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Conhecendo Câmara Ferreira

Wilson do Nascimento Barbosa

Agosto de 1996

“Presta atenção,
Vigia, presta atenção,
levanta um pouco esta touca,
vacilo na boca dá bolo na mão...”
Vigia Sagaz (de Pedrinho Miranda)

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1 – Introdução

A hipótese de Brasil talvez se haja perdido, quando o primeiro português desceu do navio e
pisou em terra frme. À época dos anos 60, contudo, a juventude fazia-se grandes ilusões quanto a
um “destno nacional”. A ditadura de Getúlio e a República de 1946 adaptaram todo um “ideário
nacional”, que os brasileiros comuns julgavam ser possível. Ao lado dos mitos como o Brasil para
os brasileiros, educação para todos, ordem e progresso, igualdade de oportunidades, etc., a prátca
era bem outra. Ou como dizia o Vianinha, a teoria na prátca é outra. Entretanto, havia até 1964,
um regime democrátco. Por isso, os jovens acreditavam que através da luta polítca seria possível
melhorar o Brasil. As pessoas acreditavam até que o país podia-se desenvolver, com distribuição de
renda… Na vida é bem melhor perder as ilusões do que viver com elas. Nada tlinta pior do que
uma moeda falsa. Em cada aspecto da vida brasileira predominou sempre o racismo, o arrivismo, o
corporatvismo e os privilégios machista e classista. O Brasil consegue ser até pior do que a média
da América Latna. Só para dar um exemplo, assassina-se uma pessoa na cidade de São Paulo a
cada 65 minutos. É evidente que a ditadura não fez o Brasil assim. Ela apenas o aperfeiçoou, para
que ele chegasse a esse ponto. Reforçando tudo o que existe de ruim num país ant-humano,
aquele regime conseguiu criar esta situação espantosa em que vivemos hoje. Os regimes de
exceção necessitam de medo, de terror, do crime organizado. Diferentes tpos de quadrilha
chegaram a atuar, sob o bafejo ofcial. Mais tarde, com o retorno à ordem democrátca, subsistram
todas aquelas aberrações, sem responsáveis aparentes.
Últmo país do contnente a abolir a escravidão, o Brasil conseguiu instaurar uma república
que não tnha nem ousava ter sequer um mandatário negro ou, ofcialmente, indígena. Jamais um
ex-escravo ganhou um metro de terra do poder, digamos público. Enquanto isso, empresas
estrangeiras até hoje recebem terrenos, prédios, fornecimentos, crédito, etc.
Especialista em deserdar os seus flhos e adotar os dos outros, o Brasil bate recordes em
aberração. Não é capaz de dar assistência jurídica, sequer, aos brasileiros presos nos países
vizinhos.
Nos últmos onze anos inclusive, abandonou-se qualquer aparência de soberania,
patriotsmo ou interesse nacional, instaurando-se como regra o salve-se quem puder. O único
patrimônio acumulado pela população, que são as empresas públicas, tornou-se recentemente
alvo de desmanche, nos melhores moldes das ofcinas que desmantelam o carro alheio.

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Compradas por um valor simbólico, tais empresas vão enriquecer benefciários encobertos das
suspeitas transações.
A história do Brasil tem sido em grande parte uma história de oportunidades lançadas fora.
Digo lançadas fora, porque de fato tem sido assim. Não são oportunidades perdidas. As elites
deliberadamente as lançam fora, para não ter sequer um prejuízo ou uma perda momentânea.
Se cada ex-escravo houvesse recebido dez ou vinte hectares de terra, a história do país hoje
seria outra. No entanto, evitou-se deliberadamente que isto fosse feito. Se na República Velha
houvesse crédito para os pequenos empresários, o país hoje teria outras histórias, etc., etc. Seria
exaustvo produzir uma lista. Em cada momento histórico, diante da oportunidade de cada
reforma, faz-se a opção por negá-la, por obstruí-la, por evitá-la. Qual o resultado? Reporto-me à
declaração de uma dirigente do partdo nacional, no Chile, à época do golpe que derrubou
Allende: “O povo não tem jeito. A cada 30 ou 40 anos é preciso sangrá-lo.”
A história do poder na América Latna é a história dos sangradores do povo. Nesse
ambiente, o Brasil não se consttui qualquer exceção. O povo, visto de uma certa distância, talvez
pareça uma vara de porcos. A julgar pelos produtos que tem de consumir, e pela qualidade da
mídia, certamente são considerados um tpo de porcos. Daí esta espantosa teoria do sangramento
cíclico. O imperador Cláudio, ilustre sucessor de Calígula no trono romano, ruminou certa vez que
os germanos são como trigo selvagem. Uma vez por ano é necessário mandar cortá-los. As elites
talvez se divirtam, fazendo frases com o sacrifcio alheio. Cumpre, todavia, recordar que os
germanos destruíram o Império Romano, e não o contrário.
Pode-se certamente viver da exploração dos recursos naturais e da exportação de todo tpo
de riquezas, legal e ilegalmente. É para isso que as elites brasileiras estão aí. Toda pessoa, contudo,
que optou por uma visão mais racional, não pode deixar de sentr uma preocupação pela falta de
escolha de um futuro melhor. O futuro que vai se obter, passa muito pelo futuro que foi escolhido.
E a escolha por um certo tpo de futuro pode ser feita e deve ser feita para cada geração que vive o
seu presente. Não se pode negar à geração atual o direito de partcipar na elaboração de seu
futuro, sob as escusas de que o passado se apropriou do presente, e que ele ainda deve contnuar
a viver. A barbárie, a selvageria classista, o racismo e todos os tpos de discriminação que
permitem manter as elites atuais não encontram qualquer justfcatva, do ponto de vista das
novas gerações.

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2 – Um Primeiro Contato

Conheci Joaquim Câmara Ferreira ao acaso. Eu havia sido chamado na sede do Comitê
Central, e enquanto esperava para falar com o camarada Prestes, saíram da sala dele dois
senhores. A lembrança de um deles me marcou de modo especial. Parecia um contador, com seus
óculos, seus modos comedidos. Mas dele emanava certa força, sua fsionomia era concentrada,
deixando entrever um líder, mal disfarçado naquele maneirismo de funcionário subalterno. Foi aí
pelo fm de 1962, talvez começos de 1963.
Iria reencontrá-lo algo mais tarde. Em janeiro de 1965, eu e minha companheira, ambos
militantes do PCB à época, fomos deportados para São Paulo. Seguimos num carro de um
companheiro, no dia 20 – uma terça-feira. Ele nos deixou no largo do Paissandu e fomos procurar
alguns contatos que nos haviam fornecido. Eram tempos difceis. Os companheiros do PCB de
então eram muito perseguidos. Meu sogro havia sido preso em outubro e só seria liberado dez
meses depois. A tátca da ditadura, recém-instalada, era manter um clima de perseguição, prisões,
caçadas às bruxas, necessário a impedir as eleições e a volta à normalidade polítca.
Uma das alegações favoritas naqueles dias sombrios era que o PCB e, mesmo, o PTB,
haviam preparado um golpe-de-estado, que assim justfcava a revolução gloriosa da ditadura.
Tratava-se de mentra esfarrapada. É evidente que se o Goulart houvesse preparado um golpe na
posição de presidente do Brasil, ele haveria certamente se tornado ditador. Todos sabem a
dignidade com que se resiste, nas altas esferas do país, a quem possui o poder… Na realidade, os
golpistas para disfarçarem suas artculações e caírem na boa-fé do presidente, sempre faziam-lhe
ofertas discricionárias que ele, é evidente, ouvia. Segundo amigos pessoais do presidente deposto,
Goulart tnha verdadeiro desprezo por tais puxa-sacos eventuais. Mas com sua peculiar tolerância,
também não os punia…
Quanto ao PCB, era um partdo pequeno, embora com muita liderança no meio sindical e
operário. Seus dirigentes eram gatos escaldados de 1935, e, consequentemente, não tnham
planos ou intenções golpistas. Qualquer garoto estagiário num jornal sabia disso. A enxurrada de
calúnias fazia parte do jogo pró-USA das forças conservadoras, que arrecadavam no exterior,
caixinhas de milhões de dólares para combater o comunismo, e as embolsavam devidamente.
Este era o ambiente em que foi dado o golpe de 1964. Contnuar a perseguição a
estudantes e operários pobres, fechar cursos universitários e invadir sindicatos, amarrar e arrastar

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as pessoas, debaixo de porradas, pela rua, fazia tudo parte da manutenção do clima de terror, o
ambiente psicossocial da ditadura.
À época, chamávamos deportados aos companheiros que um comitê qualquer do PCB
enviava para outro Estado, por estarem muito manjados e facilitarem assim as provocações da
polícia polítca. Era preciso trar de evidência as pessoas mais conhecidas como pecebistas, porque
isso fornecia o pretexto para os agentes da ditadura desencadearam a repressão num local ou
setor. Daí que São Paulo havia recebido grande número de deportados, sendo os maiores
contngentes do Rio Grande do Sul e da Bahia.
Instalamo-nos como hóspedes obrigatórios no apartamento de uns companheiros
excepcionalmente fraternais e fomos procurar algum ganha-pão, para garantr um pronto retorno
à vida normal. Pelo menos, tão normal quanto podia ser, num tempo de ditadura.
Feitos os contatos iniciais, na segunda, vinte e seis, fui mandado a um certo local, encontrar
o camarada Câmara Ferreira. Prontamente reconheci no homem de terno azul-marinho escuro o
companheiro do Comitê Central. Câmara me recebeu com cordialidade e perguntou-me sobre as
condições repressivas no Rio de Janeiro, algo de que, suponho, devia estar melhor informado que
eu. Ele mostrou-se preocupado com a situação de vários companheiros que estavam presos
naquele Estado. Fiquei assim sabendo que ele conhecia o Durval Miguel de Barros, então meu
sogro, um dos insurgentes de 1935, (havia já uns 30 anos daquele fato). Eles haviam mantdo boas
relações. Quando Barros saiu da prisão, tve oportunidade de recolocá-los em contato.
Câmara era uma pessoa muito simples, com quem era fácil conversar. Ele mantnha uma
certa reserva, mas sem retcências. Ouvia com atenção, e conversava trocando argumentos, quase
sempre apresentados de forma empírica. Passados trinta e um anos, imagino quantas estupidezes
eu devia dizer naquela época, em que era jovem, ingênuo e impulsivo. Mas a gente não se senta
mal conversando com Câmara. A impressão que guardei foi a de tratar com uma pessoa igual a
mim. Em nada houve a arrogância que se poderia presumir de um dirigente. E que nós, aprendizes
de feitceiros, encontrávamos de quando em quando.
Um ponto de nossa conversa que guarda hoje interesse referiu-se à forma de luta contra a
ditadura. Manifestei que os militares no poder procuravam criar um foco de resistência frontal
contra o regime golpista. Isso podia ser percebido pelo clima de mentras e provocações com que
se conduziam os famigerados IPMs, como procediam às prisões, etc. Eu achava que eles queriam
empurrar algum grupo organizado de esquerda para a guerra de guerrilhas, ou qualquer atuação
semelhante. Câmara concordou comigo e citou barbaridades sob o guarda-chuva da CGI, comissão

