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Paixão Inesperada

Bastion Clube 04

Stephanie Laurens
Paixão Inesperada – Série Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Capítulo 1

Princípios de maio

Povoado de Avening, condado de Gloucester

Flores de maçã na primavera.

Julius —Jack— Warnefleet, barão Warnefleet de Minchinbury, parou seu cavalo

sobre uma das colinas que levavam ao vale e contemplou as nuvens brancas e

rosadas que envolviam a mansão Avening. Era a primeira vez que via seu lugar em

sete anos; tempo demais.

As flores de maçã sempre lhe recordavam as noivas e enquanto as observava

com receio, soltou as rédeas e fez seu cavalo cinza, Lutador descer a longa colina.

Parecia que tudo conspirava para recordar-lhe seu fracasso, sua incapacidade de

encontrar uma esposa.

A mansão Avening estava sem uma senhora desde que a mãe de Jack morreu,

quando ele tinha seis anos; seu pai nunca voltara a se casar.

Jack havia passado os últimos treze anos atrás das linhas inimigas na França,

lutando pelo rei e a pátria. A morte de seu pai, sete anos atrás, o trouxera de volta

ao lugar, mas só durante dois breves dias, o tempo suficiente para assistir ao

funeral e deixar a administração de Avening em mãos do velho Griggs, o antigo

administrador de seu pai. Logo, de imediato, o dever voltou a reclamá-lo no outro

lado do Canal, de volta aos diversos papéis que representara para desbaratar o

transporte marítimo e os contatos comerciais franceses e para debilitar desse modo

o Estado francês.

Não era o tipo de batalhas que a maioria das pessoas imaginava que lutaria um

comandante da Guarda Real.

Junto a um seleto grupo de colegas, também oficiais, o puseram as ordens de

um homem muito reservado conhecido como Dalziel, o responsável por todas as

operações encobertas inglesas no solo estrangeiro. Nem Jack nem nenhum de seus

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outros seis colegas sabiam quantos agentes tinha Dalziel sob seu comando, nem o

amplo que era o alcance de suas atividades. O que se sabia era que estas

contribuíram diretamente — de fato, foram cruciais — na derrota definitiva de

Napoleão.

Mas a guerra acabou e, junto com seus colegas, Jack se retirou e agora se

dedicava a tentar retomar as rédeas de sua vida civil.

No mês de outubro passado, seus seis colegas e ele, todos eles cavalheiros em

posse de um título, riqueza e as consequentes responsabilidades; portanto, todos

muito necessitados de uma esposa, se reuniram para formar o clube Bastion, seu

baluarte contra as casamenteiras da alta sociedade; sua fortaleza da qual avançar

em território inimigo, lidar com as grandes damas da aristocracia e conseguir a

esposa adequada.

Esse ao menos foi seu plano, mas as coisas não foram tal como ele tinha

imaginado.

Tristan Wemyss conheceu sua esposa enquanto supervisionava a reforma da

casa que agora era a sede do clube. Pouco depois, Tony Blake se encontrou, de um

modo quase literal, com sua atual mulher além de um cadáver. Charles St. Austell,

que fugiu da capital e das mulheres de sua família, demasiado serviçais para seu

gosto, viu a que seria sua esposa vagar como um fantasma pelo lugar de seus

antepassados. E agora Jack também fugia da capital, ainda que em seu caso não

motivado por nenhum parente.

Ouviu o chocalho das rodas de uma carruagem. Através do pó que ela levantou,

vislumbrou uma carruagem negra pelo caminho que levava de Cherington. A

carruagem passou o cruzamento com o caminho de Tetbury que Jack percorria e

continuou para o oeste, em direção a Nailsworth.

Perguntou-se a quem pertenceria o veículo; esteve fora tanto tempo que não

tinha nem a mínima idéia de quem podia visitar a quem nesse momento.

Ao regressar definitivamente a Inglaterra, se viu obrigado a decidir qual de suas

responsabilidades deveria atender primeiro. Não tinha irmãos e a morte de seu pai

deixara Avening em suas mãos sem ninguém mais que velasse pela mansão e suas

terras.

Mas Jack conhecia até o último rincão da propriedade. Nasceu e se criou ali,

naquele verde vale da ladeira noroeste dos Cotswolds.

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Avening estivera até então em boas mãos. Jack confiava em Griggs tanto como

seu pai o fizera em seu tempo. Mas a necessidade de assumir o controle dos

diversos investimentos e extensas propriedades que tinha herdado de um modo

totalmente inesperado de sua tia avó Sophia foi muito mais urgente.

Sua mãe era a filha de um conde e seu pai neto de um duque. A tia avó Sophia,

uma excêntrica solteirona, pertencia a uma pequena ramificação da árvore

genealógica de sua família paterna. O único objetivo dessa mulher foi juntar

riqueza. E ainda que Jack só se recordasse de tê-la visto em duas breves ocasiões,

quando morreu, dois anos atrás, lhe legou uma considerável parte de sua fortuna.

Quando Jack regressou a Inglaterra, havia várias decisões urgentes referentes a

essa herança: parecia essencial informar-se sobre suas novas terras e

investimentos. Assim, reprimiu seu arraigado desejo de regressar a Avening para

assegurar-se de que tudo estava tal como o recordava; de que após esses anos e

depois de tudo o que tivera de fazer, ver e suportar, seu lugar ainda estava ali

como ele o recordava e havia dedicado os últimos seis meses a tomar o controle de

sua herança e a juntá-la toda em um conglomerado manejável.

Ainda que na atualidade possuísse numerosas fazendas muito elegantes, a

Avening continuava sendo o eixo, seu lugar, o lugar que levava em seu coração.

Por isso agora estava ali, descendo devagar pelo caminho enquanto deixava que

seus cansados sentidos absorvessem aquelas visitas e sons tão familiares,

atenuando seu mau humor, seu estado de ânimo sombrio e sua surda, mas

persistente dor de cabeça.

O mau humor e o estado de ânimo se deviam ao fracasso em sua procura por

uma esposa adequada. Aceitara que devia fazê-lo, tinha feito das tripas coração e,

enquanto se encontrava em Londres organizando a herança, se dedicara a

examinar o terreno. Quando se iniciou a temporada, acreditou que haveria

muitíssimas damas adequadas. Acaso não era disso que tratava o mercado

matrimonial? Em troca, descobriu que, ainda que grande quantidade de jovens

doces, e não tão doces, lotavam as ruas, parques e salões de baile, não havia nem

rastro do tipo de mulher com a qual poderia pensar em casar-se.

Pensou que estava muito velho e agitado. Só tinha trinta e quatro anos, a idade

perfeita para que um cavalheiro contraísse matrimonio, e não tinha preferências

físicas com as mulheres. Altas, baixas, ruivas ou castanhas, todas lhe iam bem. O

importante era que fossem femininas: suaves, de pele perfumada e sensuais curvas

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e que, uma vez em seu leito, de seus sedutores lábios abertos surgissem pequenos

arquejos entrecortados.

Deveria ter sido fácil de agradar. Em troca, descobriu que não podia suportar a

companhia daquelas jovens damas durante mais de cinco minutos. A partir desse

momento, o aborreciam tanto que lhe custava recordar seus nomes. Por motivos

que desconhecia, não tinham o poder de atrair e muito menos de fixar sua atenção.

Minutos depois de ser apresentado, indefectivelmente se descobria procurando uma

via de escape. E se sentia bem escapando. Ou ao menos isso acreditava até que

conheceu a senhorita Lydia Cowley e a harpia da sua tia.

A senhorita Cowley, filha de um rico industrial e sua tia, parente distante de um

lorde das Midlands. Jack encontrou pouco que lhe interessasse na senhorita

Cowley. Não obstante, ele havia despertado grande interesse nela e na sua tia e

tentaram prendê-lo. Com a mente em outra parte, Jack não viu o perigo até que

quase foi demasiado tarde e seus aguçados instintos reagiram. Os mesmos

instintos que o mantiveram com vida e a salvo ao longo dos treze anos que vivera

com o inimigo.

Ambas as mulheres acreditavam ter conseguido prendê-lo a sós com a senhorita

Cowley em uma salinha do primeiro piso. Quando a tia entrou, com lady Carmichael

no papel de testemunha inocente ao seu lado, encontrou a salinha vazia. Indignada

e confusa, a mulher se retirou para procurar em alguma outra parte a sua perdida

sobrinha. Por sorte, não olhou no estreito balanço da janela do salão e não viu

Jack, que mantinha a senhorita Cowley colada a ele, com os olhos arregalados por

cima da mão com que lhe tampava a boca. Segurava-a ali, em ameaçador silencio

e precariamente apoiado dois pisos acima do solo, até que a porta da salinha se

fechou e deixaram de ouvirem-se os passos que se afastavam.

Só então, Jack voltou a entrar pela janela e a soltou.

A jovem viu a expressão de seu rosto, mas não foi o bastante rápida para sair da

sala. Ele não tentou fingir que não compreendia o que acontecera e nem ocultou

sua reação diante daquela artimanha. Finalmente, a senhorita Cowley lhe deu uma

atropelada e confusa explicação e saiu fugindo.

Depois disso, Jack cancelou todos seus compromissos sociais e se refugiou no

clube para meditar sobre sua situação. Foi então quando Dalziel lhes informou que

Charles necessitava ajuda em Cornualha com um espião francês, coisa que a Jack

parecia um presente caído do céu. Acabara de organizar a herança e decidido que

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também terminara com sua busca de esposa, assim, junto com Gervase Tregarth,

outro membro do clube, abandonou Londres para adentrar-se em um mundo que

se compreendia.

Ainda que a missão em Cornualha finalmente acabasse com êxito, no transcurso

da mesma, Jack recebeu o pior golpe na cabeça que já sofrera. Quando tomava

conta do espião francês e Charles regressou a sua casa de novo, ele voltou a

Londres com a cabeça ainda dolorida para que Pringle o examinasse, um cirurgião

com experiência no campo de batalha a quem os membros do clube consultavam

com freqüência. O médico lhe disse que se não tivesse uma cabeça tão dura, não

teria sobrevivido ao golpe. Fora isso, estava bem. Não tinha nenhum dano que

umas boas semanas de repouso não pudessem reparar.

Ficou no clube por alguns dias mais para acertar alguns assuntos e logo

regressou a Cornualha para as bodas de Charles. Isso fora há dois dias. Após o

almoço nupcial, cavalgou até Exeter através de Dartmoor e no dia seguinte tomou

o caminho para Bristol, onde havia passado a noite anterior para, na primeira hora

dessa mesma manhã, sair em marcha pelos caminhos rurais e percorrer o último e

longo trecho de seu regresso ao lugar.

Tinham se passado sete longos anos desde a última vez que pousou os olhos na

fachada de pedra calcária da casa e observou como o sol poente a deixava

dourada. Sabia exatamente por onde tinha que olhar para ver os telhados

inclinados da mansão através das árvores que ladeavam o caminho e as árvores

frutíferas mais além. O olor das flores de maçãs o envolvia e, por mais que lhe

recordasse as noivas, também lhe recordava o lugar. Sentiu-se cheio de gozo e

seus lábios se curvaram em um sorriso quando chegou ao cruzamento do caminho

de Tetbury com o de Nailsworth e Cherington.

Para a esquerda se encontrava o povoado, mas Jack virou Lutador para a direita.

Com a vista a frente, golpeou os flancos do cavalo com os saltos e avançou a meio

galope. Quando dobrou a curva, com o coração apertado pela antecipação, viu um

pouco mais adiante uma carruagem capotada na lateral do caminho. O cavalo,

preso entre os tirantes do arnês, dominado pelo pânico e ingovernável, tentava

levantar-se sobre duas patas, sem prestar atenção à dama que agarrava as rédeas

em uma tentativa de acalmá-lo.

Para Jack foi suficiente uma olhada para avaliar a situação. Seu rosto se

endureceu e fez Lutador avançar a galope, pois a qualquer momento o cavalo preso

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se revolveria contra a mulher, que olhou fugazmente por cima do ombro ao ouvir o

estrondo de uns cascos aproximando-se.

Com os olhos fixos no assustado animal, Jack desmontou a toda velocidade,

empurrou a dama com o ombro e a cadeira, e se balançou sobre as rédeas no

mesmo instante em que o cavalo se revolvia.

— Oh! — exclamou ela e caiu de costas sobre a fofa erva além da vala.

Jack se abaixou, mas o casco com a ferradura de ferro lhe roçou o mesmo ponto

exato da cabeça onde o haviam golpeado em Cornualha.

Amaldiçoou, e mordeu o lábio com força e agüentou a dor enquanto se retorcia

para evitar que o animal o pisoteasse. Logo o agarrou pelo freio por cima do

forcado e puxou com suficiente decisão para fazê-lo saber que estava em mãos de

alguém que sabia o que fazia. E começou a falar. Sussurrou assegurando-lhe que já

havia passado o perigo. O cavalo bufou e sacudiu a cabeça, mas Jack não cedeu e

seguiu falando-lhe até que, pouco a pouco, o foi acalmando.

Então, dirigiu um olhar a dama. Ao aproximar-se só a vira de costas, agora

observou que tinha os cabelos de um mogno escuro trançado e preso em um

elegante coque. Usava um vestido de passeio de cor ameixa e parecia bem alta.

Nesse momento, deitada de boca para cima se esforçava para levantar-se sobre os

cotovelos. Seus olhares se encontraram. O rosto dela era de uma beleza clássica e

seus escuros olhos o estava fulminando. Jack piscou surpreso. Parecia que desejava

arrancar-lhe uma a uma todas as extremidades e tivesse toda a intenção de fazê-lo

em breve. Voltou a olhá-la com mais atenção, mas quando o cavalo estremeceu

ainda nervoso, voltou a centrar sua atenção nele e o tranqüilizou um pouco mais.

Com o rabo do olho, captou uma fugaz visão de anáguas e delicados joelhos

quando a mulher se levantou. Olhou-a de novo, mas ela já não se fixava nele. Em

lugar disso, saltou a vala com segurança e se aproximou rapidamente da lateral da

carruagem capotada.

Jack percebeu que até então não vira o condutor.

— Está consciente?

Após um instante, ela respondeu:

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— Não. — A carruagem se balançou quando tentou levantá-la sem êxito. — Está

preso. Tem uma perna quebrada e possivelmente também um braço. Quando o

cavalo estiver bem calmo, terá que ajudar-me a tirá-lo.

Para alivio de Jack, sua voz não mostrava o mínimo rastro de agitação e muito

menos de histeria. Suas palavras soaram enérgicas, com tom autoritário, como se

estivesse habituada a ser obedecida.

Jack olhou o cavalo.

— Não posso soltá-lo. Está demasiado nervoso, mas creio que o bastante calmo

para que você possa segurá-lo. Venha, pegue as rédeas e eu tiro o condutor.

A dama se ergueu. Com os braços na cintura, rodeou a carruagem e se deteve a

um metro e meio de Jack, olhando-o com seus escuros olhos e os lábios apertados.

Ele estava certo: era alta. Só uns poucos centímetros mais baixa que ele.

— Não se engane. — Seu olhar era calibrador e desdenhoso. — Não pode

levantar a carruagem e tirá-lo ao mesmo tempo.

Jack lhe devolveu o olhar. Uma dor pungente lhe atravessava o crânio. Com um

tom que roçava a arrogância, replicou:

— Você segure as rédeas e deixe para mim o condutor.

Ofereceu-lhe as rédeas, mas ela não fez gesto de pegá-las. Em lugar disso,

seguiu olhando.

— Tire o arnês do cavalo. — Suas palavras foram uma tensa ordem. — Se ele se

deixar levar de novo pelo pânico, não poderei segurá-lo e se arrastar a carruagem,

fará ainda mais dano ao condutor. — Voltou-se de novo para a lateral da

carruagem. — Ou pior ainda, você poderia deixar cair a carruagem depois de

levantá-la.

Jack mordeu a língua e engoliu como pode a nada civilizada resposta que lhe

veio à mente. Disse a si mesmo que não pensara em tirar o arnês porque a cabeça

lhe palpitava de dor.

Enquanto sussurrava ao cavalo, começou a soltar com muito cuidado os ganchos

de um lado. A dama se aproximou e, sem nem olhá-lo, se pôs a trabalhar com os

ganchos do outro lado. Jack estudou seu rosto; seus traços de alabastro estavam

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lindamente cinzelados e tinha uma expressão de fria determinação. Umas

sobrancelhas arqueadas e umas longas e espessas pestanas marcavam uns

grandes e escuros olhos. Ainda não se aproximara o suficiente para estar certo de

sua verdadeira cor.

Quando conseguiram soltar o arnês, o cavalo avançou um pouco e a carruagem

ameaçou inclinar-se mais para o chão, mas Jack agarrou por um dos varais.

— Tome, pegue as rédeas e faça-o avançar, eu seguro a carruagem. —

Inclinavam-se mais, as extremidades presas do condutor ficariam ainda mais

amassadas.

A dama fez o que lhe dizia, se aproximou da cabeça do animal e começou a

falar-lhe em tom tranquilizador enquanto o fazia avançar passo a passo. Jack

segurou o peso da carruagem, olhou por cima do ombro e viu que Lutador

regressara e comia erva do outro lado do caminho.

— Amarre-o a cerca, perto do meu cavalo.

Ela obedeceu mesmo lhe lançando outra de suas indignadas olhadas enquanto o

fazia.

Quando regressou, Jack já conseguira equilibrar a carruagem e segurava os

varais com ambas às mãos.

— Fique aqui e aguente isto até que eu levante o coche. Quando o fizer, solte-os

e venha me ajudar a tirar o cocheiro.

A mulher percorreu-lhe o rosto com a vista e olhou os varais avaliando seu

plano.

Finalmente concordou e se aproximou tomando o relevo.

Jack mordeu a língua uma vez mais. Era a pessoa mais irritante que conhecera e

nem tinha que falar para demonstrá-lo.

Ele rodeou a carruagem e viu o condutor. Era um jovem cavalheiro que para

salvar ao cavalo e o veículo não havia saltado a tempo. O faetonte capotou de lado

e lhe amassou a perna. Por sorte, a pendente da vala não era muito abrupta e o

coche não continuou rodando, mas ficou deitado de lado.

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Jack se abaixou e confirmou o pulso do ferido. Era bastante forte e regular. No

mínimo tinha uma perna quebrada. Um rápido exame revelou que tinha também

um ombro deslocado e uma clavícula e um braço quebrados. E devia ter levado um

bom golpe na cabeça.

Jack fez uma careta de dor, se ergueu e estudou o desastre. A fina madeira dos

ornamentos laterais da carruagem se estilhaçou, mas a estrutura continuou intata

porque era boa de qualidade. Demorou um minuto para identificar os melhores

pontos da armação que podia agarrar para levantá-la. Colocou-se de costas contra

o coche, meio de cócoras e oclhou a dama, que o observava guardando um

surpreendente silencio e mostrando uma reticente aprovação.

— Quando o levantar deixe que os varais se elevem também. Quando

estivermos seguros que a carruagem aguentará e não se desmantelar, aproxime-se

e ajude-me a tirá-lo.

Ela assentiu.

Jack se ergueu e levantou a lateral do veículo até a altura da cintura, reuniu

todas suas forças e o elevou ainda mais. Caíram uns pedaços do painel e a madeira

rangeu, mas a estrutura resistiu.

Imediatamente, a mulher se aproximou correndo. Abaixou-se e pegou o

cavalheiro pelos ombros.

— Não! Tem um ombro deslocado. Deslize as mãos por baixo dos braços e

arraste-o.

Ela ficou tensa diante de seu tom, mas obedeceu. Mesmo não podendo ver a

cara, Jack pode imaginar sua expressão. Apoiou parte do peso da carruagem sobre

um ombro para assim poder ajudá-la...

— Não se mova idiota! Já posso sozinha.

Jack ficou tenso como se tivesse sido esbofeteado. Ela lhe lançou um furibundo

olhar antes de retroceder afastando o jovem do veículo.

Jack tinha o ouvido muito afinado e a ouviu resmungar:

— Não sou uma mulher fraca a ponto de desmaiar, estúpido.

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De um modo totalmente inesperado, os lábios de Jack se curvaram em um

sorriso.

— Já pode deixá-lo aí.

Arrastara o ferido até a grama. Jack deixou cair devagar à carruagem e se

aproximou. Com o cenho franzido, a dama se ajoelhou junto ao jovem inconsciente.

— Conhece-o? — perguntou Jack, ajoelhando-se do outro lado.

Ela negou com a cabeça.

— Não é daqui — respondeu.

O que significava que ela sim e isso o surpreendeu. Ele não vivia na zona há sete

anos, mas se aquela mulher estivesse no funeral de seu pai, Jack teria se fixado

nela e a recordaria.

Dispôs-se a examinar metodicamente o ferido; estendeu-lhe as extremidades e

avaliou as ruturas.

Com o cenho ainda franzido, a dama observou suas mãos.

— Sabe o que está fazendo?

— Sim.

Ela apertou os lábios, mas aceitou sua resposta.

Sua primeira avaliação dos ferimentos fora correta. Com um rápido e esperto

puxão, lhe recolocou o ombro. Logo, usando pedaços dos painéis que saltaram da

carruagem, seu lenço de pescoço e o do jovem ferido, lhe estabilizou o braço

quebrado e o segurou ao ombro. Feito isso, se voltou para a perna, quebrada em

dois lugares. Tinha madeira de sobra para imobilizá-la.

Olhou a dama.

— Suponho que poderá sacrificar os babados de sua anágua.

Ela ergueu a vista, olhou-o aos olhos e um tênue rubor cobriu suas pálidas

bochechas.

— Claro que sim.

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Apesar do rubor, seu tom não transmitia nenhum tipo de timidez. Deu-lhe as

costas e se sentou. Um instante depois, Jack ouviu como rasgava o tecido.

Enquanto ele se aproximou da carruagem em busca de tábuas mais longas.

Quando regressou, havia uma longa tira de fina batista junto ao homem

inconsciente. Jack continuou com a tarefa e ela o ajudou em silencio. Ainda que,

segundo sua experiência, as mulheres poucas vezes guardassem silencio.

Suas mãos, que colocava onde ele lhe indicava para segurar as taboas, eram

delicadas e seus dedos longos e elegantes, sua pele suave. Umas mãos claramente

aristocráticas. Dirigiu-lhe um breve olhar ao rosto, mais de perto agora que ambos

estavam inclinados sobre o jovem. Um semblante claramente aristocrático também.

Quanto ao demais...

Abaixou a vista e se obrigou a concentrar-se de novo no ferido e na sua perna

quebrada.

Não era fácil, porque as distrações eram múltiplas. A mulher tinha uma figura

que poderia descrever como plena de curvas. Jack pensava em adjetivos como

“voluptuosa” e expressões como “bem dotada”. Logo recordou seu olhar feroz e lhe

ocorreu a descrição perfeita. Boadicea,* uma rainha guerreira. Muito inglesa. Muito

feminina. Muito fera.

Acabou de segurar a improvisada bandagem, sacudiu a poeira das mãos e

estendeu uma a ela, que mantinha a vista fixa no caminho, as suas costas. Sem

olhá-lo, ao que pareceu sem pensar, apoiou uma mão na sua e lhe permitiu

levantá-la. Afastou a mão de imediato, olhou ao ferido.

— A mansão Avening é a casa mais próxima. Como vamos levá-lo até aí?

Tornara a surpreendê-lo. Não só havia oferecido sua própria casa, mas a

pergunta era retórica.

Mesmo se sentindo tentado de ver como ela resolveria o problema, se apedou do

desafortunado inconsciente.

— Provavelmente haja alguma peça da carruagem que possamos usar para

transportá-lo.

Aproximou-se para olhar. Uma porta lateral estava destroçada; a outra estava

intacta, mas era pequena e a taboa sob o assento estava lascada.

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— Isto servirá?

Jack se voltou e viu aquela rainha guerreira assinalando a parte posterior do

faetonte.

Aproximou-se, examinou a madeira longa e levemente curvada da parte de trás.

Estava solta por um extremo, mas intacta.

— Afaste-se.

Ela não se moveu, claro. Com os braços cruzados, observou como ele agarrou

com firmeza a taboa, puxou e desprendeu-a. Jack resistiu ao impulso de comprovar

se também dava golpezinhos de impaciencia no chão com a ponta do pé.

Levou a taboa junto ao jovem inconsciente. Juntos, sem necessidade de dizer

nada, o levantaram e o colocaram sobre a taboa. Feito isso, a mulher voltou-se e

desapareceu por trás da carruagem. Um segundo depois, reapareceu com uma

bolsa de viagem.

Deixou-a cair junto ao ferido, se abaixou e a abriu.

— Com certeza aqui tem mais lenços. Podemos segurá-lo a madeira com eles.

Sem preocupar-se em assentir, porque ela não o olhava, Jack foi pegar o cavalo.

Quando regressou, a mulher estava atando o cavalheiro à improvisada cama

com um par de lenços.

— Isto deve ser suficiente.

Jack comprovou os nós; eram muito resistentes. Abaixou-se e passou as longas

rédeas do cavalo ao redor do ferido por baixo dos lenços. Ela observou todos seus

movimentos e quando ele acabou de atar a última tira de couro, assentiu com regia

aprovação.

— Bem — disse, enquanto sacudia a poeira da saia. Colocou a bolsa do ferido

sobre a madeira, aos seus pés, e assinalou o caminho. — A mansão Avening está a

menos de meio quilômetro.

Na maior parte da distancia se incluía o caminho de entrada. Jack foi pegar

Lutador. Esperava que Griggs e seu mordomo, Howlett, tivessem mantido o

caminho em boas condições. Puxou seu cavalo e se colocou junto a rainha

guerreira, que fazia avançar o outro cavalo com passo seguro. As rédeas se

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esticaram e a improvisada cama se deslizou pelo caminho seco, razoavelmente

plano e de superfície bem suave.

Satisfeito após ter feito todo o possível pelo ferido, Jack centrou sua atenção em

sua companheira. Não usava chapéu nem luvas, ou seja, devia viver perto.

— Vive por aqui?

Ela assinalou a esquerda.

— Na reitoria.

Jack franziu o cenho.

— James Altwood vivia antes ali. Era o reitor.

— Ainda é.

Jack recordou suas mãos, sem anel nem marca que tivesse usado um.

Aguardou que continuasse falando, mas não o fez. Depois de uns momentos,

perguntou:

— Como é que estava no caminho?

Ela o olhou. Tinha os olhos de um castanho muito escuro, até mais que seus

cabelos.

— Tinha saído para procurar cogumelos. — Voltou a assinalar a sua esquerda. —

Há um velho carvalho em uma lombada onde sempre encontro alguns.

Jack o conhecia.

— Ouvi o estrépito do acidente, larguei a cesta e fui correndo. — Levou uma

mão aos cabelos e fez uma careta. — Perdi o chapéu em algum lugar.

Não parecia muito preocupada. Um segundo depois, lhe lançou um olhar de

soslaio.

— Onde se dirigia você?

— A Mansão Avening.

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Jack seguiu olhando a frente e não disse nada mais. Sentiu como o olhar dela se

fazia mais agudo, mas reprimiu um sorriso e se negou a olhá-la. Ele também podia

brincar de esconder informação. Os dois caminharam em silencio. Um silêncio

estranho, contido, controlado, seguro. Aquela mulher não parecia mais sensível que

ele a intimidação que o silencio exercia sobre muitos.

Claro, Jack deveria apresentar-se, mas ela havia oferecido sua casa, pelo que se

lhe dizia quem era, poderia sentir-se envergonhada. Ainda que duvidava muito que

fosse sentir-se assim. Ele não estava observando as regras sociais por que... ela era

diferente. E desejava tirar-lhe aquele régio orgulho.

Os portões de ferro forjado da fazenda apareceram a sua direita, flanqueadas

por carvalhos que eram centenários quando Jack nasceu. Como era habitual, a

grade estava aberta de par em par. Sua rainha guerreira e ele fizeram girar os

cavalos com cuidado e percorreram o longo e ascendente caminho.

Jack olhou ao seu redor enquanto avançavam. A maioria dos campos de quase

dois quilômetros ao redor era sua, mas o trecho entre o caminho e o agitado arroio,

um afluente do Frome, assim como os jardins ao redor da casa, eram o cenário da

maior parte de suas recordações de infância.

Subiram pela pendente e a mansão apareceu diante de seus olhos. Jack ergueu

a vista e contemplou a fachada; tudo estava em excelentes condições. Sem dúvida,

era a simples solidez da edificação e sua acolhedora atmosfera o que o emocionou.

Era consciente que sua Boadicea o observava. Podia sentir seu olhar, desinibido

e curioso.

— Esperam-no? — perguntou.

— Não exatamente.

Com o rabo do olho captou o olhar apertado que lhe dirigiu e logo a viu olhar a

frente, apressar o passo e adiantar-se, deixando-o com os dois cavalos. Observou

como se aproximou da porta e puxou a campainha. Jack deteve os cavalos no pátio

dianteiro e aguardou. Howlett abriu a porta e imediatamente fez uma reverencia.

— Lady Clarice.

“Lady Clarice?”

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Logo Howlett o viu e o sorriso que apareceu no rosto do mordomo foi uma

benção em si mesma.

— Milorde! Bem vindo a casa!

A rainha guerreira retrocedeu e se virou devagar para ele.

Howlett saiu a toda pressa, mas percebeu e se voltou para avisar ao lacaio,

Adam, que havia mostrado a cabeça pela porta.

— Vai e avisa a Griggs e a senhora Connimore! Sua senhoria voltou!

Jack sorriu a Adam, que lhe devolveu o sorriso e inclinou a cabeça antes de

obedecer. Quando Howlett fez uma reverencia, Jack lhe deu umas palmadinhas no

ombro e lhe perguntou se tudo estava bem, ao que o homem lhe assegurou que

sim. Então, o ruído do cascalho sob uns pesados passos anunciou a chegada de

Crabthorpe, o encarregado dos estábulos, conhecido por todos como Crawler, e

quando viu Jack, sorriu por sua vez.

— Pensei que seria você. Muito barulho para que fosse outro. — Então viu que

Howlett examinava a cama improvisada. — O que temos aqui?

— Seu faetonte capotou no caminho.

Crawler se inclinou sobre o homem ferido.

— Outro jovem com mais cabelos que cérebro na cabeça, sem dúvida. — Após

um rápido exame, ergueu-se: — Enviarei um de meus garotos para chamar o

doutor Willis.

— Sim, faça-o.

Howlett se afastou da cama ao recordar a dama.

— Lady Clarice — disse, voltando a aproximar-se dela, — peço-lhe desculpas,

milady, mas, bem, sua senhoria voltou a casa afinal, como pode ver.

Um sorriso suavizou o rosto dela quando olhou o mordomo aos olhos.

— Sim, claro. — Quando observou a Jack, sem dúvida, seu rosto se endureceu.

— Já vejo.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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O lento e fácil sorriso de Jack, que cativava as mulheres de um extremo a outro

da Inglaterra e, no mínimo, a meia França, não parecia ter nenhum efeito sobre

aquela fera Boadicea.

— Milorde voltou! — A senhora Connimore saiu correndo, seguida pelo

administrador, Griggs, que avançava mais devagar, ajudado por um bastão.

A subsequente revolução, Jack perdeu de vista a sua recente companheira,

enquanto se rendia ao efusivo abraço da ama de chaves e suas constantes

exclamações. Imediatamente foi consciente da fragilidade de Griggs e se sentiu

seriamente alarmado. Quando havia envelhecido tanto?

Perturbado, dirigiu então sua atenção ao desconhecido, ainda inconsciente. A

senhora Connimore e Howlett estivam a altura das circunstancias e organizaram

rapidamente o traslado do desafortunado ao interior da casa e o colocaram em uma

cama.

Crawler se encarregou dos dois cavalos e disse a Jack que havia enviado seus

meninos para limparem o caminho após o desastre. Adam levou a bolsa de viagem

ao quarto do ferido e quando tudo esteve pronto, Jack quase se surpreendeu ao ver

a rainha guerreira ainda diante da porta, observando. Suspeitava que aguardasse

sua oportunidade para retaliá-lo.

— Entrarei em seguida, Griggs. — Pegou a um braço do administrador para

ajudá-lo a entrar na casa. — Tudo parece em excelentes condições e sei que devo

agradecê-lo a você.

— Oh, não. Bem... Todos o entenderam... Atreveria a dizer que suas novas

responsabilidades são bastante preocupantes, mas nos alegra tanto que tenha

regressado...

— Tinha que voltar. — Jack esboçou um sincero sorriso ao dizê-lo. Parou na

porta e indicou ao ancião administrador que entrasse. — Devo falar com lady

Clarice.

— Oh, sim. — Griggs esquecera a presença da dama, se deteve e lhe fez uma

profunda reverencia. — Rogo que me desculpe milady.

Ela mostrou um sorriso cordial e tranquilizador.

— Claro Griggs. Não se preocupe.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Mas quando olhou a Jack nos olhos, sua expressão lhe anunciou com clareza que

não tinha intenção de perdoá-lo tão facilmente.

Ele aguardou o homem fechar a porta atrás de si antes de aproximar-se dela,

que o olhou diretamente aos olhos, com expressão acusadora.

— Você é Warnefleet.

Não era uma pergunta. Jack assentiu com uma inclinação de cabeça, mas não

soube como interpretar os claros matizes condenatórios, tanto da inflexão de sua

voz como de sua atitude.

— E você é lady Clarice...?

Ela lhe segurou o olhar durante um momento e respondeu:

— Altwood.

Jack franziu o cenho, mas antes que pudesse perguntar algo, a dama

acrescentou:

— James é meu primo. Vivo na reitoria desde quase sete anos.

Lady Clarice Altwood. Solteira, vivendo isolada no campo.

A mulher parecia não ter nenhum problema para seguir o fio de seus

pensamentos e apertou os lábios.

— Meu pai era o marquês de Melton.

A informação o intrigou ainda mais e dificilmente podia perguntar-lhe por que

não se casara e cuidava de uma propriedade. Voltou a centrar-se em seus olhos e

soube a resposta; ela não era um doce de jovenzinha e nunca o havia sido.

— Obrigado por sua ajuda com o cavalheiro. Meu pessoal se encarregará de tudo

agora. Informarei na reitoria quando soubermos mais.

Ela lhe susteve o olhar com as sobrancelhas levemente arqueadas, o observou

durante um momento, totalmente imperturbável, e disse:

— Creio recordar vagamente... Se você é Warnefleet, então também é o

magistrado local, não é assim?

Jack franziu o cenho.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Sim.

— Nesse caso... — Tomou uma profunda inspiração, e pela primeira vez, ele

vislumbrou um rastro de vulnerabilidade nela, talvez um beliscão de medo nas

escuras profundidades de seus olhos. — Tem que saber que o que sucedeu hoje a

esse jovem não foi um acidente. Não teria capotado sozinho, outra carruagem o

jogou do caminho.

A imagem de uma carruagem negra traqueteando para Nailsworth cruzou a

mente de Jack.

— Tem certeza?

— Sim.

Clarice Adele Altwood cruzou os braços e reprimiu um calafrio. Mostrar

debilidade nunca fora seu estilo e por nada do mundo permitiria que Warnefleet,

aquele filho pródigo encantador demais, visse como estava nervosa.

— Não vi como capotou. O ruído foi o que me fez sair correndo, mas quando

cheguei ao caminho, a outra carruagem estava parada e o homem que a conduzia

tinha descido. Estava se aproximando do faetonte e estava a ponto de rodeá-lo

para aproximar-se do jovem ferido, mas ouviu meus passos e parou. Quando me

viu, ficou olhando um momento, deu meia volta, regressou ao seu coche e se foi.

Ainda podia ver a cena em sua mente e sentir a ameaça que emanava da

corpulenta e pesada figura masculina e sentir o peso de seu exame enquanto

hesitava...

Clarice piscou e voltou a centrar-se no homem que tinha a frente e em seus

olhos dourado verdosos.

— Juraria que o cavalheiro da outra carruagem tinha intenção de matar o

condutor do faetonte, de acabar o que havia começado.

* Boadicea ou Boudica foi uma rainha do norte da Grã Bretanha que entre os anos

60 e 61 D.C. liderou as tribos britanicas contra a invasão das tropas romanas.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Capítulo 2

— Cheguei ao caminho por esse buraco na sebe. — Clarice o assinalou e logo

olhou para o lugar do desastre cem metros adiante. — Parei surpresa ao ver ali a

outra carruagem, logo recordei que tinha ouvido gritos justamente antes do golpe;

do jovem amaldiçoando, acredito.

Olhou para Warnefleet e esperou ele assumir o papel de varão paternalista; dar-

lhe umas palmadinhas na cabeça e a tranqüilizar dizendo-lhe que tudo estava bem;

descartar o que tinha visto e, o que tinha percebido. Em troca a escutou com

atenção, quase tão sério como ela desejara. Em lugar de descartar suas suspeitas,

estudou-a cuidadosamente e lhe pediu que o acompanhasse de novo ao lugar dos

fatos. Não tentou pegá-la pelo braço, mas se limitou a caminhar ao seu lado.

Ordenou aos jovens de Crabthorpe que esperassem no portão até que acabasse de

examinar a carruagem, logo pediu que lhe mostrasse por onde havia chegado ao

caminho.

Com os olhos apertados, ficou ali, junto a ela, e observou o desastre.

— Descreva o homem.

Se fosse qualquer outro dia ou qualquer outra pessoa, teria se sentido ofendida

pela crua ordem, mas esse dia e vindo dele, se alegrou que estivesse lhe prestando

a devida atenção.

— Alto, mais alto que eu. Aproximadamente de sua altura. Forte, braços e

pernas fortes. Cabelos muito curtos, claros, poderiam ser grisalhos, mas não posso

afirmar.

Cruzou os braços, ficou olhando o caminho e recordou o momento em sua

mente.

— Usava uma jaqueta cinza, de boa confecção, mas não ostentosa. As botas

eram marrons, de boa qualidade, as correntes e luvas para conduzir de cor

marrom. Era claro de pele e a cara bem redonda. — Olhou para Warnefleet. — Isso

é tudo o que recordo.

Ele assentiu.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Ia rodear a carruagem quando a ouviu e parou. — Olhou-a nos olhos. — Disse

que ficou olhando-a.

Clarice lhe susteve o olhar um momento e logo o abaixou para o caminho.

— Sim. Parou ali simplesmente... Pensando. Refletindo. — Resistiu ao impulso de

esfregar os braços para que se desvanecesse a recordação do calafrio que sentira.

