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HERMENÊUTICA

APOSTILA

CEFORTE
Centro de Formação Teológica
Pólo GUARULHOS

ÍNDICE

OBJETIVO DA DISCIPLINA ..................................................................................................................... 5

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 5

1.1. Relação da Hermenêutica com Outros Campos de Estudos Bíblicos .................................................. 5

2. A NECESSIDADE DA HERMENÊUTICA ................................................................................................ 6

2.1. Estudos da Canonicidade Bíblica ......................................................................................................... 7

3. PROBLEMAS CONTROVERSOS DA HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA.............................................. 7

3.1. Validade da Interpretação .................................................................................................................... 7

4. INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS [Literal, Figurada, Simbólica] ...................................................... 8

4.1. Fatores Espirituais no Processo Perceptivo ....................................................................................... 10

5. A QUESTÃO DA INERRÂNCIA ......................................................................................................... 10

5.1. Jesus, a Inerrância e as Escrituras ..................................................................................................... 11

5.2. Objeções e Respostas ........................................................................................................................ 12

5.3. Conclusão Sobre o Tema da Inerrância ............................................................................................. 13

6. REGRAS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO: Linguagem Literal e Figurada ............................................... 14

6.1. Exegese Judaica Antiga ...................................................................................................................... 15

6.2. Exegese Patrística .............................................................................................................................. 16

6.3. Exegese Medieval .............................................................................................................................. 17

6.4. Exegese da Reforma ........................................................................................................................... 18

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APOSTILA de Doutrinas Wesleyanas
6.5. Exegese da Pós-Reforma .................................................................................................................... 19

6.6. A Hermenêutica Moderna .................................................................................................................. 20

7. ANÁLISES HERMENÊUTICAS .......................................................................................................... 21

7.1. Análise Histórico-cultural e Contextual [resumo] ............................................................................. 21

7.2. Análise Léxico-sintática [resumo] ...................................................................................................... 21

7.3. Análise Teológica [resumo] ............................................................................................................... 22

7.4. Análise Literária [resumo] ................................................................................................................. 22

7.5. Comparação [resumo] ....................................................................................................................... 22

7.6. Aplicação [resumo] ............................................................................................................................ 22

8. ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL e CONTEXTUAL ............................................................................. 22

8.1. Determinando o Contexto Histórico-cultural Específico e a Finalidade de um Livro ........................ 23

8.2. Desenvolvendo Uma compreensão do Contexto Imediato .............................................................. 24

9. ANÁLISE LÉXICO-SINTÁTICA ........................................................................................................... 25

9.1. Passos na Análise Léxico-sintática ...................................................................................................... 26

9.2. Divisões Naturais do Texto ................................................................................................................. 27

9.3. Métodos para Descobrir as Variações de Sentidos de Palavras Antigas ........................................... 27

9.4. Concordância Bíblica .......................................................................................................................... 27

9.5. Léxico Bíblico ...................................................................................................................................... 27

9.6. Sintaxe ............................................................................................................................................... 29

10. ANÁLISE TEOLÓGICA ................................................................................................................... 29

11. MÉTODOS LITERÁRIOS ESPECIAIS [Parábolas, Provérbios, Alegorias, Figuras de Linguagem] .............. 30

11.1. Parábolas .......................................................................................................................................... 30

11.2. Provérbios ........................................................................................................................................ 30

11.3. Alegorias ........................................................................................................................................... 31


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APOSTILA de Doutrinas Wesleyanas
11.4. Figuras de Linguagem ...................................................................................................................... 32

12. MÉTODOS LITERÁRIOS ESPECIAIS [Tipos, Profecias e Literatura Apocalíptica] .................................. 35

12.1. Tipos ................................................................................................................................................. 35

12.2. Profecias .......................................................................................................................................... 36

12.3. Literatura Apocalíptica ..................................................................................................................... 36

12.4. Problemas na Interpretação da Literatura Apocalíptica: ................................................................. 37

12.5. Variedades de Teorias Escatológicas ............................................................................................... 39

13. CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 40

14. BIBLIOGRAFIAS ......................................................................................................................... 40

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APOSTILA de Doutrinas Wesleyanas
Pólo GUARULHOS

Apostila de
HERMENÊUTICA
Apostila Desenvolvida pelo Pastor José Pereira Sotéro
Adaptações: Aline Goulart

OBJETIVO da DISCIPLINA: Analisar as diversas regras de interpretação e de linguagem à luz da


palavra da revelação, os tipos e as profecias das Escrituras.

1. INTRODUÇÃO

Diz-se que a palavra HERMENÊUTICA deve sua origem ao deus Hermes, deus grego que
servia de mensageiro dos deuses, transmitindo e interpretando suas comunicações aos seus
afortunados ou, com frequência, desafortunados destinatários. Em seu significado técnico, muitas
vezes, se define a hermenêutica como CIÊNCIA e a ARTE de INTERPRETAÇÃO BÍBLICA. Ela é
considerada como ciência, porque tem normas e regras, e essas podem ser classificadas em um
sistema ordenado. É considerada uma arte, porque a comunicação é flexível e, portanto, uma
aplicação mecânica e rígida das regras, às vezes, poderá distorcer o verdadeiro sentido da
comunicação.
Exige-se do bom intérprete que ele aprenda as regras da hermenêutica, bem como a arte de
saber aplicá-la.
A teoria da hermenêutica divide-se em duas subcategorias: A Hermenêutica Geral e a
Hermenêutica Especial.
A GERAL é a o estudo das regras que regem a interpretação do texto Bíblico inteiro. Inclui os
tópicos das análises Histórico-cultural, Léxico-sintática, Contextual e Teológica.
A ESPECIAL é o estudo das regras que se aplicam a Gêneros Específicos, tais como: Parábolas,
Alegorias, Tipos e Profecias.

1.1. Relação da Hermenêutica com Outros Campos de Estudos Bíblicos:


Ela se relaciona com o estudo do Cânon, da Crítica Textual, da Crítica Histórica, da Exegese,
da Teologia Bíblica e da Teologia Sistemática.
Dentre esses vários campos de estudos bíblicos, a área que, conceitualmente, precede a
todas as demais, é o Estudo da Canonicidade: isto é, a diferenciação entre os livros que trazem o
selo da inspiração Divina, dos que não o trazem. Essencialmente, a fixação do Cânon foi o processo
histórico no qual o Espírito Santo guiou a Igreja na Canonização dos livros que possuem a autoridade
Divina.
Outro campo, que segue, de perto, a Canonicidade, é o da Crítica Textual. Ela é a tentativa de
averiguar o fraseado primitivo do texto. Tal crítica se faz necessária porque não possuímos os
originais dos manuscritos. Temos muitas cópias dos originais e elas variam entre si. Mediante
cuidadosas comparações de um manuscrito com outro, os críticos textuais executam um inestimável
trabalho, proporcionando-nos um texto Bíblico que se aproxima ao máximo, dos escritos originais.
Um dos mais famosos eruditos que o mundo conhece em assuntos do Novo Testamento, F. F. Bruce,
disse com relação a esse ponto: “As varias leituras acerca das quais permanece alguma dúvida, entre

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os críticos textuais, não afetam nenhuma questão essencial dos fatos históricos ou da fé e da prática
do Cristianismo.”
O terceiro campo de estudos Bíblicos é conhecido como Histórico ou Alta Crítica. Os eruditos
nesse campo estudam a autoria de um livro, a data da sua composição, as circunstâncias históricas
que cercam sua composição, a autenticidade do seu conteúdo e sua unidade literária. Muitos dos
que se engajam na Alta Crítica, partiram de pressuposto liberais e, por isso, os cristãos
conservadores, muitas vezes, equiparam a Crítica Histórica ao Liberalismo. Não há porque pensar
dessa forma. É possível engajar-se na Crítica Histórica a partir de pressuposto conservadores.
Constituem exemplos as introduções a cada livro da Bíblia, encontradas na Harper Study
Bible e em outras edições da Bíblia; na Bíblia Anotada de Scofield e nos comentários conservadores.
O conhecimento das circunstâncias históricas que cercaram a composição de um livro é de
suma importância para a compreensão adequada do seu significado.
Somente após o estudo da Canonicidade da Crítica Textual e da Crítica Histórica é que o
estudioso está preparado para fazer Exegese [aplicação dos princípios da hermenêutica para chegar-
se a um entendimento correto do texto]. O prefixo “EX” [fora de ou para fora de] refere-se à ideias
de que o intérprete está procurando tirar o verdadeiro entendimento do texto em vez de ler seu
significado no texto [Eisegese = para dentro].
Seguindo a Exegese estão os campos da Teologia Bíblica e o da Teologia Sistemática. A
Bíblica é o estudo da revelação divina no Antigo e no Novo Testamento. Ela indaga: “Como foi que
essa revelação específica, contribuiu para o conhecimento que os crentes já possuíam naquele
tempo?” Tenta mostrar o desenvolvimento do conhecimento. Já a Teologia Sistemática, organiza os
dados Bíblicos de uma maneira lógica antes que histórica. Tenta reunir toda a informação sobre
determinados tópicos [A Natureza de Deus, A Natureza da Vida no Além, o Ministério dos Anjos e
etc.], de sorte que possamos entender a totalidade da Revelação de Deus a nós, sobre esse tópico. A
Teologia Bíblica e a Teologia Sistemática são campos complementares. Juntas elas nos proporcionam
maiores entendimentos do que qualquer uma delas separadamente.

2. A NECESSIDADE DA HERMENÊUTICA

Nossa compreensão do que ouvimos ou lemos é espontânea, pois, as normas pelas quais
interpretamos o significado, ocorrem automaticamente e inconscientemente. Quando algo bloqueia
essa compreensão espontânea do significado, tornamo-nos mais cônscios dos processos que usamos
par compreender. A hermenêutica é, em essência, uma codificação dos processos que,
normalmente, empregamos em um nível consciente para entender o significado de uma
comunicação. Quanto mais bloqueio à compreensão espontânea, maior a necessidade da
hermenêutica.
Quando interpretamos as Escritura, encontramos vários bloqueios à nossa compreensão do
significado primitivo da mensagem. Há um abismo histórico no fato de nos encontrarmos,
largamente, separados no tempo, tanto dos escritos quando dos leitores e ouvintes da mensagem.
Exemplo: A antipatia de Jonas pelos Ninivitas assume maior significado quando passamos a conhecer a
extrema crueldade e pecaminosidade desse povo [principalmente contra o povo de Israel].

A cultura atual e a cultura primitiva do povo Hebreu, quase nada têm em comum. Por isso, é
compreensível nossa dificuldade em entender alguns textos Bíblicos. Harold Garfinkel diz: “É
impossível estudar pessoas ou fenômenos como se tivéssemos olhando para um peixe no aquário, de

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fora desse aquário ou de qualquer outro. Pois, na verdade, estamos olhando o aquário de dentro do
nosso próprio aquário [cultura, linguagem, religiosidade, etc.].” Aplicada à hermenêutica, a analogia
sugere que, também, somos peixes de um aquário. A negligência em reconhecer àquele ambiente
cultural, ou o nosso próprio, ou as diferenças entre ambos, pode resultar em graves erros de
compreensão do verdadeiro significado do texto Bíblico.
Outro grande bloqueio à nossa compreensão é a diferença de linguagem. A Bíblia foi escrita
em Hebraico, Aramaico e Grego [idiomas que possuem estruturas e expressões totalmente
diferentes do nosso].
Exemplo: Vamos considerar uma tradução do inglês para o português e vermos a necessidade de, não
somente conhecer o idioma, mas também, a cultura, para se fazer uma boa tradução: Na frase “I Love to see Old
Glory paint the breeze.” Traduzido ao “pé da letra” seria: “Gosto de ver a velha glória pintar a brisa”. Acontece
que a expressão “Old Glory” [culturalmente] é usada para designar a Bandeira Americana. O restante do texto pode
ser traduzido como “Ondular ao toque da brisa”. A tradução “cultural” seria: “Gosto de ver a bandeira Americana
ondular (ser sacudida) ao toque da brisa (vento)”. Em qualquer idioma, se não conhecemos a cultura e os costumes
do povo, jamais faremos, só com o conhecimento da língua, uma boa e verdadeira tradução.

Em qualquer idioma, se não conhecemos a cultura e os costumes do povo, jamais faremos, só


com o conhecimento da língua, uma boa e verdadeira tradução.
Outro grande bloqueio é o Filosófico. Opiniões acerca da vida, da Natureza do Universo, das
circunstâncias, etc. diferem entre as culturas. Para transmitir, com validade, uma mensagem de uma
cultura para outra, o tradutor ou leitor deve estar ciente tanto das similaridades como dos
contrastes das cosmovisões.
A hermenêutica se faz necessária por causa das grandes lacunas históricas, culturais,
linguísticas e filosóficas, que bloqueiam nossa compreensão espontânea nos textos Bíblicos, que
lemos.

2.1. Estudos da Canonicidade Bíblica:


A posição ortodoxa é que a Bíblia é e sempre será um repositório da verdade. Sendo assim as
técnicas Hermenêuticas possuem grande importância, pois, elas dão um meio de se descobrir, mas
exatamente, as verdades que a Bíblia deseja que saibamos.

3. PROBLEMAS CONTROVERSOS DA HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA

Antes de passarmos ao exame da história e depois dos princípios da Hermenêutica Bíblica, devemos
nos familiarizar com alguns dos problemas centrais e controversos, na hermenêutica.
Do mesmo modo que a perspectiva da inspiração [canonicidade] afeta o Método Exegético
do leitor, os itens, que serão apresentados, afetam a atuação da hermenêutica:

