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MANUAL PRÁTICO

Psicanálise
Clínica
A PRÉ-HISTÓRIA PSICANALÍTICA
Em meados do século XX, o cenário mundial se apresentava em contexto de diversas
transformações e surgimento de novas ideias, principalmente europeias, que cola-
boraram para o surgimento da teoria psicanalítica. De volta à linha do tempo, ainda
no século XIX, acontecimentos históricos como a Revolução Industrial (1760 a 1820-
1840) marcam o início de uma nova era para humanidade. A Revolução instaura uma
nova fase do capitalismo com o crescimento econômico e tecnológico, impulsionan-
do, consequentemente, mudanças no âmbito sociocultural. O trabalho feito à mão
humana passa a ser substituído pelas máquinas a vapor, deixando a produção dos
tempos feudais de lado. O labor do homem torna-se produto das máquinas.
Um novo modo de agir e pensar surge na sociedade. As mudanças provocadas pela
industrialização fazem com que a condição do ser humano se modifique, seja nas
atividades laborais, como no seu estilo de vida, e, portanto, diante suas relações.

Fonte: https://www.google.com/search?q=revolu%C3%A7%C3%A3o+industrial&tbm=isch&ve-
d=2ahUKEwiI7t_a2qHuAhUTB7kGHS6AAcYQ2-cCegQIABAA&oq=revolu&gs_lcp=CgNpbWcQAR-
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O desenvolvimento das ciências das áreas exatas, como a matemática, química e
física, junto ao avanço da medicina, principalmente, da anatomia, foram alguns
marcos do século XIX que contribuíram, respectivamente, para descobertas no
campo tecnológico e econômico, além do campo da saúde. Ferrovias foram cons-
truídas, dando lugar à urbanização das cidades e a migração dos povos, levando
ao crescimento significativo populacional e à descoberta de novos territórios. Tais
descobertas e explorações territoriais geraram disputas ao longo do século entre
os países considerados grandes potências, havendo revoluções e guerras.
No campo da arte e filosofia, a ideologia Liberal Iluminista, que defende a liberdade
como a igualdade dos homens, perde sua força dando lugar ao Romantismo, que
atesta a diferença entre os indivíduos como a verdadeira liberdade dos mesmos.

“É na busca de reduzir os ‘inconvenientes’ da liberdade, das dife-


renças singulares, etc. que se foi instalando e sendo aceito entre
nós, ocidentais e modernos, um verdadeiro sistema de dociliza-
ção, de domesticação dos indivíduos, sistema que coloca em ris-
co tanto as idéias liberais como as românticas, embora tente se
disfarçar mediante algumas alianças com o Liberalismo e com o
próprio Romantismo”³.

No entanto, ainda em meados do século XIX, dá-se, na França, o movimento literá-


rio e artístico chamado de Realismo, contrapondo-se à ideologia romântica. Como
seu próprio nome diz, as obras do Realismo descrevem a realidade das relações
humanas e subjetivas, de caráter crítico e de denúncia, explicitando o contexto eco-
nômico, político, social, religioso e cultural vivido pela sociedade diante o modelo
capitalista. Expressam-se as diferenças das classes sociais, a condição exaustiva e
adoecedora do indivíduo operário – a qual condiciona um comportamento repeti-
tivo e restrito das longas jornadas de trabalho da nova era –, problemáticas urba-
nas, além de ressaltar análises de comportamentos e traços de personalidades dos
sujeitos expostos como personagens nos contos, prosas e poesias, como o romance
de Gustave Flaubert, Madame Bovary, escrito no ano de 1857, que representou um
marco do Realismo literário, o qual evidenciou questões psicossociais de maneira
impactante para a época do seu lançamento2,3,5.