— E então deu meia volta e se foi?

— Sim.

— Não a saudou e não lhe fez nenhum gesto?

Ela negou com a cabeça.

— Se limitou a dar meia volta, regressar a sua carruagem e sair.

Ele lhe indicou que seguisse caminhando, mas que o fizesse pela borda do

caminho e avançou ao seu lado.

— Que tipo de coche?

— Pequeno e negro... De trás foi tudo o que pude ver. Poderia ser uma dessas

pequenas carruagens que se alugam nas pensões.

— Não viu os cavalos?

— Não.

— Por que acredita que a carruagem negra fechou a outra no caminho?

Clarice estava certa que isso era o que tinha acontecido, mas como o sabia?

Inspirou.

— Por três detalhes: um, as maldições que ouviu antes do acidente. Era a voz de

um homem jovem e amaldiçoava a outra pessoa, não ao seu cavalo, nem a um

pássaro e nem ao sol. A alguém. E estava assustado. Aterrorizado. Também o

notei. Não me surpreendi ouvir o golpe nem encontrar-me com semelhante

desastre.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Contemplou brevemente o duro semblante de seu interlocutor, de traços

angulares e austeros, tão aristocráticos como ele. Viu que estava concentrado,

assimilando cada uma de suas palavras.

— Na realidade, não estava prestando atenção, até que o ouvi amaldiçoar; então

percebi que o que eu ouvia eram as rodas das duas carruagens. Para ser sincera,

nem sequer fui consciente que passara uma. — Olhou a frente. — Mas a segunda

razão pela qual estou tão certa que o outro condutor provocou deliberadamente o

acidente foi pela posição de sua carruagem. Tinha parado no meio do caminho, mas

em diagonal em relação a do faetonte, porque estava no mesmo lado do caminho

que ele.

Quase tinham chegado ao lugar do acidente. Clarice diminuiu o passo.

— E por último... — Parou. Warnefleet parou também e a observou. Ela lhe

susteve o olhar; tinha que explicar-lhe tudo o que vira, o devia ao homem ferido. —

Por seu modo de caminhar, decidido, determinado, notei que não estava nervoso

nem preocupado. Estava a ponto de fazer dano. — Olhou ao outro lado do caminho,

ao faetonte capotado. — Já havia provocado o acidente e pretendia acabar o que

tinha começado.

Aguardou Warnefleet fazer algum comentário desdenhoso, lhe dizer que tinha

deixado a imaginação voar demasiado e se preparou para defender-se...

— Onde parou a carruagem?

Clarice piscou e assinalou um ponto alguns metros além.

— Por ali.

Jack assentiu.

— Espere aqui.

Teve poucas ilusões que fosse obedecer, mas ao menos lhe permitiu ir adiante e

seguiu-o uns metros mais atrás, até que ele avançou pelo caminho e estudou a

zona que lhe indicara. Um metro além encontrou o que procurava. Abaixou-se e

examinou as marcas que tinham deixado as rodas da carruagem quando o condutor

freara. Voltou-se e contemplou o faetonte capotado enquanto calculava a distancia

e o ângulo. A seguir se ergueu, rodeou a zona onde havia parado o veículo,

consciente de que lady Clarice seguia seus passos quase literalmente.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Com os olhos cravados no solo, examinou o terreno enquanto se aproximou

devagar ao faetonte. Ele mesmo passara a cavalo por ali e ela havia afastado o

outro animal. Não abrigava muitas esperanças de encontrar nada... mas então a

sorte lhe sorriu. Voltou a abaixar-se e estudou uma única pegada de bota, tudo o

que ficara do condutor desconhecido.

Os comentários da jovem dama foram exatos. A pegada era de uma bota normal

de cavalheiro, com sola de couro. Seu tamanho, quase tão grande como a dele,

coincidia com sua descrição. A pegada, sem a ponta nem o calcanhar mais marcado

que o resto sugeria que quem a deixara era presa do pânico. Decidido, havia dito

ela, e decididos pareciam ter sido seus passos.

Ela estava olhando-o com a cabeça tombada. Quando Jack se ergueu, o

contemplou com as sobrancelhas arqueadas.

— O que pode dizer disso?

Jack lhe susteve o olhar.

— Que você é uma testemunha observadora e confiável.

O fato de ver como se esforçava para ocultar sua surpresa fez valer a pena

fazer-lhe o cumprimento.

Sem dúvida se recuperou rápido.

— Então, está de acordo em que o condutor da carruagem pretendia fazer dano

e provavelmente matar o jovem cavalheiro?

Jack notou que sua expressão se endurecia.

— Claro, não pretendia socorrê-lo. Deve ter sido assim, não teria sido de outro

modo. — Olhou uma vez mais o faetonte capotado e logo o lugar onde tinha parado

o outro coche. — E também tem razão em que o condutor da carruagem o fez sair

do caminho de propósito.

Isso era o que ela desejava ouvir. Jack percebeu no instante o estremecimento

que a percorreu, ainda que se virasse para ocultá-lo. Sem pensar sequer, deu um

passo para diante, mas seu instinto de conservação reagiu e o deteve. Sabia muito

bem que não devia tocá-la, pegá-la nem atraí-la a seus braços... Ainda que o

desejasse.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Essa descoberta o fez franzir o cenho para si. Nunca havia conhecido uma

mulher mais agitada e independente que aquela. Muito provavelmente, recusaria

qualquer consolo que ele pudesse oferecer-lhe, porque se o oferecia significava

que havia visto sua debilidade. Com ironia, se deu conta que a compreendia

perfeitamente, ainda que nunca tivesse conhecido a uma mulher que pensasse

desse modo.

— Vamos. — Teve que reprimir o impulso de tomá-la pelo cotovelo e converteu

esse movimento instintivo em uma indicação para o caminho. — Acompanharei

você a reitoria.

Ela hesitou, mas pôs-se a andar. Após um momento, ergueu a cabeça.

— Não tem por que fazê-lo. É pouco provável que me perca.

— Ainda assim. — Fez um sinal aos rapazes de quadra que estavam à espera. —

Independentemente de tudo o mais, devo ir ver James e dizer-lhe que voltei.

— Asseguro-me de comunicá-lo.

— Não seria o mesmo.

Jack esperou, mas lady Clarice já não protestou mais. Quando chegaram ao

buraco da cerca e ela lhe cedeu à passagem, com sua escura e cintilante olhada lhe

indicou que rebateria qualquer argumento contra que ele passasse adiante. Era

uma vitoria muito pequena, mas, ainda assim, para ela pareceu ser uma doce

vitoria.

Além da cerca havia um oco e logo a terra ascendia com suavidade até o monte

onde se encontrava o velho carvalho. Uma vez que passaram a cerca, Clarice olhou

ao seu redor. Viu seu chapéu pendurado nas ramas de uma árvore perto deles.

Sem dizer nada, foi buscá-lo. Warnefleet a seguiu também em silencio.

Cruzou pela alta erva extremamente consciente de que seus sentidos estavam

centrados uns metros mais atrás, no alto e atlético corpo de ombros largos e

elegantes músculos que a seguia. Em sua mente podia reproduzir sem problemas

não só seu rosto — todo ele duros ângulos e planos, com aquele toque de

crueldade típico de certos varões de sua classe, — mas também seu físico de

extremidades longas e fortes e movimentos graciosos e controlados. Mais

reveladora evocadora e excitante, era a aura que o envolvia como um manto, uma

aura que irradiava perigo; exótica, ilícita e desconcertantemente tentadora.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Inclusive mais inquietante e estranha, era a sensação de que via a ela, a seu

verdadeiro eu, com clareza e ainda assim não tinha ganas de sair correndo.

No entanto, nada disso explicava sua própria resposta física, a repentina tensão

que a dominava, que lhe afetava os nervos, uma antecipação que os despertava e

os deixava tensos mesmo ele não a tocando. Para Clarice, uma sensibilidade desse

tipo não tinha precedente. Havia ouvido falar de semelhante coisa, tinha visto

outras damas caírem vítimas dela, mas em seu caso nunca lhe acontecera. Sem

dúvida, uma reação assim não formava parte de seu estilo. Mesmo que por outro

lado, Warnefleet não era o típico varão arrogante. Não é que fosse tão estúpida

para pensar que não era arrogante em absoluto, mas não conhecera ninguém como

ele até o momento.

Quando chegaram à árvore, Clarice parou e ficou olhando o chapéu. Balançava-

se com a brisa por cima de sua cabeça. Ficou nas pontas dos pés, mas não chegava

até ele. Saltou, mas tampouco o alcançou. Esticou-se o tanto que pode... E ainda

lhe faltava um par de centímetros.

Quando por cima de sua cabeça viu aparecer uma mão que pegou o chapéu da

rama, ficou sem fôlego, pois não sabia que ele estava tão perto.

Virou-se de golpe e as botas se enroscaram na alta erva, fazendo-a cair

diretamente sobre ele. Warnefleet a segurou e ficaram ambos unidos, peito a peito.

Clarice ergueu a vista no mesmo tempo em que soltava um arquejo sufocado.

A mortificação deveria tê-la matado porque não havia espaço para esta em sua

mente. Outras sensações surgiram e a inundaram e seu cérebro ficou preso em

uma rede de novas experiências e sentimentos. Esteve nos braços de um homem

antes, mas nunca desse modo. Nunca o torso contra o que havia descansado seu

peito fora tão duro, nunca a segurança do braço que a rodeava fora tão férrea.

Nunca umas mãos tão grandes a rodearam com tanta delicadeza ou com tanta

firmeza. Nunca antes seus sentidos suspiraram como se tivessem descoberto o

paraíso. Nem lhe acelerara o pulso, nunca lhe havia ardido a pele.

Ficou olhando aqueles olhos, verdes e dourados fundidos em um tom avelã,

emoldurados por umas longas pestanas e cobertos por umas pesadas pálpebras e

percebeu... A força. Uma força tão poderosa como a sua, não simplesmente de

músculos e ossos, mas de mente e vontade. Uma força que não se circunscrevia só

ao plano físico, mas que se manifestava de outros modos, em outros aspectos...

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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A direção de seus pensamentos a comoveu. Piscou e voltou a centrar-se em seus

olhos, em seu rosto. Notou que ele a observava com atenção e que não se movera,

que não tinha feito gesto de soltá-la. Sua expressão era claramente de predador.

Não fez o mínimo esforço para ocultá-lo, para dissimulá-lo. A imagem que surgiu na

mente de Clarice foi a de uma grande e poderosa besta em perseguição,

contemplando seu seguinte festim. Mas ele não fez nenhum movimento, não deu

nenhum passo e se limitou a esperar.

Clarice sabia que não devia voltar-se e sair correndo. Pigarreou, descobriu que

tinha as mãos apoiadas em seus ombros e se jogou para trás. Ele a soltou sem

problemas, mas sem deixar de observá-la. Ela o olhou nos olhos com a cabeça bem

alta e alongou o braço para o chapéu enquanto o desafiou com o olhar a tentar tirar

proveito desse momento acidental.

— Obrigada.

Antes que pudesse arrebatar-lhe o chapéu das mãos, Warnefleet o levantou, e o

colocou-lhe na cabeça e lhe dedicou um lento e intenso sorriso.

— Foi todo um prazer para mim.

***

Se fosse uma mulher fraca, que se distraia facilmente com um rosto formoso,

um corpo de guerreiro e um sorriso que prometia experiências que iam além de

seus sonhos mais loucos, após o incidente do chapéu sem dúvida guardaria um

prudente silencio durante todo o caminho de volta a reitoria. Em troca, com o fim

de que Warnefleet compreendesse que não a afetou se viu impulsionada a dar-lhe

conversa do tipo destinado a colocá-lo em seu lugar e deixar clara sua opinião

sobre ele; uma opinião que não se viu afetada por seus recentes contatos.

— Então, planeja ficar em Avening durante muito tempo, milorde? — O velho

carvalho estava mais adiante e sua cesta abandonada permanecia a sua sombra.

Ele não respondeu imediatamente, mas ao final afirmou:

— Avening é meu lugar. Eu cresci aqui.

— Sim, eu sei. Mas esteve ausente durante anos. Entendo que seus interesses o

mantenham na capital.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Colocou suficiente ênfase na palavra “interesses”, para que soubesse que era

perfeitamente consciente de que tipo de interesses mantinha aos cavalheiros como

ele em Londres.

Abaixou-se por sob as ramas mais baixas do carvalho e o barão a seguiu.

— Alguns interesses se manejam melhor da cidade, isso é certo. — Falava com

um tom despreocupado, mas quando continuou, Clarice pode sentir o aço sob a

superfície. — Sem embargo, nenhum homem sensato deixaria que seus assuntos o

atassem a Londres e a maior parte de seus demais interesses não o atam a

nenhum lugar em concreto.

Ele também ressaltou sutilmente a palavra “interesses”. Era mais que evidente

que tinha captado a indireta.

— Sério? — Clarice se abaixou e pegou a cesta. Logo se ergueu, deu a volta e o

olhou nos olhos. — Não obstante, me atreveria a dizer que não lhe seria fácil

trasladar suficientes desses outros interesses aqui, a sua casa ou ao povoado. Por

conseguinte, após solucionar os assuntos que o trouxeram até aqui, suponho que

voltará a Londres. Daí minha pergunta: durante quanto tempo planeja ficar?

Jack lhe susteve o olhar. Ao final de um momento, respondeu tranquilamente:

— Você não parece à classe de mulher dada a fantasias doentias.

Seus escuros olhos cintilaram e levantou a cabeça.

— Não, não sou!

Jack assentiu, alongou o braço e lhe pegou a cesta. Clarice a entregou sem

apenas pensar. Estava demasiado distraída e ocupada controlando sua indignação.

— Isso pensava — assentiu ele com calma. — Por isso escutei tudo o que tinha

que dizer sobre o acidente que não foi tal. E tinha razão a respeito.

— Naturalmente. — Franziu o cenho. — Eu não imagino coisas.

— Sério? — Olhou-a nos olhos, sustendo-lhe o olhar durante um eloqüente

momento, logo perguntou com toda tranqüilidade: — Então, lady Clarice, por que a

tomou comigo? O que imagina sobre mim?

Quando a jovem viu a armadilha e se deu conta que caíra nela, um leve rubor

lhe coloriu as bochechas pelo enfado e a irritação, ainda que não pela vergonha.

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Os dedos de Jack morriam de vontade de tocar, acariciar aquela tez da mais

pura cor alabastro, de senti-la, para fazer que se ruborizasse por outro sentimento

que não fosse o enfado.

Ela devia ver algum indício de seus pensamentos em seus olhos, porque

levantou a cabeça de um modo defensivo.

— Em seu caso, milorde, não é necessário imaginar nada. Seus atos ao longo

dos anos falam por si sozinhos, e com clareza.

Jack estava certo. Por algum místico motivo, aquela jovem dama o depreciava,

ainda que não se conhecessem e não se viram antes e muito menos se

comunicaram de algum modo.

— Quais atos são esses?

Seu tom teria avisado a maior parte dos homens que estavam pisando um

terreno extremamente perigoso e Jack esteve bem seguro que ela captou a

advertência, mas quando seus olhos cintilaram, esteve igualmente seguro que a

ignorou sem pensar duas vezes.

— Enquanto seu pai vivia, pude compreender que não houvesse nenhuma

necessidade urgente de residir aqui, nenhum motivo para que encurtasse seu

serviço no exército.

— Sobretudo, tendo em conta que o país estava em guerra.

Lady Clarice apertou os lábios, mas inclinou a cabeça admitindo a observação e

concedendo-lhe ao menos isso.

— Sem dúvida... — voltou-se e abandonou a sombra da árvore em direção a

reitoria, uma velha casa plena de recantos, parcialmente oculta pela alta cerca que

rodeava o outro lado do campo, — uma vez que faleceu seu pai, deveria ter

regressado. Uma propriedade como a sua, um povoado como Avening, necessita

alguém que leve as rédeas. Mas não, você preferiu ser um proprietário absentista e

deixar que Griggs carregasse todas as responsabilidades que deveriam ter sido

suas. Ele o fez bem, mas não é jovem e os anos não passaram em vão para ele.

Jack franziu o cenho.

— Eu estava... Com meu regimento. — Estivera na França sozinho, mas não viu

nenhum motivo para explicá-lo. — Não podia simplesmente retirar-me...

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— Claro que poderia fazê-lo. Muitos outros o fizeram. — O olhar que lhe dedicou

foi desdenhoso. — Em nosso círculo, os primogênitos, os herdeiros, normalmente

não servem no exército e, ainda que compreenda que a morte de seu pai foi

inesperada, quando lhe sobreveio, seu lugar estava aqui, não interpretando o papel

de deslumbrante oficial em Tunbridge Wells ou onde quer que fosse.

Na França, sozinho, mas Jack mordeu a língua. O que fizera para ganhar aquela

reprimenda? Por que a tinha animado? E, o mais importante, por que a estava

suportando? Por que não se limitava a fazê-la calar-se com uma boa resposta e a

punha em seu lugar com firmeza, recordando-lhe que ela não era ninguém para

julgá-lo?

Olhou-a. Com a cabeça alta e uma expressão claramente altiva, caminhava ao

seu lado com fluidez e elegância. Tinha um modo de andar seguro, sedutor, e ele

não tinha que ajustar demasiado o seu passo para que pudesse segui-lo.

Fazer calar aquela Boadicea, aquela rainha guerreira, não seria fácil e, por

alguma incompreensível razão, não desejaria encontrá-la em nenhum campo de

batalha. Ainda que desejasse fazer-lhe frente, mas em uma arena totalmente

diferente, uma com sedosos lençóis e um fofo colchão sobre o qual se estenderia...

Piscou e olhou a frente.

— Logo veio Toulouse, mas você tampouco se preocupou em regressar. Sem

dúvida, estava demasiado ocupado com as celebrações da vitoria para recordar

aqueles que passaram anos trabalhando aqui para você, apoiando-o.

Passara os meses da falsa vitoria na França. Sozinho. Desconfiando daquela paz

demasiado fácil, assim como Dalziel e outros. Fora ele quem vigiara Elba da

distancia, o primeiro a informar que Napoleão havia regressado e levantava seus

estandartes de novo. Mordeu a língua com força e apertou a mandíbula.

— E o que é pior — continuou, condenando-o com cada sílaba que pronunciava,

enquanto essa mesma emoção iluminava seus olhos quando o olhou fugazmente;

— quando tudo acabou em Waterloo, agravou seus desaires do passado e ficou em

Londres, sem dúvida para por-se em dia com tudo o que havia perdido em seus

meses no estrangeiro.

Meses não, anos. Sozinho. Cada semana, cada mês dos últimos treze anos, os

tinha passado sozinho, com exceção daquelas três jornadas em Waterloo, que para

ele tinham sido breves e extremamente perigosas. E depois disso, quando se

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retirou, se encontrou com uma serie de importantes responsabilidades, todas

urgentes e muito reais, que aguardavam para reclamar sua atenção.

As últimas palavras de lady Clarice foram mordazes e seu significado claro como

o cristal. Não podia recordar da última vez que se deixara levar do modo em que

ela insinuava. Daí seu estado atual, o intenso, urgente, extremamente poderoso

impulso que o dominou de saciar seus apetites carnais reprimidos durante tanto

tempo com aquela guerreira. Com nenhuma outra mulher, porque agora que a

conhecera, nenhuma outra lhe serviria. Teria que ser ela.

Era evidente que supunha um grande desafio, mas a Jack lhe encantavam os

desafios, sobretudo os desse tipo. Uma imagem de lady Clarice nua sob seu corpo,

ardente, desesperada e suplicante, com aquelas longas pernas apertando se ao

redor de suas cadeiras enquanto a investia, o ajudou a centrar sua mente, a ter

claro aonde queria ir.

Quando chegaram à cerca que rodeava a reitoria, ela lhe lançou outra de suas

prejudiciais olhadas. Jack a susteve enquanto, por tácito acordo, pararam na

arcada que dava aos jardins da reitoria.

Estudou sua expressão, examinou o desdém que se lia em suas delicadas faces.

Devagar arqueou as sobrancelhas.

— Então... Você opina que deveria ficar em Avening e centrar-me em minhas

responsabilidades?

Ela sorriu, mas não com doçura, e sim com condescendência.

— Não, creio que a todos será melhor se regressar a Londres e continuar lá com

sua existência hedonista.

Jack franziu o cenho. Lady Clarice continuou, respondendo sem vacilar a

pergunta que não chegara a formular.

— Acostumamos a nos arranjarmos sem você. As pessoas daqui já não

necessitam um senhor. Elegeram outra pessoa em seu lugar.

E lhe susteve o olhar, desafiante, um olhar direto e firme, depois se virou e se

dirigiu a porta lateral da reitoria.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack franziu ainda mais o cenho enquanto a observava e deixou que seus olhos

desfrutassem do balanço das cadeiras tão femininas, da evocadora linha que ia da

nuca até a cintura, o que prometiam essas curvas...

Não podia ter dito o que ele acreditava que dissera, não? Só havia um modo de

descobrir, isso e tudo o mais que desejava saber sobre aquela rainha guerreira.

Reagiu e a seguiu ao interior da reitoria.

***

Ali se encontrou com o reitor de Avening, o honorável James Altwood,

exatamente no mesmo lugar onde o havia deixado sete anos atrás; sentado em sua

cadeira, atrás da escrivaninha em seu estúdio, lendo um livro. Jack soube do que

tratava o tomo sem necessidade de perguntar, porque James era um reconhecido

historiador militar; professor e membro da junta reitora do Balliol College entre

outras coisas. Era responsável por numerosas paróquias, mas além de

supervisionar o trabalho de seus coadjutores, passava os dias investigando e

analisando campanhas militares, tanto antigas como contemporâneas.

Como era de prever, sua Boadicea o precedeu no estúdio.

— James, lorde Warnefleet regressou e veio falar com você.

— Eh? — James ergueu a cabeça e olhou por cima dos óculos. Reconheceu Jack

e deixou o livro sobre a mesa. — Jack, rapaz! Afinal!

Ele conseguiu manter-se impassível quando James se levantou; muito consciente

da crítica olhada de lady Clarice, se adiantou para apertar a mão que o homem lhe

oferecia e permitiu que lhe desse um efusivo abraço. James o apertou com força e

lhe deu umas palmadas nas costas. Sem soltar-lhe a mão, retrocedeu para

examiná-lo.

Com os cinqüenta já cumpridos, James começava mostrar o passar dos anos.

Os cabelos castanhos que Jack recordava espessos e ondulados eram agora mais

finos e a barriga também estava mais volumosa. Mas seus olhos refletiam a mesma

energia e o mesmo entusiasmo. Se alguém fora o responsável por animar Jack a se

unir ao exército, esse havia sido James.

Este deixou escapar uma longa exalação e lhe soltou a mão.

— Maldito seja, Jack, é um alívio ver você são e salvo.

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Junto com o pai de Jack, era um dos poucos que sabia que não tinha passado os

últimos treze anos nos barracões de nenhum regimento.

Jack lhe dedicou um sorriso sincero. Com James, nunca se mostrara de outro

modo, sempre tinha sido ele mesmo.

— É um grande alívio estar de volta. — E não pode evitar acrescentar: — Afinal,

como você tão sabiamente especificou.

— Claro. Depois de tanto caos com as propriedades de sua tia avó. Mas vem,

sente-se, sente-se! — Assinalou-lhe um assento e, quando foi acomodar-se em sua

poltrona, recordou a sua prima. — Ah, obrigada, Clarice.

Primeiro olhou para ela e logo para Jack, a quem Clarice olhava fixamente, mas

não pareceu capaz de interpretar a expressão da jovem. Jack, não teve essa

dificuldade. A rainha guerreira era rápida. Ouvira a referencia que James havia feito

de sua tia avó e agora tinha dúvidas. Quando seu primo a olhou, Jack lhe dedicou

um sorriso provocadoramente superior.

— Ah... Então já o conhecia? — disse o vigário, olhando a um e a outro, e

percebeu uma situação que assim mesmo foi incapaz de interpretar.

— Sim. — Quando Jack arqueou as sobrancelhas, Clarice desviou o olhar para

seu primo. — Quando estava recolhendo cogumelos, uma carruagem sofreu um

acidente no caminho, perto da mansão de Avening.

— Deus santo! — James indicou-lhe que se sentasse e esperou que o fizesse

antes de acomodar-se em seu lugar. — O que aconteceu?

— Na verdade não vi o acidente, mas fui a primeira a chegar. — Olhou para Jack

quando este se sentou na outra poltrona. — Logo, chegou lorde Warnefleet a

cavalo.

— Teve algum ferido? — perguntou o vigário.

— O condutor — respondeu Jack. — Um jovem cavalheiro. Está inconsciente.

Está instalado em minha casa e chamamos o doutor Willis. A senhora Connimore

está encarregando-se dele.

James assentiu.

— Bem, bem. — Olhou a sua prima. — Alguém da zona?

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— Não. — Clarice franziu o cenho duvidando.

Jack recordou que fizera esse mesmo gesto no caminho.

— Mas...? — Apressou-a James antes que ele mesmo pudesse fazê-lo.

Apertou os lábios e olhou para Jack e para James.

— Sei que não o conheço, não o conheço em absoluto, mas me parece familiar.

— Ah! — James assentiu.

Jack desejou saber por que.

Clarice continuou:

— Parece demasiado jovem para ser alguém a quem tenha conhecido no

passado, mas me perguntava se poderia ser o irmão mais jovem de alguém, ou o

filho, e por isso eu percebi a semelhança.

Jack se perguntou quais círculos haveria freqüentado nesse “passado”. Como se

lhe tivesse lido a mente, Clarice encolheu os ombros.

— A única coisa que isso significa é que muito provavelmente pertença a alguma

família da alta sociedade, o que não nos leva muito longe.

— Hum. Deveria ir visitá-lo — disse James. — Se não recobrar o sentido logo, o

farei, ainda que se você não pode identificá-lo, é improvável que eu possa. —

Dirigiu o olhar a Jack. — E inclusive menos provável ainda é que você saiba algo

dele. Suponho que não esteve freqüentando clubes e casas de jogo ultimamente,

não?

Consciente do agudo olhar de Clarice, Jack bufou.

— Apenas tive tempo de visitar meu alfaiate.

Uma chamada na porta anunciou a Macimber, o mordomo de James, que

reconheceu Jack e lhe fez uma reverencia.

— Bem vindo a casa, milorde.

— Obrigado, Macimber.

O homem olhou então para James.

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— A senhora Cleever deseja saber se lorde Warnefleet ficará para almoçar,

senhor.

— Sim, claro! — contestou James e, dirigindo-se a Jack acrescentou: — Você fica

não é? Suponho que a senhora Connimore estará encantada de ter você de volta

em sua própria mesa, mas eu tenho uma maior necessidade de escutar sua voz e

saber em que está metido.

Ele susteve o olhar de seu amigo enquanto avaliava a qualidade do outro

perspicaz olhar de olhos escuros fixos em seu rosto.

— Estarei encantado de ficar para almoçar. — Voltou-se e olhou para lady

Clarice. — Se não for aborrecimento.

“Se ela não se opõe.”

A jovem compreendeu perfeitamente sua pergunta. James, confuso, os olhou

alternativamente, mas eles o ignoraram.

Jack pensou quando tomou a decisão, em que instante a balança se inclinou a

seu favor e a curiosidade ganhou a batalha ao desdém.

— Asseguro-lhe que não será nenhum aborrecimento... — Parou e logo

continuou, mas essa vez sua voz recuperou seu habitual tom decidido. — De fato,

com o ferido aos seus cuidados, tenho certeza que a senhora Connimore já terá

suficiente tarefa, sobretudo não estando informada da chegada de sua senhoria.

Esse último comentário foi expresso com toda a intenção de morder, mas Jack

conteve uma réplica e se absteve de dizer-lhe que já não era um menino.

Enquanto James dava instruções a um encantado Macimber para que

preparassem a mesa para três, Jack se concentrou em planificar o melhor modo de

tirar proveito da vantagem que lady Clarice e sua injustificada desaprovação lhe

haviam oferecido. Quando alguém se enfrentava com rainhas guerreiras, não devia

desperdiçar nenhuma oportunidade.

Um assunto que o obcecava era sua idade. Seria o primeiro assunto que

abordaria quando descobriu que havia a filha de um marquês vivendo isolada no

campo com James. Um escândalo era a única coisa que lhe ocorria. Lady Clarice

não parecia o tipo de mulher que desafiaria as convenções sociais. Era difícil

imaginar a uma mulher menos frívola, menos superficial que ela.

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— Bem! — James se recostou e o olhou com entusiasmada antecipação. —

Comece pelos acontecimentos mais recentes. Como encontrou Londres depois de,

quantos, treze anos?

Ele fez uma careta.

— Não muito diferente, na verdade. Os nomes não mudaram e os mesmo rostos

se vêem envelhecidos e o jogo segue sendo o mesmo.

— E segue sem afetar-lhe o mínimo, eh? — James sorriu. — Sempre disse a seu

pai que não devia preocupar-se que pudessem seduzir-lo os encantos da capital.

— Pois sim — assentiu Jack com tom seco e teve o cuidado de não olhar para

lady Clarice para ver o que pensava da visão dele que tinha James. Morria de

vontade de sabê-lo, mas se a olhasse, ela perceberia...

— Griggs me disse que esse tal Ellicot... O advogado de sua tia avó se chama

Ellicot, certo?

Jack assentiu.

— Advogado, representante e executor, tudo em um. E aceitou essa posição só

um mes antes que minha tia avó Sophia deixasse este mundo, assim estava tão

verde como eu no referente às propriedades.

— Complicado. — James assentiu compreensivo. — Como dizia, Griggs me disse

que Ellicot estava a ponto de sofrer um ataque de nervos, assim não me

surpreendeu que ficasse na cidade.

— Tomou-nos meses. — Jack se recostou e não tentou ocultar as frustrações dos

últimos meses. O modo mais fácil de convencer a sua Boadicea de que tinha se

equivocado por completo ao julgá-lo era simplesmente ser ele mesmo. — Ellicot fez

o melhor que pode, mas a verdade é que deveriam tomar algumas decisões e ter

dado alguns passos, inclusive sem meu conhecimento nem autorização.

Compreendo perfeitamente que estava em uma situação muito difícil, sobretudo

porque nem sequer me conhecia.

— Sem dúvida. Não é tarefa fácil administrar as propriedades em nome de um

cliente desconhecido.

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Jack assentiu e descreveu algumas das múltiplas dificuldades as quais havia se

enfrentado ao regressar a Inglaterra. A maioria eram assuntos referentes à

administração de propriedades.

Mesmo sendo mulher, ficava claro que lady Clarice compreendia as

repercussões, inclusive as menos obvias para os inexperientes. Com o rabo do olho,

Jack viu como ia franzindo o cenho cada vez com mais intensidade.

Em questão de meia hora, acabara de contar os acontecimentos recentes, a

exceção dos concernentes as suas falidas tentativas de encontrar uma esposa

adequada, esses os guardou para si. A jovem escutava enquanto James e ele

discutiam algumas das medidas que tomara para facilitar o funcionamento das

numerosas propriedades que agora possuía. Jack sorriu para si diante do reticente

respeito que espreitou nos olhos dela.

Pouco depois, Macimber apareceu para anunciar-lhes que o almoço estava

servido.

Todos se levantaram e lady Clarice encabeçou a marcha para a sala. James se

sentou a cabeceira da mesa, sua prima o fez a sua esquerda e Jack a sua direita.

— Bem — James pegou a bandeja de presunto, — parece que superou todos os

obstáculos. Estou certo que sua tia avó estaria satisfeita. Assim, agora já pode

retroceder sete anos. Informaste-me de suas ordens quando esteve em casa na

última vez. Mudou muito sua missão desde então e Toulouse?

Ele negou com a cabeça.

— Não substancialmente. Ainda tinha que fazer muitos jogos malabaristas. Tinha

que enganar o inimigo e, claro, o propósito principal era desbaratar todos os tratos

que pudesse, sobretudo com o Novo Mundo. Às vezes, passava semanas inteiras

em tabernas dos molhes, descobrindo e reunindo informação sobre os tratados

previstos. Quando a guerra continuou, começaram a fazer-se cada vez menos

coisas através dos canais oficiais, o qual tornava tudo muito mais duro descobrir o

que realmente acontecia e o que se trazia, ou que se enviava, quando, como e

através de quem.

— E seguia sob as ordens desse cavalheiro de Whitehall?

— Sempre. Segue lá, ainda ativo.

James assentiu enquanto refletia. Engoliu a saliva e disse:

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— E então, o que aconteceu depois de Toulouse? As coisas deveriam mudar.

Clarice se esforçou para ocultar seu interesse. Mantinha o olhar fixo em seu

prato e os lábios firmemente apertados. Fez tudo o que pode para passar

despercebida. Havia animado Warnefleet a que ficasse para almoçar com eles

porque sabia que James o interrogaria e desejava estar ali para vê-lo sofrer de

vergonha e para contemplar como o obrigavam a perceber seus defeitos. Em troca,

era ela quem não sabia onde meter-se.

Ou, ao menos, esse seria o caso se não estivesse tão fascinada.

Era evidente que se equivocara com Warnefleet e interpretara mal os

comentários sobre ele, não só por parte de James, mas também de todos ao seu

redor, incluindo o pessoal da mansão Avening, mas até que pudesse saber até que

ponto se equivocara e deveria se desculpar; teria de averiguar a verdade lendo

entre linhas a conversa de James e o barão, aquela conversa tão irritantemente

imprecisa, sem poder pedir-lhes que falassem com clareza.

— Sim para a maioria, mas não para mim. — Warnefleet fez uma pausa

enquanto escolhia as palavras e olhou para James. — Em concreto, havia muitos

em nossa linha de defesa que se mostravam céticos diante da abdicação. Todos

tinham raízes na sociedade francesa e nenhum de nos acreditava que a batalha

estivesse verdadeiramente ganha.

— Sem dúvida, a maioria regressou a casa.

Warnefleet assentiu.

— Mas alguns e eu ficamos. Em meu caso, contava com uma boa e confiável

conexão com Elba. Outros ficaram nos portos para estar cientes de qualquer

movimento. Não sei quanto tempo ficamos lá vigiando, mas não passou nem um

ano antes que voltasse a se declarar a guerra.

— E então, o que aconteceu? — James se inclinou para diante. O entusiasmo era

evidente em seu rosto.

Clarice se descobriu contendo a respiração. Arriscou-se a dirigir um rápido olhar

ao rosto de Warnefleet, que olhava para ela, mas sem vê-la realmente. Deu-lhe a

impressão que estava imerso no passado.

Então o viu apertar os lábios e olhar para James.

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— Waterloo chegou rapidamente.

— Esteve lá, certo?

— Um pequeno grupo e eu participamos tecnicamente no combate, mas não

chegamos a aproximar-nos a menos de dez quilômetros do campo de batalha.

James apertou os olhos.

— Linhas de abastecimento?

Warnefleet assentiu.

— Primeiro fomos pelas munições, depois pelas montarias e, por último, pelos

reforços.

O vigário franziu o cenho.

— Posso entender como logrou as duas primeiras coisas, mas a última?

— Com a confusão e, preferivelmente, o caos. — Os lábios de Warnefleet se

curvaram em um sorriso irônico. — Tivemos que ser engenhosos.

Para desgosto de Clarice, Macimber entrou nesse momento e começou a retirar

os pratos.

O almoço tinha acabado, mas ainda não ouvira tudo o que desejava. Ao que se

referia com ser engenhosos? Quanto engenhosos foram? O que...?

James acabou o vinho, deixou o copo e dedicou um agradável sorriso ao seu

amigo.

— Bem rapaz, vamos dar um passeio. Assim poderá explicar-me os detalhes.

Antes que Clarice pudesse pensar em algum modo de retê-los, seu primo se

levantou e lhe sorriu.

— Um excelente almoço, querida.

Ela ocultou sua decepção atrás de uma máscara de frieza.

— Transmitirei seu agradecimento a senhora Cleever.

— E se for tão amável, transmita-lhe também a minha — disse Warnefleet.

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Ela ergueu a vista e o olhou nos olhos. Como James, estava em pé e

contemplando-a.

Clarice não teve dificuldade para interpretar a mensagem. Era demasiado astuto

para regozijar-se, mas viu que ela sabia o quanto estivera equivocada e quanto era

incômoda e insustentável agora a sua atitude para com ele. Estava claro que

esperava uma desculpa e tarde ou cedo teria que dá-la.

Com sua habitual expressão de serena calma, Clarice assentiu com elegância.

— Milorde, sem dúvida nos veremos novamente.

Jack arqueou as sobrancelhas, dirigiu o olhar para James e inclinou a cabeça.

— Lady Clarice — seus olhos cor avelã voltaram a fixar-se nos dela. Esboçou um

encantador sorriso, — foi um prazer conhecê-la.

Enquanto lhe fazia uma graciosa reverencia, Clarice mordeu o lábio, reprimindo

uma ácida réplica e assentindo com um régio gesto da cabeça. Não o olhou quando

ele abandonou a sala, atrás de James.

Pode ser que tivesse que engolir seu orgulho, mas não estava disposta a fazê-lo

em público, nem sequer diante de seu primo. Seu instinto lhe advertia que,

qualquer concessão que se visse obrigada a fazer para aplacar Warnefleet, o

melhor seria que a mantivesse só entre eles.

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Capítulo 3

Jack seguiu James até o jardim dianteiro da reitoria, um lugar verde e tranqüilo

rodeado por grandes árvores.

— Ainda gosto de dar um passeio depois das refeições — disse seu amigo,

assinalando-lhe um caminho que rodeava o prado. — Agora me conte tudo.

Jack o fez e explicou os detalhes que tinha omitido antes, os aspectos de suas

atividades durante a campanha de Waterloo de maior interesse para James.

— E esse, graças a Deus, foi o final. Uma vez que Napoleão foi enviado a Santa

Elena, não houve necessidade que nenhum de nós ficasse na França.

— Assim, então regressou para por ordem em seus assuntos daqui. Suponho

que se sentirá satisfeito que sua herança esteja sob controle.

Ele assentiu.

— Demorou mais tempo que havia previsto, mas estou contente com o novo

sistema que instauramos. Deveria permitir-me manejar as rédeas daqui. — Olhou

ao seu redor, para aquelas bem recordadas vistas, e percebeu o quanto haviam

crescido as árvores e arbustos. Olhou para James. — Agora pode fazer-me um

resumo de tudo o que aconteceu aqui.

