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PSICOLOGIA DO JOGO
¡I
ш ш /m a rtm s fo n te s
SÃO PAULO 2009
Esta obro fo i publicada originalmente em russo com o título
PSICO LOG ÍA IGRI \юг Editorial Pedagógica, Moscou.
Copyright © Editorial Pedagógica, Moscou, 1978.
Copyright © 1998, Editora W M F M artins Гоп tes Ltda.,
Sdo Paulo, para a presente edição.
If edição 1998
2f edição 2009
Tradução
(a ptirtir da versão espanhola de Venancio Uribes,
publicada por Visor Libros)
Á L V A R O CABRAL
09-09770___________ •________________________CPP-155.418
índices para catálogo sistemático:
1. Jogos : Psicologia infantil 155.418
Capítulo 1
O objeto das pesquisas é a form a da atividade
lúdica das crianças I I
1. A palavra “jogo ”. Ojogo e as formas iniciais de arte 11
2. Unidadefundamental daforma evoluída de atividade lúdica.
Natureza lúdica. Natureza social do jogo de papéis 21
Capítulo 2
Acerca da origem histórica do jogo protagonizado 39
1. Da história dos brinquedos 39
2. Origem histórica da forma desenvolvida de atividade
lúdica 48
Capítulo 3
Teoria do jogo 83
1. Teorias gerais do jogo: Groos e Buy tendijк 83
2. Teorias e problemas da pesquisa do jogo infantil 121
3. Problemas da psicologia do jogo na ciência psicológica
soviética 188
Capítulo 4
Origem do jogo na ontogenia 207
1. Desenvolvimento dos movimentos, das ações e da
comunicação com os adultos no primeiro ano de vida 207
2. Peculiaridades do relacionamento da criança com os
adultos durante o desenvolvimento das ações com
os objetos e aparecimento das premissas do jogo
protagonizado 216
Capítulo 5
O desenvolvimento do jogo na idade pré-escolar 233
1. Caracterização múltiplardo desenvolvimento do jogo 233
2. O papel e a situação imaginária: sua importância na
motivação da atividade lúdica 241
3. Formação experimental das premissas do jogo
protagonizado 251
4. Evolução do papel no jogo 270*
5. O objeto - a ação - a palavra (contribuição para o
problema do simbolismo no jogo protagonizado) 325
6. Desenvolvimento das atitudes da criança em face das
regras do jogo 356
Capítulo 6
O jogo e o desenvolvimento psíquico 397
1. O jogo e a evolução da esfera das motivações e
necessidades 401
2. Ojogo e a superação do “egocentrismo cognitivo ” 406
3. O jogo e a evolução dos atos mentais 413
4. O jogo e a evolução da conduta arbitrada 417
ANEXO
Fragmento das anotações de Vigotski para conferências
sobre psicologia infantil 423
Bibliografia 435
Notas 445
Prólogo da edição espanhola
Josetxu Linaza
Oxford, julho de 1980
Referências *
Por último: é claro que não se pode afirmar que forças pro
pulsoras originam o jogo sem ter compreendido a sua pré-histó
ria. Neste caso, se aceitamos o primeiro, também fica claro que
a pré-história é o ‘jogo’ até os três anos de idade. Realiza igual
mente uma tendência; mas, à semelhança de ‘tudo o que não é
jogo’, unicamente na alternativa mais ou menos; quer dizer, aos
três anos de idade aparece uma nova forma de realização dessas
tendências no jogo propriamente dito, ou seja, no jogo humano
(no jogo que só é possível nas condições da psique = consciên
cia de tipo humano). Mas aí está a questão.
Isso talvez seja o principal do que me ficou na cabeça
depois do seu ‘jogo’, as perguntas que com o tempo ficaram
como uma cadeia de indagações”.
As idéias de Leóntiev sobre a necessidade de estudar os
nexos internos entre a assimilação das relações sociais e a
situação fictícia e, segundo, sobre a importância de se investi
gar a pré-história do jogo para compreender a sua natureza
influíram muito nos estudos subseqiientes.