3.1. Validade da Interpretação:


Talvez as perguntas mais fundamentais em hermenêutica sejam:
“É possível dizer o que constitui o significado válido de um texto?”
“Será que há um múltiplo significado válido?”
“Se houver mais que um, são alguns mais válidos que o outro?”
“Que critérios se pode usar para distinguir o significado mais válido do menos válido?”
Essas indagações são provavelmente, a situação mais séria e importante com a qual a
hermenêutica trabalha. E. D. Hirsch, em seu livro “Validity in Interpretation”, discute a filosofia que
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vem obtendo grande aceitação desde a década de 1920: “O significado de um texto é o que ele
significa para mim”. Anteriormente, a crença predominante era a de que um texto significava o que
o autor queria dizer. T. S. Eliot e outros sustentam que: “A melhor poesia [o melhor texto] é
impessoal, objetiva e autônoma; que leva uma vida própria depois de escrita, totalmente separada
da vida ou do pensamento do autor.” Tal crença, favorecida pelo Relativismo de nossa cultura
contemporânea, cedo influenciou a Crítica Literária na interpretação de todos os textos [inclusive os
Bíblicos]. Hirsch ressalta o seguinte:
“Quando os críticos baniram o primeiro autor, eles próprios usurparam-lhe o lugar (cada
leitor, inclusive os críticos, se tornou o autor do texto que lê, já que o texto significa o
que ele quiser que signifique) e isto levou, infalivelmente, a algumas das maiores
confusões teoréticas da nossa época. Onde antes havia tão somente um autor
(determinante do significado), surgiu agora uma multiplicidade deles, cada qual
trazendo consigo tanta autoridade quando qualquer outro. Banir o primeiro autor como
o determinante do significado, foi rejeitar o único princípio normativo obrigatório que
poderia dar validade a uma interpretação verdadeira. Se o significado de um texto não é
o que o autor tencionava que tivesse, então não há interpretação que possa
corresponder ao significado verdadeiro e não existe interpretação falsa (heresias), uma
vez que o texto não pode ter significado determinado ou determinável.”
No estudo da Bíblia, a tarefa do exegeta é determinar tão intimamente quanto possível, o
que Deus [o AUTOR] quer nos dizer e não o que o texto significa para mim. Precisamos fazer
distinção entre interpretação e aplicação. Dizer que um texto tem um único significado verdadeiro,
não quer dizer que ele não possa ter mais que uma aplicação válida.
Por Exemplo: Efésios 4.27 diz: “Nunca vos deitando zangado para não dardes esse tipo de oportunidade ao
1
Diabo.” Esse texto tem um significado e uma interpretação, porém, pode ter várias aplicações [o casal, os filhos e os
pais, empregados e patrões, e tantos outros relacionamentos possíveis].
A posição que os eruditos [intérpretes] tomam nessa questão da validade da interpretação e
da aplicação, influencia, e muito, a exegese. Trata-se, pois, de um problema decisivo para o uso da
hermenêutica.
A outra controvérsia é a questão do “Duplo Autor”. A posição ortodoxa dos estudantes da
Bíblia é a de “autoria confluente”: isto é, os autores humanos e Divinos trabalharam juntos [fluíram
juntos] para produzirem o “Texto Inspirado”. Essa verdade levanta as seguintes questões: “Que
significado, para o texto, tinha o autor Divino?” e “Que significado o autor humano estava dando?” e
“Qual a que prevalece [na interpretação da época]?”
A questão de se saber se a Bíblia tem ou não um sentido mais pleno [Sensus Plenior] do que
o pretendido pelo autor humano, tem sido alvo de grandes debates durante muitos séculos. Donald
A. Hagner analisa o caso da seguinte maneira:
“Estar cônscio do ‘Sensus Plenior’ é reconhecer que existe a possibilidade de uma
passagem Bíblica ter mais quem um significado (do que a compreensão que o autor
humano tinha, na época). Isto é bem mais que o que se pode conseguir com a Exegese
Gramático-histórica. A inspiração da Bíblia é indiscutível (a escolha, pelo Espírito Santo,
dos textos que estão registrados). É possível, porém, que em alguns casos, o autor
humano, devido ao conhecimento natural da sua época, não tivesse a compreensão
plena do que lhe estava sendo revelado (principalmente quando as revelações eram
para um futuro distante). Esse sentido mais pleno (profundo) só pode ser levantado com
o apoio de outros textos da própria Bíblia Sagrada.”
Diversos argumentos são usados em apoio a uma posição favorável ao “Sensus Plenior”.
Vejamos alguns textos: I Pedro 1.10-12 parece nos sugerir que os profetas do Antigo Testamento, às

1
Versão Philips
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APOSTILA de HERMENÊUTICA
vezes, falaram sobre situações que eles não entendiam. Daniel 12.8, parece indicar que ele não
entendia algumas das visões proféticas que tinha recebido. No capítulo 8.27, ele, também, parece
nos informar que o povo, da época, não entendia as revelações que ele estava expondo.
Os que contestam a posição do “Sensus Plenior” argumentam da seguinte maneira:
 A aceitação da ideia de duplo sentido para alguns textos da palavra do Senhor [Sensus Plenior],
pode franquear o caminho para todo tipo de interpretação eisegética.
 A passagem de I Pedro 1.10-12 pode ser entendida com o significado de que o profeta ignorava,
somente, o tempo do cumprimento de suas predições, mas não o significado delas.
 Em alguns casos, os profetas entenderam o significado das suas predições, mas não as suas
aplicações plenas2.
 Em alguns casos, os profetas teriam entendido o significado de sua profecia, mas não a situação
histórica à qual se referia.
A controvérsia sobre o Sensus Plenior é um desses temas sem solução provável até
chegarmos à Eternidade.

4. INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS [Literal, Figurada, Simbólica]

Outro problema controverso, na hermenêutica, é a literalidade com a qual interpretamos as


palavras da Bíblia. Conforme acentua Ramm, os cristãos conservadores, às vezes, são acusados de
“Literalistas cabeças-duras” em suas interpretações. Seus irmãos, teologicamente mais liberais,
alegam que incidentes como a Queda do Homem, o Dilúvio, a História do Profeta Jonas, a Torre de
Babel, etc. deveriam ser entendidos como metáforas, símbolos, alegorias, e não como
acontecimentos históricos reais. Os teólogos conservadores concordam que alguns textos podem ser
interpretados como figurativos ou alegóricos ou simbólicos, porém, esses fatos históricos são
comprovados por Jesus. A interpretação literal é a que fazemos, naturalmente.
A história a seguir nos serve de exemplo:
 LITERAL: Uma coroa de jóias cintilantes foi colocada na cabeça do Rei.
 FIGURATIVO: Um pai falando com seu filho: “Na próxima vez que me chamar de coroa, você vai levar uma surra!”
 SIMBÓLICO: “Via-se um grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do Sol, com a Lua debaixo dos pés e
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uma coroa de doze estrelas na cabeça.”.
Não podemos negar esses tipos de interpretação. O problema está quando,
equivocadamente, usamos esses recursos e damos, ao texto, um sentido diverso daquele predito
pelo autor. Quanta distorção, de significado, resulta quando interpretamos literalmente um texto
figurativo e vice-versa. Se todas as palavras são, em algum sentido, símbolos; como se determina
quando devem ser entendidas de maneira diferente? O teólogo conservador responderia que aqui se
aplica o mesmo critério para se determinar a interpretação válida, na Bíblia ou em qualquer outro
texto estudado, a saber, que as palavras devem ser interpretadas de acordo com a interpretação do
autor. O princípio é mais fácil de formular do que aplicar. O contexto e a sintaxe proporcionam
importantes pistas para se descobrir a intenção do autor e, portanto, saber o real e verdadeiro
significado.

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João 11.50
3
Apocalipse 12.1

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APOSTILA de HERMENÊUTICA
4.1. Fatores Espirituais no Processo Perceptivo:
Outro problema controverso na hermenêutica contemporânea é o que visa saber se os
fatores espirituais afetam ou não a capacidade de perceber, com precisão, as verdades contidas nas
Sagradas Escrituras. Uma escola de pensamento sustenta que se duas pessoas, de igual preparo
intelectual [instruídas nas línguas originais, na história, na cultura, na religiosidade e etc. de um
povo], estudando as regras da hermenêutica; ambas estarão aptas para fazer uma boa interpretação
do texto que estudarem. A posição de outra escola de pensamento é a de que a própria Bíblia ensina
que o compromisso espiritual ou a ausência dele, influencia a capacidade de se perceber a verdade
espiritual.
A sabedoria e os dons espirituais de que fala I Co 2.6-14 são posses potenciais, do verdadeiro
crente. O não convertido jamais poderá obtê-los. Portanto, a cegueira espiritual e o entendimento
obscurecido desqualificam o estudante de encontrar “as verdades” que as Escrituras revelam aos
que crêem no Senhor, independente da sua capacidade intelectual e dos seus conhecimentos das
regras da hermenêutica. Portanto, para fazermos uma boa interpretação Bíblica, precisamos do
conhecimento material e de uma verdadeira experiência espiritual, com o Senhor.
Se dependermos, unicamente, de intuições espirituais de alguns irmãos de fé para obtermos
novos discernimentos, cedo terminaremos em uma desesperada confusão. Isto porque as chamadas
intuições espirituais de certos pentecostais estão repletas de heresias e ignorâncias.
Se pensarmos, porém, que poderemos chegar ao pleno conhecimento da verdade através do
conhecimento material, estamos, totalmente, equivocados. Precisamos ter uma perfeita definição
do termo conhecer. Para as Escrituras Sagradas, conhecer é viver e praticar o que recebeu de
informação e instrução, através da Revelação do Senhor4. O incrédulo não conhece, plenamente por
mais que pesquise a palavra do Senhor.
Uma das grandes tarefas do Espírito Santo é conduzir os homens de fé aos maravilhosos
ministérios da Graça de Deus. ELE ajuda ao crente a entender o pleno significado das palavras da
Bíblia. Porém, temos que fazer a nossa parte.

5. A QUESTÃO DA INERRÂNCIA DA BÍBLIA

De todos os problemas controversos, com implicações para a hermenêutica, um dos mais


importantes, debatidos pelos evangélicos, é o da Inerrância Bíblica. Esse tema tem dividido os
evangélicos em dois grupos. Donald Masters os chamou de Conservadores e Liberais.
Os Conservadores são os que creem que a Bíblia é, totalmente, sem erro. Já os Liberais creem que a
Bíblia não contém erros quando está falando das coisas espirituais [salvação, santificação, vida
eterna, etc.]. Pode conter erros nos fatos históricos, culturais e científicos [de acordo com a época, o
povo, o escritor].
Há vários motivos pelos quais o problema da inerrância é importante para o verdadeiro Cristão.
Uma Bíblia que erra, pode ser um reflexo da filosofia e psicologia do povo Hebreu [povo dos fatos
históricos Bíblicos]. Os grupos que começam a questionar pequenos detalhes controversos das
Escrituras, logo estarão criando polêmicas sobre doutrinas importantes.
O problema da inerrância é importante, também, no campo da Análise Teológica, que consiste,
essencialmente, em comparar um texto dado, com outros que tratam do mesmo assunto. O

4
Conhecimento sem prática ou obediência até os demônios possuem.

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APOSTILA de HERMENÊUTICA
tratamento que damos a Análise Teológica diferencia de acordo com nossa posição Conservadora ou
Liberal.

5.1. Jesus, a Inerrância e as Escrituras:


Qual a posição do Filho de Deus sobre as Escrituras e a inerrância da mesma? Encontramos
uma análise completa no livro de John W. Wenham, “Cristo e a Bíblia”. Apresentamos, a seguir,
alguns pontos, resumidos:
 Jesus foi uniforme no trato com as narrativas históricas do Antigo Testamento, como registros,
fiéis, dos fatos. Wenham observa: Cristo fez referências a:
- Abel: Lucas 11.51
- Noé: Mateus 24.37-39
- Abraão: João 8.56
- Instituição da Circuncisão: João 7.32
- Sodoma e Gomorra: Mateus 10.15; 11.23-24
- Ló: Lucas 17.28-32
- Isaque e Jacó: Mateus 8.11
- Maná: João 6.31-58
- A serpente no deserto: João 3.14
- Davi, comendo o pão da proposição: Mateus 12.3-4
- Como autor dos Salmos: Mateus 22.43
- Salomão: Mateus 6.29
- Elias: Lucas 4.25-26
- Eliseu: Lucas 4.27
- Jonas: Mateus 12.39-41
- Zacarias: Lucas 11.51
Está última passagem revela seu sentido de unidade da história e sua compreensão do
âmbito dos fatos que ela descreve. Seus olhos percorrem todo o curso da história Bíblica, “desde a
fundação do mundo”, até “esta Geração”.
ELE se refere a Moisés como legislador5. Os sofrimentos dos profetas são mencionados, com
frequência6. Há, também, referência à popularidade dos falsos profetas7. Ele aprova a narrativa de
Gênesis 1 e 2 8. Conquanto essas citações sejam tomadas, por nosso Senhor, mais ou menos ao
acaso, de diferentes partes do Antigo Testamento e, alguns períodos da história, sejam citados mais
amplamente que outros é evidente que ELE conhecia a maior parte do Antigo Testamento e que ELE
tratava tudo, igualmente, como história verídica.
 Muitas vezes, Jesus escolheu como base dos seus ensinos as mesmas histórias que os críticos
modernos consideraram inverídicas [alegóricas]. O Dilúvio por exemplo9. A história de Jonas, é
outra10.
 Jesus usou, com regularidade, as Escrituras do Antigo Testamento como o competente tribunal de
apelação em suas controvérsias com os Escribas e Fariseus. Sua queixa, não era a de eles darem

5
Mateus 8.4; 19.8
6
Mateus 5.12-13; 57; 21.34-36; 23.29-37
7
Lucas 6.26
8
Mateus 19.4-5; Marcos 10.6-8
9
Mateus 24.37-39
10
Mateus 12.39- 41
11
APOSTILA de HERMENÊUTICA
demasiado crédito às Escrituras, mas por haverem, em virtude do casuísmo, distorcido os ensinos
claros e revestidos de autoridade, nelas contido.
11
 Jesus ensinou que nada passaria da Lei até que tudo se cumprisse e que as Escrituras, em suas
profecias, não podem falhar12.
 Jesus usou as Escrituras ao refutar cada das tentações do diabo. É digno de nota que tanto Jesus
como satanás aceitaram as afirmações Bíblicas como argumentos contra os quais não havia qualquer
contestação13.
Não parece que Jesus tenha feito distinção entre os textos válidos dos não válidos ou dos
fatos históricos verdadeiros dos alegóricos. Sua aceitação das narrativas das Escrituras é
questionável. Rudolph Bultmann, um anti-supernaturalista-radical, mais conhecido, por muitos,
como um dos maiores estudiosos do Novo Testamento dos tempos modernos, afirma que Jesus
aceitava a noção comum sobre a infalibilidade das Escrituras. Escreveu Bultmann:
“Jesus esteve de acordo com os Escribas, do seu tempo, em aceitar, sem
questionamento, a autoridade das Escrituras. Quando o jovem rico lhe perguntou: ‘Que
farei para herdar a vida eterna’? ELE respondeu: ‘Sabes os Mandamentos’? E, a seguir,
citou todo o conhecido Decálogo. Jesus admite a autoridade das Escrituras e a
interpreta.”
As palavras de J. I. Packer resumem e colocam a questão em perspectiva:
“O fato com o qual temos que lidar é que Jesus Cristo, o filho de Deus encarnado, que
reivindicou autoridade Divina para tudo quanto fez e ensinou, tanto confirmou a
autoridade absoluta do Antigo Testamento para os outros, como ELE próprio se
submeteu a ela, sem reservas. Se cremos em Cristo (no que ELE disse e fez), não
podemos duvidar das Escrituras. Se nos recusarmos a aceitar algumas das partes que
ELE ensinou, estamos, com efeito, negando-o como o Messias Divino (por nossa própria
autoridade e interpretação).

5.2. Objeções e Respostas:


Há escritores e teólogos que sustentam que os cristãos atuais já não têm necessidade de
aceitar essa postura. A inerrância é reivindicada para os Manuscritos Originais [autógrafos14] e como
nenhum deles existe mais, a inerrância se tornou uma discussão acadêmica. Porém, o trabalho
cuidadoso dos Escribas Judeus, na transmissão dos textos originais e a presente obra da crítica
textual, combinam-se para dar-nos um texto que reflete, com grau muito elevado de precisão, os
fraseados do texto original. A vasta maioria de leituras variantes relaciona-se com detalhes
gramaticais que não afetam nenhuma questão essencial de fatos históricos ou de doutrinas da fé e
da prática do Cristianismo [portanto, ter ou não os autógrafos não faz diferença para nós].
Daniel Fuller, Deão do Seminário Teológico Fuller, levanta uma discussão interessante nessa
questão da inerrância Bíblica. Ele afirma que a Bíblia pode ser estudada de duas maneiras: Os textos
revelados, que trazem matérias sobre o pecado, o perdão, a santificação, a salvação e a vida eterna;
e as histórias e informativas, que trazem matérias como culturas, línguas, raças, ciência e
conhecimentos de fatos sobre a história da humanidade [com informações baseadas no
conhecimento da época em que os textos foram escritos]. O argumento de Fuller é que a intenção
do autor Bíblico era comunicar a verdade sobre assuntos espirituais [II Timóteo 3.15-16) e, portanto
não deveríamos reivindicar a inerrância (infalibilidade) sobre todo e qualquer texto Bíblico.

