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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

HISTÓRIA

GIOVANI PEREIRA PEDROSA KINAYP COELHO

INTELECTUAIS: A TRANSFORMAÇÃO DO HISTORIADOR BRASILEIRO NO


SECULO XX

HISTORIOGRAFIA II

GÉSSICA GIMARÃES

RIO DE JANEIRO

2018
INTELECTUAIS: A TRANSFORMAÇÃO DO HISTORIADOR BRASILEIRO NO
SECULO XX

Giovani Pereira Pedrosa Kinayp Coelho, UERJ

RESUMO

Palavras-Chave

Introdução

O objetivo deste artigo é entender a formação de uma nova ideia de intelectual


brasileiro a partir das mudanças ocorridas nas décadas de 80 e 90 do século XX
vindas de uma crítica aos movimentos historiográficos anteriores implementados no
Brasil e também uma análise da figura do historiador presente no Brasil no início deste
século.

A partir desse novo modelo, a análise da figura de intelectuais brasileiros foi


aberta e, assim, buscou-se uma problematização da figura e um desencantamento e
a perda do status de “gênio” antes aplicado a essas pessoas. Posto isso, tentarei
contrapor as visões de como a sociedade do século XXI entende de Intelectual, a partir
dessa virada historiográfica brasileira, e como a abertura das universidades a outros
grupos sociais foi fundamental para que a nossa sociedade mudasse sua visão sobre
essa figura e como anteriormente entendia esse personagem.

Dessa forma, analisarei a figura do intelectual e historiador e, respectivamente,


suas funções na sociedade do século XX, a diferença da visão popular do que seria
esse intelectual e como figuras que rompem os padrões antes implementados podem
ser se encaixar nessa figura intelectual apesar de fugir dos padrões delimitados nos
anos anteriores.

Sendo assim, utilizarei como base para minha argumentação a apresentação


do texto “Intelectuais Mediadores” de Angela de Castro Gomes e Patricia Santos
Hansen para analisar também a figura do intelectual atual e como essa figura está
sendo modificada em nossa sociedade novamente. Além disso, tentarei apresentar
figuras que possuem as características necessárias para a formação de um intelectual
mediador e como o historiador, com essas novas mudanças, poderia se inspirar
nesses personagens para se adaptar aos novos tempos.

Para a elaboração deste artigo, como dito anteriormente, usarei a apresentação


de “Intelectuais Mediadores”, “A Formação dos Intelectuais” de Antonio Gramsci, além
de, Manheim para elaborar um debate clássico sobre o conceito de intelectual e seu
papel social para que com isso possamos entender as figuras trabalhadas neste
artigo.

O objetivo que pretendo alcançar neste artigo é entender como o papel do


intelectual e historiador se transformou e como o enxergamos no presente. Além de,
compreender como figuras fora da academia podem exercer um papel de intelectual
e mediador de conhecimento histórico no presente.

Os intelectuais e o processo historiográfico brasileiro

A ideia de intelectual mais presente na mente do brasileiro carrega muito das


características do intelectual antigo, mais presente no século XIX e meados do século
XX, no qual, o intelectual em sua maioria seriam homens brancos, pertencentes as
classes mais favorecidas da sociedade e que possuem um capital cultural elevado.
Essa caricatura do intelectual, mesmo sendo mais forte em períodos anteriores ainda
se faz extremamente presente em nossas cabeças. Sempre que imaginamos a figura
de intelectual, ainda hoje, imaginamos o homem de meia idade, cercado por seus
livros, consumidor da alta cultura e que faz o seu trabalho solitário. Essa figura genial
carregada de estereótipos, apesar de romanceada, carrega algumas verdades. A ideia
de Intelectual antigamente estava extremamente ligada a aquisição de Capital Cultural
cunhada por Pierre Bourdieu, que à define como:

O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado,


ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; no estado
objetivado, sob a forma de bens culturais - quadros, livros, dicionários,
instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de
teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim,
no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar
à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela
confere ao capital cultural - de que são, supostamente, a garantia -
propriedades inteiramente originais. (BOURDIEU, 1979, p.02)
Com isso, podemos dizer que a partir da ideia de Capital Cultural de Bourdieu,
a caricatura do intelectual se mostra muito próxima da verdade e extremamente ligada
a uma elite econômica, pois, para a aquisição de bens culturais, é necessário um
poder econômico que as classes mais baixas não conseguem alcançar.