Desde então, a partir de 1936, o meu trabalho de pesquisa
esteve vinculado muito estreitamente, no aspecto ideológico,
ao de Leóntiev e seus colaboradores, e desde 1938, no aspecto
de organização, também à cátedra de psicologia do Instituto
Pedagógico Krúpskaia, de Leningrado, dirigido por Leóntiev, e
onde trabalhamos juntos. Nesse período relativamente curto
(1937-1941), Lúkov realizou em Kharkov uma importante pes
quisa experimental, “Sobre a compreensão da fala pela criança
no processo de jogo” (1937); e em Leningrado, Frádkina pes
quisou a “Psicologia do jogo na primeira infância: raízes gené
ticas do jogo de papéis” (1946). Nos anos imediatamente ante
riores à guerra, as pesquisas na nova direção não passaram daí.
A primeira vez que se fez menção na imprensa sobre todas
essas pesquisas foi no artigo de Leóntiev, “Fundamentos psico
lógicos do jogo pré-escolar” (1944), o qual consiste num breve
esboço de nosso enfoque do problema e numa síntese dos fatos
reunidos desde então.
Nota do autor __________________________________________________________________ í_
não pôde haver nenhum brinquedo que fosse movido dessa ma
neira, como os piões.
Para analisar o processo de surgimento dos “brinquedos
primários” teria de levar-se a cabo uma pesquisa histórica espe
cífica e ficaria então bem claro que eles nada têm de “primá
rios”, mas, pelo contrário, apareceram cm determinados graus
de desenvolvimento da sociedade, e que seu surgimento foi
precedido da invenção dos respectivos utensílios de trabalho.
A história da origem de alguns brinquedos seria apresentada
cm tal pesquisa como reflexo da história das ferramentas de tra
balho dos homens e dos utensílios sagrados.
Todos os brinquedos que Arkin qualifica de “primários”
são realmente produto do devir da história. Não obstante, em
bora tenham aparecido em determinada etapa histórica do de
senvolvimento da sociedade, não desapareceram com a extin
ção dos utensílios de que são cópia. O arco e a flecha caíram há
muito em desuso como armas de caça e foram substituídos
pelas armas de fogo, mas perduram no mundo dos brinquedos
infantis. Os brinquedos têm vida mais longa do que os utensí
lios de trabalho de que são imagem, e isso produz a impressão
de que não mudam. Dir-se-ia que foram realmente detidos em
seu desenvolvimento, conservando seu aspecto originário. Mas,
só se vistos de fora carecem de história, submetidos apenas a
um exame fenomenológico como objetos físicos.
No entanto, se examinarmos o brinquedo em suas funções,
pode-se afirmar, sem receio de cometer equívocos, que os cha
mados primários mudaram radicalmente de função no trans
curso da história, sendo outra a sua relação com o processo de
desenvolvimento da criança.
É muito difícil pesquisar a mudança histórica dos brinque
dos: em primeiro lugar, o brinquedo arqueológico nada nos diz
quanto ao uso que a criança fazia dele; em segundo, alguns
brinquedos de hoje, inclusive entre os povos que se encontram
em níveis mais baixos de evolução social, perderam sua rela-
/fi г м a ila origem histórica do jogo protagonizado 45
capturam-no fechando a mão de repente. Outro exemplo: ata-se I HM conta e aprendiam à perfeição o seu manejo. Pode-se supor
uma corda num galho que costuma ser freqüentado por maca- I (jiic ilistamente desse período da vida da sociedade datam as
cos, em suas constantes correrias de árvore em árvore; a outra I jlliciações, existentes até hoje em muitos povos que se encon-
ponía da coida está segura nas mãos de um dos garotos, escon- I llliim em níveis evolutivos relativamente baixos, iniciações que
dido embaixo. Eles aguardam em silêncio o momento em que I ||An a um só tempo escola primária, exame de independência e
um macaco se dispõe a saltar para o galho atado e, quando isso I Ctbilidade no manejo das ferramentas e familiarização com os
ocorre, o garoto estica rapidamente a corda, o animal erra о I miembros adultos da sociedade.