11
Mateus 5.17-20
12
João 10.35
13
Mateus 4.4-11; Lucas 4.4-13
14
Documento ou texto redigido pelo próprio autor.
12
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Por exemplo: “Quando a Bíblia afirma que Josué orou e o Sol parou, as Escrituras querem
comunicar que o Senhor respondeu, poderosamente, a oração do seu servo, que precisava que o dia
se prolongasse e que a noite não apanhasse o povo de Israel ainda na luta contra o inimigo. O
conhecimento, natural, da época, era o de que o Sol é que girava ao redor da terra. O Senhor não
poderia revelar a Josué que era a terra que deveria parar [o tema da Oração continha um erro
científico]. Tal revelação, na época, causaria mais confusão que esclarecimento. O Senhor parou a
terra e o milagre aconteceu. Esse erro, no registro Bíblico, não prejudica em nada a sua
espiritualidade e divindade.
A Bíblia afirma que “nunca jamais qualquer profecia foi entregue por vontade humana,
entretanto, homens santos falaram, da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo 15”. Em Números
23.19 temos a afirmação de que “Deus não é homem para que minta e nem filho de homem para que
se arrependa”. O compromisso Bíblico é espiritual e divino e não humano ou científico. Os possíveis
erros encontrados em seus registros, sempre, estarão relacionados ao lado humano [a questão do
Duplo Autor] e não às profecias e revelações espirituais.
Sei que alguns estudantes diriam: “O importante é ter um Cristo que salva, batiza com o
Espírito Santo e que leva para o céu”; pois, preferem não se envolverem em discussões desse tipo.
Porém, estamos em uma Escola Teológica e esses temas “Acadêmicos” fazem parte do nosso
“universo de estudos”.
Outra questão é a de que, algumas vezes, alguns textos Bíblicos parecem entrar em atrito
com outros textos já mencionados. Temos, na Bíblia toda, a afirmação permanente de que o Senhor
é Onisciente [sabe todas as coisas], Onipotente [tem todo poder] e é Onipresente [está em todos
lugares]. Portanto, toda a história do Universo está sob o SEU controle. Nada o surpreende ou
decepciona. O futuro, para ELE, é como o dia de ontem que passou. Um SER assim, não se arrepende
de nada do que faz. Como lidar com a frase Bíblica que diz que “o Senhor se arrependeu de ter criado
o homem”. É um tema que só podemos atribuir à questão do Duplo Autor. Para defender a seriedade
e a superioridade da Bíblia em comparação a qualquer outro livro, existe uma base filosófica-
cientista interessante. R. C. Sproul fala:
Premissa A: A Bíblia é um documento confiável e digno de crédito.
Premissa B: Com base nesse documento confiável, temos provas suficientes para crer que:
- Jesus Cristo afirmou ser o Filho de Deus16.
- ELE forneceu, em todos os sentidos, provas para que a sua afirmativa fosse aceita como totalmente
verdadeira17.
Premissa C: Jesus Cristo, como o verdadeiro filho de Deus encarnado, não pode ser contraditado 18.
Premissa D: Jesus confirma a autoridade das Escrituras e a defende como A PALAVRA DE DEUS.
Premissa E: Por tudo que temos visto e ouvido, o SENHOR JESUS e a PALAVRA DE DEUS [escrita] são
totalmente, dignos de confiança.
Conclusão: Baseada na autoridade do Senhor Jesus Cristo, a Igreja acredita que a Bíblia é a
verdadeira PALAVRA DE DEUS e digna de toda a nossa confiança.

5.3. Conclusão Sobre o Tema da Inerrância:


Quando afirmamos que as Escrituras Sagradas não contem erros estamos dizendo que “suas
verdades espirituais, reveladas, são as mais sábias, perfeitas e maravilhosas que os homens já
15
II Pedro 1.21
16
João 1.14, 29, 36, 41, 49; 4.42; 20.28
17
João 2.1-11; 4.46-54; 5.1-18; 6.5, 13, 16, 21; 9.1-7; 11.1-45; 20.30-31
18
Não pelos que creem NELE
13
APOSTILA de HERMENÊUTICA
puderam conhecer ou desfrutar.” As informações, bíblicas, sobre história, cultura, ciência, língua,
etc., devem ser entendidas dentro dos parâmetros de precisão que seus autores [humanos] tinham
conhecimento na época.
Princípios específicos de interpretação incluem os seguintes:
1. Muitas vezes os números são dados aproximados [praxe muito frequente em comunicação popular].
2. Os discursos e citações podem ser parafraseados, em vez de reproduzidos textualmente [prática
muito costumeira quando se resume as palavras de alguém].
3. A vida humana, tudo que é material, o mundo, pode ser descrito em termos fenomenológico
[visão, do homem a respeito dos fatos].
4. Registros da fala e de ações humanas e, até, de satanás, são inspirados porque foram escolhidos,
pelo Espírito Santo, entre tantos, para constarem nas Escrituras Sagradas. Isto, porém, não é garantia
de que tal fala ou ação é correta, perfeita ou infalível.
5. Às vezes, um escritor [bíblico] usa fontes de pesquisas para alcançar seus objetivos. Essas fontes
não são divinas ou inspiradas; portanto podem conter informações contraditórias.
Essas afirmações são tão universais que as aplicamos, em hermenêutica, a todo texto Bíblico
que estudamos. Considera-se exata uma declaração, quando ela satisfaz o nível de precisão
tencionado pelo escritor [em sua época] e esperado por seus ouvintes e leitores. Um artigo científico
e técnico, pode ser muito mais pormenorizado e preciso que outro, sobre o mesmo tema ou fato,
escrito, normalmente, para o público em geral. Ambos são exatos dentro do objetivo e do público ao
qual estão se dirigindo. Assim, quando afirmamos que o Senhor é exato e fiel em tudo que tenciona
revelar e ensinar, aos homens, através das Escrituras; não quer dizer que haja, na Bíblia, nenhuma
palavra inexata ou incorreta. As regras de interpretação, da hermenêutica, são as mesmas para os
cristãos evangélicos conservadores e, também, para os liberais.

6. REGRAS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO: Linguagem Literal e Figurada

“A história mostra que a utilização de princípios errados prejudicou o trabalho exegético de grandes homens, alguns
dos quais foram santos extraordinários. Este fato deve servir de alerta para nós contra a interpretação descuidada.
19
Temos ainda menos desculpas pelo fato de podermos aprender com as lições do passado.”

Depois de completar o estudo desse tópico, o estudante deve poder localizar os mais
importantes pressupostos e princípios evangélicos encontrados em cada um dos seguintes períodos
de interpretação Bíblica:
❶ Exegese Judaica Antiga
❷ Uso do Antigo Testamento pelo Novo Testamento
❸ Exegese Patrística
❹ Exegese Medieval
❺ Exegese da Reforma
❻ Exegese pós Reforma
❼ Hermenêutica Moderna
No transcurso dos séculos, desde que Deus revelou as Escrituras Sagradas, tem havido
diversos métodos para se estudar a palavra de Deus. Os intérpretes mais ortodoxos têm valorizado a
interpretação literal pretendendo, com isso, interpretar a Bíblia como se interpreta qualquer outra
comunicação escrita, normal. Outros preferem o método alegórico e, sem disciplina, trazem à tona

19
A. Berkeley MICKELSEN, Interpreting the Bible, Grand Rapids, Eerdmans, 1963, p. 20.
14
APOSTILA de HERMENÊUTICA
situações inexistentes. Um terceiro grupo supervaloriza letras e palavras, do texto Bíblico, tomando-
as individualmente, como possuidoras de significados secretos que precisam de interpretações.
Tomarmos conhecimento, disso, é importante porque passamos, a saber, que o nosso
método ou nossa maneira de interpretar as Escrituras não é o único existente. Um entendimento dos
pressupostos de outros métodos nos proporciona uma perspectiva mais equilibrada e uma
capacidade para um diálogo mais significativo com os que creem em interpretações através de
métodos diferentes dos que cremos e usamos.

6.1. Exegese Judaica Antiga:


O estudo da Interpretação das Escrituras começa, em geral, com Esdras, seus escribas,
sacerdotes e levitas. Ao voltar do exílio babilônico, Esdras sente a necessidade de fazer o povo de
Israel voltar a ouvir a palavra do Senhor. Em Neemias 8.8 diz: “Leram Esdras e os Levitas, no livro da
Lei, e deram explicações; de maneira que entendessem o que estava sendo lido.”. Visto que, durante
o exílio, os israelitas, provavelmente, tenham perdido a compreensão do Hebraico Primitivo, a
maioria dos eruditos Bíblicos supõe que Esdras e seus ajudantes traduziam o texto do Hebraico para
o Aramaico, dando as devidas explicações. Assim, pois, iniciou-se a ciência e a arte da interpretação
das Escrituras.
Os Escribas que vieram a seguir tiveram grande cuidado em copiar as Escrituras, crendo que
cada letra e palavra, do texto, eram inspiradas e Divinas. Essa profunda reverência tinha vantagens e
desvantagens.
Uma grande vantagem é que os textos foram, cuidadosamente, preservados através dos
séculos. Uma grande desvantagem foi que os Rabinos começaram a interpretar as Escrituras por
outros métodos que não os meios pelos quais a comunicação é, normalmente, interpretada. Os
Rabinos pressupunham que, sendo o Senhor o autor das Escrituras, o intérprete poderia esperar
numerosos significados em determinados textos.
O Rabino Akiba20, no primeiro século da era Cristã, entendeu que isto sustentava que toda
repetição, figura de linguagem, paralelismo, sinônimo, palavra e até a letra e a sua forma, tinham
“Significados Ocultos”. Este “Letrismo21” era considerado a tal ponto que o significado do texto era
desprezado e, em seu lugar, se introduzia especulações fantásticas. Nos tempos de Jesus a exegese
Judaica podia ser classificada em quatro tipos especiais: Literal, Midráshica, Pesher e Alegórica.
O Método Literal, de interpretação, conhecido como “Peshat” servia de base para os outros
tipos de interpretações. A Interpretação Midráshica inclui uma variedade de dispositivos
hermenêuticos que se haviam desenvolvido no tempo de Cristo e que continuaram a se
desenvolverem durante muitos séculos. Era uma interpretação mística e perigosa. A Interpretação
Pesher existia, particularmente, entre as Comunidades de Qunran. Este tipo copiou, extensivamente,
das práticas midráshicas. Incluía, também, um significativo enfoque Escatológico ao texto [e também
era mística e perigosa]. A Exegese Alegórica baseava-se na ideia de que o verdadeiro sentido está
oculto sob o significado literal.
Filo de Alexandria22 acreditava que o significado literal das Escrituras representava um nível
imaturo de compreensão. Já o significado alegórico era para os maduros em espiritualidade. A
interpretação Alegórica deveria ser usada nos seguintes casos:
1. Se o significado literal diz algo indigno de Deus.

20
(50?-132 d.C.) Líder de uma escola para rabinos em Jaffa, na Palestina.
21
Enfoque indevido às letras
22
(20 a.C – 54 d.C.) É o alegorista judeu-alexandrino mais famoso. Sofreu influência da filosofia grega, mas como era um judeu devoto, procurou
defender o AT contra os gregos e seus companheiros judeus.
15
APOSTILA de HERMENÊUTICA
2. Se a declaração parece ser contraditória a outra declaração das Escrituras.
3. Se o próprio registro já demonstra que o texto é uma alegoria.
4. Se as expressões tem duplo sentido ou são expressões supérfluas.
5. Se há repetição de algum ensino ou doutrina já conhecido.
6. Se se empregam sinônimos.
7. Se está claro que é um jogo de palavras.
8. Se houver algo anormal (para época) em número e tempo (verbal).
9. Se há presença de tipos e símbolos.
Contudo, o alegorizar23 excessivo de Filo e seus contemporâneos não foi benéfico para uma
interpretação saudável. Todos os que desejavam conciliar os textos Bíblicos com a Filosofia Grega,
priorizaram a alegorização e entraram por um caminho perigoso.

6.2. Exegese Patrística24 25:


Uma escola de interpretação alegórica dominou a Igreja nos séculos que se seguiam. Esta
alegorização derivou-se de um propósito digno: O desejo de entender e transformar o Antigo
Testamento com o um documento cristão. Contudo, o Método Alegórico praticado por alguns dos
Pais da Igreja, negligenciou, por completo, o entendimento real de um texto. Uma vez abandonado o
sentido que o autor queria dar ao texto, não permaneceu nenhum princípio regulador que
governasse a Exegese.
Uma das maneiras de organizar cronologicamente esse período é a seguinte:
 Período Ante-Niceno: Corresponde ao período anterior ao Concílio de Nicéia (324 d.C.). Geralmente
compreende os escritos surgidos entre o século I e início do IV.
 Período Niceno: Corresponde ao período entre os anos anteriores até alguns imediatamente posteriores a
Concílio de Nicéia. Geralmente compreende os escritos surgidos ente o início do IV século até o final deste.
 Período Pós-Niceno: Corresponde ao período compreendido entre os séculos V e VII (ou VIII).

Tal cronologia aponta para um fator importante no estudo da Patrística, o forte vínculo entre o
trabalho dos Pais e a formação do Dogma, da Doutrina Oficial da Igreja Cristã. Além da ênfase na
formação doutrinária, o trabalho dos Pais da Igreja tem um forte apelo à comunicação do Evangelho
fora da Igreja.

A. CLEMENTE DE ALEXANDRIA (150 a 215 d.C): Um grande exegeta patrístico. Acreditava que as
Escrituras ocultavam seu verdadeiro significado a fim de que fôssemos inquiridores e, também,
porque não é bom que todos a entendam. Ele desenvolveu um método de Cinco Sentidos Ligados as
Escrituras: Histórico, Doutrinal, Profético, Filosófico e Místico. Isto só seria possível a quem
entendesse o sentido mais profundo.

B. ORÍGENES (185? a 254? d.C.): Foi o notável sucessor de Clemente. Ele cria serem as Escrituras uma
vasta alegoria, na qual cada detalhe é simbólico. Dava grande importância a I Coríntios 2. 6-7 “...
falamos a sabedoria de Deus EM MISTÉRIO”. Acreditava que assim como o homem se constituiu de
três partes: corpo, alma e espírito; as Escrituras, também, possuem três sentidos. O corpo é o
sentido literal. A alma é o sentido moral. O espírito seria o sentido alegórico e místico. Na prática,

23
Procurar um sentido oculto ou obscuro que se acha por trás do significado mais evidente do texto, mas está distante e na verdade dissociado.
24
(100-600 d.C.)
25
Patrística é o nome que se dá ao estudo dos textos e obras dos chamados Pais da Igreja, líderes e teólogos que foram responsáveis pelo
desenvolvimento da estrutura e do pensamento do Cristianismo nos primeiros séculos da história da Igreja.
16
APOSTILA de HERMENÊUTICA
ele foi um grande alegorista, pois dizia que só esse sentido nos conduziria ao verdadeiro
conhecimento, desprezando o sentido literal.