O outro sorriu e assim o fez. Embarcou-se em um breve informe sobre os

nascimentos, mortes e casamentos da zona, quem se mudara e quem chegara para

ocupar seu lugar.

— Como deverá lhe informar Griggs, todos seus arrendatários seguem aqui. O

povoado de Avening está praticamente como estava, mas...

Jack escutava com atenção, memorizando muitos dos detalhes, porque tudo o

que James lhe contava era informação que ele devia saber.

Finalmente, seu amigo deu por terminado seu informe sem revelar-lhe o que

mais lhe interessava. Suspirou para si e disse:

— Esqueceu um importante acontecimento: lady Clarice. Quando chegou aqui?

James sorriu. Seguiram passeando.

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—Dois meses depois que seu pai nos deixara. De maneira bastante oportuna, na

verdade.

— Oportuna?

— Bem — James fez uma careta, — seu pai sempre foi o baluarte da vida do

povoado. Sua palavra era lei e não só no sentido legal. Todos confiavam em seus

conselhos e inclusive mais ainda em suas opiniões, chame-os arbítrios se o desejar,

em disputas grandes e pequenas. As pessoas daqui dependiam dele e então, de

repente, já não estava. E você tampouco.

Jack o olhou.

— Mas você sim.

James suspirou.

— Penso querido rapaz, que conseguir uma beca de investigação de Balliol fica

muito longe de dar a alguém a experiência necessária para poder substituir ao seu

pai. Quando Clarice chegou, a situação era quase caótica.

Jack reprimiu um franzimento de cenho.

— E ela arrumou as coisas?

James sorriu com ironia.

— Sim. Diferente de mim ela estava preparada para assumir esse papel.

O franzimento de cenho mental de Jack se intensificou.

— Mencionou que era filha de Melton. — Então, o que fazia ali?

— Exato. Como sabe, é minha prima. Meu pai era o irmão mais novo do pai dela.

Quando James não disse nada mais, Jack manteve os lábios firmemente

fechados e se limitou a esperar...

Afinal, seu amigo soltou um riso sufocado.

— De acordo, ainda que agora tudo pareça historia passada. Clarice era a quarta

filha que Melton teve com sua primeira esposa, a única jovem dessa união. Sua

mãe, Edith, era toda uma grande dame, uma mulher com muito caráter.

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Certamente, daí lhe vinha o gênio da rainha guerreira.

— Edith morreu de umas febres quando Clarice era pequena, teria quatro ou

cinco anos, não recordo. Melton voltou a se casar e teve três filhas e um filho com

sua segunda esposa, a verdade é que não sei muito deles. A vida de Clarice seguia

sem dúvida o padrão estabelecido, nunca faltaram famílias ansiosas para unir-se ao

marquês, a não ser porque, aos dezesseis anos, entabulou uma relação com o filho

de um vizinho, um soldado da Guarda Real. Não era exatamente o que Melton tinha

pensado para ela, mas o rapaz era o herdeiro de uma propriedade bem boa, assim

permitiu que Clarice o convencesse. Tudo perfeito até que chegou a campanha na

Península e o jovem foi destinado à Espanha, onde morreu em combate. Clarice

ficou destroçada, negou-se a ser apresentada a sociedade na seguinte temporada e

passou os seguintes anos em Rosewood, a principal propriedade de Melton.

— E o que a trouxe até aqui?

— Ah, apenas chegamos à metade do relato. — James fez uma pausa enquanto

organizava seus pensamentos e continuou: — Como lhe disse, nunca faltaram

cavalheiros com o olho posto nas arcas de Melton, e Clarice tem seis anos mais que

sua seguinte irmã. Um sem vergonha de nome Jonathon Warwick se inteirou da

existência de minha prima, foi a Rosewood e a cortejou, mas foi o bastante astuto

para ocultar suas verdadeiras intenções.

— Recordo a Warwick. — Jack percebeu a dureza com que tinha soado sua

própria voz. — Nos conhecemos durante o ano que passei na cidade antes de

alistar-me. Inclusive então, “sem vergonha” seria uma descrição generosa.

— Claro. Quando conheceu a Clarice, todas as propriedades de Warwick estavam

hipotecadas e recebia golpes à direita e a esquerda, mas ainda parecia e

interpretava o papel de um bom partido, um cavalheiro sempre impecavelmente

vestido. E tinha muita experiência em como tirar o melhor proveito de sua cara

bonita.

Jack tomou nota mental de que se voltasse a coincidir alguma vez com Warwick,

devia encontrar um modo de retocar essa cara bonita.

— Segundo tenho entendido, Warwick seduziu a Clarice até tal ponto que,

quando pediu permissão a Melton para casar-se com ela e o pai, claro, se negou

categoricamente, Warwick foi capaz de convencê-la que fugissem juntos. Claro, não

tinha intenções de levar adiante esse plano, não estava disposto a por em perigo

sua introdução nos círculos da alta sociedade, mas enviou uma mensagem a

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Melton, junto com uma petição. Do ponto de vista de meu tio, era mais fácil

suborná-lo.

O que nem Warwick nem Melton esperavam era que Clarice aparecesse

inesperadamente e se inteirasse da transação em curso. Segundo meu tio, entrou

feito uma fúria, fulminou a Warwick com o olhar, o esbofeteou o bastante forte

para tirá-lo da poltrona e, depois de dar sua opinião sobre seus antecedentes, se

foi. Melton se sentiu bastante orgulhoso dela.

Jack franziu o cenho.

— E para escapar dos conseqüentes rumores veio viver aqui?

— Não. Deixe de tentar avançar, rapaz — resmungou James. — De todo modo,

pode imaginar a Clarice preocupando-se por rumores e cochichos? De fato, não

estou certo de que haja muitos que se atrevam a cochichar sobre ela. Fosse como

fosse, após o incidente com Warwick decidiu que já era hora de regressar a capital

e procurar um esposo.

Tinha vinte anos e chegara o momento de abandonar o lugar paterno. Uma

conclusão admirável, com a qual tanto Melton como sua segunda esposa

coincidiram por completo, assim, com sua habitual resolução, minha prima saiu a

arena na seguinte temporada.

Jack não teve problema em imaginá-lo.

— Sem embargo, ainda tendo em conta que falo a partir do que meus

correspondentes me explicaram, parece que Clarice tornou-se difícil de agradar.

Nenhum dos muitos que se postaram aos seus pés conseguiu seu favor. Pior ainda,

depois de duas temporadas, ganhou reputação de ser um iceberg, impossível de

derreter por nenhum homem.

Jack piscou. Fria não seria um adjetivo que ele daria a rainha guerreira.

— O que nos leva a sua terceira e última temporada. No principio desta, quando

sua madrasta, Moira, e ela regressaram a capital. Melton mantinha certa

correspondência com o visconde Emsworth, em quem Clarice não se havia fixado.

Em definitivo, Emsworth tinha título e propriedades, mas não suficiente riqueza, e

também era ambicioso, assim, estava procurando uma esposa com um bom dote e

bons contactos.

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— Entendo que Clarice encaixava com o perfil. — Jack percebeu a deixa severa

de seu tom e se perguntou por que se sentia assim, como se tivesse ganas de dar

um soco em Emsworth.

— Exato. O visconde escreveu a Melton pedindo-lhe a mão de Clarice. Planteou

sua oferta como um matrimonio de conveniência benéfica para ambas as partes.

Então, Moira estava desesperada para casar Clarice e tirá-la de cima, porque no

ano seguinte iria apresentar sua filha mais velha e, de todas as filhas, Clarice era a

favorita de Melton e a que tinha melhor dote, visto que herdou uns fundos

consideráveis de sua mãe; por outra parte, tinha, e tem uma presença muito

mais... Imponente que suas meias irmãs. De fato, com ela em uma sala, as outras

passavam totalmente despercebidas, assim, se pode compreender a atitude de

Moira.

James fez uma pausa quando deram meia volta para regressar sobre seus

passos.

Jack se conteve e esperou que continuasse.

— Moira pressionou Melton para que aceitasse o trato. Meu tio desejava

consultar antes a Clarice, mas Moira o convenceu que se deixasse que Emsworth a

cativasse de um modo romântico durante a temporada, seria provável influir nela.

Afinal, Melton cedeu. Aceitou o trato só com a condição de que minha prima

estivesse de acordo.

O tom de James se fez mais duro.

— Mas resultou que Moira e Emsworth também tinham um acordo. Moira sabia

que Clarice nunca aceitaria ao visconde. Ouviu que esse homem era um tirano e

um empertigado.

Mas Moira não ia permitir que o caráter caprichoso de Clarice se interpusesse em

seu caminho nem no de suas filhas. Assim, uma vez que chegou com minha prima

a cidade e, apesar das atenções de Emsworth, Clarice não mostrou nenhum sinal

de enamoramento, Moira e o visconde puseram em marcha seu plano.

— Como? — O tom de Jack foi duro. Tinha um pressentimento.

— Justo o que já terá suposto. Arrumaram tudo para que Clarice e Emsworth

fossem descobertos em uma situação comprometedora por duas das mais

destacadas damas.

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O escândalo seria imediato, mas então o visconde se ofereceu a fazer o

honorável e lhe ofereceu a proteção de seu nome.

— Que hábil.

Para surpresa de Jack, James sorriu diante de seu cortante e sarcástico

comentário.

— Na realidade, não. Moira e ele pensavam que tinham tudo bem organizado,

mas não contaram com Clarice.

Jack piscou. Sua experiência com a alta sociedade não era vasta, mas sim

suficiente para avaliar a situação e saber que as forças estavam alinhadas contra

Clarice.

— Recusou-o?

James ampliou seu sorriso.

— Categoricamente. Em seguida viu a conspiração e, tal como ela disse, se

limitou a negar-se que a chantageassem socialmente para obrigá-la a aceitar

semelhante união.

Jack franziu o cenho.

— Mas então se houve um escândalo. — Essa devia ser a razão pela qual Clarice

agora vivia ali.

— Oh, claro! — James suspirou. — O maior escândalo que cabe imaginar e em

sua maior parte podia atribuir-se a Moira, que estava decidida a obrigar Clarice a

casar-se e não se deteve diante de nada para aumentar a pressão. Quando Melton

se inteirou e chegou à cidade, o dano a reputação de minha prima estava feito, ou

melhor, pendia de um único fio. Se aceitasse casar-se com Emsworth lhe

perdoariam tudo. Já sabe como funcionam estas coisas.

Jack não disse nada, mas sim, sabia perfeitamente.

— Por desgraça, aí foi onde o lado menos admirável de meu tio saiu à luz.

Insistia muito em manter o escudo de armas da família imaculado e sem defeito.

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Ainda que compreendesse tudo, incluído como ele mesmo fora manipulado,

insistiu em que, chegados a esse ponto, Clarice tinha que casar-se com o visconde

para proteger o bom nome da família.

Jack soltou um bufo de desgosto e James assentiu.

— Exato. Pode imaginar as discussões e pelejas. Apesar de que tinha tudo

contra, ela se negou a ceder. Negou-se categoricamente a casar-se com Emsworth.

—James fez uma pausa e acrescentou: — Se houvesse sido uma mulher menos

formidável, me atreveria a dizer que se aplicaram outros métodos de persuasão

menos limpos, mas quando Clarice tomava uma decisão, ninguém, nem sequer

então, duvidava que se mantivesse firme até o túmulo. Assim...

— Chegaram a um ponto morto — concluiu Jack.

O apodo de Boadicea que mentalmente ele lhe pusera parecia muito apropriado.

— De algum modo, mas era uma situação que não podia ficar sem resolver.

Melton forçou o assunto ameaçando com proibições da entrada de sua filha em

todas suas casas e propriedades.

Jack apertou a mandíbula com força. A idéia que se jogasse a rua desse modo a

uma dama da posição de Clarice ativou todos seus instintos protetores. Para que

havia lutado durante esses treze anos? Para que aristocratas com dinheiro

pudessem tratar assim a suas filhas? Sua decepção com a alta sociedade se fez

ainda mais profunda.

— Então, você interveio e a trouxe aqui. — Ergueu a vista para a reitoria, da

qual já se aproximavam.

— Não diretamente. Seus três irmãos mais velhos ficaram horrorizados diante do

ultimato de seu pai, intercederam e o convenceram para que permitisse que Clarice

se retirasse da vida social e vivesse aqui comigo. — James esboçou um sorriso

irônico. — Na família, me consideram uma ovelha negra, por ter-me unido a igreja

e nem sequer ter buscado algum tipo de poder. A investigação das estratégias

militares nunca foi considerada uma ocupação digna de um Altwood. Mas por outro

lado, há ocasiões nas quais a família se sente bastante agradecida por contar com

um membro da igreja entre os seus. Nesse caso, ao viver aqui tão discretamente,

isolado da sociedade, minha casa parecia a solução perfeita, muito similar a esses

conventos aos quais se enviavam antes as jovens recalcitrantes para que

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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refletissem sobre sua má conduta. — James voltou a sorrir. — Para surpresa de

todos, Clarice acedeu.

Jack lhe lançou um olhar.

— Você a conhecia? Ela te conhecia?

— Sim, mas só nos vimos em contadas ocasiões, em reuniões familiares. Não

obstante, ainda que não pudesse descrever-nos como almas gêmeas, nos dois

reconhecemos um ao outro como um companheiro agradável e nos entendemos

muito bem.

Jack não podia imaginá-lo, não em seu caso.

— Não lhe parece que ter uma... dama assim — uma belicosa guerreira curtida

na batalha — constantemente perto é uma distração?

— Em absoluto. Clarice não é tranqüila nem pacífica, é fantástico que a casa de

alguém seja dirigida por uma mulher tão competente. E, como já comentei, se

encarrega de todos esses problemas e questões que, na ausência de seu pai e sua,

recaiam sobre mim. Sua presença foi uma benção.

Jack sabia o suficiente para ler entre linhas; seu amigo a miúdo se mostrava

distraído e podia passar um longo período completamente sumido em suas

investigações, alienado de tudo ao seu redor e mau humorado se o interrompiam.

Chegaram aos degraus que levavam a varanda dianteira, onde Jack se deteve.

— Assim,... Após ter muitas propostas de matrimonio e três tentativas que

resultaram em um absoluto fracasso por uma ou outra razão, lady Clarice se retirou

aqui, dando mais ou menos as costas aos habituais sonhos românticos das jovens

damas.

James parou ao seu lado. Com expressão pensativa, ergueu a vista para a casa

onde, em algum lugar, o objeto de sua conversa estaria sem dúvida, ocupado

fazendo algo.

— Você acredita?

Jack o olhou. Tinha o olhar perdido.

— Sabe? Eu sempre vi tudo ao contrario — disse. — Longe de dar as costas ao

amor, Clarice não queria um mundo sem ele.

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Jack piscou. Pensou durante um momento e contemplou a porta principal.

— Talvez. — Ao final de outro momento, reagiu. — Será melhor que regresse a

casa.

James lhe deu uma palmada no ombro e se despediram. Ainda pensativo Jack se

afastou pelo caminho.

Para Clarice, a tarde passou depressa, repleta de uma miríade de tarefas e

deveres que lhe foram apresentando. A senhora Swithins, a mãe do coadjutor da

paroquia, chegou de visita. Desejava falar — de novo — sobre a lista de turnos

para levar flores à igreja. Mais tarde, Jed Butler, da pensão, passou para pedir-lhe

conselho sobre as mudanças que estava pensando fazer na taberna.

Eram quase quatro horas e as sombras começaram a mostrar um lilás brumoso,

quando colocou um xale ligeiro sobre os ombros e saiu para a mansão Avening.

Queria ver como se encontrava o jovem cavalheiro e, se Warnefleet estava por ali,

admitir o erro de pensar que fora um gandula, um proprietario absentista. Ainda

que não soubesse como poderia ter imaginado sequer que fosse... o que havia sido.

Ainda não conhecia com precisão o papel que tinha desempenhado nas últimas

guerras, mas sabia o suficiente do interesse de James pelos assuntos militares para

fazer uma dedução lógica.

Warnefleet fora um espião, se podia chamá-lo assim, não simplesmente dos que

observam e informam, e sim um agente ativo, seria assim como os chamava? Pelo

que tinha visto dele, isso pensava que era.

A ironia da situação não lhe escapava. A única desculpa que ela aceitaria sem

reclamar por ter desatendido seus deveres era que um homem estivesse servindo

ao seu país de um modo perigoso e sacrificado. Em sua opinião, só um dever

superava ao que ela e os de sua classe tinham respeito às pessoas de suas terras,

o dever diante da patria.

Tinham-na educado para dirigir grandes propriedades, respeitar a honra,

observar, e inclusive viver, segundo certo código, baseado no conceito de noblesse

oblige; mas essa nobreza guiada sempre pelo coração, por um verdadeiro apreço

de todas as pessoas presentes em uma grande propriedade, fomentar a confiança

de uns nos outros e entender o importante que era para todos que se os valorizava,

animava e, em última instancia, cuidava.

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Pode ser que o destino houvesse decidido que ela não teria o cargo para o papel

ao qual fora educada: o de senhora do castelo, através do matrimonio, mas as

circunstancias a colocaram em uma posição similar ali, em Avening, onde cuidava

de James e de seu lugar, por um lado e, pelo outro, velava pelo bem estar de todo

o povoado e das casas e granjas de seu redor.

Era uma tarefa que gostava e que lhe dava o que necessitava; algo a que fazer e

um papel que desempenhava bem, que requeria suas atitudes específicas. Apesar

da situação que a levara até ali, estava bastante contente, como havia imaginado

que poderia estar.

Não obstante, ao atravessar a cerca da reitoria, franziu o cenho. Iria Warnefleet

acabar com sua paz? Iria se intrometer?

Enquanto continuava avançando para a mansão, considerou as probabilidades;

não havia uma razão pela qual ele deveria fazê-lo. Talvez não fosse o gandula a

quem não lhe importava nada que ela pensava que era, mas seguia sendo só um

homem, e mais, um homem sem esposa. E tal como estavam às coisas, sem

dúvida estaria encantado de deixar que ela seguisse ocupando-se das pessoas do

lugar.

Assentindo mentalmente e contente com sua conclusão, atravessou a cerca e

avançou com passo decidido. Estava na metade do caminho quando ouviu o

chocalho das rodas de uma carruagem. Ao ver que era do doutor Willis, Clarice se

colocou a um lado.

Ao chegar a sua altura, o homem deteve o cavalo e tirou o chapéu.

— Lady Clarice. Acabo de deixar ao seu jovem cavalheiro.

Ela sorriu.

— Não é meu, mas sem duvida é jovem sim.

— E varão. — Os olhos cinza de Willis brilharam. — Mas quanto ao seu estado...

— a vivacidade abandonou o rosto do médico, que franziu o cenho, — ainda está

inconsciente. Temos provado os métodos habituais para que recupere o sentido,

mas nenhum funcionou, assim, coloquei-o do modo mais cômodo possível e

Connimore o vigiará com atenção. Deixei avisado que me chamem quando houver

alguma mudança.

— Quais são os danos?

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Clarice escutou enquanto o doutor Willis citava uma lista de ossos quebrados e

contusões. Os dois tinham se encontrado junto a camas de enfermos e mortos

constantemente nos últimos sete anos e formavam uma boa equipe.

Quando acabou seu informe, ela assentiu.

— Cuidarei que se mantenha informado de seu estado.

— Obrigado, querida. — Willis a saudou com o chapéu e agarrou as rédeas. — É

um alívio saber que você está perto. Warnefleet também tem experiência com

feridas. De fato, deve sentir certa simpatia por nosso paciente, mas não o conheço

bem e confio em você e em sua opinião.

Com um gesto da cabeça e um sorriso, Clarice o viu afastar-se, deu meia volta e

seguiu seu caminho pensando sobre o fato de Warnefleet ter experiência com

feridas. Seguramente as sofrera durante seus anos de espionagem. O sentido

comum sugeria que essa ocupação poderia ser mais perigosa que a de um simples

soldado, que em si mesma já era bastante perigosa.

Mas o que quis dizer o doutor Willis com o de que Warnefleet devia sentir

simpatia pelo homem ferido? Na atualidade, não tinha nenhum osso quebrado,

disso estava bastante certa. Ele, sua força, não pareciam estar afetados de nenhum

modo quando levantou o faetonte capotado ou quando tinha segurado a ela.

Com o cenho franzido, chegou ao terraço dianteiro. A porta principal estava

aberta, como costumava estar nos dias de bom tempo. Não se preocupou em

chamar e viu um servente ao fundo do vestíbulo que lhe indicou em qual quarto

tinham instalado o ferido.

Começou a subir a escada. A mansão era uma casa sólida e confortável e ela

sempre desfrutava das tapeçarias de vivas cores penduradas nas paredes junto à

escada. Os tons do arco íris se viam nos vitrais de três painéis em arco que havia

no patamar. O sol atravessava os cristais de brilhantes cores e com sua luz

marmorizava a madeira polida. Sentiu a suave madeira do corrimão sob a palma

até chegar ao patamar, onde virou à direita e avançou pelo corredor.

— Se perguntar minha opinião, lhe direi que esse cirurgião de Londres seu

merece uma boa repreensão. — A voz da senhora Connimore lhe chegou através da

porta entreaberta. — Como lhe ocorre dizer que passará com o tempo!

— Mas tem razão — a tranqüilizou Warnefleet.

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Clarice diminuiu o passo.

— Asseguro-lhe que Pringle é um expert neste tipo de feridas. — Soava seguro,

ainda que pacientemente resignado diante da incredulidade da ama de chaves. —

Alguns meses de repouso, e dizer, sem fazer exercício em excesso e estarei como

novo. Por outra parte, que outro remédio poderia aplicar? Não há nenhuma poção

que cure por arte de magia este tipo de lesão e, considerando a zona, a intervenção

cirúrgica não é algo ao qual eu me prestaria.

A resposta de Connimore foi um bufo de desaprovação.

— Bem, pois teremos que assegurar-nos que você não faça exercício demasiado

durante os próximos meses.

Clarice piscou diante da ênfase da mulher. Onde estaria ferido Warnefleet?

— Só nos resta esperar — ele comentou. Notava certa diversão em suas

palavras.

Clarice tinha três irmãos mais velhos e um mais jovem e havia algo no tom do

barão que lhe deu o que pensar. Com um bufo, descartou esse pensamento,

levantou a cabeça e continuou caminhando.

Parou diante da porta aberta. Graças ao tapete do corredor, nem Warnefleet

nem Connimore a ouviram chegar. Os dois estavam concentrados no ferido que

jazia sobre a cama. Pelo visto, o barão estivera ajudando a ama de chaves a

banhar o jovem e agora estavam ocupados vestindo-lhe um camisão limpo.

— Está pronto! — Connimore se ergueu. Pegou as mantas enquanto Warnefleet

lhe arrumava o decote do camisão e o vestia. — Bem vestido e quentinho. Se

despertar...

Quando desviou a atenção do jovem, Jack percebeu outra presença. Ou melhor,

percebeu sua presença pelo que não o surpreendeu em absoluto ver a sua Boadicea

alta e regia na porta.

Ela o olhou nos olhos e o saudou com um gesto da cabeça. A senhora Connimore

a viu por sua vez e lhe fez uma reverencia. Lady Clarice sorriu e inclinou a cabeça.

— Encontrei-me com o doutor Willis. Disse-me que o cavalheiro ainda não

recuperou a consciência.

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Jack se perguntou por que ele não era merecedor de um sorriso.

— Sim, assim é. — A ama de chaves olhou para a cama e fez uma careta. —

Temos tentado tudo: queimar penas, sais aromáticos. Mas não reagiu a nada.

Lady Clarice olhou brevemente para Jack; sua seguinte pergunta ia dirigida

também a ele.

— Havia algo entre suas coisas que nos possa dizer quem é?

Connimore olhou para Jack e ela fez o mesmo.

— O abrigo é de Shultz e as botas de Hoby.

A jovem franziu o cenho.

— Pertence à alta sociedade, então.

— Parece provável. O faetonte é de um dos melhores construtores de Londres.

— Ao final de um momento, Jack perguntou: — Ainda não lhe ocorreu quem pode

ser?

Ela o olhou nos olhos e negou com a cabeça.

— Não, nada. — Voltou a olhar ao jovem estendido sob as mantas. — Sem

dúvida me parece familiar, mas não posso identificá-lo.

— Deixe de preocupar-se por ele. — Jack rodeou a cama para aproximar-se ao

seu lado. Ele também olhava o ferido. Cabelos e sobrancelhas castanhos, linhas

limpas na frente, os pômulos, o nariz e a mandíbula; o toque patrício de suas faces

era uma prova muda de seus antepassados aristocratas. — Se deixar de tentar

recordá-lo, a conexão lhe virá à mente de um modo espontâneo.

Ela o olhou brevemente e se voltou para a senhora Connimore.

Jack se manteve imóvel ao seu lado. E aguardou.

Sua Boadicea se comportou como se ele não existisse. Pediu detalhes sobre a

visita de Willis, e a ama de chaves os deu, como se ela fosse um centurião e a

mulher um legionário. Ainda que a relação fosse mais cordial que isso. Lady Clarice

se mostrou compreensiva, solidaria e alentadora enquanto Connimore lhe explicava

não só tudo o que fizeram, e sua inquietação pelo estado do jovem.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Sem querer e de repente, Jack se sentiu impressionado. Após conhecer o papel

que ela assumira na comunidade, esperava que tentasse seguir levando as rédeas

mesmo ele estando ali. Apesar de ser consciente até certo ponto da inquietação de

sua ama de chaves, ele não conseguiu que se desafogasse, nem pode aliviar sua

preocupação.

Em troca, a orgulhosa Boadicea conseguiu ambas as coisas com uma calma

serenidade, firme, inquebrantável e que transmitia confiança. Estava claro que o

dela era um ombro com o qual Connimore estava certa que poderia contar. Quando

deram por terminada a conversa, a ama de chaves estava mais animada e a jovem

possuía toda a informação que puderam deduzir da roupa do jovem e de suas

feridas.

Em vista do primeiro, Jack não podia reprovar o segundo. Seguia esperando e

ela o sabia. Devia-lhe um pedido de desculpa e tinha toda a intenção de desfrutar

ao máximo do momento em que a recebesse. Duvidava que a rainha guerreira se

desculpasse muito frequentemente.

Finalmente, sem alternativa, lady Clarice se voltou para ele, que se interpunha

entre ela e a porta, e o olhou nos olhos com expressão de... Advertência?

— Queria falar um momento com você, milorde. — Sua voz soou firme; seu tom,

claro.

Jack sorriu, retrocedeu e lhe indicou a porta.

— Pois não lady Clarice.

Passou junto a ele.

Quando a seguiu, Jack murmurou em voz baixa, para que só ela o ouvisse:

— Estou impaciente por ouvi-la.

A jovem lhe dedicou um olhar tão agudo que poderia ter atravessado o gelo e

avançou pelo corredor. Ele a seguiu. Com a maioria das mulheres, teria que ter

reduzido o ritmo, mas para segui-la teve que caminhar, se não rápido, ao menos

sem entreter-se.

Quando chegou ao alto da escada, deteve-se. Esteve a ponto de sugerir o

estúdio, mas com o queixo levantado, ela o olhou.

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— Vamos ao jardim de rosas — disse e começou a descer a escada. — Deveria

dar-lhe uma olhada, agora que estou aqui.

Ao jardim de rosas de sua mãe? Jack a recordava como uma zona selvagem.

Fora o rincão especial da baronesa, mas, após sua morte, seu pai o deixara

abandonado e tinha ordenado que ninguém o tocasse. Jack nunca tinha

compreendido essa decisão, e todos a tinham obedecido. As rosas floresceram

fabulosamente durante alguns anos mais, uma vívida e perfumada recordação de

sua mãe, mas o abandono cobrou finalmente seu preço e os caminhos e as arcadas

dos muros de pedra acabaram enchendo-se de ervas daninhas e convertendo-se

em uma zona na qual já ninguém se aventurava.

Distraído pelas recordações e sem saber o que o esperaria, seguiu lady Clarice

pela sala de estar, o terraço, a escada e através do prado até a agora reparada

arcada de pedra que levava ao jardim das rosas.

Seguiu-a devagar e parou sob o arco. Por um instante, pensou que tinha

retrocedido no tempo. O jardim estava tal como o tinha visto aos sete anos, um

cambiante mar de cores e texturas, de canas arqueadas e brilhantes folhas verdes,

de espinhos e novos brotos da cor do bronze.

Clarice continuou pelo caminho central em direção ao espaço do fundo do

jardim, onde um banco de pedra que dava a um pequeno tanque e uma fonte.

Ele também avançou, ainda que transportado pelas recordações, a seguiu

devagar. Sua mente voltou a sua infância, e se viu a si mesmo com os cabelos

ruivos caindo-lhe sobre os olhos enquanto corria pelos caminhos. Todos os

caminhos levavam para aquele espaço onde sua mãe costumava esperá-lo, rindo

quando Jack se lançava sobre ela para falar-lhe da melhor flor no jardim, da escura

rosa vermelha que mais gostava; do rico e quase esmagador perfume que

desprendia da outra rosa, de um tom mais escuro, que era a favorita dela. Sem

sequer pensar, procurou esse roseiral e o encontrou ali, coberto por grossos

gomos.

Afinal, chegou aonde acabava o caminho. A jovem tinha evitado o banco de

pedra e parou junto ao tanque. Estava examinando os gomos de um rosal que

crescia em cascata, enquanto esperava paciente que ele se reunisse com ela.

Jack fez uma profunda inspiração e se deleitou nos aromas quase esquecidos

que o rodeavam. Relutando arrancou a mente do passado e se centrou no

presente.

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— Você fez isso?

Ela piscou.

— Não pessoalmente. Sugeri a Warren, o jardineiro que Griggs encontrou depois

que Hedgemore nos deixou que arrumasse este lugar e voltasse a deixá-lo como

antes.

Jack o interpretou com facilidade. Arrumar e deixar como antes significava

restaurar segundo as normas mais exigentes, as normas de lady Clarice Altwood.

Olhou ao seu redor. Era evidente que Warren também a compreendera bem.

— Explicaram-lhe eles, Griggs e os demais, por que o jardim foi deixado

abandonado? — perguntou-lhe, olhando-a com firmeza.

Longe de ruborizar-se, como muitos outros teriam feito, sua Boadicea se limitou

a arquear as sobrancelhas.

— Disseram-me que seu pai ordenara que o fechassem, mas ele tinha falecido e,

sinceramente, nunca entendi por que se celebrar a morte em lugar de celebrar a

vida.

Susteve o olhar de Jack. Seus olhos não titubearam o mínimo. Ao menos com

respeito ao jardim e seu atual estado, estava tão calma e segura como aparentava.

No que dizia respeito a ela, o mesmo poderia tê-lo ofendido profundamente e estar

pronta para ter uma desagradável discussão.

Jack olhou ao seu redor, incapaz de resistir. Lady Clarice não podia saber que

havia lhe devolvido algo que ele não percebera ter perdido e nem tinha expressado

com palavras de adulto exatamente o que sentia quando menino, mas não era

capaz de explicar.

— Está tal como o recordo. — Foi a única coisa que lhe ocorreu dizer, a única

coisa que pode dizer com facilidade.

Voltou-se para ela. Para sua surpresa, descobriu que suas bochechas agora sim

estavam tingidas por um tênue rubor. Consciente disso, e do olhar dele, se moveu

e disse:

— Encontrei um caderno de sua mãe com um plano detalhado do jardim. Pensei

que não lhe importaria se o consultasse para fazer este lugar voltar a ser o que era.

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Jack estudou seu rosto e olhou ao seu redor.

— Não me importo.

Percebeu que isso a aliviou. Sua pose e sua rigidez se relaxaram um pouco. Mas

então inspirou o ar, se ergueu e se virou de novo para ele.

— Bem... Creio que lhe devo um pedido de desculpa, milorde.

Falou rápido, ainda que com firmeza e suas palavras o devolvessem ao presente

com eficácia.

Jack lhe dedicou um amplo sorriso.

— Sou todo ouvidos milady.

A jovem não franziu o cenho, mas seu olhar se tornou mais agudo. Por um

momento, o estudou como se debatesse se devia dizer-lhe que regozijar-se seria

uma grosseria. Finalmente, ergueu a vista e cravou nele um desafiante olhar.

— Quando nos encontramos pela primeira vez, o julguei mal, milorde. Rogo-lhe

que aceite minhas desculpas.

Aguardou, desejando que ele se limitasse a assentir com a cabeça. Em troca, o

viu erguer as sobrancelhas.

— Julgou-me mal? Como? Posso ser tão ousado para perguntar?

Clarice sentiu que seu gênio reagia. Muito ousado, desde logo.

— Como você sabe perfeitamente, eu pensava..., pelo que ouvira de outros,

deduzi que não lhe importavam nada suas terras e que estava totalmente absorto

com os típicos, frívolos e superficiais entretenimentos dos cavalheiros de nossa

classe. Parece que essa visão era incorreta.

Jack arqueou ainda mais as sobrancelhas.

— Pensava que fosse minha prolongada ausência o que causava sua fúria.

Ela apertou os lábios e assentiu.

— Exato, mas agora compreendo que essas ausências eram... Desculpáveis.

Compreensíveis.

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— Talvez inclusive louváveis?

Clarice inspirou o ar, o conteve e voltou a assentir.

— Inclusive isso.

Ele sorriu com expressão de satisfação varonil e ela exalou, satisfeita por ter

acabado com aquilo.

— Não tinha ouvido nada específico das pessoas que a rodeavam e tampouco

lhes perguntou diretamente o que opinavam de mim. Precipitou-se e tirou

conclusões sem base.

Clarice ergueu a cabeça bruscamente e conteve a respiração. Sentiu que os

olhos se abriam muito quando ele se aproximou e lhe permitiu vislumbrar o homem

que havia atrás da encantadora máscara. Um homem cuja honra ela havia posto

em dúvida, ao menos ao seu modo de ver. Viu-o muito claro ao contemplar seu

rosto, a mandíbula quadrada, a linha dos lábios e, sobretudo, o cambiante tom

avelã de seus olhos, agora claro, mas duro como a ágata. Era um dos poucos

homens que havia conhecido que a fazia sentir-se... Pequena. E uma parte de si

mesma sabia que não era porque o tentara que não pretendia intimidá-la de

propósito.

De repente, aceitar a derrota lhe pareceu fácil. Inclusive aconselhável e assentiu

enquanto lhe sustinha o duro olhar.

— Sim.

Warnefleet piscou e voltou a arquear as sobrancelhas. Essa vez, quando seus

olhares se encontraram, ela detectou surpresa, uma emoção rapidamente

substituída por uma diversão nada de acreditar que deu calidez às profundidades

daqueles olhos e os suavizou. Os lábios dele se relaxaram, mas não chegou a

sorrir.

— Só um sim? Nenhuma evasiva?

Clarice apertou os olhos e cruzou os braços, fulminando-o com o olhar.

— Está decidido a tornar-se difícil com isto, certo?

— Difícil? Eu? Todos por aqui poderão lhe assegurar que sou o cavalheiro mais

afável que já conheceram.

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Ela bufou.

— Que insensatos.

— Não parece muito prudente voltar a tirar conclusões precipitadas sobre mim,

não acredita?

Clarice lhe susteve o olhar e replicou sucintamente:

— Passar por alto o obvio seria menos prudente ainda.

Um sorriso divertido voltou a sobrevoar seus lábios. Com qualquer outro, Clarice

se sentiria indignada; com ele, se sentia intrigada.

O estranho dessa reação a fez voltar à terra de repente. Rendeu-se.

— Você me perdoou. Sei que o fez. — Fez gesto de voltar-se. — Não tem sentido

prolongar isto...

— Não a perdoei.

Jack se moveu e se colocou de novo diante dela. Com um só passo, prendeu-a

contra a borda da fonte, que lhe chegava à altura do ombro e lhe impedia jogar-se

para trás. Estudou seus olhos de perto. Aquele tom castanho tão, tão escuro era

difícil de interpretar, mas tinha-os tão abertos que, por sua respiração acelerada,

deduziu que conseguira captar toda sua atenção.

Provocador esboçou um leve sorriso e deixou que seus olhos se iluminassem

com a compreensão.

— Talvez um ramo de oliva? Isso poderia influir em mim. — Não pode controlar

seu olhar, que desceu até seus lábios. — Poderia aplacar-me.

“A mim e aos meus demônios.”

Teve que esforçar-se para não aproximar-se mais, para não colar-se a ela e

sentir seu corpo contra o dela, provocativo, tentador...

Clarice lambeu os lábios e Jack observou como a ponta da língua se deslizava

pela carnosa curva inferior. Algo em seu interior reagiu. Ficou tenso.

— Que ramo de oliva?

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Havia conseguido inspirar ar suficiente para falar com firmeza, para infundir as

suas palavras sua habitual altivez; o suficiente para despertar os instintos menos

civilizados dele.

— Um beijo.

Jack nem sequer necessitou pensar. Isso era o que desejava nesse momento e

ali, no jardim de sua mãe, recuperado por ela.

Viu quando ela piscou, mas percebeu que não estava escandalizada. E que

tampouco se mostrava relutante. Inspirou fundo e esforçou-se para reprimir seus

instintos para dar-lhe o tempo suficiente a aceder antes de tomar o controle.

Ela voltou a olhá-lo nos olhos. Estudou-o, não tanto com cautela e sim de um

modo calibrador, avaliando-o.

Jack não estava de todo surpreso por sua reação, tão imprópria de uma dama.

Pelas revelações de James, calculou que teria uns vinte e nove anos. Estivera

prometida duas vezes, se despedira uma vez de um soldado da Guarda Real que ia

para a guerra, estivera a ponto de fugir outra. Muitos homens a tinham cortejado e

ele conhecia os cavalheiros de sua classe; também as damas. Ela não seria e não

podia ser totalmente inocente.

E estava há sete anos vivendo isolada no campo, sem ninguém, sem nenhum

cavalheiro do estilo e classe com os quais poderia entreter-se. Do estilo e da classe

de Jack e agora ele havia regressado ao lugar. Para ficar. Quase podia ver a

progressão dos pensamentos em sua mente. E não se surpreendeu em absoluto

quando disse:

— Em troca de um beijo, só um beijo e nada mais, concordará em não

mencionar nem fazer referencia nunca mais ao meu erro de tirar conclusões sem

base?

Jack assentiu olhando-a nos olhos.

— Sim.