saho e cai no chão. onde é capturado pelos pequenos caçado- I Os dados apresentados da carência de jogos protagoniza
res” (1953, p. 139). dos entre as crianças que crescem em sociedades menos desen
A independência que a sociedade exige às crianças nesse I volvidas também são desse período. Tampouco se encontra aí,
grau de desenvolvimento c alcançada vivendo elas por sua I «litre as crianças, ou só se encontra muito raramente, o jogo
conta, separadas dos adulto^ mas igual em essência, e não par [protagonizado em forma evoluída. Não há necessidade alguma
ticipando no trabalho produtivo ao lado dos adultos e com os ib praticá-lo. As crianças entram na vida da sociedade sob a
adultos, essa vida independente das crianças consiste, primei- Mlrcçào dos adultos ou por sua conta: os exercícios no manejo
io, cm que se exercitem por conta própria com ferramentas de ! f Нон instrumentos de trabalho dos adultos, no caso de adquiri-
tamanho reduzido e. depois, em que as empreguem diretamen- j i>ui o caráter de jogos, serão de jogos esportivos ou de compe-
te em condições o mais parecidas possível com aquelas em que ■jçito, mas não protagonizados. A reconstituição da atividade
os adultos as utilizam. 1 tios adultos em condições lúdicas especiais carece de todo o
A maioria dos autores afirma que essa vida independente húmido em virtude da identidade das ferramentas que utilizam
está difundida principalmente entre os rapazes, o que eviden IgH crianças e os mais velhos, bem como da gradual aproxima-
cia, de modo indireto, que se trata de sociedades que, ao que , 1,, das condições de seu emprego às situações concretas de
tudo leva a crer, passaram ao patriarcado, quando se atribuiu à ■Unha lho. E embora as crianças não participem nele, levam o
mulher todo o trabalho doméstico, no qual as meninas podem [ mesmo gênero de vida que os adultos, em condições algo mats
ter uma participação e aprender assim todos os afazeres femi I bl andas, porém totalmente reais.
ninos. Л independência das meninas educava-se, pois, fazendo- Apesar de tudo, nessa etapa de desenvolvimento da socie-
as participar diretamente no trabalho de suas mães, que é mais ,lude já se encontram, se bem que raras vezes, os jogos propria
primitivo no emprego de ferramentas e, por isso, mais acessível. mente protagonizados. Assim, por exemplo, Tcharuzin diz, ao
Os rapazes, por sua parte, não podiam participar diretamente lie rever sobre a vida dos lopários, que as crianças praticam os
no trabalho de seus pais; por isso lhes correspondia, em primei- tuesmós jogos que os adultos; além disso, têm outros dois
1o lugar, a exigência de independência, devendo exercitar-se no jogos, e ambos são imitativos. Um desses jogos baseia-se na
manejo das mesmas ferramentas que seus pais utilizavam. mutação da cerimónia de noivado: um rapaz toma uma menina
A vida independente dos rapazes nesse período baseia-se pela mão e dá com ela uma volta ao redor da mesa ou de algum
no fato de que só aprendiam a utilizar os meios de trabalho. Os poste (se o jogo transcorre ao ar livre), e os restantes permane
adultos faziam para os pequenos ferramentas de tamanho redu cem de pé ao lado, com a particularidade de que quem tem
zido e os ensinavam a usá-las. As crianças exercitavam-se por Ima voz canta uma letra como esta: ‘Tu a puseste, tu a colocas-
76 Psicologia do jogo
gico mas, pelo contrário, que sentido biológico tem essa condu
ta tão “pouco séria”. A resposta a essa pergunta prova alguma
coisa? Creio que não. Neste caso, a crítica põe a perder a
demonstração por analogia. Passemos, entretanto, a analisar a
essência das teses fundamentais de Groos.
Pode-se considerar acertada a premissa fundamental de
partida. Com efeito, em certa fase do desenvolvimento filoge-
nético dos animais, a experimentação genérica, fixada rigida
mente em formas hereditárias de diferentes tipos de comporta
mento, resulta insuficiente para a adaptação às condições com
plicadas da existência e, o principal, em permanente mudança.
Faz-se necessária a experimentação individual que se vai for
mando ao longo da vida do indivíduo. Groos também tem razão
4uando afirma que essa experimentação individual e essas novas
adaptações não podem surgir diretamente das reações inatas.
Do ponto de vista de Groos, o jogo é precisamente a atividade
em que ocorre a formação da superestrutura necessária sobre a
base das reações congénitas, em que “se formam os hábitos
adquiridos e, antes de tudo, as novas reações habituais”.
Contudo, há nessas teses de Groos pelo menos dois aspec
tos discutíveis. Em primeiro lugar, embora considere que a
experimentação individual provém da genérica, fixada por
herança, ele contrapõe essas duas formas de adaptação. A opo
sição não reflete a sua relação real. “A formação do experimen
to individual”, diz com razão Leóntiev, “apóia-se na adaptação
da conduta genérica aos elementos mutáveis do meio ambien
te” (1965, p. 296). Portanto, não se ergue nenhuma superestru
tura sobre a conduta genérica, mas, simplesmente, a própria con
duta genérica muda, tomando-se mais flexível.
Em segundo lugar, é difícil imaginar que no jogo dos ani-
mais, atividade não relacionada com a luta pela existência e,
Por conseguinte, desenvolvida em condições especiais em
nada parecidas com as condições em que há de transcorrer, por
exemplo, a caça autêntica do animal, haja adaptações reais. No
j°go falta o principal, o respaldo genuíno sem o qual, como já
h'oria dojogo 89
sada. Por conseguinte, essa tendência não pode ser a base dos
jogos na primeira infancia. Claro que algo se desenvolve e
aperfeiçoa tanto no processo dos jogos funcionais quanto no
dos imitativos. Mas a criança não joga em conseqiiência da
tendência imanente para o auto-aperfeiçoamento; ela aperfei
çoa-se porquejoga.
As opiniões voluntaristas expostas por Châteaux, apesar
de serem um bom antídoto contra a excessiva intelectual ização
do jogo, própria de psicólogos como Dewey, também são uni
laterais e não explicam nem a origem nem a natureza do jogo,
concretamente, do protagonizado..,
Nos trabalhos de Châteaux há muitas observações e idéias
valiosas. Achamos importante a idéia de que os jogos imitati
vos ajudam a elucidar as diferenças que se observam entre a
posição da criança e a dos adultos na vida real.
Em nosso ensaio crítico procuramos ver como se desenro
laram as teorias do jogo desde fins do século XIX até hoje.
Cada um dos pesquisadores de cujas opiniões falamos -
Groos, Buytendijk, Freud, Bühler, Koffka, Lewin, Piaget e
Châteaux - deu sua contribuição para a solução do problema
da psicologia do jogo. Procuramos esclarecer essa contribui
ção ao longo da exposição dos critérios de cada um desses pes
quisadores. Também estudamos, ao mesmo tempo, os impas
ses criados por várias hipóteses. O seu esclarecimento tem suma
importância para a ciência, às vezes tanta quanto as contribui
ções positivas, dado que descarta os caminhos equivocados.
Cumpre assinalar, sobretudo, que o enfoque geral do es
clarecimento da natureza do jogo a que se recorreu para anali
sar o dos animais fazia-se extensivo quase de maneira mecani-
cista ao esclarecimento do jogo infantil, e foi um fracasso.
