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ESSE FLUXO

FÍSICA

MISTERIOSO
Do passado fixo ao presente tangível, e ao
futuro indeterminado, é como se o tempo fluísse
inexoravelmente. Mas essa é uma ilusão
Por Paul Davies

A
ssim escreveu o poeta inglês do sagem do tempo. Os físicos insistem em afirmar que
século 17 Robert Herrick, esta- o tempo não flui; ele simplesmente é. Alguns filóso-
belecendo o clichê universal de fos sustentam que o próprio conceito da passagem
que o tempo voa. E quem poderia do tempo não faz sentido, e que a ideia do rio ou
duvidar disso? A passagem do tem- do fluxo do tempo é baseada num conceito incorre-
po é provavelmente a característica mais básica da to. Como algo tão próprio de nossa experiência do
percepção humana, pois sentimos o tempo fluindo mundo físico pode ter uma identidade tão difícil de
no âmago de nós mesmos de uma maneira mais definir? Ou será que o tempo tem alguma qualida-
íntima que o modo como experimentamos espaço de essencial que a ciência ainda não identificou?
ou massa. A passagem do tempo já foi comparada Na vida cotidiana, dividimos o tempo em três
ao voo de uma flecha e a um córrego em perpétuo partes: passado, presente e futuro. A estrutura
CONCEITO fluxo, transportando-nos inexoravelmente do passa- gramatical da linguagem gira em torno dessa dis-
PARADOXO do ao futuro. Shakespeare referiu-se à “ciranda do tinção fundamental. A realidade está associada ao
tempo”, e seu compatriota Andrew Marvell, à “car- momento presente. Pensamos no passado como
paradoxo é uma conclusão ruagem alada do tempo aproximando-se, veloz”. algo que já não é, pois ficou para trás, enquan-
que apresenta situações Por mais evocativas que essas imagens possam to o futuro está ainda mais envolto em sombras,
contraditórias decorrentes de ser, esbarram num paradoxo profundo e desnor- com seus detalhes indefinidos. Dessa perspectiva
afirmações verdadeiras. teante. Nada na física conhecida corresponde à pas- simples, o “agora” de nossa consciência avança,

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ARTES DO ACERVO DE SCIENTIFIC AMERICAN

Para sermos perfeitamente honestos, precisamos admitir que tanto cientistas como filósofos não sabem ao
certo o que é o tempo, ou por que ele existe. O máximo que eles podem dizer é que o tempo é uma dimensão
extra semelhante (porém não idêntica) à do espaço. Por exemplo, a órbita bidimensional da Lua através do
espaço pode ser pensada como um saca-rolhas tridimensional através do espaço-tempo.

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TEMPO BLOCADO
O Tempo Todo como Presente
De acordo com o senso comum, o momento presente possui
um significado especial. Ele é tudo o que é real. Com as batidas sas questões afirma que não podemos definir um único momento
do relógio, o momento passa, e outro momento passa a existir presente como sendo especial, pois cada momento se considera
— um processo a que chamamos fluxo do tempo. A Lua, por especial. Objetivamente, passado, presente e futuro devem ser
exemplo, encontra-se em apenas uma posição em sua órbita igualmente reais. Toda a eternidade é disposta, ou mapeada, em
em torno da Terra. Com o tempo, ela deixa de existir naquela um bloco composto pelo tempo e pelas três dimensões espaciais.
posição e passa a ocupar uma nova posição. (Este diagrama mostra apenas duas dessas dimensões espa-
No entanto, a maioria dos pesquisadores que refletem sobre es- ciais.) —P.D.