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geral de investgações que, hipotetcamente, coordenava a repressão do regime. Para o Câmara,
havia uma certa disputa dos elementos repressivos, e o país se tornara uma imensa república do
galeão. Aludia à apuração da morte do major Rubem Vaz, em 1954, através de um IPM da
Aeronáutca, a cargo do coronel Adil de Oliveira. O então jornalista Carlos Lacerda, supostamente
em companhia do major quando este fora assassinado, dizia-se ferido a bala no pé, durante o
troteioo ele capitalizou o fato exibindo… uma perna engessadaa Câmara achava o cenário da
ditadura cheio de coronéis engessados. Todos queriam aparecer, e fariam qualquer coisa para isso.
Poderiam urdir, para tanto, as piores provocações. Era preciso estar bem alerta.
Argumentei que o regime militar buscava manter a sua unidade e se consolidar através da
fabricação desse inimigo perigoso. Num primeiro momento, a simples ameaça petebo-comunista
era sufciente, mas num segundo momento, eles precisariam de algo mais concreto, de algo fsico
para mostrar em público como inimigo do Brasil e da democracia. Com essa manobra, tanto
manteriam a unidade, como consolidariam a ditadura, sob a fachada de defesa da democracia.
Câmara me explicou que muitos companheiros estavam adotando este ponto de vista.
Parecia realmente que a polítca da ditadura teria que se desdobrar nestas duas fases. Mas que
necessitávamos aproveitar a primeira fase para reorganizar o PCB e a luta de massas, para impedir
que a ditadura se consolidasse. O importante era mantermos um certo nível de atvidades legais,
manter vivas e coordenadas as forças democrátcas, para se esvaziar pouco a pouco a possibilidade
de consolidação do regime. Câmara achava que, se novos passos alcançassem ser dados para
fechar o regime, então não se poderia impor um sucessor civil ao Castelo Branco. A ditadura
poderia se consolidar.
Nesse caso, somente uma luta prolongada poderia, novamente abrir caminho ao
restabelecimento democrátco. Por isso era preciso reorganizar o trabalho legal. Isto criaria
difculdades para os militares isolarem os dirigentes civis do golpe, como os governadores Ademar
de Barros, e Magalhães Pinto. Enquanto estes homens subsistssem como representantes de
setores civis dentro do poder golpista, não seria possível a consolidação do golpe militar enquanto
um poder de caserna. Era necessário jogar com tais diferenças polítcas e assegurar o que fosse
possível das eleições previstas para 1965.
Nessa primeira conversa disse a ele meu ponto de vista, que a preparação da luta contra a
ditadura implicava também a organização de uma estrutura capaz de garantr a resistência das
forças democrátcas. Lembro-me bem que usei esta expressão: “um tpo de organização que desse
profundidade às lutas de resistência democrátca”. Disse-lhe que muitos companheiros desejavam

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a estruturação do trabalho especial, para fazer frente a ditadura. Ou seja, se fôssemos levados à
consolidação da ditadura, com um novo general-presidente, o enfrentamento seria objetvo,
porque assumiria um caráter espontâneo. Dentro dessa circunstância, o PCB não poderia ser
surpreendido de novo, como no golpe do primeiro de abril. E muitos companheiros, eu entre eles,
achava que era com isso que os militares estavam contando. Eles sabiam que não podiam derrubar
uma democracia de dezoito anos e não encontrar resistência alguma.
Câmara contou alguns episódios da revolução russa e do trabalho especial na Alemanha de
Weimar. A esta altura já éramos quatro, pois chegaram a se assentaram outros dois companheiros.
Câmara contnuou seus exemplos históricos. E fxou-se numa questão específca: “Quais as formas
concretas da ação especial, diante da imposição de novas formas de luta?” O debate centrou-se
neste ponto de luta. Câmara Ferreira sabia o que ia acontecer. Sua experiência da ditadura de
Vargas lhe dava indicação que a ditadura se consolidaria. Para ele, tratava-se de preparar uma
gradual viragem do partdo para o trabalho clandestno. “Para cada forma de luta, um partdo
inteiramente novo”. Era isso que ele nos dizia naquele momento, por linhas tortas. Ele preparava
os espíritos da turma para as tempestades que se aproximavam. Para tanto, valorizava a afrmação
de cada um, procurava aproveitar o que era possível da opinião de cada um. Ele cimentava as
vontades, buscava o que era comum nas ideias do grupo. Lutava para consolidar o PCB, antevendo
as jornadas mais difceis que se aproximavam. Este tpo especial de grandeza e de coragem só
pode ser apreciado pelos sobreviventes, desde grande distância no tempo.
Em algum momento foi discutda a importância da manutenção de estruturas de trabalho
clandestno, e das fontes de seu fnanciamento. Debata-se a necessidade das “expropriações
revolucionárias”. De grande envergadura? De pequeno porte?
Câmara manifestou o ponto de vista de que ações expropriatórias deveriam ser sempre de
pequena monta, sem requerer para si, por um longo período, o chamamento de uma propaganda
revolucionária. E deu um exemplo muito específco deste tpo de ação.
Dois dias depois, houve uma coincidência extraordinária. Salvo falha de memória, um
grupo de gregos assaltou uma kombi que transportava quinhentos milhões do Banco Moreira
Sales, no largo São Francisco. O banco ofereceu dez milhões para quem desse pistas. Choviam
informações de caçadores do prêmio. O caso levou algum tempo para deslindar-se. Conversava
com um companheiro, quando ouvimos no rádio a notcia do assalto. Seria possível?
Passados alguns dias, quando encontrei o Câmara, ele me disse, com toda a calma: “Então,
camarada, quanto rendeu aquela expropriação da Líbero Badaró?”

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3 – Trabalho Difíil

Este era um traço de Câmara Ferreira. Conseguia ainda fazer uma piada, apesar das
condições desfavoráveis, do meio extremamente hostl. Compreendia a extensão da derrota que o
golpe de 64 representava para o povo brasileiro. Banalizava assim o motvo das tensões, o clima de
terror criado pelos golpistas. Com sua psicologia de inversão das situações, procurava mostrar o
lado ridículo e imoral dos agentes da ditadura. Olhava para o seu exército brancaleone e via
cintlações e púrpuras em suas armaduras de lata. Não é que se deixasse enganar. Valorizava os
companheiros a partr do gigantsmo moral que eles representavam, ao ousarem se opor àquela
ditadura voraz e criminosa. Conferia por isso imediatamente aos defensores da ordem a estatura
que lhes era própria, como pigmeus da étca e confessos lacaios do capital.
Eram tempos de um trabalho difcil. Às difculdades polítcas e insttucionais, somavam-se
as de ordem pessoal, criadas pelo clima opressivo e as atvidades repressivas. Havia um grande
número de pessoas desempregadas, vítmas de discriminação e das polítcas de aperto da
ditadura. Para as pessoas de esquerda, as perseguições agravavam o desemprego. Dispendia-se
uma grande energia, procurando uma colocação para um companheiro, organizando caixinhas e
rifas para assegurar a sobrevivência de todos.
O seu amigo de ontem, aquele para quem você propiciava algo na ordem democrátca,
hoje, graças ao clima do regime militar, atravessava a rua para não cumprimentá-lo. As difculdades
revelavam, porém, verdadeiros diamantes no meio da lama. Havia gente decente, seres humanos
de verdade e com estes é que interessava lutar por dias melhores, por benefcios que pudessem
ser alcançados pela maioria. Para o regime dos militares, esta maioria era uma coisa desprezível.
Por isso, a imprensa pululava mentras e tergiversações.
A delegacia de infltrações havia-se tornado a maior da polícia polítca. Graças ao
desemprego e à miséria, pululavam os alcaguetes. Não havia fábrica, empresa ou sala de aula em
que não existsse um. Neste teatro iluminado, neste palco de neon e luz fria, haveriam os
derrotados de 64 de jogar ainda uma últma cartada. As forças de ambos os lados se reaglutnavam
para o últmo round. Senta-se o peso das respirações no ar. A tensão e o fumo se adensavam.
Conversando certa vez, sobre 1935, com Agildo Barata, eu lhe perguntava sobre o que o
governo e a reação apregoavam, de “ofciais e soldados assassinados enquanto dormiam”. Agildo
disse-me que tudo aquilo era simples propaganda, mentra da mais brava. A polícia, graças à
infltração, sabia a data da insurreição programada antes dos futuros insurretos. Era uma crônica

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anunciada. Ninguém apanhou ninguém dormindo. Segundo ele, os prisioneiros nada sofreram.
Estavam reunidos no cassino dos ofciais. “Foi a aviação” - disse Agildo - “que bombardeou os
alojamentos e matou desnecessariamente soldados ali acantonados”. Anos depois ouvi a mesma
versão do Durval de Barros. Sob as luzes da ribalta não é possível guardar grandes segredos.
O PCB estava num palco, numa vitrine. Havia, à época, 1939 brasileiros para cada militante
do partdo. Ou sejam uns 970 adultos para cada um. Os assaltantes do poder em 64, com a rapidez
que lhes era tão própria, usaram o nepotsmo, a corrupção, etc., preenchendo uma estrutura
repressiva com parentes, amigos e alcaguetes recém-convertdos. Torneiras abertas para a
repressão, o dinheiro público corria solto. Uma formidável máquina de mentras, calúnias e
astúcias foi posta em movimento, uivando na mídia 24 horas por dia. Foi naquela época que o
dedo-duro converteu-se na principal insttuição do país. Enquanto muitos militantes tnham os
olhos lavados com sabão em pó, nas torturas, os militantes de esquerda na mídia eram apontados
como agentes do estrangeiro e corruptos, em dezenas de informes diários, disfarçados de notcias.
Quando um militante de base procurava manter-se naquilo que prestes chamava de “seu
posto de honra”, discretamente desfazendo as mentras dos novos senhores da ordem, etc., logo
chovia sobre ele uma verdadeira horda de punguistas morais, chicaneiros de todo tpo,
chocarreiros polítcos a meio soldo e a soldo inteiro. Pululavam provocações. A coisa era tão
descarada que alguns destes lanceiros polítcos trabalhavam submetdos diretamente a algum
coronel… de IPMa Ou seja, eles iam para a rua com a tarefa de fabricar fatos polítcos para ampliar
e justfcar a repressão. Um enxame de múmias saídas dos quartéis e outros mortos-vivos polítcos
rondavam as portas do partdo, oferecendo os seus préstmos para organizar a crônica anunciada…
Era necessário, portanto, mover-se com grande cuidado. Algo como atravessar uma loja de
cristais no escuro. Qualquer movimento em falso e você esbarrava em um daqueles canalhas de
louça, que cairiam presos, fazendo um grande estardalhaço.
Penso que se a ditadura militar houvesse aplicado em educação e saúde os bilhões de
dólares que aplicou em infltração e provocação, o povo brasileiro hoje estaria bem melhor que o
haitano. Seria um Porto Rico, quem sabe? No entanto, os próceres da nova ordem, criadores de
um reich sem führer, julgaram por bem garantr o emprego dos seus parentes e agregados. Para
tal, a máquina repressiva foi e é insubsttuível. Milhares de empregos de inúteis, sob a fachada de
informação e segurança foi o grande programa social do regime militar. Keynes havia falado em
pagar um operário para cavar um buraco e pagar a outro para tapá-lo. A ditadura preferiu
informação e segurança, o binômio dos néscios.