A história do estudo dos problemas da psicologia do jogo
evidencia também que as teorias da profundidade, ou seja, as que
partem da noção de que o jogo infantil é uma manifestação dos
instintos ou de profundos impulsos herdados, não podem ofe-
Teoria do jo g o ________________________________ 1 0 /
*
Capítulo 4
Origem do jogo na ontogenia
um papel qualquer. Sem isso não se pode jogar. Assim que apa
rece o papel, aparece o jogo. Não é obrigatório ser adulto no
jogo, porquanto se pode assumir o papel de outra criança
(conhecem-se jogos em que as crianças assumem os papéis de
animais). Não é forçoso que no jogo se crie uma situação lúdi
ca especial com transferência do significado de uns objetos
para outros. O jogo é possível, mantendo-se a realidade total
dos objetos, ações e situação geral (por exemplo, ao assumir os
papéis de companheiros, as crianças podem dispor-se a dar um
passeio de verdade, colocar um casaco, levar um brinquedo etc.;
podem brincar de jardim-de-infanci^, desenhar, resolver pro
blemas, ler etc.), mas ainda fazendo tudo isso assumem forço
samente um papel.
Em segundo lugar, os dados da primeira série dão margem
para julgar que o fundamental do jogo consiste em reconstituir
as relações sociais existentes entre as pessoas. Por isso mesmo,
nos jogos de “companheiros” escolhem-se de preferência os
papéis dos mais travessos. Nas crianças desse tipo as relações
expressam-se com maior destaque.
Em terceiro lugar, esses dados evidenciam que o sentido
do jogo muda para as crianças dos diferentes grupos de idade.
Para as mais novas, o sentido está nas ações da pessoa cujo
papel interpretam; para as de idade mediana, nas relações
dessa pessoa com os outros; e para as mais velhas, nas relações
típicas da pessoa cujo papel representam.
Assim, a essência interna do jogo consiste em reconstituir
precisamente as relações entre as pessoas. É claro que as crian
ças não se apercebem disso e, ao efetuarem o jogo das relações,
não as notam. As relações estão encobertas pelas ações, pelos
tràços típicos do comportamento de outra criança etc.
Em quarto lugar, os dados da primeira série permitem su
por que cada papel oculta determinadas regras de ação ou de
conduta social. Formulam-se como ações derivadas do papel.
Se não há protagonização (entre as crianças mais velhas), essas
0 desenvolvimento dojogo na idade pré-escolar 285
lidade. “O mundo do jogo” tem suas leis rígidas, que são refle
xo ou cópia das relações reais existentes entre as pessoas e os
objetos, ou entre os objetos. O jogo não é um mundo de fanta
sia e convencionalismo, mas um mundo de realidade, um mun
do sem convencionalismos, só que reconstituído por meios sin
gulares. Pode-se supor que os níveis antes mencionados indi
cam as fases de desenvolvimento da consciência da criança,
tal como se apresenta no jogo, cujo desenvolvimento vai
desde a identificação da pessoa com outra até a sua separação
da outra.
Analisamos as atitudes da criança diante do papel assumi
do por ela no jogo. Durante a análise dos dados esclareceu-se
que, no âmbito do papel que a criança assume, há, em realida
de, uma certa regra de conduta que reflete a lógica da ação real
e das relações reais. Precisamente pela existência dessas regras
é que se pode explicar a resistência da criança tanto a alterar a
lógica quanto o sentido das ações. Ao mesmo tempo, afirma
mos em reiteradas ocasiões que, nas fases iniciais do desenvol
vimento do jogo protagonizado, um objeto tem para a criança
um atrativo especial e determina freqüentemente a adoção des
te ou daquele papel. Baseando-se precisamente nisso, muitos
autores conjecturaram que o jogo das crianças pequenas carece
de argumento e consta apenas de processo.
Em que relação está o papel assumido pela criança com o
desejo de manipular um determinado objeto atrativo? Será pos
sível, de um modo geral, uma representação do papel que se
apóie na renúncia a manejar um objeto atrativo para a criança,
mas que no momento dado é objeto das manipulações de outra
criança ou de suas próprias manipulações? Em que medida a
criança é estável diante das regras implícitas no papel e no jo
go? A existência de regras ocultas de comportamento no jogo
está fora de qualquer dúvida e fornecemos provas suficientes.
