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CONCEITOS EM GENÉTICA

Epigenética:
conceito,
mecanismos
e impacto
em doenças
humanas

Maria Prates Rivas1,2, Anne Caroline Barbosa Teixeira1,


Ana Cristina Victorino Krepischi1
1
Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Genética e
Biologia Evolutiva, São Paulo, SP
2
Programa de pós-graduação, Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, IBUSP,
Universidade de São Paulo. Rua do Matão, 14, CEP 05508-090, São Paulo, SP.

Autor para correspondência - ana.krepischi@ib.usp.br

14 Genética na Escola | Vol. 14 | Nº 1 | 2019


Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O genoma é a base a partir da qual as dife-


renças de características entre organis-
mos se estabelecem. Entretanto, nem todas
as diferenças dentro de uma mesma espécie e
indivíduo podem ser explicadas apenas pela
combinação de variantes genéticas. Anali-
sando um mesmo indivíduo, por que células
que carregam genoma idêntico, são diferen-
tes morfológica e funcionalmente? Para res-
ponder algumas questões como essas, apre-
sentamos aqui o conceito de Epigenética e
seus mecanismos, explorando seu papel no
desenvolvimento embrionário e na regulação
da expressão gênica Está em foco neste es-
tudo a associação entre exposição ambiental,
alterações epigenéticas e doenças humanas.

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Fenótipo é a característica

A vida é caracterizada por imensa diversi-


dade. Existem diferenças evidentes das
características de diferentes espécies, mas
“o estudo das alterações na função do gene que
podem ser herdadas por mitose ou meiose e que
não envolvem mudança na sequência de nucleo-
observável de um organismo;
resulta da interação entre a
expressão do genótipo e fatores
ambientais.
também entre indivíduos de uma mesma tídeos do DNA” (WU; MORRIS, 2001). É
espécie, como, por exemplo, as variações na importante salientar que faz parte do concei-
altura, cor dos olhos e peso em seres huma- to de epigenética a reversibilidade; ou seja,
nos. Na atual era pós-genômica, as diferentes os fenótipos diferentes produzidos a partir
manifestações de uma mesma característica da mesma sequência de DNA por meio de
(fenótipo) são frequentemente atribuídas modificações epigenéticas são potencialmen-
a variações na sequência de nucleotídeos da te reversíveis, uma vez que não há mudança
molécula de DNA (genótipo), com contri- na sequência dos nucleotídeos do DNA. Genótipo é a composição
buição de fatores ambientais em diferentes Portanto, as marcas epigenéticas não são genética de um indivíduo; em
níveis. De fato, o genoma humano em suas fixas e podem ser modificadas. geral, referindo a um gene
específico.
diferentes versões, que resultam de eventos
Essas marcas epigenéticas são modificações
de mutação e de recombinação, é a base a
bioquímicas nos nucleotídeos da molécula
partir da qual as diferenças fenotípicas entre Marcas epigenéticas são
de DNA ou em outros elementos que com- modificações bioquímicas na
seres humanos se estabelecem. Entretanto,
põem a cromatina. As marcas epigenéticas molécula de DNA ou em outros
nem todas as diferenças podem ser explica-
principais compreendem modificações de elementos que compõem a
das apenas pela combinação de variantes cromatina.
aminoácidos localizados nas proteínas histo-
genéticas. Por exemplo, se todas as células
nas (que fazem parte da cromatina) e modi-
de um mesmo indivíduo carregam genoma
ficações covalentes nos nucleotídeos. De ma- Cromatina é uma estrutura
idêntico, como podem existir os diferentes
neira geral, essas marcas regulam o acesso da formada principalmente por
tipos celulares que constituem o corpo hu- uma molécula de DNA e
maquinaria de transcrição de RNA à sequên-
mano, com fenótipos tão distintos quanto o proteínas associadas.
cia dos genes, promovendo ou impedindo o
de uma célula de retina e uma de fígado?
processo. O conjunto de marcas epigenéticas
O processo de aquisição de um fenótipo de uma célula é chamado de epigenoma. Esse Variantes genéticas são
específico por cada tipo celular chama-se epigenoma estabelece diferentes formas de diferenças na sequência de
diferenciação celular. Esse fenótipo ou iden- acesso à informação contida no DNA, pos- nucleotídeos entre indivíduos.
tidade celular deve ser mantido durante a sibilitando que, após a fertilização, o zigoto
vida útil da célula e também ser transmiti- com um único genoma dê origem aos mais
do às suas células-filhas durante as divisões de 200 tipos celulares do corpo de um ser
celulares subsequentes. O estabelecimento e humano. Outro nível de modulação das mar-
manutenção dessa diversidade de fenótipos cas epigenéticas decorre da interação do ge-
são alcançados de maneira independente noma de um organismo com o meio ambien-
da sequência de DNA, por meio de marcas te interno e externo ao longo da vida, levando
no genoma que modificam sua expressão. ao estabelecimento de epigenomas diversos e
Essa identidade celular estável, transmitida em constante adaptação. Um exemplo des-
através das divisões celulares, sem altera- se nível de atuação da epigenética pode ser
ção na sequência de DNA, bem como suas observado em gêmeos monozigóticos, que
modificações em resposta ao ambiente e a carregam genomas idênticos e, no entanto,
estados patológicos, é o objeto de estudo da exibem algumas diferenças fenotípicas, que
epigenética. se acentuam com o passar dos anos; gêmeos Epigenética é o estudo das
monozigóticos têm genomas idênticos, mas alterações na expressão do
Conrad Waddington introduziu o termo gene que podem ser herdadas
seus epigenomas são diferentes.
epigenética em 1942, tendo definido como por mitose ou meiose e que
“ramo da biologia que estuda as interações ca- 1. MECANISMOS não envolvem mudança na
suais entre genes e seus produtos que trazem o sequência de nucleotídeos do
fenótipo ao ser” (WADDINGTON, 1942).
EPIGENÉTICOS DNA, sendo potencialmente
reversíveis.
No sentido original desta definição, epigené- MAIS ESTUDADOS
tica se refere ao estudo de todas as vias mole- 1.1. Metilação de DNA Metilação de DNA é a
culares que modulam a expressão dos genes reação química que consiste
para resultarem num determinado fenótipo. A metilação de DNA é uma das modifica- na adição de um grupo metila
Atualmente, a epigenética é definida como ções epigenéticas mais estudadas em orga- (-CH3) a um nucleotídeo da
molécula de DNA.

