náusea e os vômitos forçaram-
me a abandonar o meu corpo. Tornei-me um centro focal de
consciência, viajei para outros espaços e encontrei outros seres,
entidades ou consciências. Vou tentar traduzir em palavras o que
aconteceu: Estou num amplo espaço vazio sem nada em nenhuma
direção, exceto luz. Há uma luz dourada que permeia todo o
espaço, em toda parte e em todas as direções, para além do
infinito. Sou um só ponto de consciência, de sentimento, de
conhecimento. Sei que sou. Isso é tudo. O espaço onde estou é
pleno de paz, assombro e inspira reverência. Não tenho corpo.
Não necessito de um corpo. Não há corpo. Sou apenas eu. Pleno
de amor, calidez e resplendor. Subitamente, à distância, aparecem
dois pontos semelhantes de consciência, fontes de radiância, amor,
calor. Sinto sua presença, vejo sua presença, sem olhos, sem
corpo. Sei que estão lá, então estão lá. À medida que se movem
em minha direção, sinto-os cada vez mais interpenetrando meu
próprio ser. Eles transmitem pensamentos confortantes, reverentes,
assombrosos. Percebo que se trata de seres bem maiores que eu.
Eles começam a ensinar-me. Dizem-me que posso ficar neste
lugar, que deixei meu corpo, mas que posso voltar a ele se assim o
desejar. Então, mostram-me o que aconteceria se deixasse meu
corpo para trás – um caminho alternativo que posso decidir tomar.
Mostram-me também aonde posso ir se permanecer neste lugar.
Dizem-me que não é hora de abandonar meu corpo de modo
definitivo, que ainda tenho uma opção de voltar a ele. Estou
absolutamente seguro de que eles existem. Não tenho dúvida
alguma. À medida que se aproximam de mim, encontro cada vez
menos de mim mesmo e cada vez mais deles em meu ser. Eles se
detêm a uma distância crítica. Se chegassem mais perto, me
dominariam e eu perderia a mim mesmo como uma entidade
cognitiva, fundindo-me com eles. Eles acrescentam que eu os
separei em dois, mas que na realidade são um no espaço onde eu
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próprio me encontro. Dizem que insisto em continuar a ser um
individuo, impingindo assim uma projeção sobre eles, como se
fossem dois. Comunicam-me em seguida que se eu retornar a meu
corpo, eventualmente perceberei a unidade deles, a minha e a de
muitos outros. Eles dizem que são meus guardiões. Consigo
percebê-los quando estou perto da morte do corpo. Neste estado,
não há tempo. Há uma perceção imediata do passado, do presente
e do futuro, como se estivessem no momento presente.
Anita Moorjani
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profundamente influenciadas pelo drama que estava se
desenrolando em volta da minha forma inerte. Tão logo comecei a
me envolver emocionalmente com o drama que estava ocorrendo à
minha volta, também me senti simultaneamente sendo afastada,
como se houvesse uma realidade mais ampla, um plano mais
grandioso, que estivesse se desenvolvendo. Pude sentir meu apego
retroceder enquanto começava a entender que tudo era perfeito e
estava acontecendo de acordo com o plano. Comecei a dar-me
conta de que estava continuando a expandir-me e a preencher cada
espaço, até não haver mais nenhuma separação entre mim e tudo o
mais. Eu abarquei – não, eu me tornei – tudo e todos. Era como se
não estivesse mais restrita pelos limites do espaço e do tempo, e
continuasse a espalhar-me para ocupar uma extensão maior de
consciência. Enquanto continuava a mergulhar cada vez mais
profundamente na outra esfera, expandindo-me para fora,
tornando-me tudo e todos, senti todo meu apego emocional a meus
entes queridos e a meu ambiente gradualmente desaparecer. O que
só posso descrever como um esplêndido e glorioso amor
incondicional me circundou, envolvendo-me com força à medida
que eu continuava a entregar-me. Eu não tinha a sensação de ter
ido fisicamente para outro lugar – era mais como se tivesse
despertado. Minha alma estava finalmente alcançando a sua
verdadeira magnificência! E, ao fazer isso, ela estava se
expandindo além do meu corpo e deste mundo físico. Ela se
estendia cada vez mais para fora, até abranger não apenas esta
existência, mas continuava a se expandir em outra esfera, que
estava além deste tempo e espaço, e ao mesmo tempo o incluía.
Amor, alegria, êxtase e admiração se derramavam em mim,
através de mim, e isso me engolia. Fui absorvida e envolvida por
um amor maior do que eu jamais imaginara existir. Eu me sentia
mais livre e viva do que nunca. Também me conscientizei de
outros seres à minha volta. Não os reconheci, mas sabia que eles
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me amavam muito e estavam me protegendo. Compreendi que
estavam ali o tempo todo, envolvendo-me com muito amor,
mesmo quando eu não estava consciente disso. Embora eu não
estivesse mais usando os meus cinco sentidos físicos, minha
perceção era ilimitada, como se um novo sentido tivesse se
tornado disponível, sentido esse que era mais intenso do que
qualquer uma de nossas faculdades usuais. Eu tinha uma visão
periférica de 360 graus, com uma consciência total do meu
ambiente. E, por mais incrível que possa parecer, isso parecia
quase normal. Estar num corpo parecia agora limitante. O tempo
também parecia diferente naquela esfera, e eu sentia todos os
momentos ao mesmo tempo. Eu estava consciente de tudo o que
me dizia respeito – passado, presente e futuro – simultaneamente.
Tomei consciência do que pareceram ser vidas simultâneas sendo
representadas. Compreendi que o universo inteiro está vivo e
impregnado com consciência, abrangendo toda a vida e natureza.
Tudo pertence a um todo infinito. Somos todos facetas dessa
unidade – somos todos um.
A. J. Ayer
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natureza deixaram de funcionar como deveriam. Senti que cabia a
mim consertar as coisas. Vi ali também uma maneira de apagar a
luz dolorosa. Presumi que ela estava sinalizando que o espaço
estava errado e que se desligaria quando a ordem fosse restaurada.
Infelizmente, eu não tinha ideia de para onde os guardiões do
espaço tinham ido e temia que, mesmo se os encontrasse, não seria
capaz de me comunicar com eles. Então ocorreu-me que, embora
até o século atual os físicos aceitassem a separação newtoniana de
espaço e tempo, tornou-se costume, desde a defesa da teoria geral
da relatividade de Einstein, tratar o espaço-tempo como um todo.
Consequentemente, pensei que poderia curar o espaço operando
sobre o tempo. Estava vagamente ciente de que os ministros
encarregados do tempo estavam na minha vizinhança e comecei a
saudá-los. Mas fiquei novamente frustrado. Ou eles não me
ouviram, ou optaram por me ignorar, ou não me compreenderam.
Então, comecei a andar para cima e para baixo, agitando meu
relógio, na esperança de chamar a atenção deles, não para o
relógio em si, mas para o tempo que ele media. Isso não suscitou
resposta. Fiquei cada vez mais desesperado, até que a experiência
repentinamente chegou ao fim.
Victor Solow
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vibravam com uma intensa forma de energia — energia pura, em
bruto. Entrei sem dúvida numa outra realidade no momento exato
em que morri e a diferença entre ela e as experiências desta vida é
tão grande que se torna impossível traduzi-la ou explicá-la aos
outros. A minha experiência não pode ser compreendida a não ser
através da experiência da própria morte. A forma como me
relacionei com a tal rede gigantesca e vibrante foi algo de
inteiramente novo para mim. Era como se eu estivesse a perceber
qualquer coisa de um modo absolutamente único. Nada daquilo
tinha a ver com o nosso quadro de referências nem com os nossos
métodos atuais de perceber as coisas. A minha perceção do
universo através do qual eu voava, ultrapassa as experiências
sensoriais que vivemos neste mundo. O vazio do universo
rodeava- me e servia de pano de fundo à rede palpitante de
vibrações. Esse vazio universal não tinha cor. Não posso afirmar
que fosse negro, era outra coisa diferente. Talvez fosse uma total
ausência de luz, nem emitida nem refletida. A determinada altura a
velocidade com que me deslocava em direção àquela energia
fortíssima da rede, pareceu abrandar. Os fios e os nós continuavam
a emitir um brilho radioso, vibrantes de energia. Passei então a
fazer parte dessa teia. Foi aí que se deu uma segunda
transformação, no momento em que tomei contato com ela. O que
quer que eu fosse anteriormente, o certo é que isso, ao primeiro
contato com a teia foi drenado, absorvido e alterado — tudo ao
mesmo tempo. Contudo, não senti dor nem me assustei.
Transformei-me por completo. Tornei-me num eu diferente, na
mais simples essência do meu eu anterior. Da minha vida passada
de medos, esperanças e preocupações, emergiu ou foi recriado, um
novo eu. Transformei-me num ser indestrutível — num espírito
puro, em energia absoluta. Mas já não constituía uma entidade
separada, pois passara a fazer parte do universo. Integrava-me nele
de forma perfeita e harmoniosa. O meu espírito ficou calmo e
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sossegado. Já não precisava de nada. Senti que havia algo mais
além daquilo. Não sei ao certo o que era, nem como descrevê-lo.
Foi então que senti uma pancada e, de súbito, regressei à mesa da
sala de emergência onde jazia o meu corpo.
Peter Panagore
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através dela de alguma forma. A porta em si estava brilhando e
fluindo, como uma cachoeira, só que não era água e era
simultaneamente translúcida e transparente. Estendi a mão com
meu ser para tocar o brilho, para senti-lo, e o fiz. Toquei o brilho
com algo parecido com uma mão, mas não tinha mão. O brilho
estava vivo. O portal estava vivo. Eu sentia a vida nele. Era
energia viva. Senti a energia da vida fluindo na luz bruxuleante e a
senti fluir para dentro de mim. Simultaneamente, ouvi meu nome
ser chamado do fundo, bem dentro de mim, mas também além de
mim. Era o nome da minha alma, e foi dito com Amor além da
imaginação, além da compreensão. Era o Amor que era Real e o
Amor que é Realidade. Era e é o meu nome que só Deus pode
falar. Eu ouvi meu nome vindo de fora de mim e de dentro de
mim, mas não era uma palavra. Eu pertencia Àquele que me criou
e, de repente, sabia dessa verdade e o que ela significava. Não
houve palavras faladas. Não havia linguagem. Não houve nenhum
som. A voz me conhecia plena e completamente e não havia
nenhuma parte de mim que lhe fosse desconhecida. Eu fui
revelado, totalmente revelado, em toda a minha beleza e
hediondez. Cada ação, cada amor, cada ódio, cada tristeza, cada
alegria, cada lágrima e cada sorriso estava lá, e não havia cantos
escuros e escondidos acerca de mim. A voz não era nem homem
nem mulher, nem velho nem jovem. A voz era pura e sagrada, e
apenas Amor, e Beleza, e Luz, Todo-Poderoso Criador. Ver, ouvir,
ser, sentir, pensar era tudo uma coisa só para mim. E então a voz
me encheu com um sopro imerecido de Amor e Esperança e
Alegria e Beleza e Verdade e Caridade e Bondade e Compaixão e
Paciência, e era tudo uma combinação indescritível e amalgamada.
Eu estava no limiar do céu, no portal, e Deus me deu o dom
imerecido do céu dentro de mim. Neste nosso mundo, aqui na
terra, separamos Amor e Esperança e Alegria e Beleza e Verdade e
Caridade e Bondade e Compaixão e Paciência em coisas
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diferenciadas. Não é assim no céu. No céu, elas são uma só coisa;
elas estão unidas e emanam do divino que é unidade. Eu estava
preenchido, transbordando com esta unidade. Eu me tornei o
Amor e Esperança e Alegria e Beleza e Verdade e Caridade e
Bondade e Compaixão e Paciência. Eu estava nu, estava exposto.
E fui amado além da imaginação, além da compreensão. Então
testemunhei e sofri cada instância de dor, cada instância de pecado
desde o meu nascimento, numa sequência rápida e completa. Senti
a dor que causei a outros, que eles sentiram, e foi avassaladora,
como um fogo doloroso, mas purificador, em minha alma. Todas
as feridas que já causei, grandes ou pequenas, intencionais ou não,
foram empilhadas para eu ver, sentir e experimentar. Diante do
Grande Amor, eu não era nada e não tinha nada com que me
defender. E de repente, sem merecimento, fui perdoado total,
completamente e instantaneamente. Eu não merecia misericórdia.
Toda a dor que causei desapareceu.
H. B.
25
minha descoberta de que havia alguma coisa em mim que não era
eu mesmo. Comecei a ver e, vendo, comecei a raciocinar e assim
acabei encontrando meu mundo objetivo. Como no estágio
anterior, eu não tinha o que fazer com o tempo e portanto, para
mim, não havia tempo. Este estágio poderia ter durado uma
eternidade, no que tange à minha consciência dele. Eu me ocupei
em estudar primeiro a mim mesmo e depois as coisas ao meu
redor, e assim a infinita paz de minha primeira experiência foi
rompida. Incapaz de pensar de outra maneira, concluí que o que
via tinha de ser como eu mesmo e assim comecei meu
conhecimento desse mundo exterior transferindo para seus objetos
o que encontrava em mim mesmo. Este estágio durou em minha
experiência do momento em que vi coisas ao meu redor até o
despertar da ciência experimental. Então me familiarizei com o
começo de todo conhecimento e especialmente de toda religião.
Naturalmente, a autoconsciência logo voltou e eu retornei a meu
velho mundo outra vez. Desde aquela hora minha experiência tem
parecido maior do que a de minha vida anterior. Agora, nada é
mais confuso ou obscuro. Minha expansão espiritual tem sido
rápida nestes três ou quatro últimos anos. Vivo no mundo mas
para mim mesmo não pareço pertencer a ele!
A. J. S.
26
esperança e achei que não havia mais nada por que eu vivesse ou
que pudesse esperar. Um dia, neste estado, estava deitada
tranquilamente em minha cama quando uma grande calma pareceu
tomar conta de mim; adormeci, mas acordei poucas horas depois,
vendo-me então numa torrente de luz. Fiquei alarmada. Depois
pareceu-me ouvir as palavras, “Fica tranquila,” várias vezes. Não
posso dizer que era uma voz, mas ouvi as palavras claramente,
distintamente, assim como ouvia a música que saía da velha
escrivaninha, na minha infância. Pus minha cabeça debaixo do
travesseiro, para não ouvir aquele som, mas continuei a ouvi-lo do
mesmo jeito. Fiquei deitada naquela posição durante o que me
pareceu um longo tempo, em que pouco a pouco fui ficando
novamente no escuro. Sentei-me na cama. Não compreendia nada,
mas senti que aquilo significava alguma coisa. Aquela mesma
calma me veio várias vezes e sempre antes da luz. Depois daquela
noite minha recuperação foi firme, sem ajuda de qualquer tipo, de
médico ou de remédios. Quando a luz me veio outra vez, algum
tempo depois, perguntei a meu marido se a tinha visto e ele disse
que não. Não tenho tentado cultivá-la, visto que não a
compreendo. Só sei que, se antes antes eu era um caco, hoje estou
bem e forte física e mentalmente e, se antes gostava da excitação
de uma vida pública, agora gosto da tranquilidade de uma vida
caseira e com uns poucos amigos. Na época em que vi a luz pela
primeira vez eu tinha 24 anos. No total eu a vi três vezes. Agora,
quanto às experiências intelectuais e morais que se seguem
imediatamente à luz, é quase impossível descrevê-las, pois as
palavras são muito pobres como meio de expressar quer o
sentimento quer a visão que me vieram naquela ocasião. Creio que
o intelecto jamais poderia me dar, com todo o estudo do mundo, o
que me foi revelado durante essa experiência e o que se seguiu
imediatamente à presença da luz. Para mim, isso transcende a
expressão intelectual. Consiste em ver interiormente e a palavra
27
harmonia poderia talvez expressar uma parte do que é visto.
L. L.
28
perguntou: “Queres ficar ou queres voltar?” Não lembro se essas
eram as palavras exatas, mas esse era o significado implícito.
Também não sei dizer ao certo se foram faladas em voz alta ou se
apenas encheram minha cabeça de tal forma que pareciam ter sido
faladas. Eu sabia que precisava tomar uma decisão e não era fácil
decidir. Tenho duas filhas e na época elas tinham oito e doze anos
e, embora quisesse ficar, dizia para mim mesmo que precisava
voltar por elas. Num instante, eu estava viajando na escuridão,
exatamente no sentido contrário do que fizera no início. Quando
voltei, lá estava eu deitado de costas no quintal olhando para o céu
azul. Senti-me ótimo e não pensei em nada, exceto de onde eu
tinha acabado de vir. Tinha machucado a minha medula espinhal
causando uma paralisia temporária e tenho muita sorte de estar
andando. Passados dezesseis anos, ainda não esqueci essa
experiência. Na verdade, ela me trouxe muito conforto sobre a
morte e o que nos espera após a morte. Tenho doença pulmonar
obstrutiva crônica e uso oxigenoterapia 24 horas por dia, 7 dias
por semana, mas não tenho o menor medo de morrer.