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Quando não se possui o Estado, não se pode combater com grandeza. O golpe fazia a
legalidade mudar de lado. Os lambe-botas do mister eram agora os representantes ofciais do povo
brasileiro. Não importa que eles estvessem no poder para sacanear o povo, para reduzir o salário
real a 40% do que fora antes de 64. Enquanto os flhinhos-de-mamãe curtam o sol nas praias e
entornavam suas tulipas de chope, o povão ia sendo moído e empurrado para fora da história. Em
São Paulo, comprava-se a liberdade dos líderes sindicais. Caixinhas eram feitas para obter-lhes a
alforria de um cárcere sem justfcatvas e devolvê-los às suas famílias. Este trabalho desprezível e
até insignifcante tnha entre seus organizadores Câmara Ferreira.
Em outros estados a situação era ainda pior. A alforria não podia ser comprada. A burrice
da repressão era comandada por néscios honestos. Sua honestdade consista, por certo, em violar
a Consttuição do país, a declaração dos direitos humanos das Nações Unidas, etc. Como diria anos
depois um ilustre poeta, “que país é este”…
Quem, de fato, servia a potências estrangeiras? Coronéis lambe-botas que escreviam
tratados de geopolítca, renunciando à soberania nacional ou estudantes e ex-militares expulsos
por processos sumários e inconsttucionais? Como costumava argumentar Prestes, a “vida a tudo
responde, em seu devido tempo”. As polítcas de liberalização e internacionalização de economia,
pensadas e/ou aplicadas pelos três patetas Gudin-Beltrão-Campos arrasaram as empresas
doméstcas e não atraíram quaisquer capitais estrangeiros. O governo Castelo Branco corroeu-se
com a velocidade de um fósforo aceso, e os três patetas viram-se obrigados a entregar a rapadura
para o grupo da FIESP, tendo como porta-estandarte Delfm, tudo no bloco do ministro do exército,
Costa e Silva, o novo general-presidente.
O tempo passava com rapidez, o cenário polítco se agravava, mas a reorganização da
esquerda não se dava com a velocidade necessária.
Necessária a quê? No nosso entendimento da época, necessária a garantr a permanência
do movimento trabalhador como um dos componentes decisórios da vida polítca do país. No
entanto, a burguesia e suas elites correlatas não estavam mais interessadas no jogo polítco, nos
partdos existentes, etc. Seu interesse era um tpo de poder excludente, modelo para o tpo de
sociedade que hoje existe no Brasil. Eles lograram transformar o pobre em miserável e tornar
qualquer riqueza um monopólio de europeus e seus descendentes diretos.
Entre outras coisas, pois, o projeto da ditadura era racista, como se percebe claramente da
leitura dos textos da E.S.G. O que eles entendiam por ocidental excluía os negros, os indígenas e
todos os seus descendentes. À época, contudo, isso se supunha eliminar, caso as forças

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democrátcas pudessem recuperar o controle da situação polítca. Era um dos muitos ledos
enganos em que vivia a esquerda.
A vida num partdo operário consiste no cruzamento de três temporalidades distntas. Um
jovem militante muitas vezes têm difculdade de perceber estas diferenças e acaba se
atrapalhando, ou perdendo algum desses cruzamentos tão interessantes. Há um tempo da vida
quotdiana e da polítca burguesa. Há um outro tempo, em que se move a vida orgânica do partdo,
com suas adaptações, polítcas internas, lutas, reorganizações, etc. E tem-se ainda um terceiro
tempo paralelo, da vida pessoal dos membros e personalidades do partdo.
Na temporalidade do mundo burguês, São Paulo se consttuía em ambiente de relatva
liberdade, quando comparado com o resto do Brasil. Coração do industrialismo, a burguesia local
apoiava o golpe e estava satsfeita, fazendo de cada operário suco, na máquina de cada fábrica. O
salário mínimo, de 42 mil cruzeiros, era o mesmo que Goulart havia estabelecido para abril de
1964. Os três patetas vinham aplicando a chamada infação corretva, ou seja, segundo eles a
inflação corrigiria o excesso da propensão ao consumo do brasileiro, seu excesso de poder de
compra, etc. Estas cretnices que hoje são repetdas por quase todos os economistas eram, à
época, néctar exclusivo dos três patetas. Ninguém acreditava nisso. Nem aqueles que se
benefciavam da taxa extra de mais-valia, com o congelamento dos salários. Vinte anos de
ditadura, no entanto, fez sair dos bancos escolares toda uma geração de Q.I. de ostra capaz de
repetr, palhaços engravatados, as gags esfomeadoras daqueles incríveis patetas.
A burguesia, contudo, não desejava que São Paulo copiasse o modelo afegão de vida social
que a ditadura conseguiria implantar no resto do país. Nada de horror, correrias, freadas de carro,
pânico no meio da noite ou excesso de torturas. Ademar de Barros governava São Paulo, usando
ironia e corrupção como graxa, e não estava disposto a fazer o joguinho psicopata dos coronéis da
U.D.N.
Aproveitando estas brechas, eu me virava como podia, sempre com a ajuda dos
companheiros. Trabalhando em agências de publicidade, passei da mídia para a redação. Em 1965
trabalhei uns meses na Folha, mas como estava sem uma carteira de jornalista, que fora
apreendida, no golpe, na agência Nova China, acabei deixando o jornal. Como publicitário eu
ganhava até melhor. Dava também umas aulas nuns cursinhos à noite e, assim, lutava para viver.
Minha flha nasceu em maio deste ano (1965).
Havia então o tempo paralelo da vida interna do partdo. Ramiro Luchesi dirigia o partdo
estadual com suavidade. Gostava de reunir, moer um assunto e tnha, por isso, apoio da maioria.

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No período 65-66 houve uma forte guinada do partdo para a esquerda em São Paulo, e
seguramente isso deteriorou as posições, antes sólidas, da maioria do núcleo dirigente local.
Câmara Ferreira dava-se muito bem com Luchesi, mas foi certamente ele o homem-chave nesta
guinada para a esquerda. Também no comitê Municipal (de São Paulo), a esquerda reforçou suas
posições, em detrimento da ala mais à direita, ou, como eram chamados, reformistas. Por sua vez,
os reformistas chamavam aventureiros àqueles à sua esquerda.
Em 65 foi aprovada uma resolução que permitu duplicar certos comitês do partdo, para
torná-los mais flexíveis e menos expostos, como o conjunto da direção. Eu fazia trabalho de
educação no comitê secundarista, que estava então já duplicado. O meu comitê era o da zona sul,
e dava cursos no sábado e no domingo para dois grupos de dezoito militantes cada. Tinha outra
tarefa, sendo o assistente de um comitê bastante grande, também duplicado, e de importância
estratégica crucial, se no futuro vingassem as ideias de Câmara e Marighella, qual fosse, organizar
uma frente de libertação parecida com a que atuava no Vietnã do Sul.
No período 65-66, as tendências à esquerda, chamadas por Mário Alves correntes de
opinião, no seu então famoso aparte a Prestes, na Reunião da Comissão Executva (Burô polítco),
haviam já assumido o controle do Partdo. A direita interna respondia, cortando o salário dos
militantes profssionais, enviando novos militantes para fazer cursos no exterior, longe da
influência dos aventureiros, etc. Os reformistas sabiam que se houvesse o 6º Congresso, eles
perderiam. Procuravam, portanto, bloqueá-lo, até “criar as condições necessárias” para fabricar
uma vitória.
As posições polítcas já naquela época eram bastante complexas. Não estarei falsifcando
muito se as descrever como segue. As correntes de opinião expressavam as posições mais à
esquerda. Havia, de fato, três estratégias nas correntes.

1) Guerra de Longo Prazo


Um setor das correntes acreditava que as formas pacífcas de luta e tátcas de
enfrentamento deviam ser usadas contra a ditadura, mas que não eram sufcientes para derrotá-la.
Quanto mais se organizassem as lutas populares, mais violenta tornar-se-ia a ditadura. Via a
ditadura como uma forma, uma carapuça rígida, imposta preventvamente às classes dominantes
locais, para desempenhar um papel repressivo e antpopular. Por isso, quanto maior a resistência,
maior a violência. Havia um lado externo na ditadura que representava o imperialismo norte-
americano. Por isso, a luta seria encarniçada, assemelhando-se ao que já se vinha dando no

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Vietnã, na América Central, no gorilismo argentno, etc. Para essa corrente de opinião, era
necessário construir um partdo menor, flexível, ágil, capaz de manobrar uma frente de libertação,
que representasse os interesses nacionais, com um programa unitário, do tpo nacional e
democrátco. Acreditava também que nesta frente predominariam estudantes, operários e
camponeses sem-terra, defnindo-se daí a natureza do poder que seria conquistado: uma variante
qualquer de poder socialista operário, sob a forma nacional.

2) Luta Prolongada
Outro setor das correntes acreditava que a luta contra a ditadura seria demorada e
sangrenta, com altos e baixos, sem contudo assumir um caráter predominante de estratégia
guerrilheira, ou de luta armada. Para esta corrente, o cenário principal se daria nas cidades,
desempenhando a luta armada nas áreas rurais um papel importante, mas não decisivo. O colapso
da ditadura se daria em algum ponto da combinação de greves generalizadas, choques armados
locais e desobediência civil generalizada. Por este fm, a primeira tarefa era a reconstrução do
partdo e a segunda tarefa a artculação de frentes regionais e nacionais de luta e resistência.

3) Estratégia Guerrilheira
Segundo esta corrente de opinião, a preparação de uma ação guerrilheira de amplo
espectro era o caminho para liquidar a ditadura militar e assegurar uma hegemonia operária num
novo tpo de democracia. Dentro desta visão, a opção tátca pela luta armada servia de divisor de
águas ideológico dentro da esquerda e dentro do partdo.
Aqueles que optassem pela luta armada estariam abandonando qualquer visão
conciliatória com o reformismo. Para criar esta estratégia, era necessário liquidar o aparelho
polítco de tpo partdário e criar em seu lugar um tpo partcular de rede de resistência, as
organizações polítco-militares, germens da propaganda armada. A frente popular na prátca seria
coordenada pelas organizações de combate e suas estratégias de apoio.
Embora haja simplifcação na descrição destas estratégias, ela está sendo feita em boa-fé.
Não tenho qualquer interesse em atribuir defeitos ou qualidades a que opinião fosse. Diria que, de
fato, não havia em 1964 ou 65 uma separação clara nestas estratégias, para todos os militantes.
Mais ainda, havia um certo ecletsmo de opiniões e a maioria das pessoas não percebiam
eventuais discrepâncias entre um e outro modo de pensar. Devido ao padrão estalinista da
formação do PCB, a teoria não era muito sagrada para os militantes. Parece-me que as concepções

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1 e 3 nasceram de dentro de 2, que a princípio era a opinião dominante. A concepção 2 era mais
condizente com o modo estalinista de pensar, vigente no partdo. A estratégia 1 era reveladora de
uma certa influência chinesa e vietnamita. Os companheiros diziam: “temos que organizar as
coisas como no Vietnã” e pouco a pouco foi brotando uma estratégia própria, que diferia da
concepção influenciada pela experiência dos cubanos, da guerrilha no Peru e na Venezuela, etc. Os
textos de Che Guevara e de Regis Debray, etc., serviam de base à ideia de depuração através da
guerrilha, com ideias como a coluna móvel, coluna-mãe e colunas-flhas, etc. Esta estratégia
ganhou força entre os militantes mais novos, ou aqueles que não passaram pelos cursos de
educação tradicional do partdo.
A grande divisão no partdo e na esquerda, portanto, era entre aqueles que achavam
necessária uma estratégia, ou tátcas, de luta armada, de um lado, e aqueles que achavam isso
errado ou desnecessário, do outro. Fora desse divisor de águas, cada campo de opiniões revelava
dentro de si um ecletsmo de propostas que era visto como questões secundárias, para o próprio
campo.
Depois que Carlos Marighella foi solto da prisão, a C.E. enviou-o para São Paulo, onde ele
reforçou a tendência da corrente de opinião que formaria, em 1966, a agrupação comunista de
São Paulo. Câmara Ferreira era um organizador nato, possuindo mesmo uma visão espacial das
organizações necessárias, de acordo com os tpos de palavras-de-ordem, tarefas e formas de luta,
impostas por cada etapa concreta da relação de forças. Sua cabeça dizia-lhe contnuamente:
“faremos primeiro isto, para preparar aquilo”. Montava rapidamente organogramas específcos em
folhas de papel, com resumo das funções, que entregava às pessoas, de acordo com as tarefas que
lhe eram atribuídas. Outras vezes, apenas indicava no papel como as coisas sucederiam. Por estas
característcas, Câmara foi a base da organização da A.L.N., que Marighella estruturou a partr da
agrupação.
Pessoalmente, creio que Marighella e Câmara adotavam a concepção 2 e foram mudando
para a concepção 1. O fato de que eles se encontravam no miolo da luta polítca e ideológica do
partdo exigiu deles a defnição de posições que muitas vezes o militante comum ainda não via
com clareza. Considerando os fatos que mais tarde levaram à fundação A.L.N., diria que Marighella
adotou, por fm, algo ou muito da estratégia 3. Não creio, contudo, que Câmara houvesse feito o
mesmo. Penso que ele aceitou a liderança de Marighella porque achava irrelevante naquele
momento cobrar diferenças de detalhe das estratégias.