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Heterocromatina -
segmentos de cromatina nismos uni e multicelulares. Nos eucariotos, histonas (H2A, H2B, H3 e H4) associado
altamente condensada. a metilação do DNA ocorre principalmente a uma sequência de DNA de cerca de 147
nas bases do tipo citosina, as quais são con- pares de bases, que está enrolada sobre esse
vertidas em 5-metilcitosina (5mC) pelas octâmero (figura 1B). A molécula de DNA
enzimas DNA-metiltransferases (DNMT). organizada em nucleossomos forma a cro-
As citosinas metiladas (5-metil-citosinas) matina, que não é uniforme em estrutura,
usualmente (mas não exclusivamente) estão apresentando segmentos altamente conden-
adjacentes a um nucleotídeo de guanina (di- sados (heterocromatina) e outros menos
Dinucleotídeos CpG - nucleotídeos CpG), resultando em duas ci- compactados, na eucromatina. Esse grau
sequência de DNA na qual tosinas metiladas localizadas diagonalmente de compactação da cromatina é dinâmico e
um nucleotídeo de citosina é uma à outra (figura 1A), uma em cada fita da sua conformação pode ser alterada em res-
seguido por um nucleotídeo
guanina, linearmente na direção
molécula de DNA. Os membros da família posta a sinais endógenos e exógenos.
5 '→ 3'. CpG é a abreviatura de enzimas DNMT agem de duas manei-
As histonas têm uma cauda terminal de ami-
de 5'-C-fosfato-G-3 ', isto é, ras principais: adicionando grupos metil na
citosina e guanina adjacentes
noácidos que fica exposta nos nucleossomos
sequência de DNA onde antes não havia
na mesma fita, unidas por um (figura 1B). As caudas têm aproximadamen-
metilação (metilação de novo), ou copiando
grupo fosfato. te 20-35 aminoácidos e são sujeitas a modi-
a metilação da fita de DNA molde para uma
ficações bioquímicas que afetam a atividade
nova fita complementar durante a replicação
transcricional dos genes associados. As di-
(metilação de manutenção), o que possibilita
ferentes modificações das histonas podem
a transmissão do padrão de metilação duran-
afrouxar ou estreitar a associação entre his-
Eucromatina - segmentos de te as divisões celulares. A metilação de DNA
tonas e DNA, facilitando ou restringindo o
cromatina menos compactados. é uma marca epigenética que pode ser reti-
acesso ao DNA dos fatores de transcrição
rada por enzimas específicas e também pode
e da maquinaria transcricional. Metilação,
ser perdida pela inibição da enzima DNMT
acetilação e fosforilação de histonas são
de manutenção.
algumas das modificações descritas como
Em mamíferos, a metilação pode estar con- marcas ativadoras ou silenciadoras da ex-
centrada em regiões do genoma nas quais há pressão gênica. Por exemplo, trimetilação
uma maior densidade relativa de dinucleo- da lisina 27 na histona H3 é encontrada nos
Ilhas CpGs - regiões do tídeos CpGs (ilhas CpGs), ou em CpGs nucleossomos que compõem a cromatina de
genoma nas quais há uma isolados distribuídos pelo genoma. A locali- genes inativos, enquanto a mesma modifica-
maior densidade relativa de zação da metilação na sequência de um gene ção em outra lisina (na posição 36) marca a
dinucleotídeos CpGs.
influencia o controle de sua expressão. Por cromatina associada a genes ativos.
exemplo, a metilação em região promotora
Cada marca isoladamente não confere ao
da transcrição bloqueia a transcrição e, por-
gene um estado de transcrição ativo ou ina-
tanto, reprime a expressão do gene; já a meti-
tivo; as modificações nas histonas compõem
lação no corpo do gene não tem esse efeito e,
um painel de marcas que é “lido” em conjun-
em alguns casos, pode até estimular a trans-
to por enzimas específicas (readers). A in-
crição e ter efeito na recomposição do RNA
trodução dessas modificações é efetuada por
Acetilação - reação que mensageiro daquele gene.
enzimas chamadas de “escritoras” (writers),
introduz um grupo funcional
acetila em resíduos de lisina 1.2. Modificações de que incluem metiltransferases (HMTs) e
na ramificação N-terminal das proteínas histonas acetiltransferases (HATs), responsáveis pela
histonas. metilação e acetilação de caudas de histonas,
Fosforilação - adição de um O conteúdo de DNA do genoma humano respectivamente. Da mesma forma que a me-
fósforo que pode ocorrer em encontra-se distribuído por 24 diferentes tilação de DNA, tais marcas epigenéticas de
todas as classes das histonas, cromossomos, os 22 autossomos acrescidos
em resíduos de serina e histonas são estáveis, mas podem ser rever-
dos cromossomos X e Y. Cada cromossomo síveis, e sua remoção é efetuada por enzimas
treonina.
contém uma única e longa molécula de DNA também específicas (erasers), como histona
que está associada a grupos de proteínas his- desmetiltransferases (HDMTs) e desacetila-
tonas, em estruturas chamadas nucleosso- ses (HDACs).
mos. Cada nucleossomo é constituído por
um octâmero de proteínas formado por duas Existem formas variantes de histonas que
cópias de cada um dos tipos de proteínas diferem em um ou poucos aminoácidos em