Ergueu a cabeça e seus escuros olhos brilharam.

— Muito bem. Um beijo.

Ele sorriu e esticou os braços para ela.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Capítulo 4

Um beijo. Clarice não foi capaz de resistir. Tinha que saber. Tinha que

assegurar-se que era como todos os outros. E que não tinha uma verdadeira

transcendência e que a reação que ele despertava nela não significava nada e podia

ignorá-la. Além do mais, um beijo, só um, não supunha nenhum perigo. Haviam

beijado-a antes e, em sua opinião, esse ato estava supervalorizado.

Mas quando ele lhe tocou a parte de trás da cintura com a mão, quando seus

peitos lhe roçaram o torso, percebeu seu erro. Ficou sem fôlego. Uma grande mão

a pegou na nuca e um polegar colocado por baixo de seu queixo a fez jogar a

cabeça para trás ao tempo em que Warnefleet baixava a sua. Durante um segundo,

seus lábios se mantiveram sobre os dela, que chegou a ver brilhar aqueles olhos

cor avelã entre suas longas pestanas. Nesse instante percebeu que ele tinha toda a

intenção que o beijo fosse algo que não pudesse esquecer-se com facilidade. A

seguir, capturou seus lábios, os reclamou e também seus sentidos e toda sua

mente, não com ímpeto, nem com força, e sim de um modo tentador. Os lábios se

moveram sobre os seus, seguros, mas sedutores, buscando, aprendendo. Logo,

como se estivesse satisfeito de ter reconhecido o terreno, se tornaram mais firmes.

Clarice manteve os seus fechados, tentou permanecer passiva, mas não

conseguiu.

Estupefata, se descobriu respondendo-lhe. Não tivera intenção de fazê-lo. Não

tinha pretendido abrir os lábios, mas quando ele lhe deslizou a língua dentro,

encontrou a dela e o prazer surgiu. Tentou-a, chamou-a. Havia uma versão

masculina de uma sereia? Se houvesse, Warnefleet e seus lábios cumpriam os

requisitos.

Sabia o que ele desejava, sabia o que pretendia, mas, ainda assim, continuou,

seguiu seu hábil e extremamente esperto exemplo até diluir-se em um intercâmbio

fascinante, intrigante, excitante, todos os adjetivos que nunca lhe tivessem

ocorrido atribuir.

“Só um beijo”, se prometeu mentalmente, mas suas extremidades não

responderam a sua ordem e ele a atraiu sem problemas para seus braços,

rodeando-a com sua força, uma força que, tão perto, deixou-a cálida e

reconfortada. Tentava e seduzia.

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Não havia esperado isso. Normalmente, não podia suportar que a segurassem e

que a prendessem, restringissem seus movimentos. Não suportava que a

controlassem. Quando ele a colou ao seu duro corpo, toda resistência se esfumou.

Teve que lutar contra um impulso demasiado revelador de abandonar todo sentido

comum e entregar-se.

E o beijo continuou numa cambiante combinação de sutil e evidente exploração,

inexoravelmente substituída por uma flagrante demanda. Foi muito direto e nada

vacilante. Não pediu permissão para ladear a cabeça e intensificar o beijo, para

arrastá-la a águas profundas nas quais Clarice nunca havia nadado. A distante

parte de sua mente que ainda funcionava estava comovida ao descobrir-se

desbordada, superada, totalmente desconcertada. Submersa, não com delicadeza e

sim com contundência, em um mundo de sensações e desejo, no qual a paixão

girava, vagamente, mais como bruma e promessa que como sólida realidade, mais

ardente, exigente e excitante. Cada pressão de seus lábios, cada lânguida investida

de sua língua lançava uma chama de desejo que a atravessava, aquecia sua carne,

deixava-a sem forças e fundia seu aço.

Jack sentiu que suas mãos ascendiam por seu torso, hesitavam em seus ombros

e logo continuavam até emoldurarem-lhe o rosto, para agarrá-lo e segurá-lo com

força enquanto seus lábios se uniam e se saboreavam, e ela averiguava quanto ele

gostava. Inclusive profundamente concentrado no beijo, na imersão de seus

sentidos, sentiu o contato daqueles frios dedos nas bochechas, na mandíbula, e

como a reação o atravessava.

Quase gritou entusiasmado. Em lugar disso, agarrou-a com mais força entre

seus braços e, ganancioso, aproximou-a ainda mais. Colou-a junto a ele para poder

sentir a promessa entre seus longos e apertados músculos, embalando-o.

Desfrutou da firmeza de seus peitos, dos duros mamilos que notava no torso.

E então, ela devolveu o beijo, não só lhe respondeu, mas lhe agarrou a cabeça

com as mãos e lhe prodigalizou uma voraz e faminta caricia com os lábios e a

língua, desafiadoramente apaixonada.

Clarice sentiu que os sentidos dele se aceleravam quando se inclinou sobre seu

corpo, sobre seu abraço e o incitou audazmente, não só a ele, senão também a si

mesma.

Jack supôs este último instintivamente, supôs que ela estava explorando como

ele o fizera antes, mas em seu caso não só o físico, senão que estava totalmente

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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absorta no sensual. Desejava aquilo e aproveitou o momento e tudo o que este lhe

oferecia. Percorreu, acariciou, aprendeu e arquejou anelante.

Sob o clamor dos sentidos, algo primitivo surgiu, uma parte dele que não havia

saido em anos, mas que nesse momento cheirou a presa; ergueu a cabeça e se

lançou.

Saboreou, se deleitou em sua promessa, no embriagador convite inerente em

sua audaz e desafiante resposta. E começou a conspirar e a planejar.

Uma pequena parte de sua mente o felicitou por sua superioridade sobre seus

instintos; levava horas desejando beijá-la, e por seu bom juízo ao agir tão

rapidamente quando se ouviram passos no caminho pavimentado.

Jack ergueu a cabeça, alerta no instante. Notou satisfeito que passou um

momento antes que ela conseguisse centrar-se de novo, após piscar surpresa. E

notou que ficou tensa, mas antes que tentasse liberar-se, soltou-a com cuidado.

— Vem do caminho lateral — anunciou em voz baixa. — Não nos viram.

Clarice olhou ao seu redor, ainda um pouco aturdida. Olhou-o para ver se ele

percebera, mas Jack fingiu não notar e olhou além de onde ela estava, para o lugar

por onde Crawler apareceu, avançando por um caminho secundário que dava nesse

mesmo ponto. Quando os viu, seu rosto se iluminou.

— Howlett me disse que acreditava que se dirigiram para aqui.

O homem se aproximou, saudou a Jack com um gesto da cabeça e olhou para

Clarice.

— Rogo-lhe que me desculpe milady, mas se tiver um minuto quando acabar

com sua senhoria...

Ela lançou uma breve olhada a Jack.

— Já acabei com sua senhoria. Em que posso ajudar-lhe?

Quando se moveu para aproximar-se do encarregado dos estábulos, Jack

reprimiu o poderoso impulso de pegá-la, fazê-la retroceder e sussurrar-lhe ao

ouvido que estava muito longe de ter acabado com ele ou ele com ela. Não, depois

desse beijo.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Perguntava-me — começou Crawler — se você teria alguma idéia sobre a

nova égua que o senhor Trelliwell está montando. Ao que parece, pensa que não é

adequada para seu peso e quer desfazer-se dela. Pede um preço justo, mas me

perguntava se você ouviu algum rumor... Teria algum outro motivo pelo que

quisesse vendê-la.

Sua Boadicea sorriu e os olhos de Crawler se iluminaram.

— Ouvi que o senhor Trelliwell sofreu um acidente bastante embaraçoso quando

saiu com os Quorn faz umas semanas — respondeu ela. — Disseram-me que

montava uma egua castanha e essa égua é castanha, certo?

O homem soltou um rosnado.

— Lançou-o por cima de uma vala, acho que sim? Bem, isso já me vai bem.

Quero-a para criar e tem umas bonitas linhas. — Essa vez, Crawler se dirigiu a

Jack. — E eu sempre estou a favor de que uma égua tenha seu gênio.

— Claro. — Jack esboçou um jovial sorriso, de homem a homem. — As potrancas

fogosas são as melhores para cavalgar.

Crawler lançou um fugaz olhar a Clarice e, valente, engoliu uma gargalhada.

Mas ela tinha abaixado a vista e estava absorta sacudindo a saia. Quando

levantou a cabeça, sua expressão era a de sempre, serena e calma, com um toque

de arrogância.

— Se me desculpam cavalheiros, devo regressar a reitoria.

Imediatamente, Crawler lhe fez uma reverencia.

— Obrigado pelo conselho, milady. Amanhã pela manhã irei ver ao senhor

Trelliwell.

Ela dedicou um cortês sorriso ao homem, mas quando se voltou para Jack não

havia nada mais que uma escura advertência em seus olhos.

— Lorde Warnefleet. — Inclinou a cabeça com ar regio e acrescentou com maior

suavidade: — Bem vindo a casa.

Dito isso, virou-se e se afastou pelo caminho central. Jack a observou com um

franzimento de cenho para si causado por mais coisas que o simples fato de não

desejar que se fosse e ainda assim ela o fizera. Sentiu dificuldade em afastar a

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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vista da elegante linha de suas costas, a perfeita forma de coração invertido de

suas cadeiras e seu traseiro enquanto se afastava e o deixava ali de pé.

Apertou os dentes com dissimulo e se obrigou a olhar para Crawler. Sentiu que

deveria saber sobre a égua de Trelliwell, que deveria ter sido a ele a quem

recorresse o encarregado de seus estábulos. Sabia que era algo irracional. Sem

embargo... Aparentemente relaxado, olhou para Crawler nos olhos.

— Fale-me dessa égua. E quais outras incursões tem feito na criação de cavalos,

velho depravado?

O homem soltou uma risada sufocada e o explicou enquanto regressavam juntos

aos estábulos.

Ainda que a maior parte da mente de Jack ficasse no jardim das rosas e na

oportunidade que havia percebido e estava decidido a perseguir; apesar de — ou

talvez devido a — a complexa mescla de reações que certa rainha guerreira

despertava nele e as que ele por sua vez lhe provocava. Tinha certeza que ela

havia adivinhado que ele não se contentaria com um beijo e daí a advertência vista

em seus olhos, o motivo pelo qual havia aproveitado tão habilmente a oportunidade

que Crawler lhe havia brindado para escapar.

Realmente pensava que não seguiria tentando, que com uma olhada

reprovadora poderia dissuadi-lo? Provavelmente. Por desgraça, voltara a julgá-lo

mal, porque Jack tinha toda a intenção de não dar-lhe quartel e assim o faria, ainda

que fosse demasiado prudente para confraternizar com uma rainha guerreira a

salvo em seus domínios. Iria persegui-la, mas em suas próprias condições. Ao seu

próprio tempo, ao seu próprio modo, em um lugar de sua escolha.

Um no qual não houvesse nenhuma possibilidade de interrupção.

Jack passou uma noite tranqüila, deixando que seu pessoal o mimasse ao seu

desejo. O jantar que a senhora Connimore lhe preparou era digno de um rei. Mais

tarde, enquanto se servia de um copo de brandy na biblioteca, pensou que era uma

lástima que certa rainha guerreira não estivesse ali para compartilhar.

Sentou-se e bebeu. Deixou que a paz e a tranqüilidade do lugar o invadisse. O

discreto tic-tac do relógio de pé, o reconfortante escaldante calor da lenha na

lareira, o calor do brandy estendendo-se em seu interior e recordando-lhe o fogo

que sua Boadicea lhe acendia...

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Ao final de um longo momento, se remexeu em seu assento e se centrou com

decisão no plano alternativo para garantir sua sucessão. Era a única alternativa,

mas se as coisas fossem como ele esperava, bastaria.

Pouco a pouco, o dia começou a passar-lhe a fatura. A cabeça ainda lhe doía,

mesmo que já não lhe palpitasse. Acabou o copo e subiu ao piso de cima. Pelo

caminho, foi se fixando neste e naquele, pequenos detalhes, vislumbres do

passado... Estava em casa.

Dormiu bem, melhor do que o fizera em treze anos. Despertou com a cabeça

vazia, levantou, se lavou e se vestiu. Uma sensação de antecipação o animava.

No corredor, viu que a senhora Connimore saía do dormitório no qual haviam

instalado o jovem ferido. Deteve-se no alto da escada e esperou a que se reunisse

com ele.

— Bom dia, milorde. — A mulher lhe sorriu. — E é um prazer poder dizer isto,

pode estar bem seguro.

Jack também sorriu.

— Obrigado e bom dia a você também. Como está o paciente?

O rosto da senhora Connimore se ofuscou.

— Ainda não está conosco.

Jack assentiu e começou a descer a escada, consciente que a ama de chaves

insistiria em que descesse ele primeiro. Ela o seguiu.

— Informarei ao doutor Willis e também lady Clarice — disse a mulher.

Jack se deteve e reprimiu o impulso de perguntar por que precisava informar

tmbém lady Clarice. Com isso só inquietaria a Connimore e, depois de tudo, ela

desempenhara um papel essencial no resgate do cavalheiro. Continuou descendo a

escada e se dirigiu ao salão do desjejum. Não iria permitir que nada estropiasse seu

pletórico estado de ânimo.

Após devorar um prato de presunto, ovos e torradas, acompanhado por uma

xícara de café forte, enquanto lia detidamente as últimas noticias, se dirigiu ao

estúdio para reunir-se com Griggs. Supunha que seu fiel administrador devia estar

impaciente para explicar-lhe tudo o que se fizera em sua ausência e para deixá-lo

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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ao corrente da atual situação da propriedade. Nesse não se viu decepcionado,

Griggs, com suas velhas bochechas ruborizadas de prazer, lhe mostrou os livros de

contabilidade e as contas não sem um leve orgulho. Um sentimento justificado, já

que a propriedade ia melhor do que Jack imaginava.

Outra coisa que não esperava era o número de vezes que o nome de Clarice

surgiu nas explicações de Griggs sobre a melhora do estado da propriedade.

— Agora.

Com uns óculos sobre o nariz, o administrador colocou outro livro de

contabilidade diante dele.

— Conseguimos aumentar as colheitas dos campos no sul.

Jack não pode conter-se.

— Lady Clarice...?

— Oh, faz já alguns anos, sugeriu que Hidgson poderia rodar suas ervilhas

verdes com os cereais. Não se perdia nada tentando, assim ele provou. — Griggs

assinalou uma fileira de elegantes números. — Aumentamos a colheita em uns dez

por cento nesse primeiro ano, outros cinco por cento no ano seguinte. Agora

estamos aplicando o mesmo sistema nos campos do este e também funciona. Se

olhar aqui...

Jack o fez e ficou absorto enquanto se perguntava por que lhe importava. Ele

não estivera ali. Ela sim.

Uma incursão nos estábulos antes do almoço deveria ter lhe devolvido o bom

humor. Em troca, enquanto escutava como Crawler o punha ao corrente sobre os

cavalos e os rebanhos, descobriu que Clarice tinha muitos conhecimentos sobre

cavalos, gado e ovelhas, e a criação destes animais. Os suficientes, ao menos, para

ter ganhado o respeito de Crawler, um misógino declarado, ou isso acreditava Jack.

Chegou a hora do almoço. Quando, mais tarde, visitou Connimore e a cozinheira

nas dependências do serviço, descobriu que a receita da sopa de aspargos que

tanto lhe agradara fora introduzida na casa por... lady Clarice. Obrigou-se a

esboçar um encantador sorriso e perguntou pelo jovem cavalheiro ferido.

— Nenhuma mudança. — A ama de chaves negou com a cabeça. — Lady Clarice

me disse que passaria esta tarde.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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O sorriso de Jack ficou tenso.

— Penso que não a verei, porque sairei a cavalgar pela propriedade.

Com um gesto de despedida com a cabeça, se foi, dirigiu-se aos estábulos, pediu

que encilhassem a Lutador, montou e saiu a toda velocidade para os campos. Seus

campos.

Sua terra.

Rezou para que seus arrendatários não lhe enchessem os ouvidos de historias

sobre lady Clarice e suas sugestões, mas claro que foi assim.

Quando regressou a casa, tinha uma idéia muito clara de como havia ocupado

seu tempo a rainha guerreira oculta no campo. E enquanto uma parte de seu

cérebro lhe dizia que sua reação instintiva a suas ações eram irracionais, que ela

não estava tentando interferir, nem usurpar seu lugar deliberadamente, ainda

assim, já seria justificada ou não sua irritação, o aborrecia. Seguia sentindo-se...

Desprezado de algum modo indefinível.

Era ilógico, irracional e, em vista de como era ela, provavelmente idiota. Não

conseguia desfazer-se dessa sensação, não podia liberar-se do sentimento.

Quando dobrou pela rua do povoado e olhou a frente, ela falava com o dono da

pensão, Jed Butler, e logo, quando entrou no estabelecimento, não conseguiu

conter-se.

Deixou Lutador com o filho de Jed no pátio de trás da pensão e entrou sem fazer

ruído pela porta de serviço. Nem Clarice nem Jed o ouviram. Estavam de pé frente

a longa e estragada barra e a parede que havia atrás. Jack deteve-se entre as

sombras, atrás deles, e escutou.

— Eu havia pensado que, se eliminarmos essa parede, poderia abrir a salinha

posterior. Não se usa quase nunca e Betsy disse que ali se poderia servir comida

para os rapazes. Eles não entrariam no refeitório, claro, com as botas e tudo o mais

não queríamos que o fizessem. No verão, gostam de comer nas mesas de fora, mas

no inverno poderíamos convertê-lo em um lugar cômodo e acolhedor e assim

teriam um lugar junto à barra para comer e beber.

Ela esteve assentindo com a cabeça todo o tempo.

— Creio que é uma excelente idéia, mas...

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Lady Clarice. — Jack percebeu a dureza de sua própria voz e suavizou o tom

quando ela e Jed se voltaram para ele. Saudou com a cabeça ao dono da pensão

com um gesto afável. — Jed.

Este piscou surpreso e inclinou a cabeça.

— Milorde.

Clarice o olhou e abriu a boca para falar, mas antes que pudesse dizer algo, Jack

lhe pegou a mão.

— Se nos desculpar, Jed, preciso falar um momento com lady Clarice. — Olhou-a

brevemente aos olhos antes de voltar-se para a porta. — Fora.

Tinha arrastado-a, mas após aquela fugaz troca de olhares, o acompanhou por

vontade própria, se não de boa vontade, pelo menos sem dar-lhes nem a ele nem

ao seu gênio essa satisfação sequer.

Jack a guiou através da porta de serviço e pelo caminho coberto de erva que

dava ao pátio traseiro até chegar ao pomar da pensão. Caminhou decidido até o

oco no muro que dava ao pomar, fixando-se em que as longas pernas dela

mantinham seu passo sem ter que apressar-se o mínimo.

Esse detalhe que o distraiu só piorou seu mau humor. Três degraus de pedra

levavam ao pomar, desceu-os e continuou avançando sob as árvores frutíferas.

Sem prévio aviso, lady Clarice parou e puxou-o.

— Lorde Warnefleet!

— Jack.

Cortante e brusco espetou seu nome por cima do ombro e soltou-se dela, que

com um arquejo sufocado se viu forçada a segui-lo. Desejava afastar-se do

caminho o suficiente para que ninguém que passasse por ali pudesse ouvi-los.

— Se vai me suplantar em tudo, no mínimo, poderia usar meu nome!

— Que... o que?

— Não se faça de inocente. Não é próprio de você.

Ao cabo de um instante, disse:

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— Como?

Sua voz soou fria como o gelo e desprendia uma seria advertência. Mas Jack a

ignorou.

— Você sabe muito bem.

— Ficou louco?

Encontravam-se em meio do pomar sem mais companhia que as árvores e as

flores de maçã. Jack deteve-se e se voltou para ela.

— Ainda não.

Ainda segurava-lhe a mão; estavam próximos e não havia nem meio metro de

distancia entre os dois. Clarice estudou seus olhos e Jack acreditou ver que os dela

se arregalavam.

— Pode ser que lhe interesse saber que enquanto me punha ao corrente de

minhas propriedades, em todos os aspectos destas, um estribilho soava uma e

outra vez: lady Clarice sugeriu. Lady Clarice sugeriu isto, lady Clarice sugeriu o

outro. Parece que há muito pouco de meus assuntos nos quais você não tenha

interferido!

Ela inspirou o ar, se ergueu e ficou tensa. Encolheu-lhe o estômago. Estava

quase certa do que viria a seguir e se esforçou para manter a expressão impassível,

para ocultar sua reação a suas mordazes palavras. Seguiu sustentando-lhe o olhar.

Dele emanava uma profunda irritação, muito masculina e muito intensa.

— E agora, depois de todo um dia ouvindo o quanto esteve ocupada durante os

anos de minha ausência, a descubro assessorando sobre intervenções na estrutura

da casa de hospedes.

Fez uma pausa sem afastar a vista.

— Pode ser que lhe interesse saber que eu sou o dono da pensão. — Seu tom

era cortante. — E que não deveria fazer nenhuma mudança sem minha expressa

aprovação...

— Claro. — Manteve o tom firme. Se os dois perdessem os estribos, poderia

desencadear-se o inferno. — Mas se tivesse me deixado acabar o que estava

dizendo a Jed, teria me ouvido dizer-lhe que, dado que você é o dono da pensão,

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antes de fazer qualquer alteração, deveria pedir-lhe permissão e, como voltou a

casa, deveria falar diretamente com você.

Jack fechou a boca, mas já não podia retirar o que tinha dito e o que revelara.

Os dois o sabiam.

Clarice se perguntou o que faria. Seguiram olhando-se nos olhos, mas ela não

pode descobrir o que acontecia atrás da dura ágata daquele olhar.

Por fim, Jack inspirou profundamente. Seu peito se inchou, seus dedos se

relaxaram e lhe soltou a mão, mas a perigosa tensão que o dominava não cedeu

nem um ápice.

— Lady Clarice — ainda soava tenso e seu tom ainda era seco, — apreciaria

muito que, de agora em diante, se alguém lhe procurar em busca de ajuda sobre

qualquer assunto que esteja dentro dos limites de Avening, o dirija diretamente a

mim.

Antes que pudesse acrescentar algo mais, ela assentiu de um modo tão brusco e

cortante como ele.

— Como você desejar lorde Warnefleet.

Jack piscou surpreso. Clarice levantou a cabeça e aproveitou o momento para

acrescentar:

— Lamento que minha ajuda a sua gente o tenha aborrecido. Em minha defesa

direi que suas necessidades eram reais, que você não estava aqui e eu sim.

Durante sete anos foi assim, por isso perguntar-me se converteu em um hábito

para eles. Sem dúvida, necessitarão algum tempo para perceber que agora têm

você a sua disposição. Penso que não posso fingir sentir-me arrependida por tê-los

ajudado, não obstante, posso assegurar-lhe que, de agora em diante enviar-lhe-ei

todas as consultas.

Inclinou a cabeça do modo mais régio possível e se virou.

— Desejo que tenha um bom dia, milorde.

Deu dois passos, mas parou. Com a cabeça alta, lhe perguntou sem voltar-se:

— Por certo, descobriu algum caso no qual meu conselho a sua gente causou

detrimento de algum tipo para eles ou para a propriedade?

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Após um momento, Jack respondeu:

— Não.

Ela assentiu com os lábios apertados.

— Perfeito.

Sem olhar atrás, se dirigiu ao caminho e rodeou a pensão.

Jack ficou ali de pé, sob as flores das maçãs, e a observou saindo com as costas

rígidas, os movimentos elegantemente controlados. De algum modo, sua dor era

evidente. Mas ele tinha feito o correto. Agora estava em casa, a disposição de sua

gente. Sua dependência dela tinha que acabar e só havia um modo de consegui-lo.

Exalou com os braços na cintura, ergueu a vista para as flores rosa e branca e

amaldiçoou para si. Talvez devesse ter agido com mais tato. Talvez não devesse ter

perdido... Bem, nem sequer estava certo se eram os nervos o que tinha perdido e

isso o tinha empurrado a comportar-se assim ou melhor era algo mais primitivo,

alguma forma de imperativo territorial.

Ainda que estivesse em seu direito, lamentou vê-la afastar-se dele.

Aborrecera-o que ressoara em seus ouvidos seu levemente desdenhoso e frio:

“lorde Warnefleet”.

Sem dúvida tinha feito o correto. Jack se repetia esse estribilho quando, depois

de tomar o café da manhã no dia seguinte, se acomodou no estúdio para revisar as

contas. Estava fazendo-o quando Howlett chamou a porta.

Jack ergueu a vista e o mordomo entrou e fechou com cuidado as suas costas.

— Milorde. — Howlett parecia confuso. — A senhora Swithins está aqui. Deseja

falar sobre os turnos para encarregar-se das flores da igreja.

Jack o olhou inexpressivo e o homem se apressou a explicar:

— Normalmente, lady Clarice...

— Não, não. — Deixou a pena sobre a mesa. — Faça passar a senhora Swithins.

Howlett parecia inseguro, mas o fez. A senhora Swithins era uma dama

corpulenta, vestida com um estilo mais severo e formal do que normalmente

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costumavam usar as damas de sua posição no campo. Sua jaqueta de lã tinha gola

de pele e usava o chapéu seguro por um amplo laço atado sob a papada.

Jack se levantou e lhe dedicou seu encantador sorriso. Havia ouvido que o novo

coadjutor de James, a quem ainda não conhecia, era o senhor Swithins, pelo que

supunha que a senhora Swithins devia ser sua esposa. Aquela mulher parecia mais

sua mãe.

— Senhora Swithins. — Indicou-lhe uma cadeira.

— Lorde Warnefleet. — Fez-lhe uma reverencia e se sentou na borda do assento

com as costas duras. — Sinto-me muito feliz de ver que regressou são e salvo e

preparado para assumir os deveres que lhe correspondem por direito.

Sorriu, mas o gesto não conseguiu suavizar o olhar de seus pétreos olhos.

Jack se perguntou por que ao ouvi-la descrever seu estado com tanta precisão,

lhe deu vontade de negá-lo ou, ao menos, de responder com evasivas.

— Informaram-me que tem algumas perguntas sobre uns turnos para a igreja.

— Voltou a acomodar-se em seu assento e adotou uma expressão de desculpa de

reconhecida eficácia na hora de ganhar a simpatia dos corações mais duros. —

Penso que me leva vantagem. Acabo de regressar e não sei a que lista de turnos se

refere.

— Bem! — O peito da senhora Swithins se inchou de um modo impressionante.

— Nisso posso ajudá-lo. Trata-se do subministro de flores para os serviços do

domingo e da quarta.

Jack se recostou e escutou como a mulher explicava a lista de turnos que Clarice

tinha posto em marcha e segundo a qual ela se encarregava das flores cada

domingo e quarta alternados.

— As coisas seriam muito mais simples, se reorganizasse a lista de turnos para

que eu leve a cabo as arrumações florais dos domingos e as demais se

encarreguem das quartas. — Fez uma pausa, olhou-o e acrescentou: — Seria muito

mais fácil para todas nós, porque assim não teríamos que tentar recordar que

semana toca a cada uma.

Jack ergueu as sobrancelhas.

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— Isso parece bem razoável. — Uma voz lhe sussurrou que Clarice não tinha

estabelecido uns turnos complicados se com um simples bastava, mas a ignorou e

se inclinou para frente. — Não vejo motivo para não estabelecer os turnos como

você sugere. E bem? — Pegou uma folha de papel. — Quem são as outras damas

que participam?

A senhora Swithins sorriu.

— Oh, não tem que aborrecer-se em informá-las, milorde. — Levantou-se. —

Estarei encantada de fazê-lo eu mesma.

Seu instinto despertou e a voz voltou a surgir, mas Jack os calou a ambos

quando se levantou para acompanhar a dama a porta. Só eram as flores da igreja,

por Deus santo, em absoluto um assunto de vida ou morte.

Uma vez que a senhora Swithins saiu, claramente encantada com seu primeiro

encontro com o flamante lorde Warnefleet, Jack se acomodou em seu assento e

voltou a centrar-se em seus números.

Havia algum elemento que não conseguia identificar e que contribuía a que nos

últimos anos fossem aumentando progressivamente os benefícios totais das

colheitas. Ainda batalhava com essas cifras quando Howlett apareceu para anunciar

o almoço.

Jack se levantou e se esticou enquanto saboreava a sensação de voltar a sumir-

se profundamente no familiar regime da vida no campo que lhe havia sido negado

durante tanto tempo. Seguindo a Howlett chegou ao vestíbulo principal justo no

momento em que começou a soar agitadamente a campainha da porta.

O mordomo se apressou a abri-la e, intrigado, Jack o seguiu.

— Desejo ver sua senhoria! — exigiu uma agitada voz feminina. — É importante,

Howlett!

Jack ficou atrás, oculto pela porta. Havia uma incipiente queixa na voz da jovem

que o fez estremecer. As cenas de lágrimas nunca foram seu forte.

— O que ocorre, Betsy? — O mordomo soou preocupado, amável e

tranqüilizador.

— As flores da igreja! — uivou a esposa do dono da pensão. — Essa velha

Swithins nos disse que sua senhoria se “mostrara de acordo com ela” em que

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deveria encarregar-se de todos os domingos! Não é justo. Como pode dar todos a

ela?

Jack piscou e Howlett lhe lançou uma inquisitiva olhada de soslaio. O mordomo

estava claramente desconcertado e perdido.

Jack se recordou a si mesmo que era um guerreiro curtido pela batalha, se

preparou mentalmente para a luta, passou por trás de Howlett e se colocou diante

da entrada.

Quando Betsy o viu, lhe fez uma rápida reverencia.

— Milorde, eu...

— Entre, Betsy. — Jack lhe dedicou seu melhor sorriso e esperou que seu

encanto funcionasse com ela. — Pelo que vejo, há algum problema com as flores da

igreja. Não consegui entendê-lo. Por que não entra e me explica?

A mulher o olhou com receio, mas assentiu e entrou. Jack a acompanhou ao

estúdio, onde se sentou muito mais nervosa, na mesma cadeira que a senhora

Swithins ocupara anteriormente.

Ele acabava de se sentar em seu lugar quando Howlett chamou e apareceu de

novo.

— A senhora Candlewick e Martha Skegs se aproximam pelo caminho, milorde.

A senhora Candlewick era a esposa do toneleiro e Martha Skegs ajudava na

pensão.

Betsy recuperou parte de sua confiança.

— Vêm pelo assunto das flores, como eu. Swithins deve ter andado muito rápido

em procurá-las para regozijar-se.

Jack suspirou para seus adentros e olhou a Howlett.

— Faça-as entrar.

E assim o fez. Mas em lugar de esclarecer a situação, ouvir as três mulheres

lamentando-se do descaramento da mãe do coadjutor, — e esse foi o término mais

cortês usado para descrever o que viam como usurpação de seus direitos e

privilégios pela senhora Swithins, — fez com que Jack tivesse vontade de sair

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correndo. A cabeça lhe palpitava quando levantou uma mão para silenciar a

algazarra.

— Senhoras, penso que minha decisão desta manhã sobre os turnos estava

baseada em uma informação insuficiente. — Apertou a mandíbula ao recordar como

a senhora Swithins apresentara seu caso sem mencionar os desejos das demais. —

Revisarei essa decisão, mas primeiro desejo consultar-me com outros e assegurar-

me que o decido será o justo para todas.

Para assegurar-se que não daria outro passo em falso sem perceber.

As tres mulheres pareceram aplacadas por seu anuncio e assentiram com a

cabeça.

Ainda as via acaloradas, mas sua agitação diminuiu.

Estudando rapidamente suas alternativas, Jack perguntou:

— Segundo a antiga lista de turnos, quem deveria encarregar-se das flores no

próximo domingo?

As três trocaram um olhar.

— Ela — contestou Betsy. — A senhora Swithins.

Jack assentiu.

— Então, de momento não há nenhuma mudança independentemente de qual

sistema sigamos até a semana seguinte. Revisarei os turnos e lhes entregarei a

nova lista antes de segunda. Parece bem?

— Sim, obrigada, milorde — responderam em coro as três.

— Sempre que Swithins não se encarregue mais que do domingo que lhe

corresponde.

— A luz do combate ainda brilhava nos olhos da senhora Candlewick.

Jack se levantou com elas.

— Asseguro-lhes que os turnos definitivos serão justos e equitativos.

Todas aceitaram sua promessa. Betsy inclusive sorriu enquanto lhe fazia uma

leve reverencia e saia com as outras duas mulheres mais velhas.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack as observou afastar-se pelo caminho e finalmente se dispôs a comer.

Suspeitava que pensassem que se consultaria com Clarice, ainda que ele não

houvesse mencionado seu nome. Deveria haver outras pessoas que pudessem

aconselhá-lo a respeito.

Connimore ficou olhando-o surpresa quando lhe perguntou depois do almoço.

— Na verdade é que não saberia o que dizer milorde. — Fez uma careta. — Bem,

o certo é que não gosto de dizer, mas essa senhora Swithins é uma mulher das

mais irritantes. É a pobre mãe do coadjutor. Depois de tudo, que outra coisa tem

que fazer? Mas claro, então Betsy, June Candlewick e Martha se aborreceriam.

Bem, me alegro de não estar em seu lugar e ter que sopesar o que é correto.

Jack não estava seguro de se ele mesmo desejava estar em seu lugar, mas

ainda faltavam tres dias até o domingo. Já lhe ocorreria uma solução para então.

O jovem cavalheiro ferido ainda não recuperara a consciência. A ama de chaves

lhe disse que o doutor Willis passaria a vê-lo mais tarde nesse mesmo dia.

— E lady Clarice seguramente também passará.

Jack duvidava sinceramente e se perguntou se deveria desenganar a senhora

Connimore. Em lugar disso, deixou-a contando capas de almofada e se dirigiu ao

seu estúdio, a seguir com os benefícios das colheitas, que, ao parecer, deviam seu

aumento a algo que não podia predizer logicamente. Esse era o único modo em que

as cifras do ano anterior encaixariam com suas projeções para o ano atual. Havia

algo positivo que ele não via.

Pensou em perguntar a Griggs, mas não saberia que pergunta formular-lhe, fora

de revisar os beneficios de toda a propriedade, segmento a segmento. Apoiou a

cabeça nas mãos e tentou eliminar o rumor surdo que tinha entre as têmporas.

Uma vez mais estava somando cifras quando Howlett apareceu.

Jack ergueu a vista, agradecido pela interrupção.

— É Wallace, milorde. Gostaria de falar com você.

Um de seus arrendatarios granjeiros, Wallace era um homem de campo pouco

desperto e responsável, que Jack conhecia de toda a vida. Recostou-se em seu

assento com um sorriso.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Faça-o entrar.

Wallace entrou. Ele se levantou, ainda sorrindo, e lhe apertou a mão.

— Alegra-me voltar a vê-lo, milorde, e com tão bom aspecto. — O homem

assinalou a Jack com a cabeça enquanto se sentava. — E como tinha de ser, atrás

da mesa de seu pai.

Jack se relaxou. Wallace se sentou na cadeira diante da escrivaninha, enchendo-

a por completo com seu grande corpo. Seu lento humor do campo foi um bálsamo

para a complicada manhã de Jack. Uma vez que acabaram de trocar os habituais

comentarios e se por ao dia a respeito da familia de Wallace e de suas terras, lhe

perguntou:

— Parece que tudo lhe vai tão bem como sempre. Em que posso ajudá-lo?

— Bem — o homem esfregou o queixo sem barbear, — algumas coisas alguém

as pode ordenar, outras... — Tomou ar e continuou: — É minha filha Mary. Esteve

vendo ao jovem de John Hawking, Roger. Estão pensando em casar-se e estava me

perguntando o que seria o correto fazer com a parte da herança de Mary. Não

quero ser avaro e John é um velho amigo, assim, estamos muito contentes com a

união, mas tenho outras duas filhas e, claro, está meu filho, Joe, que levará a

maior parte. — Wallace o olhou nos olhos. — Perguntava-me se poderia

aconselhar-me sobre o que deveria designar a Mary.

Jack piscou surpreso. Não tinha nem idéia de qual quantidade de terra seria o

dote adequado para Mary Wallace. Nem a mínima idéia. Mas o homem o olhava

como se devesse saber.

— Ah... Diga-me. — Tinha de ter alguém a quem pudesse perguntar, qualquer

que não fosse certa dama que estava completamente certo saberia a resposta. —

Perguntarei por aí com discrição. No domingo na igreja lhe direi o que tiver

decidido.

Wallace sorriu.

— Agradeço-lhe qualquer ajuda que me prestar milorde.

E claramente aliviado, se foi. Jack voltou a deixar-se cair na cadeira, enquanto

se perguntava como diabos poderia cumprir as expectativas de Wallace.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Apenas se voltara a centrar na folha de cifras, nas quais ainda era incapaz de

encontrar algum sentido, quando a campainha da porta voltou a tocar. Jack se

recostou na poltrona e aguardou. Finalmente, Howlett apareceu e fechou a porta as

suas costas. Um sinal inequívoco.

— Um senhor Jones, milorde. É um comerciante de maçãs de Bristol,

subministrador dos fabricantes de sidra.

Jack arqueou as sobrancelhas. A colheita de maçãs do vale tradicionalmente ia

destinada aos comerciantes de Gloucester.

— Faça passar o senhor Jones. Vejamos o que tem a dizer.

O cavalheiro ao que Howlett acompanhou era, à primeira vista, baixo, rotundo e

jovial, muito similar a uma maçã, mas quando Jack se levantou devagar e lhe

estendeu a mão, percebeu a dureza em seus olhos e a tensa, mas bem mesquinha

linha de sua boca.

— Senhor Jones. Devo entender que está interessado em nossas maçãs?

O homem lhe apertou a mão.

— Claro milorde. Isso mesmo.

— Sente-se, por favor. — Jack lhe indicou a cadeira diante da escrivaninha e se

sentou. — Bem, em que posso ajudá-lo?

— Bem, milorde, verá. Creio que é melhor bem ao contrário. Se tiver um

momento, gostaria de explicar-lhe como creio que eu poderia ajudá-lo.

Ele assentiu com a cabeça e guardou sua opinião. A conversa de Jones deixou

em alerta seu instinto, o que, sem duvida, a julgar pelo sorriso excessivamente

cordial do comerciante, não era o que este pretendia.

— Tenho que dizer-lhe, milorde, que estou encantado que tenha voltado aqui

para tomar as rédeas.

Jack ocultou sua surpresa.