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Caberia ainda acrescentar certas diferenças do tpo de militante ligado a cada estratégia. A
estratégia 1 predominava entre os militantes que tnham um certo tempo no partdo, em geral de
cinco a dez anos de partcipação. A estratégia 2 predominava entre os quadros, ou seja, elementos
do aparelho do partdo, que não eram reformistas. E, fnalmente, estratégia 3 expressava as
aspirações dos novos militantes, influenciados pela revolução cubana, pelo Che, etc. A massa do
partdo entre os estudantes, operários recrutados depois de 1963, etc., tendiam geralmente para
esta concepção.
Acredito que os acontecimentos da Venezuela em 1965, com a visita de um grupo de
cubanos no fm daquele ano ao Brasil, foram os fatores que empurraram Marighella e Câmara
Ferreira para o que estou considerando a estratégia 3. Durante 1966, a luta interna passou a ser
um problema de menor importância, para os dirigentes da agrupação, havendo-se iniciado um
esquema de montagem independente de guerrilha. Isso revelava o compromisso com os cubanos,
o que foi reforçado pelo esquema de apoio à guerrilha do Che na Bolívia, e, segundo se dizia, com
a vinda do próprio Che a São Paulo, para reunir com Marighella e Câmara.
Saí do PCB em começos de 66, não havendo pois vivido os detalhes do abandono da luta
interna, e da rápida prevalência, dentro da agrupação, dos companheiros ligados à estratégia 3.
Nas reuniões que ocorreram com a presença de Câmara e Marighella, envolvendo companheiros
da agrupação, de outras correntes ou grupos, esteve sempre evidente a inserção do projeto
brasileiro de resistência contra a ditadura, num contexto latno-americano, no ponto de vista
daqueles dois dirigentes. Pessoalmente nunca concordei com esta visão, nem acreditei que
pudéssemos receber qualquer apoio externo permanente, para combater a ditadura. Era evidente
que algum irmão maior nos queria manipular. Mantve, contudo, boas relações com Marighella e
Câmara. Até minha prisão em 1969, fz para eles muitas tarefas, partcularmente contatos,
esquemas, reuniões, etc.
Na verdade, nunca fui um quadro do partdo, isto é, contrariamente ao que diz a fcha da
DEOPS, nunca fui um revolucionário profssional de qualquer organização. Entretanto, nos cinco
anos e meio que foram do golpe à minha prisão, estve muitas vezes com Câmara e com
Marighella. Isso permitu um dado conhecimento desses companheiros, embora algumas reflexões
sejam posteriores ao período em que convivemos. Nunca tve laços pessoais com Câmara Ferreira.
Nunca fui à sua casa, nem ele foi à minha. Não conheci seus familiares, e ele conhecia minha
companheira à época porque ela era militante. No entanto, sempre o considerei meu amigo,
nutrindo por ele um grande respeito, que os jovens sabem adquirir por aquelas pessoas que os

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encaminham para a decência e a verdade. Diferentemente, houve momentos que tve contatos
muito pessoais com Marighella. Ele sempre conheceu onde eu morava e algumas vezes até
trocamos poesias, com grande fraternidade.
Em muitos momentos solitários relembrei estas experiências de minha vida. Posso dizer
que estes dirigentes nunca me decepcionaram e provaram que um homem comum pode ser
exemplo para os seus, como o herói vivo de Samora Machel. Hoje compreendo que Câmara
Ferreira não era exatamente meu amigo, mas um homem de grande humanismo, capaz de amar o
próximo e, consequentemente, deixar este amor, verdadeiramente desinteressado, transparecer.
Câmara Ferreira pensava o tempo todo no próximo, no seu trabalho polítco, em como
organizar cada tarefa. Em sua generosidade, não havia tempo para ser presa do medo ou
transmitr sentmentos negatvos. Muitas vezes sua fsionomia estava cansada, o stress marcava as
linhas de um envelhecimento precoce, mas suas palavras contnuavam simples e adequadas. Tinha
piadas especiais, quase imperceptveis, e o riso era um esgar franzindo o rosto, que mostrava todos
os dentes. Possuía assim as qualidades do homem do aparelho, quadro leninista sob completo
controle, a serviço da linha justa. As referências que eventualmente fazia de seus defeitos, eram
apresentadas de tal maneira que passavam justamente a impressão contrária. Darei um exemplo.
Certa vez eu e ele fomos interpelados e identfcados pela ronda da RUDI (rondas unifcadas
do departamento de investgações), quando conversávamos, mais de meia-noite, vindos de uma
reunião. Estávamos perto da estação da Luz. Quando os policiais se foram, comentou:
- “Camaradaa Precisamos tomar cuidadoa Quase me apavorei com estaa”
Não revelava, contudo, qualquer preocupação. A frase contradizia seu sorriso, e já voltava
à rotna da conversa. Tratava-se de simples banalização de uma dureza esculpida com carinho,
certamente a vida toda, tormento de um espírito implacável que buscava a perfeição absoluta.
Eram samurais como ele, de camisa esgarçada e colarinho frouxo, que conduziam um
exército de aleijados e estropiados, fazendo destes cruzados cada dia, homens melhores. A
homens como ele devemos o restabelecimento da democracia. E isto só demonstra que não foi
derrotado, mas vitorioso.
Esta é, pois, a terceira temporalidade, em que se encontram as histórias de vida dos
militantes. À época, ainda era muito citada a frase de Estálin em que a “psicologia do quadro do
partdo era a ideologia da classe trabalhadora”, isto é, o marxismo-leninismo. Assim, os bons
quadros do partdo buscavam eliminar qualquer manifestação subjetva em sua atuação,
pautando-a pelos princípios de uma análise polítca revolucionária. Câmara era nitdamente

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defensor deste monolitsmo interior, desse comportamento ao mesmo tempo econômico e
autodisciplinar. Era desse tpo de pessoa que nos dão a impressão de que seu pente e sua gilete
durarão para sempre. De hábitos exíguos, tomava com ordem sua sopa, enquanto conversávamos.
Depois faxinava o prato com um pedacinho de pão. Deixava-o limpo. Era, assim, sistemátco. No
tacho de um debate, raspava-o todo, ruminando durante dias detalhes muito pequenos, aos quais
voltava sempre.
O centro tátco do trabalho de reorganização do partdo no ano de 64 era criar as condições
que assegurassem as eleições de 65. Castelo Branco e seu grupo enganaram o ex-presidente
JK,através de Alkmin. JK apoiara a eleição de Castelo pelo Congresso como presidente, para
completar o mandato de Goulart. No entanto, assim que se viu eleito, Castelo e seu grupo alijaram
os polítcos que lhes podiam fazer sombra, com a lista de cassações. JK, ainda que atrasado, caíra
no 1º de abril. A posição do partdo era manter suas organizações tanto quanto possível atvas, na
luta pela garanta da eleição de 65. Julgava-se que uma vitória de governadores civis, menos
ligados aos militares, podia criar condições favoráveis à eleição de um civil como sucessor de
Castelo Branco.
Esta manobra era muito difcil de ser implementada, pelas seguintes razões: (a) o grupo no
poder era totalmente maquiavélico, e não tnha qualquer interesse nas insttuições democrátcas,
muito pelo contrárioo (b) para impedir o jogo polítco, os militares mantnham o clima repressivo,
com ondas sucessivas de prisões, torturas, assassinatos, etc.o (c) grande parte dos dirigentes
burgueses da oposição faziam jogo duplo, na defesa dos seus interesses pessoais, etc.
Nos meses subsequentes ao golpe, verifcou-se grande instabilidade na militância
partdária, que refleta a quebra moral, em função das circunstâncias do golpe de 64 (sem
resistência, etc.). Apesar de tudo, a tátca do PCB terminou por triunfar e as eleições de 65 não
ocorreram conforme os planos de Castelo e de seu grupo, a Sorbonne. Contudo, os militares não
recuaram ou negociaram. Fecharam os partdos polítcos, insttuíram um sistema bi-partdarista,
etc., transformando o regime em simples ditadura militar insttucionalizada. Conquanto a base
social do regime se estreitasse, os militares deixavam claro que só poderiam ser apeados do poder
pela força, através de ações de grande envergadura.
Como consequência, desapareceu pratcamente a artculação antgolpista, sendo 66 o ano
do adesionismo maciço da burguesia à ditadura. Isso também reforçou a artculação do grupo de
Costa e Silva, os chamados tropeiros (ofciais que passam toda a vida com a tropa). Os tropeiros

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aliaram-se à FIESP e deram, por sua vez, o seu golpe, retrando Castelo e impondo Costa e Silva
como presidente.
A manobra do PCB esvaziou-se com a cassação de Lacerda, a repressão à Frente Ampla e a
intensifcação das prisões. O clima era irrespirável. Os militantes mais aguerridos queriam ripostar
às tropelias da ditadura. A massa da burguesia arruinada pela polítca econômica suicida, resolveu
aderir à conspiração dentro do regime, pondo por terra o sonho de uma mudança orientada para o
restabelecimento das liberdades democrátcas.
Com a debandada da burguesia, fcava em cena para se opor à ditadura apenas o arremedo
de aliança operário-camponesa, que então se estruturava. Câmara Ferreira e outros líderes do
campo popular compreenderam imediatamente o duplo caráter da situação. De um lado, havia um
vazio polítco, que podia ser ocupado a nível nacional, por formas da aliança operário-camponesa,
com, por exemplo, uma frente de organizações de luta armada. Esta frente foi pensada e chegou a
ser estruturada, em detalhes, no papel : “Aliança Libertadora Nacional”, no entendimento de
Câmara, Barros e Marighella, por exemplo.
Por outro lado, a “impossibilidade tátca de produzir a ruptura”, como dizia Marighella, ao
nível do poder e da representação, burguesas, colocava as tarefas prátcas de estruturação da
aliança operário-camponesa e da escolha de suas formas-de-luta, sob tremenda pressão. Os
estudantes e os trabalhadores deveriam contnuar se organizando sob feroz repressão, o que
criava partculares difculdades. Daí ganhara grande importância a propaganda armada, com a
assunção da tarefa de criar um poder polítco paralelo à ditadura.
Câmara gostava de comentar que a burguesia local era tão ordinária que não se prestava
nem mesmo a dar origem a um governo no exílio, tão em moda na América Latna: Câmara
brincava:
- “Se eles tvessem formado tal governo, pelo menos podia se tomar o poder para elesa”
Fazia parte de sua polítca de descontração. Sabia que os fatos difcultavam
tremendamente as jornadas que se aproximavam. A irresponsabilidade social, o caráter
invertebrado das elites brasileiras, tem inviabilizado os melhores esforços dos melhores líderes,
para corresponderem às aspirações deste numeroso povo brasileiro. Parece que fomos concebidos
como o traseiro do mundo.
De qualquer forma, o caráter específco das difculdades da organização operário-
camponesa impunham instrumento organizatvo próprio, a organização de combate, que foi
concebida como a “Ação Libertadora Nacional”. Por quê Ação? Porque, julgavam, sem ação