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A era do Realismo contrapõe-se ao individualismo e a subjetividade. Os artistas re-
alistas privilegiam a veracidade do cotidiano, sofrendo influências do Positivismo
e a objetividade da ciência, sobressaltando princípios como a Teoria Evolucionista
de Charles Darwin, publicada em seu livro A Origem das Espécies, em 1859, em que
defende a tese da seleção natural entre os animais, a qual deu seguimento à teoria
da hierarquização da sociedade chamada de darwinismo social. Ademais, “a ideia
de que o comportamento do homem é determinado por leis que não pode contro-
lar, e que frequentemente nem mesmo conhece, está presente no pensamento de
Marx”³ na busca por uma sociedade igualitária, pregando teorias anticapitalistas.
Em 1856, nasce Sigmund Freud, figura que marca a história da psicanálise e seu
surgimento meio ao processo de transformações por todo o mundo. Durante a
sua infância, aos 9 anos de idade, Freud assiste ao fim da escravatura nos Estados
Unidos no ano de 1865. Entretanto, os interesses de colonização do imperialismo
ainda se faziam presentes, vislumbrando a exploração de terras e trabalhadores. Já
no ano de 1884, as nações francesa e inglesa disputavam o continente africano por
interesses de cunho econômico do imperialismo. Tal concorrência imperial leva à
criação da Conferência de Berlim, na qual tais potências decidiram sobre sua parti-
lha e posses da África. No Brasil, o abolicionismo ocorreu somente no ano de 1888,
com a assinatura da Lei Áurea, após muitas lutas e reivindicações de povos escravi-
zados que viviam em condições insalubres, demarcando uma era da desigualdade
social perversa. Vale ressaltar que os grupos de abolicionistas eram formados por
jornalistas, políticos, historiadores, diplomatas, etc., tomados por interesses políti-
cos e econômicos que favoreciam a luta antiescravista¹.
O cenário mundial do século XIX anunciou uma era de revoluções e, talvez, de evo-
luções face seu contexto psicossocial e político. A cultura foi atravessada por agen-
tes de mudanças subjetivas, sendo as principais:

“(1) a modificação do laço social, em virtude da planetarização das


políticas econômicas, em que as exigências do mercado e do lucro
atuam como reguladoras supremas da vida e do desejo de todos,
sem distinguir mais qualquer faixa etária ou classe socioeconômi-
ca; (2) o avanço das ciências em relação ao saber e ao poder e seu
acoplamento aos interesses comerciais, forçando o consumo de

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seus objetos para satisfazer às necessidades deslizantes dos su-
jeitos; (3) a perda de grandes projetos coletivos, o que determina
uma política de esvaziamento dos espaços públicos, e uma conse-
quente crise de valores e falta de sentido. Nesse item cabem a vio-
lência exacerbada e gratuita, o racismo, os fanatismos religiosos e
políticos, as lutas fratricidas, a exploração de minorias étnicas, de
mulheres e crianças”.

É nesta conjuntura que nasce a psicanálise, na tentativa de dar novos significados


à subjetividade dos indivíduos.

“A psicanálise representa um mergulho no psiquismo humano,


dando espaço e relevo à subjetividade. Ao considerar a normali-
dade como um conceito quantitativo e a sexualidade como um
continuum desde o nascimento até a morte do ser humano, Freud
não só intrigou e revoltou seus contemporâneos, mas principal-
mente trouxe luz à constituição dos sujeitos, ao se debruçar so-
bre a questão do que faz do homem um ser humano. Apesar de
toda a polêmica, inaugura-se com a psicanálise um novo capítulo
na história das mentalidades, com a subjetividade devidamente
considerada sob o domínio da ciência, e não mais apenas sob o
domínio místico, das premonições”.

A partir disso, a psiquiatria do século XIX, portanto, inicia investigações sobre a


existência ou não de uma lesão anatômica diante a apresentação de determinados
sintomas. Freud, em 1885, após conclusão do curso de Medicina, chega a Paris com
o intuito de aprimorar seus conhecimentos ao que foi chamada de histeria, carac-
terizada como uma doença funcional que afeta homens e mulheres contrapondo-
-se ao que o seu próprio termo insinua – derivada da palavra grega “hystéra” que
significa “útero”7. Alguns dos seus estudos e publicações vão tomando força e cons-
tituindo a história não só da Psicanálise, como da Psicologia também. Em 1900, o
médico psicanalista publica A Interpretação dos Sonhos, trazendo em seu discurso a
questão do psiquismo do sujeito através da significação dos sonhos6.