— Já tratou com esta propriedade antes?

Jones fez uma careta.

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— Tentei. Vim durante os últimos cinco anos. Os dois primeiros me reuni com

um ancião cavalheiro, um senhor Griggs, creio que era. Logo, os outros três anos,

estava essa... dama.

Jack estava certo que esteve a ponto de dizer “mulher”, mas tinha mudado de

opinião. O homem o olhou intrigado.

— É sua irmã por acaso?

Ele o olhou nos olhos.

— Como bem disse agora as rédeas estão em minhas mãos. Suponho que tem

uma proposta para fazer-me.

Jones se sentiu levemente surpreso diante de sua brusca concentração nos

negócios, mas se recompôs rapidamente.

— É bem simples, milorde. Posso comprar-lhe toda sua colheita por um xelim

mais por medida do que lhe ofereça qualquer outro.

— Entendo. — Jack estava certo que não o entendia. Não todo. Ainda não. —

Normalmente, nós abastecemos os comerciantes de Gloucester.

Jones abriu muito os olhos.

— Mas isto são negócios, milorde. Você tem uma colheita para vender e eu estou

oferecendo-lhe as melhores condições. Não há motivo para que se sinta obrigado a

conformar-se com um preçio inferior devido ao passado. Os comerciantes de

Gloucester se arrumarão, disso não cabe dúvida. Dispõem de outros muitos

pomares, mas meus clientes são os mais exigentes a respeito da qualidade das

maçãs que colocam em suas cubas.

De repente, ocorreu a Jack: as cifras com as quais estivera batalhando todo o

día... Se acrescentasse uma quantidade de dinheiro à colheita de maçãs, isso

equilibraria suas projeções com os benefícios do ano anterior. Voltou a centrar-se

no homem, que aguardava expectante.

— Sua oferta é tentadora, senhor Jones, mas necessitarei considerá-la com

atenção. — Fora tudo o mais, ele negociava por todo o vale; sua decisão afetaria

não só as colheitas de sua propriedade e também as dos granjeiros arrendatários e

os poucos proprietários da zona.

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— Já visitou Nailsworth e seus arredores?

— Não, não. Comecei por Avening, que ocupa um lugar muito alto em nossa lista

de colheitas de qualidade, assim, sempre começo enchendo meu copo por aqui.

— Entendo. — Jack se fixou na sutil pressão ao mencionar uma quota. Seu

instinto era recusar a oferta, mas ainda não tinha todos os dados. — Nesse caso,

imagino que, como Avening tem a colheita de melhor qualidade, estará encantado

de voltar dentro de dois dias para conhecer minha decisão. Devo consultar os

outros agricultores e determinar em que situação está a respeito da previsão das

colheitas.

— Sim, claro. — Jones sorriu, levantou-se e lhe estendeu as mãos. — Estamos

preparados para comprar tudo o que tenha por um xelim mais que a melhor oferta

que lhe fizerem. Por muito grande que seja a produção do vale, estamos dispostos

a comprar até a última maçã.

Jack acompanhou o homem a porta e voltou ao seu escritório. Não podia deixar

de pensar que Jones apenas fora capaz de ocultar a alegria ao ouvi-lo dizer que

consultaria os outros agricultores. Era evidente que pensasse que a avareza para

conseguir esse xelim a mais o faria conseguir o trato, mas tinha de ter alguma

armadilha. Um verme na brilhante e reluzente maçã de Jones.

Ou talvez, veneno?

Jack sabia o que seu instinto lhe dizia, mas não podia entender ainda o que

pretendía o comerciante. Deixou-se cair na poltrona e se aproximou da folha de

cifras. Após dez minutos acrescentando um aumento no preço da colheita de

maçãs, obteve uns números que por fim encaixavam.

Mas isso só fez surgir outra pergunta. Se, como lhe dera a entender, Jones não

conseguira comprar as colheitas de maçãs de Avening durante os últimos cinco

anos, de onde saíra esse aumento em seus números que se pagava pontualmente?

Empurrou a cadeira para trás, se levantou e foi em busca de Griggs. Ao menos,

agora sabia o que perguntar.

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Capítulo 5

Nessa noite, já tarde, Jack se sentou na biblioteca com um copo de brandy e

uma persistente dor de cabeça. Começara o dia sentindo-se razoavelmente bem,

seguro, confiado em que fizera o correto e em que tudo se arrumaria logo. E o

acabava não só com dúvidas, mas enfrentando-se com a perspectiva muito real de

ter que procurar Clarice em busca de conselho precisamente sobre os assuntos nos

quais lhe pedira que não se imiscuísse.

Fechou os olhos e tentou ignorar o insistente ruído surdo de seu cérebro. Não

queria pensar o difícil que provavelmente seria cativá-la e convencê-la, mas

ninguém mais poderia ajudá-lo com alguns dos problemas que se apresentaram.

Nem Howlett, nem Connimore, nem Griggs. E sabia de sobra que não devia nem

aborrecer-se em consultar James.

Quando encontrou Griggs, lhe perguntou sobre a parte correspondente a Mary

Wallace como dote, mas o homem era um solteiro que trabalhara toda sua vida

para a propriedade e nunca tivera que encarregar-se de semelhantes questões,

então não tinha mais idéia do que ele.

Deixou esse assunto a um lado e passou a questão mais concreta de Jones e sua

oferta.

Griggs lhe confirmou que o comerciante os visitara nos últimos cinco anos e lhe

parecia um prepotente bastante difícil de tratar. Teve de solicitar que lady Clarice

para que o ajudasse a desfazer-se dele, assim, nos últimos anos, ela se

encarregara de Jones em seu nome. Também lhe confirmou que, até a data,

nenhuma colheita de maçãs de Avening fora parar em suas mãos. Os aumentos

pagos pela colheita provinham dos comerciantes de Gloucester, com os quais lady

Clarice, através dele, mantivera correspondência para negociar em representação

dos agricultores da zona.

Griggs, não se mostrou claro nos detalhes do acordo ao qual chegaram com os

comerciantes de Gloucester.

A situação parecia a de um campo de batalha no qual um passo na direção

incorreta poderia ser fatal. Jack não podia responder adequadamente a nenhuma

das questões a qual se enfrentava sem contar com os conhecimentos da jovem. Ao

recordar de sua conversa no pomar, não só de suas palavras, como de seu tom,

fechou os olhos e grunhiu. Teria que se humilhar.

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***

Quando despertou na manhã seguinte, de imediato se centrou em como levar a

cabo esse ato, minimizando os danos ao seu ego. Com qualquer outra mulher, não

estaria preocupado, confiaria em seu encanto que, até a data, nunca lhe falhara,

mas com sua Boadicea... Não lhe pusera esse apelido sem motivo.

Enquanto estava tomando o café e refletindo sobre quando e como falaria com

ela, um servente entrou para retirar os pratos. Jack observava a familiar cena

quase sem fixar-se, até que viu como o criado colocava uma colher de prata no

bolso.

Jack se ergueu, deixou a xícara na mesa e ficou olhando o jovem, que se voltou

para sair, com os pratos empilhados nos braços.

— Um momento.

O criado era novo entre o pessoal, ao menos, Jack não o conhecia e não sabia

seu nome. Voltou-se para ele com a expressão habitual de um servente, desprovida

de qualquer emoção.

— Milorde?

Jack assinalou o extremo da mesa.

— Deixe esses pratos aí.

O criado o obedeceu.

— Como se chama?

— Edward, milorde.

— Esvazie seus bolsos, Edward.

O jovem piscou surpreso e fez o que lhe pedia. Parecia consternado quando seus

dedos se encontraram com a colher de prata, que ficou olhando como se fosse uma

serpente.

Jack se recostou no assento.

— Chame a Howlett — disse, com um tom de voz neutro.

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Observou como, já nervoso, Edward se aproximou da campainha e tirou-a da

corda.

Um minuto mais tarde, apareceu Howlett.

— Sim, milorde?

O mordomo apenas prestou atenção a Edward, mas ao ver o semblante de seu

senhor, voltou a olhá-lo. O criado mantinha a cabeça baixa.

Jack suspirou para si.

— Acabo de descobrir Edward a ponto de sair com uma colher de prata no bolso.

Sugiro que o acompanhe a seus aposentos para que recolha suas coisas. —

Levantou, passou junto ao criado e parou junto a Howlett. — Pergunte a Griggs o

que tem de pagar-lhe e jogue-o daqui.

O mordomo tinha os olhos muito abertos e parecia comovido, inclusive aflito.

— Ah... Sim milorde.

Jack saiu ao corredor, intrigado. Não entendia sua reação. Acaso Howlett

pensava que lhe jogaria a culpa por contratar a um servente que não era digno de

confiança?

Isso era impossível! O acento de Edward indicava que era de Londres; era fácil

ocultar o passado criminal de alguém longe de sua cidade de origem.

Sem saber ainda o melhor modo de abordar Clarice ou se existia sequer um bom

modo de fazê-lo, saiu ao terraço para tomar algum ar fresco. Mais além da bem

cuidada extensão de gramado, o roseiral o chamava e Jack cedeu à tentação

consciente de que estar nesse lugar lhe faria sentir-se inclusive mais culpado por

ter-se mostrado tão ingrato por sua “ajuda”. Mas suas pernas o levaram ali.

Regressou meia hora mais tarde e se encontrou com Howlett e a senhora

Connimore esperando para falar com ele. Quando entrou, o mordomo disse:

— Tem um momento, milorde?

Jack assinalou o estúdio e ambos o seguiram. Howlett fechou a porta e se

aproximou da senhora Connimore, que estava de pé diante da escrivaninha. Jack

não se sentou, apenas ficou de pé atrás da mesa, estudando-os.

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— O que acontece?

— Trata-se de Edward, milorde. — A ama de chaves trocou um olhar com

Howlett, inspirou e olhou Jack nos olhos. — Pelo momento está em seus aposentos,

mas... Antes que o deixemos, como você ordenou, poderia...? — A mulher começou

a retorcer as mãos e se ruborizou. — Rogamos-lhe que fale com lady Clarice sobre

o assunto.

O mordomo pigarreou igualmente incômodo.

— Há algo que deveria saber de Edward, milorde, mas não corresponde a nós

dizê-lo.

Jack olhou a um e a outra. Os dois o conheciam desde que nasceu e os dois o

instavam a consultar Clarice antes de cometer algum erro enorme...

Exasperou-se, mas esse sentimento desapareceu rapidamente. Nem Howlett

nem a senhora Connimore eram dados a agir sem motivo e nem eles nem ninguém

conhecia a situação entre ele e a jovem. Uma situação incômoda que, meia hora

atrás, na paz no jardim das rosas, se viu na obrigação de reconhecer que era em

grande parte culpa sua. Fora sua exagerada reação que a provocara e era o

bastante honesto para reconhecer diante de si mesmo, se bem que diante de

ninguém mais, que, se ela fosse uma mulher menos extraordinária, ele não teria

reagido com tanto ímpeto.

Apertou os lábios em uma severa linha e assentiu:

— Muito bem. Falarei com lady Clarice e revisarei a situação de Edward.

A senhora Connimore suspirou aliviada.

— Obrigada, milorde. Não se arrependerá, prometo.

— Obrigado, milorde. — Howlett sorriu aliviado.

Saíram precipitadamente, deixando Jack perguntando-se que demônios estava

acontecendo. Por que seu mordomo e sua ama de chaves, duas pessoas

normalmente de confiança, sensatas e decididamente corretas, pensavam que ter

um ladrão entre o pessoal era algo bom?

Só havia um modo de averiguar a resposta, desse assunto e de tudo o mais que

o acossara nas últimas vinte e quatro horas. E não tinha sentido retardá-lo. Ainda

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não lhe ocorrera nenhuma maneira maravilhosa de aproximar-se da rainha

guerreira para assegurar-se que não se enfurecesse. Talvez esse último assunto

pudesses ser sua salvação?

Explicar-lhe por que devia ter um ladrão entre seu pessoal poderia deixá-la em

desvantagem, ainda que fosse mínima.

Ainda que a verdade fosse que Jack aceitaria ajuda de qualquer parte.

Dirigiu-se a reitoria; por um impulso, em lugar de ir pelo caminho, o cruzou e

atravessou o buraco da cerca enquanto se perguntava se Clarice adivinhara quem o

tinha feito. Quando era menino, era um fanático do exército e os assuntos militares

e James foram se não seu ídolo, sem duvida sua inspiração. Com o consentimento

de seu pai, passara inumeráveis tardes com James, aprendendo sobre tal batalha

ou tal campanha. A estratégia era algo que aprendera dele, e grande parte dos

conhecimentos e a paciência que lhe permitiram sobreviver esses últimos treze

anos, de uma forma ou outra, procediam de seu amigo.

Após passar junto ao carvalho, atravessou o prado com a mente absorta nas

questões as quais se enfrentava. Chegou à arcada da cerca da reitoria e ergueu a

vista.

Um rápido movimento a sua esquerda o fez olhar nessa direção. A casa se

encontrava a sua direita e os jardins traseiros se estendiam até acabar em um

amplo pomar ao longe, à esquerda. Entre o pomar e os sombreados prados havia

uma franja de erva na qual dava o sol e ao longo da qual se viam umas cordas para

estender a roupa.

O movimento que percebera era o de um lençol ao ser pendurado e dobrado por

parte de... Lady Clarice.

Que a filha de um marquês se encarregasse de recolher a roupa lavada o

intrigou e, antes de pensá-lo sequer, se encontrou aproximando-se dela. As cordas

de estender estavam o bastante longe da casa para proporcionar-lhes intimidade e

a essa hora não era provável que houvesse alguém além do jardim de ervas da

cozinha.

Clarice ouviu passos no caminho e ergueu a vista. Seus olhos se encontraram. O

rosto dela se tornou frio e inflexível, sua expressão indecifrável. Soltou a seguinte

pinça e sacudiu a capa de uma almofada.

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Jack suspirou para si e olhou as cordas em direção ao muro de pedra que

separava a zona do pomar.

— Bom dia, lady Clarice.

— Bom dia, lorde Warnefleet. James está em seu estúdio, como sempre.

Reprimindo sua reação diante da fria saudação e quase despedida, sentou-se no

muro a uns cinco passos atrás dela, um pouco em diagonal.

— É a você que venho ver.

Não lhe respondeu. Jack a observou dobrar a capa de almofada e deixá-la em

uma cesta aos seus pés.

Clarice pegou a corda e soltou a seguinte pinça.

— Importar-se-ia de explicar-me por que tenho a Edward, um servente que é de

Londres e também um ladrão, entre meu pessoal doméstico? — perguntou Jack.

Ela lhe lançou um olhar, escuro e insondável, e voltou a olhar a roupa.

— É o sobrinho de Griggs.

Ele piscou surpreendido. Aquilo era, sem duvida, a última coisa que teria

esperado ouvir.

— O sobrinho de Griggs? — Seu administrador era um homem totalmente de

confiança.

— Seu único parente com vida. — Após batalhar com um lençol que resistia a

deixar-se dominar, Clarice continuou: — Faz dois anos, Griggs recebeu a noticia de

que sua única irmã morrera e estava preocupado pelo jovem, seu único filho. O pai

não ficara o tempo suficiente para reconhecer sua paternidade. — Dobrou o lençol e

o olhou nos olhos. — Como já sabe, Griggs é um homem velho. Inquietou-se e

angustiou-se tanto que tememos por sua saúde. Através de James e da igreja,

encontramos o jovem Edward, e conseguimos trazê-lo até aqui. Pelo caminho, nós

percebemos que é um ladrão, mas... — Fez uma pausa, apertou os lábios e

continuou: — É um ladrão compulsivo. Parece que não pode evitá-lo e, de fato,

nem sequer estamos certos que se dê conta que pega coisas.

Jack recordou a expressão de consternação no rosto do jovem quando tirou a

colher do bolso.

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— Mas... — franziu o cenho, — ainda assim é um ladrão.

— Sim, mas é a única família de Griggs. Todos, literalmente todos exceto Griggs,

sabem que Edward rouba coisas. Cada semana, a senhora Connimore e Howlett

revistam seus aposentos e devolvem tudo o que encontram ao lugar que lhe

corresponde. O jovem leva na casa mais de dezoito meses e nada desapareceu

permanentemente nesse tempo.

Jack se sentou e tentou assimilar tudo aquilo. Deu voltas ao assunto, o sopesou,

buscou alternativa e chegou à conclusão que teria que permitir a Edward continuar

como servente. Griggs estava demasiado delicado e significava muito para todos os

habitantes da casa, sobretudo para Jack, para que sua paz não se visse ameaçada.

— O que vai fazer com ele, com Edward?

Jack a olhou dobrar uns guardanapos. Soltou um bufo.

— Nada. Que outra coisa posso fazer?

Pareceu que ela havia sorrido, só um pouco, muito fugazmente.

— Há algum problema com as criadas de James?

Clarice lhe lançou uma olhada.

— Por que o pergunta? Porque estou fazendo isto?

Ele assentiu.

— Ainda que não esteja muito familiarizado com os costumes das damas da alta

sociedade — ignorou seu suave suspiro de incredulidade, — estou certo que

recolher a roupa lavada não é uma das tarefas das filhas da nobreza.

— Esta filha da nobreza encontra esta tarefa relaxante. Enquanto tenho as mãos

ocupadas, posso pensar.

Morria de vontade de perguntar-lhe sobre o que pensava. Em troca, se limitou a

observá-la apanhar a roupa com habilidade, sacudi-la e dobrá-la e decidiu que

tinha razão: havia algo inerentemente relaxante nessa simples tarefa doméstica.

— Há uma série de assuntos sobre os quais preciso falar com você. — As

palavras saíram sem esforço, sem pensá-las na realidade. Calou-se, refletiu e

decidiu que com isso bastaria. Era a pura verdade.

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Clarice o olhou brevemente, mas ele não pode interpretar nada do que viu em

seus olhos ou em seu rosto.

— Quais?

— Como as flores da igreja, para começar.

Seu tom transmitiu a exasperação que sentia e um leve sorriso curvou os lábios

de Clarice. Vê-lo fez que o atravessasse uma pontada de desejo, pois Jack recordou

demasiado bem como era o contato, o sabor daquela boca. A frustração que sentia

em geral deu um toque de irritação a sua voz.

— Pode explicar-me que diabos há atrás desses turnos?

Ela suspirou e sacudiu um lençol enquanto, com o olhar, percorria o jardim até a

casa.

— Tudo é questão de status, penso.

E lhe explicou brevemente o que havia atrás do desejo de preeminência da

senhora Swithins.

— O pobre Swithins é só um coadjutor quando sua mãe esperava muito mais

dele e está decidida a tirar o maior proveito possível da situação para que a posição

que lhe proporciona a ocupação de seu filho chegue o mais longe possível.

Encarregar-se dos arranjos florais para o serviço do domingo, diferente dos ofícios

menores da quarta, é como uma distinção para ela.

— Mas isso irrita a Betsy, a senhora Candlewick e a Martha.

Clarice o olhou.

— Não só a elas. Descobrirá que, de um modo ou outro a senhora Swithins está

brigando com a maioria das mulheres da paróquia.

Jack grunhiu.

— Enquanto não tenha que arbitrar entre elas.

Clarice não disse nada sobre esse comentário. Era extremamente consciente de

sua presença, a menos de dois metros de distancia, grande, esbelto e incrivelmente

vital, sentado sobre o muro com o olhar fixo nela.

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— E com você? — perguntou ele. Olhou-o e o descobriu observando-a com falsa

inocência. — Acaso a senhora Swithins trata também a você com prepotência?

Ela o olhou nos olhos, antes de sacudir um guardanapo, que soou como um

látego.

— Nem sequer Swithins é tão estúpida. — Dobrou o guardanapo, abaixou-se e o

deixou na cesta. — Não, comigo é obsequiosa, algo que acho igualmente odioso. —

Olhou-o e percebeu que seu olhar havia descido até seus seios parcialmente

expostos pelo decote. Ergueu-se. — Não se mostrou desse modo com você?

Jack enrugou o nariz e voltou a olhá-la no rosto.

— Sim, agora que o menciona. É capaz de adular como a melhor.

Clarice se voltou para a corda e continuou com o seguinte guardanapo. Apostaria

suas perolas que ele não percebia que estava devorando-lhe os seios com os olhos.

— Então, o que deveria fazer com os turnos?

Ela pegou o guardanapo, dobrou e manteve o olhar fixo na peça.

— Dizer a todas que, depois de considerar devidamente, decidiu restabelecer os

turnos anteriores. Swithins faz os segundos domingos e as quartas alternadas, e as

outras tres se encarregam dos demais domingos e quartas. A senhora Cleever e as

donzelas da reitoria arrumam sempre as jarras grandes exceto para as celebrações

mais importantes, nessas ocasiões se encarregam à senhora Connimore e as

donzelas. Claro, todas, exceto Swithins, usam as flores da mansão para adornar a

igreja.

Sem olhá-lo, deixou cair o guardanapo na cesta e pegou uma toalha de mesa.

— Muito bem. E agora, que parte corresponderia a Mary Wallace como dote?

Clarice o olhou, mas não viu nele nenhum rastro de irritação por ter que ceder e

suportar sua decisão sobre os turnos. Arqueou as sobrancelhas, aparentemente

com expressão inquisitiva, ainda que na realidade fosse de surpresa.

Jack lhe explicou:

— Wallace me disse que Mary e Roger estão a ponto de casar-se. Suponho que

também a terá informado a respeito.

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— Todo o mundo sabe.

— Está tentando decidir qual é o dote que deveria corresponder a Mary tendo em

conta quem é o noivo, suas outras filhas e a herança de seu filho, mas não tenho

nem idéia de qual seria a quantidade adequada.

Clarice dobrou a toalha de mesa com o olhar perdido, enquanto calculava

mentalmente.

— Trinta guineus. Uma soma considerável que Wallace se pode permitir, não só

para Mary, como mais tarde para suas irmãs. É um bom começo para o novo par e

uma quantidade que Hawkins pode igualar, tanto em efetivo como em espécie. —

Olhou Jack nos olhos. — É importante que nenhuma das famílias oprima o jovem

par.

Jack arqueou as sobrancelhas.

— Não havia pensado nisso.

A luz de reconhecimento nos olhos dele quando se encontrou com os dela a fez

sentir-se ridiculamente feliz ao comprovar que apreciava sua opinião e que

inclusive a valorizava.

— E que há de Jones, o comprador de maçãs para os fabricantes de sidra?

— Jones? — Fez uma pausa. — Sim, suponho que foi te ver.

— O que ocorre com esse homem? Griggs me disse que você negociou com ele

em seu nome durante os últimos três anos.

Clarice deixou a toalha de mesa na cesta e a alisou enquanto sua mente ia a

toda velocidade.

Pode ser que houvesse aceitado seus conselhos sobre os turnos na igreja e o

dote de Mary, mas aquilo... Basicamente, assumira a autoridade que correspondia

a ele e sem duvida era um assunto mais delicado, com mais probabilidades de

afetar o seu orgulho varonil.

Mas por que deveria importar-lhe? Aos homens, sobretudo aos cavalheiros como

ele, de sua própria classe, nunca haviam se preocupado com o orgulho dela.

Inspirou o ar e se ergueu. Olhou-o nos olhos. Essa vez, os tinha mantido fixos

em seu rosto.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— A primeira coisa que deve saber sobre Jones é que é um autêntico acossador.

Com aqueles a quem acredita que pode intimidar, pelo menos.

Jack apertou os olhos.

— Com você não, evidentemente. E com Griggs?

Clarice assentiu e se voltou para a corda de estender.

— Na primeira vez que Jones apareceu, faz cinco anos, Griggs me procurou

muito nervoso. Estava a ponto de deixar-se levar pelo pânico e oferecer-lhe toda a

colheita, convencido que não tinha alternativa. — Apertou os lábios ao recordá-lo.

— Eu me reuni com os dois e fiz que explicasse de novo sua oferta a Griggs e a

mim. Folgo em dizer que, essa vez, a situação e a oferta não eram como as pintara

a Griggs.

— Qual era a oferta exatamente? Esta vez é um xelim a mais por medida que o

preço geral do mercado.

Clarice assentiu.

— Esse ano eram oito pennys por cima. É uma espécie de estafa, claro.

Não é que Jones e os que estão atrás dele vão pagar alegremente o que

prometem. O que tentam é destruir a longa relação entre os agricultores de

Avening e os comerciantes de Gloucester. Avening proporciona mais de vinte por

cento da mercadoria do mercado desse condado. Se vender a colheita a Jones, os

comerciantes de Gloucester se veriam obrigados a buscar outros provedores, não

se limitariam a suportar a falta de produto. E uma vez que estabelecessem novos

acordos com outros agricultores, na seguinte temporada, Avening teria que vender

a Jones, porque os comerciantes de Gloucester já não necessitariam nossa colheita.

— E assim, Jones e seus chefes poderiam oferecer o preço que quisessem e

Avening teria que vender inclusive por um xelim a menos do preço de mercado.

— Exato. — Sacudiu outra capa de almofada. — Os comerciantes de Gloucester

sempre atuaram de boa fé. É um grande conglomerado e beneficiam-se pouco com

o fato de ter que regatear, sobretudo, porque Avening é um de seus provedores

mais confiáveis, tanto pela qualidade como pela quantidade.

Jack guardou silencio durante um momento e se levantou do muro de pedra.

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Clarice o observou enquanto se aproximava com as mãos nos bolsos e o cenho

franzido, mas olhando ao chão, não a ela.

— Durante os últimos quatro anos, esteve se pagando um aumento aos

agricultores de Avening. Griggs me disse que procede dos comerciantes de

Gloucester. Como se chegou a isso?

O assunto se tornava cada vez mais e mais delicado. Clarice inspirou o ar e

respondeu com tom firme:

— Quando Jones apareceu no segundo ano, percebi que não iria desistir. Assim,

escrevi aos comerciantes de Gloucester e, sem falar de quantidades concretas, lhes

expliquei o dilema ao qual se enfrentavam os agricultores de Avening. Claro, estes

preferiam seguir vendendo a Gloucester, mas por outro lado, necessitavam fazer

melhoras em seus pomares, etc.

— E então subiram o preço.

— Sim e não. — Olhou-o nos olhos. — Criamos uma escala proporcional.

Pagamos um aumento que vai diminuindo durante os últimos quatro anos, mas ao

longo desse tempo, a produção geral de Avening aumentou, porque se plantaram

mais árvores. Decidimos o encargo baseando-nos na colheita e aconselhamos a

todos os agricultores que o investissem em aumentar sua área de cultivo. Todos o

fizeram.

Jack pensou nas cifras que estivera analisando no dia anterior.

— E agora...?

— Este ano podemos vender nossa colheita habitual aos comerciantes de

Gloucester pelo preço atual do mercado e, ao mesmo tempo, uma colheita de

quase o mesmo tamanho a Jones por seu preço inflado.

Não havia que saber muito de aritmética para notar a ganância inesperada que

isso supunha para os agricultores locais.

— E no ano que vem?

— Se Jones tentar baixar sua oferta, não precisaremos vender-lhe, porque os

comerciantes de Gloucester ficarão com toda a produção a preço de mercado.

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— Isso é brilhante. — O cumprimento lhe saiu de um modo espontâneo, mas era

a verdade. Olhou-a, hesitou e logo, em um tom mais suave acrescentou: —

Suspeito que Avening esteja melhor devolvendo a você a gestão de algo mais que

os turnos da igreja. — Inspirou o ar, surpreendido ao notar que lhe custava respirar

e se obrigou a continuar. — Talvez, o melhor seria que voltássemos à situação que

havia antes que eu regressasse.

Levava as coisas tão bem que poderia deixá-las todas em suas mãos.

Aquelas mãos de pele delicada e dedos finos, que até o momento estiveram

dobrando guardanapos, vacilaram e se detiveram. Jack estava quase colado a ela,

mas não ergueu a cabeça, pelo que no perfil de Clarice, que era a única coisa que

chegava a ver de seu rosto, não pode ver nada, nenhuma reação a suas palavras.

Conseguira manter um tom normal, relaxado, e fazer suas afirmações soarem como

um simples fato, não como algo que o aborrecera e o afetara.

Ela deixou que o silêncio se prolongasse. Era muito consciente da presença dele

tão perto, ao seu lado, muito consciente que, se pensasse só em si mesma, sua

oferta era muito tentadora. Se voltasse a tomar conta de tudo, a vida seria muito

mais simples e cômoda, como era antes... Mas e ele?

Olhou-o e supôs que seu olhar devia parecer inquisitivo.

— Você se vai?

— Não — respondeu sem hesitar.

Clarice assentiu e voltou a centrar-se no guardanapo que tinha na mão. Logo se

obrigou a tornar a olhá-lo nos olhos.

— Não desejo ocupar seu lugar. Não tenho nenhuma ambição, nenhuma em

absoluto, de converter-me no senhor da casa.

Jack piscou e suas espessas pestanas se agitaram sobre aqueles cambiantes

olhos, tão fascinantes em sua complexidade. Mas então, viu-a com a mesma

determinação e sinceridade.

— Eu tampouco desejo ocupar seu lugar. — Seus lábios, uns lábios nos quais ela

estava se esforçando ao máximo para não fixar, se curvaram em um sorriso. — De

fato, após minha breve aventura com as damas da paróquia, suspeito que se o

fizesse perderia o juízo em menos de uma semana.

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Clarice não pode evitar sorrir. Abaixou a cabeça e deixou o último guardanapo

sobre a pilha.

— Talvez... — começou ele. Não soou exatamente hesitante, mas bem inseguro

de como reagiria ela. — Pelo bem de Avening, nós, você e eu, poderíamos chegar a

um acordo.

Nesse momento foi Clarice quem se mostrou surpresa. Olhou-o; seus olhos

indicavam que falava sério, mas, como ela, não estava seguro de como poderia

funcionar o tal acordo entre os dois, entre umas pessoas como eles. Parecia que lhe

tivesse lido o pensamento. Talvez, se ambos o desejassem, poderiam entender-se

bem... De algum modo.

— O que tem planejado?

Não se deixou enganar e não deixou de pensar que era um cavalheiro arrogante,

acostumado a mandar. Claro, já tinha descoberto que não era tão mau como os

demais de sua classe. Ao fim e ao cabo, era ele quem o tinha sugerido e, desde já,

ela não era das que jogavam pedras sobre seu próprio telhado.

Warnefleet a contemplou. Havia algo na linha dos lábios dele, na fria firmeza de

seu olhar, que lhe confirmava que não tinha se equivocado ao suspeitar que a via

com clareza. Que sabia e apreciava o forte que era, e como era férrea sua vontade.

Fizera sua oferta e seguia adiante com os olhos bem abertos. Quase pela

primeira vez em sua vida, Clarice se sentiu um pouco aturdida.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— A única coisa que posso sugerir é que nos deixemos levar. Você não é das que

sofrem e calam. — Aquele sorriso tão pouco de se confiar apareceu em seu rosto.

— Nem eu tampouco. Por que não pormos mãos a obra e enfrentarmos as coisas

segundo for surgindo?

Era a única solução sensata. Clarice assentiu com decisão e profissionalismo e

lhe estendeu a mão.

— Feito.

Ele abaixou a vista para sua mão e a olhou no rosto. Pegou-lhe a mão com a

sua, envolveu-a com delicadeza e de repente lhe pegou o braço e a atraiu para si.

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Antes que pudesse piscar, estava em seus braços, com o peito contra seu torso

e os olhos muito abertos.

— Feito — ele confirmou.

Seus lábios se curvaram em um sorriso totalmente varonil, os colou aos seus,

prendendo-os.

Clarice não compreendia como aconteceu, como o fizera, mas quando a rodeou

com os braços, quando lhe roçou os lábios com os seus, o chão no qual apoiava os

pés se moveu. Tinha começado o dia friamente e dolorida, recordando-se que a

atitude do barão a respeito dela era precisamente a que tinha esperado. Os

cavalheiros de sua classe não gostavam das damas que mandavam, sem importar o

bem que desempenhavam sua tarefa.

Esperava que se sentisse ofendido pelo papel que ela assumira em sua ausência,

assim, não se surpreendeu ao exigir que deixasse de ocupar sua posição. Mas em

algum lugar em seu interior, onde ocultava o que ela denominava de seu estúpido

“eu”, bem que se sentiu decepcionada.

Sentiu os lábios colados aos seus e, quando lhe respondeu, notou que esse lado

estúpido seu se libertava e dava uns saltos de alegria.

Aquele sensual intercâmbio não tinha nada a ver com o acordo ao qual

chegaram, um acordo que por si mesmo era intrigante e tentador.

Algo inesperado. Como também o era ele. Como era aquilo.

Seus braços se apertaram ao seu redor, devagar, colou ele e Clarice e acedeu

sem nenhuma puritana hesitação, mas sim, consciente e decidida. Rodeou-lhe os

largos ombros com os braços, agarrou sua nuca e lhe devolveu o beijo

descaradamente. Abriu a boca e lhe permitiu avançar, levá-la aonde desejasse, a

uma união que falava de desejo e necessidade. Prometia prazer mutuo, um prazer

de um tipo que pensava que já não seria para ela, que lhe escapara há muito

tempo das mãos, um prazer de um tipo que, apesar de não ter experimentado

nunca, compreendia muito bem.

Ele não lhe ocultou nada, não fingiu nada. Deixou-a ver sua necessidade, sentir

sua fome.

Deixou que seu desejo aumentasse sem restrições e a acariciava com dedos de

fogo, evocando o seu, incitando o dela de um modo que a Clarice nunca sucedera

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antes. O desejo físico não era algo que experimentara e descobrir aquilo a

surpreendeu.

O desafio, a pressão de seus lábios sobre os dela, a sutil provocação de sua

exploradora língua, ficou mais firme e Clarice, não só seu lado estúpido, mas toda

ela com total consciência lhe respondeu.

Por que não deveria saber, experimentar? Por que não deveria tomar o que lhe

oferecia?

Aproximou-se mais dele, grudou os seios contra seu torso, cadeira contra

cadeira, músculo contra músculo.

Através de suas bocas, que se uniam descaradamente, sentiu sua reação, o

breve instante em que ficou sem respiração e teve que agarrar-se ao seu controle.

Não porque ela, com sua audaz resposta, o tivesse debilitado, mas porque sua

propria resposta o fizera.

Fascinante. Seu recém descoberto interesse pelo desejo físico aumentou.

Entrelaçou os braços atrás do pescoço dele e começou a devolver-lhe as acaloradas

caricias com que a deleitava.

Jack lhe respondeu, lhe correspondeu, se bateu em duelo com ela pela

supremacia, um aperto e afrouxa que nenhum dos dois poderia ganhar

verdadeiramente. No intercambio, Clarice, captava toda sua atenção de um modo

tão absoluto que o assustou. Não podia pensar.

Com ela entre os braços, com os lábios sob os seus, em um abrasador e

tentador intercambio, com aquela excitante união de línguas e acalorados alentos,

a luxuria lhe nublava a mente. Só um pensamento conseguiu transpassar essa

bruma, as ânsias de penetrá-la, de tê-la sob ele, arqueando-se, enquanto o acolhia

profundamente em seu firme corpo cheio de curvas.

Desejava-a nua e entregue, desejava-a com uma necessidade, um elementar

desejo que o desconcertava, o prendia tão profundamente que não quis analisar

com demasiada atenção por que era ela; uma altiva fera com a qual teria de lidar

diariamente, a que fazia saltar chispas em seu interior, por que ela de todas as

damas com as quais se havia entretido e que nesse momento poderia ter.

A única coisa que sabia era que ardia com Clarice e por Clarice. E que ela não

retrocedia nem um centímetro. Ao contrario, o animava, não com o impaciente

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ímpeto de uma mulher mais jovem, mas com o convite maduro, seguro e quase

descarado de uma dama que sabia o que queria e o que desejava como ele a

desejava também. Porque a sua era a necessidade perfeita para corresponder a

dele, sua fome, seu complemento perfeito.

O impulso de deixar que suas mãos explorassem, de dar o seguinte passo que

tão claramente desejavam ambos, surgiu e aumentou, mas estavam ao ar livre,

com a roupa lavada e dobrada ao seu lado. Qualquer que passasse por ali poderia

vê-los. Alguma donzela poderia aproximar-se para ver se Clarice precisava ajuda...

Deter-se, por fim aquilo, retirar-se das profundidades de sua sedutora boca foi

uma das coisas mais difíceis de fazer. Conseguiu erguer a cabeça um par de

centímetros. Imediatamente sentiu profundamente a perda de conexão. Ainda não

podia pensar, pois seguia tão centrado nela, que agitou as pestanas e abriu os

olhos. Aqueles olhos seus tão escuros o fitaram.

— Não lhe agradeci por recuperar o jardim de rosas de minha mãe.

Suficiente desculpa para voltar a submergir-se em sua boca e levar a cabo uma

última e longa degustação dela, da paixão em seu interior, ardente, tão feminina;

uma combinação perfeita de altiva vontade e embriagadora promessa de saciá-lo.

Mas se retirou das chamas, de sua abrasadora tentação. Retrocedeu e a fez

retroceder também até que o ar correu entre eles. Teve que obrigar seus próprios

dedos a soltá-la e deixá-la ir.

Clarice inspirou profundamente, deu outro passo para trás, abriu os olhos e

piscou uma vez, estudou-o. Parecia tão confusa como ele ainda que, sob essa

emoção, houvesse curiosidade.

Ao olhá-la nos olhos, totalmente consciente de como se elevaram seus seios

quando tomou uma nova inspiração, Jack se sentiu... não tão seguro como

costumava sentir-se nesse tipo de situação.

Provavelmente porque ela era quem era: uma Boadicea, uma rainha guerreira.

Um detalhe que faria bem em não esquecer.

Seu olhar pousou na cesta da roupa lavada cheia de roupa dobrada. Abaixou-se

e a levantou.

— Eu o levarei a casa.

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Clarice o olhou nos olhos, mas não disse nada, se limitou a sorrir divertida.

Caminharam juntos até a reitoria e, quando alcançaram o terraço traseiro, já

tinham recuperado seu habitual comportamento. Havia retomado sua habitual e

educada distancia.

Jack deixou a cesta sobre uma mesa de madeira, junto a porta de serviço, antes

de voltar-se para Clarice.

— Disse a Jones que voltasse amanhã à tarde. Creio que o melhor seria que

estivesse presente quando me reunir com ele. Talvez se almoçar comigo amanhã,

pudéssemos discutir o melhor modo de lidar com ele.