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revolucionária não haveria mudança de qualquer espécie, subjetva ou objetva. Por que
libertadora nacional? Porque, julgavam, a organização própria era o garante dos objetvos da
frente armada, que se artculava contra a ditadura. E o caráter do programa era libertador
nacional, ou seja: 1- liberdade total de representação ou associação polítcao 2- revolução agrária,
ou seja, a “terra para quem a trabalha”o 3- estabelecimento de um poder nacional. Qual seja, um
tpo de poder assegurador que os diferentes governos seguissem um regime capaz de priorizar os
interesses nacionais brasileiros. Estes eram os três pontos a implementar, com a derrota da
ditadura.
Depois da anista, ouvi várias vezes a crítca acerca da incapacidade dos velhos militantes
para a vida clandestna. Essa crítca atngia frequentemente Câmara Ferreira e Marighella. Há uma
pitada de verdade nelas. A luta revolucionária é, como toda ação humana, um jogo, que não
depende exclusivamente de apenas um jogador. A repressão, na democracia burguesa, deve ser
feita dentro de certas regras democrátcas, entre as quais se encontram: “(a) só se combate o que
combateo só se combate aquilo que se combateo (b) o inimigo é mais inteligente do que nós,
devemos ser mais inteligentes do que o inimigoo (c) respeitar o próximo é respeitar a si mesmoo (d)
não se usa um canhão contra uma moscao (e) oferecer e pedir quartel”, etc. Tais preceitos,
redigidos em muitas variantes, manifestavam um equilíbrio de forças no jogo democrátco e foram
violados pela direita, após o golpe de 64.
O primeiro preceito indica o predomínio da razão, do objetvo na luta. A democracia
burguesa baseia-se na liberdade individual. Pedro não pode ser acusado pelos atos de João. Como
justça é apenas vingança de classe, não se pode vingar os atos de outro homem no homem
errado. Não existem crimes coletvos. O tribunal aliado que atuou em Nuremberg não mandou
executar “1% do povo alemão”, ou “5% do corpo de ofciais alemães”, etc. Eles arrolaram crimes
contra a humanidade, efetuados sob a responsabilidade de determinados chefes, indivíduos
supostamente responsáveis, portanto. Caso contrário, hever-se-iam degradado ao nível dos
nazistas.
Ora, a repressão pós-64 no Brasil atngiu famílias, mulheres, velhos, crianças, etc. O
estupro, o roubo, a falsifcaçãoo a tortura e a incriminação de terceiroso foram prátcas quotdianas
da ditadura. Agora vemos os polítcos que assinaram o decreto da pena de morte ou foram,
chorando, ao enterro do delegado Fleury, declararem-se democratas…
O segundo preceito também caracteriza a razão burguesa. A luta é um jogo de inteligência.
Os gravatas-de-couro da ditadura, no entanto, limitaram-se a torturar, violentar, matar, aplicando

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sem julgamento penas superiores aos crimes cometdos. Não raro, eliminaram inocentes, no
suposto de possíveis futuros crimes. Estes indivíduos substtuíram a inteligência policial pela
violência, pura e simples. O resultado é a qualidade da polícia hoje existente, totalmente
desprezada por todos os setores sociais.
Torna-se desnecessário comentar o terceiro preceito. Prevaleceu a lógica dos estupradores.
A violência desnecessária criou uma geração de apolítcos, que preparou o mundo que se
aproxima. Atualmente propõe o pateta sobrevivente a extnção das forças armadas, para reduzir
custos.
Alegam que havia uma guerra. Tal não é verdade. Como expressão de sua corrupção moral
extrema, desencadearam uma guerra preventva, unilateral, assessorados por psicopatas como
daniellos e mitriones.
O efeito mais devastador foi o da incriminação coletva da esquerda. Como num reino
tártaro, o simples porte da carteira de estudante era uma passagem para torturas e humilhações.
As propriedades e bens dos prisioneiros desapareceram para sempre. Casas, sítos, automóveis,
lustres e até roupas, tornaram o caminho do “socorro de guerra nazista”…
É evidente que nem o PCB havia se acomodado em controlar administratvamente os
elementos infltrados sob o comando do general (famigerado chefe oculto da polícia federal). Não
podia esperar, portanto, o assassinato em massa de seus dirigentes.
À medida que a repressão ia violando todas as regras do jogo democrátco (1961-1968),
fcava evidente o assalto ao poder por um núcleo fascista, sobrevivente da redemocratzação da
segunda guerra mundial. Isso levava ao aparecimento de opiniões distntas, dentro da esquerda:
(a) era possível barrar este núcleo fascista com a luta pacífcao(b) tal não seria possível.
Câmara Ferreira, Marighella e outros dirigentes tveram, no dia a dia, que optar entre se
omitrem ou tentarem organizar a oposição. Na sua luta para reorganizar a oposição, procuraram
se afastar sempre do caminho mais fácil, que o núcleo fascista havia escolhido: o banho de sangue.
Nesse sentdo, eles afrmavam uma profunda convicção democrátca de parte da sociedade
brasileira. Procuravam sempre instruir os seus militantes nas regras do humanismo, no cuidado
com a vida alheia, na importância de manter a perspectva polítca, ainda que nas piores
condições.
O delegado Fleury ria na cara dos militantes aprisionados, repetndo o refrão:
-”Cada um escolhe o papel que quiser. Pena que vocês sejam romântcosa”

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Era uma proposta de Brasil sem dúvida alguma. Este Brasil que aí está foi, portanto, uma
reinvenção do fascismo de 64. Não se pode colher senão aquilo que se semeou. Semearam
barbárie, estão agora a colher barbárie. A escala zoológica será percorrida para baixo até o últmo
ponto. Felizmente para as esquerdas, não se pode atribuir aos seus chefes ou aos seus militantes a
opção que outros grupos fzeram.
Violadas as regras do jogo democrátco, encontrar e liquidar um dirigente da oposição,
tornava-se mera questão de tempo. Câmara Ferreira, como outros, tnha perfeita consciência
disso. É certo que não desejava morrer, mas também não desejava pagar o preço pela
sobrevivência como indivíduo.
A vida clandestna, portanto, tnha um custo e cada militante é que prescrevia qual era esse
custo. Entre nossas tarefas na luta pela democracia estava obter legalmente passaportes para
pessoas que queriam deixar o país. Fazíamos este trabalho por convicção democrátca, pelo
respeito ao direito de opção daquelas pessoas.
Certa feita, Marighella foi me procurar num endereço do qual havia mudado. Uma vizinha
avisou-me e não foi difcil reconhecer quem era o visitante que dera com a cara na porta. Fui
buscá-lo e comentei que aquela casa andava meio manjada. Por que ele não mandara outra
pessoa até lá? Não devia ter ido. Ele piscou o olho e disse:
-“Que é issoa Se você estvesse preso não ia entregar o seu endereçoa”
Este é o preço da clandestnidade. Se você defende qualquer princípio que é perseguido
pelo poder polítco, você tem que pratcá-lo às escondidas das autoridades. Ao pratcá-lo, você
passa a ter duas vidas, uma legal e outra clandestna. O Brasil é o paraíso da opressão.
Homossexuais, mulheres que traem os maridos, ocultstas, etc., têm que viver uma vida dupla. Não
admira, pois, que durante a ditadura, as pessoas que quisessem manter sua posição de esquerda
ou democrátca, tvessem que entrar nessa vida dupla.
Ninguém escolhe ser clandestno, mas é o seu inimigo, o Estado, que torna você
clandestno. O defeito é dele, não é seu. Hipocrisias à parte, o Estado contemporâneo nada mais é
que o que sempre foi: inimigo e explorador do homem comum. Máquina da burguesia para
oprimir o próximo. E a democracia burguesa? Como chamou a atenção Palmiro Togliat, a
democracia burguesa é um direito e uma propriedade das massas populares, que a criaram com
sua luta e seu sacrifcio. Quem defende a democracia burguesa são os trabalhadores, nunca os
monopolistas e seus agentes.

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Se você quer ter a coragem, o valor, de pertencer à sua tribo, tem de pagar o preço por
isso. O fascistoide não vai deixar você ser você mesmo. Você terá que lutar por isso. A democracia
é, assim, ao mesmo tempo, a prevalência formal, ainda que enganosa, da vontade da maioria, e o
direito da minoria de subsistr como diferença. Quando se nega o direito ao próximo de ser ele
próprio, sente-se o arroto do fascismo.
As pessoas que já viveram fora do Brasil sabem o quanto as autoridades brasileiras são
ruins, autoritárias e energúmenas. Pode-se daí imaginar o que era o ambiente da ditadura, onde
tais energúmenos eram dirigidos e potencializados por um punhado de fascistas. Era um ambiente
irrespirável. O poder público cometa uma enxurrada de erros, um atrás do outro, diariamente. Em
sua condição de mentecaptos, os dirigentes do país não atnavam o que faziam, e urravam tais
estupidezes todo o tempo, na mídia, como se tratassem de grandes acertos. A paranoia daquelas
elites de imbecis envenenava o ar, os espíritos. O Brasil descera literalmente aos infernos.
Creio que a média do Q.I. das pessoas que dirigiram a ditadura não devia passar de uns
cinquenta pontos. Jamais em minha vida presenciei um espetáculo tão deprimente. Deve ter
havido uma conjunção cósmica especial, para associar tal grupo de asnos…
Jung nos ensina que há certos estados do Eu, do Si-mesmo, que não podem ser analisados,
sem lançarmos mão da categoria do absolutamente mau. É o caso do fascismo. É o caso da
ditadura. Era a jactância mais empoada, mais brutal, mais incompetente, mais infernal. Havia
transformado o país num imenso programa de televisão. Era de uma estupidez obscena, capaz de
suplantar o show da Xuxa. Certas pessoas simplesmente, diante daquilo, sofriam um colapso
mental, obtnham um passaporte, escapavam por qualquer fronteira.
Exigia um esforço sobre-humano convencer as pessoas que era possível manter viva a
razão. O delírio da besta tende a reproduzir bestas por todas as partes. Era, portanto, de um custo
muito elevado questonar as burrices do poder, discordar da letra impressa. Ser um militante de
esquerda implicava, assim, expor-se a um crime coletvo, punido com a pena de morte pela
ditadura.
Câmara viveu, como todo militante, aquele espetáculo horroroso. Procurava emprestar um
fundamento racional a muitos daqueles atos, talvez por não admitr o grau de degradação a que
havia chegado o poder polítco no país. Em sua condição de dirigente, esforçava-se por analisar o
ocorrido, lutava para encontrar uma saída polítca. Durante muito tempo cifrou suas esperanças na
reorganização estudantl e sindical. Discuta de igual para igual com os estudantes e os jovens
operários, sem procurar trar vantagem de sua posição, ou sem recorrer a medidas administratvas.