Entretanto, se partimos para uma análise marxista da imagem de intelectual,


podemos através do texto “A Formação dos Intelectuais” de Antonio Gramsci
identificar uma diferenciação entre os variados tipos de intelectuais criadas pelo autor
e sua visão do papel do intelectual na sociedade moderna.

Em primeiro lugar, para Gramsci a existência do intelectual não significa que


exista um não-intelectual, já que para ele, qualquer pessoa exerce uma função
intelectual mesmo que seja uma atividade muscular.

Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de


não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais. Mas a própria
relação entre o esforço de elaboração intelectual-cerebral e o esforço
muscular-nervoso não é sempre igual; por isso, existem graus diversos
de atividade específica intelectual. Não existe atividade humana da qual
se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o
homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua
profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um
“filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção
do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui
assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é,
para promover novas maneiras de pensar. (GRAMSCI, 1982, p.07)

Gramsci então, faz uma crítica a ideia da época que se tinha de intelectuais dos
quais ele chama de “intelectuais tradicionais” e a ideia de “verdadeiros intelectuais”.
Para Gramsci, não se pode mais se basear a figura de um intelectual na sua
eloquência. Para ele, a criação do intelectual tradicional está ligada a propagação e
manutenção das ideologias das classes dominantes e em manter a hegemonia.

Uma das mais marcantes características de todo grupo social que se


desenvolve no sentido do domínio é sua lute pela assimilação e pela
conquista “ideológica” dos intelectuais tradicionais, assimilação e
conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em
questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos.
(GRAMSCI, 1982, P.09)

O debate sobre intelectual que mais nos interessa, entretanto, é do Sociólogo


húngaro Karl Mannheim em sua obra “ideologia e utopia” na qual parte do princípio
que o conhecimento tem sua base nos elementos sociais e históricos que determinado
indivíduo está presente. Ou seja, os processos sociais exercem influência na
produção de conhecimento. Sendo assim, podemos entender que o processo de
produção intelectual está diretamente ligado a classe, a situação social e histórica está
ocorrendo durante o processo de criação de determinando conhecimento.

Esse conceito de intelectual e de produção intelectual conversa muito com as


ideias de Bourdieu e os conceitos dos capitais intelectual, social e econômico já que,
para se produzir e ter acesso a conhecimentos é necessário um poder econômico e,
no geral, são as classes altas que dominam esse meio de produção,
consequentemente, a narrativa e a produção de conhecimento está ligada a uma
ideologia elitista.

Levando-se em conta, então, os aspectos da produção de conhecimento


levantados por Mannheim, ao se analisar os movimentos historiográficos ocorridos no
Brasil, fica evidenciado a forte influência social e econômica para a produção desses
conhecimentos históricos. O historiador como intelectual então, tem como influência
na sua visão dos eventos, todos as suas características econômicas, principalmente
no início da produção desse conhecimento com o IHBG e com movimentos da primeira
metade do século XX.

Com a independência do Brasil em 1822 surge a necessidade de se


desenvolver uma história e criar uma ideia de um povo brasileiro, além de fazer uma
coleta das documentações, a partir de 1930 surgem movimentos que, se baseando
nos movimentos românticos europeus de construção de passados comuns para
elaborar a ideia de nação, surge um movimento liderado pelas autoridades para que
se conseguisse cumprir com esse objetivo e com isso é criado em 1938 o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro.

Um dos maiores nomes nessa produção histórica financiada pelo IHBG foi
Francisco Adolfo de Varnhagen, que produz então a primeira obra sobre a história
nacional. Varnhagen era um grande defensor da colonização portuguesa e buscava
explicar e elaborar a história brasileira com base em uma perspectiva portuguesa
onde-se chegava a negar as raízes indígenas e descrevia o período anterior a
colonização como uma imensa anarquia.

Após Varnhagen e toda essas ideias orquestradas pelo IHBG, surge na


historiografia brasileira no final do século XIX e início do século XX, o historiador que
seria um divisor de águas na área da história do brasil: João Capistrano Honório de
Abreu. Capistrano surge como uma das cabeças de uma geração que buscava
entender o Brasil não mais com ideias europeias e imperiais e sim voltadas a entender
a composição étnica.

Na década de 1930 surgem então outros dois grandes nomes na historiografia


brasileira: Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda. Freyre com sua obra “Casa
Grande e Senzala” e Holanda com “Raízes do Brasil” mudam novamente as visões
de história do Brasil.