PASSADO
PRESENTE
FUTURO
Lua
ESPAÇO

Terra
AÇO
ESP

TEMPO

VISÃO CONVENCIONAL: Apenas o presente é real UNIVERSO BLOCADO: Todos os tempos são igualmente reais

transformando eventos que faziam parte do futu- observador na Terra é incapaz de conhecer a si-
ro na realidade concreta, porém fugaz, do presen- tuação em Marte no mesmo instante. Ele precisa
te, e então relega-os ao passado. inferir a resposta após o evento, depois que a luz
CONCEITO
Por óbvia que possa parecer essa descrição tiver cruzado a distância entre os dois planetas.
MINUTOS-LUZ baseada no senso comum, ela está em profunda A inferência sobre o evento será diferente, con-
contradição com a física moderna. É famosa a ma- forme a velocidade do observador.
assim como anos-luz,
neira pela qual Albert Einstein expressou essa ques- Por exemplo, durante expedição tripulada en-
minutos luz é uma medida de
tão, quando escreveu a um amigo: “O passado, o viada a Marte, os controladores da missão aqui
comprimento, não de tempo, presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que na Terra poderiam perguntar: “O que será que o
e corresponde à distância tenazes”. A conclusão surpreendente de Einstein comandante Jones está fazendo na Base Alfa, ago-
percorrida pela luz em um deriva diretamente de sua teoria da relatividade, ra?”. Olhando para seus relógios e vendo que são
minuto. No exemplo, 20 que nega qualquer significado absoluto e universal 12h em Marte, a resposta deles poderia ser: “Almo-
minutos-luz correspondem a ao momento presente. De acordo com essa teoria, çando”. Mas um astronauta passando pela Terra
360.000.000 km. simultaneidade é algo relativo. Dois eventos que no mesmo momento a uma velocidade próxima
ocorrem no mesmo momento, quando observados à da luz poderia, ao olhar para seu relógio, dizer
a partir de um determinado quadro de referência, que o horário em Marte era anterior ou posterior a
podem ocorrer em momentos diferentes. 12h, dependendo do sentido de seu movimento. A
Uma pergunta banal, como: “O que está resposta desse astronauta à pergunta sobre as ati-
acontecendo em Marte agora?” não tem uma vidades do comandante Jones seria “preparando o
resposta única. A questão central é que a Terra almoço” ou “lavando a louça”. Esse tipo de desen-
e Marte estão muito distantes entre si – até 20 contro torna cômica qualquer tentativa de conferir
minutos-luz. Como a informação não é capaz um status especial ao momento presente. Se você e
de viajar com velocidade superior à da luz, um eu estivéssemos em movimento relativo, um even-