C. AGOSTINHO (354 a 430 d.C.): Em termos de originalidades e gênio, ele foi de longe o maior
homem de sua época. Em seu livro sobre a Doutrina Cristã, ele estabeleceu diversas regras para
interpretação das Escrituras, algumas das quais estão em uso até hoje. Entre suas regras,
encontramos as seguintes, conforme resumo de Ramm:
1. O interprete deve possuir fé Cristã autêntica.
2. Deve-se ter em alta conta, o significado literal e histórico das Escrituras.
3. As Escrituras têm mais de um significado e, portanto, o método alegórico é adequado.
4. Há significados (ocultos) nos números Bíblicos.
5. O Antigo Testamento é documento cristão porque Cristo está retratado nele do princípio ao fim.
6. Compete ao expositor entender o que pretendia dizer, e não introduzir, no texto, o significado que ele, expositor,
quer dar.
7. O intérprete deve consultar o verdadeiro “Credo” Ortodoxo.
8. Um versículo deve ser estudado em seu contexto, e não isolado dos versículos que o cercam.
26
9. Se o significado de um texto é obscuro, nada, na passagem, deve constituir matéria de fé ortodoxa .
10. O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se entender as Escrituras. Portanto, o
intérprete deve conhecer o Hebraico, o Grego, a Cultura, a Política, a Religião, a Geografia, etc.
11. O texto obscuro deve ser substituído por um texto claro.
12. O expositor deve entender que as Revelações, Bíblicas, são progressivas.
Na prática, Agostinho, também, alegorizou demais. Esta prática fez com que seus escritos não
tivessem grande valor exegético ou hermenêutico. Ele justificava sua atitude citando II Coríntios 3.6:
Porque a letra mata e o Espírito vivifica. Ele dizia que a interpretação Literal matava o texto e quem a
usava. A alegoria é espiritual e vivifica quem usa. Sua opinião e seus ensinos predominam em toda a
Idade Média. A influência de Agostinho no desenvolvimento de uma exegese científica foi mista. Na
teoria, ele sistematizou muito dos princípios hermenêuticos para uma exegese sadia. Na prática,
porém, deixou de aplicar esses princípios em seus estudos da Bíblia.

D. ESCOLA DE ANTIOQUIA DA SÍRIA: Um grupo de eruditos, em Antioquia da Síria, tentou evitar o


Letrismo dos Judeus e o Alegorismo dos Alexandrinos. Eles, especialmente um desse grupo, Teodoro
de Mopsuéstia (350 a 428 d.C.), defendia, com o maior zelo, o princípio da interpretação Histórico-
gramatical, isto é, que um texto deve ser estudado e entendido segundo as regras gramaticais e os
fatos da história. Evitavam a Exegese Dogmática27. Criticavam os alegoristas, por eles, muitas vezes,
lançarem dúvidas sobre a historicidade de muitos fatos do Antigo Testamento. Os princípios
exegéticos da Escola de Antioquia lançaram a base da Hermenêutica Evangélica Moderna.
Infelizmente, Nestório, discípulo de Teodoro, envolveu-se em uma grande heresia concernente à
pessoa de Cristo. Sua associação à Escola, paralelamente a outras circunstâncias, históricas, levou
essa promissora Escola de Pensadores a encerrar suas atividades.

6.3. Exegese Medieval28:


Pouca erudição teve origem na Idade Média. A maior parte dos estudantes da Bíblia devotava-se
a estudarem e compilarem as Obras dos Pais Primitivos. A interpretação foi amarrada pelos dogmas
(tradição) e se destacava o método alegórico. O sentido quádruplo, de Agostinho, para a

26
Doutrina.
27
Baseada em autoridade de dogmas.
28
(600-1500 d.C.)
17
APOSTILA de HERMENÊUTICA
interpretação Bíblica, era o que prevalecia. Circulou uma quadra, baseada nesse sentido, que se dizia
existir em todos os textos Bíblicos:
a. A LETRA mostra-nos o que Deus e os nossos pais fizeram.
b. A ALEGORIA mostra-nos onde está oculta a nossa fé.
c. O significado MORAL dá-nos as regras para nossa vida diária.
29
d. A ANAGOGIA mostra-nos onde terminamos nossa luta.
Podemos usar os possíveis sentidos para a “Cidade de Jerusalém”, como exemplo da quadra:
a. Literalmente, ela é a capital histórica de Israel.
b. Alegoricamente, pode simbolizar a Igreja do Senhor Jesus.
c. Moralmente pode significar a alma humana.
d. Anagogicamente aponta para a “Cidade Santa”.
Nesse período, aceitou-se s princípio de que as interpretações estavam presas e regidas pela
tradição e pelos dogmas da Igreja Cristã. A fonte da Teologia dogmática não era só a Bíblia, mas
também a Tradição da Igreja Católica Romana. No último período da Idade Média, os “Cabalistas”,
na Europa e na Palestina, continuaram na tradição do primitivo misticismo Judaico. Os Rabinos (e
outros) levaram a prática do letrismo ao ridículo. Acreditavam que cada letra e, até, cada possível
transposição ou substituição de letras, tinham significado sobrenatural. Os Judeus Espanhóis, porém,
dos séculos XII ao XV, lutavam para que o método Histórico-gramatical voltasse a ser praticado.
Nicolau de Lyra30 foi um homem que causou significativo impacto sobre o retorno ao Método Literal.
Ele afirmava que só este método poderia servir como base doutrinária. Há quem afirme que, sem
sua influencia, Lutero não teria dado início a Reforma.

6.4. Exegese da Reforma31:


No século XIV e XV predominava, profundamente, a ignorância quanto ao conteúdo das
Escrituras Sagradas. Alguns Doutores em Teologia da época, nunca tinham lido Bíblia toda. A
Renascença32 chamou a atenção para a necessidade de se conhecer as línguas originais a fim de se
entender a Bíblia. Erasmo facilitou esse objetivo ao publicar a primeira edição de crítica ao Novo
Testamento Grego. Reuchlin, também colaborou, com sua tradução de uma gramática e léxico
Hebraicos. As Escrituras passaram a ter para os estudantes, um único sentido (em vez de quatro).

A. LUTERO (1483 a 1546): Lutero acreditava que a fé e a iluminação do Espírito Santo eram
requisitos, indispensáveis, para uma boa interpretação da Bíblia. Asseverava que a Palavra do Senhor
devia ser estudada de maneira distinta daquelas que usamos para estudar outros textos literários. “A
Igreja, dizia ele, não deve determinar o sentido que as Escrituras dizem ou ensinam (Teologia
Dogmática), e sim, as Escrituras é que diz o que a Igreja deve fazer ou ensinar”. Rejeitou o excesso do
método alegórico e o chamou de sujeira, escória e trapo obsoleto. A Igreja Católica Romana dizia que
as Escrituras eram obscuras e de difícil entendimento (só “ela” podia interpretá-la). Lutero afirmava
e defendia, exatamente, o contrário. Lutero viu-se forçado a criar um método Cristocêntrico para
que o Antigo Testamento continuasse sendo um Documento Cristão (após ele ter desprezado o que
dizia o método alegórico). Esse “Princípio Hermenêutico” de Lutero viu “textos Messiânicos”, no
Antigo Testamento, onde Cristo não estava (por exemplo, alguns Salmos que ele designou como
Messiânicos sem que o fossem). Seu princípio “Cristológico”, porém, ajudou-o a defender a “Unidade

29
Escatologia.
30
(1270? – 1340?)
31
Século XVI
32
Iniciou no século XIV na Itália e invadiu o século XVII, constituiu no reavivamento do interesse pela literatura clássica, até mesmo pelo hebraico
e grego.
18
APOSTILA de HERMENÊUTICA
das Escrituras” (Velho Testamento) sem precisar do método alegórico. Ele dizia que o intérprete
devia fazer perfeita distinção entre a Lei e a Graça: “A Lei refere-se ao Senhor em sua ira, seu juízo e
seu ódio contra o pecado. O Novo Testamento revela o Senhor em sua Misericórdia, Amor e graça”.
“Criticar e abandonar o Antigo Testamento é um erro”, dizia ele. Ensinava que o estudante deveria
ter discernimento para reconhecer o papel específico de ambos (Antigo e Novo Testamento).
Melanchton, discípulo de Lutero, continuou com as aplicações do seu método Hermenêutico,
sustentando e expandindo a obra do seu Mestre.

B. CALVINO (1509 a 1564): O maior exegeta da Reforma foi, sem dúvida, Calvino. Ele concordava
com os princípios articulados por Lutero. Chamava a interpretação alegórica de artimanha de
satanás. “As Escrituras interpretam as Escrituras”, era a sua sentença predileta. Segundo ele, o
estudante deve estudar o contexto, a gramática, as passagens paralelas, a história e a cultura em vez
de trazer para o texto o significado que o próprio intérprete quer dar. Em uma das suas famosas
sentenças, ele declara: “A primeira tarefa de um Exegeta é deixar que o autor diga o que ele, na
verdade, quer dizer, em vez de lhe atribuir o que acha que ele deva dizer”. Calvino não concordava
com a Cristologia Luterana. A despeito de algumas diferenças, os princípios Hermenêuticos
Sistematizadores por esses Reformadores, haveriam de tornarem-se os grandes princípios
norteadores para Moderna Interpretação Protestante Ortodoxa.

6.5. Exegese da Pós-Reforma33:


A. CONFESSIONALISMO: O Concílio de Trento reuniu-se em várias ocasiões, de 1545 a 1563, e
elaborou uma lista de decretos, expondo os dogmas Católicos Romanos e condenando o
Protestantismo. Os Protestantes, em contra partida, desenvolveram Credos que esclareciam no que
criam e o que pregavam. Ao descrever os teólogos dessa época, Farrar diz que: “Eles liam à Bíblia à
luz do fulgor antinatural do ódio Teológico (disputa entre Católicos e Protestantes)”.

B. PIETISMO: Surgiu como reação à exegese dogmática e, muitas vezes, amarga do período
Confessional. Phillipp Jakob Spener (1635 a 1705) é considerado o líder do Avivamento Pietista. Em
um folheto intitulado “Anseios Piedosos”, ele pediu o fim da “guerra” inútil, o retorno aos interesses
Cristãos mútuos e as boas obras; maior conhecimento da Bíblia por parte dos que se dizem Cristão e
melhor e maior preparo Espiritual para os que almejam o Ministério. A. H. Francke tipificou muitos
dos ensinos aconselhados pelo folheto. Além de ser erudito linguista e exegeta, Spener foi ativo na
formação de muitas instituições destinadas aos cuidados dos desamparados e enfermos. Envolveu-
se, também, na organização do trabalho Missionário para a Índia. Os Pietistas eram sinceros, zelosos
e verdadeiros. Buscavam, sempre, entender e praticar os ensinos da Palavra do Senhor. Contudo,
alguns Pietistas, mais recentemente, descartaram a base da interpretação Histórico-gramatical, e
passaram a depender de uma luz interior ou de uma Unção do Santo. Essas manifestações, baseadas
em impressões subjetivas e reflexões piedosas, muitas vezes, resultaram em interpretações
contraditórias e que pouca relação tinha com o significado real do texto.

C. RACIONALISMO: Posição Filosófica que aceita a razão como a única autoridade que determina as
opções ou curso de ação de alguém. Surgiu como importante modo de pensar, durante esse período,
e causou profundo efeito sobre a Teologia e a Hermenêutica. Durante vários séculos atrás, a Igreja

33
(1550-1800)
19
APOSTILA de HERMENÊUTICA
havia acentuado a racionalidade da fé. Considerava a revelação superior à razão como meio para se
entender a verdade. Lutero estabeleceu distinção entre o uso Magisterial e o Ministerial da razão.
Por uso Ministerial da razão, se entendia o uso da inteligência humana para ajudar a entender e
obedecer, mais plenamente, à Palavra do Senhor. Por uso Magisterial, se entendia o uso do
raciocínio humano para julgar e criticar a Palavra do Senhor. Ele era um praticante da primeira
(Ministro) e um adversário da segunda. Porém, após alguns anos do surgimento da Reforma
Protestante, o uso Magisterial da razão passou a emergir como nunca antes. Surgiu o Empirismo,
crença de que o único conhecimento válido que possuímos, é o que obtemos através dos cincos
sentidos e “deu às mãos” ao Racionalismo. Essa união significava:
a. Muitos pensadores alegavam que a razão e não a revelação deveria orientar nossos pensamentos e ações.
b. Que a razão deveria julgar que partes da revelação eram aceitáveis e praticáveis para os fiéis (aceitavam somente
as que podiam ser confirmadas, Empiricamente).

6.5. A Hermenêutica Moderna34:


A. LIBERALISMO: O Racionalismo Filosófico lançou a base do Liberalismo Teológico. Nos séculos
anteriores, a revelação havia determinado o que a razão deveria pensar; porém, no final do século
XIX, a razão passou a determinar que partes da revelação deveriam ser aceitas como verdadeiras.
Nos séculos anteriores, prevalecia a Autoria Divina da Palavra de Deus. Agora, porém, se
concentravam na Autoria humana, da Bíblia (Duplo Autor). Schleirmacher negou, totalmente, o
caráter sobrenatural da inspiração das Escrituras. A inspiração já não era entendida como o processo
pelo qual o Senhor guiou os autores humanos a um produto Escriturístico que fosse a SUA VERDADE.
Ela passou a ser a capacidade da Bíblia de inspirar experiências religiosas. Os Racionalistas
combatiam doutrinas, tais como:
a. A depravação humana (Pecado Original).
b. O inferno (Condenação Eterna).
c. O nascimento virginal do Senhor Jesus.
d. A morte, expiatória, do Senhor e sua ressurreição.
Os milagres ou qualquer fato sobrenatural registrado eram explicados, naturalmente, e
taxados como fatos pertencentes a uma era pré-critica.
Os estudantes de Darwin e de Hegel (evolucionismo) dominaram às mentes. Chegaram a
afirmar que a Bíblia era um registro do desenvolvimento evolucionista da consciência religiosa do
povo Judeu e, posteriormente, dos Cristãos. Era frequente a mudança do foco interpretativo das
Escrituras. A pergunta dos Exegetas já não era “O que é que o Senhor quer nos falar através desse
texto?” e sim “O que é que esse texto me diz a respeito da consciência religiosa desse primeiro culto
Hebraico ou Cristão”.

B. NEO-ORTODOXIA: É um fenômeno do século XX. Ocupa, em alguns aspectos, uma posição


intermediária entre o ponto de vista Liberal e o Ortodoxo. Eles creem que as Escrituras são os
testemunhos dos homens sobre as revelações que o Senhor fez de SI MESMO. “Deus não se revela
em palavras escritas, mas, unicamente, por SUA PRESENÇA”, afirmam os Neo-ortodoxos. Defendem,
ainda, que quando alguém lê o que foi escrito, humanamente, com fé, e conseguem sentir a
Presença Divina, ocorre a REVELAÇÃO DO SENHOR. A revelação é uma experiência presente, que se
faz acompanhar de uma reação pessoal e existencial positiva e benéfica. A infalibilidade ou a

34
1800 até o presente século.
20
APOSTILA de HERMENÊUTICA
inerrância não tem lugar no vocabulário Neo-ortodoxo (a escrita é humana e, portanto falível e
sujeita a erros). Os temas que os Racionalistas condenam, eles explicam da seguinte maneira:
a. Pode, por si mesmo, realizar ou alcançar a sua redenção ou salvação. Ela vem do além, como um ato. A queda, ou
Pecado Original, quer nos mostrar que o homem, inevitavelmente, é corrupto em sua natureza moral.
b. A encarnação (Nascimento Virginal), morte e ressurreição, de Jesus, quer nos informar que o homem não pode
realizar sua própria salvação, mas que ela deve vir do além como ato da graça de Deus.
Para eles, a principal tarefa do intérprete é, portanto, “despir o mito dos seus envoltórios
históricos, a fim de descobrir a verdade existencial que ele contém”.

C. A NOVA HERMENÊUTICA: Tem sido, antes de tudo, uma criação Européia a partir da Segunda
Guerra Mundial. Emergiu, basicamente, dos escritos de Bultmann, e foi levado adiante por Ernst
Fuchs e Gerhard Ebeling. Muito do que foi dito com vistas à Neo-ortodoxia, aplica-se, também, a esta
categoria de interpretação. Baseando-se na obra do Filósofo Martin Heidegger, Fuchs e Elbeling
afirmaram que Bultmann não foi longe o suficiente. A linguagem, afirmam eles, não é a realidade;
mas, apenas, uma interpretação pessoal (de quem escreve ou fala) da realidade. O uso da linguagem
é, pois, uma Hermenêutica dos fatos.