Susteve-lhe o olhar, o dela era firme e direto, e finalmente assentiu.

— Muito bem. — Hesitou, mas então acrescentou: — Como sempre, os

agricultores deram sua aprovação para que, da mansão, negociemos o preço para

todo o vale.

Griggs deveria ter já as previsões dos outros pomares de frutas, terá uma

previsão da produção prevista.

Ele assentiu.

— Eu lhe pedirei a informação.

— E o jovem do faetonte? — perguntou Clarice então.

Jack fez uma careta.

— Segue inconsciente. — Não lhe explicou que quanto mais tempo passasse

assim, mais preocupante se tornava seu estado. — Suponho que não saberá por

que lhe parece familiar?

Ela negou com a cabeça e franziu o cenho.

— Eu... Irei vê-lo amanhã.

Jack suspeitava que tivesse intenção de ir aquela tarde, mas desse modo se

arriscava a encontrar-se com ele de novo e Jack aceitou que seria demasiado cedo.

Demasiado cedo para ela e para ele também.

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Com uma elegante reverencia, Jack se despediu e se afastou consciente de seu

olhar fixo em suas costas. Ao atravessar a arcada da cerca, se consolou pensando

que, sobre o que estava surgindo entre os dois, sua Boadicea se sentia tão insegura

como ele.

No dia seguinte, Clarice passou o que normalmente consideraria um tempo

excessivo vestindo-se para o almoço na mansão Avening. Pensou que seu vaporoso

vestido de musselina verde com decote em forma de coração distrairia Jones e se

assombrou diante de semelhante auto-engano. Sabia perfeitamente a quem

desejava distrair e por que e se sentiu estupefata diante de seu interesse pelo

desejo que provocava em Jack e pela resposta que ele provocava nela.

— Pura curiosidade — disse a si mesma no espelho, enquanto comprovava o

coque que lhe caia sobre a nuca e estremecia ao pensar em seus fortes dedos

deslizando-se sob seus pesados cachos, sobre sua sensível pele.

“Uma loucura temporal, não cabe dúvida que passará”, pensou.

Com esse firme veredicto, se levantou e dirigiu-se a porta do dormitório.

Com um chapéu de aba larga para proteger sua branca pele e um ligeiro xale,

avançou pelo caminho da reitoria.

Aquilo era uma espécie de loucura. Sua avaliação do que estavam fazendo era

clara: caminhavam pela corda bamba e os dois sabiam o que parecia aumentar sua

euforia.

Nem ela nem ele — disso tinha certeza — sabiam para onde se dirigiam com a

atração física que surgira entre os dois, nem com seu “acordo”. Não sabiam se este

funcionaria, nenhum deles estava acostumado a esse tipo de associação e nenhum

era paciente, ou pouco exigente. Os dois eram bastante arrogantes e estavam

acostumados a mandar, a levar as rédeas.

Quanto à atração física... Era uma total incógnita. Havia passado muito tempo

desde a última vez que algo reclamara a atenção de Clarice como isso o fazia e

como ele o fazia quando ela estava em seus braços.

Não sabia o que pensar e ainda tinha de formar uma opinião a respeito, sobre o

que estava fazendo, sobre o que desejava. A crua realidade era que, quando estava

entre seus braços, não pensava em absoluto. Parecia que fosse incapaz de fazê-lo.

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Uma situação assim deveria tê-la inquietado. Realmente pensava que deveria tê-

la inquietado, mas não o havia. Enquanto avançava pelo caminho de entrada da

mansão não sentia nem rastro de inquietação, nem sequer a mínima cautela

empanava a sensação de antecipação. Estava impaciente para tornar a ver,

disposta a comprovar onde os levaria aquilo, a observar como ela o afetava e

experimentar de novo como ele a afetava.

Era escandaloso, mas tinha vinte e nove anos. A vida lhe escapara das mãos

fazia muito tempo. Enquanto nenhum dos dois se visse ferido por suas ações, o que

haveria de mal?

Confiante, tranqüila, chegou à porta e chamou. Howlett abriu e lhe sorriu.

Clarice lhe devolveu o sorriso e então viu Warnefleet... Jack, no vestíbulo, atrás do

mordomo, quase como se estivesse esperando que tocasse a campainha.

Howlett retrocedeu para deixá-la entrar. Com expressão perfeitamente

controlada, calma, serena, com só um rastro de cordialidade, avançou e ofereceu a

mão a Jack, muito consciente que, quando se inclinou sobre ela, seu olhar desceu e

voltou a subir devagar quando se ergueu.

Finalmente, sorriu com uma petulante apreciação em seus olhos cor avelã.

— Está deslumbrante. Creio que a senhora Connimore preparou um pequeno

banquete...

Interrompeu-se e dirigiu o olhar para a porta. Clarice também se voltou ao ouvir

o som das rodas de uma carruagem aproximando-se pelo caminho de entrada.

— Pergunto-me quem será... — comentou Jack, aborrecido.

Reteve a mão de Clarice, atraiu-a para ele e se retirou para um lado do

vestíbulo, de onde poderia ver além de Howlett quando abrisse a porta. O que viu o

desconcertou momentaneamente. Uma carruagem totalmente negra se deteve na

entrada. Era evidente que procedia de algum posto.

Clarice, que também observava, leu seu pensamento.

— Talvez tenham se perdido.

Da carruagem desceu um jovem cavalheiro de altura media e constituição

normal, rosto agradável e cabelos castanhos claro. Sustinha o chapéu entre as

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mãos e olhava ao seu redor com curiosidade. Quando viu Howlett, se aproximou da

porta.

— Posso ajudá-lo, senhor? — se ofereceu o mordomo.

— Espero que sim — respondeu ele. — Procuro lorde Warnefleet.

Jack avançou. Presa a sua mão, Clarice se moveu com ele.

— Eu sou Warnefleet.

— Oh! — O jovem ergueu a vista. Havia certo receio em seu expressivo rosto. —

Eu... Ah, sou Percy Warnefleet. Você me mandou chamar.

De repente, Jack se deu conta de quem era.

Sorrindo um pouco nervoso, Percy o confirmou.

— Creio que sou seu herdeiro.

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Capítulo 6

— Que diabos está tramando?

Jack sentou-se a escrivaninha e observou como Clarice passeava de um lado a

outro. Tinha os braços cruzados sob os voluptuosos seios. Sua expressão era uma

advertência. Adeus a acalmá-la com comida boa e vinho.

Nem sequer tinham começado a almoçar. Após as apresentações,

inevitavelmente tensas, Jack pediu a Howlett que acompanhasse Percy ao piso de

cima para que pudesse deixar sua bagagem e refrescar-se antes de reunir-se com

eles no salão.

Sua rainha guerreira não estava impressionada em absoluto.

— Vê-se a simples vista que é um maricas sem experiência e ingênuo até a

medula. Não pode estar pensando sério em deixar-lhe Avening e, se entendi bem o

que falava com James, tudo o mais. — Deteve-se e lhe dirigiu uma furibunda

olhada. — Por outro lado, não pode ter mais de... Quanto? Dez anos?

— Oito. Mas isso não tem nada a ver. Percy pode casar-se e ter filhos, que serão

meus herdeiros. — O olhar furibundo dela se converteu em outro de assombro e

pode ver como começava a especular. Antes que pudesse fazer-lhe a pergunta que

estava surgindo em sua mente, Jack se apressou a acrescentar: — Não tenho

nenhum desejo de casar-me, assim, pensei que seria prudente trazer Percy aqui e

encarregar-me de sua formação. Quando Griggs e eu terminarmos com ele, será

um brilhante exemplo de agudeza senhorial.

Clarice soltou um resmungo e, ainda que se voltasse Jack a ouviu resmungar:

— Isso poderia acabar com Griggs.

Teve uma idéia... Contar com ela para compartilhar a carga de modelar Percy;

seguramente acederia a fazê-lo. Observou-a enquanto repassava mentalmente os

possíveis assuntos nos quais poderia solicitar sua ajuda.

— Na realidade, pensava que o aprovaria. Se não a Percy mesmo assim a minha

idéia de trazê-lo aqui. Tal como estão às coisas, é muito provável que herde minha

propriedade e, em vista das dimensões que alcançou, necessitará saber como

dirigi-la quando tiver que tomar as rédeas.

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Clarice estudou-o durante um longo momento. Jack não podia decifrar a

expressão de seus olhos. Ela bufou e afastou a vista para dirigi-la a janela.

Ao deixá-la no dia anterior, regressou a mansão para falar com Howlett e a

senhora Connimore sobre a controversa questão de Edward, o servente. Concordou

em permitir que ficasse nas condições já estabelecidas. Essa manhã visitou

Swithins, o coadjutor de James. O homem era tal como Clarice o havia descrito,

afável e pouco atraente. Jack o informou que, após a devida consideração, sua

decisão sobre os turnos para as flores da igreja devia incluir-se nos anúncios que se

faziam ao final do serviço desse domingo. Não prejudicaria Swithins que se vira

como um aliado seu na complicada tarefa de frear as ambições de sua mãe.

Após enviar uma nota a Wallace e passar meia hora na taberna com Jed Butler,

Jack deu por encerrados todos os assuntos mais importantes e regressou a tempo

de receber Clarice; consciente de uma leve, ainda que agradável sensação de

triunfo, uma satisfação que devia em grande parte a ela, porque seus conselhos lhe

aplanaram o caminho para ocupar o lugar que lhe pertencia na comunidade local.

Observou-a de pé diante da janela, com a cabeça alta, as costas retas.

Chamaram a porta e Howlett apareceu.

— O senhor Warnefleet já desceu, milorde. Acompanhei-o ao salão. Griggs está

lá também.

— Excelente. — Jack se levantou, rodeou a mesa e ofereceu o braço a sua

Boadicea. — Vamos?

Ela o olhou com o cenho franzido, estudando-o brevemente, logo seu rosto se

relaxou até adotar a habitual máscara serena e apoiou a mão em seu braço.

Caminhou ao seu lado em silencio, mas uma vez que estiveram longe o bastante de

Howlett para não serem ouvidos por ele, murmurou:

— Foi espião em território inimigo durante sete anos após a morte de seu pai

sem sentir nenhuma inquietação sobre sua sucessão. Agora regressou a Inglaterra

e em questão de meses decide preparar seu herdeiro. Por quê? — Olhou-o com

agudeza. — Agora é muito menos provável que morra e estou certa que não está

antecipando uma morte iminente. Assim, o que sucedeu neste tempo que te

convenceu que nunca terá um filho próprio?

Ele apertou a mandíbula sem poder evitar. Ainda que sua pergunta fosse

impertinente, lhe respondeu curto:

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— A temporada em Londres, isso foi o que aconteceu.

Clarice mantinha o olhar fixo em seu perfil.

— Não pode ser que em tão poucos meses desenvolveu uma aversão por todas

as mulheres do país.

— Por todas não, só pelas que estão na idade de casar-se. — Aproximaram-se

do salão. — Você viveu entre a alta sociedade e viu as jovens damas que procuram

marido. Diga-me, se estivesse em meu lugar, se casaria com alguma?

Ela franziu o cenho, olhou a frente e não disse nada mais.

Jack reprimiu um sorriso e a guiou até o salão. Fixou-se em como a expressão

de Griggs se suavizava ao ver a sua regia acompanhante. Observou o gracioso

gesto de cabeça que ela dirigiu a Percy enquanto permitiu que Jack retirasse uma

cadeira ao lado da sua.

Ele instalou-se na cabeceira da mesa e, quando se sentou, Griggs e Percy

fizeram o mesmo; ficou claro que a presença de Clarice marcava uma diferença.

Talvez ela não tivesse uma boa opinião de Percy, mas não deixou ver nem a

mínima suspeita da dita opinião e de imediato entabulou conversa com o recém

chegado sobre os assuntos habituais, uma conversa que em seguida o fez sentir-se

à vontade. Quanto a Griggs, era evidente que a considerava maravilhosa.

Começaram a comer. Liberado da necessidade de puxar a conversa, Jack se

relaxou e escutou cada vez mais apreciativo ao perceber o exaustivo que estava

sendo o interrogatório por parte de Clarice, que, além do mais, fazia passar de um

modo brilhante pela habitual conversa social. Parecia que ela proporcionava

também informação em troca, foi Percy quem revelou a maior parte da mesma e o

fez com uma disposição surpreendentemente boa, tranqüilizado pelo gentil

interesse e a calma serenidade dos olhos de Clarice.

— Reconheço que me surpreendi que se apresentasse em Avening tão cedo —

ela comentou. — Depois de tudo, estamos em abril e a temporada em Londres está

em pleno apogeu... — Arqueou as sobrancelhas com gesto inquisitivo. — Ou talvez

uma estadia no campo é o mal menor?

Essa questão também a tinha pensado Jack. Tinha enviado seu convite para

Percy através de seu advogado no dia em que abandonou a capital e não esperava

vê-lo até ao final de alguns meses.

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Recostou-se em seu assento e observou como, longe de mostrar algum sinal de

incômodo, a expressão do jovem se mantinha aberta e sincera. Após uma breve

hesitação, basicamente para considerar suas palavras, respondeu:

— Devo admitir que o convite de lorde Warnefleet chegou em um momento

muito oportuno. Não é que tenha problemas sérios, mas pintar algo na cidade com

fundos limitados é um pouco complicado, a menos que alguém se dê bem com as

cartas, e esse não é meu caso.

— As casas de jogo de Pall Mall ainda são as melhores? — Clarice fez a pergunta

como se fosse algo que uma dama deveria saber e não tivesse nenhum problema

em admitir em presença da filha de um marquês que alguns freqüentassem os ditos

lugares.

Jack conseguiu dissimular a surpresa diante de sua descarada tática. Griggs,

claro, não sabia nada sobre as casas de jogo de Pall Mall.

Percy em troca se remexeu incômodo. Clarice fingiu não perceber enquanto

aparentemente se concentrava em escolher uma data. Finalmente, o jovem

respondeu:

— As visitei uma ou duas vezes, mas decidi que o jogo não é o meu caso.

Jack notou que ela olhava a Percy com um pouco mais de aprovação.

— Na realidade, os jogadores nunca ganham não a longo prazo. Está impaciente

por conhecer a propriedade? — perguntou então, mudando de assunto.

Percy olhou a Jack, claramente inseguro.

— Talvez gostasse de dar um passeio a cavalo esta tarde e dar uma olhada aos

campos. Logo... — Jack se deteve confuso pela expressão de consternação que

surgiu no rosto de seu jovem parente.

Percy guardou silencio e logo disse:

— Não sei montar a cavalo.

Clarice piscou.

— Não sabe montar a cavalo?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Era evidente que o jovem acabava de perder todo o terreno que ganhara com

ela. Jack sentiu uma pontada de compaixão e comentou com suavidade:

— Pode aprender. Crawler, o encarregado dos estábulos, ficará encantado de

ensinar-lhe.

Griggs pigarreou.

— Entretanto, eu poderia mostrar-lhe mapas da propriedade. Assim poderia

familiarizar-se com ela.

— Uma excelente idéia. — Jack se recostou em seu assento e sorriu alentador.

— Por que não leva Percy ao escritório e o inicia na propriedade, Griggs? Fale dos

campos de cultivo e granjas mais próximos. Lady Clarice e eu temos alguns

assuntos que tratar. Vamos reunir-nos com Jones esta tarde.

— Sim, desde já. — O administrador assentiu e se levantou.

Percy se levantou também.

Olhou a Clarice e logo a Jack.

Este sorriu.

— Vá com Griggs. Falarei com você durante o jantar.

O jovem ficou olhando-o um momento, mas logo fez uma reverencia e disse:

— Obrigado. — Voltou-se e fez outra reverencia muito correta a Clarice. — Lady

Clarice.

Ela se abrandou o suficiente para dedicar-lhe um elegante assentimento de

cabeça. Quando a porta se fechou atrás dos dois homens. Clarice olhou a Jack.

— Nunca o conseguirá.

Ele se limitou a sorrir.

— Jones. Como devemos enfrentar-nos a ele?

Clarice estudou-o durante um momento perguntando-se se atreveria a

pressioná-lo, se devia insistir em que teria que casar-se em lugar de deixar a

propriedade a Percy, um rapaz agradável e, no mínimo, honesto, mas sem a

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têmpera requerida. Finalmente, decidiu deixar o assunto pelo momento. Depois de

tudo, não havia pressa. Centrou-se em sua pergunta.

— Jones não gosta de mim. Desgosta-lhe ter que tratar comigo.

Contemplou Jack, recreando-se na simples elegância com que se vestia

normalmente.

Usava uma camisa branca sobre o torso musculoso, um lenço imaculado atado

com um nó clássico, uma jaqueta de excelente qualidade que se ajustava aos seus

largos ombros, calças de camurça que se colavam a umas longas e fortes pernas e

umas brilhantes botas altas. Parecia precisamente o que era, um rico cavalheiro do

campo. Apertou os lábios.

— Provavelmente estaria encantado de encontrá-lo em casa.

— Estava — respondeu Jack.

— Bem, se nosso objetivo é tirar-lhe o preço mais alto... — Arqueou as

sobrancelhas com gesto interrogativo.

Ele assentiu.

— É isso.

Clarice sorriu.

— Então, proponho...

E passaram os seguintes vinte minutos planejando e aperfeiçoando sua tática.

Consciente que seus nervos estavam tensos por uma antecipação que não tinha

nada a ver com a visita do comerciante, Clarice decidiu que, nas circunstancias em

que se encontravam, o mais prudente seria a cautela. Ao menos até que tivessem

triunfado sobre Jones. Assim, se desculpou e subiu ao piso de cima para ver como

estava o ferido, ainda inconsciente.

— Senhor Jones. — De seu assento atrás da escrivaninha, Jack se levantou e lhe

ofereceu a mão.

O homem avançou para apertá-la; a expectativa da vitoria brilhava em seus

olhos.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Milorde, confio em que os outros agricultores encontraram minha oferta de

seu agrado.

— Claro. — Jack lhe indicou a cadeira que havia colocado em frente a sua

escrivaninha. — Não cabe duvida que sua proposta seja atraente.

— Sim, muito generosa, mas a qualidade da produção de Avening é insuperável.

Jack sorriu, mostrando sua cordial e cavalheiresca máscara.

— Exato. Mas também se desperta certa preocupação.

— Preocupação? — Jones se ergueu na cadeira. — Que preocupação poderia ter

despertado?

Jack abaixou a vista, brincou com uma pena enquanto mantinha os olhos fixos

nela e franziu o cenho.

— Os agricultores do vale estão acostumados a vender sua colheita aos

comerciantes de Gloucester. A maioria não é partidária de mudar de costumes.

— O que? Nem mesmo por um xelim a mais que a tarifa de mercado?

— Claro. Se conformar-se em comprar a metade de nossa colheita, isso poderia

aplacá-los.

— Hum. — Jones franziu o cenho como se o estivesse considerando; Jack estava

totalmente certo que a expressão era falsa. — Na realidade, não creio que a

metade da colheita seja suficiente, não quando estou oferecendo um xelim a mais

por medida... — Ergueu-se e apertou a mandíbula com decisão. — Penso milorde,

que é toda a colheita ou nada.

— Entendo. — Jack golpeou a folha com a pena seca e ergueu a vista para ele.

— Por minha parte, estou disposto a aceitar. Trata-se de negócios, depois de tudo,

como já disse você. O problema é convencer os outros. Pergunto-me... —

Interrompeu-se como se lhe houvesse ocorrido algo de repente, olhou para a porta

e logo a Jones. — Há alguém cuja opinião influirá aos outros agricultores. Se

pudermos convencer a essa pessoa, pode estar certo que o total da produção será

seu e por sorte ela veio visitar-me esta tarde. Se lhe peço que se una a nos, estaria

disposto a colaborar comigo para que mude de opinião?

O sorriso do comerciante parecia o de um furão impaciente.

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— Traga a essa pessoa e o trato estará feito, o prometo.

Jack sorriue se levantou para puxar a campainha.

— Gostaria tomar algo? — Assinalou-lhe a licoreira.

Os olhos de Jones brilharam.

— Obrigado, milorde. Você é muito amável.

Jack lhe serviu um copo de brandy e serviu um pouco para si também. Entregou

o copo ao homem e pouco depois, ouviram os passos de Howlett aproximando-se.

O mordomo apareceu à porta e após receber instruções, se retirou. Quando Jack se

virou, encontrou Jones saboreando o brandy, totalmente alheio ao sucedido e cada

vez mais relaxado. Regressou a sua cadeira enquanto ocultava um expectativo

sorriso.

Um minuto mais tarde, a porta se abriu e Jack ergueu a vista. Clarice entrou.

Devido à colocação da cadeira de Jones, este não pode vê-la.

Jack lhe dedicou um cordial sorriso.

— Ah, aqui está, querida. — Não se levantou, mas assinalou a sua visitante. —

Senhor Jones — olhou-o nos olhos, — creio que já conhece lady Clarice.

Jones deixou pela borda seus modos e se voltou no momento em que Clarice

avançava com ar régio. Teve que erguer a vista para poder olhá-la na cara. Ficou

estupefato, tentou respirar e se engasgou com o brandy.

Ela se deteve junto à cadeira de Jack e olhou ao comerciante com indiferença.

Quando ele deixou de arquejar, disse:

— Boa tarde, Jones.

Se Jack abrigava alguma dúvida sobre a natureza dos anteriores encontros do

homem com Clarice e sobre quem saíra vencedor, a reação de Jones diante dela o

deixou tudo claro. O horror foi a emoção mais suave que sobrevoou seu rosto.

Compreensível. Com uma inclinação de cabeça que desinflou as pretensões de

um príncipe, sua Boadicea se colocou, tal como o tinham planejado, atrás da mesa,

junto a ele, com uma delgada mão apoiada no curvado respaldo enquanto

contemplava ao desventurado Jones.

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Jack já não podia ver-lhe a cara, claro, mas podia sentir sua presença. Sentia

sua gélida frieza o suficiente para estar agradecido que não fosse dirigida a ele.

Nunca a vira nessa atitude, nesse papel, em plena guerra. Jack conhecia algumas

das mais poderosas matronas da alta sociedade e nenhuma chegava à sola do

sapato daquela rainha guerreira. O seu era um antigo poder claramente feminino

que parecia emanar e fluir através dela. E era um poder que nenhum homem em sã

consciência estivesse disposto a desafiar se não fosse absolutamente necessário.

O tom de Clarice foi frio e desalentador quando disse:

— Suponho senhor Jones, que veio com sua habitual oferta.

O homem engoliu a saliva heroicamente e conseguiu responder:

— Um xelim por cima do preço de mercado este ano.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Um xelim? — Sentou-se na cadeira que havia perto da mesa, a esquerda de

Jack.

Todos os aspectos de sua entrada foram cuidadosamente planejados para dar a

impressão a Jones que Jack e ela tinham uma estreita relação.

— Querida — Jack se inclinou para diante despregando seu encanto sem nenhum

esforço; ela afastou o olhar de Jones e olhou a ele, que lhe dedicou um sorriso

quase íntimo, — a proposta do senhor Jones é realmente boa. De verdade creio que

eu e todos os outros agricultores deveríamos considerá-la seriamente.

Clarice o olhou na cara e voltou a cabeça para contemplar o comerciante.

— Considerá-la, talvez, mas é uma tradição que a produção de Avening se venda

a Gloucester.

— Sim, querida — respondeu Jack, — mas esta é uma nova era e as tradições

não podem durar eternamente.

— Claro milady. — Jones se sentou para diante com o olhar fixo nela. — Sua

senhoria tem razão. Devemos avançar. Novas operações, novos tratos comerciais.

Disso trata o futuro.

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Durante os dez minutos seguintes, Clarice permaneceu sentada e lhes permitiu

falar. Jones cada vez se desesperava mais, o que era precisamente o que os dois

desejavam.

Quanto a Jack, interpretou a perfeição seu papel de cavalheiro afável e cordial e

não hesitou nem um momento. Se ela não o conhecesse bem, acreditaria, como

Jones claramente o fizera, o que era se não exatamente débil, sim facilmente

influenciável. À medida que foi avançando a discussão, Clarice começou a franzir as

sobrancelhas.

— Dá-me a impressão que cometeríamos um pecado, uma traição, ao dar as

costas aos comerciantes de Gloucester...

Seu tom sugeria que estava se debilitando, que se conseguissem aplacar suas

dúvidas, poderia deixar-se persuadir. Jones se inclinou tão para diante que esteve a

ponto de cair da cadeira.

— Tranqüila, tranqüila, milady. Trata-se de negócios. Não deve permitir que seu

coração domine sua cabeça, não nestes assuntos.

Clarice franziu ainda mais o cenho.

Jack lançou a Jones um olhar suplicante.

— Talvez se tiver algum tipo de compensação para ajudar aos agricultores a

superar sua reticência... — Parecia um pouco incômodo. — Falando claramente,

suponho que isso seria um incentivo para que recusassem aos comerciantes de

Gloucester e firmassem em troca com você.

— Um incentivo? Mas... — Com os olhos muito abertos, o homem se recostou

em seu assento. — E o que há do xelim mais por medida?

Clarice o olhou sem mudar.

— Esse é o preço que você oferece. Não há nenhum incentivo extra aí. Nada que

reconheça a dificuldade do que está pedindo que façam os agricultores. Nada para

solucionar seu dilema moral.

A expressão de Jones indicava que ele não se enfrentara nunca a um dilema

moral, ao menos não nos negócios.

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— Ah... — Abriu e fechou a boca e olhou a Jack. — Não estou certo se o estou

entendendo.

— Oh, vamos, Jones. — Jack parecia levemente aborrecido, um homem débil

que se encontrava com um conspirador hesitante. — Disse que estava disposto a

fechar o trato, pois aqui tem a oportunidade. Um amável detalhe para agradecer

aos agricultores de Avening que lhe vendam sua produção e oitocentas medidas de

maçãs da melhor qualidade serão suas.

Abriu por sua vez exageradamente os olhos, apressando-o a que aproveitasse a

oportunidade e mordesse a isca.

Mas Jones piscou de repente.

— Oitocentas? — Olhou para Clarice. — Creio que na última ocasião foram mil.

Sem pestanejar, ela olhou a Jack.

— A produção varia consideravelmente de um ano a outro. Que eu saiba esta

vez, oitocentas medidas é o que poderíamos vender-lhe.

Seu tom era frio, distante, desalentador. Jones considerou questioná-la, mas

após estudar sua altiva e inflexível expressão se voltou a recostar no assento. Ao

final de um momento, ele franziu o cenho enquanto observava o brandy que ficara

no copo.

Clarice se moveu claramente para olhar o relógio da lareira e se voltou para o

homem.

— Senhor Jones, se não tem nada mais a dizer, há assuntos que requerem

minha atenção...

— Não, não! Por favor... — O comerciante a olhou e a Jack. — Só estava

considerando o que poderia oferecer... — engoliu a saliva — a modo de incentivo.

Claramente era um conceito que lhe custava digerir. Clarice permaneceu em seu

assento, golpeando levemente o braço de madeira com as unhas. Jones lhe olhou

os dedos e olhou para Jack.

— Quantos agricultores são?

Ele fez uma careta.

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— Não estou certo.

— Dezessete. — Clarice olhou a Jones. — Por quê?

— Estava pensando, poderíamos fixar em duas libras para cada agricultor em,

eh... em reconhecimento por sua venda?

— Três libras — replicou Clarice.

Jones ficou olhando-a. Observaram-no fazer uns rápidos cálculos.

— Três libras para cada agricultor, mais um xelim por medida por cima do preço

de mercado e terá oitocentas medidas das maçãs de Avening. Teremos um trato,

senhor Jones?

O homem engoliu a saliva e assentiu rapidamente.

— Sim. Trato feito.

— Excelente. — Jack se relaxou em seu assento com um largo sorriso. —

Perfeito, fiz que meu administrador preparasse um contrato pela venda. Só

necessita completar as cifras e firmá-lo...

Clarice manteve sua altiva distancia enquanto Jones e ele firmavam o acordo.

Não tinham nem idéia se podiam chegar a tirar algo mais de Jones, mas a

satisfação do triunfo era uma doce sensação.

Com o contrato devidamente firmado, o comerciante se levantou e ficou olhando

o documento como se não pudesse compreender de todo como chegara ali.

— Bem, Jones, quando for época da colheita, enviaremos oitocentas medidas ao

seu armazém de Bristol. — Jack lhe deu uma palmadinha no ombro e o guiou para

a porta. — Quando me enviar o cheque do incentivo, o trato estará fechado. Em

boa hora!

Quando Jack lhe estendeu a mão, o comerciante pareceu sair de seu

aturdimento. Pouco a pouco, seu rosto foi se animando.

— Obrigado, milorde. — Sorriu enquanto se apertavam as mãos. — É um prazer

fazer negócios com você.

Virou-se para fazer uma reverencia a Clarice.

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— Lady Clarice.

Do outro lado da sala, ela pode ver a petulância em seus olhos.

Acreditava que no final a tinha vencido. Com ar régio, inclinou a cabeça.

— Até a próxima vez, Jones.

O sorriso do comerciante hesitou um momento, mas logo se ampliou de novo.

Voltou-se para a porta, que Jack mantinha aberta, e com um assentimento quase

alegre, se foi.

Jack o acompanhou ao vestíbulo principal e deixou que Howlett o guiasse até a

porta.

Quando regressou ao estúdio, encontrou Clarice ainda acomodada com ar régio

na cadeira junto à mesa. Fechou a porta e atravessou a sala. Parou diante dela e

lhe estendeu as mãos.

Clarice ergueu os olhos, colocou as mãos sobre as dele e lhe permitiu que a

ajudasse a levantar-se. Ficaram a apenas dois centímetros de distancia. Seus olhos

se encontraram.

— Vencemos. — O sorriso que curvava os lábios de Jack não tinha nada a ver

com o encanto e sim muito com a determinação.

Os lábios de Clarice se curvaram em resposta para formar um de seus meios

sorrisos evasivos e sutilmente provocadores.

Ele lhe soltou os dedos e lhe deslizou as mãos pelos braços para abraçá-la...

Ambos ouviram os passos apressados fora da sala um segundo antes que alguém

chamasse a porta.

Jack engoliu uma maldição enquanto se dirigia ao extremo da mesa e Clarice se

movia para apoiar-se na cadeira.

— Adiante.

Uma das donzelas mostrou a cabeça.

— A senhora Connimore me pediu para lhes informar que o jovem se mexe,

milorde. Pensou que talvez desejassem estar presentes se recuperar a consciência.

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— Sim, claro. — Clarice se ergueu e se dirigiu para a porta.

Jack reprimiu um suspiro de frustração e decepção ao mesmo tempo e,

resmungando uma maldição, seguiu-a.

***

Griggs se aproximou do escritório para fazer uma pergunta a Jack e este

alcançou Clarice quando ela já entrava no quarto do enfermo e se aproximava dos

pés da cama. O jovem jazia inconsciente e imóvel, como o estivera nos últimos dois

dias.

Tinha os olhos fechados e não se via nenhuma animação em seu rosto.

A senhora Connimore soltou um pesado suspiro.

— Estava inquieto e se movia. Por um momento, pensei que podia ouvir-me,

mas então... Tornou a apagar-se.

Jack olhou a Clarice, que estudava o pálido rosto do jovem com o cenho

franzido.

Logo voltou a olhar à senhora Connimore.

— Ao menos, isso demonstra que ainda não está fora do alcance da consciência.

Quando há lesões, o corpo decide que o que precisa é dormir e se nega a permitir

alguma outra coisa. Talvez sua inconsciência seja o melhor nestes momentos. Ao

menos, os ossos estarão se soldando bem.

A senhora Connimore aceitou suas palavras com um assentimento de cabeça.

Clarice apenas parecia escutá-los.

Jack abaixou a cabeça para poder ver-lhe melhor o rosto e lhe perguntou:

— O que acontece? Reconheceu-o?

Ela negou com a cabeça. Quando voltaram a olhar o jovem, Clarice comentou:

— Quanto mais peso perde e mais lhe afina o rosto, mais certa estou que

deveria saber a que família pertence. Mas não consigo situá-lo.

Os dois ficaram olhando um minuto mais. Finalmente, Jack lhe deu uma leve

cotovelada.

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— Ficar aqui de pé tentando forçar a sua memória para que colabore não

funcionará. Vamos, te acompanharei a reitoria.

Clarice suspirou e deu meia volta. Jack a acompanhou abaixo, esperou que

pegasse o chapéu da mesa do vestíbulo e que o pusesse. Mas uma vez fora, em

lugar de dirigir-se ao caminho, lhe assinalou os prados que se estendiam

ondulantes até o arroio.

— Vamos por aqui. — Ergueu a vista para um céu totalmente azul, sem uma só

nuvem no horizonte. Ao menos, o tempo cooperava. — É um passeio mais

agradável, sobretudo em um dia como este.

Ela se mostrou de acordo. Parecia distraída, seguramente ainda pensava no

jovem inconsciente. Com as mãos nos bolsos, Jack caminhou ao seu lado até o

caminho que bordeava o arroio e decidiu desviar seus pensamentos.

— Na última vez que passei algum tempo aqui, faz treze anos. — Olhou-a. — É

ainda um lugar tranqüilo no aspecto social ou a chegada da filha de um marquês

causou um rebuliço de bailes e jantares neste sossegado remanso?

Clarice ergueu a vista e a dirigiu para o arroio que circulava e borbulhava entre

as verdes orlas. O sorriso de seus lábios era irônico.

— No principio, sim. Mas quando cheguei aqui, a última coisa que queria era me

ver metida em uma série de bailes e festas e que me apresentassem a todo homem

em idade de casar-se em trinta quilômetros ao redor. Claro — seu tom se tornou

cinicamente resignado — foi inevitável, mas uma vez que passou o primeiro

impacto da novidade e não mostrei sinal de desejar ser o eixo de nenhum círculo

social ativo, mas que, de fato, minha intenção era bem o contrario; o ritmo se

reduziu até o que suspeito fosse o ritmo normal e me deixaram fazer o que

desejava sem molestar-me demasiado.

— Que é organizar e administrar, sobretudo minha propriedade. Eu sei, eu sei.

—Captou a olhada que lhe dirigiu e sorriu para apagar qualquer sarcasmo de suas

palavras. — Você estava aqui e eu não. — Seguiram andando em silencio um

momento e logo Jack acrescentou em um tom menos indiferente: — A verdade é

que estou muito agradecido.

A fugaz olhada que lhe lançou com as sobrancelhas arqueadas, lhe indicou que

era muito consciente que tinha bons motivos para estar agradecido.

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— De má vontade, mas sinceramente?

Jack inclinou a cabeça com gesto irônico.

— Exato.

Chegaram ao estreito caminho que seguia o caudal do arroio e o seguiram.

Levou-os através dos campos da propriedade, sob a ponte pela qual passava o

caminho principal, e continuaram adentrando-se nos terrenos da reitoria.

Jack estudou o perfil de Clarice enquanto passeavam, nem muito rápido nem

muito devagar.

Como ia averiguar o que desejava saber?

— E depois desse primeiro rebuliço, tem vivido tranqüila aqui?

— Duvido que o lugar mudou muito nos anos que esteve fora. A sociedade daqui

segue pacífica e pouco exigente.

— Talvez, mas me custa crer que os cavalheiros da zona sejam todos tão torpes.

Claro que devem vir visitá-la.

Clarice apertou os olhos.

— Lamentavelmente, o fazem. Com demasiada freqüência. Depois de sete anos,

diria que teriam que perceber...

Suas palavras se apagaram. Quando guardou silencio, Jack acrescentou por ela:

— Que não tem intenção de casar-se com nenhum deles?

— Exato. — Seus olhos cintilaram, seu tom era tenso.

Ele sorriu. Clarice poderia ter interpretado sua expressão como de uma leve

diversão, mas no fundo se felicitava por ter conseguido tirar-lhe a resposta a sua

pergunta mais importante.

— Terá que desculpá-los, são somente homens.

Seu suave suspiro foi bastante eloqüente. O sorriso de Jack se alargou.

Assim, não tinha nenhum pretendente, nem desejos de ter algum e, se ele não

se equivocava, não a entusiasmavam os cavalheiros em geral, ao menos não os

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que disputavam sua mão. Em vista de sua historia, não o surpreendia. Nenhuma

dama de sua classe, com uma boa posição, rica e extremamente atraente, chegava

aos vinte e nove anos sem casar-se, ficando não só solteira, mas solteirona, sem

ter tomado algumas decisões importantes a respeito do matrimonio. Mas queria

estar certo e agora o estava.

Ainda que ela tivesse dado as costas ao matrimonio, isso não significava que não

tivesse algum amante na zona, algum cavalheiro que a visse como ele a via e fosse

visitá-la frequentemente. Lançou um olhar de soslaio e recordou como o tinha

beijado. Avidamente para não dizer vorazmente. Ainda que tivesse um amante

local, em vista de como reagira diante dele, necessitava Jack sabê-lo?

— Já que falamos da sociedade e da obsessão de seus membros pelo

matrimonio, o que aconteceu para que se afastasse da cidade?

A pergunta, planteada em seu habitual tom indiferente, fez com que Jack se

esquecesse de sua obsessão. Surpreendido, se descobriu olhando fixamente um par

de olhos escuros de grande perspicácia e com uma capacidade de ver através das

máscaras sociais que, muito possivelmente, igualava a sua.

— É evidente que teve algumas rusgas com as matronas. — Clarice arqueou as

sobrancelhas. Havia um desafio e uma leve diversão em seus olhos. — Reconhece

que fica difícil imaginar que te derrotaram tão completamente.

Apesar da aparente despreocupação dele, seus olhos cor avelã permaneciam

totalmente concentrados enquanto desejava sua afirmação.

— Simplesmente, estava pronto para levantar vôo. — Olhou a frente e

acrescentou: — O que me oferecia não era de meu agrado. Nem tampouco como se

oferecia. —Apertou a mandíbula. — Isso foi a gota d’água que virou o vaso.

— Entendo.

Jack o tinha dito como se não fosse nada, mas ela podia imaginar. Depois de

três temporadas, e isso sem falar do mundo social no qual se vira imersa desde seu

nascimento, sabia como agia a alta sociedade, sabia com o que se havia

encontrado ele e podia entender que talvez as matronas o tivessem julgado mal e

equivocado, portanto em sua aproximação.

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Era evidente que, tal como ele dissera, tinha desenvolvido uma aversão por

todas as mulheres em idade de casar-se do país. E parecia considerar essa postura

como definitiva.