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to que eu consideraria como parte do futuro ainda que se tem são simplesmente estados do mundo
não decidido poderia já existir para você no pas- em diferentes datas, e os estados mentais de Alice CONCEITO
sado fixo. A conclusão mais imediata disso é que associados a eles. PARMÊNIDES
tanto o passado quanto o futuro são fixos. Por essa Esse tipo de argumentação remonta aos tempos
razão, os físicos preferem pensar o tempo como dos filósofos da Grécia Antiga, como Parmênides E ZENÃO
inteiramente mapeado – uma paisagem temporal e Zenão. Há um século, o filósofo britânico John Esses filósofos gregos
(timescape), em analogia a uma paisagem espacial McTaggart procurou estabelecer uma distinção entre
defenderam a ideia de que
(landscape) – contendo todos os eventos passados a descrição do mundo em termos de eventos acon-
espaço e tempo não poderiam ser
e futuros. É um conceito algumas vezes chamado tecendo, que ele denominava série A, e a descrição
de “tempo blocado”. Essa descrição sobre um em termos de datas correlacionadas aos estados do compostos de partes pequenas de
aspecto da natureza nada contém que defina um mundo, a série B. Cada uma delas parece uma des- tempo enfileiradas.
momento especial, que o privilegie como sendo “o crição autêntica da realidade mas, apesar disso, os
presente”, nem qualquer processo que transforme dois pontos de vista parecem se contradizer. Por
os eventos futuros em acontecimentos presentes exemplo, o evento “Alice fica desapontada” fez
e, em seguida, em eventos passados. Em suma, o parte do futuro, e então do presente, e posterior-
tempo do físico não passa nem flui. mente do passado. Mas sendo passado, presente
Diversos filósofos, no decorrer dos anos, chega- e futuro categorias exclusivas, como é que um úni-
ram à mesma conclusão ao examinar aquilo que nor- co evento pode ter o status de pertencer às três?
malmente denominamos passagem do tempo. Eles McTaggart usou esse conflito entre as séries A e B
afirmam que o conceito não tem coerência interna. para defender a irrealidade do tempo. A maioria
O conceito de fluxo, afinal, refere-se a movimento. dos físicos colocaria a questão de maneira menos
Faz sentido falar do movimento de um objeto físi- dramática: o fluxo do tempo é irreal, mas o tempo
co, como uma flecha viajando no espaço, ao me- em si mesmo é tão real quanto o espaço.
dirmos como sua posição varia com o tempo. Mas Uma fonte de confusão em discussões acerca
que significado pode ser atribuído ao movimento do da passagem do tempo provém da referência à
próprio tempo? Ele se move em relação a quê? En- chamada flecha do tempo. Negar que o tempo
quanto outros tipos de movimento relacionam um flui não é o mesmo que dizer que as designações
processo físico a outro, o fluxo hipotético do tempo “passado” e “futuro” são desprovidas de base
relaciona o tempo a ele mesmo. A simples pergunta física. Eventos no mundo formam, inegavelmen-
“Qual a velocidade do tempo?” desnuda o absurdo te, uma sequência unidirecional. Por exemplo,
da própria ideia. A resposta trivial – “um segundo um ovo derrubado no chão se partirá em peda-
por segundo” – não nos diz absolutamente nada. ços, mas nunca assistimos ao processo inverso
Embora seja conveniente nos referirmos à pas- – um ovo quebrado se transformando num ovo
sagem do tempo em nossos afazeres cotidianos, o intacto. Esse é um exemplo da segunda lei da
conceito não fornece qualquer informação nova que termodinâmica, que afirma que a entropia de um
não possa ser transmitida sem ele. Imagine o se- sistema fechado – definida de forma aproximada
guinte cenário: Alice esperava que nevasse no Natal, como seu grau de desordem – tende a crescer
mas quando esse dia chegou, ela ficou desapontada com o tempo.
porque apenas choveu; mas ela ficou contente por- Um ovo intacto tem menos entropia que um
que nevou no dia seguinte. Apesar dessa descrição ovo quebrado.
estar repleta de tempos verbais e de referências à Pelo fato de haver uma abundância de proces-
passagem do tempo, as mesmas informações po- sos físicos irreversíveis na Natureza, a segunda lei da CONCEITO
dem ser transmitidas com exatidão simplesmente termodinâmica desempenha um papel fundamental
correlacionando os estados mentais de Alice às para impor ao mundo uma evidente assimetria ASSIMETRIA
datas, omitindo qualquer referência à passagem do entre as direções passada e futura, ao longo do eixo
para a física, se há assimetria
tempo ou a mudanças ocorridas no mundo. Assim, do tempo. Por convenção, a flecha do tempo aponta
significa dizer que existe
a monótona e um tanto burocrática catalogação de para o futuro. Isso, porém, não implica que a fle-
fatos listados abaixo é suficiente: cha esteja se movendo rumo ao futuro, assim como
uma situação privilegiada em
24 de dezembro: Alice espera que neve no Natal. a ponta de uma bússola apontada para o norte relação a outra.
25 de dezembro: Chove. Alice fica desapontada. não indica que a bússola esteja indo para o norte.
26 de dezembro: Neva. Alice fica contente. Ambas as flechas simbolizam assimetria, mas não
Nessa descrição, nada acontece ou muda. O movimento. A flecha do tempo denota uma assi-