Joseph Geraci
29
você se torna isso. Eu poderia dizer que era paz, era amor, era o
brilho, tudo era parte de mim. Não me lembrava de nada
biológico. Não é como se pudesse ver alguma coisa, porque a
visão biológica é necessária aqui, o ouvir é necessário aqui, a
linguagem é necessária aqui, mas não lá. Lá apenas sabia, era
onisciente, tudo era uma parte de mim, era tão belo. Era a
eternidade. É como se eu sempre estivesse lá e sempre estarei lá,
que minha existência na terra foi apenas um breve instante. É um
conceito difícil de entender a eternidade, porque quando se
compara com o tempo, o tempo exige progressão, as coisas têm
uma sequência, as coisas se sucedem, mas lá era tudo de uma só
vez, não havia passagem de uma coisa para outra. Acho que fiquei
inconsciente por um minuto e os médicos me trouxeram de volta.
Assim que regressei, a dor voltou imediatamente, o medo, tudo
que era humano voltou, e eu me lembro de ter ficado com muita
raiva por me terem trazido de volta. Então seguiram-se os seis
meses mais frustrantes da minha vida. Depois de experimentar a
perfeição em algo tão belo, a vontade era de me agarrar a isso, não
o perder e não foi fácil. Depois que me recuperei pela segunda vez
e fui para casa, tudo parecia ter mudado, era quase como se eu
estivesse começando minha vida de novo. Lembro-me, em minha
tentativa de manter esse sentimento e essa paz, que comecei a
esbarrar em coisas terrenas que sabia não iriam escapar de mim,
pois elas estão lá. Minha primeira experiência frustrante foi com a
televisão. Eu não conseguia assistir televisão. Havia um comercial
de cosmético, e desligava, porque era algo falso, desnecessário,
simplesmente não pertencia, era insignificante. Qualquer tipo de
violência, mesmo um filme de faroeste antigo, eu tinha que
desligar, porque para mim isso era ignorância total, simplesmente
não havia razão na terra para mostrar pessoas matando pessoas. E
isso era frustrante, especialmente quando a família estava sentada
tentando assistir televisão e eu me levantava e a desligava o tempo
30
todo. Então finalmente aprendi a ir para o meu quarto. Naquela
época um amigo muito próximo que era um padre, sentou-se
comigo algumas vezes e era muito compreensivo. Eu sabia que era
um homem que não havia experimentado o que eu experimentei,
mas ele parecia saber. Ele sabia do que eu estava falando, era
muito compreensivo. Talvez a coisa mais importante que fez por
mim foi ajudar-me a me reajustar, a aceitar a vida, a entender que
aquilo está ali e vai voltar.
B. B.
31
palavras adequadas para expressar minha alegria. De alguma
forma, eu sabia que se cedesse a esse sentimento e ficasse mais
tempo, não seria capaz de voltar. Retornar à vida. Assim que esse
pensamento ocorreu, minha visão voltou. A experiência acabou e
eu estava de volta ao meu corpo olhando para a sala. Fiquei pasmo
e assustado ao mesmo tempo. Percebi que não conseguia respirar.
Eu estava hiperventilando. Quando consegui respirar novamente,
levantei-me para ir até a cozinha para beber água e descobri que só
conseguia andar alguns metros sem perder o fôlego
completamente. Tomei uma aspirina e, em cerca de quinze
minutos, voltei ao normal, exceto por me sentir muito cansado.
Subi para descansar. No dia seguinte, domingo, minha perna
direita inchou e na segunda-feira fui ao médico. Ele chamou uma
ambulância e eu fui imediatamente levado para um hospital e
colocado na unidade de terapia intensiva para coagulação e todas
as embolias. Na sala de emergência, o médico pulmonar me
examinou. Ficou espantado de eu ter sobrevivido, pois tinha
coágulos sanguíneos nos pulmões e, no entanto, estava deitado ali
parecendo perfeitamente saudável. Com toda a dor que estou
sentindo por causa dos coágulos e todas as intervenções dos
médicos, pergunto-me se eu enganei a morte ou a morte me
enganou.
David Ditchfield
32
sendo jogado como uma boneca de pano. Então fui sugado para o
espaço entre o comboio e a plataforma e acabei na linha de
comboio, com ele voando acima de mim. Apesar do perigo, sentia-
me estranhamente calmo. Tudo se desenrolou lentamente, como
num sonho. Senti uma sensação sobrenatural e absoluta de calma.
Os paramédicos chegaram e fui levado às pressas para o hospital,
pois estava perdendo muito sangue. Pouco depois de lá chegar,
perdi a consciência normal e de repente me vi num ambiente
completamente diferente, imerso numa escuridão que parecia
quente e suave. Não sentia mais dor e sentia-me muito tranquilo.
Eu podia ver cores pulsantes como pequenas orbes, muito mais
brilhantes e nítidas do que quaisquer cores que já tinha visto na
minha vida normal. Olhar para elas foi realmente relaxante e
terapêutico. Era um lugar tão belo, com a sensação de que estava
sendo cuidado e apoiado. A sensação de amor ficou mais forte e
quando olhei para os meus pés, vi um enorme túnel de luz se
aproximando de mim. Eu senti, e ainda acredito nisso agora, que a
luz branca é a fonte de toda a criação. Nunca sonhei que veria algo
tão belo. Era a luz do amor puro e incondicional. Cada molécula
do meu corpo estava pulsando com amor e luz. Foi a sensação
mais incrível. Sentia-me mais vivo do que nunca. Parecia que
estava experimentando a verdadeira realidade, enquanto meu
velho mundo era apenas uma ilusão. Nesse ponto, tive certeza de
que estava morto, mas não senti nenhum medo ou arrependimento.
Coloquei a cabeça para trás e ri porque me sentia muito feliz.
Então, de repente, eu estava de volta ao hospital, com uma
confusão de barulho e luzes e pessoas e vozes frenéticas.
Daniel Evangelista
33
tive uma experiência onde uma espécie de abajur se abriu e vi uma
luz branca no que parecia ser um portal. Senti que devia passar por
ele, mas fiquei indeciso se passava ou não. Decidi então não
passar e o portal se fechou. Fiquei mais duas semanas no hospital
sem lembrar de mais nada. Depois de mais ou menos um mês, eu
tive uma outra experiência. Eu estava deitado e sem ter tomado a
medicação e de repente me vi de pé e passando do sofá para o
computador. Não estava sonhando. Eu era uma bola de energia,
sem peso, do tamanho de uma bola de golfe. Sentia uma outra bola
de energia me seguindo, que tinha uma luz muito forte amarela.
Não cheguei a vê-la, mas sabia que ela estava lá. Não sei quem
era. Eu acho que era o meu anjo da guarda. Ela não falava nada,
apenas me seguia, e parecia fazê-lo de um outro plano. Eu não
tinha corpo físico, mas conseguia ver, ouvir e mastigar. Eu estava
voando ou flutuando. Então olhei para baixo e vi uma cidade tipo
Manhattan, com vários prédios e arranha-céus, velhos,
abandonados, tomados por vegetação, e não tinha ninguém lá. Eu
diria que era um lugar destruído. Não sei dizer se é algum cenário
futurista da Terra, mas a sensação que tive foi a melhor sensação
que já experimentei. Era uma sensação fantástica. Uma sensação
muito boa de desapego total, irrestrito. Apesar do cenário
desolador, o que estava vendo não tinha importância. Então,
depois de viajar por lá não sei por quanto tempo, uma voz me
falou diretamente na mente. Ela me deixou saber precisamente o
que eu precisava saber. Sinto que era isso que a voz me queria
mostrar, esse desapego total e irrestrito. Mas não de coisas. De
coisas é muito fácil desapegar-se. O desapego que ela me queria
mostrar era o desapego de pessoas, de parentes, de pai, de mãe, de
esposa, de filho, de filha, de todos. É muito importante para nós
termos esse desapego aqui, pois é o apego que nos mantém presos
à Terra, e o desapego gradual nos vai libertando. Haviam também
outras pessoas lá, outras energias. E essa voz me disse que lá não
34
havia género, não havia masculino nem feminino. Me foi
mostrado também um lugar mau. Era um lugar que não tinha
gemido, não tinha fogo, não tinha nada disso, mas a sensação era
uma sensação imensa de depressão, de desolação. Eu queria sair
depressa de lá e acabei saíndo. Depois de viajar não sei por quanto
tempo nesse lugar, voltei para a Terra. Voltei e tinham se passado
só cinco minutos. Isso era assim porque lá não tem tempo. O
tempo é coisa daqui. Tentei segurar aquela sensação indescritível,
mas ela acabou por desaparecer. Ainda hoje me pergunto porque
voltei para aqui, se lá era tão bom e eu queria ter ficado lá. Não
queria voltar para este corpo que estava apodrecendo. Ao entrar
novamente nele, retornou o peso, e a dor e o apego. Nunca
esquecerei esta experiência. Não é questão de fé. Eu vi, é a
realidade. Vi que a vida na Terra é muito fugaz, um sopro, mas
como estamos aqui pensamos que é muito.
Tespésio de Soli
35
Arideu reconheceu uma alma, a de um parente, embora não
distintamente, pois ele era apenas uma criança quando o parente
morreu; ele aproximou-se e disse: “Saudações, Tespésio.” Este
guia então levou Tespésio num passeio pelas várias regiões do
outro mundo. Essas regiões incluíam um grande abismo que se
estendia por todo o caminho, chamado de lugar de Lete, e outro
abismo profundo no ambiente, que era uma grande cratera com
riachos fluindo nela, uma mais branca que a espuma do mar ou
neve, outra como o violeta do arco-íris, e outras de tons diferentes,
cada uma tendo um brilho próprio. Tespésio também viu uma
região com aqueles que estavam sofrendo punição. O espetáculo
final de sua visão foi o das almas voltando a um segundo
nascimento, sendo forçadas a caber em todos os tipos de coisas
vivas. Enquanto ele estava assistindo a esta cena, uma mulher se
interpôs, e ele foi repentinamente puxado para longe como por
uma corda e lançado numa rajada de vento forte, abrindo os olhos
novamente quase de seu túmulo.
Natalie Sudman
36
propósitos. Como eu havia sido transferida abruptamente do plano
físico para aquele, era mais simples percebê-las numa forma
humana, usando vestes brancas brilhantes. Muitos desses milhares
me eram familiares, e todos eram meus iguais, independentemente
de sua admiração por minha última façanha tola na terra. (Quão
intrépido é, realmente, optar por explodir?) Eu sabia que a
Reunião era uma reunião de muitos grupos que representam uma
ampla variedade de interesses e responsabilidades pertencentes
não apenas diretamente às energias terrenas e físicas do universo,
mas também a dimensões e questões além. A coisa que
comuniquei primeiro foi que eu estava cansada e não tinha
interesse em retornar ao plano físico. Entendia que a decisão era
minha, e neste ponto minha decisão era terminar minha existência
física. Imediatamente depois disso, ou talvez mais precisamente
ocorrendo dentro disso, eu apresentei o que parecia ser, segundo
minha perceção atual, uma transferência de informação na forma
de uma matriz inexplicavelmente complexa. A informação era
minuciosamente detalhada e amplamente conceitual, ao mesmo
tempo em camadas e infinitamente densa, mas elegantemente
simples. Incluía eventos, pensamentos, incidentes, indivíduos e
grupos em todas as suas complexidades de relacionamento:
histórias, conceitos, conexões, nuances, julgamentos e projeções.
Incluía equações cinéticas, dimensões, símbolos e fluxos. Em vez
de ser uma cena clássica da vida passando diante dos nossos
olhos, esta comunicação era uma coleção que enfatizava o que
pode ser amplamente entendido como informação cultural e
política. Eu estava ciente de ter oferecido deliberadamente os
dados condensados em cumprimento a um pedido que havia sido
feito por esta Reunião de personalidades antes de eu assumir este
corpo para esta vida física. Enquanto as personalidades digeriam a
matriz que disponibilizei, novamente me espantei com a
admiração que me foi enviada. Eles ficaram claramente
37
impressionados não apenas com a minha aparência intrépida, mas
também com a profundidade e amplitude das informações que eu
estava fornecendo. Mesmo assim, percebi que a tarefa era fácil e
as informações óbvias, portanto, indignas de admiração. Quando a
forma de pensamento ou matriz foi absorvida por todos, o que
levou apenas alguns segundos, as discussões prosseguiram entre
os vários grupos e dentro de toda a Reunião. Isso pode parecer
impossível considerando que havia milhares de pessoas presentes,
mas não era. Nenhuma sobreposição ocorreu, nenhuma
interrupção ocorreu, nenhum mal-entendido se formou e as
divergências foram respeitosa e cuidadosamente tratadas e
resolvidas. Toda comunicação foi realizada por meio do
pensamento. Eles então pediram que eu voltasse ao meu corpo
físico para realizar mais algum trabalho. Foi-me dado a entender
que minhas habilidades particulares eram necessárias neste
momento e só seriam eficazes se eu realmente estivesse presente
num corpo. Respondi que estava disposta, mas devido ao meu
nível de exaustão e desinteresse pelas dificuldades desta vida
física em particular até agora, solicitei que certa assistência fosse
fornecida nessa existência física. Enquanto todos nós digeríamos
alguns detalhes, eu me retirei para um lugar profundo, onde
poderia me recuperar e restaurar minhas energias. Outros seres
ajudaram nisso, fazendo a maior parte do trabalho enquanto eu
entrava numa espécie de profundo estado de repouso espiritual.
Do ponto de vista físico, esse estado durou o equivalente a séculos
em menos de um segundo. Quando voltei para a Reunião,
concordamos sobre tarefas específicas que eu realizaria e coisas
específicas nas quais eles me ajudariam quando eu estivesse de
volta ao físico. Esta não foi uma discussão acesa, como
poderíamos supor de nossa perspectiva cultural. Era mais uma
concessão de serviços genuinamente fácil, sem peso colocado no
valor ou custo relativo do esforço implícito em cada acordo.
38
Depois de concordar, fui para o lugar onde seria realizada a cura
de meu corpo físico. Deste local, eu podia ver meu corpo físico na
carrinha, a cabeça apoiada na minha mão direita, o cotovelo
apoiado na maçaneta da porta exatamente como eu havia deixado.
Também podia ver meu corpo como uma matriz de energia. Podia
observar que minha mão direita estava quase decepada no pulso,
meu pé e tornozelo direitos estavam gravemente mutilados e eu
tinha um ferimento profundo no meu torso direito. Havia um
grande buraco na minha cabeça: estava faltando um olho, o seio
frontal e uma parte do meu cérebro. Alguns seres de energia e eu
trabalhamos juntos, reparando rapidamente o corpo,
principalmente trabalhando através da matriz. Os ferimentos não
foram totalmente curados, já que alguns seriam úteis em situar-me
para tarefas que havia concordado em realizar ou coisas que eu
queria experimentar como um eu infinito completo. Enquanto
trabalhávamos, brincávamos um com o outro sobre o que deveria
e não deveria ser feito e casualmente nos engajamos em muitas
brincadeiras. Quando terminamos, agradeci a meus companheiros
e me mudei para outro lugar que serviu como um ponto de partida
conveniente. Lá, encontrei-me brevemente com alguns outros
seres que me eram familiares. Discutimos detalhes do que eu
havia concordado fazer, bem como alguns problemas pessoais.
Então, simplesmente respirei fundo e voltei para o corpo.
39
própria mente (paixões) que existiam próximas de mim, no espaço
livre, alimentando-se de meus sentimentos. Acreditava que todos
os demais as possuíssem também, embora sem percebê-lo, graças
à ilusão protetora e bem sucedida do sentimento de existência
pessoal. Julguei que a última fosse um artifício da memória,
complexos de ideias, etc., uma boneca bonita de se olhar, mas sem
qualquer conteúdo real. Eu queria aproximar-me das fontes mais
sublimes da existência. Deveria ter me preparado para isto durante
um período prolongado de tempo, invocando em mim um eu mais
elevado, impessoal, já que o “néctar” não é para lábios mortais.
Agia de modo destrutivo sobre o eu do animal humano, dividindo-
o em partes que gradualmente se desintegravam. Eu forçara o
acesso à fonte vital e a ira dos “deuses” caíra sobre mim. Ocorreu
então uma iluminação. Um eu maior, amplo e mais compreensivo
emergiu e pude abandonar a anterior personalidade com todo o seu
séquito. Vi que essa personalidade anterior jamais poderia penetrar
nas regiões transcendentais e senti uma dor terrível, um golpe
aniquilador, mas fui salvo, os demónios encolheram-se,
desapareceram, pereceram. Uma nova vida começou para mim e
de então em diante senti-me diferente das outras pessoas. Um eu
consistindo de mentiras convencionais, enganos, auto-ilusões,
imagens da memória, um eu exatamente como o dos outros tornou
a crescer em mim, mas por detrás e acima erguia-se um eu mais
amplo e mais compreensivo, que me impressionou, sendo dotado
de algo eterno, imutável, imortal e inviolável e que desde então
tem sido meu protetor e refúgio. Acredito que seria bom para
muitos conhecerem esse eu mais elevado e saberem que há gente
que alcançou este objetivo por meios mais tranquilos.
A. T.
40
depressão e decidi tentar o suicídio com uma overdose de
medicamentos para o coração. Estava pronto para morrer. Foi
então que vi no centro da minha visão um minúsculo ponto preto
infinitamente pequeno. Percebi que esse minúsculo ponto escuro
está na visão de toda a gente o tempo todo. É tão pequeno que é
como olhar para a ponta de uma agulha de frente, não de perfil. É
tão pequeno que não o percebemos, mas está sempre à nossa
frente e em tudo o que vemos. Não importa para onde olhemos,
ele está sempre no centro de tudo o que olhamos. É a morte. O
minúsculo ponto preto ficou maior, não porque tivesse mudado de
tamanho (não mudou), mas porque me aproximei dele.
Finalmente, ele cresceu até cobrir todo o meu campo de visão.
Nesse momento, eu me vi num lugar diferente com dois ou três
outros seres. Eles eram muito mais altos do que eu. Eu me sentia
muito pequeno e insignificante ao lado deles. Eles foram muito
compassivos comigo, apesar da minha inconsequência diante
deles. Eles mostraram-me a minha vida e falaram sobre ela.
Apontaram um acontecimento na minha infância quando eu tinha
quatro ou cinco anos, e um deles disse aos outros: “É por isso que
ele tinha que fazer grandes coisas,” e os outros concordaram. Eu
não sabia do que eles estavam falando e queria saber o significado
daquilo, mas de repente voltei para ao meu corpo, para o meu
quarto, para a minha cama. Dormi muito tempo, mas lembrei da
experiência. Eu não sabia o que eles queriam dizer com “grandes
coisas,” mas desde então, eu já atuei três vezes na Casa Branca
como músico e produzo um programa de rádio que é transmitido
para todo o mundo e ouvido por mais de um milhão pessoas a
cada semana e muitas outras coisas. Eu não percebi na época, mas
anos depois, percebi que suas palavras se tornaram realidade e que
minha tentativa de suicídio foi um erro estúpido, e que eu tive uma
segunda chance.
41
D. R.
42
podia vê-lo, mas podia senti-lo. Estava viajando a uma velocidade
enorme. A sensação de leveza estava presente. Comecei a sentir
medo e pânico, e então passei para o que acredito ser o outro lado.
Uma súbita calma tomou conta de mim e também uma nova
felicidade. Eu sei agora que enquanto estivermos presentes em
nossas conchas, ou corpos, não podemos sentir essa extensão de
paz, amor, tranquilidade e conforto. O túnel deu lugar a uma luz
imensa que não podia ser vista, mas sim sentida. Tudo era
ofuscante, mas não no mesmo sentido de como olhar para o sol ou
para um arco de solda. Era mais um fenómeno da segunda visão.
Comecei a comunicar-me com algo vasto e todo-poderoso,
onisciente e verdadeiro na mais pura definição. Não era como se
estivéssemos falando de pessoa para pessoa, mas sim diretamente
na mente. Eu entendo perfeitamente agora como as palavras são
incapazes de compreender uma experiência espiritual. As palavras
não chegam perto. Acho que todos nós iremos experimentar coisas
semelhantes um dia. De repente, senti que esse vasto poder ficou
muito chateado comigo e senti um medo além das palavras quando
fui atirado como um raio de volta ao meu corpo. Recuperei a
consciência e quando abri os olhos, descobri que estava deitado
numa cama de hospital.
Louise
43
eu estivesse usando óculos que não consigo ver, como se houvesse
um zíper para abrir.” Hoje ela já não sente tanto; ela se descreve
como entorpecida e é raro chorar mesmo quando tem vontade. Seu
corpo não parece uma parte dela: “Às vezes eu bato na minha mão
ou belisco minha perna só para sentir algo e saber que está lá.”
Louise muitas vezes sente que uma parte dela está “atuando”. “Ao
mesmo tempo, há uma outra parte cá dentro que não se está
conectando com o eu que está falando consigo,” diz ela. Quando a
despersonalização é mais intensa, ela sente que simplesmente não
existe. Essas experiências a deixam confusa sobre quem ela
realmente é e, muitas vezes, ela se sente como uma “atriz” ou
simplesmente, “uma farsa”.
Alphonse Daudet
A primeira vez que percebi que eu era dois foi por ocasião da
morte de meu irmão Henri, quando meu pai gritou tão
dramaticamente que ele estava morto. E ao passo que o meu
primeiro eu chorava, o segundo pensava: “Como foi natural e
espontâneo esse grito, como ele ficaria bem no teatro!” Eu tinha,
então, catorze anos. Essa horrível dualidade forneceu-me,
reiteradas vezes, matéria para reflexão. Esse terrível segundo eu,
sempre sentado enquanto o outro está de pé, agindo, vivendo,
sofrendo, atarefando-se. Esse segundo eu que nunca fui capaz de
embebedar, de fazer chorar, ou de adormecer. E como ele enxerga
o fundo das coisas, como zomba!
44
Olho da janela a 40 metros de altura e pergunto onde o céu
termina. Ou me vejo sentado nessa reunião discutindo os
resultados e as promoções de vendas como se realmente tivessem
algum significado para mim. É mais do que sonhar acordado. É
como se eu estivesse ciente de certos aspectos mais amplos da
realidade. Diante do céu infinito acima, ou de um tempo infinito
antes e depois da minha curta existência, como poderiam coisas
como o meu trabalho ter significado algum para mim?
John Geiger
45
Oldman. Estávamos escalando um barranco íngreme e seco. Eu
estava seguindo meu pai quando de repente fui parado por uma
cascavel, enrolada e pronta para atacar. O som do réptil despertou
uma sensação de urgência. A cobra estava sob uma rocha saliente
entre mim e meu pai. Meu pai havia passado por ela sem perceber
e estava à minha frente na ladeira. Ainda hoje não tenho certeza do
que aconteceu a seguir. Também não sei qual parte das minhas
memórias é real e qual parte pertence à imaginação hiperativa de
uma criança. Mas o que eu lembro, lembro muito claramente.
Houve um momento de terror absoluto. Então, de repente, uma
mudança psicológica de perspectiva. Eu me senti dissociado da
minha situação imediata e a cena apareceu para mim de um ângulo
impossível. Eu era duas pessoas em dois lugares ao mesmo tempo.
Eu vi meu pai e vi uma criança, uma criança que só podia ser eu.
Se não era eu, quem era então? Mas eu assistia os eventos se
desenrolarem à distância, como um observador. O tempo parecia
passar mais devagar, mas tudo terminou num instante. Meu pai
agarrou o menino com uma das mãos, com o que parecia uma
força sobre-humana, e o carregou nos ombros. Estava fora de
perigo. Foi uma experiência inesquecível, que não poderia ter
ocorrido tal como me lembrava. Ou será que ocorreu? Tudo que
sei é que quando me lembro do incidente e conto as pessoas lá
presentes, não são duas, mas três.
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cabeça, duas abriam-se para voar, e outras duas cobriam-lhe todo
o corpo. Esta aparição mergulhou num pasmo infindo o servo do
Altíssimo que, todavia, não acabava de lhe entender o significado.
Sentindo-se envolvido pelo olhar benigno e afetuoso daquele
serafim de inexcedível beleza, experimentava um gozo imenso,
uma fogosa alegria. Contudo, aterrava-o sobremaneira vê-lo
cravado na cruz, sofrendo atrozmente as dores de tamanha paixão.
Levantou-se triste e alegre ao mesmo tempo, se assim me é lícito
exprimir, alternando em seu espírito sentimentos de fruição e de
amargura. Buscava com ardor descobrir o sentido da visão, mas
todo se lhe agitava o espírito no esforço de o conseguir. Não lhe
consentindo a inteligência devassar coisa alguma e sentindo-se
totalmente subjugado com a singularidade da aparição, eis que nas
suas próprias mãos e pés vê surgir os mesmos sinais dos cravos
que pouco antes vira no misterioso homem crucificado.
Charles G. Finney
47
qualquer coisa que eu tivesse dito. Mas sei que, tão logo minha
mente se acalmou, eu retornei ao escritório da frente e vi que o
fogo que tinha feito com madeira grossa estava quase apagado.
Mas conforme eu me virei e estava prestes a me sentar perto do
fogo, recebi um poderoso batismo do Espírito Santo. Sem esperar
por isto, sem jamais ter tido a ideia em minha mente de que
houvesse tal coisa para mim, sem qualquer lembrança de que eu
jamais tivesse ouvido tal coisa mencionada por qualquer pessoa no
mundo, o Espírito Santo desceu sobre mim, de um modo que
parecia entrar em mim, corpo e alma. Não há palavras para
expressar o maravilhoso amor que foi derramado em meu coração.
Chorei alto, com alegria e amor; e não sei, mas eu diria que
literalmente gritei os inexprimíveis jorros de meu coração. Estas
ondas me perpassaram, me perpassaram, me perpassaram, uma
após a outra, até o momento em que me lembro de ter gritado: “Eu
vou morrer se estas ondas continuarem a passar por mim.” E disse:
“Senhor, não posso mais aguentar;” mesmo assim não sentia
nenhum medo da morte. Por quanto tempo continuei nesse estado,
não sei. Mas era tarde da noite quando um integrante de meu coro
veio me ver. Era um dos fiéis da igreja. Ele me encontrou naquele
estado de choro alto e perguntou: “Sr. Finney, o que há com o
senhor?” Não consegui formular nenhuma resposta por algum
tempo. Então ele perguntou: “Está com alguma dor?” Procurei me
recompor e respondi: “Não, mas estou tão feliz que não posso
viver.”
Maximiliano Kolbe
48
lágrimas nos olhos me disse: ‘Apareceu para mim Nossa Senhora,
tendo nas mãos duas coroas: uma branca e outra vermelha.
Olhava-me com amor e me perguntou se as queria. A branca
significava a pureza e a vermelha o martírio. Respondi que
aceitava. Então, Nossa Senhora me olhou com doçura e
desapareceu!’ A mudança extraordinária nele, para mim, atestava a
verdade da coisa. Nem sempre era compreendido, e acenava com
o rosto radiante a sua desejada morte de mártir.”
Max Jacob
49
levava, que lhe parecia má. Em meados de Julho de 1719, quando
tinha trinta e um anos e meio de idade, ocorreu o seguinte: ele
passara a primeira parte da noite com alguns companheiros alegres
e tinha um encontro amoroso com uma mulher casada, com quem
se comprometera encontrar à meia-noite. A reunião com os
companheiros terminou às onze e, não achando conveniente
antecipar a hora marcada para o encontro, foi para seu quarto a
fim de matar a hora ociosa, talvez com algum livro divertido, ou
de algum outro modo. Mas aconteceu, muito acidentalmente que
ele pegou um livro religioso que sua bondosa mãe ou sua tia
pusera sem ele saber em sua valise. Se lembro o título exato, o
livro era O Soldado Cristão, ou o Céu Tomado de Assalto e fora
escrito por Thomas Watson. Julgando pelo título que encontraria
algumas frases relativas à sua própria profissão, escritas num
modo espirituoso que ele achou que poderia lhe proporcionar
alguma diversão, resolveu lê-lo; mas não deu nenhuma atenção
séria a qualquer coisa nele. Mesmo assim, enquanto o livro estava
em suas mãos, foi causada na sua mente uma impressão (talvez só
Deus saiba como) que trouxe uma série de consequências das mais
importantes e felizes. Ele pensou que viu um facho incomum de
luz caindo sobre o livro que estava lendo, o que a princípio
imaginou que podia ter acontecido por algum acidente com a vela;
mas levantando os olhos constatou, para seu extremo assombro,
que havia diante dele, como que suspensa no ar, uma
representação visível do Senhor Jesus Cristo na cruz, rodeada em
todos os lados de um resplendor, e teve a impressão de que uma
voz ou algo equivalente a uma voz se manifestou a ele mais ou
menos com este sentido (pois não tinha certeza quanto às
palavras): ‘Oh!, pecador, tudo isto sofri por ti, e esta é a tua
retribuição?’ Impressionado com esse fenômeno espantoso,
dificilmente restou alguma vida nele, de modo que afundou na
poltrona em que estava sentado e continuou insensível, não
50
sabendo por quanto tempo. Consta que o efeito imediato da
experiência de Gardiner foi um conhecimento, ou melhor, uma
visão, da majestade e benevolência de Deus e sua vida posterior
(um período de vinte e seis anos) foi de uma notável excelência. O
novo homem foi tão virtuoso, puro e piedoso como o velho
homem havia sido licencioso e profano.
Anónima
Juan Diego
51
Era sábado de madrugada, pouco antes do amanhecer, ele
estava em seu caminho, a seguir seu culto divino e empenhado em
sua tarefa. Ao chegar no topo da montanha conhecida como
Tepeyacac, o dia amanhecia e ele ouviu cantos acima da
montanha, semelhantes aos cantos de vários pássaros. De vez em
quando, as vozes cessavam e parecia que o monte lhes respondia.
Juan Diego parou, olhou e disse para si mesmo: “Porventura, sou
digno do que ouço? Será um sonho? Estarei dormindo em pé?
Onde estou? Será que estou agora num paraíso terrestre de que os
mais velhos nos falam a respeito? Ou quem sabe estou no céu?”
Ele estava olhando para o oriente, acima da montanha, de onde
vinha o precioso canto celestial e então de repente houve um
silêncio. Então, ouviu uma voz por cima da montanha chamando
por seu nome. Ele com coragem foi onde o estavam chamando,
não teve o mínimo de medo, pelo contrário, encorajou-se e subiu a
montanha para ver. Quando alcançou o topo, viu uma Senhora,
que estava parada e disse-lhe para se aproximar. Em sua presença,
ele maravilhou-se pela sua grandeza sobre-humana. Seu vestido
era radiante como o sol, o penhasco onde estavam seus pés,
penetrado com o brilho, assemelhava-se a uma pulseira de pedras
preciosas e a terra cintilava como o arco-íris. As ervas daninhas
que ali estavam, pareciam como esmeraldas, sua folhagem como
turquesas e seus ramos e espinhos brilhavam como ouro. Ele
inclinou-se diante dela e ouviu sua palavra, suave e cortês, como
alguém que encanta e cativa muito.
52
me envolto numa nuvem cor de chama. Por um instante pensei em
fogo, numa imensa conflagração em algum lugar, perto dali, na
grande cidade; mas em seguida percebi que o fogo estava dentro
de mim. Acudiu-me de pronto um sentimento de júbilo, de imensa
felicidade, acompanhado ou imediatamente seguido de uma
iluminação intelectual totalmente impossível de descrever. Entre
outras coisas, não somente vim a acreditar, senão vi que o
universo não se compõe de matéria morta mas, pelo contrário, de
uma Presença viva; tornei-me cônscio, em mim mesmo, da vida
eterna. Não era a convicção de que eu possuiria a vida eterna, mas
a consciência de que já a possuía; vi que todos os homens são
imortais; que a ordem cósmica é de tal natureza que, sem qualquer
possibilidade de erro, todas as coisas trabalham juntas para o bem
de cada um e de todos; que o princípio fundamental do mundo, de
todos os mundos, é o que chamamos de amor, e que a felicidade
de cada um e de todos, afinal de contas, é absolutamente certa. A
visão durou uns poucos segundos e desapareceu; mas sua
lembrança e o sentido da realidade do que ensinou permaneceu
durante o quarto de século que transcorreu depois disso.
São Bento
53
Germano, bispo de Cápua, levada ao céu pelos anjos numa esfera
de fogo. Querendo, então, que alguém lhe servisse de testemunha
de tão grande visão, chamou repetidamente, duas ou três vezes,
em alta voz, o diácono Servando pelo próprio nome. Este,
perturbado pelo insólito clamor de tão grande homem, subiu,
olhou para o alto e ainda viu um rastro exíguo de luz. Ficou
estupefato por tão grande maravilha e o homem de Deus narrou-
lhe por ordem tudo que acontecera e imediatamente encarregou o
virtuoso Teóprobo de Cassino, de mandar alguém na mesma noite
a Cápua para saber o que havia com o bispo Germano e comunicá-
lo a Bento. De facto, aconteceu que o enviado encontrou já
defunto o reverendíssimo bispo Germano, e, indagando
minuciosamente, apurou que ele morrera no mesmo instante em
que o homem de Deus tomou conhecimento de sua ascensão. Para
a alma que vê o Criador, toda criatura é pequena. Por pouco que
ela chegue a ver a luz do Criador, exíguo se lhe torna tudo que é
criado, porque, à luz dessa visão profunda, o íntimo da mente se
dilata e de tal modo se expande em Deus, que fica acima do
mundo. A própria alma do vidente coloca-se, então, acima de si
mesma. Ao ser raptada acima de si na luz de Deus, amplia-se
interiormente, e, quando, nesse estado de exaltação, olha abaixo
de si, compreende quão pequeno é tudo aquilo que, no seu estado
de humilhação, não podia compreender. O homem de Deus, que,
contemplando o globo de fogo, também via os anjos de volta ao
céu, certamente não podia ver essas coisas senão na luz de Deus.
Que é, pois, de admirar, se viu o mundo concentrado diante de si,
aquele que, elevado na luz do espírito, esteve fora do mundo? Se,
porém, se diz que o mundo todo foi concentrado diante dos seus
olhos, não é que o céu e a terra tenham sido contraídos, mas o
espírito do vidente é que foi dilatado, e, raptado em Deus, pôde
sem dificuldade ver tudo que está abaixo de Deus. Portanto,
enquanto aquela luz lhe resplandecia aos olhos de fora, houve uma
54
luz interior na mente, que arroubando ao alto o espírito do vidente,
lhe mostrou quão estreito é tudo que se acha aqui em baixo.