Não só se encontrava no campo enquanto a temporada estava em pleno apogeu,

mas tinha chamado Percy e o ia preparar para ser seu herdeiro.

Para Clarice, essa decisão não só parecia interessante e reveladora, mas

também algo similar a um alívio. Ela não desejava envolver-se com um cavalheiro

de sua classe, de seu status, que estivesse procurando uma esposa. Outra vez não.

Nunca mais.

Fora todos os pensamentos sobre o matrimonio e o alentador que era para os

dois acabar com essa complicação, ficava a inquietante questão de sua reação

diante dele. Não estava certa se pressagiava algo assim e se seguir com ele era

prudente ou uma estupidez. Não obstante, tal reação era o bastante irresistível

para fazer que se perguntasse aonde a levaria, o que poderia ocorrer entre eles,

entre ela e o senhor da mansão Avening. Olhou-o de soslaio. Caminhava ao seu

lado com elegância e a olhava fixamente no arroio. Clarice aproveitou o momento

para observá-lo com mais detrimento e confirmar rapidamente sua opinião anterior.

A sua era uma força tão onipresente que não necessitava nenhuma ação, nenhum

movimento específico para atrair sua atenção. Simplesmente, estava alí.

Ao caminhar tão perto dele, a somente alguns centímetros de distancia, a

consciêcia de sua presença física, claramente masculina alterava seus sentidos

femininos. Sob sua influencia, esses sentidos desejavam mais.

Muito mais.

E esse era o ponto no qual se adentrava em território inexplorado. Já havia tido

mais experiência do que desejava sobre o que um cavalheiro considerava como

“mais”. O que não sabia era o que ela realmente desejava, porque nunca havia

desejado mais antes. De nenhum homem, fora o não cavalheiro. Nenhum outro

estimulara tanto seus sentidos, nem muito menos despertara seu desejo de um

modo tão irresistível.

Jack triunfara onde todos os outros fracassaram. Até esse momento, Clarice nem

sabia que isso fosse possível. Como a maior parte da alta sociedade, perguntava

se, depois de três “compromissos” nada satisfatórios, se convertera em uma dessas

mulheres que nunca mostram interesse por uma relação física.

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Mas agora estava interessada graças a ele. E no fundo de sua mente palpitava a

inquietante idéia sobre se a atração que sentia não se devia unicamente ao apreço

de seu físico.

***

Nesse mesmo dia, desfrutara unindo forças com ele para vencer a Jones e

conseguir o máximo para os agricultores locais, que confiavam neles.

Indiscutivelmente um trabalho bem feito, mas não era só a vitoria o que a enchia

de alegria. Desfrutara tanto do planejamento como da execução, muito mais que se

tivesse enfrentado sozinha ao comerciante. Nunca trabalhara assim com ninguém,

isso para não falar do júbilo de compartilhar um dever com alguém que pensava

como ela, que compreendia suas idéias e seguia seus arrazoamentos sem nenhum

esforço.

O triunfo mútuo era um triunfo que saboreava em mais de um plano.

Era uma lástima que a senhora Connimore os fizera chamar.

Esse pensamento lhe trouxe a mente, a lesão de Jack, essa lesão a que estava

tão disposto a tirar importância. Voltou a olhá-lo de soslaio. Se não o tivesse ouvido

admitir o ferimento, teria jurado que estava são e em plena forma. Mesmo nesse

momento, lhe passou pela cabeça a idéia que sofresse alguma afecção mortal que o

mataria antes que pudesse casar-se e conceber um herdeiro — daí o Percy, — mas

a deixou no instante.

Isso lhe fez pensar se sua lesão era anatomicamente restritiva, como lhe

insinuara a ama de chaves, e se a existência da mesma teria algo a ver com sua

determinação de preparar Percy como seu herdeiro... e, possivelmente, com sua

recusa de matrimonio.

Jack parou. Clarice se esqueceu de seus pensamentos, parou e olhou-o. Dera a

volta para contemplar o arroio. Ela seguiu seu olhar e percebeu que estavam de pé

diante do profundo tanque no interior do bosque, que separava os últimos campos

da fazenda do caminho e da ponte. As folhas brotavam das árvores; ocultavam a

zona e vedavam a luz do sol, que passava através deles para iluminar o verde mais

escuro da exuberante grama, o rico marrom do caminho. Os pássaros cantavam

com mais força, concentrados. Sua palpitação lhes chegou através das árvores. O

borbulhar do arroio se convertia em um suspiro ao deslizar-se no interior do

tanque.

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— Este era meu lugar favorito quando era menino. Costumava vir pescar aqui

sempre que podia.

— Você sozinho?

— Normalmente sim. — Jack olhou a outra orla onde as árvores e arbustos

chegavam até a água. — O povoado está bastante longe e não há nenhuma outra

granja perto. Para chegar até aqui, qualquer dos meninos do lugar tinha que

atravessar muitas terras da propriedade e nosso guarda bosque, Cruikshanks, lhes

dava medo.

Ao seu lado, Clarice ficou olhando a lisa superfície da água.

— Por aqui rara vez há alguém. — Olhou-o nos olhos. — Frequentemente uso

este caminho. É um lugar maravilhoso e quase sempre está deserto.

Precisamente, esse era o motivo pelo que a levara por ali. Olhou-a com as

sobrancelhas arqueadas.

— Pesca?

Ela arqueou as sobrancelhas ainda mais, com um gesto altivo.

— Aqui não, mas sempre pesco.

Jack piscou.

— Outra atividade que não está na lista de ocupações recomendadas para a filha

de um marquês.

Clarice riu e se voltou para o caminho.

— Tenho três irmãos mais velhos. Quando éramos meninos, desapareciam com

suas varas de pescar sempre que podiam.

— E você sua irmã pequena os seguia?

Assentiu com a cabeça.

— Sempre que podia. E era com mais freqüência do que a minha madrasta

gostava, mas ela era uma das principais razões pelas quais escapava.

— Não os entendia bem?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Não, mas não ia pescar só por isso. Para grande desgosto de minha

madrasta, nunca me preocupei especialmente ser uma “daminha como é devido”.

— Voltou e o olhou de frente. — Para começar, nunca fui pequena e, claro, sempre

me repreendiam e me diziam que a pesca era para meninos, o que fez me mostrar

mais decidida a desfrutar dessa atividade.

Jack sorriu. Não lhe custou imaginar uma Clarice muito mais jovem, forjando seu

próprio caminho na vida com determinação. Elementos de seu passado que James

lhe mencionara deram voltas em sua cabeça. Era evidente que a teimosa

independência era um rasgo profundamente arraigado nela.

Clarice caminhava agora muito devagar pelo caminho em lugar de passear,

como fizeram antes, mas assim e tudo seguia avançando. Jack se pôs em marcha e

a seguiu sem fazer ruído. Um raio de sol surgiu através do dossel de ramas e

arrancou faíscas vermelhas da escura mata de cabelos presos em um coque. Sentiu

um formigueiro nos dedos, que ansiavam deslizar-se por aquele sedoso cabelo;

ardiam em desejos de acariciar o delicado cetim de sua nuca, aquela evocadora

curva exposta e vulnerável, quando ela abaixou a vista para o caminho.

Jack cobriu a distancia que os separava, pegou-a pelo braço e a atraiu para si.

Quando Clarice o olhou com os olhos muito abertos, ele reprimiu um sorriso de

deleite demasiado faminto.

— Ainda não celebramos nossa vitoria contra Jones.

Ela não retrocedeu, nem ficou tensa. Não houve nenhuma resistência por sua

parte. Procurou seus olhos e arqueou levemente as sobrancelhas.

— Não, não o fizemos.

Sua voz soou um pouco entrecortada, mas não havia inquietação, nenhuma

evasiva em seus adoráveis olhos. Seu olhar direto fez o desejo o atravessá-lo.

— Pois creio que deveríamos fazê-lo.

Abaixou a cabeça.

Clarice ergueu os lábios.

— Eu também.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Capítulo 7

O beijo começou de um modo inocente, um leve roçar dos lábios que durou todo

um segundo. O desejo surgiu, inesperado, sem prévio aviso e os atravessou a

ambos com força.

Seus lábios se fundiram.

Clarice apertou com mais força quando ele a atraiu mais para seu corpo. Abriu

os lábios, tentadora, incitante, e Jack se submergiu, tomou, saqueou e sentiu seu

deleite.

Apertou-a contra ele, impulsionado pelo flagrante fogo daquele beijo, pelo mudo,

mas eloqüente convite que lhe oferecia descaradamente. Ela o desejava assim

como ele, com a mesma resoluta intensidade e urgência, com a mesma

necessidade, que por uma vez Jack não compreendia de todo, que se desbordou só

com um beijo e os arrastou a ambos com demasiada facilidade a uma conflagração

que ameaçava e exigia um único final.

Um final que os dois desejavam.

Clarice se deixou cair sobre ele, lhe rodeou o pescoço com os braços e enredou

os dedos em seus cabelos para segurá-lo e prendê-lo, para render-se de bom

grado. Seu desejo estava implícito em cada movimento; em cada sedutor

deslizamento de seu longo e voluptuoso corpo contra o dele, em cada arquejo

compartilhado enquanto se beijavam, em cada cativante caricia de sua língua

contra a dela. Jack respondeu com um desejo que o atravessou em um rugido.

“Aqui. Agora.”

Jack escutou o clamor com total clareza, o percebeu não só na palpitante dureza

de seu corpo, mas na acalorada suavidade do corpo dela.

Mas os mesmos instintos que o tinham mantido com vida ao longo de treze anos

seguiam ainda alertas. Ainda que fosse improvável que alguém passasse por ali,

estavam ao ar livre.

Tomá-la ali, naquele momento... Não.

Semelhante união, ainda que apaixonada e satisfatória, ficaria restrita

necessariamente pela roupa e, quando se submergisse pela primeira vez naquela

rainha guerreira, desejava-a nua sob seu corpo. Desejava estar também nu, pele

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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contra pele, para sentir a suavidade do cetim de seus músculos agarrando-se as

suas costas enquanto a cavalgava...

Não seria ali e nem nesse momento.

Fazia muito tempo que a estratégia e a tática formavam parte de seu ser. Eram

como um ato reflexo, e não necessitou pensar, simplesmente supôs que bastaria no

momento e, ao mesmo tempo, aplanaria o caminho para mais tarde quando lhe

tirou o chapéu e a fez deitar-se sobre a grossa erva.

Clarice o fez, olhou a erva quando esta ficou amassada sob suas costas. Sentiu a

frieza da terra, mas só momentaneamente, antes que se aquecesse sob seus

corpos. Tudo em Jack era calor, duro músculo, fluida força e potente

masculinidade. Nas distancias curtas, era irresistível. Não podia pensar em nada

mais que na necessidade de deslizar as mãos por seu peito desnudo.

Mas isso não passaria, ainda não.

Ele se deitou ao seu lado, apoiado em um cotovelo, emoldurou-lhe o rosto com

uma dura mão, saqueou sua boca e sitiou seus sentidos. Estava perto, mas não o

bastante. Clarice anelava senti-lo pegado a ela. Tentou atraí-lo, mas ele não cedeu

nem um milímetro. Em lugar disso, deslocou a mão da mandíbula até seu seio.

O prazer, puro e agudo, atravessou-a, deixando-a sem fôlego, a fez arquear-se,

empurrando o seio com mais firmeza contra sua mão, um flagrante convite que

Jack aceitou. Seus longos dedos ficaram tensos, percorreram e a acariciaram,

através da fina musselina até encontrar o mamilo; primeiro brincou com ele e logo

apertou.

Ela se esqueceu de respirar, porque já não lhe parecia algo necessário. As

sensações que ele lhe provocava reclamaram sua mente, seus sentidos. Notou que

girava vertiginosamente, com um prazer que nunca antes experimentara.

Assim, aquilo era o deleite sensual. Ao fim o conhecia. Seu corpo respondeu e se

abriu — ou ao menos isso lhe parecia — como um botão sob o sol. Ele era calor e

ela o desejo.

Ele dava e ela tomava. Ou isso parecia.

De repente, notou uns delicados puxões nas costas e seu corpete se afrouxou.

Jack afastou a musselina com os dedos e a fina cambraia da camisola para deslizar

a mão sob ela e abarcar seu seio. Pele contra pele, Clarice pode notar o sensível

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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cetim de seu seio contra aquela dura palma. Estremeceu-se com repentina

compreensão, antecipação e assombro.

No mais profundo de seu ser, uma emoção, uma primitiva compulsão, até o

momento dormente, despertou. Consciente dela, Clarice a deixou surgir,

distanciada, intrigada.

Então, os lábios de Jack abandonaram os seus. Antes que conseguisse decidir-se

a abrir os olhos, Clarice intuiu o suave roçar de seus cabelos na pele nua seguido

imediatamente pela quente marca de sua boca. Deslizou-lhe os lábios pela curva

superior do seio e a deixou sem respiração. Quando abaixou mais a cabeça e seu

abrasador calor cobriu seu mamilo, ela arquejou, se arqueou, sentindo mais que

ouvindo um grunhido de masculina satisfação, e seu interior resplandeceu com uma

satisfação própria que nunca esperou sentir.

Sorriu e apertou os dedos sobre seu crânio para animá-lo a devorá-la. Conteve a

respiração quando o fez, suportou a maravilhosa pontada de prazer e deixou que o

desejo que chegou após esta a impulsionasse e a guiasse.

Moveu-se, se elevou sob ele. Talvez fosse inexperiente, ignorante, mas sabia o

suficiente, podia imaginar o suficiente. Tentou-o, seduziu-o com seu corpo. Não

havia nenhum pensamento em sua mente que não fosse ver até onde podia chegar

o prazer, quanto mais poderia compartilhar com ele.

Jack lhe respondeu, não de um modo calculador, mas com uma reação

instintiva, com um entrecortado arquejo que não pode reprimir, com uma repentina

tensão de seus músculos já tensos, com uma faísca de desejo totalmente

masculino.

Clarice notava sua ereção colada ao músculo, rígida, impressionante, não tão

ameaçadora como tentadora. Ansiava alongar o braço e acariciá-lo, abarcar aquela

dureza com a palma e explorá-la como ele a estava explorando, mas não podia

deslizar o braço entre os dois, não sem fazê-lo retroceder.

Abriu um pouco os olhos e olhou para baixo, sentiu que o desejo a dominava

quando o observou acariciar seu inchado seio. Por entre as pálpebras, os olhos de

Jack cintilaram e se encontraram com os seus. Susteve o olhar enquanto a lambia,

enquanto sugava um mamilo com a quente umidade da boca.

Ela fechou os olhos e gemeu num som que nunca antes, em toda sua vida,

emitira. Um som de necessidade feminina, de súplica feminina.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack o ouviu, mas não respondeu. A única coisa que fez foi dirigir sua atenção ao

outro seio e fazê-la gemer de novo.

Clarice sentia desejo, palpitava com uma necessidade que não experimentara

nunca, mas que reconhecia. Sabia o que desejava e estava segura que poderia tê-

lo ao se atrever, se deixasse claros seus desejos. Retorceu-se sob seu corpo,

deslizou um músculo contra ele e deixou que suas cadeiras e sua perna o

acariciassem, foi recompensada no instante. Jack inspirou bruscamente, conteve o

ar, levantou a cabeça, pegou-a pela mandíbula e a segurou enquanto lhe cobria os

lábios com os seus, fundia a língua entre eles e se deliciava com sua boca.

Através de seus aturdidos sentidos, Clarice percebeu o ar nas pernas quando ele

lhe levantou a saia e deslizou a mão sob ela. Uns longos dedos ascenderam por seu

joelho e passaram por cima da liga para agarrar levemente sua pele nua. Por um

instante, lhe percorreu a pele da perna com a palma e seguiu subindo até chegar

ao ponto onde se uniam suas pernas; uma vez ali a acariciou descaradamente e

deslizou um longo dedo em seu interior.

Clarice conseguiu não gritar, não tremer diante da inesperada invasão. Por um

momento, esforçou-se para reprimir qualquer reação e ficou claro que não estava

acostumada a semelhante intimidade e se distraíu. Mas de repente, quando ele

moveu a mão, se fundiu ainda mais e a acariciou, sua mente se fez em pedaços e

seus sentidos giraram vertiginosamente, mas se voltaram a centrar bruscamente

quando o repetiu. Uma e outra vez.

Logo, nada mais importou. Nada mais além do calor que a atravessou e as

chamas que a consumiam.

A conflagração aumentou e aumentou. Ainda com seus lábios sobre os dela,

cobrindo-a com seu próprio corpo enquanto satisfazia suas necessidades, dando-lhe

um pouco do que Clarice desejava; uma parte da mente de Jack observou,

catalogou e proporcionou a ela a oportunidade de fazer o mesmo, de superar a

distração de sua arquejante respiração, a ferocidade de sua pele, seus nervos cada

vez mais tensos e contemplar a troca criticamente, ver o que conseguia cada um

deles.

Prazer. Para ela físico e sensual, para ele o mesmo, mas de um modo diferente.

Jack sabia o que fazia. Isso Clarice não o duvidou em nenhum momento. Não se

apressou, mas a fez ascender progressivamente até um cume de sensações,

mantendo-a ali para que ambos pudessem saborear o momento. Friamente, com

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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calma, lançou-a ao abismo, ao abandono sensual, a um estado onde seus sentidos

se desintegraram no êxtase e a deixaram-na à tona sobre ondas de deleite e

dourado prazer.

Jack a deixou deslizar-se na gloria desse instante. Interrompeu o beijo e

levantou a cabeça para observá-la. Contemplou seu rosto radiante, mais que

relaxado, e se sentiu satisfeito. Os dois o haviam desejado; os dois o conseguiram.

Pelo momento, era o suficiente.

A mente de Jack divagou momentaneamente desconectada. Não previu aquilo

quando iniciou sua “celebração”. Seguiu seu plano tão bem pensado, mas esqueceu

que sua rainha guerreira também teria o seu. Por sorte, os planos de ambos foram

extremamente compatíveis. Quando a levou até o arroio, não tinha planejado nada

tão explícito, não imaginou que por mutuo acordo poderiam dispensar-se as

preliminares e conjurar suficiente calor para acender seus sentidos, para fazer que

lhes resultasse impossível pensar.

O ardor aumentou e os envolveu, acendendo o desejo que atravessou suas veias

e os impulsionou, exigindo mais, fustigando seus sentidos com um látego de

expectativas e com a promessa do êxtase. Aos dois atraía essa expectativa e essa

promessa; ainda aguardavam impacientes.

Clarice levantou as pálpebras para revelar uns olhos escuros e brilhantes pela

paixão. Suas mãos, flácidas sobre os ombros dele, se apertaram e o agarraram, o

apressaram a aproximar-se dela. Quando Jack a obedeceu, o beijou com uma

confiança totalmente feminina. Nunca lhe ofereceram um convite tão explícito a

intimar. Jack a sentiu até a medula e notou como sua força o atravessou. Esforçou-

se para resistir.

“Aqui não, agora não.”

Ela não tinha as mesmas reservas. Interrompeu o beijo apenas para sussurrar

contra seus lábios:

— Quero você... Agora.

A última palavra lhe acariciou a boca e destilou pura tentação. Sentiu com os

músculos rígidos pelo esforço de conter-se. Saboreou seus lábios, mas manteve

uma distancia mental, retrocedeu e murmurou:

— Aqui não. Agora não.

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Clarice abriu os olhos e olhou os seus. Observou-o e perguntou:

— Quando então? E onde?

Essas simples e diretas perguntas fizeram a luxúria o atravessar; nenhuma

evasiva, ou ofuscação, nada de falsidade. Desejava-o e sabia que ele a desejava.

Mexeu-se com uma vã intenção de aliviar a dor que sentia entre as pernas.

— Logo. — A tensão da palavra fez com que um sorriso sobrevoasse os lábios de

Clarice. Jack lhe susteve o olhar durante um momento e sugeriu: — Esta noite?

Não assentiu, mas seus olhos, sua expressão, mostraram seu total acordo.

— Onde?

Isso lhe custou mais. Concentrar-se estava difícil. O calor de seus corpos fez

flutuar até ele o perfume de sua pele, de seus formosos seios, desnudos e ainda

inchados, tão tentadores. Isso, unido ao aroma mais embriagador da umidade que

provocou, era um convite ainda mais evocativo para fundir seu corpo ao dela, não o

surpreendeu que apenas pudesse concentrar-se.

— Hum... — A contragosto, retirou os dedos do ardente paraíso entre suas

pernas.

— Na reitoria não e na mansão tampouco. — Clarice expressou amavelmente o

evidente.

Não conseguiu mover-se para afastar-se dela, da promessa que representava.

— O templete sobre a colina ainda está habitável?

Ela sorriu.

— Sim. E será perfeito.

Jack contemplou seu sorriso, sentindo-se tentado a perguntar-lhe por que “seria

perfeito”, mas muito cedo conheceria a resposta.

— Hoje, no templete, quando anoitecer.

Seu sorriso se tornou mais largo. Susteve-lhe o olhar. O dela era misterioso,

mas ao mesmo tempo aberto e direto. Ao final de um momento o desviou para

seus lábios.

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— Vai deixar que me levante?

O tom de Clarice sugeria que não sabia que resposta desejava ouvir.

Assim, Jack deu o que os dois preferiam.

— Ainda não.

Abaixou a cabeça e tornou a beijá-la.

A luz do crepúsculo estava abandonando o céu, que ia adotando uma cor escura

de índigo salpicado por brilhantes estrelas quando Clarice saiu às escondidas da

reitoria. Deteve-se no terraço para fazer uma profunda inspiração e saborear o

doce olor das flores, com calma colocou o xale sobre os ombros e avançou pelo

caminho.

A primaveril noite foi se fechando ao seu redor, familiar e levemente exótica,

sazonada com a sutil emoção da iminente aventura. Freqüentemente passeava de

noite, assim, ninguém a procuraria até o dia seguinte pela manhã e já estaria de

volta muito antes que isso acontecesse.

Suas expectativas a respeito das próximas horas a deixavam com os nervos

tensos e com a excitação percorrendo suas veias. Normalmente, caminhava para

consumir sua energia contida. Nessa noite saiu pelo portão pensando que, quando

regressasse, provavelmente estaria exausta.

A verdade era que não sabia o que esperar, não concretamente. Nem sabia se

desfrutaria daquilo, mas desejava descobrir.

Com Jack Warnefleet poderia. Com ele, descobriria finalmente esses aspectos de

si mesma, sensuais e basicamente femininos que pensava que não provaria nunca,

que nunca conheceria.

Nessa tarde se despedira dele quando chegaram à reitoria. Jack foi falar com

James enquanto ela centrava sua atenção em numerosos assuntos domésticos que

aguardavam sua intervenção. Infinidade de vezes nas seguintes horas se perguntou

se estava louca ou se esse era um desses casos nos quais sua veia imprudente e

hedonista, a que sua madrasta tanto deplorava, superava seu bom juízo.

Considerando a questão sem paixões, pensou que esse último era talvez certo.

Mas o que não podia imaginar era por que, depois de todos aqueles anos de

tranqüila e inclusive dócil existência, Jack Warnefleet demorou menos de vinte e

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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quatro horas para trazer de novo a superfície, e com toda sua força, essa parte de

si mesma enterrada há tanto tempo.

Sentia o impulso de agir, de tomar e arrancar da vida o que desejava, um

impulso muito mais poderoso do que sentira antes, sete longos anos atrás.

Cruzou o arroio pela ponte de pedra e abandonou o caminho. Sem hesitar,

seguiu o caminho que atravessava o prado mais baixo e subiu a suave colina que

dominava a parte superior do vale. Construído sobre pilares, o templete se

encontrava no interior de um pequeno bosque, justo sob a cúpula. Do vale, era

quase invisível, mas da única sala que o conformava, a altura dos dosséis de

ramas, as vistas eram largas, oferecia uma panorâmica do tranqüilo vale e do

borbulhante arroio na distancia, de bosques, pomares de árvores frutíferas e verdes

pastos.

Pertencia à mansão Avening, estava nas terras desta, mas ninguém dali ou de

nenhum outro lugar o visitava mais. Clarice o descobriu um mês depois de chegar a

Avening, em um de seus primeiros passeios noturnos. Estava em muito mau

estado, assim, o reclamou como seu lugar, algo que a ninguém na mansão nem na

reitoria achou estranho nem foi questionar. Conseguiu reparar com seu próprio

dinheiro as tabuas e as goteiras. Trocou as janelas e arrumou o piso. Howlett lhe

ofereceu móveis que estavam guardados no desvão da mansão e a senhora

Connimore decidiu enviar duas donzelas a cada duas semanas para tirar o pó e

varrer, enquanto ela levou da reitoria todas as comodidades que desejou, como um

tapete, livros, almofadas e outras coisas.

Quando adentrou nas sombras mais densas e frias das árvores que rodeavam o

templete, olhou a frente, aguçou os sentidos e notou o efeito da antecipação.

Jack havia chegado pelo outro caminho, o que levava diretamente a Avening.

Ambos serpenteavam entre as árvores até unir-se diante do templete. Quando

saiu das sombras e chegou ao claro, se fixou na porta no alto da escada de madeira

que estava aberta de par em par.

Atrás das amplas janelas da sala superior não brilhava nenhuma vela nem se

movia nenhuma sombra, mas pensou que ele já estava ali, esperando.

Subiu a escada que ainda rangia com um som que pareceu estranhamente

reconfortante. A porta no alto dos degraus dava diretamente a única sala com a

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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qual contava o templete. Entrou e o viu na penumbra. Esperando, como Clarice

supunha.

Estava sentado em uma das poltronas de vime, com os ombros apoiados no

amplo respaldo, um tornozelo sobre o joelho e os cotovelos nos braços da poltrona.

Tinha os olhos fixos na entrada, nela.

O agradável dia se converteu em uma noite não muito fria. Tinha tirado a

jaqueta e aberto o jaleco. O branco da camisa que refletia a pouca luz que ficava

abriu sua vista e a manteve ali.

Imóvel, sentado com aquela pose tão masculina, exalava uma aura ainda mais

potente de força controlada, como se, sem a distração de seus fluidos e graciosos

movimentos, a verdade brilhava com mais claridade.

Por um momento, contemplou sua imagem e tomou nota antes de esticar o

braço por trás das costas e fechar a porta.

Jack a observou sem mover-se. Ainda assim, Clarice percebeu como ficou tenso

e o cuidadoso exame a que a submeteu. No momento, ela tinha a iniciativa e o

sentido comum a apressou a aproveitar essa circunstancia.

Graças às amplas janelas da parede dianteira, havia suficiente luz para ver-se.

Clarice se aproximou do toucador, tirou o xale, dobrou e o deixou em cima. Passou

junto ao amplo sofá-cama colocado diante das janelas, com seu fofo colchão

coberto por uma colorida colcha; as almofadas eram de tons vivos e tentadores, e

se aproximou a uma das janelas que estava aberta e respirou o ar. Os aromas do

bosque, unidos ao das flores de maçãs e dos pomares, encheram seus pulmões.

— Com respeito a isto — sua voz soou firme e clara; voltou-se e o olhou nos

olhos, — antes de irmos além, quero deixar algo claro.

Ao vê-lo ali sentado, esperando-a, se deu conta do perigoso que era e que podia

ser para ela, e que forma poderia tomar esse perigo. Era a personificação de um

cavalheiro de sua classe. Dava no mesmo se pensasse que ele não tinha essa

intenção, não seria sua vítima. Outra vez não. Nunca mais.

— Quero que saiba, e que esteja de acordo; que passe o que passar entre nós

aqui ou em qualquer outro lugar, isto não será nada mais que uma relação

limitada. — Se afastou da janela, com o olhar cravado nele enquanto atravessou a

sala para a poltrona que Jack ocupava. — Passe o que passar, o que houver entre

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nós será só uma relação temporal, e durará o que ambos desejarmos, mas ao final

se acabará e não será nada mais.

Deteve-se ao seu lado e o olhou nos olhos antes de prosseguir.

— Quero que fique claro que ao começar isto, nós dois somos conscientes que

acabará e será sem nenhuma repercussão, nenhuma obrigação, nenhum

compromisso implícito, nenhuma expectativa de nada.

Jack lhe susteve o olhar.

— O presente e nada mais?

— Exato. — Contemplou-o uns segundos mais. — Esse é meu preço. Está

disposto a pagá-lo?

Ele se levantou com um único movimento fluido, ficando a um palmo de

distancia dela. De repente, Clarice se descobriu olhando para cima, sentindo-se

pequena.

Jack abaixou a vista, extremamente consciente da puxada do desejo, da

compulsão que ela convocava com tanta facilidade pelo simples fato de estar na

mesma sala, de encontrar-se ao alcance de sua mão. Seu preço era o sonho de

qualquer homem; uma garantia que não haveria repercussões. Um início e um final

limpos. Se lhe tivessem pedido que fixasse suas próprias normas, diria o mesmo.

Então, por que ao ouvir dela, ao exigir que assim devesse ser sua relação, ao

estabelecer precisamente as regras com as quais ele normalmente preferia jogar,

lhe provocou uma reação tão contraria? Por que, de repente, estava tão

absolutamente seguro — ou, melhor dizendo, obcecado — que conseguiria mais,

que tomaria mais dela? Tinha que ser algum tipo de loucura transitória.

Descartou-a e alongou os braços.

— De acordo.

Atraiu-a para ele, abaixou a cabeça, se deteve o tempo suficiente para observar

como fechava os olhos e separava os lábios e então a beijou. Submergiu-se em sua

boca, não só seguro de suas boas vindas, mas convencido dela; um fato implícito

no modo em que se entregou a seus braços, não passiva, mas ativamente,

buscando estar perto, colar seu corpo flagrantemente feminino na sua masculina

silhueta e mais dura, para cativá-lo e incitá-lo.

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Suas bocas se fundiram, suas línguas se uniram. Clarice estendeu as palmas

sobre seu peito e cravou as gemas dos dedos em seus músculos em uma muda

exigencia. Jack apoiou as mãos em suas costas e a atraiu ainda mais para ele.

Desceu por sua cintura e suas cadeiras para acabar abarcando-lhe descaradamente

o traseiro e atraí-la para si. Era o bastante alta para que sua ereção se pegasse

contra seu sexo. Jack a amoldou a ele e se moveu sugestivamente sentindo o

urgente estremecimento que o atravessou.

Os dois eram adultos, maduros, e tinham suficiente experiência, pelo que,

mesmo não tendo pressa, tampouco havia necessidade de nenhuma lenta

introdução, sobretudo não nessa primeira vez. O desejo que se apoderou deles era

potente, uma fome que tinha uma grande envergadura e garras. Renderam-se sem

resistir, e o acolheram com agrado, deixaram que os dominasse, inundasse e que

os tomasse. Jack percebeu em Clarice, o momento em que se deixou levar por

completo e se entregou a paixão, e a seguiu sem pensar.

Levantou a cabeça para interromper esse beijo que lhes tinha acelerado o pulso

e a fez retroceder para o sofá-cama. Ela obedeceu, deixou-o guiá-la, enquanto

centrava toda sua atenção nos botões de sua camisa. Jack chocou-se contra a

lateral do sofá no momento em que ela conseguiu desabotoar-lhe o último botão.

Abriu-lhe a camisa e se deteve um segundo para devorá-lo com os olhos, apoiou as

mãos sobre a pele. Sua própria reação surpreendeu a Jack, por um instante o

desconcertou. O contato de nenhuma outra mulher o tinha feito sentir-se fraco.

Mas então, Clarice o roçou levemente com as unhas e o desejo voltou a aflorar

mais exigente e dominante.

Buscou os laços de seu vestido e ficaram junto ao sofá, trocando ocasionais

beijos muito íntimos, enquanto se ajudavam a tirar as roupas mutuamente. Suas

mãos se deslizavam, tocavam, agarravam; seus dedos acariciavam, aferravam,

desnudavam. As sombras caíram sobre os dois acolhendo-os com agrado,

envolvendo-os.

Clarice teve um prometido que foi a guerra, esteve disposta a fugir com outro,

foi cortejada e perseguida por infinidade de cavalheiros.

Agora Jack sabia a que tipo de homem atraía: aos homens como ele. Os que não

se conformavam somente com um beijo; por muito explícito que fosse, mas que

desejavam e pressionavam para que lhes desse mais. Por isso não o surpreendeu

sua calma, seu descaramento ao tomar o que queria e o que claramente desejava.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Não o surpreendeu que não mostrasse nenhum pudor nem hesitação quando lhe

tirou a camisola. De fato, se sentiria mais surpreso se o tivesse mostrado.

Em lugar disso, ficou de pé dentro do relaxado círculo de seus braços,

maravilhando-o. Aquilo não o esperava. Deixou cair à camisola no solo e desfrutou

da visão dela e de como ele a olhava.

Estava desnudo. Insistente, Clarice o ajudou a tirar as botas e as calças,

enquanto ele estava distraído com os delicados laços de sua camisola, assim, a

obedeceu. E agora se encontravam de pé um diante do outro, desnudos na tênue

obscuridade, mas com os olhos adaptados a pouca luz, de forma que podiam ver

bastante bem.

Ela alongou as mãos para ele, para tocá-lo, percorrê-lo, maravilhada. Isso era a

única coisa que Jack podia interpretar de sua expressão, dos claros traços que, sob

aquela suave luz, estavam desprovidos de qualquer fingimento. Era uma mulher,

mas com iniciativa. Sua expressão não era indiferente, mas contida; não distante,

mas bem controlada. Ele anelava acabar com aquilo, abrir passo por suas

barricadas até chegar à sensual mulher que sabia que era, tocá-la, acariciá-la,

destruir aquele controle e levá-la ao êxtase.

Conquistá-la e, em última instancia fazê-la sua.

Esse impulso possessivo lhe era desconhecido, não algo que lhe sucedera antes.

Na obscuridade, de pé, desnudo, o aceitava, aceitava que os dois tinham coração

de guerreiros pagãos.

Clarice o confirmou quando ergueu a vista e contemplou seus olhos durante um

instante, mas de imediato se aproximou dele audaz, se entregou aos seus braços

quando Jack os fechou para rodeá-la, ao seu beijo quando abaixou a cabeça e lhe

cobriu os lábios com os seus.

Não havia dúvida do que desejavam.

Jack a fez retroceder de novo até o sofá, a estendeu sobre as suaves mantas e

se estendeu com ela. Abriu-lhe as pernas com as suas e se acomodou entre elas,

pegando-lhe as mãos e segurando-as sobre as almofadas de ambos os lados da

cabeça. Submergiu-se em sua boca e a reclamou, se deixou levar por completo e

tomou dela o que desejou, o que o verdadeiro homem que havia atrás de sua

encantadora máscara, aquele selvagem guerreiro, desejava, talvez necessitasse.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Essa idéia vagou por sua mente, mas logo desapareceu incapaz de aferrar-se a

seus sentidos; centrados na ardente e sedosa silhueta feminina presa sob seu

corpo. Seus instintos de predador estavam totalmente alerta, rastreando suas

respostas, percebendo com crescente satisfação a entrega, a lasciva que se tornou.

Então, Clarice pareceu recuperar a força, entrelaçou os dedos com os seus e lhe

devolveu o beijo. Correspondeu, o igualou, o desafiou. O beijo se tornou

incendiário. As chamas rugiram através da cabeça de Jack, de seu corpo, de sua

alma. Elevou as cadeiras sob as suas, empurrando-o, dirigindo...

Com um arquejo, Jack interrompeu o beijo, se incorporou sobre os cotovelos

para contemplar seus seios e os devorou. Faminto.

Clarice gritou. Sem pensar e sem preocupar-se por nada mais que pelas

sensações que a percorreram, com cada duro contato de sua boca sobre sua carne

que a alcançou mais profundamente, que com cada movimento de seu duro e

musculoso corpo contra o dela a abrasou e fez arder. Saboreou essas sensações, as

acolheu com agrado, lhes abriu seu coração e sua alma. Sentiu-as até a medula e

desfrutou.

Desfrutou o fato de ser mulher, de ser ela mesma, total, completa e

absolutamente.

De repente, Jack voltou a mover-se e deslizou uma mão entre os dois. Tocou e

acariciou, apertou o lugar onde estava quente, resvaladiça e úmida. Clarice se

recompôs, cobrou consciência e se dispôs a receber a demolidora sensação de seu

dedo submergindo-se descaradamente em seu interior, mas, em lugar disso, Jack

abandonou seu seio, se elevou por cima dela e tomou seus lábios de novo. Fez isso

enquanto lhe pegou as pernas pelos joelhos para abri-las ainda mais, aproximou as

cadeiras de seu corpo e colocou o amplo extremo da ereção na entrada de seu

corpo.

Deslizou-se em seu interior.

Os sentidos de Clarice se puseram alertas. Tentou respirar, relaxar-se e deixar

acontecer e que se submergisse em seu interior. Ele avançou um pouco mais. O

impacto físico foi devastador. A avalancha de sensações, todas novas, todas

intensas, ardorosas e excitantes, a oprimiram. Prenderam-na por completo em uma

espécie de feitiço. Todo seu ser estava centrado na lenta, pesada e inexorável

penetração de seu corpo.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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A lenta, firme e inexorável posse.

Esse descobrimento abriu passo em sua consciência fazendo-a estremecer.

Fechou com força os dedos e lhe cravou as unhas nos braços, ao mesmo tempo em

que seu corpo se arqueava sob o dele. Não resistiu, mas tentou agüentar, conter-

se...

Jack lhe deslizou uma mão pelo músculo até o traseiro, agarrou-o e a fez erguer

as cadeiras, segurou-a sob o dele para sua lenta e firme invasão.

Então, com uma última investida, se submergiu profundamente nela. Uma aguda

pontada foi tudo o que sentiu; não esperava mais, mas ficou sem fôlego. O pouco

ar que lhe chegou vinha dele, do beijo que, de repente, pareceu ser sua única

ancora a um mundo transformado, um mundo no qual as sensações mandavam,

onde o prazer era o rei, onde as emoções giravam e se rodopiavam, aumentavam,

surgiam e a arrastavam.

Um mundo no qual só existiam eles dois, intimamente unidos sob a luz da lua.

Era duro e pesado, potente e masculino, tão estranho em seu interior... Com os

olhos fechados, se aferrou a ele enquanto Jack se retirou e voltou a submergir-se

com força, profundamente, investindo-a ainda mais fundo. Escapou-lhe um som,

um gemido de prazer. Jack repetiu o movimento inclusive com mais força e o som

voltou a surgir, mais definido e revelador.