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SIMULTANEIDADE
Tudo é Relativo
O que está acontecendo em Marte exatamente neste momento? duas pessoas – um terrestre em Houston e um homem-foguete
Uma pergunta tão simples, e uma resposta tão complexa. O pro- cruzando o Sistema Solar a 80% da velocidade da luz – tentam
blema está na expressão “neste momento”. Pessoas diferentes, responder à pergunta sobre o que está acontecendo em Marte
movendo-se em velocidades diferentes, possuem percepções nesse momento. Um habitante de Marte combinou que almoçaria
diferentes do que é o momento presente. Esse fato estranho é quando o relógio marcasse 12h e transmitiria um sinal nesse
denominado relatividade da simultaneidade. Nos cenários abaixo, momento. – P.D.

A Situação Vista da Terra


Da perspectiva do terrestre, a Terra está parada, Marte está a uma distância constante (20 minutos-luz) da Terra, e a espaçonave
está se movendo a 80% da velocidade da luz. A situação parece exatamente a mesma para o marciano.

Antes do Trocando sinais de luz, o terrestre e o marciano medem a distância


meio-dia entre eles e sincronizam seus relógios. Terra Marte
20 minutos-luz

12h O terrestre supõe que o marciano começou a almoçar. Sinal de rádio


Ele se prepara para aguardar 20 minutos até a confirmação.

12h11 Conhecendo a velocidade da nave, o terrestre deduz que ela recebe


o sinal enquanto está a caminho de Marte.

12h20 O sinal chega à Terra. O terrestre confirmou sua hipótese anterior.


Meio-dia em Marte coincide com meio-dia na Terra.

12h25 A nave chega a Marte.

A Situação Vista do Foguete


Da perspectiva do homem-foguete, a nave está parada. Os planetas é que estão voando pelo espaço a 80% da velocidade da luz. Suas
medições demonstram que os dois planetas estão separados por 12 minutos-luz — uma distância diferente da inferida pelo terrestre.
Essa discrepância, um efeito bem conhecido da teoria de Einstein, é chamada contração do comprimento. Um efeito relacionado com
a contração do comprimento é a dilatação do tempo, que faz com que os relógios na nave e nos planetas funcionem em velocidades
diferentes. (O terrestre e o marciano pensam que o relógio da nave está andando mais devagar; o homem-foguete acha que são os
relógios nos planetas que estão lentos.) Quando a nave passa pela Terra, ele sincroniza seu relógio com o da Terra.

Antes do Trocando sinais de luz com seus colegas, o viajante mede a distância Terra Marte
meio-dia entre os planetas.
12 minutos-luz

12h Ao passar pela Terra, o viajante estabelece a hipótese de que o marciano Sinal de rádio
começou a almoçar. Ele se prepara para aguardar 12 minutos até a
confirmação.

12h07 O sinal chega, negando a hipótese. O viajante conclui que o marciano


almoçou em algum momento anterior ao meio-dia (horário da nave).

12h15 Marte chega à nave. O viajante e o marciano notam que seus relógios
estão fora de sincronia, porém discordam sobre qual deles está certo.

12h33 O sinal chega à Terra. As discrepâncias entre os relógios


demonstram que não existe um momento presente universal. (posições fora de escala)