John E. McTaggart
Ron DiFrancesco
55
colidiu com a Torre Norte, que estava à sua frente. Eram 8:46 da
manhã do dia 11 de Setembro de 2001. A maioria começou a
evacuar o prédio, mas DiFrancesco não o abandonou. Minutos
depois, por meio do sistema de som, um aviso conciso foi
transmitido por todo o prédio de escritórios dizendo que houve um
incidente na outra torre, que a Torre Sul estava segura e não havia
necessidade de evacuar. Ele decidiu continuar a trabalhar. Nesse
momento, ele recebeu um telefonema de uma amiga de Toronto
dizendo-lhe para sair dali rapidamente. Conversaram brevemente e
DiFrancesco concordou em ir embora. Às 9:03, 17 minutos após o
primeiro impacto, o segundo avião colidiu com a Torre Sul,
causando um intenso incêndio alimentado por 90 mil litros de
combustível. DiFrancesco foi jogado contra a parede. Painéis do
telhado e outros detritos caíram sobre ele. O prédio balançou.
DiFrancesco entrou na escada A. A Torre Sul tinha três escadas de
emergência. Felizmente, ele encontrou a única que permitia a fuga
de pessoas acima da zona de impacto. A escada ficara protegida
pela enorme sala de máquinas do elevador, localizada no 81º
andar, onde colidiu a frente do 767. Outras pessoas se juntaram a
DiFrancesco nas escadas e começaram a descer. Mas umas
mulheres subiam as escadas dizendo que tinham de subir, porque
havia muita fumaça e fogo abaixo. Eles discutiram a possibilidade
de subir e esperar a chegada dos bombeiros ou serem resgatados
por helicóptero no telhado, ou continuar descendo e enfrentar a
fumaça e chamas. Respirando pesadamente, Ron decidiu subir
para escapar da fumaça. Subiu vários andares, mas a cada patamar,
ao tentar abrir as portas de emergência, constatou que estavam
todas fechadas. Continuou a subir, finalmente alcançando um
grupo de outras pessoas. Ele convenceu a todos de que a melhor
rota de fuga era escalar a Torre Sul. Mas, à medida que subiam, as
escadas ficavam mais entupidas de pessoas. DiFrancesco é uma
pessoa geralmente imperturbável. Ele trabalha como corretor da
56
bolsa num negócio de alto risco que requer nervos de aço. Mas ele
é um pouco claustrofóbico e como a fumaça ia ficando mais forte,
ele entrou em pânico. Ele decidiu dar meia-volta e descer
novamente. Mas a situação já estava muito pior. A fumaça pesada
havia subido pela escada estreita. Começou a descer tateando,
incapaz de ver além de um degrau. Parou então num patamar no
meio da zona de impacto, o 79º ou 80º andar. Invadido pela
fumaça, ele se juntou a um grupo de cerca de uma dúzia de
pessoas. Alguns estavam deitados de bruços no chão de concreto,
outros agachados nos cantos, todos respirando pesadamente. Uma
parede em ruínas os impediu de descer. DiFrancesco leu o pânico
e o medo em seus olhos. Alguns choravam. Outros estavam
começando a desmaiar. E, naquele momento, algo extraordinário
aconteceu: “Alguém lhe disse para se levantar.” “Alguém,” disse
ele, “me falou.” A voz – que era masculina, mas não pertencia a
nenhuma das pessoas na escada – era urgente: “Levanta-te!” A voz
dirigiu-se a DiFrancesco pelo primeiro nome, encorajando-o: “Tu
podes fazê-lo.” Mas era mais do que apenas uma voz; era também
a perceção vívida de uma presença física. Naquele dia, muitas
pessoas tomaram decisões em frações de segundos que
determinaram se viveriam ou morreriam. O que é notável no caso
de Ron é que, num momento crítico, ele recebeu ajuda de uma
aparente força externa. Tinha a sensação de que “alguém estava
pegando nele.” Sentiu que algo o guiava: “Fui conduzido em
direção à escada. Não acho que algo segurava minha mão, mas
definitivamente estava me levando.” Ele continuou a descer e logo
depois viu um ponto de luz. Seguiu esse ponto, empurrando as
paredes de alvenaria, que haviam desabado, e outros destroços que
obstruíam as escadas. De repente depara-se com o fogo e dá um
passo atrás. Mas então alguém o ajuda novamente. Um anjo o
incitou a seguir em frente. “A situação ainda era perigosa, então
ele me conduziu até à escada, encorajando-me a superar a situação
57
e passar pelo fogo. Não havia dúvida de que alguém me estava
encorajando. Não vás por ali, não vás em direção ao fogo, etc.”
Ele cobriu a cabeça com os antebraços e continuou a descer, agora
correndo. O fogo o atingiu várias vezes. Ele acreditava que havia
descido pelo menos três andares em chamas. Finalmente chegou a
um lance de escada clara e iluminada sob o fogo, no andar 76. Só
então aquela alma benevolente, que havia permanecido com ele
por cinco minutos, desapareceu. Enquanto descia, passou por três
bombeiros que subiam, e estes lhe disseram que ele encontraria
ajuda no final da escada. DiFrancesco continuou o mais rápido
possível até chegar ao piso térreo. Enquanto se dirigia para a
saída, um segurança o parou e avisou que era muito perigoso. Eles
o direcionaram então para a saída nordeste. Ao se aproximar da
saída, DiFrancesco ouviu um rugido tremendo. Viu uma grande
bola de fogo e sentiu o prédio encolher. Ele não sabe o que
aconteceu a seguir e ficou inconsciente por algum tempo; acordou
muito mais tarde no Hospital Saint Vincent, em Manhattan. Ron
DiFrancesco foi a última pessoa a deixar a Torre Sul antes de ela
desabar.
Santo Agostinho
Mas, que amo eu quando te amo? É uma certa luz, uma certa
voz, um certo odor, um certo alimento, um certo abraço: tudo isto
não sendo experimentado senão pelo que há em mim de interior.
Minha alma vê brilhar uma luz que não está no espaço, ela escuta
um som que não se cala com o tempo, ela sente um perfume que o
vento não leva embora, ela saboreia um alimento que a avidez não
faz diminuir, ela se apega a um objeto que a saciedade não a faz
abandonar. Eis o que amo quando amo o meu Deus.
58
guiado por ti, no profundo de meu coração, e o pude fazer porque
te fizeste minha ajuda. Entrei, e vi com os olhos da alma, acima
desses mesmos olhos, acima de minha inteligência, a luz imutável;
não esta vulgar e visível a todos os olhos de carne, nem outra do
mesmo gênero, embora maior. Era muito mais clara e enchendo
com sua força todo o espaço. Não, não era esta luz, mas uma luz
diferente de todas estas. Ela não estava sobre meu espírito como o
azeite sobre a água, como o céu sobre a terra, mas estava acima de
mim porque me criou; eu lhe era inferior por ter sido criado por
ela. Quem conhece a verdade conhece a luz, e quem a conhece,
conhece a eternidade. O amor a conhece! Tu és meu Deus. Por ti
suspiro dia e noite. Quando te conheci pela primeira vez, ergueste-
me para me fazer ver que havia algo para ser visto, mas que eu
ainda era incapaz de ver. E deslumbraste a fraqueza de minha vista
com o fulgor do teu brilho, e eu estremeci de amor e temor.
Pareceu-me estar longe de ti numa região desconhecida, como se
ouvira tua voz do alto dizendo: “Sou o pão dos fortes; cresce, e
comer-me-ás. Não me transformarás em ti, como fazes com o
alimento da tua carne, mas tu serás mudado em mim.”
59
espuma tomou forma e corpo. Ao receber o chamado do mar, cada
corpo de espumas se desfez e tornou-se espírito no oceano.
J. M. Watkins
60
que esses feixes e ondas de luz, aquela vasta extensão da fotosfera,
e até mesmo o próprio grande globo central, estavam preenchidos
com formas de criaturas vivas, um único organismo coerente
preenchendo todos os lugares e espaços, e no entanto composto
por uma infinidade de existências individuais. Além disso, vi que
aqueles seres estavam presentes em miríades abundantes na igreja
em que eu estava; que estavam misturados e passando sem
obstruções por mim e por meus companheiros de adoração. A
hoste celestial passou pela congregação humana como um vento
passa por um bosque de árvores; seres de beleza radiante e
vestidos com roupas brilhantes. Mas esse vasto espetáculo de céu
e terra foi sucedido por uma experiência ainda mais rica; uma em
que tudo no tempo, espaço e forma desapareceu de minha
consciência e apenas as coisas eternas inefáveis permaneceram. E
como a ponta da chama de uma vela que salta repentinamente para
cima quando um objeto é segurado logo acima dela, a chama da
minha consciência saltou para o seu limite máximo e passou para
a região do amorfo e não-criado que todas as palavras falham em
descrever. Por alguns momentos do tempo mortal, que não são
nenhuma medida da experiência do espírito no mundo imortal,
toda a consciência do meu ambiente físico foi removida. Por fim,
enquanto assim extasiado, a lembrança do mundo exterior do qual
minha consciência havia sido transportada voltou a mim, como
uma velha memória meio esquecida. O mundo e meus arredores
recentes foram exibidos novamente, mas a uma distância remota.
Sem choque ou violência, a consciência que havia sido tão
exaltada recaiu e voltou aos seus limites normais e se ajustou às
condições físicas; o espírito foi devolvido ao seu invólucro carnal
como uma joia é recolocada em seu caixão após o uso e trancada.
Mais uma vez eu estava na igreja; perfeitamente bem e impassível.
61
Ao mesmo tempo que o ser de Deus se manifestava, estas
criaturas que se mostravam tão excelentes e tão plenas de glória se
recolhiam com uma rapidez incrível em seu centro, que é o nada.
E vendo que o grande Deus estava em mim, e mais em mim do
que eu mesmo estava, experimentei por isso uma alegria inefável,
e não podia compreender como era possível ter Deus em mim e
em toda a parte fora de mim, e ocupar-se das criaturas. Eu estava
encantado de que aquilo fosse eterno, imutável, infinito, e vos
digo em verdade que, ao dizer, “Em meu Deus tudo é Deus,”
minha vontade foi tocada por um tão grande e tão ardente amor,
que me parecia que todo o ser criado desaparecia diante de mim, e
que eu jamais me ocuparia de nada mais além de Deus. Não posso
explicar o júbilo infinito de meu coração à vista de suas imensas
perfeições, mas vendo suas grandezas incompreensíveis e, por
outro lado, o meu nada com todas as misérias que o acompanham,
eu ia do infinito ao infinito, e sentia-me incapaz de amá-lo como
eu desejaria, o que me fazia sofrer intensamente; pois quanto mais
eu me sentia impotente para amá-lo com um amor recíproco, mais
me devorava interiormente um amor secreto.
Mirra Alfassa
62
ao mesmo tempo, em toda a parte idêntica a si mesma, sem
alternâncias de alto e baixo, sem mudança, numa intensidade de
sensação que é invariável. E esta “alguma coisa” que é própria à
natureza divina (que é muito difícil de exprimir em palavras) é ao
mesmo tempo imobilidade absoluta e intensidade vibratória
absoluta. E Isto, Isto ama. Não há “Senhor” e não há “coisas;” não
há sujeito, não há objeto. E Isto ama. E como dizer o que é Isto? É
impossível. E Isto ama em toda a parte e tudo, o tempo todo, ao
mesmo tempo. Isto está aqui, eternamente; Isto sempre esteve
aqui, eternamente; Isto sempre estará aqui, eternamente, sempre
semelhante a si mesmo e no máximo de sua possibilidade. Isto não
partiu, e não poderá mais partir agora. Então uma vez vivenciado
Isto, tornamo-nos irrevogavelmente conscientes de que tudo
depende da perceção individual, inteiramente; e esta perceção
individual (do Amor divino) depende, naturalmente, da
insuficiência, da inércia, da incompreensão, da incapacidade, do
facto de que as células não podem conter nem conservar a
Vibração, enfim, de tudo aquilo a que o homem chama seu
“caráter” e que provém de sua evolução animal.
Anónima
63
presença de Deus.
Winifred Holtby
J. H. M. Whiteman
64
Anónimo
65
nos com confiança e sem reservas.
J. S.
66
dias; tinha medo que pensassem que era fruto de uma imaginação
muito fértil. A partir dessa experiência, comecei a diagnosticar as
doenças à distância, a ter intuições quanto a medicamentos que
minha formação médica não podia aceitar e que salvaram várias
vidas; previ, contra toda lógica, várias mortes que não pude evitar
apesar da intervenção de colegas. Não são acontecimentos
quotidianos; mas quando acontecem nunca erram.
67
que está na fogueira. Isso os senhores entenderão – pois eu não sei
dizer melhor – com sua erudição.
68
fosse. Por isso não precisa empregar nenhum artifício de forma a
embargar o uso do seu entendimento: ela permanece tão
impressionada com a inatividade que ela não sabe o que ama, nem
como ama, nem o que quer. Em suma, ela está completamente
morta para as coisas deste mundo e vive tão só em Deus. Nem
mesmo sei se nesse estado lhe sobeja vida suficiente para respirar.
Parece-me que não; ou, pelo menos, se respira, não tem
consciência disso. Seu intelecto gostaria de compreender alguma
coisa do que se passa dentro dela, mas tem agora tão pouca força
que não pode agir de maneira alguma. Analogamente, uma pessoa
que tem um desmaio profundo parece estar morta. Assim Deus,
quando ergue uma alma para unir-se a ele, suspende a ação natural
de todas as suas faculdades. Ela não vê, não ouve, não
compreende, enquanto está unida a Deus. Mas esse tempo é
sempre curto, e parece até mais curto do que é. Deus se estabelece
no interior da alma de tal maneira que, quando ela o toma em si,
lhe é totalmente impossível duvidar de que esteve em Deus e Deus
nela. Essa verdade permanece tão fortemente impressa nela que,
ainda que se passem muitos anos sem que o estado se repita, ela
nem pode esquecer o favor que recebeu, nem duvidar da sua
realidade. Se vós, não obstante, perguntardes como é possível que
a alma veja e compreenda que esteve em Deus, pois durante a
união não teve vista nem entendimento, replico que ela não o vê
na ocasião, mas que o vê claramente mais tarde, depois de haver
tornado em si, não por alguma visão, senão pela certeza que fica
com ela e que só Deus pode dar-lhe. Mas como, insistireis,
podemos ter essa certeza a respeito do que não vemos? Confesso-
me incapaz de responder a tal pergunta. Esses são os segredos da
onipotência de Deus, que não me cabe penetrar. A única coisa que
sei é que estou dizendo a verdade; e jamais acreditei que alguma
alma que não possua essa certeza tenha estado realmente unida a
Deus.
69
Estando uma noite tão mal que queria me dispensar de ter
oração, peguei um rosário para me ocupar vocalmente, não
procurando recolher a inteligência, ainda que, no exterior,
estivesse recolhida num oratório. Quando o Senhor quer, pouco
adiantam esses esforços. Estive assim bem pouco tempo e veio-me
um arrebatamento de espírito com tanto ímpeto que não deu para
resistir a ele. Parecia-me estar posta no céu, e as primeiras pessoas
que vi ali foram meu pai e minha mãe. E vi tão grandes coisas —
em tão pouco tempo como o que levaria para dizer uma Ave-Maria
— que fiquei bem fora de mim, parecendo-me muito excessiva
dádiva. Isso de ser tão pouco tempo, pode ser que tenha sido mais,
mas pareceu muito pouco. Tive medo de que fosse alguma ilusão,
embora não me parecesse. Quisera eu poder fazer entender algo da
menor parte do que eu entendia. E, pensando como poderia ser,
acho impossível. Porque só a diferença que há desta luz que
vemos para a que lá se mostra, sendo tudo luz, não há
comparação. Porque a claridade do sol parece uma coisa muito
esmaecida. Enfim, a imaginação — por mais sutil que seja — não
alcança pintar ou desenhar como será essa luz nem nenhuma coisa
das que o Senhor me fazia perceber com um deleite tão supremo
que não se pode dizer, porque todos os sentidos regozijam-se em
tão alto grau e suavidade, que não se pode exaltar o bastante e,
assim, é melhor não dizer mais nada. Depois, quisera ela ficar
sempre e não voltar a viver, porque foi grande o desprezo que me
ficou de tudo aqui. Parecia-me lixo, e vejo eu como nos ocupamos
baixamente, os que nos detemos nisso. Isso é uma grande
soberania para a alma. Tão grande que eu não sei se entenderá
quem não a possui. Porque é o próprio e natural desapego, porque
é sem esforço nosso. Deus faz tudo, pois mostra Sua Majestade
essas verdades de maneira que ficam tão gravadas que se vê
claramente que não poderíamos por nós mesmos, em tão pouco
70
tempo, adquiri-las daquela maneira. Fiquei também com pouco
medo da morte, de quem eu sempre tive muito medo. Agora me
parece uma coisa facílima para quem serve a Deus, porque num
momento a alma se vê livre desse cárcere e em descanso. Pois este
levar Deus o espírito e mostrar-lhe coisas tão excelentes nesses
arrebatamentos parece-me que se assemelha muito ao que
acontece quando uma alma sai do corpo, pois num instante se vê
em todo esse bem. Deixemos de lado as dores de quando se
arranca a alma, pois deve-se fazer pouco caso delas. E os que, de
verdade, amarem a Deus e tiverem dado adeus às coisas desta
vida, mais suavemente devem morrer. Também me parece que foi
de muito proveito para reconhecer nossa verdadeira terra e ver que
somos peregrinos aqui. E é uma grande coisa ver o que há lá e
saber onde havemos de viver. Porque se alguém tem que ir viver
assentado numa terra, é de grande ajuda, para aguentar o trabalho
do caminho, ter visto a terra onde há de ficar muito descansado. E
também para prestar atenção nas coisas celestiais e procurar que
nossa conversa seja sobre lá, faz-se com mais facilidade. E me
acontece às vezes ser os que me acompanham e aqueles com quem
me consolo os que eu sei que vivem lá. E acontece parecer-me
aqueles os vivos, e os que aqui vivem, tão mortos, que todo
mundo me parece que não me faz companhia, especialmente
quando tenho aqueles ímpetos. Tudo me parece sonho, o que vejo
— e que é uma brincadeira — com os olhos do corpo. O que eu já
vi com os olhos da alma é o que ela deseja e, quando se vê longe,
isso é o morrer. Enfim, é enorme a dádiva que faz o Senhor àquele
a quem dá semelhantes visões, porque ajuda muito, e também a
carregar uma pesada cruz, porque tudo não a satisfaz, tudo lhe
bate no rosto. E se o Senhor não permitisse que às vezes se
esquecesse, mesmo que volte a se recordar, não sei como se
poderia viver.