D. A HERMENÊUTICA NO CRISTIANISMO ORTODOXO: Durante os últimos 200 anos continuou a


haver intérpretes que criam que as Escrituras representam as revelações que o Senhor fez de si
próprio (Palavras e Ações) à humanidade. A tarefa do intérprete, no entender desse grupo, tem sido
procurar compreender, mais plenamente, o significado intencional do primitivo autor. Para isso, não
deixam de estudar a história, a cultura, a língua, a geografia, a religião, etc. dos povos envolvidos na
narrativa do texto. Conheça alguns dos eminentes eruditos desse grupo: E. W. Hengstenberg, Carl. F.
Keil, Franz Delitzsch, H. A. W. Meyer, J. P. Lange, F. Godet, Henry Alford, ChaelesEllicott, J. B.
Lighfoot, B. F. Wescott, F. J. A. Hort, Charles Hodge, John A. Broadus, Theodore B. Zahn e outros. Os
Manuais de Hermenêutica desta tradição incluem os de autoria de C. A. G. Keil, Davidson, Patrick
Fairbairn, A. Imner, Milton S. Terry, Louis Berkhot, A. Berkeley Mickelsen e Bernard Ramm.

7. ANÁLISES HERMENÊUTICAS

Com base na suposição de que um autor é um comunicador que sabe transmitir suas ideias,
estudamos o pressuposto fundamental da teoria hermenêutica, segundo o qual o significado de um
texto deve ser o que o autor lhe quis dar e não o que alguns lhe desejam atribuir. A completa técnica
de Interpretação Bíblica e sua Aplicação, que se divide em seis passos:

7.1. Análise Histórico-cultural e Contextual:


Considera o ambiente histórico-cultural do autor, a fim de entender suas alusões, referências
e propósitos. Essa análise contextual considera a relação de uma passagem com o corpo todo, do
escrito, de um autor, para melhores resultados de compreensão, provenientes de um conhecimento
do procedimento geral.

7.2. Análise Léxico-sintática:


Revela a compreensão das definições de palavras35 e sua relação umas com as outras36 a fim
de compreender, com maior exatidão, o significado que o autor tencionava transmitir.

35
Lexicologia
21
APOSTILA de HERMENÊUTICA
7.3. Análise Teológica:
Estuda de compreensão teológica na época da Revelação, a fim de averiguar o significado do
texto para os seus primitivos destinatários. Assim sendo, ela leva em conta os contextos bíblicos
relacionados, anteriormente e posteriormente ao texto em estudo.

7.4. Análise Literária:


Identifica a forma ou método literário usado em determinada passagem, com vista às várias
formas como história, narrativa, cartas, exposição doutrinal, poesia e escatologia (Apocalipse). Cada
uma tem seus métodos únicos de expressões e interpretações.

7.5. Comparação:
A comparação com outros intérpretes almeja conseguir uma interpretação coerente e
atualizada com a época em questão.

7.6. Aplicação:
A Aplicação é um importante passo, que traduz o significado de um texto Bíblico para seus
primeiros ouvintes ou leitores, com o mesmo significado que ele tem, hoje, para os crentes em
qualquer cultura ou língua.

8. ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL e CONTEXTUAL

Não se pode interpretar o significado de um texto, com certa precisão, sem a análise
Histórico-cultural e Contextual. Os dois exemplos abaixo mostram a importância dessa análise:
Em Provérbios 22.28 encontramos a seguinte ordenança: “Não remova os marcos antigos
que puseram teus pais”. Qual o significado desse texto?
A. [ ] Não mudar a maneira de se fazer as coisa.
B. [ ] Não roubar.
C. [ ] Não remover os marcos que orientam os viajantes, de cidade para cidade.

Se você escolheu a letra A ou a letra C, certamente, foram essas “verdades” que o texto, a
princípio, te revelou. Porém, a real interpretação do texto está em saber o que ele significava para o
autor. A resposta certa é a letra B. O marco significava o poste que indicava o fim de uma
propriedade de uma pessoa e o início da propriedade de outra pessoa. Se você removesse esses
marcos, entraria em propriedade alheia [muitos o faziam para roubar um pouco das terras do outro].
Era um tipo específico de roubo. Esse exercício nos informa que se não tivermos conhecimento do
ambiente e da formação do autor, fornecidos pelos estudos da Análise Histórico-cultural e
Contextual, nossa tendência é interpretar, o texto, da maneira como ele se apresenta para nós [o seu
significado segundo o meu entendimento].
Nossa interpretação só é válida se soubermos o que o texto significava para o escritor. As três
perguntas, seguintes, são básicas para a Análise Histórico-cultural e Contextual:
 Qual o ambiente histórico geral em que o escritor está falando?
 Qual o contexto histórico-cultural específico, e a finalidade dos seus escritos?
 Qual o contexto seguinte do texto que está sendo estudado?

36
Sintaxe
22
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Para se ter um pouco mais de segurança no significado do texto em questão, ainda temos
três perguntas secundárias:
 Qual a situação histórica geral, com a qual convive o autor e o seu público [ouvinte e leitor]?
 Quais eram as situações políticas, religiosas, econômicas e sociais do momento?
 Quais eram as principais ameaças e preocupações, dos envolvidos na época em que o texto foi escrito?
Em Marcos 7 Jesus critica aos Fariseus pelo conceito que tinham de Corbã. Nessa prática, um
homem poderia declarar que ao morrer, todos os seus bens e dinheiro iriam para o templo. Era uma
oferta dele para o Senhor [independente de sua família, a partir daí, passar a ter dificuldades para
sobreviver]. Essa tradição Farisaica invalidava os mandamentos do Senhor com relação aos cuidados
que se deve ter com a família. Sem o conhecimento dessa prática cultural, o estudante não teria a
noção plena da ira e repreensão de Jesus.
Quando Cristo enviou dois dos seus discípulos à procura de um lugar em que pudessem
preparar a Páscoa, na noite anterior à sua crucificação, ELE os enviou com instruções inequívocas.
Jesus sendo perseguido, porém, queria ter um último momento com os seus discípulos, de paz e
tranquilidade [para cearem juntos]. Em Marcos 14.12-14 Jesus diz que eles encontrariam um homem
com um cântaro de água e que deveriam segui-lo. Naquela época na Palestina, homem não
carregava cântaro de água [era desonroso]. Não era difícil encontrar o homem e segui-lo. Pois bem,
para uma boa compreensão do texto que se estuda, é razoável possuir um bom Comentário
Exegético. Eles costumam trazer essas informações culturais.37

8.1. Determinando o Contexto Histórico-cultural Específico e a Finalidade de um Livro:


Algumas perguntas secundárias são guias úteis:
 Quem foi autor, qual era o seu ambiente e qual a sua experiência espiritual?
 Para quem ele estava escrevendo [crente, incrédulos, amigos, inimigos, povos ou autoridades, etc.]?
 Qual a finalidade do autor ao escrever esse livro específico?
Você conhece a Epístola Bíblica aos Hebreus? Esse livro não tinha nome nem autor. Após um
bom estudo, não foi difícil concluir que ele havia sido escrito para um povo que conhecia as Leis
Judaicas [pelas inúmeras citações e comparações dos Cristãos com as Leis Judaicas]. Por dedução,
chamou-se Epístola aos Hebreus. Quanto ao autor, alguns dizem que foi o Apóstolo Paulo, outros
afirmam que foi Apolo. Não foi possível, através dos estudos realizados, dizer quem foi o autor da
carta “Aos Hebreus”.
Como determinar a finalidade de um livro? São três as fórmulas fundamentais:
 Observar a declaração explícita do autor ou a repetição de certas frases usadas por ele. Por exemplo: O
Evangelista Lucas, em seu Evangelho e no livro de Atos, diz que o seu propósito era apresentar uma narração,
coordenada do começo da Era Cristã. O Evangelista João em 20.31 diz que o seu objetivo era apresentar um registro
do ministério de Jesus, para que os homens creiam.
38 39
 Observar a parte “parentética [hortativa ]” do seu escrito. As cartas paulinas estão cheias de fatos teológicos
seguidos, de imediato, por um “portanto” e por uma “exortação”. Se o fato for incerto, a natureza da exortação,
muitas vezes, será valiosa para a compreensão do seu significado.
 Observar os pontos omitidos ou os problemas enfocados. Por exemplo, o escritor de I e II Crônicas não nos dá uma
história completa de todos os acontecimentos nacionais durante o Reinado de Salomão e da divisão do Reino. Ele
seleciona fatos que mostram que Israel só pode resistir enquanto permanecer fiel aos mandamentos e a aliança do
Senhor. Ele repete por várias vezes: “Fez o que era reto *ou mau] aos olhos do Senhor”. Se conseguirmos resumir,
em uma sentença, o objetivo do autor, provaremos que estamos entendendo, bem, o texto estudado.

37
As Bíblias de estudos costumam conter essas informações bem condensadas.
38
Entre parênteses.
39
Que exorta.
23
APOSTILA de HERMENÊUTICA
8.2. Desenvolvendo Uma compreensão do Contexto Imediato:
Como método de estudo bíblico, citar textos para efeito de provas é afastado a plano
secundário. Os textos e seus contextos devem ser valorizados e respeitados. Algumas perguntas
deverão surgir daí:

 Quais os principais blocos de material e de que forma se encaixam no todo?


Existe um “esboço” do livro? Alguns escritores Bíblicos são mais organizados que outros.

 Como a passagem que estamos organizando contribui para a corrente de argumentação que
beneficia a posição do autor? Há ligação entre essas e os “blocos” anteriores ou posteriores
[ligação lógica ou teológica]?

 Qual seria a perspectiva do autor?


Às vezes, os autores Bíblicos, falam com autoridade, como profetas do Senhor. Outras vezes eles
descrevem como simples escritores [jornalistas], alguns fatos ou paisagem da época. É importante
saber distinguir quando ele fala fenomenologicamente [com a visão humana] ou numenologicamente
[com a visão Divina].

 Está o texto declarando verdades descritivas ou prescritivas?


As passagens descritivas só relatam o que está acontecendo. Se for o Senhor falando e agindo, é
claro que é verdadeiro e perfeito. Se for uma descrição da fala ou de ações humanas [e até diabólica]
não precisará ser perfeita ou verdadeira. Quando o texto é prescritivo [as Epístolas, por exemplo], ele
é tido como articulador de princípios normativos. Às vezes, porém, as prescrições são individuais e
locais e não devem ser transformados em doutrinas universais. A Análise Contextual é a mais válida
forma de diferenciar entre passagens descritivas e prescritivas.

 O que constitui o núcleo do ensino, do texto, e o que representa, apenas, detalhes incidentais?
Algumas das principais heresias da História da Igreja Cristã têm sido sustentadas por exegeses que
deixaram de considerar esse ensinamento. Veja como os Pelagianos40 viam a parábola do Filho
Pródigo: “Se o filho pródigo fez a escolha errada e pecou e, depois, sozinho, se arrependeu e voltou
para o pai; o ser humano não precisa de ajuda ou de um mediador para se arrepender e voltar ao
verdadeiro caminho”.

 A quem destina a passagem do texto?


Tem um hino que diz: “Cada promessa, da Bíblia, é para mim”. Parece bonito e piedoso, porém, é um
grande erro hermenêutico. Precisamos entender que a Bíblia é um livro de escrito para dois povos
específicos: “Os filhos de Abraão segundo a carne [o povo de Israel] e os “filhos da fé de Abraão” [a
Igreja]”. Os filhos de Israel [Judeus] cumpriram o seu primeiro papel, na História Divina [Teocrática],
inclusive “matando o Filho de Deus”. A Igreja nasceu e tem um papel completamente singular e
diferente do papel dos filhos de Abraão segundo a carne. A Igreja será arrebatada e, após um tempo,
os descendentes de Abraão voltarão a ter o papel principal na História Divina [Teocracia]. Portanto,
não distinguir as orientações Bíblicas para os Judeus, das orientações Bíblicas para a Igreja, tem sido
a causa da “Grande Heresia” que domina o mundo hoje.

40
(V século da Era Cristã)
24
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Um procedimento Hermenêutico saudável é perguntar:
● 1. Quem está falando nesse texto Bíblico [Deus, o homem ou satanás]?
● 2. O ensino é Universal [para todos] ou está destinado a um grupo específico?
41 42
● 3. O texto está no Antigo ou no Novo Testamento .
Alguns comentaristas e pregadores espiritualizam as promessas e ordens do Senhor, para os
filhos de Abraão segundo a carne [Israel]. Que fique claro, para o estudante, que a Nação de Israel
nasceu na terra, com uma missão e um papel terrestre, com área geográfica [física] e necessidade de
muitos recursos materiais [riqueza]. A Igreja é fruto da chegada do “REINO DE DEUS”. Ela não é do
mundo. Ela será arrebatada antes do apogeu do reino do mundo [governo do anticristo]. Os filhos de
Abraão segundo a carne, apesar de nessa Era da Igreja, estar debaixo de maldição espiritual43 estão
cada vez mais ricos e poderosos, em todo o mundo. O próximo papel deles [missão] necessita que
seja assim.
Após o arrebatamento de Igreja, eles serão o braço direito do governo do falso Messias e, no
tempo certo, se levantarão contra ele. Portanto, espiritualizar que a Igreja é cabeça e não cauda ou
que onde a Igreja pisar a planta do pé lhe tem sido dado [conquista do poder aos “crentes
materialistas mais Judeus do que, Igreja]. Porém, os textos para a Igreja são esses:
● “No mundo terei aflição”
● “Se formos amigos desse sistema, somos inimigos do Senhor”
● “Somos peregrinos nessa terra. Nossa Pátria está nos Céus”.
● “Não podemos servir a dois Senhores. Não podemos servir a Deus e as riquezas”
● “Não serão muitos os ricos e poderosos, entre vós”
O Senhor ocultou o Mistério da Igreja aos grandes, sábios e entendidos e os revelou aos
pequeninos [pequenos porque sempre serão rejeitados por esse sistema que, também, rejeitou o
nosso MESTRE].

... RESUMINDO:
 Determinar o ambiente geral, histórico e cultural do autor humano e do povo para quem está falando.
 Discernir o conteúdo espiritual da mensagem.
 Identificar o propósito do autor humano ao escrever tal texto [os problemas omitidos e os enfocados].
 Entender qual a visão da mensagem do texto. Se numenológica44 ou se fenomenológica45.
 Distinguir entre verdades descritas e verdades prescritivas. Textos que descrevem fatos e paisagens e textos que
ensinam e revelam a vontade do Senhor, para nós.
 Diferenciar, no texto, o que são verdades centrais e o que são detalhes da narrativa.
 Ter em mente que o Antigo Testamento foi escrito para o povo de Israel. Somente algumas exceções e profecias
(para o futuro) pertencem o podem se aplicar aos Cristãos.

9. ANÁLISE LÉXICO-SINTÁTICA

É o estudo do significado de palavras tomadas isoladamente46 e o modo como essas palavras


se combinam47 a fim de determinar, com maior precisão. O significado real e verdadeiro do texto.