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Às vezes, era possível perceber-lhe certos traços de impaciência. Sabia que o trabalho de
organização avançava devagar. Viver do modo mais comum possível era sua defesa. Um custo que
se decidiu a pagar. O custo derivado da seriedade do seu trabalho clandestno.
Consequentemente, o dirigente, ao dar o melhor exemplo, só podia esperar de cada
militante um igual desempenho. Não era de se esperar que um militante preso desse seu
endereço verdadeiro, etc. Contudo, preservar sua vida clandestna, nas condições materiais da
época, consista, no caso de prisão, em confrmar com clareza que a repressão apanhara alguém de
vida dupla. Ao dar o endereço errado, por exemplo, a repressão logo descobriria que era um
endereço errado. Por que um endereço errado? O que havia no endereço certo?, etc. Portanto,
não havia outra saída para o militante, que não fosse defender seus companheiros, com o silêncio
ou a tentatva de despistamento. Mas esse silêncio e esse despistamento levavam a repressão a
buscar naquele prisioneiro o fo da meada. Dentro da flosofa importada de extermínio ao preso
polítco, isso era o mesmo que assinar a sentença de morte. Certamente, a maioria das pessoas
não estava preparada para isso.
Daí não se pode concluir, fato evidente, que aqueles que estavam preparados estvessem
errados. Se Câmara, Marighella e outros não entregaram seus companheiros e tveram que ser
assassinados, não signifca que estvessem errados. Eles revelaram sua consequência até o últmo
instante. A perspectva do fm nunca foi sufciente para que abandonassem a trincheira da
civilização. Eles lutavam contra um gigante doente, com o ventre putrefato e exposto. Jamais
traram ou quiseram trar vantagem disso.
Sabiam onde estavam seus inimigos e bastava-lhes mover um dedo (célebre frase de Estálin
para um delegado de polícia). Jamais o fzeram. Isso revela sua perspectva civilizada e mostra a
inadequação de apodar-se a tais dirigentes e seus seguidores com a palavra terrorista.
Passados longos anos dos fatos, conduz-nos a observação fria a concluir que os velhos
militantes estavam, talvez, preparados para a clandestnidade. Somente que a clandestnidade não
é uma coisa boa. A violência em excesso, desencadeada pela repressão, só poderia ser detda por
uma violência, ao menos, similar. No entanto, aqueles dirigentes optaram por manter as regras
civilizadas na luta polítca, embora estvessem preparando uma resistência à mão armada.
Che Guevara havia já apontado a complacência com o inimigo como uma das causas das
derrotas dos revolucionários na América Latna. Por fm, ele próprio, revelando-se um bom latno-
americano, foi vítma de uma forte dose de complacência. Câmara Ferreira, Marighella, Juarez de
Brito e outros, apesar de sua enorme capacidade de luta, revelaram-se igualmente, elementos

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civilizados, oferecendo as regras de um combate cristão. Deram quartel, mas não receberam.
Talvez porque enfrentassem não os heróis do Paraguai, mas alguns cavaleiros do segundo
antcristo, Martnho Lutero.
Durante a ditadura foram abandonadas muitas tradições católicas brasileiras. Isso, à
primeira vista, pode causar estranheza, porque uma das forças que deram o golpe de 64 foi a Igreja
Católica.
No intervalo de uma reunião com Câmara, Marighella, Mário Alves e outros, Durval Miguel,
que era um verdadeiro sábio budista, contou uma de suas histórias. Certa vez, um sujeito passava
por um bosque em que se travava uma batalha. Escondeu-se e espreitou. Havia um baú, deixado
ao lado pelos homens que combatam. Com grande esforço, roubou o baú e fugiu. Descobriu no
baú, todo tpo de joiaso coroas cravejadas, colares e pulseiras riquíssimos, centenas de anéis de
ouro, etc. No fundo, havia um livrinho, que dizia “como multplicar e preservar este tesouro”.
O tpo não ttubeou. Guardou o baú e, de vez em quando, retrava uma joia daquela,
transformando-a em outros patrimônios. Mas não leu o livrinho. Tornou-se assim um homem rico.
Certa vez, para casar um flho, foi vender uma joia do baú. O ourives, no entanto, recusou-a. Não
era ouro, era pirita. Quanto às pedras, eram falsas, reles imitação. O homem passou pelo exame
todo o seu tesouro. Era tudo lixo. Ficou desesperado. No fundo da caixa, divisou um livrinho. Por
que havia deixado de lê-lo?
Moral da história: “conhece as regras do tesouro que não te confam”. Houve alegres
comentários sobre a anedota. Marighella torceu-a e retorceu-a com as suas piadas. Câmara
Ferreira, no entanto, fcou bastante sério. Recostou-se com força na cadeira e comentou:
- “Camarada Abíaso para que contar uma estória tão desagradável?”
Câmara Ferreira era assim. Não podia deixar de perceber o sentdo oculto de cada coisa, de
perceber-lhe os aspectos sombrios. Sua cabeça fcava remoendo os problemas, aquela historinha
certamente trouxe-lhe muito trabalho mental. Achou a anedota desagradável, porque ela iria por
muitos dias, incomodá-lo. Infelizmente, naquela época, quase tudo era desagradável. Havia em
que pensar o tempo todo, num ambiente de grande stress.
Câmara também estava consciente de que o leninismo era um grande tesouro. Contudo,
ele não nos fora confado. Conhecíamos-lhe o valor, roubamos dele um pouco aqui e ali. Não
possuíamos, no entanto, a chave do cofre. Não nos foi dado ler o livrinho. Até quando poderíamos
contnuar lançando mão daquele tesouro, para enriquecer o patrimônio dos trabalhadores
brasileiros? Não por muito tempo, pois seguíamos rindo dos autores do livrinho. Como é que eles

24
ousavam propor regras para preservar e ampliar o tesouro, e, por fm, haviam-se deixado roubar?
Não éramos, mesmo, os mais espertos de todos? Isso é que era desagradável.
Muitas vezes quando se aplica uma pancada em algo, há uma defasagem entre a pancada e
o seu efeito fsico esperado. Uma parede não cai na hora do golpe, mas um pouco depois. Assim
ocorreu com o PCB, com a pancada de 64. O impacto foi uma profunda desmoralização pública dos
dirigentes. Foi o fm de Prestes e muitos dos seus seguidores. O partdo perdeu 25% dos seus
membros durante o ano de 64. Mas, como no caso da bomba atômica, o deslocamento radioatvo
foi pior do que a explosão. Quando parecia que a coisa ia estabilizar, veio o impacto retardado,
com seu efeito devastador. No período de um ano aproximadamente, entre março de 66 a abril de
67 (época da conferência estadual ganha por Marighella em São Paulo), cerca de quinze mil
pessoas saíram do glorioso, em todo o país. Era quase metade do que restava, segundo nossas
contas. A direção reformista não ligava para isso. De fato, eles sabiam que aqueles que se
afastavam eram descontentes e só poderiam ser neutralizados num futuro remoto, se o partdo
recuperasse então seu prestgio social.
No entanto, para aqueles que militavam no rés-do-chão, o estrago fora ainda maior. O
partdo existente nos começos de 1967 já era outro fsicamente, porque havia recrutado nos
últmos dois anos (65-66) uns oito ou sete mil elementos. Descontados estes do efetvo existente, o
partdo de abril de 67 tnha um quarto do plantel de abril de 64. Havia perdido três em cada quatro
membrosa O raciocínio feito pelos dirigentes à esquerda era somente uns 30% (cerca de três ou
quatro mil) militantes eram efetvamente do Prestes. Ou seja, a esquerda estava construindo um
partdo e um movimento para a direita comandar, porque tnha o ônus de ler nos cânones da
famigerada linha soviétca. Estavam trabalhando pra os reformistasa
Junte-se a isso o impacto externo da propaganda cubana, com sua estratégia de revolução
contnental e ter-se-á o ambiente de pressão, o caldo-de-cultura em que a esquerda estava imersa,
naquela época. Como disse Marighella em fns de 66, “havia mais comunistas fora do que dentro
(do partdo)”. A maioria dos ex-militantes não compreendia a inércia, no momento do golpe de 64o
não compreendiam a inércia pós-golpe de 64. Eles se sentam desapontados, enganados, traídos.
Câmara Ferreira opinava que era preciso fazer qualquer coisa, para agrupar e aglutnar esta massa
de insatsfeitos, porque eles estariam se organizando para os acontecimentos que se aproximavam.
Para ele, a tribuna de debates do 6º Congresso era uma oportunidade, uma janela para se
contnuar no trabalho da mobilização. Como os fatos se precipitassem, rapidamente, a partr de
março de 67, a proposta de preparar a luta armada com três escalões de profundidade

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organizatva nunca foi sistematcamente posta em prátca. A tátca de Câmara consista em
organizar um grupo de pessoas, fxar seu plano de ação e tarefas e, em seguida desligá-lo da vida
polítca do partdo. Ele estava montando uma organização paralela, para ir buscá-la quando
necessário. Câmara era, nesse sentdo, um bolchevique de grande argúcia. Lenine costumava dizer
que “apanha-se o organizador, mas não seu trabalho (organizado)”.
Tinha, de fato, acumulado uma grande experiência na vida polítca do partdo. Em 66,
época da ruptura, estava, havia 33 anos, no partdo. Desde 37 havia passado por numerosos
postos de direção, com atvidade em boas e más fases do glorioso. Talvez por isso não carregava
sentmentos de culpa pelo esfacelamento do núcleo dirigente. Encarava isso com tranquilidade,
quase indiferença, mesmo. Era evidente para si que da crise emergiria um partdo muito melhor,
formado por uma safra de quadros novos, mas de têmpera.
Cabe dizer que eu era já à época pessimista quanto ao desfecho da crise permanente. Não
tnha a menor dúvida de que seríamos derrotados. Tinha uma lista de motvos para chegar a esta
conclusão e expunha-lhe, de quando em quando, meus pontos de vista. Infelizmente, acertei não
só no diagnóstco como no prognóstco de toda aquela situação. Eram favas contadas. Preferia, é
evidente, haver-me enganado. Qual não foi minha surpresa, contudo, quando, pela primeira vez,
ao expor-lhe meu ponto de vista, que seria tachado certamente de derrotsta, escutar-lhe um
comentário mais ou menos assim: “O que aconteceria com a humanidade se todas as pessoas que
enxergassem um pouco melhor que as outras saíssem gritando em plena rua?” “Como se deve
proceder, quando se descobre que uma catástrofe se aproxima?” “Entrar em pânico?”
Câmara não tnha dúvidas de que estávamos indo para o buraco. Achava que a derrota de
64 fora esmagadora e que não se viam saídas à frente. Sabia que os fascistas procuravam um
pretexto para massacrar a esquerda e que encontrariam este pretexto. Achava mesmo que o
melhor momento para tentar-se mudar a situação, o famoso ponto de viragem leninista, já havia
passado. No entanto, para ele, devíamos atravessar a zona de penumbra com a maior dignidade
possível, preparando a futura geração de quadros, que pudesse escapar ao nosso destno. Como
gostavam de dizer os resistentes franceses, não se pode viver para sempreo a vida não é uma
companhia de seguros.
Marinheiros não podem abandonar o barco e fugir como o primeiro rato, atrando-se à
água. A luta, a persistência eram os melhores instrumentos para garantr um futuro mais parecido
com aquilo que se desejava. “Nós pensávamos que íamos derrubar a ditadura de Getúlio. Nós não

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derrubamos, mas contribuímos para a sua queda”. Este raciocínio revelava, ao mesmo tempo, a
simplicidade e o entusiasmo com que Câmara encarava esta tarefa especial, a vida.

4 – Um Estilo de Trabalho

O partdo operário é concebido pelos leninistas como uma organização revolucionária.