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Figura 1.
Mecanismos de modificação
B epigenética: metilação de
DNA e modificações da cauda
de proteínas histonas. (A)
Metilação de nucleotídeos
citosina na molécula de DNA.
As citosinas (C) metiladas (Me)
usualmente estão adjacentes
a um nucleotídeo de guanina
(dinucleotídeo CpG), resultando
em duas citosinas metiladas
localizadas diagonalmente
uma à outra, uma em cada
fita da molécula de DNA. (B)
A molécula de DNA de cada
cromossomo está associada a
grupos de proteínas histonas,
formando estruturas chamadas
nucleossomos. O nucleossomo
é formado por uma sequência
de DNA de 147 pares de
bases (fita preta) que envolve
um octâmero de proteínas
formado por duas cópias de
cada uma das histonas H2A,
H2B, H3 e H4. A histona tem
uma cauda terminal (indicada
pelas fitas em azul) de 20-35
aminoácidos que fica exposta
no nucleossomo e é sujeita a
modificações bioquímicas, como
relação às histonas-padrão e que estão em em genes com alta atividade transcricional. metilação (verde) e acetilação
frequência muito menor na cromatina. Em Além desses processos universais, variantes (vermelho), entre outras. As
algumas regiões especiais da cromatina, as de histonas também estão relacionadas a diferentes modificações das
histonas podem afrouxar ou
histonas regulares são substituídas por essas fenômenos epigenéticos particulares, como estreitar a associação entre as
variantes mais raras. Essas variantes de his- a inativação de um dos cromossomos X em histonas e o DNA, facilitando
tonas fornecem um nível mais fundamental fêmeas de mamíferos. ou restringindo o acesso ao
de diferenciação da cromatina, fornecendo a DNA dos fatores de transcrição
base para processos epigenéticos, incluindo 2. EPIGENÉTICA E e da maquinaria transcricional;
dessa maneira, as modificações
segregação de cromossomos. A substituição DIFERENCIAÇÃO CELULAR de histonas afetam diretamente
da histona-padrão por uma variante é espe- Como os diferentes tipos celulares de um a atividade transcricional dos
cialmente importante nos centrômeros, nos genes associados.
mesmo indivíduo, com um genoma idên-
quais a histona H3 é substituída por sua va- tico, conseguem ser tão distintos? E como
riante CENP-A. Adicionalmente, as varian- essa memória celular é mantida ao longo Memória celular é o
tes de histonas também estão envolvidas nas das divisões celulares? Para responder essas conjunto de informações
propriedades epigenéticas de genes ativos; as questões é preciso considerar a combinação epigenéticas de uma célula
histonas H3.3 e H2A.Z (variantes de H3 e entre genoma e epigenoma.
que pode ser transmitido por
H2A, respectivamente) estão enriquecidas sucessivas divisões mitóticas.