41
Os textos do Antigo Testamento, quase sempre, se destinam ao povo Judeu.
42
Os textos do Novo Testamento são, indiscutivelmente, para os Cristãos [Igreja].
43
Só se livram dela se aceitarem a Cristo e se tornarem Igreja também.
44
Divina, verdadeira e real
45
Aparência das coisas, humana e falível
46
Lexicologia
47
Sintaxe
25
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Devemos identificar quando o texto deve ser interpretado literalmente, figurativamente ou
simbolicamente.
Quando o Senhor Jesus afirma: “Eu sou a porta”, “Eu sou a videira”, “Eu sou o pão da vida”,
“Eu sou o caminho”... Como entendemos essas afirmações? Pertence a Linguagem Figurada.
Quando ELE diz: “acautelai-vos do fermento dos Fariseus”, ELE deseja que a palavra
“fermento” simbolize as “doutrinas dos Fariseus”.
Ao ordenar ao paralítico: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa”; ELE deseja ser
entendido Literalmente.
Portanto, temos que, através dos contextos, informações e técnicas, saber identificar a
intenção do personagem do texto estudado.
Se eu te digo: “Nosso colega está verde”: Essa afirmação poderia significar:
A. Ele é muito novo e inexperiente.
B. Ele está doente.
C. Ele está com raiva ou assustado.
Minha afirmação poderia significar qualquer uma dessas alternativas. O que daria, ao
estudante, a possibilidade de escolha sobre minha intenção real ao usar tais palavras? A observação,
minuciosa do texto e do seu contexto [escrito ou presente no fato quando a afirmação fora feita] me
permitirá fazer a escolha certa.
A Análise Léxico-sintática ajuda o intérprete a determinar a variedade de significado de uma
palavra ou de um grupo de palavras e, então, declarar que o significado X é mais provável que o
significado Y ou Z para ser a intenção real do autor, no texto estudado.
Alexander Carson diz: “Homem algum tem o direito de dizer: ‘O Espírito Santo me diz que o
significado do texto tal e tal.’ Como ele poderá ter segurança que é o Espírito do Senhor ou um
espírito enganador, a não ser pela evidência da própria Palavra [contexto e fatos]?”
John A. Broadus disse: “É fato lamentável que certos Cristãos, aparentemente sérios e
verdadeiros, usem de certos recursos, para estudar a palavra do Senhor, que foram os mesmos
usados por homens como o que deu origem a Igreja dos mórmons ou o que deu origem às
testemunhas de Jeová.”
Se não seguirmos as orientações desta Análise, nunca teremos certeza de que nossa
interpretação é o significado que Deus e o seu “parceiro humano” queria que o texto tivesse. Nunca
teremos base para afirmar que nossa interpretação, da Bíblia, é melhor que as interpretações de
hereges contrários a Deus.

9.1. Passos na Análise Léxico-sintática:


Os seis primeiros passos, dessa análise, são:
1. Apontar a forma literária usada: Se é prosa, poesia, profecia ou se é um texto apocalíptico, fará
diferença para o estudo e o entendimento da mensagem.
2. Investigar o desenvolvimento do tema do autor: Para mostrar como a passagem em estudo se
encaixa no contexto das Escrituras.
3. Procurar descobrir as divisões naturais do texto: Normalmente, os livros possuem temas e
propósitos. O texto, em questão, se encaixará em um deles.
4. Identificar os conectivos48 dentro dos parágrafos e sentenças: Eles mostram a relação que existe
entre dois ou mais pensamentos. EXEMPLO: Se um pensamento está ligado a outro por e, ambos
devem ser aceitos. Se estiverem ligados por ou, só um deverá ser escolhido.
48
Conjunções, preposições, pronomes relativos

26
APOSTILA de HERMENÊUTICA
5. Determinar o significado, isolado, da palavra: Qualquer palavra usada por muitos séculos, em um
idioma, passa a assumir, muitas vezes, mais de um significado. É necessário procurar os significados,
possíveis, da palavra em questão e, através do contexto e do tema do texto, procurar definir a sua
interpretação.
6. Analisar a sintaxe: A relação das palavras entre si se expressa por meio de suas formas e
disposições gramaticais.

9.2. Divisões Naturais do Texto:


Você sabia que as divisões das Escrituras em capítulos e versículos não faziam partes dos
textos originais? Apesar de tais divisões terem facilitado o estudo Bíblico49 algumas divisões são
antinaturais e não podem ser entendidas como se fosse um parágrafo 50. Algumas Bíblias atuais
mudaram as numerações de capítulos e versículos, seguindo as novas regras de sentenças e
parágrafos.

9.3. Métodos para Descobrir as Variações de Sentidos de Palavras Antigas:


Há três métodos adotados para se descobrir a variedade de significados que uma palavra possa ter:
1. Estudar as formas como ela foi empregada por outros autores em outros textos, da mesma época.
2. Estudar os sinônimos51. Os primitivos estudiosos de lexicologia estabeleciam distinções, mais ou
menos, rígidas entre palavras que tinham significados semelhantes, mas não exatamente
equivalentes. Há palavras Gregas que parecem semelhantes mais que não se equivalem.
EXEMPLO: AMOR = ágape e phileo.
3. Estudar a palavra e sua etimologia. Devemos ter conhecimento da origem e da raiz histórica da
palavra em foco. O problema desse estudo está nas mudanças de significados que as palavras vêm
sofrendo, no decorrer dos séculos. Às vezes, sua raiz histórica não tem, absolutamente, nada a ver
com o seu significado atual. O autor humano, ao usar certos termos, o usou com o significado que
ele tinha em sua época e em seu idioma [talvez nem soubesse que possuía mais que um]. Se não o
traduzimos ou interpretamos com o valor e significado da época e do idioma original, nunca
chegaremos ao verdadeiro sentido do texto.

9.4. Concordância Bíblica:


Uma concordância ou chave Bíblica contém um bom número de sentidos em que uma
palavra é usada nas Escrituras. Para se examinar os vários modos em que determinada palavra
Hebraica ou Grega foi empregada, deve se consultar uma concordância Hebraica ou Grega, que
aponta todos os textos Bíblicos que apresenta aquela palavra.

9.5. Léxico Bíblico:


É um dicionário, Hebraico ou Grego, que como os da língua portuguesa, registra as várias
denotações de cada palavra nele encontrada. Muitos léxicos oferecem uma síntese do uso da
palavra, tanto na literatura secular quanto na Bíblia, citando exemplos específicos. Na maioria das
vezes, as palavras hebraicas e gregas estão em ordem alfabética. Portanto, para usar tal material, o
estudante precisa conhecer o alfabeto das línguas originais, do Antigo e do Novo Testamento.

49
Na localização dos textos
50
Mudança de tema ou de importância
51
Ou palavras que tenham o mesmo significado ou um significado próximo
27
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Para termos ideia da importância do que estamos falando, vamos citar o exemplo da palavra
Grega sarx, ela pode significar:
A. A parte sólida do corpo, sem serem os ossos [carne] = I Coríntios 15.39
B. A substância geral do corpo = Atos 2.26
C. A natureza sensual do homem = Colossenses 2.18
D. A natureza humana, dominada pelo pecado original = Romanos 7.19
Se o termo usado no texto de João 6.53 fosse traduzido do Aramaico para o Grego com o
significado da letra C ou D, como ficaria a palavra do Senhor Jesus? Em II Timóteo 3.16-17 lemos que
a palavra de Deus nos foi dada para que “... o homem de Deus seja perfeito...”. Que é que o autor
quer dizer com a palavra “perfeito”? Será que ele quer dizer sem falhas e sem pecado? A melhor
resposta é dada pelo contexto: “... e perfeitamente habilitado para toda boa obra”. A ideia, do autor,
é que a Palavra do Senhor nos dá conteúdo, suficiente para sermos uma pessoa piedosa e com
“senso de justiça”.
A palavra Grega moranthei, usada no texto de Mateus 5.13 pode significar “tornar-se
insípido” ou “tornar-se tolo”. O que vai dizer qual o significado no texto em questão é o seu contexto
e o tema da mensagem. O Paralelismo52 é muito usado em poesia. Se o texto estudado for poético,
devemos ficar atentos. O Paralelismo Hebraico pode ser classificado em três tipos:
A. Sinonímico: A Segunda linha, de uma estrofe, repete o conteúdo da primeira com palavras
diferentes [sinônimas] = Salmos 103.10
B. Antitético: A ideia da segunda linha contrasta [é oposta] à ideia da primeira = Salmos 37.21
C. Sintético: A segunda linha vai mais longe ou explica melhor o que diz a primeira = Salmos 14.2
Se o texto, em estudo, for poético, devemos conhecer e aplicar essas classificações. Elas nos
ajudarão a entender melhor a mensagem.
Devemos, também, ficar atentos com as “figuras de linguagem”. Elas, frequentemente, se
tornam “expressões idiomáticas” na história e cultura do povo em questão. Eis algumas da língua
Portuguesa:
1 – “Ele tem os olhos maiores que a barriga”. Entende o significado?
2 – “Antônio pôs água na fervura”. Entende o significado?
3 – “Estou quebrado”. Entende o significado?
4 – “O termômetro está subindo”. Entende o significado?
5 – “O motor do carro morreu”. Entende o significado?
6 – “Tomei o ônibus”. Entende o significado?
7 – “De grão em grão a galinha enche o papo”. Entende o significado?
Se você, como estudante, conhece o idioma, porém, não conhece o dia-a-dia da língua, como
poderá interpretar expressões idiomáticas? As figuras de linguagem são usadas, naturalmente, pelos
autores, para serem interpretadas literalmente53. E aí, como lidar com esse problema? Se eu fosse
examinar a frase seguinte, tecnicamente, onde iria parar? “Ele disse cobras e lagartos”. No entanto,
popularmente: “ele disse palavrões ou palavras chulas”. Se não buscarmos conhecer as figuras de
linguagem, ou seja, as expressões idiomáticas dos tempos bíblicos54, nossa tradução prestará um
desserviço à Palavra do Senhor.
Conheça os cinco modos de se averiguar o significado real:
● 1. Examinar as DEFINIÇÕES ou EXPLICAÇÕES dadas pelo autor.
● 2. Usar o SUJEITO e o PREDICADO para se explicarem um ao outro, mutuamente.
● 3. Examinar o PARALELISMO se houver, no texto em questão.

52
O idioma Hebraico, em suas poesias, é rico nessa prática
53
E elas são linguagem popular, de simples e fácil significado
54
Muito usadas pelos Profetas
28
APOSTILA de HERMENÊUTICA
● 4. Procurar saber se o texto possui FIGURAS DE LINGUAGEM ou EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS.
● 5. Estudar textos e passagens com o MESMO OBJETIVO e SIGNIFICADO.

9.6. Sintaxe:
A língua portuguesa é ANALÍTICA: A ordem das palavras é um guia para o significado. Os
substantivos, normalmente, precedem os verbos, os quais, normalmente, precedem os
complementos. O Hebraico é, também, uma língua ANALÍTICA, porém, muito menos que o
português. O Grego, ao contrário, é uma língua SINTÉTICA. A ordem das palavras não significa muito,
mas, sim suas terminações [das palavras e dos textos].
As Bíblias Interlineares contém o texto Hebraico ou Grego com a tradução impressa entre as
linhas. Justapondo-se os dois conjuntos de palavras, elas capacitam ao estudante indicar, facilmente,
o significado da palavra. Muitas vezes a palavra do texto é uma variação da forma radical da palavra.
Um Léxico Analítico faz duas coisas fundamentais:
1. Aponta a palavra primitiva ou o radical da qual a palavra, no texto, é uma variante.
2. Indica qual parte do discurso é a variação.
EXEMPLO: Se a palavra do texto Grego é thumon, o Léxico Analítico Grego verificará que esse é o acusativo singular
da palavra thumos, que significa raiva ou ira.
Se desconhecermos o significado da expressão acusativo singular, que descreve a forma de
uma palavra será valioso ter uma Gramática Hebraica ou Grega. Elas explicam as várias formas que
as palavras podem tomar em suas respectivas línguas.
Depois de tantos anos a hermenêutica e a exegese tem esgotado todos os tipos de pesquisas
e técnicas, possíveis, para uma boa interpretação. Cuidado para não se sentir tentado a inventar a
pólvora na hermenêutica e querer trazer novas descobertas aos significados históricos, presentes. O
estudante deve fugir, também, da vaidade de querer mostrar conhecimento em suas pregações. Isso
será notado se a sua palavra trouxer verdades profundas e espirituais para os seus ouvintes, e não
por suas citações do Grego, do Hebraico ou de técnicas da hermenêutica ou da exegese.

10. ANÁLISE TEOLÓGICA

A pergunta fundamental feita na análise teológica é: “Como essa passagem se enquadra no


padrão total da revelação de Deus?”. Antes de respondermos a esta pergunta, devemos ter uma
compreensão do padrão da história da revelação.
Há, neste momento uma necessidade de conhecimento dos conceitos de graça, lei, salvação e
o ministério do Espírito Santo.
“O ministro também deve compreender e explicar um texto teologicamente. Não somente
deve estar inteirado do que esse texto está dizendo em primeiro plano, mas também da teologia que
elucida o texto.”
Isto significa que o pregador deve conhecer as tradições, a filosofia, a maneira de pensar, a
“Cosmovisão”, as ideias acerca de Deus e da religião na época em que aquela mensagem foi escrita.
As divisões naturais incluem as grandes doutrinas a serem estudadas na análise teológica:
 A Doutrina da Criação
 A Doutrina de Deus
 A Doutrina do Homem e do Pecado
 A Doutrina da Salvação

29
APOSTILA de HERMENÊUTICA
11. MÉTODOS LITERÁRIOS ESPECIAIS [Parábolas, Provérbios, Alegorias, Figuras de Linguagem]

Completando esse estudo, você deverá estar em condição de:


A. Descrever, sem dúvida, cada um dos termos literários mencionados no texto.
B. Descrever os princípios interpretativos necessários para determinar o sentido que o autor tinha em mente, quando
empregou qualquer um dos métodos literários mencionados.

11.1. Parábolas:
Provém do Grego parabollo que significa lançar ou colocar ao lado se. Assim, a Parábola é
uma estória que se coloca ao lado de outra coisa para efeito de comparação. Podem ser entendida
como Símile ampliado. É, normalmente, uma estória que nos passa um ensinamento, explícito.
A Parábola típica se utiliza de um evento comum da vida diária, para acentuar ou esclarecer
uma importante verdade espiritual. O Senhor Jesus fez muito uso desse tipo de ensinamento55. É
muito útil para uma boa compreensão do que se deseja ensinar. Ela revela verdades, aos crentes 56.
Deixa impressões duradouras. Maior que as deixadas por uma pregação.
A Parábola do Fariseu e do Publicano57, é uma grande lição para rejeitarmos a arrogância, o
orgulho e o legalismo nos colocarmos diante do Senhor com um coração humilde e quebrantado,
que jamais será rejeitado. É um ensinamento simples e inesquecível.
As Parábolas também confrontam os erros em nossa maneira de crer e de viver. O Profeta
Natã confrontou o Rei Davi, através de uma Parábola58.
Às vezes, a Parábola pode ter o propósito de ocultar certas verdades dos indignos de
conhecê-las. Há tempo para tudo debaixo do Céu. Há pessoas que, por sua posição de rebeldia atual,
só se prejudicaria ao tomar conhecimento de verdades que não aceitaria nem praticaria. Por pura
misericórdia, do Senhor, ELE usa Parábola com essa finalidade [ocultar a verdade] para que ao não
entender não se façam mais pecadores e indignos do perdão de Deus. No tempo certo, tomarão
conhecimento das verdades que necessitam para se salvarem.
EXEMPLOS:
1. Lucas 18.1-7
2. Mateus 13.3-8
3. Mateus 13.24-30
4. Lucas 18.10-14
 Análise Literária da Parábola: Crisóstomo e Teofilacto argumentaram que há um único
ponto central em uma Parábola. O restante na narrativa é considerado cortina ou ornamento.
EXEMPLO: O ponto central da Parábola do Semeador é que haverá variedade de maneiras das
pessoas receberam a Revelação da Palavra de Deus [de acordo com cada coração]. A Parábola do
Joio, já nos informa que, no Reino de Deus, até o tempo do Senhor, o bem e o mal existirão, sempre.
Não se deve dar, aos detalhes, significados independentes do ensino central da Parábola.