71
Estando uma vez em oração, mostrou-se a mim muito
rapidamente como se vêem em Deus todas as coisas e como as
tem todas em si. Foi sem que eu visse uma coisa formada, mas foi
com toda a clareza. Saber escrever sobre isso não sei, mas ficou
muito gravado na minha alma e é uma das grandes dádivas que o
Senhor me fez e das que mais me fizeram embaraçar-me e
envergonhar-me, lembrando-me dos pecados que cometi. Pareceu-
me, digo já sem poder me firmar em nada, que não vi nada. Mas
algo se deve ver, já que eu poderei fazer uma comparação. Mas é
por um modo tão sutil e delicado que o entendimento não deve ser
capaz de alcançar. Ou eu não sei me entender nessas visões que
não parecem imaginárias e em algumas delas algo de imagem
deve haver. Mas como ocorrem no arrebatamento, as potências
não sabem depois dar forma ao modo como o Senhor mostra algo
ali e quer que desfrutemos. Digamos ser a Divindade como um
diamante muito claro, muito maior que o mundo todo, ou um
espelho, à maneira do que falei da alma na outra visão. Só que é
de uma forma tão mais elevada que eu não saberei dar o devido
valor. E tudo o que fazemos se vê nesse diamante, sendo de uma
maneira que ele encerra tudo em si, porque não há nada que saia
fora dessa grandeza. Coisa espantosa foi para mim em tão breve
tempo ver tantas coisas juntas aí nesse claro diamante. E
tristíssima, cada vez que me lembro de ver que coisas tão feias se
mostravam naquela limpeza de claridade, como eram os meus
pecados. E assim é que, quando me lembro, eu não sei como
consigo levar. E fiquei então tão envergonhada que não sabia onde
me enfiar. Para que se lembrem de que não são ocultos, e que com
razão se incomoda Deus, uma vez que acontecem tão na presença
de Sua Majestade e tão desrespeitosamente nos comportamos
diante dele!
Swami Muktananda
72
Minha meditação, de súbito, tornou-se mais intensa. Minha
visão se fixou no alto. Enquanto eu contemplava a minúscula
pérola azul, ela se pôs a aumentar de tamanho, difundindo seu
brilho azul em todas as direções. Todo o espaço, da terra ao céu,
foi iluminado. Não era mais uma pérola; ela se havia ampliado até
se tornar a luz infinita. Essa luz foi descrita nos textos sagrados,
pelos videntes da verdade última, como a luz da consciência pura.
Eu vi realmente o universo emanar dessa luz em expansão, como
nuvens de fumaça emanam de um fogo. O cosmos me apareceu na
luz consciente e a luz consciente no cosmos, como fios num tecido
e o tecido nos fios. Assim como uma semente se transforma em
árvore, com seus ramos, folhas, flores e frutos, também a própria
consciência pura, em seu ser próprio, se transforma e torna-se
todas as criaturas. A luz consciente apresentava-se a mim
celestialmente bela; eu a sentia vibrar, cálida, de todos os lados,
dentro, fora, em cima, em baixo – felicidade suprema envolvendo
tudo. Meus olhos estavam abertos e, no entanto, eu estava em
meditação. Como o mergulhador que afunda na água e se vê
cercado de água, apenas água, eu estava completamente envolvido
nessa luz consciente. Naquele momento, o universo se dissipou;
tudo estava banhado nas ondas resplandecentes dessa luz. Apenas
resplandecia uma glória de luz sem nome nem forma.
Simone Weil
73
o nome de Deus e o nome de Cristo encontram-se cada vez mais
irresistivelmente misturados com os meus pensamentos. O
resultado foi que a quantidade irredutível de ódio e repulsa que
acompanha o sofrimento e a aflição recaiu inteiramente sobre
mim. E a quantidade era muito grande, porque o sofrimento em
questão estava localizado na raiz de cada pensamento, sem
exceção.
74
espaço onde não há perspectiva nem ponto de vista. A infinidade
das extensões comuns de perceção é substituída por uma
infinidade do segundo ou às vezes do terceiro grau. Ao mesmo
tempo, preenchendo cada parte desse infinito do infinito, há o
silêncio, um silêncio que não é ausência de som, mas que é objeto
de uma sensação positiva, mais positiva que a do som. Ruídos, se
houver, só chegam a mim depois de atravessar esse silêncio. Às
vezes, também, durante esta recitação, ou em outros momentos,
Cristo está comigo pessoalmente, mas a sua presença é
infinitamente mais real, mais comovente, mais clara do que na
primeira vez em que se apossou de mim.
75
conhecimento e sem conseguir encontrar um lugar para nós.
Queremos ver as flores. Estamos tão sedentos aqui. Esperando e
sofrendo, estamos agora diante do portão, e se for preciso, vamos
abri-lo com os nossos golpes. Pressionamos e empurramos, mas
não conseguimos alterar o seu peso. Devemos definhar, ser
pacientes e observar em vão. Olhamos para o portão, bem
fechado, inquebrável. Fixamos nele o nosso olhar; atormentados,
choramos; sobrecarregados pelo peso do tempo, olhamos para ele
imóvel. O portão está ali diante de nós; de nada serve a vontade. É
melhor perder a esperança e ir embora. Jamais entraremos.
Estamos cansados de olhar para ele. Quando o portão se abriu,
tanto silêncio veio que nenhum pomar ou flor apareceu à nossa
vista, apenas a vasta extensão de vazio e luz, que encheu nossos
corações ao irromper à vista, e banhou nossos olhos quase cegos
de poeira.
76
te de qualquer coisa e realizá-la.” Era a erva da estrela da aurora, a
erva da compreensão, e eles me pediram que a deixasse cair sobre
a terra. Eu a vi cair, e quando ela atingiu o solo criou raízes,
cresceu e floresceu, quatro flores num caule, uma azul, uma
branca, uma escarlate e uma amarela, e os raios que originavam
espalharam-se em direção aos céus de tal forma que todas as
criaturas os viram e em lugar algum havia escuridão.
Friedrich Nietzsche
Marcel Proust
77
Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os
farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se
passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer
delicioso, isolado, sem a noção de sua causa. Rapidamente se me
tornaram indiferentes as vicissitudes da minha vida, inofensivos os
seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como
opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou antes,
essa essência não estava em mim, ela era eu. Já não me sentia
medíocre, contingente, mortal. De onde poderia ter vindo essa
alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do
biscoito, mas ultrapassava-o infinitamente, não deveria ser da
mesma espécie. De onde vinha? Que significava? Na verdade, a
criatura que então saboreava em mim essa impressão, saboreava-a
naquilo que ela possuía em comum entre um dia antigo e o atual,
no que possuía de intemporal, era uma criatura que só aparecia
quando, por uma dessas identidades entre o presente e o passado,
podia achar-se no único ambiente em que conseguiria viver,
desfrutar da essência das coisas, isto é, fora do tempo. Isto
explicava por que minhas inquietações acerca da minha morte
teriam cessado no momento em que eu reconhecera o gosto do
bolinho, pois nesse instante a criatura que eu fora era um ser
intemporal, por conseguinte despreocupado das vicissitudes do
futuro. Desde que um ruído, um cheiro, já ouvido ou aspirado
antes, o sejam de novo, ao mesmo tempo no presente e no
passado, reais sem serem atuais, ideais sem serem abstratos, logo a
essência permanente e em geral oculta das coisas se libera, e nosso
verdadeiro eu, que às vezes parecia morto há muito tempo, mas
não o estava de todo, desperta e anima ao receber o alimento
celeste que lhe trazem. Essa contemplação, embora de eternidade,
era fugaz. E, contudo, sentia que o prazer que ela proporcionava à
minha vida, em raros intervalos, era o único fecundo e verdadeiro.
78
André Frossard
Sra. D. K.
79
depois de reler com cuidado o Livro Tibetano dos Mortos e de
tomar meu banho, sentei-me diante de uma pintura de Buda e
escutei tranquilamente, à luz da vela, o movimento lento do
Quarteto em Lá menor de Beethoven – uma expressão profunda de
auto-renúncia do homem – e depois fui para a cama. Na manhã
seguinte, logo depois da refeição, de repente senti como se
estivesse sendo atingida por um raio de luz e comecei a tremer.
Subitamente todo o trauma do meu difícil nascimento acorreu à
minha mente. Como uma chave, abriu quartos escuros de
ressentimentos secretos e medos desconhecidos, que fluíram de
mim como venenos. Lágrimas correram e me enfraqueceram de tal
forma que tive de deitar-me. Apesar disto, uma profunda alegria
estava presente. Devagar meu foco mudou: “Eu estou morta! Não
há nada para me chamar de eu! Nunca houve eu! É uma alegoria,
uma imagem mental, um padrão pelo qual nada foi jamais
modelado!” Fiquei tonta de felicidade. Objetos sólidos apareciam
como sombras, e tudo que meus olhos encontravam tinham uma
beleza radiante. Estas palavras só podem referir-se ao que me foi
vividamente revelado nos dias que se seguiram: o mundo como é
apreendido pelos sentidos é o menos importante numa vasta
geometria da existência. As palavras são embaraçosas e primitivas
quando procuram sugerir a verdadeira obra multidimensional de
um vasto complexo de forças. Não há realmente nada para
conhecer, nada que possa ser conhecido. O mundo físico é uma
infinitude de movimento, tempo e experiência. Mas
simultaneamente de silêncio e de vazio. Não há nada para se fazer:
simplesmente ser, é o ato mais imensamente total. Olhando para
os rostos, vejo alguma coisa da longa cadeia de sua existência
passada e, às vezes, algo do futuro. Cada coisa tem sua própria
música; entretanto, debaixo desta variedade, elas se confundem
numa inexprimível e vasta unidade. Sinto um amor que não tendo
objeto, se pode chamar melhor de afetuosidade. Mas minhas
80
antigas reações emocionais interferem ainda grosseiramente nas
manifestações dessa afetuosidade sumamente gentil e
desembaraçada. Sinto uma consciência que não é eu mesma nem
deixa de ser eu mesma, e que me está protegendo ou levando em
direções que colaboram para meu próprio crescimento e
maturidade.
Sandrananda
Rembrandt
81
também estão tomados de uma histeria luminosa. Minha mão não
é mais feita de carne humana, imensuravelmente granulosa,
mescla de um cinza descorado e um amarelo sujo. Ela se torna
uma praia enrugada e rósea, onde brincam miríades de tons sobre
os quais corre uma espécie de rio de ouro. Na sombra das árvores
ou nos cantos mais escuros do aposento, a luz se insinua,
conquista, explode. Sob sua pressão, porções de sombra se
iluminam pouco a pouco como versos brilhantes se preparando
para nascer. Depois, aos poucos, a sombra se enche de um calor
vivo. Resta a sombra, mas sombra que respira e convida. Ela é um
ventre em trabalho. Prisioneiros da sombra, uma multidão de
corpúsculos se agitam, captam grãos de luz, apoderam-se deles,
fazem-nos faiscar, depois voltam ao seu nada e, em seguida,
retornam à vida ardente e flamejante. E é um combate que não tem
interrupção, onde se podem sentir, na sombra que queima, dois
exércitos em terrível luta, onde milhares de grãos de poeira
passam sucessiva e indefinidamente, no mesmo segundo, da morte
mais negra à vida mais brilhante. Sobre cada coisa difunde-se um
fluxo de luminosidade. De meus olhos, parece-me, verte-se um
outro fluxo dourado. Já não sei mais se a irradiação vem das
coisas ou se ela nasce de meu olhar. Estou mergulhado num banho
de sol. Em toda parte e por sobre tudo, chove luz. Entre mim e a
natureza, há uma cortina transparente de gotículas douradas. Uma
correnteza de mel líquido ensolarado, uma imensa poeira de
estrelas. E eis que este rio dourado torna-se o fundo ornamental de
tudo o que quero pintar. Ele impregna tudo com sua chama quente,
enriquecendo-se ao mesmo tempo com os tons próprios de cada
corpo, de cada sentimento que nasce do próprio objeto. Luz, luz,
alegria e tortura de minha vida! Glória à tua embriaguez e ao teu
reino fascinante. Chove luz! Chove luz! Tu me levaste tão alto
quanto a Alighieri, no esplendor dos Paraísos que os homens
absolutamente não conhecem. Então eu te bendigo, prosternado na
82
mais escura de tuas sombras ardentes; eu te bendigo, tu, minha
esposa, tu, minha alma: luz!
Mansur al Hallaj
Gavampati
83
essência, e subitamente, por uma iluminação do espírito, atingi a
perfeita liberação de todos os apegos e contaminações, de tal
forma que, interiormente, fiquei livre de todos os conceitos
arbitrários, tanto daqueles do corpo como do espírito, e,
exteriormente, fiquei livre do apego a todas as coisas mundanas –
ou seja, eu era capaz de viver longe de todos os problemas dos três
mundos. Senti-me como um pássaro que tivesse fugido dos limites
de sua gaiola.
Blaise Pascal
Jiddu Krishnamurti
84
Surgindo por detrás das colinas, a lua rodeada por uma
nuvem serpentina transformou-se numa forma fantástica. Ela
projetava uma claridade luminosa sobre as colinas, a terra e as
pastagens verdejantes, desaparecendo imediatamente por entre
espessas nuvens escuras que anunciavam chuva. Durante o
passeio, a meditação surgia em plena conversação e no meio da
beleza noturna. De uma profundidade incrível, ela circulava
interior e exteriormente; ela explodia em expansão. Estávamos
conscientes; aquilo chegava; não se pode dizer que estávamos
fazendo a experiência, pois toda experiência é limitada; aquilo
simplesmente surgia. Não havia nenhuma participação nisso; o
pensamento não podia aí tomar parte, pois o pensamento é tão fútil
e mecânico que a emoção não podia estar a isso associada; era
verdadeiramente muito vivo e ao mesmo tempo perturbador para
os dois. Aquilo surgiu de uma profundidade de tal modo
desconhecida que não havia nenhum meio de medi-la. Mas havia
um grande silêncio. Era absolutamente surpreendente e
completamente incomum. As folhas brilhavam intensamente sob a
ação da lua que, em seu movimento em direção ao oeste, inundava
de luz o quarto. Até mesmo os latidos altos dos cães não
perturbavam o silêncio absoluto da noite. Ao acordar, aquilo se
encontrava lá, de uma maneira clara e precisa, e era o despertar
que se revelava necessário e não o sono; estava bem decidido que
era preciso estar consciente do que se passava, atento com plena
consciência de todos os acontecimentos. Adormecido, poder-se-ia
confundir tudo aquilo com um sonho, uma ilusão do inconsciente,
um ardil do cérebro; mas completamente desperto, essa alteração
estranha e desconhecida era uma realidade palpável, um facto e
não uma ilusão ou um sonho. Aquilo tinha a qualidade, se é que
podemos nos exprimir assim, de imponderabilidade e de força
impenetrável. E no repentino despertar, aquilo lá estava. E
juntamente com aquilo surgiu um êxtase inesperado, uma alegria
85
irracional; não havia nenhuma causa para isso, pois isso jamais
fora objeto de uma pesquisa ou de uma busca. Aquele êxtase
estava presente no novo despertar à hora habitual; ele estava lá e
continuou durante um tempo bastante longo.
Karlfried Durckheim
86
experimentamos quando essa corrente é interrompida. Mas é
também uma experiência inseparável de um compromisso com a
via interior. Repetida depois por várias vezes, embora com menos
força, ela continua a servir de ponto de referência para indicar, a
mim e a outros, a direção acertada de conhecimento e de trabalho.
Henri Le Saux
Dante Alighieri
87
penetra o universo todo e brilha mais numa parte e menos numa
outra. No céu que recebe a maior parte da sua luz eu estive e vi
coisas que aquele que de lá do alto desce não sabe como contar
nem pode fazê-lo.” “Fitar o sol não pude longamente, mas de
repente dia pareceu ser acrescentado ao dia, como se Aquele que
pode fazê-lo tivesse adornado o céu com um outro sol.” “Uma
senhora me apareceu, trajada com a cor da chama viva.” “Beatriz
estava de pé, com seus olhos concentrados nas rodas eternas e nela
fixei meus olhos, do alto desviados. Olhando para ela, tornei-me
interiormente como Glauco se tornou ao provar da erva que o fez
companheiro no mar dos outros deuses. A transhumanização não
pode ser expressa em palavras; portanto, que o exemplo seja
suficiente para aquele a quem a graça reserva a experiência.”