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Nosso genoma carrega cerca de 20.000 genes sões celulares, indicando que a diferenciação
codificadores de proteína. Um tipo celular é celular é um processo unidirecional, em geral
definido pelo subconjunto de genes que es- não reversível. É importante mencionar que
tão ativos. Esse grupo de genes ativos e seus os tecidos mantêm uma espécie de reserva-
transcritos (RNA mensageiros) codificam os tório de células-tronco, ou seja, células não
componentes físicos e as proteínas necessá- diferenciadas que retêm a capacidade de se
rias para que cada célula execute sua função diferenciar nos diferentes tipos celulares da-
especializada. Os diferentes tipos celulares quele tecido, para reposição celular.
são estabelecidos durante o desenvolvimento
embrionário e mantidos através dos ciclos de 3. REGULAÇÃO E
divisão celular, perpetuando padrões espe- REPROGRAMAÇÃO
cializados de expressão gênica. EPIGENÉTICA NO
Dentre os diversos tipos celulares do corpo DESENVOLVIMENTO
humano há as células-tronco, caracterizadas
As marcas epigenéticas compõem a memó-
pela capacidade de auto-renovação, ou seja,
ria celular de modo a manter o padrão de
podem se multiplicar gerando células iguais
expressão gênica em células especializadas,
a si e, pelo potencial de diferenciação, são
preservando a identidade da linhagem ce-
capazes de originar diversos tipos celulares.
lular após consecutivas divisões mitóticas.
Em geral, as células-tronco são classificadas
Contudo, em dois momentos ao longo do
em embrionárias ou adultas. As primeiras
desenvolvimento o epigenoma é alterado de
são capazes de gerar qualquer tipo de célula
forma radical: após a formação do zigoto e na
do organismo e possuem alta capacidade de
formação dos gametas.
diferenciação (pluripotência). Já as células-
-tronco adultas são encontradas em maior Após a fusão dos gametas materno e pater-
quantidade na medula óssea e sangue do cor- no, os genomas de ambos permanecem fi-
dão umbilical, assim como em locais espe- sicamente separados no zigoto (pró-núcleo
cíficos dos órgãos, e apresentam capacidade masculino e feminino), submetidos a distin-
limitada de diferenciação, dando origem so- tas alterações no DNA e cromatina. Como
mente aos subtipos celulares de tecidos dos exemplo, o genoma de origem paterna sofre
Mórula é o primeiro estágio quais derivam. desmetilação de DNA ativa nas primeiras
da embriogênese, logo após a 24 horas pós fertilização, enquanto que o
fertilização, no qual o zigoto
Em geral, no início do desenvolvimento, há
genoma materno é desmetilado lentamente
sofre sucessivas clivagens até a a diminuição do nível global de metilação do
por mecanismo passivo, após sucessivas re-
formação do blastocisto. Este DNA nestas células, permitindo a expressão
estágio caracteriza-se por uma plicações. Este processo de desmetilação do
de genes associados à pluripotência, como
massa sólida com cerca de 12 a genoma ocorre entre os estágios de zigoto e
NANOG e POU5F1 (ou OCT4). Poste-
32 células. mórula, permitindo que as células mante-
riormente, os genes que são responsáveis por
nham características de totipotência. Já na
manter a pluripotência são reprimidos como
fase de blastocisto há o primeiro sinal de
resultado de um aumento da metilação do
diferenciação celular: a camada interna das
DNA, assim como há o aumento da expres-
células constitui o embrioblasto ou massa
são dos genes específicos de desenvolvimen-
celular interna, o qual dará origem ao em-
to em resposta à promoção da metilação da
brião propriamente dito, e a camada externa
H3K4 nos nucleossomos. Em consequência,
constitui o trofoblasto, que origina membra-
as células-tronco iniciam o processo de dife-
nas fetais e o saco vitelínico. A diferenciação
renciação celular, que culminará no acúmulo
entre esses dois tecidos na fase de blastocisto,
progressivo de marcas epigenéticas que pro-
compreende distintos eventos epigenéticos,
duzirão um padrão específico de expressão
que incluem diferenças no padrão de aceti-
Blastocisto é o segundo gênica para cada tipo celular.
lação e metilação e disponibilidade de fatores
estágio da embriogênese; esfera
oca de células embrionárias,
Ao final desse processo de estabelecimento de transcrição. Com o decorrer do desenvol-
conhecidas como blastômeros, da identidade funcional de cada tipo celular, vimento, marcas epigenéticas são subsequen-
em torno de uma cavidade a célula é referida como diferenciada. O pa- temente estabelecidas à medida que ocorrem
interna com fluido chamada drão de expressão gênica de uma célula dife- os processos de diferenciação e formação das
blastocele. renciada é mantido estável através das divi- linhagens que compõem o indivíduo.

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Nas primeiras fases embrionárias são tam- do indivíduo, em decorrência da interação


bém formadas as células germinativas pri- com fatores ambientais. Durante o processo
mordiais, que darão origem aos gametas. A de maturação, os gametas adquirirão marcas
provável finalidade da reprogramação do epi- epigenéticas diferenciais, características do
genoma de gametas é a remoção de modifica- sexo feminino ou do sexo masculino, chama-
ções epigenéticas adquiridas durante a vida das de imprinting (figura 2).