Dedicamos uma série especial de experimentos a esclare
cer o problema da estabilidade no acatamento das regras e no
320 Psicologia do jogo
QUADRO 1
Distribuição dos grupos dejogos por idades
Idade em anos
Grupo dejogos 3-4 5-6 7
abs. % abs. % abs. %
Primeiro 3 20 1 2 - -
Segundo 8 53 5 11 2 3
Terceiro 3 20 18 39 22 29
Quarto 1 7 22 48 42 55
Quinto - - - 10 13
Total 15 100 46 100 76 100
QUADRO2
Acatamento da regra nosjogos com e sem argumento
(número de crianças em %)
Exper:. - Ai, que difícil que é! Não vou ser capaz de adivi
nhar. {Medita.)
Nina (sussurra bem devagar): - Uma florzinha, uma flor-
zinha.
Exper.: - Arranco uma folhinha da árvore?
Nina: - Não. (Sussurra mais alto.) Florzinha.
Exper: - Colho uma florzinha para ti?
Nina: - Sim, sim, essa margarida.
Além das peculiaridades que já assinalamos, é necessário
dizer que, nesta fase, o acatamento da regra apresenta-se pela
primeira vez ligado ao companheiro de jogo ou ao professor.
Isso se vê pelo fato de que se o professor vai embora, as crian
ças fornecem com mais facilidades pistas ao adivinhante e de
sobedecem à regra. A presença do professor ou de outra crian
ça, companheira de jogo, parece obrigar as crianças a vence
rem o impulso de ajudar ao que adivinha. Na fase anterior, nem
o professor nem o companheiro de jogo influem na criança.
Portanto, temos pleno fundamento para afirmar que justamen
te nesta fase do desenvolvimento a regra se apresenta pela pri
meira vez como ente de conteúdo social.
Na terceira e última fase, o sentido do jogo está, para as
crianças, em não contar o pensado. No conflito entre o impulso
e a regra vence claramente esta última, com a particularidade
de que o conflito não se vê tanto como na fase anterior. A con
dição é observada inclusive quando o professor ou o compa
nheiro de jogo está ausente. A regra figura como compromisso
adquirido, e seu acatamento não depende da presença de con
trole externo por parte de um adulto ou de uma criança asso
ciada. A regra, antes exterior, converte-se em norma interior de
conduta.
Fornecemos um exemplo de conduta das crianças nesta fase.
Ata n?9. Anatóli e Víctor (7; 6). Anatóli olha todos os sol
dadinhos, uma bolinha e o tabuleiro.
Anatóli: - E para que se precisa do tabuleiro? Poderíamos
simplesmente jogar em cima da mesa, pois tem mais espaço.
{Pega os soldadinhos vermelhos. Cada menino coloca em cima da
mesa em duasfilas os soldadinhos a pé e, adiante, os a cavalo.)
0 desenvolvimento do jogo na idade pré-escolar 387
por sorteio é mais difícil (por ser cega) do que por escolha cons
ciente, ou seja, escolher por sorte não é o superior na vontade.
Daí, na psicologia ingénua amadurece a compreensão de
sua operação, ou seja, o sentido da recordação, e passa para os
processos psicológicos supremos, ou seja, o signo depois da
palavra na ontogenia como signo para si mesmo, e na filogenia
um nódulo para a palavra (?).
Pela primeira vez a ação adquire sentido no jogo: ou seja,
toma-se consciência dela. A ação substitui outra ação, assim
como a coisa outra coisa. Como transforma a criança uma coi
sa em outra ou uma ação em outra? Mediante o movimento no
campo semasiológico não ligado ao campo visível, com as coi
sas reais que submetem todas as coisas e ações reais. Esse mo
vimento no campo semasiológico é o mais importante do jogo:
por um lado, é movimento no campo abstrato (o campo dos
significados surge antes das operações arbitrárias com as sig
nificações), mas o modo de mover-se é situacionista, concreto
(ou seja, não lógico, mas eficiente). O aparecimento do campo
semântico, mas com movimento como se fosse real, é a princi
pal contradição genética do jogo.
’
Ñolas
Nota do autor
Capítulo 1
Capítulo 2
Capitulo 3
Capítulo 4
Capitulo 5