“Olhos ousei fitar na luz eterna, consumando a visão almejada. E
lá na profundeza vi que se interna unido pelo amor, num só
volume, o que pelo universo se espalha.” “E essa luz tal efeito
produzia que deixá-la de ver por outra coisa que fosse me seria
impossível, pois que o bem que é objeto da nossa aspiração todo
está nela, e tudo lá é perfeito, como fora de lá tudo é defeito.”
“Mas, como, a vista olhando se alentava, a imutável essência
parecia mudar, quando só eu me transformava. Na substância
profunda e clara, eu via, da excelsa luz, três círculos discernidos
por três cores de igual periferia, íris de íris, estando um de outro
refletidos, girando, por igual, de um, de outro unidos.” “Aquilo
que eu estava vendo parecia-me um sorriso do universo. Ó alegria!
Ó inefável contentamento!”
88
pensei que fosse morrer. Não sei como explicar esse
arrebatamento, não há comparação que possa fazer compreender a
intensidade daquela chama. Parecia-me que uma força invisível
me mergulhava no fogo por completo. Que fogo! Que doçura! Eu
tive vários arrebatamentos de amor, particularmente uma vez,
durante meu noviciado, quando fiquei uma semana inteira bem
longe deste mundo. Não consigo traduzir em palavras, mas
parece-me que eu agia com um corpo emprestado; havia como que
um véu lançado por mim sobre todas as coisas da terra. Mas eu
não era queimada por uma chama real, podia suportar aquelas
delícias sem esperar ver meus vínculos se romperem sob seu peso.
Em contrapartida, naquele dia do qual falo, um minuto, um
segundo mais, minha alma se separaria do corpo. Assim,
encontrava-me novamente na terra, e a sequidão tornou
imediatamente a habitar meu coração!
Marpa
89
Muitas vezes foi arrebatado aquele frade o qual
primeiramente escreveu estas coisas, entre as quais, uma noite em
que ficara tão elevado e arrebatado em Deus que viu nele, Criador,
todas as coisas criadas e celestiais e terrenas com todas as suas
perfeições e graus e ordens distintas. E então conheceu claramente
como cada coisa criada representava o seu Criador, e como Deus
está sobre e dentro e fora e ao lado de todas as coisas criadas. E
conheceu depois um Deus em três pessoas e três pessoas num
Deus, e a infinita caridade a qual fez o filho de Deus se encarnar.
E finalmente conheceu naquela visão como não há outra via pela
qual a alma possa ir a Deus e ter a vida eterna, senão pelo Cristo
bendito, o qual é caminho, verdade e vida da alma.
Jacob Boehme
90
salvação de minha alma e pensei em como poderia herdar ou
possuir o reino dos céus. Encontrando dentro de mim um poderoso
contrário, isto é, os desejos que dizem respeito à carne e ao
sangue, comecei a lutar uma dura batalha contra a minha natureza
corrompida e, com a ajuda de Deus, decidi sobrepujar a herdada
vontade má, derrotá-la, e entrar inteiramente no amor de Deus em
Cristo. Assim, pois, resolvi considerar a mim mesmo como morto
em minha forma herdada, até que o espírito de Deus tomasse
forma em mim, de modo que nele e através dele eu pudesse guiar
minha vida. Isto, entretanto, não me foi possível realizar, mas
continuei firme em minha veemente resolução e lutei uma dura
batalha comigo mesmo. Ora, enquanto estava lutando e
batalhando, ajudado por Deus, uma luz maravilhosa surgiu dentro
de minha alma. Era uma luz totalmente estranha à minha natureza
indisciplinada, mas nela reconheci a verdadeira natureza de Deus e
do homem, bem como a relação entre ambos, coisa que até aqui
jamais tinha compreendido e que jamais teria procurado.
91
disso me fosse dado.
Tukaram Maharaj
92
a revelação direta. Na verdade, eu sou o Absoluto. Eu, Tukaram,
tornei-me Aquilo que se atinge pela contemplação Vedantina –
“Tu és Aquilo,” também chamado de beatitude transcendente.
Gopi Krishna
Warner Allen
93
foco central mais brilhante do que o resto. O círculo tornou-se um
túnel de luz proveniente de algum sol distante no coração do Eu.
Fui levado através do túnel com rapidez e suavidade e, à medida
que avançava, a luz passou de prata para ouro. Tive a impressão de
extrair forças de um mar ilimitado de poder e uma sensação de paz
cada vez mais profunda. A luz ficou mais brilhante, mas nunca foi
ofuscante ou alarmante. Cheguei a um ponto em que o tempo e o
movimento cessaram. Na minha lembrança, assumiu a forma de
uma rocha de topo plano, rodeada por um mar de verão, com uma
piscina de areia ao pé. A cena do sonho desaparece e estou agora
absorvido na Luz do Universo, na Realidade brilhando como fogo
com o conhecimento de si mesma, sem deixar de ser um e de mim
mesmo, fundido como uma gota de mercúrio no Todo, mas ainda
separado como um grão de areia no deserto. A paz que ultrapassa
todo o entendimento e a energia pulsante da criação são uma no
centro em meio às condições onde todos os opostos estão
reconciliados.
94
Mas hei de completá-la um dia destes e vocês a ouvirão e lhe
reconhecerão a grandiosidade.
Clérigo Anónimo
C. S. Lewis
95
manhãzinha na Casa Velha, quando meu irmão trouxe o jardim de
brinquedo até o quarto. É difícil encontrar palavras fortes o
bastante para descrever a sensação que me invadiu; a miltoniana
enorme bem-aventurança do Éden chega perto. Foi, claro, uma
sensação de desejo; mas desejo de quê? Não, certamente, de uma
tampa de lata de biscoitos recheada de musgo, nem mesmo
(embora isto tenha vindo também) do meu próprio passado — e
antes de saber o que desejava, o próprio desejo se desfizera, todo o
vislumbre se dissipara, o mundo voltara à normalidade, ou era
agora só agitado pelo anseio do anseio que acabara de sumir.
Durara só um momento; e em certo sentido tudo o mais que me
acontecera até então era insignificante diante disso. O segundo
lampejo me veio por Squirrel Nutkirr, só por ele, embora eu
adorasse todos os livros de Beatrix Potter. Mas os outros eram
meramente diversão; enquanto esse ministrava o choque, era
perturbação. Perturbava-me com aquilo que só posso descrever
como a Ideia do Outono. Soa fantástico dizer que alguém pode
enamorar-se de uma estação, mas isso muito se assemelha ao que
aconteceu; e, como antes, a experiência foi de desejo intenso. E
então voltei ao livro, não para satisfazer o desejo (pois isso era
impossível), mas para redespertá-lo. E nessa experiência também
surgiu a mesma surpresa e o mesmo senso de incalculável
importância. Era algo bem diferente da vida comum, e mesmo do
prazer comum; algo, como hoje diriam, “de outra dimensão”. O
terceiro lampejo me veio pela poesia. Na época eu gostava muito
da Saga do Rei Olaf de Longfellow: gostava de uma maneira vaga
e superficial, em virtude da história e dos ritmos vigorosos. Mas
então — e bem diferente de tais prazeres, e como uma voz de
regiões muito mais distantes — passei a virar distraidamente as
páginas do livro e acabei descobrindo uma tradução sem rima de
Tegner's Drapa, lendo: “Ouvi uma voz que gritava: Balder, o belo
está morto.” Eu nada sabia sobre Balder; mas instantaneamente fui
96
elevado a regiões vastíssimas do céu setentrional, e desejava com
intensidade quase doentia algo que jamais poderá ser descrito
(salvo que é frio, amplo, austero, pálido e distante); e então, como
nos outros exemplos, surpreendi-me exatamente no mesmo
momento, já perdendo o desejo e ansiando que ele voltasse.
Alfred Tennyson
Paul Brunton
97
sentir-me mais próximo das pessoas ao meu redor; mais perto do
que nunca. Algumas horas depois, a confiança gradualmente
retornou a mim e me senti maduro e recém-nascido. A iluminação
parecia ter chegado. Seguiu-se então um sentimento de unidade
com Deus. Parecia saber e compreender muitas coisas que nunca
tinha entendido antes. Meu ego desaparecia e minha felicidade
aumentava a cada momento. Senti que essa fé recém-descoberta
me guiaria em todas as situações possíveis. A Divina Presença
parecia estar muito próxima. Na verdade, eu sabia que estava na
minha verdadeira essência.
William Blake
98
ouvidos de sua Catharine, que, quando ela se levantou para ouvi-
lo, ele, olhando para ela com muito afeto, disse: Minha bem-
amada, elas não são minhas — não, elas não são minhas!” Disse
então que eles não se separariam; ele estaria sempre perto dela,
para cuidar dela. Às canções piedosas seguiu-se, por volta das 6
horas da tarde de verão, uma calma e indolor parada da respiração,
cujo exato momento não foi percebido por sua esposa, que estava
sentada a seu lado. Uma vizinha humilde, a única companhia que
ela tinha então, disse depois: “Estive presente à morte, não de um
homem, mas de um anjo abençoado.”
Era dever de las Casas rezar a missa e vez por outra fazer um
sermão e, pensando no sermão de Pentecostes, em 1514, ele abriu
a Bíblia e seus olhos pousaram nos seguintes versículos do
capítulo 34 de Eclesiástico: “O Altíssimo não aprova as oferendas
do iníquo; nem é ele apaziguado quanto ao pecado pela multidão
de sacrifícios.” “O pão dos necessitados é sua vida; aquele que
99
dele os defrauda é homem de sangue.” “Aquele que tira o sustento
de seu próximo o mata; e aquele que defrauda o trabalhador de seu
salário é um derramador de sangue.” Quando las Casas leu estas
palavras, uma luz do céu pareceu brilhar sobre ele. Aquilo que lhe
bloqueava a visão caiu de seus olhos. Ele percebeu que o sistema
de escravatura estava errado em princípio.
100
A comunicação que Deus costuma fazer à alma, em
semelhantes excessos, leva-a a experimentar a verdade das
palavras de São Francisco: “Meu Deus e meu tudo.” Donde, por
ser ele o tudo da alma, e encerrar em si o bem que há em todas as
coisas, é expressa aqui esta comunicação desse arroubamento, pela
semelhança da bondade e das coisas criadas, as quais são referidas
nas presentes canções, conforme iremos declarando em cada
verso. Havemos de entender que tudo quanto agora se declara, está
eminentemente contido em Deus, de modo infinito, ou, para
melhor dizer, cada uma destas grandezas que se atribuem a Deus,
e todas elas em conjunto, são o próprio Deus. E como a alma,
neste estado, se une com ele, tem o sentimento de que todas as
coisas são Deus. Não se há de pensar, portanto, que a alma, ao
traduzir seu sentimento, vê as coisas à luz de Deus, ou conhece as
criaturas nele, mas que, naquela posse divina, sente que Deus para
ela é todas as coisas.
101
está dentro desses resplendores. E não somente isto, mas até
transformada e convertida em resplendores. E assim podemos
dizer que é como o ar que se acha dentro da chama, abrasado e
transformado na própria chama. Esta, aliás, não se compõe de
outra coisa a não ser do ar inflamado; e os movimentos e os
resplendores daquela chama não são produzidos somente pelo ar,
nem somente pelo fogo, mas pelos dois elementos juntos; são
resplendores que o fogo produz no ar inflamado em seu calor.
Nesta mesma disposição, podemos compreender, acha-se a alma
com as suas potências, toda resplandecente, dentro dos
resplendores de Deus.
102
tanta força que as trevas não são sentidas e a luz não é percebida; a
alma parece inconsciente de tudo que conhece e, portanto, por
assim dizer perdida no esquecimento, sem saber onde está nem o
que lhe aconteceu, inconsciente da passagem do tempo. Pode
acontecer e de facto acontece que muitas horas se passem
enquanto a alma se encontre nesse estado de esquecimento; tudo
parece apenas um momento quando ela novamente retorna a si.
Emanuel Swedenborg
103
perceção em que estão os anjos sobre a eternidade e vi, então,
claramente, que se deve pensar sobre a eternidade não segundo o
tempo, mas segundo o estado, e que então se percebe o que é de
toda a eternidade; é também o que eu próprio percebi.” “Que a luz
nos céus seja espiritual e que essa luz seja a Divina verdade, é até
o que se pode concluir do facto de que para o homem há também
uma luz espiritual, e que por essa luz há nele iluminação enquanto
ele está na inteligência e na sabedoria pela Divina verdade. A luz
espiritual do homem é a luz do seu entendimento, cujos objetos
são as verdades, que ele dispõe analiticamente em ordens, que ele
forma em razões, e segundo as quais ele conclui coisas em série.
Que a luz, pela qual o entendimento vê tais coisas, seja uma luz
real, é o que o homem natural ignora porque não a vê com os
olhos e nem a percebe pelo pensamento. Mas muitos até a
conheceram, e também a distinguem da luz natural em que estão
aqueles que pensam naturalmente e não espiritualmente. Aqueles
que dirigem os seus olhares somente para o mundo e atribuem
tudo à natureza pensam naturalmente. Mas os que dirigem seus
olhares para o céu e atribuem tudo ao Divino, pensam
espiritualmente. Que seja verdadeira a luz que ilumina a mente e
inteiramente distinta da luz que é chamada luz natural, é o que me
foi permitido perceber e também ver. Fui interiormente elevado
nessa luz, por graus; e, à proporção que eu era elevado, meu
entendimento era iluminado a tal ponto, que eu percebia coisas
que não tinha percebido antes, e finalmente coisas que não
poderiam até ser compreendidas pelo pensamento segundo a luz
natural. Às vezes eu me indignava de que elas não eram
compreendidas, quando, todavia, tinham sido percebidas clara e
plenamente na luz celeste. Visto que há uma luz para o
entendimento, dele se diz do mesmo modo que se diz para os
olhos, que ele vê e que ele está na luz quando percebe, e que ele
está nas trevas e na sombra quando não percebe.” “Como a
104
inocência é o íntimo em todo o céu, daí também resulta que ela
afeta de tal modo as mentes, que quem a sente tem a impressão de
não estar mais senhor de si. Ser afetado por ela é como ser
transportado por um prazer tal que todo prazer do mundo parece
nada ser. Se assim falo é porque assim o percebi.”
W. H. W.
Plotino
105
luz através da qual ele vê. Porque a luz que o iluminou é a luz que
deve ser contemplada, já que nem mesmo vemos o sol com luz
alheia.
106
E uma vez que a alma tem a sorte de alcançá-lo e o Bem se
faz presente, ou melhor, se manifesta nela quando ela se
desinteressou das coisas presentes, preparando-se o mais
belamente possível e assemelhando-se ao Bem, pois que a alma vê
o Bem aparecendo subitamente dentro dela (porque não há nada
entre os dois e eles não são mais dois; eles são uma coisa:
enquanto o primeiro está presente, não se poderá distingui-los), a
alma então nem percebe que está no corpo nem diz sobre si
mesma que é outra coisa: nem que seja homem, nem que seja
animal, nem que seja, nem que seja tudo (a visão daquelas coisas
não seria uniforme), nem ela tem tempo ou desejo para essas
coisas, mas, como o Bem era justamente o que procurava, agora
que o tem presente, ela vai ao seu encontro e passa a olhar para ele
em vez de olhar para si mesma. Quem é ela que está olhando para
ele? Nem tempo tem para perceber isso. E ela não trocaria o Bem
por nada no mundo, mesmo que lhe oferecessem o céu inteiro,
sabendo como sabe que não há nada melhor do que o Bem, nada
mais bom do que o Bem. Porque subir mais alto não poderia, e
voltar-se para outras coisas, por mais sublimes que fossem, seria
descer. Ali ela pode já julgar corretamente e saber que isso era o
que ela queria; ela já pode afirmar que não há nada melhor do que
Aquele. Ali não há engano, pois onde encontraria algo mais
verdadeiro do que a Verdade? É dessa Verdade que ela fala, mas
fala depois, fala sem palavras; e já que está feliz, não se engana
quando diz que está feliz, porque não o diz por causa de alguma
excitação no corpo, mas porque voltou a ser o que era no passado,
quando era feliz. E todas as outras coisas nas quais antes se
deleitava, como autoridade, poderes, riquezas, belezas, ciências,
de todas essas coisas fala agora com desprezo. Não falaria assim
se não tivesse encontrado outras melhores. E ela não tem medo de
que algo lhe aconteça, sendo como está com Aquele, e não apenas
107
olhando para ele. E se as outras coisas ao seu redor
desaparecessem, o aceitaria de bom grado para ficar sozinha com
ele. Tal é o grau de bem-estar que atingiu! A consecução do Bem,
seja por conhecimento ou por contato, é o ideal supremo, e Platão
diz que este é o aprendizado supremo, entendendo por
aprendizado não a visão do Bem, mas antes o aprendizado prévio
a ela. Mas quem consegue ser espectador e espectáculo ao mesmo
tempo, de si mesmo e das outras coisas, tornando-se assim
essência, inteligência e “Ser Vivo perfeito,” não verá mais este Ser
Vivo de fora. Mas transformado nele, encontra-se já perto da meta:
a seguir vem o Bem, e o Bem já está próximo, banhando de
esplendor o universo inteligível. E então sim, abandonando todo o
aprendizado depois de ter sido conduzido pela mão e colocado em
segurança, enquanto lá está, ele pensa o inteligível. Mas então,
transportado por uma onda da própria inteligência e erguido ao
alto como pelo inchaço dessa onda, ele subitamente vê sem ver
como; mas a visão, inundando seus olhos de luz, não o faz ver
mais nada através da luz, mas antes a própria luz é o objeto da
visão. Porque no espectador não havia duas coisas: o objeto visto
e a luz, ou a inteligência e o inteligível, mas uma luminosidade
que depois gera essas duas coisas e permite que coexistam consigo
mesma. O próprio espectador é pura luminosidade geradora de
inteligência sem extinguir um pequeno raio de si mesma, mas
permanecendo ela mesma e originando a inteligência por ser quem
é.