O primeiro a ser lançado foi “Casa Grande e Senzala” de Freyre e não possuía
uma linguagem tão acadêmica e tratou do tema da sociedade brasileira quase como
um ensaio e com linguagem extremamente clara, o que o fez ser muitas vezes
criticado e ser adjetivado como “chulo”. Freyre define que a formação do brasileiro se
define em um aspecto: a mestiçagem; e a estrutura social brasileira na casa-grande e
o patriarcalismo. Para Freyre, ao contrário do que se era argumentado no início do
século XX e as teses racialistas, a mestiçagem é um dos bens da colonização
portuguesa. Pode-se dizer que Freyre tenta entender o brasil através da dialética entre
a casa-grande e a senzala, gerando assim, o brasileiro e uma “democracia racial”.

Sergio Buarque de Holanda, seguindo a linha de estudos sobre o Brasil, publica


em 1936 sua maior obra: Raízes do Brasil. Antes dele a utilização dos sociólogos
clássicos para de fazer uma leitura do Brasil era incomum, sendo assim, Holanda
inaugura uma nova linha sociológica para de ler as estruturas do país. Com isso, o
autor se utiliza de um viés weberiano para analisar a figura do brasileiro através do
conceito de “tipo ideal”. O objetivo de Sergio Buarque com o livro é através da leitura
da colonização entender os aspectos sociais do brasileiro. Holanda discute como
nossa colonização não foi simplesmente portuguesa e sim uma colonização dos
países ibéricos e sobre como fomos governados por uma nobreza com uma estrutura
hierárquica frágil que era muito mais ligada a força e tradição do que pelo sangue em
si. As teses do autor se baseiam na questão entre obediência e disciplina
implementadas no brasil através dos jesuítas, ou seja, sobre como o brasileiro sempre
foi ensinado a ser subserviente e a crítica como o Brasil é colonizado por aventureiros.
Em seu debate sobre a escravidão, Holanda analisa a questão da perpetuação da
escravidão como algo muito mais próximo da cultura brasileira que normalizou e
perpetuou o hábito de se escravizar através da cultura da produção açucareira, do
que como um aspecto econômico. Ou seja, a escravidão se tornou um costume.

Nas décadas seguintes a produção Holanda e Freyre, começa a surgir no Brasil


uma nova linha de interpretação da história nacional através da teoria Marxista. Os
maiores nomes dessa linha foram Caio Prado Junior e Nelson Werneck Sodré.

A partir da década de 80 e 90 a figura do intelectual clássico, e


consequentemente os historiadores clássicos, sofre uma crise. Com o avançar dos
programas de pós-graduação e mais para a década de 90 o início de uma
massificação do sistema de ensino, a ideia do intelectual clássico descrito como o
possuidor de capital cultura, econômico e social passa a ser deixada de lado e o novo
intelectual passa a, cada vez mais, se tornar representado no povo e,
consequentemente, diminuindo o status de gênio e intocável antes dado a essa
classe.

Conclusão

Como podemos identificar, intelectual clássico sempre esteve ligado a um


poder econômico e consequentemente produzia conhecimentos que diziam respeito
a sua classe ou a partir de um ponto de vista da mesma. Esse processo levo a
produção de conhecimento extremamente elitista e que deixou de lado diversos
aspectos da sociedade. E, o historiador como um intelectual replicava esses
processos também como podemos ver com Vernhagen e os intelectuais do início do
século XX. A crítica aos intelectuais/historiadores, que Ângela de Castro Gomes e
Patrícia Santos Hansen descrevem em seu texto, nos anos 80 e 90 levou a uma
quebra tanto da visão clássica do intelectual como com o sistema de produção elitista
que era vigente em décadas anteriores. Com isso, podemos então também nos
questionar sobre nosso papel como historiador e de que forma podemos romper cada
vez mais com um elitismo e uma bolha que é posta sob a academia. O processo para
a quebra dessas ideias defasadas do intelectual, inicia-se com uma popularização da
pós-gradução, a massificação do sistema de ensino superior e isso nos faz pensar
qual será o próximo passo que o intelectualismo deve tomar. Talvez seja através das
mídias, internet e a massificação do conhecimento, entretanto, o que se torna claro é
que o rompimento com movimentos anteriores se faz necessário na produção de
conhecimento.

Referências bibliográficas:

GOMES, Angela de Castro, HANSEN, Patricia Santos. “Intelectuais Mediadores”. Editora


Civilização Brasileira. 1ª edição, Apresentação p.7-37, 2016.

GRAMSCI, Antonio. “Os Intelectuais e a Organização da Cultura”. Editora Civilização


Brasileira, 4ª edição, Capítulo 1 p.3-23, Rio de Janeiro, 1982.

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