Figura 2.
Regulação epigenética durante o desenvolvimento de mamíferos. O nível das marcas epigenéticas está
indicado pela gradação de cores das barras, sendo o tom mais escuro correspondente à maior quantidade da
marca; em vermelho, metilação de DNA, em azul, metilação da lisina 27 da histona 3 (H3K27) e em cinza,
metilação da lisina 4 da histona 3 (H3K4). No início da embriogênese (zigoto/mórula), ocorre grande perda
de metilação de DNA e os genes de diferenciação e desenvolvimento são reprimidos pela metilação da lisina
27 da histona 3 (H3K27 – marca de silenciamento gênico). Quando se inicia a diferenciação das células,
os genes associados à pluripotência são reprimidos por metilação de DNA. Ao mesmo tempo, os genes do
desenvolvimento começam a ser expressos e há um aumento na metilação da lisina 4 da histona 3 (H3K4 –
marca de atividade gênica). O desenvolvimento das células germinativas se inicia com ganho de metilação
de DNA; apenas os genes sujeitos a imprinting sofrem desmetilação, com consequente apagamento das
marcas dos genitores. Marcas como a metilação do H3K27 permitem que os genes de diferenciação e
Transposons - sequências de
DNA que tem capacidade de
desenvolvimento sejam silenciados por um curto período de tempo nas células germinativas primordiais.
autoreplicação e inserção em
Posteriormente, a metilação de DNA nas células germinativas permite o silenciamento estável de genes de
outros sítios do genoma, em
imprinting, transposons e alguns genes associados à pluripotência.
geral com atividade reprimida
por metilação de DNA.

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4. MECANISMOS cional até o silenciamento completo de um


dos cromossomos sexuais, como é o caso dos
EPIGENÉTICOS CLÁSSICOS humanos e todos os outros mamíferos pla-
DE REGULAÇÃO GÊNICA centários.
EM MAMÍFEROS: A inativação do cromossomo X é um fenô-
INATIVAÇÃO DO meno que ocorre no início do desenvolvi-
CROMOSSOMO X E mento embrionário em todas as células so-
máticas de fêmeas de mamíferos, no qual um
IMPRINTING
Inativação do dos cromossomos X é inativado de maneira
cromossomo X é o 4.1. Inativação do cromossomo X aleatória em cada célula; ou seja, as fêmeas
mecanismo epigenético de
Durante a evolução dos organismos, a aqui- são um mosaico formado por células com um
compensação de dosagem cromossomo X inativo, de origem materna
gênica entre os sexos feminino sição de um gene determinante do sexo em
e masculino de mamíferos. apenas um dos cromossomos de um par de ou de origem paterna. A metilação de DNA
homólogos resultou no surgimento de cro- é um fator crucial para a manutenção do es-
mossomos sexuais. Com o passar do tempo, tado inativo dos cromossomos X que foram
os cromossomos sexuais ficaram amplamen- silenciados aleatoriamente. Adicionalmente,
te diferentes um do outro. Esta dissimilari- a inativação do cromossomo X é também
dade entre os cromossomos sexuais origina mantida por modificações nas histonas que
uma desigualdade da dosagem gênica entre estão associadas ao silenciamento transcri-
os dois sexos. Diminuindo esse desequilíbrio cional.
Figura 3. entre a quantidade dos produtos gênicos en- A escolha de qual dos dois cromossomos
Corpúsculo de Barr. A
inativação do cromossomo X tre os dois sexos, muitas espécies têm meca- será inativado em cada célula ainda é objeto
é um fenômeno que ocorre nismos de compensação de dosagem de ge- de intenso estudo. O cromossomo X inati-
no início do desenvolvimento nes, com base epigenética. Esses mecanismos vo (Xi) pode ser visualizado ao microscópio
embrionário em todas as epigenéticos de compensação da dosagem como uma massa heterocromática (muito
células somáticas de fêmeas de
mamíferos (XX). Nas fêmeas,
dos genes localizados nos cromossomos se- corada) chamada de corpúsculo de Barr, lo-
apenas um cromossomo X xuais variam dentre as espécies, desde a sim- calizado na periferia do núcleo de células de
permanece ativo em cada ples regulação do nível da atividade transcri- fêmeas de mamíferos (figura 3).
célula e, portanto, um dos
cromossomos X é inativado
por meio da metilação do
DNA, de maneira aleatória
(X paterno ou materno). O
cromossomo X inativo (Xi)
pode ser visualizado ao
microscópio como uma massa
heterocromática (apontada
pelas setas nas células XX,
painel à direita), chamada de
corpúsculo de Barr, localizada
na periferia do núcleo celular.
As células somáticas de machos
de mamíferos (XY) carregam
apenas um cromossomo X
ativo em todas as células e não
possuem corpúsculo de Barr
(Figura adaptada de http:// 4.2. Imprinting genômico somos de origem paterna. Esse padrão de
www.mun.ca/biology/scarr/
expressão diferencial deste grupo particular
Barr_Bodies.html. Créditos: O imprinting genômico é um fenômeno que
© Steven M Carr, Terra Nova de genes, de acordo com a origem parental,
afeta aproximadamente 100 genes do geno-
Genomics, Inc.). decorre da existência de marcas epigenéticas
ma humano e resulta na expressão diferen-
que são estabelecidas nas células germinati-
cial destes genes de acordo com a origem
vas parentais. A diferença mais consistente
Imprinting genômico é o parental: apenas um dos alelos dos genes
padrão de expressão diferencial entre os alelos de um gene que sofre imprin-
que sofrem imprinting é expresso, alguns são
de um grupo particular de ting é na metilação do DNA, mas também
ativos apenas nos cromossomos de origem
genes de acordo com a origem ocorrem diferenças na conformação da cro-
parental do alelo. materna e outros ativos apenas em cromos-

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matina, modificação das histonas, tempo de Além das síndromes conhecidas de defeitos
replicação e taxa de recombinação na meiose. de imprinting, há evidências crescentes de
Sabe-se que os genes que sofrem imprinting que existe expressão alterada dos genes de
têm atuação importante no desenvolvimento imprinting em uma ampla gama de doen-
pré-natal e também na biologia placentária, ças comuns, como restrição do crescimento
assim como também exercem efeitos im- intrauterino, obesidade, diabetes mellitus, Síndrome de Beckwith-
portantes no desenvolvimento, crescimen- transtornos psiquiátricos e câncer. Quanto Wiedemann - doença
to e sobrevivência pós-natal. Esse grupo de a essas doenças não-congênitas, em geral de caracterizada por aumento de
crescimento, predisposição
genes de imprinting está emergindo como manifestação tardia, é importante sempre tumoral e malformações
regulador-chave de processos metabólicos relembrar que qualquer característica (fenó- congênitas.
em bebês e adultos; podem influenciar a ma- tipo) é resultado da interação entre variantes Síndrome de Prader-Willi
nutenção da temperatura corporal, ingestão genéticas (genótipo) e o ambiente. Atual- - hipotonia grave e dificuldades
de alimentos e adiposidade, agindo em vários mente, há um considerável interesse em sa- alimentares no início da
tecidos e vias. ber como os fatores ambientais atuam no infância, seguidos de ingestão
excessiva de alimentos,
genoma para influenciar o fenótipo por meio
5. DOENÇAS HUMANAS da modulação de marcas epigenéticas. Nos
obesidade mórbida e atraso
cognitivo, em geral moderado.
E ALTERAÇÕES últimos anos, várias pesquisas examinaram a Síndrome de Angelman
EPIGENÉTICAS relação entre exposição a fatores ambientais e - deficiência intelectual grave,
mudanças do epigenoma, incluindo poluen- convulsões, microcefalia
Distúrbios no epigenoma podem resultar tes químicos, nutrição, alterações de tempe- pós-natal e características
na ativação ou inibição de genes de maneira ratura, estresse, nível de atividade física, ciclo dismórficas faciais distintas.
inapropriada; deste modo, a fisiologia celu- circadiano, tabagismo e consumo de álcool,
lar normal é alterada, o que pode ocasionar entre outros.
o desenvolvimento de patologias, congênitas
ou adquiridas. Evidências crescentes mostram que as mar-
cas epigenéticas conhecidas, como metilação
Defeitos de imprinting genômico são causa de DNA e modificações de histonas, são in-
de condições congênitas que afetam o cres- fluenciadas por fatores exógenos. A relação
cimento e desenvolvimento, como as síndro- entre a fumaça do tabaco e a alteração da me-
mes de Beckwith-Wiedemann, Prader- tilação do DNA parece particularmente re-
-Willi e Angelman, por exemplo. Em casos levante, dado que vários genes supressores de Hipometilação - nível de
como a síndrome de Beckwith-Wiedemann, tumor mostram um aumento de metilação metilação diminuído em relação
a hipometilação do gene IGF2 por causa de em células normais de pulmão de fumantes ao tecido controle.
um defeito de imprinting resulta no aumento e ex-fumantes, o que poderia levar a uma di- Síndrome de Silver-
da expressão deste gene durante o período minuição de sua expressão. Os mecanismos Russell - baixa estatura
pré-natal, ocasionando o hipercrescimento subjacentes permanecem amplamente des- proporcional, dismorfismos
característico dos pacientes. Por outro lado, conhecidos, mas se espera que a epigenética faciais, assimetria de membros,
na síndrome de Silver-Russell, caracteriza- ajude a trazer uma compreensão mais com-
risco significativo de atraso no
da por crescimento diminuído, há alterações desenvolvimento (tanto motor
pleta das respostas individuais ao ambiente quanto cognitivo) e dificuldades
no perfil de metilação, também decorrentes e a fatores de risco, em combinação com as de aprendizagem.
de defeitos de imprinting, que resultam na diferenças genéticas. Síndrome ICF
diminuição da expressão do gene IGF2 no (imunodeficiência, instabilidade
período pré-natal. Modificações epigenéti- Um perfil epigenético específico foi obser-
da região centromêrica e
cas congênitas também podem ocorrer por vado em pacientes com doenças neurodege- anomalias faciais): doença
alterações em genes relacionados à maqui- nerativas, como a hipometilação e alteração autossômica recessiva
naria epigenética, como exemplo a hipome- na expressão gênica em Alzheimer e Par- rara caracterizada por
kinson; outros estudos também evidenciam imunodeficiência e anomalias
tilação global observada na Síndrome ICF faciais.
(imunodeficiência, instabilidade da região modificações no perfil epigenético em pes-
centromêrica e anomalias faciais), que é cau- soas com esquizofrenia e com doença de
sada por mutação em um gene que codifica Huntington, dentre outras doenças. Alte- Doença de Huntington
rações epigenéticas também são descritas em - doença neurodegenerativa
uma das enzimas que adicionam metilação
diabetes, doenças autoimunes como lúpus progressiva rara do sistema
ao DNA (DNMT3B). nervoso central caracterizada
por movimentos coreicos,
alterações comportamentais e
psiquiátricas e demência.

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e artrite reumatoide, doenças pulmonares e acessibilidade da cromatina, que são defini-


como asma, assim como no desenvolvimen- das por mecanismos epigenéticos como mo-
to de doenças cardiovasculares e obesidade. dificações de histonas, metilação de DNA e
Em todas essas doenças de desenvolvimen- reposicionamento de nucleossomos.
to lento e gradual, com manifestação tardia,
Aberrações epigenéticas foram descritas em
muito provavelmente os fatores de risco já
praticamente todos os tipos tumorais, entre
conhecidos, como alimentação, sedentaris-
eles, câncer hepático, de mama, de cólon,
mo, tabagismo, poluição e estresse, atuam
endométrio, do sistema nervoso, de pele,
em conjunto para produzir alterações das
esôfago, bexiga, leucemias etc. Em relação à
marcas epigenéticas que contribuirão para o
metilação de DNA, o padrão em células de
Instabilidade genômica desenvolvimento do fenótipo.
câncer, quando comparadas às células oriun-
- alta frequência de mutações
no genoma, que podem incluir 5.1. Epigenética do câncer das de tecidos normais, é bastante caracte-
alterações nas sequências de rístico e bem documentado, sendo descrito
O câncer se desenvolve a partir do acúmulo
ácidos nucleicos, rearranjos de forma resumida como aumento de meti-
cromossômicos e aneuploidias. de mutações genéticas em células somáticas,
lação em regiões promotoras da expressão
ao longo de um período extenso de tempo,
de genes supressores tumorais, levando ao
em geral décadas. Atualmente, a interação
silenciamento gênico, e perda de metilação
entre processos genéticos e alterações epi-
em sequências repetitivas (hipometilação
genéticas é considerada a chave para o de-
global do genoma) (figura 4), o que ocasiona
senvolvimento tumoral, resultando em ex-
instabilidade genômica. Alterações nas
pressão anormal de genes importantes para
histonas também são prevalentes em câncer,
proliferação celular (proto-oncogenes) e
como perda ou modificação dos marcadores
controle do ciclo celular (supressores tumo-
de repressão e ativação gênica. Assim, modi-
rais). Além de mutações em proto-oncoge-
ficações do perfil epigenético do DNA em
nes e supressores tumorais, a tumorigênese é
células neoplásicas é de grande relevância na
modulada por modificações na compactação
gênese e progressão tumoral.

Figura 4.
Epigenética e câncer. O painel superior indica a situação em células normais e, abaixo,
as modificações epigenéticas identificadas em células tumorais. Genes supressores de
tumor estão ativos (retângulo verde) em células normais; no câncer, estes genes podem
ser silenciados pelo ganho de metilação em citosinas localizadas em ilhas CpG na sua
região promotora (pirulitos brancos denotam citosinas não metiladas, pirulitos vermelhos,
citosinas metiladas) e essa hipermetilação de promotor gênico ocasiona silenciamento da
transcrição do gene associado (retângulo vermelho). Em sequências repetitivas de DNA
(retângulos em azul), que normalmente estão metiladas em células normais, ocorre perda
de metilação em células tumorais (hipometilação global do genoma).