Após o golpe de 64, os militantes da Corrente (ou, se preferir, no plural) foram, cada vez utlizando
menos o termo partdo como sinônimo de organização revolucionária. Em fns de 65,
pratcamente, a palavra organização começou a ser usada para designar o aparato das redes
revolucionárias em formação. Daí que em 67 tnham-se as expressões “o.” de “organização” e “p”.
de “partdo”, para refletr a autonomia entre o novo e o velho, como estruturas organizatvas. Não
havia mais caminho de volta. Era-se da “o.” ou do “p.” e tudo estava entendido.
Na linguagem leninista “estlo de trabalho” signifca o conjunto dos métodos de direção e
de métodos de trabalho. “Métodos de direção” são aqueles aplicados na organização e construção
do partdo. “Métodos de trabalho” são aqueles aplicados pelo partdo para a educação,
organização e condução polítca das massas. Para o leninismo, a compreensão da sociedade e de
sua dinâmica de classes é uma tarefa cientfca, tratada pelas ciências da polítca e da organização.
No entanto, como aplicar o resultado destas análises cientfcas em cada conjuntura concreta é
uma arte, ou as artes da polítca e da organização, revolucionárias.
Segundo esta concepção, sendo uma arte, diferentes indivíduos ou grupos de dirigentes
aplicam diferentemente as mesmas sínteses conclusivas, ou linhas polítcas. À maneira de dirigir
própria de cada direção ou dirigente chama-se, portanto, estlo de trabalho. É evidente que o
desejo da direção do partdo era a maior homogeneidade possível no estlo do trabalho. Uma
direção procurava se reproduzir por assemelhados em todos os níveis de direção do partdo. Era a
maneira de buscar o mito estalinista da psicologia social igual à ideologia proletária. Isto também
expressava as necessidades de sobrevivência de um organismo vivo.
Pode-se, portanto, a partr destas ilações básicas, fazer algumas considerações sobre o
estlo de trabalho de Câmara Ferreira. No processo de montagem de uma nova organização
revolucionária, Câmara certamente pôde apresentar traços pessoais em seu estlo de trabalho, que
ainda não haviam sido revelados antes.
Nas relações com os militantes dentro do trabalho de organização, Câmara costumava ser
franco e leal com seus companheiros. Não gostava de fazer joguinhos, bancar a esfnge, atuar de

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modo dúplice, etc. Tinha grande capacidade de ouvir e julgo que entendia realmente as questões e
os diferentes pontos de vista. Não simulava ouvir, realmente ouvia. Podia guardar as característcas
e os motvos de cada um, respeitando as idiossincrasias, fundadas ou não. Atendia assim aos
apelos e desafeições partculares. Conseguia reter tais característcas, apesar de lidar com
centenas de pessoas diferentes. Quando você violava uma de suas regras, ele a lembrava, e
perguntava se já não seguiria em curso. Não o fazia por sarcasmo, mas para armazenar a possível
mudança de orientação.
Tinha a virtude do confdente, uma das artes mais difceis na vida coletva. Podia ouvir um
segredo de alguém, sem vendê-lo, trocá-lo ou passá-lo adiante. E o que é melhor: sem usá-lo
publicamente, numa prova de força com aquele companheiro.
Apresentava as autocrítcas sempre no plural. “Falhamos ao...” Não gostava de trar
vantagens das falhas alheias, revirando ou fuçando os erros do próximo. Não era calmo, mas
procurava mostrar-se sob controle quase absoluto. Não se referia a terceiros com grosserias, pelo
menos diante dos escalões subalternos. Não usava expressões como moleque, crioulo doido, etc.,
tão em voga nas insttuições de brancos à época e que manifestavam o racismo oculto.
Deste modo, a maioria dos companheiros gostava de trabalhar com ele, ou de ter nele o
seu assistente, ou seja, o responsável orgânico de suas atvidades. Evitava pegar no pé de seus
subordinados. Quando lhes dava uma tarefa não fcava-lhes vigiando, nem colocava sabujos nos
seus calcanhares. Se ele vigiava os seus subordinados, sabia fazê-lo com discrição. Tendo, portanto,
caráter, só cobrava o resultado das ordens dadas, não se interessando em patrulhas quanto a
procedimentos.
Ao distribuir as tarefas, procurava levar em consideração as opções e limitações de cada
um. Mais de uma vez comentou comigo que faltavam pessoas com os traços necessários para
certas tarefas difceis, como levantamento de informações, etc.
Um problema muito comum naquela época trágica era o sobe-e-desce das emoções. Um
companheiro aceitava determinado tpo de tarefa e, meses depois, o iô-iô baixava, deixando-o na
pior, com a cara e as mãos amarelas. Usava-se a expressão do Guevara, “cara de cerco”. A paranoia
começava a apertar e o cara se julgava seguido, perseguido, pré-sangrado e pós-cozido. Era então
necessário remanejá-lo para outra tarefa, ou dar-lhe passe livre, buscando-se outro para substtuí-
lo. Outros se defendiam falando como papagaios, em “cada árvore que pousavam”. Era necessário
despistá-los o tempo todo. Câmara tnha para esses casos uma paciência infnita. Conduzia o
problema com calma, sem entrar em pânico.

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Costumava ele andar por toda parte, sem se preservar de modo especial. Não se fazia
escoltar, e comparecia ele próprio aos pontos que devia cobrir.
Com as pessoas em que confava, mantnha os mesmos pontos-de-encontro anos a fo. Só o
Marighella conseguia ser mais temerário, nesse aspecto, do que o Câmara. Doutrinava o tempo
todo que “ninguém é insubsttuível” e que “esteja preparado para tocar o barco”.
Certa feita, na prisão, um companheiro me contou que abrira um ponto com o Velho (um
dos apelidos de Câmara). Afnal, ele já estava preso havia uns dez dias e não podia esperar que o
outro não soubesse. Disse-me que fcou no ponto de ônibus, na chuva, cercado pelos ômi e vendo
o Câmara passar na calçada fronteira, conversando com uma velhinha e vasculhando disfarçado o
focinho dos tras. O aprisionado prendeu a respiração. E lá se foi o Velho, numa única passagem,
não voltou mais, seu computador já havia manjado que a situação estava podre… No lugar do
clássico paletó, trajara um pulôver e um guarda-chuva.
Um dos problemas árduos do trabalho clandestno e semi-clandestno é a redução da
atvidade do militante, ou seja, a contnuidade das tarefas do mesmo. Como se sabe, o partdo
leninista combina três sistemas de organização: (a) o sistema de comitêo( b) o sistema hierárquicoo
e (c) o sistema funcional. Todo militante é membro de uma assembleia decisóriao tem uma posição
na hierarquiao possui uma tarefa ou função. O entrejogo destas três estruturas cria o círculo de
proteção, formação, apoio e controle social militante. No entanto, nas condições fortemente
repressivas, as estruturas de comitê são reduzidas a um tamanho mínimo. O movimento social
decisório, centro da vida revolucionária, deixa de corresponder a um grande coletvo, a um debate
múltplo, e vai-se reduzir a um pequeno coletvo, necessário à sobrevivência. O militante vai
conviver no máximo com duas ou cinco outras pessoas. Embora o nível de partcipação
democrátca seja o mesmo, o grau de partcipação e troca de experiências é muito menor. O papel
do coletvo parece diminuir, e o papel dos indivíduos parece aumentar. Daí que, não raro, na
cabeça do militante comecem a entrar caraminholas. Estará ele sendo excluído? A organização
existe realmente? Esta tarefa ainda é necessária? Etc. Ocorre neste momento, quase sempre,
solução de contnuidade no trabalho.
Faz parte dos métodos de direção adequados que o dirigente seja capaz de prever e se
antecipar a tais crises de contnuidade, remanejando tarefas, reorganizando seções, comissões,
etc., para impedir que a rotna trague setores do trabalho. No processo de remanejamento é
necessário cuidado extremo para que elementos vacilantes ou dúbios, entre os quais pode-se

29
eventualmente encontrar um infltrado, tenham acesso às estruturas mais cruciais que o nível
anterior de sua partcipação.
Eram, portanto, tais critérios leninistas que vigoravam naquele sistema de organização, ou
seja, a O… O método com que Câmara enfrentava esse tpo de difculdade combinava a análise
psicológica e ideológica dos militantes com a experiência conhecida da história do movimento
operário. Nesse sentdo, Câmara procurava conhecer as circunstâncias de cada militante,
combinando um levantamento verbal de antecedentes do mesmo com sua observação psicológica
pessoal.
A rapidez com que os fatos se passaram no período 64-70 impediu uma consolidação da
mudança organizatva no movimento revolucionário. O predomínio da mentalidade e das
concepções humanistas entre os dirigentes revolucionários bloqueava de fato, a priori, a
possibilidade de sucesso daquela transição. Embora os dirigentes brasileiros da esquerda
conhecessem a letra do leninismo e houvesse assimilado até algumas lições do mesmo, nunca, na
verdade, compreenderam-lhe o essencial. Isto por si só caracterizava o excesso e a covardia da
repressão que foi desencadeada contra a esquerda, massacre frio, cínico e mais do que anunciado.
O resultado foi que os excessos desnecessários e puramente sádicos dos governantes
desmoralizou-os frente ao povo brasileiro, que demonstrou seguidamente o seu desprezo polítco
aos senhores do poder.
Repudiados em toda parte do mundo civilizado, viram-se obrigados a passar para o
segundo plano, de onde seguiram manejando os cordéis. No entanto, o fato de que os dirigentes
que tentaram implantar a luta armada no Brasil não hajam possuído a ideologia necessária para
isso, não depõe contra eles. Muito ao contrário, confrma a sinceridade com que defenderam, até
64, a transformação da ordem democrátca e as reformas da sociedade. Da mesma maneira
observamos no Chile a sinceridade democrátca da Unidade Popular e a autentcidade do sacrifcio
de seus militantes e do presidente Allende. Desejavam reformas polítcas. Não excluíam eventuais
choques, conflitos, etc. Contudo, em momento algum haviam preconizado ou planejado o
massacre de algum setor social, como a propaganda mentrosa das elites corruptas falsifcaram e
apregoaram.
A esquerda estava, pois, num palco, numa vitrine. Não possuía ainda um sistema
organizatvo que lhe propiciasse desencadear a fase de propaganda armada. Ao empreender este
caminho sem a transformação necessária, forneceu o pretexto para o massacre. Contudo, dito
massacre estava preparado e bem planejado. Um dos aspectos mais tristes da vida latno-

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americana é o desprezo que as elites têm pela condição humana daqueles que exploram.
Contnuam tratando o povo como escravos, e aqueles que se rebelam como quilombolas. Não há
quartel. Depois do golpe do AI-5, o pretexto seria fabricado de qualquer maneira. Seria uma cópia
ridícula da invasão da Alemanha pela Polônia em 1939, ou do incêndio do Reichstag.
Mesmo Câmara e Marighella, que eram quadros experimentados e bastante argutos
subestmavam neste aspecto a víbora que era a ditadura militar. Eles acreditavam que havia
naquele meio “alguns patriotas” e criam que a resistência abriria brechas para mudanças polítcas
e negociações.
Refletndo sobre as difculdades encontradas pela organização ALN para sobreviver às
quedas periódicas e ao trabalho de infltração, compreendem-se as defciências ideológicas do
estlo de trabalho de seus dirigentes. Isto, obviamente, não exclui Câmara Ferreira. O PCB e as
organizações dele derivadas, embora houvessem assimilado bastante da doutrina leninista-
estalinista, careciam todos daquilo que se chama espírito bolchevique, na gíria revolucionária. Isto
quer dizer que sua assimilação do leninismo era mais administratva, de formas de trabalho, do
que de mentalidade revolucionária. Consequentemente, não entendiam a verdadeira natureza do
destacamento especial, nem o importante papel do terrorismo e da sabotagem na luta armada, do
ponto de vista de Lênin.
Apesar da propaganda da ditadura e seus aliados classifcarem a atvidade de resistência à
mão armada e preparação guerrilheira de terrorismo, todos sabem que não foi pratcado
terrorismo ou sabotagem na luta contra a ditadura. Os nazistas sempre classifcaram todos aqueles
que lhes resistem como terroristas. É uma tátca para isolar seus adversários. Contudo,
efetvamente, nunca houve terrorismo pratcado pela esquerda no Brasil.
É evidente que pode-se discutr como mérito ou demérito este traço da luta das
organizações antfascistas, que pratcaram a resistência à mão armada. Foi, no entanto, uma
característca dos dirigentes destes grupos adiar ao extremo medidas de sabotagem e de
terrorismo. Não resta dúvida também que isto impediu a “viragem psicológica” e o efeito das
ondas de medo, tão característcos dos verdadeiros cenários revolucionários.
Como disse um dirigente vietcong, em 1971:
“O medo escraviza as massas. Mas um medo maior liberta as massas”.
Ou como declarou Ho Chi Minh:
“De três, deixamos duas tátcas possíveis ao inimigo: na primeira, ele perde, na segunda,
nós vencemos”.