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metria do mundo no tempo, e não assimetria ou um momento sucede outro. Portanto, o fluxo do
fluxo temporais. As designações “passado” e “futu- tempo parece ser subjetivo, e não objetivo.
ro” podem ser legitimamente aplicadas a direções Essa ilusão exige uma explicação, e essa explica-
temporais, da mesma forma que as expressões ção deve ser buscada na psicologia, na neurofisiolo-
“para cima” e “para baixo” podem ser aplicadas gia, e talvez na linguística ou na cultura. A ciência
a direções espaciais, porém falar do passado ou do moderna mal começa a levar em conta a questão
futuro é algo tão desprovido de significado quanto de como percebemos a passagem do tempo; só po-
nos referirmos a para cima ou para baixo. demos especular quanto à resposta. Pode ter algo a
Essa distinção entre “estar no passado” ou ver com o funcionamento do cérebro.
“estar no futuro” e “o” passado ou “o” futu- Há dois aspectos da assimetria temporal que po-
ro é claramente ilustrada quando imaginamos dem produzir a falsa impressão de que o tempo está
um filme, por exemplo, do ovo caindo no chão fluindo. O primeiro deles é a distinção termodinâmi-
e se partindo. Se o filme fosse projetado ao ca entre passado e futuro. Como os físicos notaram
contrário, todos perceberiam que a sequência nas últimas décadas, o conceito de entropia está
é irreal. Agora, imagine se o filme fosse cor- intimamente ligado ao conteúdo de informação de
tado quadro a quadro, e os quadros fossem um sistema. Por essa razão, a formação da memó-
embaralhados aleatoriamente. Seria simples, ria é um processo unidirecional – novas memórias
para uma pessoa, a tarefa de reorganizar a acrescentam informação e aumentam a entropia do
pilha de quadros numa sequência ordenada cérebro. Possivelmente percebamos essa unidirecio-
corretamente, com o ovo quebrado no topo da nalidade como sendo o fluxo do tempo.
pilha e o ovo intacto embaixo. Essa pilha ver- Uma segunda possibilidade é que nossa percep-
tical conserva a assimetria implícita na flecha ção do fluxo do tempo esteja de alguma maneira
do tempo, porque ela forma uma seqüência ligada à mecânica quântica. Desde os primeiros
ordenada no espaço vertical, provando que a tempos da formulação da mecânica quântica, ob-
simetria do tempo é na verdade uma proprie- servou-se que o tempo entra na teoria de forma pe-
dade dos estados existentes no mundo, e não culiar, bem diferente da inclusão do espaço. O papel CONCEITO
uma propriedade do tempo em si mesmo. Não especial do tempo é uma das razões pelas quais tem PRINCÍPIO DA
é necessário que o filme seja exibido para dis- sido tão difícil consolidar a mecânica quântica com a
cernirmos a flecha do tempo. relatividade geral. O princípio da incerteza de INCERTEZA
Uma vez que a maior parte das análises fí- Heisenberg, segundo o qual a Natureza é inerente-
esse princípio afirma que, ao
sicas e filosóficas sobre o tempo é incapaz de mente indeterminística, implica um futuro em aber-
medir determinado evento em
revelar qualquer sinal de fluxo temporal, tudo o to (e, a propósito, também um passado em aberto).
que nos resta é algo misterioso. A que devemos Esse indeterminismo se manifesta de modo mais escala microscópica, o observador
atribuir a impressão vigorosa e universal de que conspícuo na escala de dimensões atômicas e dita o influencia. Assim, não podemos
o mundo se encontra num estado de fluxo con- que as propriedades observáveis que caracterizam saber, ao mesmo tempo, as
tínuo? Alguns pesquisadores, notadamente Ilya um sistema físico permanecem em geral não decidi- medidas de posição e de
Prigogine, químico ganhador do Prêmio Nobel, das de um momento para o momento seguinte. velocidade de uma partícula.
sugeriram que a física sutil dos processos irrever- Por exemplo, um elétron que se choca com um
síveis transforma o fluxo do tempo num aspecto átomo pode sofrer um desvio de trajetória para uma
objetivo do mundo. Mas eu, e outros, afirmamos entre muitas direções, e em geral é impossível pre-
que se trata de algum tipo de ilusão. ver de antemão qual será o resultado em determi-
Afinal, na verdade não observamos a passa- nado caso. O indeterminismo quântico implica que, O AUTOR
gem do tempo. O que observamos de fato é que para um estado quântico em particular, há muitos
estados mais recentes do mundo diferem de es- (possivelmente, infinitos) futuros alternativos ou rea- Paul Davies é físico teórico do
tados anteriores dos quais ainda nos lembramos. lidades em potencial. Com a mecânica quântica po- Centro Australiano de Astrobiologia
O fato de recordarmos o passado, e não o futuro, demos calcular as probabilidades relativas de cada da Universidade Macquarie, em
não é uma observação da passagem do tempo, resultado observável, embora a teoria não afirme Sydney. Ele é um dos mais prolíficos
mas da assimetria do tempo. Apenas um obser- qual futuro potencial será realidade. escritores de livros populares sobre
física. Seus interesses na área da
vador consciente registra o fluxo do tempo. Um Mas quando um observador humano faz uma
pesquisa científica incluem buracos
relógio mede as durações entre eventos assim medição, um, e somente um resultado é obtido; negros, teoria de campos quânticos,
como uma fita métrica mede as distâncias entre por exemplo, poderemos verificar que o elétron a origem do Universo, a natureza da
lugares; ele não mede a “velocidade” com que que se chocou contra o átomo está se movendo consciência e a origem da vida.