11.2. Provérbios:
Walter C. Kaiser descreveu os Provérbios como ditos concisos, breves, estimulantes e com
uma pitadinha de sal. Alguns os consideram como bonitos slogans. Um dos maiores problemas da
religião é a falta de integração entre nossa crença teológica e o nosso viver diário. Os provérbios
55
Umas cinquenta, nos quatro Evangelhos
56
Mateus 13.10-12
57
Cobrador de impostos
58
II Samuel 12.1-7
30
APOSTILA de HERMENÊUTICA
podem proporcionar um importante antídoto, pois demonstram o que é a verdadeira religião [fé e
prática]. O foco principal do livro de Provérbios é o aspecto moral e prático, da Lei. São regulamentos
éticos da vida diária, redigidos em termos, universalmente, permanente. Os focos específicos
incluem sabedoria, moralidade, castidade, controle da língua, justiça, cuidado com as amizades e
sociedades. Sabedoria nas Escrituras, não é sinônimo de conhecimento. Ela começa com o Temor do
Senhor, que é reverência Àquele que é digno de ser louvado e adorado. A vida de sabedoria e
prudência procede dessa postura submissa à vontade de Senhor para todos os que creem em SUA
PALAVRA. Do ponto de vista interpretativo, é bom reconhecer que, devido a sua forma altamente
condensada, os Provérbios têm, em geral, um único ponto de comparação ou um princípio de
verdade para comunicar. Forçar um provérbio, em sua interpretação, resultará em ir além da
intenção do autor. Os Provérbios, portanto, comunicam um único pensamento ou comparação que o
autor tinha em mente.

11.3. Alegorias:
Assim como uma parábola é um símile ampliado, a alegoria é uma metáfora ampliada. Uma
passagem que tem causado muita perplexidade, aos evangélicos, é a alegoria, de Paulo, no capítulo 4
de Gálatas. Teólogos Liberais afirmam que Paulo usou métodos hermenêuticos ilegítimos, do seu
tempo. Com relação a essa passagem, diversos eruditos evangélicos tem adotado a posição de G. W.
Meyer, que diz: “Na conclusão desta parte teorética de uma Epístola, Paulo acrescenta uma,
bastante peculiar: Um argumento Alegórico-Rabínico erudito e derivado da própria Lei. Paulo fez isso
para aniquilar a influência dos pseudo-apóstolos, com suas próprias armas e desarraigá-los em seus
próprios terrenos”. Meyer considera, portanto, que Paulo usou essa alegorização, não para legitimá-
la como um método exegético válido, mas como um argumento contra seus adversários [judeus] que
usavam desse método, para transformar o uso correto da Lei em um sistema legalista.
Alan Cole parafraseia, a passagem, da seguinte forma:
“Digam-me, vocês não ouvem o que diz a Lei, vocês que desejam estar sob a lei como
sistema”? As Escrituras dizem que Abraão teve dois filhos, uma da esposa escrava e
outro da esposa livre. O filho da esposa escrava nasceu de forma perfeitamente natural,
mas o filho da esposa livre nasceu em cumprimento da promessa de Deus. Tudo isso se
pode ver como um quadro simbólico [uma alegoria]. Essas mulheres podem representar
duas alianças. A esposa escrava representaria a aliança feita no monte Sinai. Todos os
seus filhos, que estão debaixo da Lei, se encontram sob escravidão espiritual. Hagar,
portanto, simbolizaria o povo Judeu. A esposa livre representaria a Nova Aliança e a
Nova Jerusalém. Sara, portanto, simbolizaria o Cristianismo. Porque as Escrituras dizem:
“Alegre-se, você mulher que não dá a luz, irrompa em um grito de triunfo, você que não
está de parto. Porque a esposa solitária tem mais filhos que a que tem marido”. Ora,
Vocês, meus companheiros Cristãos, são filhos nascidos em cumprimento da promessa
de Deus, como foi Isaque. E como foi no passado, o filho natural [filho da escrava]
provocava e perseguia o filho nascido de modo sobrenatural [filho da livre]; assim é hoje
[os Judeus perseguindo os Cristãos]. Porém, o que diz as Escrituras? “Manda a esposa
escrava e seu filho, pois eles não tomarão parte na herança que pertence ao filho
legítimo da esposa livre”. Assim, meu resumo é este: “Nós Cristãos somos filhos da
esposa livre. Cristo deu-nos a liberdade. Aguentemos firmes, e não nos deixemos atrelar,
novamente, ao jugo da Lei, que significa escravidão”.
A Alegorização Paulina faz as seguintes correlações:
A. Hagar = Serva = Antiga Aliança = A Presente Jerusalém
B. Sara = Mulher livre = Nova aliança = Jerusalém Celestial
C. Ismael = Filho da carne [natural] = Escravos da Lei
D. Isaque = Filho da Promessa Sobrenatural [espiritual] = Os Cristãos

31
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Lotto Schmoller observa:
“Paulo, com certeza, alegoriza aqui, porque ele próprio o diz”. Porém, como ele próprio
deixa claro que é uma alegorização, desaparece a gravidade da dificuldade
Hermenêutica. Ele não procede como Exegeta. Paulo está usando esta Alegorização para
confundir os inimigos [Judeus] hipócritas. Ele não disse: “Isto é o que o texto significa”.
Ele não alegou que estava fazendo uma exposição explanativa do texto. Desde os
tempos de Jesus até Lutero, a Alegorização era um importante instrumento
Hermenêutico. Hoje, porém. Os Eruditos Evangélicos rejeita-a e a classificam como um
artifício Hermenêutico ilegítima.
Outros EXEMPLOS:
1. Salmos 80.8-15
2. João 10.1-18
3. João 6.51-65
4. Isaías 5.1-7

11.4. Figuras de Linguagem:

A. SÍMILES
Estabelece um termo de comparação entre dois elementos através de uma qualidade. É uma
comparação expressa. Um termo comparante.
1. Salmos 2.9b; 1.3; 102.6
2. Isaías 1.8; 57.20
3. Provérbios 25.11
4. II Pedro 2.17
5. I Pedro 1.24

B. METÁFORA
É uma comparação abreviada. Consiste quando um objeto é assemelhado ao outro, afirmando ser o
outro, ou falando de si como se fosse o outro. SEM termo comparante.
1. Gênesis 49.9
2. Salmos 71.3; 84.11; 23.1
3. João 15.1; 10.9; 6.51; 14.6
4. Mateus 5.13-14; 6.22; 26.26
5. Isaías 40.6

C. ANTROPOPATIA
É a atribuição de emoções, paixões e desejos humanos a Deus.
1. Êxodo 34.14
2. Gênesis 6.6
3. Deuteronômio 13.17
4. Efésios 4.30

D. ANTROPOMORFISMO
É a atribuição de características corporais e atividades físicas a Deus
1. Tiago 5.4
2. Êxodo 15.16

32
APOSTILA de HERMENÊUTICA
3. Salmos 34.16; 10.12; 8.3
4. Lamentações 3.56

E. METONÍMIA
Consiste em designar um objeto por uma palavra designativa de outro objeto que tem com o
primeiro uma relação de causa/efeito; continente/conteúdo; lugar/produto; matéria/objeto;
abstrato/concreto; autor/obra. Obs.: A relação é mais mental do que física.
1. I Tessalonicenses 5.19 [“Não extingais o espírito”, refere-se às manifestações especiais do Espírito]
2. Juízes 12.7 [Faltou indicar exatamente o nome da cidade]
3. Lucas 16.29 [Moisés e os Profetas significa seus escritos = Antigo Testamento]
4. Jeremias 18.18
5. Atos 23.37
6. Salmo 18.1
7. I Coríntios 10:21

F. SINÉDOQUE
Figura que se funda na relação de compreensão e consiste no uso do todo pela parte, plural pelo
singular, gênero pela espécie e vice-versa. Obs.: A relação é mais física do que mental.
1. Salmos 73.9 [Língua = palavra]
2. Salmos 52.4 [Língua está no lugar da pessoa]
3. João 13.8 [Lavagem dos pés = Purificação da alma]
4. I Coríntios 11.26
5. Atos 24.5
6. Provérbio. 1.16
7. Lucas 2.1

G. PERSONIFICAÇÃO
Quando se atribui ações ou feito de pessoas a coisas inanimadas.
1. Coríntios 15.55
2. I Pedro 4.8
3. Jó 12.7,8; Isaías 55:12

H. ZOOMORFISMO
Atribuição de características animais a Deus
1. Rute 2.12b
2. I Pedro 4.8
3. Jó 12.7-8
4. Isaías 55.12

I. EUFEMISMO
Consiste em disfarçar, abrandar, suavizar expressões rudes, chocantes, desagradáveis.
1. Atos 7.60
2. II Tessalonicenses 4.14

33
APOSTILA de HERMENÊUTICA
J. IRONIA ou ANTÍFRASE
Expressão que contém censura ou ridículo sob a capa de louvor ou elogio. [Consiste em dizer o
contrário do que pensamos e geralmente em tom de zombaria].
1. Jó 12.2
2. I Reis 22.15; 18.27
3. I Coríntios 4.6,8
4. II Coríntios 11.5; 12.11; 11.13
5. II Samuel 6:20

K. HIPÉRBOLE
É um exagero que extrapola o sentido literal para destacar a idéia e chamar a atenção.
1. Números 13.33
2. Deuteronômio 1.28.
3. Gênesis 22.17
4. II Crônicas 28.4
5. Salmos 119.136
6. Jó 21.25

L. LITOTES
Afirmação moderada que suaviza o sentido literal. É o oposto da hipérbole.
1. Salmos 51.7
2. Isaías 45.3
3. I Tessalonicenses 3.2b

M. PERGUNTA RETÓRICA ou INTERROGAÇÃO


Figura pela qual o orador se dirige ao seu interlocutor, ou adversário, ou político, em tom de
pergunta, sabendo de antemão que ninguém vai responder.
1. Gênesis 18.25
2. Amós 3.34
3. Romanos 8.33-34
4. Hebreus 1.14

N. PLEONASMO
É a palavra ou expressão redundante: repetição da mesma idéia, com a finalidade reforçar e avivar a
expressão e o pensamento.
1. I Reis 21.13
2. Mateus 13.15
3. Josué 7.25
4. Atos 2.30
5. Jó 42.5

O. ANTÍTESE
É a inclusão na mesma frase de duas palavras ou dois pensamentos que faz um contraste um com o
outro. [O mau e o falso servem de contraste ou fundo que dá realce ao bom e ao verdadeiro]
1. Deuteronômio 30.15,19
34
APOSTILA de HERMENÊUTICA
2. Mateus 7.13-14; 17-18; 21-23; 24-27
3. Mateus 24 e 25
4. II Coríntios 3.6-18 [Antigo pacto e Novo pacto; Lei e Evangelho]

P. PARADOXO
É uma proposição ou declaração oposta à opinião comum; a uma afirmação contrária a todas as
aparências e à primeira vista absurda, impossível, ou em contraposição, ao sentido comum.
1. Mateus 16.6
2. Lucas 9.60 [Explicação v. 61 e 62]
3. Mateus 23.24
4. Lucas 18.25
5. Marcos 8.35
Bibliografia

12. MÉTODOS LITERÁRIOS ESPECIAIS [Tipos, Profecias e Literatura Apocalíptica]

12.1. Tipos:
A palavra Grega tupos, da qual se deriva tipos, tem uma variedade de significados. No Novo
Testamento predomina o conceito de semelhança e similaridade. Definição de tipo: “É uma relação,
representativa, preordenada, que certas pessoas, eventos e instituições correspondentes, que
ocorrem em épocas anteriores”. Quase todos os Teólogos Evangélicos concordam com essa
definição.
No Evangelho de João no capítulo 3.14-15 temos uma tipologia, realizada por Jesus, que
dificilmente, seria realizada por qualquer outra pessoa [Teólogos ou Exegetas[. Quem, em sã
consciência, compararia o Senhor a uma serpente? Ela, sempre, foi símbolo do pecado e de satanás.
Porém, o Senhor Jesus, com a autoridade que só ELE possui, sabendo que, ao ser “levantado na
cruz”, estaria incorporando e destruindo todo o pecado do passado, do presente e do futuro,
daqueles que o aceitasse como único e suficiente Salvador pessoal [uma cena tão horrível que Deus,
o Pai, lhe virou o rosto – ELE se fez pecado por nós]; ELE fez essa alegorização. A serpente, portanto,
nesse texto, se tornou um tipo de Cristo. A TIPOLOGIA baseava-se na suposição de que há um
padrão, na obra de Deus, através da história da salvação. O Senhor prefigurou, sua obra
Redentora, através do Antigo Testamento e a cumpriu, no Novo Testamento. A prefiguração é
chamada tipo; o cumprimento da mesma, é chamado antítipo. Os tipos são semelhantes aos
símbolos e podem, até, serem considerados uma espécie particular de símbolos. Duas características
que os diferenciam:
A. Os símbolos servem de sinais de algo que representam sem, necessariamente, ser semelhante em
algum sentido. Já os tipos, se assemelham, de uma ou mais forma, às coisas que prefiguram. Por
exemplo: O Pão e o vinho são símbolos do corpo e do sangue de Jesus. Os sete candeeiros são
símbolos da Igreja, da Ásia. O tipo ou o antítipo possuem mais semelhanças.
B. Na maioria das vezes, o tipo aponta para o futuro, os símbolos, normalmente, não. O tipo,
autêntico, precede, historicamente, do seu antítipo. O símbolo pode preceder, coexistir ou vir após
daquilo que simboliza.
A Tipologia, também, difere da Alegoria. Ela é a busca de vínculos entre os eventos históricos,
pessoas ou objetos, dentro da história da Salvação. A Alegorização é a busca de significados

35
APOSTILA de HERMENÊUTICA
secundários e ocultos, que sublinham o significado primário e óbvio da narrativa histórica. Ela
introduz na narrativa, significados ocultos e objetivos.
Há três características básicas de tipos que podem ser identificados:
1. Deve haver algum ponto notável de semelhança ou analogia entre o tipo e seu antítipo. Haverá,
em alguns casos, pontos de dessemelhança, também. Adão é um tipo de Cristo. A Bíblia, no entanto,
fala mais das suas dessemelhanças que das semelhanças [Romanos 5.14-19].
2. Deve haver evidências de que a coisa tipificada representa o tipo que Deus indicou. Há certas
discordâncias, entre os estudiosos, acerca de quão explícita deve ser a declaração Divina. A famosa
sentença do Bispo Marsh, com referência a tipos, dizia que nada pode ser considerado tipo, a menos
que se demonstre, de modo explícito, figurar nas Escrituras.
3. A terceira característica de um tipo é que ele deve prefigurar alguma coisa futura. Os antítipos, do
Novo Testamento, apresentam verdades cumpridas do Antigo Testamento. A Tipologia é, por
conseguinte, uma forma especial de Profecia.