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Para os militantes da esquerda brasileira, mesmo à época, tais pensamentos signifcavam
apenas frases de efeito ou jogo de palavras. Só podia penetrar este discurso que entendesse o
signifcado marxista-leninista de attude moral, um tpo partcular de determinação organizada que
nunca existu na esquerda brasileira. Dentro deste clima moral, o terror governamental foi,
portanto, o verdadeiro bicho-papão. Reinou exclusivo e soberano, assassinando impune, milhares
de pessoas, durante aquele período triste do reino do meio.
Hoje em dia, na preamar da contra-revolução, parece preciosismo comentar tais aspectos.
Desapareceu mesmo a ideia de revolução. Talvez por isso chamar a atenção para tais elementos
possa fcar separado de uma valoração negatva das pessoas envolvidas, o que não viria ao caso.
Durante sua existência, o PCB nunca se preocupou em estudar as implicações entre
estratégia, tátca, formas de luta, e formas de organização. No entanto, esta é a “essência do
leninismo” como ciência e como arte, polítcas. A análise da “relação de forças” é sempre concreta
e oferece sempre uma chave de reconversão no processo de luta de classes. Para os leninistas, o
“plano da relação de forças” pode chegar a detalhes na previsão das mudanças. No PCB, todas
estas questões obedeciam a uma visão empírica. Grabois costumava debochar dizendo que ele
próprio cultvara o achismo, que rotulava como o pensamento de Prestes. Grabois debochava a
expressão muito usada por Prestes “sente-se, camaradas...”. A expressão querida dizer “a gente
acha”, mas Grabois a traduzia zombeteiramente.
“Sentar pra quê? Todo mundo já estava sentado...”
A crise da renúncia de Jânio, em agosto-setembro de 1961, terminou com a adoção do
parlamentarismo e a posse de Goulart. Apesar do resultado, a força do dispositvo golpista nas
forças armadas assustou os dirigentes mais à esquerda do PCB, que começaram a perceber como
inevitável algum tpo de golpe e guerra civil. Grabois, que estava então preparando a fundação do
PC do B, pareceu-me a pessoa mais preocupada com o golpe que se sucederia, e que buscava
instrumentos teóricos capazes de organizar ou galvanizar um núcleo, para planejar a ação da
esquerda na futura guerra civil. Grabois conseguiu uma vintena de livros e informes soviétcos e
chineses sobre todas as formas de luta, que traduzimos e mimeografamos durante 1962. Entre
estes constava um informe célebre do general chinês Chou Dê, “Sobre a Transformação de
Destacamentos Guerrilheiros em Exército Regular na Guerra de Movimento”. Este material acabou
sendo um texto básico entre 62 e 67 para aqueles que criaram o PC do B e as Correntes. O trabalho
de tradução, compilação e distribuição destes materiais esteve a cargo de Amarílio de Vasconcelos,
conhecido jornalista à época.

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Assim, a preparação para um caminho alternatvo à linha pacífca havia, em certa medida,
ocorrido. O golpe fora previsto, e a sua vinculação a uma guerra civil, aberta ou disfarçada,
também fora prospectada. O que faltava, pois, para uma resistência efcaz à ditadura? Segundo
Marighella e Câmara Ferreira, faltava substtuir o “núcleo dirigente” do PCB, de mentalidade
reformista, por elementos de mentalidade revolucionária. Tal percepção, no entanto, consttuía-se
meia verdade. O formalismo dos dirigentes da esquerda, seu humanismo mesmo, os impedia de
aceitar certas verdades da organização leninista, como a polítca de quadros revolucionária, que
expressava o espírito bolchevique. As decisões para formar uma organização de combate com a
paralela eliminação do princípio do núcleo dirigente revelam as difculdades intransponíveis
daquele estlo de trabalho. Não aceitar as consequências leninistas entre o tpo de organização e o
tpo de quadro a ela necessário foi apenas uma das vacilações próprias da ausência do espírito
bolchevique. Câmara Ferreira também cometeu este tpo de erro, para a doutrina leninista. Seu
estlo de trabalho deixou este fato bastante evidente.
Estas ideias “erradas” estavam de acordo com a experiência histórica da República
brasileira, mas ignoravam, de fato, o caráter cosmopolita e antbrasileiro da burguesia existente no
país. A burguesia havia-se transformado nos últmos trinta anos e não se podia atribuir a ela,
depois de 64, qualquer traço cultural brasileiro. Este fator foi um componente importante no
massacre organizado e não era percebido, à época, pelos principais dirigentes da esquerda. É
evidente que não tem nada demais esse caráter cosmopolita da burguesia local. Contudo, deve-se
entender que, nesse caso, ela também não tem ou tnha qualquer solidariedade com os
trabalhadores ou o povo do país. É por isto que é capaz, como numa colônia, de aprovar quaisquer
tpos de métodos repressivos.
Portanto, a meu ver, no estlo de trabalho de Câmara Ferreira havia muitas coisas corretas,
quanto aos métodos de direção. A falha que se pode considerar derivava, contudo, das
característcas de sua formação, na luta contra a ditadura de Getúlio, na redemocratzação de
1946, etc. Não podia conceber em toda a sua extensão a noite de São Bartolomeu que se
preparava. O lado externo da ditadura, que tanto se falava em 64 e 65, ultrapassava a experiência
histórica da esquerda brasileira. E como não havia, da parte das então potências socialistas,
qualquer interesse numa revolução brasileira, a experiência necessária para enfrentar o massacre
não podia ser importada. Isso também comprova a falsidade da tese da exportação de revolução,
tão em voga na mídia da época. Quanto aos quadros da esquerda brasileira, simples reformistas
armados de calibre 38, tampouco podiam-se opor com êxito ao aparato repressivo.

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Esta falha de concepção se refleta tanto nos métodos de direção, quanto nos métodos de
trabalho da organização. Nesse sentdo, a A.L.N. não conseguiu ser diferente de outras
organizações similares. Não chegaram a elaborar os métodos de trabalho necessários a uma nova
ação de massas, porque, a partr do AI-5, iniciou-se uma nova fase repressiva, com a eliminação
fsica preventva dos militantes revolucionários. Ou seja, à máxima leninista de violência igual
como força oposta nunca foi entendida ou pratcada por aquele punhado de lutadores, que deu
suas vidas em defesa da liberdade de nosso povo. Deve-se reconhecer que Câmara Ferreira
também não assimilara este princípio. Tinha a qualidade e o defeito de ser um homem do seu
grupo e da sua época.
Lenine chamou a atenção que difcilmente pode-se decidir o destno de uma classe inteira
ou de uma nação através de uma sucessão de acertos e atos corretos. Apontando que
determinados tpos de experiência não se podem adquirir pela via indireta, frisou a importância
dos avanços e recuos em todos os processos polítcos, inclusive a guerra. Consequentemente,
deve-se estar tanto preparado para avançar, como para se retrar. A retrada, comentava ele, não
é algo que se torne necessário apenas para o inimigo. No entanto, havia em toda a esquerda que
organizava a resistência armada um impasse, quando se colocava na agenda de discussão a
natureza da fase de então da luta contra a ditadurao a relação disso com ações armadaso o ritmo e
a intensidade, necessárias de tais açõeso o nível das baixas nos efetvos e os métodos de sua
reposição. Os números desse planejamento assustavam os dirigentes e eles preferiam adiar o
assunto.
Ao mesmo tempo, não havia qualquer país interessado em apoiar uma mudança radical na
situação brasileira. E sem esta fronteira de apoio, pouco poderia ser feito. As autoridades
governamentais sabiam perfeitamente disso. Eles recebiam periodicamente boas informações de
seus senhores, que lhes garantam a impunidade externa. Preferiam, todavia, gritar outras coisas
na mídia. E o povo em geral, descontente e oprimido, tendia a crer que se aproximava uma certa
conflagração. Criava-se assim o clima psicossocial da guerra total, que serviria de ambiente para o
massacre anunciado.
Passados trinta anos daqueles acontecimentos, os “heróis” que partciparam do massacre,
hoje todos empresários, costumam dizer que havia uma guerra no país, o que justfcaria a
ilegalidade e a sumaridade daqueles atos de extermínio. Então como agora, a única guerra que
existe é a que tais senhores de guerra contnuam a fazer contra a população pobre. No exterior,

34
seus patrões e sócios prosseguem com ar desentendido, como se a natureza do que ocorre fosse
incompreensível.
Seja como for, a liquidação fsica de Câmara Ferreira e de seus camaradas foi o fm da luta
revolucionária organizada no Brasil. Isto depõe a favor dele como um líder autêntco e
revolucionário, e exclui a autentcidade daqueles que a eles se opuseram, alegando representar o
mesmo ideal. Procura-se a partr daí, quase sempre negar o papel conjugado de todas as ações
polítcas, sob a alegação de que a resistência armada contra a ditadura favoreceu a sua
consolidação.
Em primeiro lugar, em virtude da fraqueza da oposição burguesa à ditadura, explicável pela
natureza daquela classe social no caso concreto, o peso da oposição caiu sobre os ombros dos
estudantes, operários, camponeses pobres, etc., que sofreram perseguições e massacres
organizados pelos fascistas. Daí que estes setores houvessem tentado organizar a resistência
armada. Era um efeito da consolidação da ditadura e não sua causa.
Segundo, ao pratcar o massacre, a ditadura perdeu apoio popular, revelando sua careta
fascista, seu ódio aos pobres e ao povo comum, etc. Ela perdeu a capacidade de enganar a maioria
por mais tempo. Obteve, assim, uma vitória de Pirro contra as forças populares, porque reforçou,
deu sentdo e consistência à oposição civil e burguesa. As eleições der 1974, 1978 e 1982 são a
prova desta viragem da opinião pública contra o regime militar e seus patrões externos. Na prátca,
o recuo dos fascistas e o restabelecimento de uma democracia formal em 1990 (eleição de Collor)
resultou da luta combinada de todas as forças polítcas contrárias à ditadura. O país fcou,
portanto, 26 anos sob o governo militar, ou de seus similares. É bem verdade que a democracia
obtda não foi lá grande coisa. As poucas vitórias das forças populares, incluídas no texto da
Consttuição de 1988, foram e estão sendo removidas por reformas promovidas pela direita no
Congresso. Também é verdade que os governos burgueses não indenizaram o maior número de
vítmas da ditadura, nem cumpriram neste aspecto suas próprias leis de anista, etc. No entanto, o
simples fato de haver-se restabelecido a democracia burguesa foi um grande êxito de todas as
forças democrátcas e uma importante derrota do poderoso núcleo fascista existente no país, e
que ainda controla o miolo do Estado.
O desfecho histórico, portanto, foi parecido com a estratégia 2, preconizada pela chamada
ala direita da corrente. O restabelecimento da democracia resultou de vários tpos de confronto,
mas apresentou a partcularidade da eliminação fsica dos membros do movimento revolucionário.
É evidente que a estratégia 2 propunha uma vitória das forças populares, mas tal não ocorreu.

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O principal ensinamento que a história pode dar, trinta anos depois, para quem viveu os
fatos, é a percepção da importância de se defender uma causa justa. Tenho certeza de que o Brasil
seria ainda pior, se aquele punhado de brasileiros, com Câmara, Marighella e outros patriotas à
frente, não tvesse ousado sonhar, e defender a luta operária, democrátca, e o direito de buscar-se
o socialismo. Do seu espírito de abnegação, do seu sacrifcio extremo, nasceu a esperança, brotou
a dignidade, ao lado do espanto. Nunca poderei esquecer a vergonha profunda, surda, com que
muitos ofciais militares torturadores cumpriam seu ignóbil ofcio. Na verdade, eles mentalmente
prefeririam poder estar do nosso lado. Mas seu egoísmo e ambição lhes impedia. Desprovidos
assim de altruísmo, massacrar-nos era tarefa necessária, mas nem por isso prazerosa a todos.
Câmara, Marighella e os seus não foram os únicos a tombar, na história do Brasil. Os
massacres se sucedem de tempos em tempos. Trocam-se os custos de 50 aparelhos de TV pelos de
uma sala de aula, mantendo-se, assim, a taxa adequada de cegueira. Mas para todo homem que
vê, a história não pode ser suprimida. Câmara Ferreira faz, portanto, parte da verdadeira história
do Brasil, a história do trabalhador brasileiro. Um dia o homem comum compreenderá sua
abnegação e seu sacrifcio. Neste dia soará um réquiem para o fascismo, com todas as suas
máscaras: Requiem aeternam dona eis…

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