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“(...) indaga sobre a significação psíquica do sonhar, sobre a rela-
ção dos sonhos com outros processos anímicos e sobre sua even-
tual função biológica; em segundo, busca descobrir se os sonhos
podem ser interpretados, se o conteúdo de cada sonho tem um
‘sentido’, tal como estamos acostumados a encontrar em outras
estruturas psíquicas”6.

Assim, a obra mencionada inaugura a psicanálise. Conclui-se que sua pré-história


perpassa por uma grande explosão discursiva dos acontecimentos do mundo todo.
Esta linha teórica buscou entender e operacionalizar a constituição psíquica dos
sujeitos e a construção da sua subjetividade através do autoconhecimento e eluci-
dação dos sintomas que não são da ordem anatomopatológica, mas sim da lógica
do inconsciente.

Quadro Resumo

Ocorre em dois momentos, 1760 a 1820-1840,


Revolução instaurando uma nova fase do capitalismo, com o
Industrial crescimento econômico e tecnológico, impulsionando,
consequentemente, mudanças no âmbito sociocultural.
O desenvolvimento das ciências (física, química,
Ciências matemática, biologia) contribuiu para descobertas no
campo tecnológico e econômico, além do campo da saúde.
Movimento literário que reconhece a diferença entre os
Romantismo
indivíduos como a verdadeira liberdade dos mesmos.
Descreve a realidade das relações humanas e subjetivas,
Realismo
indagando o contexto social de maneira crítica.
Figura que marca a história da psicanálise e de seu
Sigmund Freud surgimento em meados do século XIX diante dos
processos de transformações por todo o mundo.
Representa um mergulho no psiquismo humano,
Psicanálise
dando espaço e relevo à subjetividade.

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QUADRO ESQUEMÁTICO

Século XIX

Transformações
mundiais

Revolução Industrial

Avanço da medicina
Novos territórios Construção de ferrovias
e das ciências

Exploração e
Urbanização e migração
escravidão

Romantismo Revoluções literárias

Realismo

Subjetividade Sigmund Freud Psicanálise

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Afonso A. O abolicionismo como movimento social. Novos estudos CEBRAP,


2014. Acesso em: 15 jan. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-
33002014000300007.
2. Ferrão L, Rodrigues L. O vermelho e o negro: a França de Stendhal. França:
Levasseur; 1830. Acesso em: 15 jan. 2021.
3. Figueiredo LCM. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da
psicologia como ciência. 3. ed. São Paulo: EDUC; 2013.
4. Figueiredo LHC, Germano P. Psicanálise e matrizes do pensamento: história
e epistemologia. Centro universitário 7 de setembro. Fortaleza: 2017. Acesso
em: 15 jan. 202.1
5. Flaubert G. Madame Bovary: costumes de província. São Paulo: Nova
Alexandria; 1856. Disponível em: https://books.google.com.br/books/about/
Madame_Bovary.html?id=zsSKDwAAQBAJ&printsec=frontcover&source
=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 15 jan.
2021. Acesso em: 15 jan. 2021.
6. Freud, S. A interpretação dos sonhos (1900). Companhia das Letras: São
Paulo, 2019.
7. Garcia Rosa LA. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1992.
8. Mendes ERP. Os últimos 50 anos da psicanálise. Reverso. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
73952013000200004&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 16 jan. 2021.
9. Pinheiro NNB. Psicanálise, teórica e clínica: reflexões sobre sua proposta
terapêutica. Psicologia: Ciência e Profissão; 1999. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/S1414-98931999000200004. Acesso em: 16 jan. 2021.

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