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CONCEITOS EM GENÉTICA

6. HERANÇA EPIGENÉTICA estresse. Sessenta anos depois, descobriu-se


que o gene do fator de crescimento 2 (IGF2),
Como discutido até agora, as marcas epige- semelhante à insulina, apresentava perda de
néticas contribuem para a memória celular metilação nesses indivíduos (filhos), em con-
de modo a manter o padrão de expressão traste com seus irmãos do mesmo sexo que
gênica em células especializadas, preservan- não foram expostos a essa privação nutricio-
do a identidade da linhagem celular após nal durante a gestação. Essa exposição pe-
consecutivas divisões mitóticas. Um mo- ri-concepcional reforça o importante papel
mento primordial de mudança programada do ambiente na modulação do epigenoma e
do epigenoma ocorre na formação das cé- suas consequências na saúde humana. Ain-
lulas germinativas (gametas). A reprogra- da mais interessante foi a observação de que
mação epigenética em gametas ocorre para filhos desses filhos de mulheres desnutridas
apagamento de marcas de imprinting pré- durante os três primeiros meses de gesta-
-existentes e estabelecimento das marcas de ção também sofreram alguns desses efeitos,
imprinting de acordo com o sexo do indiví- como suscetibilidade a diabetes e obesidade.
duo. Adicionalmente, muito provavelmente Isto poderia ser explicado pela exposição das
a reprogramação é importante para remoção células germinativas (gametas) dos fetos das
de modificações epigenéticas adquiridas pelo mulheres que sofreram desnutrição logo no
indivíduo, em decorrência da interação com início da gestação. Dessa forma três gerações
fatores ambientais. são expostas e afetadas pela mesma condição
A pergunta fundamental entre os pesqui- ambiental, seja dieta, toxinas, hormônios,
sadores é: será que, ocasionalmente, marcas entre outros (figura 5). Herança epigenética
epigenéticas adquiridas ao longo da vida de transgeracional: transmissão
A fim de analisar efeitos na prole associados
um indivíduo podem ser transmitidas atra- de algumas marcas epigenéticas
a comportamentos paternos, estudo realiza- adquiridas ao longo da
vés das células germinativas, como resultado do na Inglaterra com 116 homens fumantes vida através das células
de um apagamento incompleto? Existiria a desde os 11 anos observou que seus filhos germinativas.
chamada herança epigenética transge- são mais propensos a ter aumento de massa
racional? corporal aos nove anos, em relação a filhos
Durante o século XX, uma subpopulação de pais que começaram a fumar com idade
europeia foi submetida a grave restrição caló- mais avançada (PEMBREY et al., 2006).
rica por razões históricas. Esse evento repre- Ainda no mesmo estudo, ao investigar re-
sentou um modelo para estudar em huma- gistros de colheitas de uma população isola-
nos o impacto transgeracional do ambiente da no norte da Suécia (Överkalix) do século
externo: a relação entre dieta, epigenética e XIX e comparar com os dados dos mora-
expressão gênica (RAVELLI et al., 1976). A dores, foi observado que indivíduos com
chamada fome holandesa ou Hongerwinter avós paternos com maior ingestão calórica
(inverno da fome) começou em 1944, após na adolescência tinham risco aumentado de
a Segunda Guerra Mundial, devido ao for- mortalidade comparado aos indivíduos com
necimento limitado de alimentos a algumas avós paternos submetidos a restrição de ali-
regiões da Holanda ocupadas pelos nazis- mentos.
tas. Como consequência, até maio de 1945, Embora a manutenção, assim como o apa-
quando o país foi libertado, uma grave res- gamento de marcas epigenéticas adquiridas,
trição de ingestão calórica afetou essas po- possa ter efeitos benéficos e deletérios, não se
pulações, incluindo mulheres grávidas e seus sabe ainda até que ponto tais marcas podem
filhos no útero em diferentes estágios da ges- ser mantidas entre gerações nos mamíferos.
tação. As crianças nascidas durante ou logo Por causa dos eventos de reprogramação
após a fome holandesa apresentaram baixo epigenética durante o desenvolvimento das
peso e propensão a intolerância à glicose ao células germinativas e embriogênese preco-
nascer; na fase adulta, esses indivíduos eram ce, acredita-se que os estados epigenéticos
mais suscetíveis a diabetes, obesidade, doen- adquiridos raramente são passados para a
ça coronariana, coagulação sanguínea altera- progênie. Entretanto, o fato de que as marcas
da, doença renal e aumento da resposta ao de imprinting materno e paterno são reco-

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nhecidamente mantidas durante a embriogê-


nese inicial destaca que algumas sequências
podem escapar dos eventos de reprograma-
ção epigenética. Em todas as observações já
documentadas de possível transmissão de in-
formação epigenética pelos gametas, os me-
canismos são ainda pouco compreendidos.
Evidências científicas robustas acerca dessa
herança epigenética em humanos ainda estão
sendo coletadas.

Figura 5.
Herança epigenética
transgeracional em humanos.
Evidências crescentes mostram
que as marcas epigenéticas
conhecidas, como metilação
de DNA e modificações de
histonas, são fortemente
influenciadas por fatores
exógenos. O efeito da
exposição peri-concepcional
a fatores que podem modular
o epigenoma vem sendo
estudado nas últimas décadas.
As condições ambientais a que
mulheres grávidas são expostas
podem modificar não apenas
o epigenoma da gestante
(1ª geração), como também REFERÊNCIAS WU, C. T., MORRIS, J. R. Genes, genetics, and epi-
genetics: A correspondence. Science v. 293, n.
o epigenoma do feto (2ª
PEMBREY, M. E., BYGREN, L. O., KAATI, G., 5532, p.1103-1105, 2001.
geração), incluindo suas células
EDVINSSON, S., NORTHSTONE, K.,
germinativas (que darão origem
à 3ª geração). Desta forma,
SJÖSTRÖM, M., GOLDING, J. Sex-specific, PARA SABER MAIS
male-line transgenerational responses in humans.
três gerações seriam expostas MESSERSHMIDT, D. M., KNOWLES, B. B.,
European Journal of Human Genetics v. 14, p. 159-
à mesma condição ambiental SOLTER, D. DNA methylation dynamics
166, 2006.
(tabaco, dieta, toxinas, during epigenetic reprogramming in teh germline
hormônios, medicamentos, RAVELLI, G.-P., STEIN, Z. A., SUSSER, M. W. and preimplantation embryos. Genes and Devel-
nível de atividade física, entre Obesity in Young Men after Famine Exposure in opment v. 28, p. 812-828, 2014.
outros), mudando o epigenoma Utero and Early Infancy. New England Journal of
e com potencial impacto na Medicine v. 295, n. 7, p. 349-353, 1976.
saúde (Figura adaptada de
WADDINGTON, C. H. (1942). The epigenotype.
https://learn.genetics.utah.
1942. International Journal of Epidemiology, 41(1),
edu/content/epigenetics/
10–13, 1942.
inheritance/).

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