Ramakrishna
108
sobre ela e um clarão atravessou-me a mente. Ela! Ela me ajudará
a pôr fim à minha vida. Precipitei-me em direção à espada.
Segurei-a como um louco. E eis que a sala, com todas as suas
portas e janelas, o templo, tudo desapareceu da minha vista.
Parecia-me que nada mais existia. Em lugar disto, enxerguei um
oceano do espírito, sem limites, resplandecente. Para qualquer
ponto que voltasse os olhos, por mais longe que fosse, avistava as
vagas enormes deste oceano brilhante. As ondas precipitavam-se
furiosamente sobre mim, com um ruído medonho, como se fossem
me engolir. Num instante estavam em cima de mim, arrebentaram,
engoliram-me. Enrolado por elas, perdi a respiração. Perdi a
consciência e caí no chão. Não sei como passei aquele dia e o
seguinte. Dentro de mim rolava um oceano de alegria inefável. E
até o fundo tinha consciência da presença da Mãe Divina.
Edward Carpenter
109
acompanhada de uma calma e uma alegria indescritíveis. Também
percebi ou senti imediatamente que essa região do ego que havia
em mim existia igualmente (embora nem sempre igualmente
consciente) em outras pessoas. Relativamente a ela, as meras
diversidades de temperamento que comumente distinguem e
dividem as pessoas perderam sentido e se tornaram indiferentes e
foi aberto um campo no qual todas pudessem se encontrar, no qual
todas fossem verdadeiramente iguais. Assim, as duas palavras que
controlaram meu pensamento e minha expressão naquela ocasião
vieram a ser liberdade e igualdade. A necessidade de espaço e
tempo para trabalhar nisso cresceu tão fortemente que, em Abril
daquele ano, abandonei meu emprego de palestrante. Além disso,
uma outra necessidade me ocorrera, impondo essa decisão — a
necessidade de uma vida ao ar livre e de trabalho manual.
Finalmente nâo pude mais lutar contra esta necessidade nem
contra a outra; tive de desistir e obedecer.
110
assim dizer, as faces interiores de todos os objetos, todas as coisas
e pessoas — como posso expressá-lo? E mesmo assim isto é muito
defeituoso, pois o sentimento é um senso de que a pessoa é os
objetos e as coisas e as pessoas que percebe (bem como todo o
universo) — um sentimento em que a visão, o tato e a audição
estão fundidos numa identidade. Nem pode esta questão ser
entendida sem se perceber que a faculdade inteira está enraizada
profunda e intimamente na natureza ultramoral e emocional e para
além da região de pensamento do cérebro.
C. L.
111
da manhã aos raios do Sol. O arrebatamento, a exaltação, a
divindade daquele momento transcende o conhecimento. Então
rapidamente veio o temor reverente da misteriosa presença que me
encheu por completo e a consciência de toda a Criação, do
universo, passou vibrando por mim, não como um pensamento,
uma sensação, uma emoção, mas como o sopro vital de Deus. Isto
cresceu até que me senti subindo e me expandindo para o Infinito,
ali sendo difuso e perdido, a mente e o corpo em vertigem.
Afundei na minha cama e dormi como uma criança. Poucas horas
depois acordei com uma alegria que era inefável e plena de glória.
C. M. C.
112
daquilo, mas tudo me pareceu tão simples e natural (apesar de seu
caráter maravilhoso) que eu e meus afazeres prosseguimos como
de costume. A luz e as cores fulguravam, a atmosfera parecia
tremular e vibrar ao meu redor e dentro de mim. Alegria, paz e
repouso perfeitos estavam por toda parte e, mais estranho que
tudo, veio-me uma sensação como de alguma presença serena e
magnética, grandiosa e onipresente. A vida e a alegria em meu
íntimo estavam se tornando tão intensas que, ao anoitecer, tornei-
me inquieta e saí andando pelos quartos e pelas salas, sem saber o
que fazer comigo mesma. Deitando-me cedo para que pudesse
ficar sozinha, logo todos os fenómenos objetivos foram
suprimidos. Eu estava vendo e compreendendo o significado
sublime das coisas, a razão de ser de tudo que antes estivera oculto
e em trevas. A grande verdade de que a vida é uma evolução
espiritual, de que esta vida é apenas uma fase passageira na
progressão da alma, irrompeu então ante minha visão espantada
com arrebatadora magnificência. Pensei: se isto é o que esta
experiência significa, se este é o resultado, então a dor é sublime!
Abençoados os séculos, as eras de sofrimento, se nos trazem a
isto! E o esplendor aumentou ainda mais. Nesse momento, o que
pareceu uma grande, rápida e crescente onda de esplendor e glória
inefável se abateu sobre mim e me senti sendo envolvida, tragada.
Senti que ia embora, que me perdia. Então fiquei aterrorizada, mas
com um medo brando. Estava perdendo minha consciência, minha
identidade, mas estava sem força para me controlar. Veio então um
período de arrebatamento, tão intenso que o universo parou, como
que pasmo ante a indizível majestade do espetáculo! Somente um
em todo o infinito universo! O Todo-Amoroso, o Ser Perfeito! A
Perfeita Sabedoria, verdade, amor e pureza! E com esse
arrebatamento veio a visão interior. Naquele mesmo maravilhoso
momento do que poderia ser chamado de superna bem-
aventurança, veio a iluminação. Vi, com intensa visão introspetiva,
113
os átomos e as moléculas de que aparentemente o universo é
composto — não sei se materiais ou espirituais — rearranjando-se
conforme o cosmo passa de uma ordem para outra. Que júbilo
quando vi que não havia nenhum intervalo na cadeia — nenhum
elo deixado fora — tudo em seu lugar e momento. Mundos,
sistemas, todos misturados num harmonioso todo. Vida universal,
sinónima de amor universal! Quanto tempo durou aquele período
de intenso êxtase, não sei — pareceu uma eternidade — mas pode
ter sido apenas alguns momentos. Depois relaxei, vieram as
lágrimas felizes, a expressão murmurada em êxtase. Eu estava em
segurança; estava na grande estrada, a via ascensional que a
humanidade tem trilhado com pés ensanguentados mas com
imorredoura esperança no coração e canções de amor e confiança
nos lábios. Agora eu compreendia as velhas verdades eternas, que
eram no entanto frescas, novas e encantadoras como o alvorecer.
Quanto tempo durou a visão, não sei dizer. De manhã, acordei
com uma leve dor de cabeça, mas com o sentido espiritual tão
forte que o que chamamos de coisas reais e materiais, ao meu
redor, a mim pareciam como sombras e irreais. Meu ponto de vista
estava inteiramente mudado. Coisas velhas tinham passado e tudo
tinha se tornado novo. O ideal tinha se tornado real, o velho real
tinha perdido sua realidade anterior e tinha se tornado como uma
sombra. Essa irrealidade sombria das coisas externas não durou
muitos dias. Todo anseio do coração foi satisfeito, toda pergunta
respondida, os “represados, aflitivos rios,” alcançaram o oceano
— eu amei infinitamente e fui infinitamente amada! A maré
universal fluiu sobre mim em ondas de alegria e regozijo,
derramando-se sobre mim em torrentes de fragrante bálsamo. Isto
descreve uma sensação real. O amor e a ternura infinitos pareciam
realmente fluir sobre mim, qual óleo santo, curando todas as
minhas feridas e contusões. Como pareciam tolos, infantis, a
petulância e o descontentamento, diante daquela serena majestade!
114
Eu aprendera a grande lição de que o sofrimento é o preço que tem
de ser pago por tudo aquilo que vale a pena; de que de algum
modo misterioso somos refinados e sensibilizados, sem dúvida em
alto grau por ele, de modo que nos tornamos suscetíveis às
influências mais elevadas e mais puras da natureza — e isto, se é
verdade para um, é verdade para todos. E, sentindo e sabendo isto,
agora já não me transtorno como antes, mas fico silente enquanto
me sento e contemplo todo o pesar do mundo — toda a
interminável maldade e agonia. Aquele doce e eterno sorriso na
face da natureza! Não há nada no universo que se lhe compare —
tão jubiloso repouso e tão doce despreocupação — dizendo-nos
com o mais terno amor: tudo está bem, sempre esteve e sempre
estará. A “luz subjetiva” (assim me parece) é magnética ou elétrica
— alguma força é liberada no cérebro e no sistema nervoso —
alguma explosão ocorre — o fogo que ardia no peito é agora uma
chama ascendente. Em diversas ocasiões, semanas após a
iluminação descrita, senti claramente faíscas elétricas saltarem dos
meus olhos. Na minha experiência, a “luz subjetiva” não foi uma
coisa vista — uma sensação distinta de uma emoção — foi a
própria emoção — êxtase. Foi o contentamento e êxtase do amor,
tão intensificado que se tornou um oceano de luz viva, palpitante,
cujo brilho reluzia mais que o brilho do Sol. Seu fulgor, seu calor
e sua ternura enchiam o universo. Aquele oceano infinito era o
amor eterno, a alma da natureza e tudo era um sorriso sem fim!
Philip K. Dick
115
com um medalhão reluzente em forma de peixe, que ela disse ser
um símbolo cristão e que provocou no autor uma sensação
misteriosa, um potente déjà vu que ele não podia suprimir. O
autor, ainda confuso com seu senso de familiaridade com aquele
medalhão, pegou o pacote e voltou para seu quarto. Foi nesse
momento que ele teria a primeira de uma série de visões profundas
e enigmáticas que abalariam profundamente sua visão da
realidade. Logo depois de fechar a porta e voltar para dentro, Dick
afirmou que tinha sido surpreendido por uma luz rosa súbita e
extremamente brilhante que banhava tudo, ao mesmo tempo
implantando um fluxo de imagens estranhas em sua mente,
incluindo padrões geométricos, imagens de lugares há muito
passados, pinturas estranhas, ideias filosóficas e até mesmo o que
ele descreveu como projetos de máquinas avançadas. Ele
escreveu: “Não era como uma realidade alternativa, era como o
que chamo de constância transtemporal. Era uma verdade eterna
como o mundo arquetípico de Platão onde tudo sempre esteve aqui
e agora, e sempre foi assim e sempre seria assim. Mas tinha algum
tipo de dinamismo, não era estático. Havia um tipo de tempo, mas
um tipo diferente de tempo. Um tempo como nos sonhos, onde
ocorrem os feitos dos heróis. Era uma espécie de época
mitológica. Tudo assumia uma qualidade mitológica.” Nos meses
seguintes, essas visões surgiram em rajadas e ondas, e ele ficou
cada vez mais convencido de que estavam sendo irradiadas na sua
cabeça por forças externas. O próprio Dick diria sobre isso: “Eu
experimentei uma invasão de minha mente por uma mente
transcendentalmente racional, como se eu tivesse sido louco por
toda a minha vida e de repente tivesse ficado são.” À medida que
as visões continuavam, ele começou a descobrir que muitas vezes,
ao realizar seus afazeres diários, ele via os arredores com o que
pareciam ser imagens da Roma antiga sobrepostas, e isso às vezes
era incrivelmente vívido, com centuriões romanos caminhando e
116
cenas do passado atuando sobre o mundo de sua realidade normal.
Ele veio a acreditar que na verdade a era de Roma nunca tinha
terminado e estava vivendo como uma espécie de existência
sombria paralela à nossa. Isso só foi reforçado pelo aparecimento
de viajantes do tempo extraterrestres de três olhos que às vezes
vinham através da misteriosa luz rosa para falar com ele, e a
história que eles tinham era realmente selvagem. Dick foi
informado de que ele era na verdade um dos primeiros espiões
cristãos que buscava derrubar os romanos, assim como a mulher
de entrega com o colar de ouro, razão pela qual ele a reconheceu,
com o brilho daquele medalhão sendo a chave através do qual ele
foi despertado para a ilusão e o engano. Curiosamente, tudo isso
foi acompanhado por infusões de conhecimento esotérico e
orientação de espíritos benevolentes que pareciam ter vindo para
ajudá-lo em sua missão. Seguindo seus conselhos, ele cuidou
melhor de sua saúde e tomou decisões de negócios inteligentes.
Num caso, uma voz o incitou a procurar atendimento médico para
seu filho para o que acabou sendo uma hérnia. O julgamento de
Dick melhorou. Ele se sentia mais vivo. Em certo sentido, sua
loucura divina o deixou mais são. Dick ficaria obcecado, tentando
descobrir o que tudo isso significava, numa busca desesperada por
respostas que o consumiriam pelo resto de sua vida. Ele escreveria
um diário de 8.000 páginas sobre toda a experiência e a explicaria
de forma fictícia em seus romances VALIS e A Invasão Divina.
Dick cobriu praticamente todos os ângulos possíveis a respeito do
que a luz rosa e sua miríade de fenómenos poderiam significar,
variando do estranho ao totalmente absurdo. Ele nunca encontrou
uma explicação confortável. Quando as visões terminaram e tudo
acabou, ele escreveu: “Em 1976, tentei me matar porque Elias
havia me deixado. Senti que ele partia e foi horrível. Não há nada
pior no mundo, nenhum castigo maior do que ter conhecido a
Deus e não mais conhecê-lo. As vozes pararam de falar comigo.
117
Não me importava mais se vivia ou morria.”
C. Y. E.
Yogananda
118
Meu corpo tornou-se imóvel como se tivesse raízes; o alento
saiu de meus pulmões como se um íman enorme o extraísse.
Instantaneamente o espírito e a mente romperam com sua
escravidão ao físico e jorraram de cada um de meus poros como
luz perfurante e fluida. A carne parecia morta e, contudo, em
minha intensa lucidez, eu percebia que nunca antes estivera tão
plenamente vivo. Meu senso de identidade já não se achava
confinado à estreiteza de um corpo, mas abarcava os átomos
circundantes. Pessoas em ruas distantes pareciam mover-se
suavemente em minha própria e remota periferia. Raízes de
plantas e árvores eram percebidas através de uma tênue
transparência do solo; e eu distinguia nelas a interna circulação da
seiva.
Alphonse Ratisbonne
119
verdade indizível. Eu estava lá, prostrado no chão, banhado em
minhas próprias lágrimas, com o coração que já não me pertencia,
quando meu amigo me chamou de volta à vida. Não pude
responder às suas perguntas, que se atropelavam umas às outras.
Finalmente, peguei a medalha que trazia no peito e, com toda a
efusão de minha alma, beijei a imagem da Virgem, radiante de
graça, que nela se estampava. Com efeito, era ela! Eu não sabia
onde estava: não sabia se eu era Alphonse ou outra pessoa. Só me
sentia mudado e acreditava ser outro eu; procurei por mim em
mim mesmo e não me encontrei. No fundo de minha alma senti
uma explosão da mais ardente alegria; não podia falar; não tinha
vontade alguma de revelar o que acontecera. Senti, porém, algo
solene e sagrado dentro de mim que me fez pedir um padre. Fui
conduzido a um sacerdote; e ali, sozinho, depois que ele me deu a
ordem positiva, falei o melhor que pude, com o joelho em terra e o
coração ainda trêmulo. Eu não conseguia explicar a mim mesmo a
verdade da qual adquirira conhecimento e fé. Tudo o que posso
dizer é que, num instante, a venda me caíra dos olhos; e não
apenas uma venda, senão as muitas vendas em que fora educado.
Uma depois da outra, desapareceram rapidamente, assim como
desaparecem, sob os raios do sol abrasador, a lama e o gelo. Saí
como quem sai de um sepulcro, de um abismo de trevas; e estava
vivo, perfeitamente vivo. Mas chorei porque, no fundo daquela
voragem, vi o extremo de miséria de que eu fora salvo por uma
infinita misericórdia; e estremeci à vista das minhas iniquidades,
estupefato, enternecido, aniquilado de pasmo e gratidão. Você
poderá perguntar-me como cheguei a essa nova visão intuitiva
pois, na verdade, eu nunca abrira um livro de religião nem lera
uma única página da Bíblia, e o dogma do pecado original ou é
inteiramente negado ou é esquecido pelos hebreus de hoje, de
modo que eu havia pensado tão pouco a esse respeito que duvido
até de que algum dia lhe tivesse sabido o nome. Mas como
120
cheguei, então, a essa perceção? Não posso responder coisa
alguma, a não ser que, ao entrar na Igreja, eu me achava na
escuridão total e, ao sair dela, vi a luz em todo o seu esplendor. A
melhor maneira de explicar a mudança, no meu entender, é através
do símile de um sono profundo ou da analogia de um cego de
nascença que abre, de repente, os olhos para a luz do dia. Vê, mas
não pode definir a luz que o banha e por cujo intermédio enxerga
os objetos que lhe excitam a admiração. Se não podemos explicar
a luz física, como explicaremos a luz que é a própria verdade? E
creio não estar ultrapassando os limites da veracidade quando digo
que, sem ter nenhum conhecimento da letra da doutrina religiosa,
naquele instante, lhe percebi intuitivamente o sentido e o espírito.