Clarice sentiu a satisfação dele, sua determinação de levá-la além como se fosse

algo tangível, que pudesse tocar.

A seguir, Jack se abaixou um pouco mais, deixou sentir seu peso, seu torso duro

e aquele encaracolado velo que lhe roçou os mamilos inchados enquanto retrocedeu

e avançou, estabelecendo o ritmo de uma longa e constante cavalgada.

Notou seus braços como cálido aço que se flexionava com o balanço de seu

corpo em seu interior, mas, por outra parte, os sentiu sólidos e inamovíveis.

Agüentou tensa, contendo a respiração, enquanto as sensações aumentavam, se

desbordavam até que não pode mais e deixou a paixão a dominar. Permitiu que a

inundasse e a consumisse.

Empurrou suas cadeiras contra as dele em uma primitiva dança na qual se

elevava uma e outra vez com o crescente ritmo.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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A realidade se fez em pedaços. Não havia vida além de seu alento

compartilhado; além daquele baile de investidas e retiradas, de aceitação e

liberação, de necessidade e fogo, e das chamas da paixão que ardiam se uniam e

os impulsionavam a seguir implacavelmente exigentes. Não só a ele, mas também

a ela, porque as próprias demandas de Clarice aumentaram e a encheram. Deixou

seu corpo livre, deixou que Jack o tomasse como quisesse, enquanto ele se

entregou por sua vez e tomou a ela.

Apesar do implacável corpo que a prendia, que se submergia profunda e

poderosamente em seu interior, apesar do fato que diante de sua força ela se

sentia muito mais débil e apesar de todas as vantagens físicas com as quais Jack

contava; Clarice também tinha vantagens e estava a sua altura.

Seu poder se revelou no contato dele, não tanto reverente como ganancioso, no

desejo que o impulsionou, que parecia desbordar-se de sua alma quando se

submergia nela.

Como se necessitasse estar ali, em seu interior, e essa necessidade não fosse

somente física.

Clarice o sabia de um modo instintivo e seguro, mas não o compreendia. As

chamas aumentaram e rugiram. As sensações se intensificaram, seus nervos foram

ficando tensos mais e mais. Ardentes, cada vez mais ardentes. Só então, o

caleidoscópio da paixão e desejo girou ao redor de ambos, os arrastou e prendeu,

elevando-os para um cume de terreno regozijo e mantendo-os ali durante um

brilhante instante indescritivelmente intenso, até que os lançou, liberando-os. Essa

liberação os fez estalar e destroçou seus sentidos.

Sentiram-se vazios de pensamento, vontade e sentimentos.

A pequena morte, o chamavam os franceses; agora Clarice sabia por que. Mas a

diferença da morte se sentiu inundada não por um sentimento, não por uma

sensação, mas por um cálido mar de emoções.

Às cegas, moveu uma mão, buscou sua cabeça apoiada em seu ombro e lhe

acariciou levemente os cabelos. Jack se desabou pesadamente sobre ela,

amassando-a sobre a cama e imobilizando-a por completo.

Não importava. Não podia mover-se, mas curiosamente seu peso não a

aborrecia.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Como tudo, do principio ao fim, lhe parecia que estava... Escrito e que devia

suceder.

Tão fácil.

Tão... Assombroso.

Sentiu que sorria. Com os olhos ainda fechados, se entregou a dourada gloria

que atravessava suas veias e deixou que a paz e o bem estar da satisfação a

aplacassem, deixou que ambas as coisas se filtrassem até sua alma.

***

Jack reagiu. Finalmente. Não porque o desejasse; poderia ter ficado estendido

durante horas sobre ela, feliz, sentindo-a suave e saciada sob seu corpo, notando

como sua vagina quente e úmida se contraia de vez em quando ao redor de sua

saciada carne. Mas ainda que a sentisse relaxada preocupou-se em estar

amassando-a e, como tinha intenções de persuadi-la a que repetissem aquilo mais

tarde, não só nessa mesma noite, mas com freqüência no futuro, lhe pareceu

prudente reprimir-se um pouco e não tentar a sorte.

Por outro lado...

Rodou para deitar-se de boca para cima e a arrastou com ele. Fez com que o

rodeasse com suas longas extremidades para segurá-la, ainda flácida, dentro do

círculo que formavam seus braços, o qual era seu lugar, o que lhe correspondia.

Esse último não foi um pensamento intencionado, mas não podia negar o que

sentia. Um dos muitos inquietantes mistérios que seus atos da última meia hora

revelaram.

Apoiou a cabeça nas almofadas e ficou olhando o teto, as sombras raiadas que

se moviam quando a brisa brincava com as copas das árvores no exterior. Olhava

sem ver realmente os cambiantes desenhos enquanto catalogava o que sabia e o

que ainda não compreendia.

Passaram vários minutos até que Clarice se mexeu. Jack sentiu a tensão em

seus músculos, a mudança na respiração quando despertou por completo. Ele não

se mexeu e durante um longo momento, ela ficou ali, enrolada em seus braços.

Logo, apoiou uma mão sobre seu torso e se incorporou. Jack lhe permitiu afastar-

se. Rapidamente, sem olhá-lo, se voltou para sentar-se na borda do sofá cama e

logo se levantou.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack teve que esforçar-se para reprimir o impulso de esticar o braço e atraí-la de

novo para ele. Observou-a caminhar, não para onde se encontrava sua roupa no

solo, mas para a janela, onde ficou de pé, observando a paisagem. A lua havia

saído e sua suave luz banhava sua branca pele com um resplendor sobrenatural

que a fazia brilhar de forma tênue, como se fosse uma perola. Seus cabelos... Ele

havia tentado não despenteá-la e ainda o levava preso e em parte no seu habitual

coque, mas uns escuros cachos se tinham soltado pendurados sobre seus ombros e

sobre suas costas longas e bonita, que mantinha regiamente reta.

Não parecia que se sentisse incômoda em sua nudez. Movia-se pela sala com

sua habitual graça.

Jack se incorporou apoiando-se nos cotovelos e levantou um joelho.

— Era virgem.

Clarice se voltou e o olhou. Observou o corpo, que se unira ao seu fazia muito

pouco.

— “Era”, o expressou bem. — Previra o comentário, um dos motivos pelos quais

havia estabelecido suas normas previamente. — Era e agora já não sou. Isso é

tudo.

Não podia ver seu cenho franzido, mas sabia que estava ali.

— Deveria ter me falado... Poderia ter lhe feito dano.

Arqueou as sobrancelhas, levemente cética.

—Tenho vinte e nove anos e cavalguei toda minha vida. Seria improvável sentir

muita dor. — Só algumas leves pontadas como aconteceu. De fato, havia abrigado

a esperança que ele não o notasse. Manteve o olhar fixo em seu rosto. — Minha

virgindade não era algo que valorizava, mas algo que ainda conservava quando há

muito tempo deveria tê-la perdido. Peço-lhe que aceite meu agradecimento por tê-

lo solucionado.

Sentiu uma pontada no estômago, mas Clarice não pode ver nada em seu rosto

na penumbra. Ele estava ali deitado, tão varonil, com o torso, — aquela gloriosa

expansão que a fascinava — amplo e muito musculoso, se estreitava em um

abdômen duro como uma rocha até uma cintura e cadeiras delgadas e umas longas

e fortes pernas. Totalmente nu e descaradamente exposto para seu deleite.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Exceto que... Seria sua imaginação ou havia algo perigoso, que não podia

identificar e que transmitia seu corpo, sua postura; que não era exatamente uma

ameaça, mas um rastro de desgosto?

— Seu agradecimento... — Sua voz soou baixa.

Clarice não se dera conta do grave que se pusera. Agora a sentiu deslizar-se

através dela e se esforçou para reprimir um estremecimento.

Seus olhos não a abandonaram nem um segundo. Podia senti-los como uma

chama. Devagar, foram baixando por seu corpo, uma caricia íntima, abertamente

possessiva.

Oh, sim, havia feito o correto ao fixar as condições e deixá-las claras.

Devagar, seu olhar subiu de novo e regressou ao seu rosto.

— Talvez devesse dar-me graças de outro modo, não só com palavras.

Clarice não pode evitar perceber o desafio em sua voz, não pode evitar vê-lo

também em sua postura claramente masculina, não pode evitar aceitá-lo.

Com frieza, arqueou as sobrancelhas.

Com lenta deliberação, Jack lhe estendeu uma mão.

— Venha aqui.

Durante um longo momento, o observou. Finalmente, atravessou a sala e, sem

pressa, apoiou a mão na dele.

***

Quando regressou a casa através dos campos, nas escuras horas antes do

amanhecer, Jack se desviou para o jardim das rosas. Sentou-se no frio banco de

pedra e ficou ali olhando o tranqüilo tanque para dar a sua mente, a seus

pensamentos — diabos, a seu corpo — tempo para recuperar o equilíbrio.

Clarice o havia deslocado por completo. Não só o desconcertou, mas o lançou a

uma transtornada realidade na qual já não estava de todo seguro de qual caminho

era o normal, qual não entranhava perigo.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Começou a noite convencido que tinha o controle e que as rédeas daquele

romance estavam em suas mãos agarradas com firmeza. Inclusive depois que o

surpreendeu com sua inesperada e direta visão do assunto, acreditou que tudo

fosse só levemente diferente, se não como o antecipara. Supunha que sua reação

se devia unicamente ao impulso de opor-se a ela, de não mostrar-se de acordo e

mudar as normas, ainda que nunca fora dos que reagiam as sugestões femininas

com uma oposição instintiva e mecânica.

Agora já não estava seguro que isso fosse certo.

Não depois que o pilhou totalmente de surpresa com aquela declaração sobre

sua virgindade, absolvendo-o serenamente de toda responsabilidade por tê-la

tomado.

Não depois do que veio a seguir.

Não compreendia, nem nesse momento, sua própria reação. A única coisa que

sabia ser real, uma parte fundamental de si mesmo, não uma fugaz resposta, mas

algo arraigado no homem que era realmente, não algo superficial, que pudesse

desprezar. Pode ser que o fato de ter tomado sua virgindade não significasse nada

para ela, mas havia significado, e muito para ele.

O desprezo que Clarice havia mostrado por esse assunto, como se fosse algo

sem valor, o fato de permitir que a tomasse como se fosse um assunto sem

importância, provocou essa resposta. Quando apoiou sua mão na dele com tanta

calma, Jack não foi capaz de reprimir, fosse o que fosse. Não foi seu gênio; nem

sequer se aproximaria. Melhor, algo similar a uma insaciável necessidade de

conquista.

A paixão que ela desatara nele foi aterradora, o levou a arrastá-la a um terreno

sexual no qual era impossível Clarice ter alguma experiência; a um reino de

sensualidade que deveria tê-la comovido, deveria ter feito que retrocedesse, ou

melhor, que saísse fugindo diretamente.

Em troca, ela respondera, aceitara todos os desafios, todas suas audazes

exigências sexuais.

Uma coisa estava clara: os cavalheiros que a consideravam como um iceberg,

não tinham nem idéia de como era realmente. Admitia que não fosse uma mulher

que se derretesse nos braços de um homem. Uma rainha guerreira não se derretia.

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Em cima da paixão, era como um chamejante aço, quente, abrasador, maleável,

mas não fracal. Nunca fraca.

Jack tinha desejado conquistá-la e ao final ela se rendera ao menos o suficiente

aplacá-lo, mas ao longo do caminho cada vez temia mais que ela lhe devolvesse o

favor.

A cabeça ainda girava e uma resposta nada surpreendente ao descobrir a única

dama que podia afetá-lo até esse ponto, quando, ao mesmo tempo, percebia que

não fora a intenção dela. Clarice não tivera intenção de fazê-lo. Não tinha nenhum

interesse em uma relação de longo prazo. E não era difícil compreender por que.

Jack esteve se rebelando interiormente diante de sua insistência em que sua

relação fosse estritamente temporal, entendeu por que adotou essa postura e a

tinha declarado tão claramente.

Mas isso foi antes que ele se submergisse em seu interior e sentisse a reveladora

resistência, tão leve, que se não estivesse tão concentrado nas respostas de seu

corpo, não teria notado esse mínimo instante de dor. A maioria dos homens não se

daria conta; ele sim. O soube.

E isso o fez sentir-se... Como um conquistador que encontrou a sua rainha.

Apoiou a cabeça nas mãos, se agarrou os cabelos e grunhiu. Ele dera as costas

ao matrimonio deliberadamente, inequivocamente, assim, o destino lhe enviara

uma amante, uma que possuía a capacidade de satisfazê-lo como nenhuma outra o

fizera até então, uma que não desejava casar-se mais que ele...

Deveria ter sido perfeito. Deveria ter se sentido delirantemente feliz. Em troca,

ali estava, saciado, sentado em um frio e duro banco tentando pensar como toda

sua vida podia ter dado um giro tão radical em uma só noite, de forma que seu

futuro, qualquer nível de felicidade futura, dependia agora que tivesse êxito em

uma tarefa quase impossível: devia conseguir que sua Boadicea mudasse de

opinião.

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Capítulo 8

Cativara a centenas de mulheres, a uma multidão de damas. A única coisa que

tinha de fazer agora era cativar a sua.

Jack se encontrava de pé diante da janela do salão e observava como Clarice se

aproximava pelo caminho, a toda pressa. Tão rápido que parecia que fosse tomar

de assalto seu castelo. Pela expressão de seu rosto, pálido e sério, duvidava que

seu encanto fosse levá-lo muito longe nesse dia, mas o que mais o preocupava era

a figura masculina que se esforçava para manter o ritmo ao lado: James.

Ela, só era um par de centímetros mais baixa que seu primo, mas tinha as

pernas mais longas. Jack observou como parava, esperava com severidade que

James a alcançasse e seguia adiante decidida. O vigário não parecia desgostoso,

mas bem preocupado, mesmo Jack jurando que não ser por Clarice.

Não perdeu tempo perguntando-se o que poderia ter acontecido. Dirigiu-se a

porta principal. A campainha soou com força e Howlett apareceu pondo-se bem a

vista. Jack o seguiu. Esperou que o mordomo abrisse e só então se adiantou para

saudar a Clarice quando esta entrou com a cabeça alta e as costas rígidas.

Pegou-lhe a mão, apertou-a e a olhou nos olhos.

— O que aconteceu? — Tão perto, com a mão na sua, pode sentir sua agitação.

Ela inspirou o ar e respondeu:

— Esta manhã, enquanto tomava o desjejum, lembrei-me de quem me recorda

esse desventurado jovem.

Voltou-se e assinalou ao seu primo, que, quase bufando, a seguira ao interior da

casa. Ele saudou a Jack com a cabeça enquanto Clarice continuava.

— O jovem me recorda a James.

Jack piscou. O ferido não se parecia em nada com o vigário.

Clarice soltou um bufo desdenhoso.

— Não ao James atual, mas na coleção familiar há um retrato dele quando tinha

dezesseis anos. — Observou seu primo com olho crítico. — Agora se parece mais

aos Altwood, mas então era mais como sua família materna, os Sissingbourne.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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James olhou para Jack.

— Se Clarice está certa, penso que o jovem poderia ser meu parente.

— Seu rosto se sombreou. — Deveria ter vindo antes, deveria ter feito o correto

e deixado meus livros um momento...

— Isso não importa. — Clarice o tomou pelo braço e o fez avançar. — Agora está

aqui, assim, sobe e olhe... — Interrompeu-se.

Uns apressados passos atraíram seus olhares para a escada. Uma donzela descia

correndo. Ao vê-los, se ruborizou e diminuiu o ritmo. Quando chegou ao pé da

escada, lhes fez uma reverência.

— Desculpem-me, milorde, milady, reverendo Altwood, mas a senhora

Connimore disse que o jovem se está se mexendo de novo. Acredita que desta vez

poderia acordar.

Clarice assentiu.

— Precisamente agora íamos subir. — Com determinação, guiou James para a

escada.

Jack se colocou ao outro lado do homem a tempo para ouvi-lo murmurar:

— Pergunto-me se será Teddy.

Clarice o olhou com perspicacia.

— Estava esperando-o?

James negou com a cabeça.

— Não, mas de todos eles é o que tem mais probabilidades de vir me ver. —

Dirigindo-se a Jack, acrescentou: — Teddy é um cânone do bispo de Londres.

Ele fez uma careta.

— Não muitos cânones conduzem um faetonte como esse.

O rosto do vigário se iluminou.

— Certo. — Logo voltou a franzir o cenho. — Então...

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Quando chegaram ao alto da escada, Clarice interveio:

— Vejamos se pode dizer-nos quem é e logo poderemos averiguar por que está

aqui.

Seu quase exasperado tom fez com que seu primo avançasse pelo corredor.

Quando chegaram à porta, ela entrou antes e se pôs a um lado. James a seguiu e

contemplou o jovem estendido na cama.

— Não é Teddy.

James seguiu olhando o ferido, que agora se movia inquieto sob os lençóis.

Franzia o cenho como se tivesse um pesadelo. O vigário também franziu o cenho

e logo seu rosto se iluminou.

— Anthony, é Anthony. — Olhou para Jack. — É o irmão mais novo de Teddy.

Ao ouvir seu nome, o jovem ficou quieto, e com evidente esforço, abriu os olhos.

James se encontrava aos pés da cama, justo em sua linha de visão.

— James? — O jovem piscou, esforçando-se para enfocar. — É você?

— Sim, claro, rapaz. — Rodeou a cama para que Anthony pudesse vê-lo melhor.

— Mas o que veio fazer aqui? E o que aconteceu?

O jovem umedeceu os lábios secos. No instante, Clarice estava ao outro lado da

cama, com um copo de agua nas mãos. Jack passou por diante de James e ergueu

Anthony um pouco. Ele bebeu agradecido e logo indicou debilmente que já tinha

suficiente.

Jack voltou a recostá-lo sobre as almofadas que a senhora Connimore lhe havia

colocado, aliviada ao ver que seu rosto recobrava alguma cor.

Anthony olhou a James.

— Vim para advertir-lo. Teddy me enviou. Descobriu que há um informe que te

assinala como espião militar durante a última década. Está sendo investigado.

— O que? — O vigário parecia perplexo.

— Isso é uma estupidez — disse Clarice, olhando ao jovem fixamente.

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— Todos o sabemos, mas... Algo está acontecendo. — Suas pálpebras se

agitaram. Parecia precisar de ajuda e assinalou a cama. — Bem, é evidente. Como,

se não, acabei aqui?

O rosto de Jack se endureceu. Aproximou uma poltrona da cama e fez James

sentar-se, ainda comovido e imóvel. A senhora Connimore, ao outro lado da cama,

havia aproximado uma cadeira a Clarice e Jack pegou outra para si.

Clarice se voltou para a ama de chaves.

— Talvez lhe fizesse bem um pouco de caldo de frango.

A senhora Connimore assentiu com os olhos fixos no jovem.

— Era justamente o que estava pensando. Farei que aqueçam um pouco.

Saiu do quarto e fechou a porta atrás dela.

— Bem — começou Jack, — primeiro fale-nos do acidente no caminho.

Anthony torceu os lábios.

— Não foi nenhum acidente. Não sou um torpe imbecil que capota sua

carruagem em uma cunha e lhe juro que estava totalmente sóbrio.

— Havia outra carruagem — interferiu Clarice e se encontrou de imediato com

uns furibundos olhos cor avelã. A surpresa a dominou um segundo, mas devolveu o

olhar a Jack, beligerante. — Sabemos que havia outro.

Com os olhos meio fechados, Anthony assentiu.

— Jogou-me do caminho.

— Pode descrevê-lo? — Jack mantinha os olhos fixos em Clarice, que soltou um

bufo, mas manteve a boca fechada.

O jovem franziu o cenho.

— Grande e de rosto pálido... E bem redondo. Um cavalheiro... Por assim dizer.

A descrição de Clarice fora mais detalhada. Era evidente que falavam do mesmo

homem.

— Conhecia-o ou vira antes? — perguntou Jack.

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Anthony começou a negar com a cabeça, mas então fez uma careta de dor e se

deteve.

— Não. Mas... Justamente antes de acontecer, que o faetonte capotasse,

soube... Percebi que queria tirar-me do caminho. Olhou-me fixamente. — Anthony

se dirigiu a Jack. — Fez de propósito.

Com expressão severa, ele assentiu:

— É o que parece.

O jovem fez uma careta.

— Quando vi que não poderia evitá-lo, saltei, mas o faetonte me caiu em cima.

Olhou as pernas.

— Uma está quebrada, mas curando-se bem, igual ao seu braço. Fora isso, todo

o resto são contusões e entorses. — Jack o olhou nos olhos. — Estará

perfeitamente bem dentro de alguns meses.

O alivio inundou o rosto de Anthony e fez que parecesse ainda mais jovem.

— E agora — interferiu Clarice, — o que é isso de James estar sendo

investigado?

— Antes que nos transmita a mensagem de seu irmão — a interrompeu Jack

com presteza, — conte-nos o que passou entre o momento em que deixou Teddy e

chegou aqui.

Anthony sorriu a Clarice com um leve gesto de desculpa e se voltou para Jack.

— Teddy me chamou. Reuni-me com ele nos sótãos de Lambeth. Surpreendeu-

me chamar-me ali, mas não queria que ninguém o visse falar comigo.

Clarice, com os lábios apertados, ergueu a vista e se encontrou com a de Jack.

Era evidente que, apesar da cautela de Teddy, alguém o vira falar ao irmão.

— Teddy me contou das acusações contra James e me pediu que viesse lhe

avisar. — Olhou a James com certa vergonha. — Eu nessa noite tinha que assistir

um jantar, mas saí na primeira hora da manhã seguinte.

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— Parou em algum lugar pelo caminho? — Jack se inclinou para diante. — Em

Swindon?

O jovem assentiu.

— Saí de Swindon depois do desjejum, mas não tinha certeza quanto ao

caminho, assim, primeiro fui a Stroud. É mais longo, mas ao menos não me perdi.

Sua voz soava mais fraca. Era evidente que estava se cansando. Clarice

manteve a boca fechada, ainda que olhando a Jack com os olhos muito abertos.

Jack não deixou de olhar Anthony.

— Muito bem, agora nos fale dessas acusações. Melhor ainda, tente dizer-nos

exatamente o que te disse Teddy.

O jovem suspirou, fechou os olhos e franziu o cenho.

— Meu irmão ouviu uma conversa entre o bispo e o deão. Passava junto ao

estúdio do bispo, a porta estava levemente entreaberta e lhe chamou a atenção

que mencionassem a James, assim se deteve. Ouviu que o haviam acusado de

estar ligado com os franceses, não só recentemente, mas durante uma década.

Dizia-se que esteve infiltrando documentos estratégicos das campanhas de

Wellington, além de informação que ele deduzia ser sobre pontos fortes e

movimentos de tropas, através de soldados aos quais entrevistara. Quando alguns

dos diáconos advertiram pela primeira vez o bispo a respeito, este descartou as

acusações como simples rumores difamatórios, mas então o diácono regressou com

mais detalhes e... na conversa que Teddy escutou, o bispo dizia ao deão que teriam

que tratar o assunto com mais seriedade, porque realmente parecia algo grave e

portanto, teriam que investigar James.

Anthony fez uma pausa e abriu os olhos.

— Isso é tudo o que Teddy ouviu, porque o diácono Humphries, que foi quem

apresentou as acusações ao bispo, apareceu no corredor e teve que seguir

andando. Mas viu que Humphries entrava no estúdio, certamente para dar ao bispo

a informação de que dispunha.

James se pôs rígido ao ouvir o nome de Humphries. Clarice estudou seu rosto,

mas lhe resultou estranhamente indecifrável.

— Quem é Humphries?

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Seu primo piscou e fez uma careta.

— É outro estudioso... Também especializado em estratégia militar, ainda que

em seu caso só em táticas no campo de batalha.

— Então é um competidor, por assim dizer — contestou Clarice.

James olhou a Jack.

— Faz anos, Humphries e eu fomos os principais candidatos para a beca de

investigação da qual ainda desfruto.

— Então — replicou ele, — não só é um competidor, mas também um rival.

O vigário suspirou.

— Por desgraça, Humphries o vê assim.

— Ainda? — perguntou Clarice. — Faz mais de vinte anos que lhe deram essa

beca.

Seu primo concordou, sua expressão era mais de dor que de fúria.

— Quando vou à cidade para investigar, me alojo no palácio episcopal. O bispo

sempre esteve interessado em meu trabalho, algo do que, claro, Humphries está

ciente. Sua ilustríssima nunca teve críticas ao mostrar meu êxito, então e agora, e

a Humphries isso dói. Sem a beca e sem as rendas que eu disponho, ele tem que

manter-se através do cumprimento de seus deveres, pelo que lhe fica pouco tempo

para investigar.

— Assim, te odeia — concluiu Clarice.

— Isso eu penso. — James parecia abatido.

Jack se ergueu.

— Independentemente de tudo isso, se vai levar a cabo uma investigação,

necessitamos averiguar o conteúdo das acusações de Humphries.

— Pode ser que Teddy tenha averiguado mais coisas. Estou certo que deve ter

tentado... — Anthony fechou os olhos e sua voz soava cada vez mais fraca.

Clarice intercambiou um firme olhar com Jack e James antes de dar ao jovem

umas palmadinhas na mão.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Com certeza, mas você não deve preocupar-se com isso agora. Já transmitiu

sua mensagem e pode deixar o resto para nós. Deveria descansar. A senhora

Connimore lhe trará um caldo dentro de um instante.

E dizendo isto se levantou, obrigando Jack e James a fazer o mesmo a

contragosto. Anthony abriu os olhos o suficiente para poder olhá-la e sorrir com

doçura.

— Você é Clarice. Teddy me disse que estaria aqui. Provavelmente não se

recorda de mim. Ainda ia ao colegio quando você... Fugiu, mas meu irmão me disse

que lhe desse lembranças de sua parte.

Ela se surpreendeu — se James era a ovelha negra da família, ela era a

obsidiana, — mas sorriu e inclinou a cabeça com ar regio.

— Obrigada. Agora deve dormir.

Virou-se e saiu do quarto enquanto com um olhar se assegurava que os outros

dois homens a seguissem. Dirigiu-se a escada.

Jack se despediu de Anthony com uma inclinação de cabeça enquanto seguiu

James e fechou a porta as suas costas. Percorreu o corredor pensando se havia

interpretado bem esse último intercambio entre Clarice e Anthony.

Tanto Teddy como o jovem pareciam ter-lhe afeto, algo que ela claramente não

esperava. Jack não pode evitar pensar quão profunda a até que ponto havia sido a

rutura com sua família. Pelo visto, o suficiente para que esperasse que não tivesse

o carinho de nenhum parente.

Começou a descer a escada a uns passos de distancia de James. Clarice

atravessava já o vestíbulo principal para o salão quando a campainha da porta soou

com considerável ímpeto. Ela se deteve na porta do salão e James, que chegara ao

pé da escada, se deteve também. Jack continuou a descer aparentemente

impassível, mas consciente de que seus instintos reagiram, ainda que não pudesse

compreender por que.

Howlett apareceu e se aproximou da porta com ar magestoso. Quando a abriu,

por cima de seu ombro Jack viu Dickens, o rapaz de quadra de James. O jovem

saudou ao mordomo com um gesto da cabeça.

—Tenho uma mensagem urgente para o senhor e para lady Clarice.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Howlett retrocedeu quando os três se aproximaram da porta. Clarice chegou

antes.

— Dickens — saudou ao homem, — qual é a mensagem?

O rapaz fez uma reverencia aos três.

— Milady, milorde, senhor, Macimber me enviou. — Seu olhar pousou em James.

— Veio o deão de Gloucester e está esperando para vê-lo, senhor. Não ficará para

passar a noite, mas tem uma comunicação urgente do bispo e deve vê-lo

imediatamente.

Jack, de pé junto ao vigário, sentiu que uma sensação de relutância o dominava

seguida de perto pela resignação. James suspirou.

— Obrigado, Dickens. Irei agora mesmo.

Fez gesto de passar à frente de Clarice, mas ela se virou apressadamente para

seu primo.

— Eu também irei claro.

Jack ocultou um leve sorriso.

— Iremos todos. — Olhou para Clarice nos olhos. — Claro.

***

Ela hesitou durante um instante e assentiu virando-se para seguir Dickens pelo

caminho.

— Penso James, que devo insistir em que acate os desejos do bispo. — O deão

Halliwell, deão rural que representava o bispo de Londres, se esforçou ao máximo

para não encontrar-se com o olhar de Clarice. — Deve permanecer em sua

paróquia de Avening até que se complete a investigação sobre estas acusações.

— Essas acusações são uma estupidez — afirmou ela com uma altiva censura em

seu tom. — Mas se o bispo está tão equivocado para dar-lhes algum crédito, então,

a melhor pessoa para refutá-las é o proprio James.

Sentado em uma das poltronas do estúdio do vigário, com os dedos de ambas as

mãos, unidos diante dele em um gesto defensivo, o deão Halliwell inclinou a cabeça

com cuidado.

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— Seja como for...

— Estou certa que sugerir qualquer outra coisa seria uma injustiça. — Sentada

com ar regio em outra poltrona, Clarice cravou o olhar no desventurado deão. —

Não poderia qualificar como justo o fato de meu primo não conhecer quais encargos

o acusam nem que se lhe dê a oportunidade de defender-se deles.

O deão fez uma tensa inspiração.

— A Igreja tem seus proprios procedimentos em assuntos deste tipo, lady

Clarice.

A expressão dela se tornou ainda mais pétrea. Ergueu as sobrancelhas.

Antes que pudesse pronunciar a virulenta censura que estava se formando em

seus lábios, Jack se mexeu em sua poltrona ao lado da dela e atraiu a atenção do

deão.

— Talvez — começou em tom calmo e nada ameaçador — poderia explicar-nos

estes procedimentos.

Como havia suposto, o deão Halliwell estava ansioso e disposto a fazer o que

fosse para aplacar a ira da dama sentada a direita de Jack.

— Creio que o bispo em pessoa escutará o caso dentro do palácio. Compreende?

— Halliwell se apressou a acrescentar: — De todo modo, o procedimento será o

mesmo, mas com um tribunal integralmente eclesiástico. Designa-se um acusador

e um defensor.

— E quem serão esses indivíduos? — perguntou Clarice.

Seu tom era glacial. O deão Halliwell tentou não estremecer.

— Suponho que o acusador será o diácono que apresentou as acusações diante

do bispo.

Ela abriu os lábios, sem dúvida, para arremeter contra o diácono Humphries,

mas Jack interveio:

— E o defensor?

Ignorou a furibunda olhada de Clarice.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Outro diácono chamado Olsen. — O deão Halliwell pareceu agradecer a

intervenção de Jack. Olhou para James. — Sei que o deão Samuels desejava

defendê-lo, mas o bispo disse que não seria prudente um partido tão manifesto por

parte de seu assessor principal.

De soslaio, Jack viu como Clarice apertava os olhos. Tinha interpretado esse

último comentário como ele. Não seria prudente para a Igreja, não para James.

Mas se sentiu aliviado ao ver que apertava os lábios e os mantinha fechados.

Atrás de sua incredulidade inicial diante do edito do bispo que o confinava em

Avening, James se mostrara cada vez mais contido e deixou que Clarice e Jack

discutissem todas as perguntas. Ele continuou sondando e deduzindo tudo o que

pode do deão Halliwell e Clarice o apoiou habilmente, ainda que suas contribuições,

sobretudo não fossem verbais.

Finalmente, o homem se desculpou e saiu praticamente fugindo, com a aguda

olhada de Clarice cravada nas costas. Uma vez que sua carruagem se afastou pelo

caminho, os três regressaram ao estúdio. James caiu devagar em sua poltrona

atrás da escrivaninha, como se quase não pudesse crer no que acabava de

acontecer. Seu olhar era distante e o mantinha fixo na parede. Sua mente estava

longe.

Jack podia compreendê-lo — duas horas antes, seu amigo não tinha nem idéia

que houvesse alguma nuvem em seu horizonte e muito menos uma tormenta dessa

magnitude. — Sua reação estava em consonância com a de Clarice, que passeava

nervosa, com os braços cruzados sob os seios e as saias agitando-se cada vez que

se virava. Tinha o cenho franzido e era evidente que dava voltas ao que devia fazer

a seguir, qual seria a melhor reação e como deviam proceder para limpar o bom

nome de seu primo.

— Bem! — James soltou uma exalação. Seu olhar seguia distante.

Jack olhou Clarice nos olhos e ergueu as sobrancelhas. Ela o olhou com o cenho

franzido durante um momento e logo fez um gesto desdenhoso.

— Oh, sente-se, por Deus santo. Não é momento de ser cerimonioso.

Ainda que, claro, ela se cingira a cerimônia enquanto o pobre deão estava lá.

Jack reprimiu um sorriso e se sentou em uma das poltronas. Contemplou James.

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Aquela era sua batalha, assim, ainda que Jack tivesse toda a intenção de fazer o

que estivesse em sua mão para ajudá-lo, necessitava conhecer sua opinião.

— Terei que ir a Londres e reunir a família.

A afirmação de Clarice, dita em um tom que não deixava lugar a discussões, fez

com que seu primo erguesse a cabeça.

— Oh, não, querida. Não há nenhuma necessidade... O bispo entrará em razão,

estou certo. — A seguir, olhou a Jack. — Não acredita rapaz?

Ele não o acreditava, mas Clarice o salvou de ter que responder.

— Para começar, se o bispo está disposto a perder seu tempo, e o de muitos

outros, reunindo um juízo privado para ouvir o caso, então, não há nenhum motivo

para não supor que terá influencia de qualquer que sejam os falsos argumentos que

lhe apresentem.

“Exato.”

— Creio que necessitaríamos responder a isso, James — interveio Jack,

agradecido uma vez mais por poder dar um enfoque sereno e tranqüilizador que

mitigasse a dor provocada pela acerba verdade expressada de um modo tão

resoluto por Clarice.

O vigário franziu o cenho a ele e a sua prima, que parou e lhe susteve o olhar.

Depois de um longo momento, o homem pareceu deixar de lado seus pensamentos.

— Não. — Recostou-se para olhar a ambos. — Isto é uma tormenta em um copo

de água, sem dúvida provocada pela lamentável inveja de Humphries. A resposta

mais apropriada será ignorá-lo. Quanto menos se disser, antes se arrumará.

Clarice inchou o peito ao inspirar.

— Não, James. Neste caso não. — A voz de Jack já não era tranqüilizadora.

Havia um toque de aço nela. — Se não desafiar e anular essas acusações e o bispo

decidir que deve responder a elas, o encargo que se apresentará diante de

qualquer tribunal civil será o de traição.

James sorriu.

— Mas essa é a questão, querido rapaz. Ninguém em seu são juízo acusaria a

um Altwood de traição.

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O bufar de Clarice foi eloqüente.

— Por Deus santo, James! O único motivo pelo qual o bispo convocou um

tribunal privado foi pela família, mas ainda assim o fez e está investigando as

acusações.

— Mas se são falsas.

Ela olhou ao teto para que seu primo não pudesse ver a exasperação em seus

olhos.

— Isso o bispo não sabe. De fato, é evidente que não sabe o que acreditar; e

sem você ou outra pessoa agindo em seu interesse para demonstrar que essas

provas e acusações são falsas, pode ser que nunca veja algo, o que suscitará uma

grande dúvida sobre sua integridade.

— Sobre sua honra, James. — Jack lhe susteve o olhar quando o dirigiu para ele.

— Clarice tem razão. Necessita de alguém que olhe mais por seus interesses que

um simples funcionário designado para estudar isto em seu nome. Conhece esse

homem? A Olsen?

Uma centelha de incerteza atravessou o olhar de James. Abaixou o olhar e

pegou um peso de papéis.

— Conheço-o.

Aguardaram. Clarice junto a poltrona de Jack, com o olhar fixo em seu primo.

Finalmente, o apressou em um tom de clara exigência.

— E?

James fez uma careta e suspirou.

— É jovem. Deram-lhe o cargo no ano passado. Era um capelão do exército, de

um dos regimentos. O bispo o tomou ao seu cargo quando regressou de Waterloo.

Jack sentiu como estalava o gênio dela, ainda que não fosse dirigido a ele.

— Assim, sua defesa está em mãos de um novato...

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— Na realidade — interrompeu Jack, — pode ser que Olsen seja útil. — Olhou-a.

— Neste caso, um homem com experiência no campo de batalha é melhor que

outro que não a tenha.

Clarice o olhou nos olhos e fechou a boca assentindo.

— Certo. — Voltou-se e começou a passear de novo. — De todo modo, como

você não pode ir. Vai precisar do nosso apoio para assegurar que Olsen tenha todos

os argumentos corretos e qualquer prova que necessitar para demonstrar que as

acusações são mentirosas.

Depois de um momento, acrescentou:

— Sairei para Londres pela manhã.

— Querida! — James parecia angustiado. — De verdade, não é necessário.

— Sim, sim, é. — Não deixou de passear. — Por muito privado que seja o

tribunal do bispo, a história virá à luz. Pode estar certo disso. Nossa família ficará

horrorizada. — Olhou para seu primo. — Sou perfeitamente consciente do tipo de

recebimento que posso esperar de nossos parentes se corro a eles em meu nome.

Mas por você, para contra atacar um possível escândalo, estou certa que não só me

escutarão, mas farão tudo o que for necessário.

— Não. — James começou a mostrar-se teimoso. — Não deixarei que te submeta

a...

— Ela tem razão, James.

Jack foi premiado com uma surpresa, mas aprovadora olhada de sua Boadicea.

Não sabia por que James pensava que ela se veria submetida a alguma situação

indigna, mas Clarice tinha razão e, como ele estava desenvolvendo seus próprios

planos em sua mente, não acreditava que se visse submetida a nada indigno.

— Exato. — Ela assentiu com determinação. — Irei com as primeiras luzes...

Sem levantar a voz, Jack a interrompeu:

— Sem dúvida, antes que eu mesmo vá a Londres, quero ter todos os fatos

relevantes. Datas e uma lista de todos os artigos que publicou na última década,

assim como um resumo de tudo o que investigou durante esse tempo, com quem

manteve correspondência, e quando, em quais datas viajou e onde, e com quem

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falou enquanto esteve fora, os nomes de todos os soldados aos quais entrevistou...

Quando tiver tudo isso, sairei para a cidade.

Não se surpreendeu ouvir Clarice dizer:

— