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A relação entre discurso literário e identidade nacional, por mais que possa
parecer natural ou inevitável, é uma construção relativamente recente. Assim como o
conceito de “nação”, que é hoje visto como uma criação do século XVIII, a noção de
“literatura nacional” originou-se na virada deste para o século XIX, particularmente
com os românticos alemães, que divulgaram a idéia de que uma literatura se define
pela sua afiliação nacional, e pelo fato de que deve incorporar o que se entendia como
as características específicas de uma nação. A premissa que subjaz a esta visão é a de
que a humanidade se divide em grupos homogêneos, embora distintos entre si, e
marcados por um conjunto único de valores e preocupações, que constituem o “cará-
ter nacional”. Este conjunto de idéias nacionalistas levou-os à ilusão de que tanto a
nação quanto as literaturas nacionais são fatos naturais, que surgiram sem a interfe-
rência de indivíduos específicos. Contrários a essa postura, que dominou durante qua-
se dois séculos, teóricos recentes, dedicados à questão, vêm procurando demonstrar
que as nações são, para empregar a expressão de Benedict Anderson, “comunidades
imaginadas”1, criadas em contextos históricos específicos e ligadas a interesses políti-
cos de grupos determinados, e as literaturas nacionais construções elaboradas para
respaldar a identidade de uma nação, conferindo-lhe um status cultural necessário
para a sua projeção na arena das disputas internacionais.
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Eduardo F. Coutinho é Professor Titular da UFRJ. Mestre em Literatura Comparada pela Univ.
Carolina do Norte, Chapel Hill, EUA, e Doutor em Literatura Comparada pela Univ. da Califórnia,
Berkeley, EUA. Publicou, dentre outros livros, The process of revitalization of the language & narrative
structure in the fiction of J. G. Rosa e J. Cortázar (1980), The synthesis novel in latin america: a study on J. G.
Rosa’s Grande Sertão: Veredas (1991), Em busca da terceira margem: ensaios sobre o Grande Sertão: Veredas
(1993), Literatura comparada: textos fundadores, em col. com Tania Franco Carvalhal (1994), Sentido e função da
literatura comparada na América Latina (2000), Fronteiras imaginadas: cultura nacional/teoria internacional
(2001).