Melhor do que se as visse, senti aquelas coisas ocultas; sentias
pelos efeitos inexplicáveis que produziram em mim. Tudo
aconteceu em minha mente interior; e tais impressões, mais
rápidas que o pensamento, abalaram, revolveram e viraram minha
alma, por assim dizer, em outra direção, para outras metas, por
outros caminhos.
Fílon de Alexandria
121
efeito como o que a mais clara das demonstrações oculares me
exerceria sobre os olhos.
Anónimo
Charles Lindbergh
122
Atlântico em direção à Irlanda. Foi um vôo muito difícil.
Dezessete horas após a decolagem, ele sentiu que não poderia
continuar sem dormir. Mas o sono significava morte certa, e
Lindbergh atribuiu sua salvação à instabilidade estrutural do
avião. A máquina, enquanto Lindbergh deslizava para os reinos do
sono, dava guinadas que o mantinham acordado. Gradualmente ele
começou a notar que, conforme seu corpo reclamava o sono e sua
mente tomava decisões às quais seus sentidos eram incapazes de
prestar atenção, ele cedeu o controle a uma “mente alheia,” uma
força que ele reconheceu como pertencente a si mesmo, mas não
inteiramente. Depois de um vôo de dezenove horas, Lindbergh
alcançou a primeira metade da viagem. Foi durante a vigésima
segunda hora da viagem que Lindbergh de repente encontrou uma
presença na fuselagem do avião. Enquanto lutava para ficar
acordado e controlar o monoplano, às vezes voando tão baixo que
chegava a tocar a espuma das ondas do Atlântico, Lindbergh
percebeu que tinha companhia. Na verdade, ele pensava que mais
de um ser estava viajando com ele. Ele conta: “Atrás de mim, a
fuselagem começa a encher-se de presenças fantasmagóricas,
figuras com contornos imprecisos, transparentes, móveis,
caminhando sem peso comigo no avião. Não fiquei surpreso com
a chegada deles. Não há nada repentino em seu aparecimento. Sem
me virar, posso vê-los tão claramente quanto o campo de visão
normal à minha frente.” Lindbergh sentiu os “fantasmas” falarem
com ele e os achou amigáveis. Ele não estava nem um pouco
assustado. Teve a sensação de que conhecia essas presenças, que
lhe eram familiares. Ele sabia que eles estavam ali para ajudá-lo,
“conversando e avisando sobre o vôo, falando sobre os problemas
da navegação aérea, me tranquilizando, dando-me conselhos
importantes, inacessíveis na vida normal.” Mais tarde naquele dia,
Lindbergh avistou uma mancha no oceano. Enquanto voava em
direção a ela, viu que era um barco de pesca e logo muitos outros
123
apareceram. Não demorou muito para chegar a um promontório
cheio de vegetação, e ele pensou que era a costa sudoeste da
Irlanda. Ele desceu em espiral até uma vila e viu pessoas saindo de
suas casas e correndo para a rua, observando-o e cumprimentando-
o. Lindbergh pensou: “A vontade de dormir foi-se e, com ela, as
presenças fantasmagóricas que viajaram comigo esta manhã.”
Lindbergh continuou a sobrevoar Plymouth, na Inglaterra, com a
intenção de chegar a Paris para finalizar o histórico vôo direto
entre os dois continentes. Ele mencionou pela primeira vez “seres
desencarnados” num livro de memórias fragmentário e inédito
escrito em 1939. Mais tarde, ele acrescentou detalhes ao que foi
realmente uma experiência muito íntima e pessoal, mas levaria
anos, quase três décadas após aquele vôo, para finalmente tornar
público seu encontro incomum. Lindbergh escreveu: “Nunca
acreditei em aparições, mas como posso explicar as figuras que
permaneceram comigo durante as longas horas daquele vôo?
Figuras transparentes com contornos humanos, com vozes que
falavam comigo com clareza e autoridade. Mas o que foi que me
disseram? Não me lembro de uma única palavra.” Lindbergh
nunca descartou que as presenças fossem alucinações, mas as
interpretou como “sequelas de experiências passadas armazenadas
no subconsciente.” Teve a sensação de ter tocado, durante seu
longo vôo, uma realidade superior. Apesar de não se lembrar dos
detalhes da conversa com seus companheiros fantasmagóricos, ele
se lembrava o suficiente deles para chamá-los de “conselheiros
amigáveis” e “seres encorajadores”.
Anónimo
124
relaxando, ouvindo o som suave da água, quando senti uma
mudança interior, na minha consciência. E então apareceu uma luz
de dentro que se tornou tão brilhante que eu não tinha mais
consciência dos meus sentidos, tudo era luz. E então uma voz se
tornou audível, não aos meus ouvidos, mas por dentro, ao meu
espírito. Essa voz me informou da minha vida: quem eu era e por
que vim ao mundo. Eu experimentei atemporalidade. Então a voz
silenciou, e a luz que eu estava experimentando tornou-se mais
intensa. E experimentei o que tinha ouvido e lido, mas nunca
havia experimentado: amor incondicional. Senti uma vontade de
morrer naquele momento e ali, se ao menos pudesse permanecer
exatamente onde estava, mesmo que isso significasse não me
despedir de entes queridos. Este estado durou talvez 5 ou 10
minutos. E então tudo acabou.
Henry Alline
125
princípio, mas tão condenado, tão exposto e tão miserável quanto
antes. Gritei dentro de mim, “Senhor Deus, estou perdido, e se tu,
ó Senhor, não encontrares algum caminho novo, que desconheço,
nunca serei salvo, porque os caminhos e métodos que me tenho
prescrito falharam todos e eu mesmo quis que eles falhassem.
Senhor, tem misericórdia! Senhor, tem misericórdia!” Esses
descobrimentos continuaram até que entrei na casa e me sentei.
Sentado, cheio de confusão, como um homem a pique de afogar-
se, que justamente se dava por perdido e numa quase agonia, virei-
me subitamente na cadeira e, vendo parte de uma velha Bíblia
numa das mesas, peguei-a à pressa; abrindo-a sem nenhuma
premeditação, meus olhos deram com o Salmo 38, e foi a primeira
vez que vi a palavra de Deus: apoderou-se de mim com tamanha
força que parecia atravessar-me toda a alma, de modo que se diria
que Deus estava rezando em mim, comigo e por mim. Mais ou
menos a essa hora meu pai chamou a família para as orações; fui
ter com ele, mas não atentei para o que ele dizia na oração, e
continuei a rezar com as palavras do Salmo. Naquele exato
momento, quando entreguei tudo a ele para que fizesse comigo o
que lhe aprouvesse, e estava querendo que Deus me governasse a
seu talante, o amor redentor irrompeu em minha alma com
repetidas escrituras, com tanta força que toda a minha alma
parecia derreter-se de amor; o fardo da culpa e da condenação
desaparecera, a treva fora expulsa, meu coração transbordava de
humildade e gratidão, e toda a minha alma, que, minutos antes,
gemia debaixo de montanhas de morte e gritava por socorro a um
Deus desconhecido, estava agora cheia de amor imortal, librando-
se nas asas da fé, libertada das cadeias da morte e da treva, e
gritando, “Meu Senhor e meu Deus: és minha rocha e minha
fortaleza, meu escudo e minha torre, minha vida, minha alegria, o
meu presente e minha parte na eternidade.” Erguendo os olhos,
julguei ver a mesma luz, pois vira, em mais de uma ocasião
126
anterior, subjetivamente, uma luz muito intensa, embora parecesse
diferente; e, tanto que a vi, compreendi-lhe o intento, de acordo
com a sua promessa, e fui obrigado a gritar: “Basta, basta, Deus
bendito!” O trabalho da conversão, a mudança e as suas
manifestações não são mais contestáveis do que a luz que vejo, ou
do que qualquer coisa que já vi. No meio de todas as minhas
alegrias, menos de meia hora depois que minha alma foi posta em
liberdade, o Senhor me desvelou o meu trabalho no sacerdócio e
chamou-me para pregar o evangelho. Passei a maior parte da noite
em êxtases de alegria, louvando e adorando o Eterno por sua graça
livre e sem limites. Após ter estado por tanto tempo absorto nesses
transportes, minha natureza pareceu exigir o repouso, e pensei em
cerrar os olhos por alguns momentos; nisso, entrou o demónio e
me disse que, se eu adormecesse, perderia tudo aquilo e, quando
acordasse na manhã seguinte, descobriria que tudo não fora mais
que fantasia e ilusão. Imediatamente gritei, “Senhor Deus, se eu
estiver iludido, desilude-me.” Fechei-me então os olhos por alguns
minutos, e creio que o sono me restaurou; quando acordei, minha
primeira pergunta foi, “Onde está o meu Deus?” E, numa fração
de segundo, minha alma pareceu despertar em Deus e com ele,
cercada pelos braços do amor sempiterno. Ao nascer do sol, ergui-
me com alegria a fim de contar a meus pais o que Deus fizera por
minha alma, e declarei-lhes o milagre da graça ilimitada de Deus.
Peguei a Bíblia para mostrar-lhes as palavras impressas por Deus
em minha alma na véspera; mas, quando a abri, ela me pareceu
inteiramente nova. Eu ambicionava tanto ser útil à causa de Cristo,
pregar o evangelho, que parecia já não poder ficar inativo por mais
tempo; precisava sair para contar a todos as maravilhas do amor
redentor. Perdi o gosto dos prazeres carnais e da companhia
carnal, e foi-me permitido abrir mão deles.
127
Stearns obteve sua licença de piloto em 1928 e começou a
realizar apresentações de acrobacias no noroeste dos Estados
Unidos. Numa competição em 1932, Stearns perdeu-se e estava
quase sem combustível. Pareceu-lhe que a única chance de evitar
um acidente era tentar pousar numa ferrovia que avistava. Ela
começou a descer e enquanto se preparava para o pouso perigoso,
uma voz gritou: “Não! Não, Edie, não!” Ela reconheceu aquela
voz como a de uma antiga colega de classe que morreu num
acidente de carro quando era adolescente. Assustada, ela subiu
rapidamente, nivelou a aeronave e continuou seu caminho. Alguns
minutos depois, ela avistou a pista de Phoenix e pousou sem
incidentes. Stearns disse: “Eu nunca vôo sozinha. Algum tipo de
presença se senta ao meu lado, e agoréa que penso nisso, é como
se ela fosse meu copiloto. Em momentos de grave perigo, uma
mão invisível assume o controlo e me salva.”
Pierre Weil
128
mais tarde, ela o confirmou, contando que deveria submeter-se a
uma cirurgia oftalmológica. Eu me tornara clarividente. De súbito,
uma luz dourada e fascinante surgiu num dos cantos da sala;
assemelhava-se a uma cortina de luz. Ela possuía um caráter
sagrado e emanava qualquer coisa que me transmitia o sentimento
muito claro de uma presença invisível a meus olhos físicos, porém
percetível diretamente, se é que posso me exprimir assim. O
sentimento de algo sagrado se intensificou; entrei num estado de
arrebatamento, espanto e elevação espiritual extrema. Depois, vi
partículas luminosas e cintilantes no ar, que logo identifiquei
como sendo a manifestação da microestrutura subatômica. Um
sentimento de poder ilimitado tomou conta de mim, e reconheci
que podia penetrar, com os olhos do espírito, nos nós da madeira
de pinho do chalé onde me encontrava. Um detalhe que me parece
importante: primeiro, todas essas visões eram recebidas à margem
de meu campo visual, isto é, era preciso que olhasse de lado os
objetos ou luzes em questão; e segundo, embora me fossem
externas, dei-me conta de que não poderia afirmar o caráter de tais
perceções: se era externo ou interno. Elas não estavam, de facto,
nem dentro, nem fora: tratava-se de uma outra dimensão espacial.
Mark Twain
129
rosa vermelha no centro.” Twain acordou, vestiu-se e preparou-se
para ir ver o caixão. Ele estava caminhando para a casa onde
pensava que o caixão estava antes de perceber que “não havia
nada de real nisso – era apenas um sonho.” Mas infelizmente não
era. Algumas semanas depois, Henry ficou gravemente queimado
numa explosão de caldeira e morreu pouco depois quando alguns
jovens médicos lhe deram uma enorme overdose de ópio para a
dor. Normalmente, os mortos eram enterrados em caixões de
pinho simples, mas algumas mulheres conseguiram angariar
dinheiro para colocar Henry num caixão especial de metal. Twain
explica o que aconteceu a seguir: “Quando voltei e entrei no
quarto, Henry estava naquele caixão aberto, e ele estava vestido
com um terno meu. Ele tinha pegado emprestado sem o meu
conhecimento durante nossa última estadia em St. Louis; e
reconheci instantaneamente que meu sonho de várias semanas
antes estava aqui sendo exatamente reproduzido, no que diz
respeito a esses detalhes, embora parecesse faltar um, mas que foi
imediatamente fornecido, pois então uma senhora idosa entrou no
local com um grande buquê consistindo principalmente de rosas
brancas, e no centro dele estava uma rosa vermelha, e ela o
colocou sobre o peito dele.” Agora, quem de nós não ficaria
permanentemente marcado, ao mesmo tempo inspirado e
assombrado, por tal série de eventos? Quem de nós, se este fosse
nosso sonho e nosso irmão, poderia honestamente descartar tudo
como uma série de coincidências? Twain certamente não poderia.
Ele estava obcecado por tais momentos em sua vida, que eram
muitos. Em 1878, ele descreveu alguns deles num ensaio e até
teorizou sobre como eles funcionam. Mas não conseguiu publicá-
lo, pois temia que “o público tratasse a coisa como uma piada,
enquanto eu estava falando sério.” Mas Twain acabou por ceder,
permitindo que seu nome fosse anexado às suas próprias
experiências e publicou este material na revista Harper em duas
130
partes separadas: “Telegrafia Mental: Um Manuscrito com uma
História” (1881) e “Novamente sobre a Telegrafia Mental” (1885).
A metáfora aponta para a tecnologia de ponta da época. Também
aponta para a convicção de Twain de que tais sonhos
precognitivos e comunicações instantâneas estavam ligados aos
atos de ler e escrever. Na verdade, Twain suspeitava que os
processos que essa telegrafia mental nomeava tinham alguma
relação profunda com as fontes de seu próprio sucesso literário. E
ele estava falando sério. O manuscrito com uma história do título
do primeiro ensaio refere-se a um enredo detalhado para uma
história sobre algumas minas de prata do Nevada que surgiu em
sua mente um dia, como que do nada, como se viesse de outra
pessoa. Quando uma carta de um amigo a três mil milhas de
distância chegou pelo correio alguns dias depois, ele sabia
exatamente o que havia nela antes de abrir o envelope: o enredo da
história das minas de prata que recebera num flash de criatividade
e inspiração alguns dias antes.
Ann Bancroft
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físicas mas também enorme pressão psicológica causada pela
possibilidade de fracasso. Como se não houvesse obstáculos
suficientes, Bancroft sofreu uma torção dolorosamente dolorosa
quando uma forte rajada de vento sacudiu seu braço violentamente
enquanto ela lutava para desembaraçar uma corda de reboque. Um
dia, faltando apenas quatro horas de marcha, Bancroft teve a
repentina sensação de estar na companhia de outra pessoa.
Arnesen, que estava ilesa, caminhava à frente a uma boa distância.
Bancroft sentiu a presença atrás de seu ombro direito.
Instantaneamente a invadiu uma sensação de bem-estar, calor e
força. Bancroft explica: “Surpreendeu-me, porque a presença
trouxe consigo uma avalanche de emoções; foi intenso e
inconfundível, um bom remédio, e também era o que eu precisava.
Fosse o que fosse, funcionou. Abracei o sentimento e a sensação
da presença.” Bancroft acreditava que a presença era na verdade
uma mulher e, de maneira incomum, sentiu que “não havia
dúvidas sobre a identidade da presença”. No décimo segundo dia
da expedição ela anotou em seu diário: “A intensa presença de
minha mentora (falecida há pouco tempo) encheu a área. Foi uma
presença estimulante e encorajadora. Esse sentimento não só me
deu força, mas também trouxe um grande conforto.” A mentora
era sua falecida avó, a quem ela chamava de Rannie. Bancroft
ficou surpresa não apenas com a intensa sensação de sua
proximidade, mas também porque ela não era a avó que ela
esperava que aparecesse se tivesse imaginado tal situação de
antemão. A presença era sua avó paterna, uma mulher que havia
morrido seis anos antes, e de quem Bancroft não era tão próxima
como era de sua avó materna. A sensação de sua presença persistiu
por algum tempo. Bancroft relembra: “Ela permaneceu por um
tempo até o ponto em que — embora pareça um pouco ridículo
dizer isso — eu falei com ela alto e claramente.” Em resposta, ela
recebeu uma mensagem de encorajamento e uma garantia de que
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iria sobreviver: “Vais sobreviver, mas vai ser muito difícil.” Sua
situação melhorou e Bancroft e Arnesen finalmente triunfaram.
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