12.2. Profecias:
A interpretação de profecias é um assunto sumamente complexo. Não tanto em virtude da
discordância concernente aos princípios interpretativos corretos, mas por causa das diferenças de
opiniões sobre como aplicar esses princípios. Em ambos os Testamentos, “o profeta é um porta-voz
de Deus, que declara a vontade de Deus para o povo.” A profecia refere-se a três coisas:
1. Prediz eventos futuros [Apocalipse 1.3 22.7-10; João 11.51]
2. Revela fatos ocultos quanto ao presente [Lucas 1.67-79; Atos 13.6-12]
3. Ministrar instruções, consolo e exortações em linguagem poderosamente arrebatadora [Atos 15.32; I Coríntios 14.3-4]
Se aceitarmos as datas dos vários livros da Bíblia, comumente, dadas pelos eruditos, parece-
nos que uma significativa porção da Bíblia é profecia preditiva. Payne calcula que dos 13.124
versículos da Bíblia, 8.352 (27%) são preditivos. Na Bíblia predizer estava a serviço de proclamar. A
profecia preditiva pode servir a várias funções importantes.
● Pode trazer glórias ao Senhor, testemunhando da sua sabedoria e conhecimento do passado, presente e futuro.
● Pode trazer segurança e consolo ao crente em suas tribulações.
● Pode motivar os ouvintes a uma fé vigorosa e a uma santidade mais profunda. [João 14.20; II Pedro 3.11].

12.3. Literatura Apocalíptica:


No século XX, os estudiosos da profecia Bíblica tem passado considerável tempo investigando
um gênero particular de profecias, chamando “Apocalíptico”. Esta palavra nos vem do Grego
Apokalupsis que significa “desvendar” ou “revelar”. O foco primário da Literatura Apocalíptica é a
revelação do que esteve oculto particularmente com relação ao tempo do fim. Os escritos
Apocalípticos existem desde os tempos do profeta Daniel até o fim do primeiro século da era Cristã.
Entre os vários, não Canônicos, há diversas características comuns. Leon Morris descreve esses
aspectos:
 O escritor escolhe um homem importante, do passado [Enoque, Moisés, Elias] e faz dele o personagem principal
[herói] do livro.
 Esse herói frequentemente empreende uma viagem, acompanhado por um guia Celestial [Anjo] que lhe mostra
visões interessantes e as comenta.
 Muitas vezes o livro nos comunica várias revelações.
 As revelações com frequência fazem uso de simbolismos estranhos e, até, enigmáticos.
 Vez por outra, as visões e revelações são pessimistas com relação a possibilidade de que a intervenção humana
melhore a presente situação.

36
APOSTILA de HERMENÊUTICA
 De modo geral, as visões terminam com a intervenção Divina, levando o presente estado das coisas a um final
catastrófico e estabelecendo um sistema melhor.
 O escritor Apocalíptico, geralmente usa pseudônimo, alegando escrever em nome do herói que escolheu.
 É frequente o escritor tomar histórias passadas e reescrevê-las como se fossem profecias.
 O foco da Literatura Apocalíptica está em consolar a sustentar o “remanescente justo”.

George Ladd vê o desenvolvimento do gênero apocalíptico como resultado de três principais


fatores:
59
1. “O surgimento de um remanescente justo”
2. “O problema do mal” – Deus recompensa o justo e castiga o ímpio. O livro de Jó retrata bem esse conceito. Como
aceitar ser perseguido ou maltratado [ter uma vida pior que a dos ímpios] por um povo que não teme nem obedece
ao Senhor?
3. A Cessação das profecias – Criou-se um vácuo espiritual. O povo de Deus desejava ouvir a voz do Senhor.

Essa Literatura [não canônica] tem muitos pontos em comum com as profecias Bíblicas:
“Ambas se interessam pelo futuro, empregam linguagem figurativa e simbólica, acentuam o mundo
invisível, valorizam a redenção futura do crente fiel.” Há, também, algumas diferenças:
 Os registros Bíblicos falam de profecias que foram proclamadas oralmente e, depois escritas.
 Os registros Bíblicos são oráculos separados e breves. Os apocalípticos são longos e contínuos, há formas paralelas
e se repetem pela segunda e terceira vez.
 Os apocalípticos são excessivamente, simbólicos e com o uso de muitas formas de vida [animais].
 Há nos apocalípticos, um grande “dualismo” entre as forças do bem e as do mal [A Bíblia não ensina isso].
 A literatura apocalíptica consola e anima os fiéis e ataca os que são religiosos só de lábios [não tanto quanto, mas
a Bíblia, também, o faz].
 As profecias Bíblicas pregam a possibilidade de transformação do ser humano. Os apocalípticos são mais
pessimistas e sem esperança.
 Usavam pseudônimos e criavam heróis, na literatura apocalíptica. Já as profecias, narram as verdades do profeta
e algo sobre sua vida.
Há exceções para todas essas citações. São aceitas, porém por quase todos os estudantes
conservadores. Na Bíblia a literatura apocalíptica está presente em Daniel e no Apocalipse. Há
também trechos apocalípticos em Joel, Amós, Zacarias, Ezequiel. O discurso do Senhor Jesus, no
monte das Oliveiras (Mat. 24 e 25), contém elementos apocalípticos. Os apocalípticos Bíblicos tem
muitos elementos em comum com os não Canônicos. Isto não compromete a palavra do Senhor,
pois, ELE sempre usou os métodos literários, populares da época da SUA revelação. Talvezà medida
que nossa compreensão, do gênero apocalíptico, aumente; teremos mais capacidade de interpretar,
com segurança, profecias e revelações contidas nesses textos.

12.4. Problemas na Interpretação da Literatura Apocalíptica:


Antes de entrarmos na interpretação desses itens, precisamos decidir sobre vários problemas
teóricos e práticos, existentes. EXEMPLO:
 A. Princípios Hermenêuticos: Um problema fundamental na interpretação das profecias e de
literatura apocalíptica é saber se podemos usar os mesmos métodos e técnicas usados para a
interpretação de outros gêneros, na interpretação deles. A maioria dos eruditos evangélicos
concorda que, pelo menos a princípio, não necessitamos de uma hermenêutica especial para o
estudo desses textos.

59
Um grupo minoritário, sem grande poder político, que luta para ser fiel ao Senhor em meio às infidelidades, rebeldias e desobediências.
37
APOSTILA de HERMENÊUTICA
Por exemplo: Uma exposição para estudo do livro do Apocalipse começaria pela tentativa de
entender tanto quanto possível, as circunstâncias históricas daquele tempo. Depois, se examinaria o
contexto dos primeiros capítulos, a fim de se obter informações para prosseguir, na pesquisa em
busca de significados. A Análise Léxico-sintática prosseguiria como se dá com qualquer outro gênero
[sabendo que esses textos são ricos em símbolos, figuras e analogias]. A Análise Teológica
averiguaria como as profecias e revelações se ajustam às outras informações já contidas nas
Escrituras.
 B. Sensus Plenior: O Sentido mais Profundo: Há, ou não, um sentido mais profundo nas profecias e
revelações? Eu60, particularmente, defendo que há. Inclusive, como professor de Teologia da
Educação Cristã, gosto muito, de um método pedagógico chamado “Lição Objetiva” [Jesus o usava
em seus ensinos]. Creio que a Lição Objetiva está dentro de um “sentido mais profundo”.
Quando o Senhor Jesus foi até João, para ser batizado por ele existia, naquele fato, um
ensinamento muito mais profundo que o batismo de Jesus, em si [João sabia perfeitamente, que o
Senhor Jesus não precisava ser batizado]. O batismo significa confissão pública de arrependimento e
novo nascimento [morte do “velho homem”]. Jesus, certamente, não precisava disso. Fez para
ensinar que todo ser humano, que deseja a vida eterna [nova vida em Cristo], precisava fazê-lo.
Creio também, que o Senhor Deus, ao criar o mundo, fez uso desse método [Lição Objetiva].
Sabemos por tudo que as Escrituras dizem do Senhor que ELE não se cansa e não dorme. Portanto,
ao descansar no sétimo dia da criação, estava dizendo à humanidade: “Vocês são frágeis e, após seis
dias de trabalho, devem descansar e recuperar as forças. Aproveitem para me oferecer um culto de
louvor, adoração e agradecimento.” Acredito assim que a guarda do sábado [dia específico], é para o
povo Judeu. Porém, o princípio de descanso, após seis dias de trabalho, é para toda humanidade que
ama a vida, o corpo e a saúde.
Dessa forma, defendo a presença do “Sensus Plenior” não só nas profecias e gêneros
apocalípticos, mais em muitos dos ensinamentos contidos na Bíblia Sagrada.
 C. Literal versus Simbólico: O terceiro problema é muito prático. Quando devemos interpretar o
texto, Literalmente, Simbolicamente ou Anagogicamente?
Por exemplo: A besta do Apocalipse é uma pessoa? Uma análise simbólica a vê como a
personificação da ânsia pelo poder. A análise literal pode interpretá-la como um poderoso líder
mundial e espiritual [corrupto e materialista, inimigo do Senhor].
Certamente, há passagens em que os simbolistas são literais e, há passagens, onde os literalistas
vêem como símbolos. Portanto, as diferenças entre ambos são mais relativas que absolutas. Só o
discernimento espiritual poderá dar ao estudante, a interpretação através do método correto.
 D. Universalidade: Precisamos saber se um elemento [símbolo] terá sempre o mesmo sentido e
significado [universalmente] toda vez que ele aparecer no texto. Alguns atribuíam valores universais
a certos números, cores e objetos, porém os eruditos de hoje preferem não achar que o valor e o
significado serão sempre o mesmo [aceitam, porém, a ideia de “regularidade” no significado de
certos elementos].
Por exemplo: Nos textos Bíblicos, o azeite sempre simbolizou o Espírito Santo; o fermento simboliza
o mal e o pecado. Os números 7, 12 e 40, carregam sentidos simbólicos. As cores branca [pureza],
vermelha [derramamento de sangue], roxa [realeza], também trazem os seus sentidos ocultos.
Porém, será que em todos os textos em que se apresentam, possuem o mesmo sentido
[universalidade]?

60
Posição do Pastor José Pereira Sotéro.
38
APOSTILA de HERMENÊUTICA
 E. Condicionalidade: Que o Senhor é imutável [não muda], não temos nenhuma dúvida. Porém há
certos fatos ligados a certas condições. Por amor e misericórdia, ELE, mesmo após pronunciar um
juízo, deixa claro que se houverem mudanças nas atitudes [arrependimento] haverá mudanças no
castigo [condicionalidade]. Em Jeremias 18.10 temos o auxílio que necessitamos para entender tal
situação. Portanto, provavelmente, seja reconhecer que as profecias podem trazer consigo uma
condicionalidade implícita e que se houver arrependimento da nação ou do indivíduo em questão,
muda-se o castigo ou o juízo profetizado.
 F. Significado Único versus Significado Múltiplo: Podem alguns textos Bíblicos ter mais que um
significado? Quem crê e aceita o Sensus Plenior afirma que sim. Payne prefere afirmar que as
Escrituras têm um único significado, com uma grande variedade de aplicações. Leiamos o seu
esclarecimento:
“As Epistolas do NT, repetidamente, citam profecias do AT não com o cumprimento real,
porém com aplicações práticas. II Coríntios 6.16 cita Levítico 26.11, e II Coríntios 6.17
cita Isaías 52.11. II Coríntios 6.18 traduz, livremente, Oséias 1.10. Todas as citações
traduzem a alegria, do povo do Senhor, pela presença de Deus, e a necessidade de nos
mantermos puros [embora só Oséias falasse com esse objetivo].”
Terry afirma: “Podemos, prontamente admitir que as Escrituras são susceptíveis de aplicações
práticas múltiplas.”. Payne trabalha com três conceitos:
1. Predição Progressiva: Há um progresso cronológico em muitas profecias. A passagem A pode nos
falar de certos acontecimentos; a passagem B, dos acontecimentos imediatamente seguintes e a
passagem C, acerca dos acontecimentos culminantes da série. A associação, dessas passagens, forma
um todo, que é identificado como Predição Progressiva. No livro de Zacarias e no de Apocalipse,
temos exemplos desses fatos.
2. Cumprimento Evolutivo: É uma profecia que se cumprirá por etapas. A passagem de Gênesis 3.15
começou a se cumprir com a morte e ressurreição do Senhor e a cada dia tem seu cumprimento
acontecendo. Porém, só se cumprirá plenamente no Juízo Final.
3. Contração Profética: “A Profecia Bíblica pode saltar de um ‘pico’ proeminente preditivo para outro
sem se preocupar com o ‘vale’ existente entre ambos [o que pode envolver lapsos, nada desprezíveis,
na cronologia].”. A mistura das profecias, sobre a primeira e a segunda vinda de Cristo é um perfeito
exemplo desse fato.

12.5. Variedades de Teorias Escatológicas:


As teorias se baseiam em formas diferentes de interpretar certos acontecimentos proféticos.
Conheçam algumas dessas teorias:
 A. Pré-milenista: É a teoria de que Cristo voltará antes do Milênio. Ele descerá à Terra e
estabelecerá um Reino Terreno, de mil anos, com sua sede em Jerusalém. Cumprir-se-á profecias
feitas ao povo de Israel e ao Rei Davi. A Igreja, antes arrebatada, ajudará nesse Governo do Senhor.
 B. Pós-milenista: É o ponto de vista de que através da Evangelização, o mundo finalmente será
alcançado por Cristo. Por mil anos [período simbólico] o mundo desfrutará das bênçãos da
obediência à Palavra do Senhor e, após, Jesus virá e dominará para sempre.
 C. Amilenismo: É conceitualmente uma forma de pós-milenismo. O Milênio, nessa teoria é
simbólico e representa todo o tempo entre a primeira e a segunda vinda do Senhor. Durante esse
tempo, Jesus tem governado no coração daqueles que o aceitaram. Após o Juízo Final, reinaremos,
eternamente com o Senhor.

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APOSTILA de HERMENÊUTICA
Hermeneuticamente falando, o que separa esses teóricos uns dos outros, é a forma como se
interpreta o texto: Literalmente, Simbolicamente ou Alegoricamente. Eles possuem base Bíblica,
dependendo da forma como interpretam o texto, para defenderem suas teorias.
Sabemos que a maneira como entendemos o futuro não nos salvará ou condenará. A
maneira como vivemos o presente e o nosso dia-a-dia é que revelará que tipo de Cristão nós somos e
o que tem prioridade, em nossa existência [o que realmente importa e tem valor].
Em última análise, a mais importante implicação espiritual de todo o estudo escatológico,
encontra-se em I João 3.2-3: “Amados, agora somos Filhos de Deus e, ainda, não se manifestou o que
havemos de ser. Sabemos que quando ELE se manifestar, seremos semelhantes a ELE. Nós O veremos
como ELE é. E a si mesmo se purifica todo o que NELE tem essa esperança, assim como ELE é puro.”

MARANATA! ORA VEM SENHOR JESUS!

13. CONCLUSÃO

Esperamos que esse humilde trabalho possa cooperar com aqueles que com sinceridade
desejam entender, obedecer e anunciar a PALAVRA DO SENHOR. Se você é servo e de coração deseja
estar no CENTRO DA VONTADE DE DEUS, esse trabalho e a presença do ESPÍRITO SANTO em você
colaborarão para que sua vida e mensagem [pregação] estejam baseadas na VERDADEIRA VONTADE
DE DEUS, que é JESUS, a PALAVRA VIVA E PODEROSA61.

14. BIBLIOGRAFIAS

• VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada [Princípios e processos de Interpretação Bíblica].


Editora Vida, 2001.
• BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Editora JUERP, 4ª edição, 1988.
• Site da internet. www.cristianet.com.br/biblia/arquivo/figura_de_linguagem.html, Agosto de 2003.
• SOTÉRO, J. P. Anotações e pesquisa realizadas “nos tempos” de Seminário.

61
Conclusão elaborada pelo Pastor José Pereira Sotéro.
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