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em determinada direção. No ato da medição, uma
única realidade específica é projetada a partir de
uma vasta gama de possibilidades. No interior
PARA O
da mente do observador, o possível realiza uma
transição para o real, o futuro em aberto transita
para o passado fixo – o que é exatamente o que
descrevemos como sendo o fluxo do tempo.
Não há um consenso, entre os físicos, sobre a
maneira como acontece essa transição de muitas
realidades em potencial para uma única realidade.
Muitos físicos já afirmaram que isso tem algo a ver
com a consciência do observador, uma vez que é o
ato da observação que leva a Natureza a se decidir.
Alguns pesquisadores, como Roger Penrose, da Uni-
versity of Oxford, sustentam que a consciência – in-
clusive a impressão de fluxo temporal – pode estar
relacionada a processos quânticos no cérebro.
Embora os pesquisadores não tenham encon- ▼ Conteúdos
trado evidências da existência de um único “órgão
do tempo” no cérebro, ou seja, algo semelhante, por
exemplo, ao córtex visual, é possível que estudos fu- • Conceito de tempo
turos detectem esses processos cerebrais responsá- • Princípios da teoria da
veis pela nossa impressão de passagem do tempo. relatividade
É possível imaginar a existência de drogas capazes • Leis da termodinâmica
de suspender a percepção, por parte do indivíduo,
de que o tempo está passando. Na verdade, alguns
praticantes de meditação afirmam ser capazes de
atingir esses estados mentais naturalmente.
▼ Competências
E se a ciência fosse capaz de explicar o fluxo
do tempo? Talvez deixássemos de nos inquietar trabalhadas segundo
com o futuro ou sofrer com o passado. As preocu- a matriz de referência
pações com a morte poderiam se tornar tão irre- do Enem
levantes quanto preocupações com o nascimento.
Expectativas e nostalgia poderiam deixar de fazer • Compreender as ciências
parte do vocabulário humano. Acima de tudo, o naturais e as tecnologias
sentido de urgência que acompanha tantas ativi- a elas associadas como
dades humanas poderia se evaporar construções humanas,
percebendo seus papéis nos
processos de produção e no
PARA CONHECER MAIS desenvolvimento econômico e
social da humanidade.
The unreality of time. John Ellis McTaggart, em Mind, vol.
17, págs. 456-473, 1908.
Can time go backward? Martin Gardner em SCIENTIFIC
AMERICAN, vol. 216, no 1, págs 98-108, janeiro de 1967.
What is time? G. J. Whitrow. Thames & Hudson, 1972.
▼ Habilidade envolvida
The physics of time asymmetry. Paul Davies. University of
California Press, 1974. • Confrontar interpretações
Time and becoming. J.J.C. Smart in time and cause. científicas com interpretações
Editado por Peter van Inwagen. Reidel Publishing, 1980. baseadas no senso comum,
About time: E instein’s unfinished revolution. Paul ao longo do tempo ou em
Davies. Simon & Schuster, 1995. diferentes culturas.

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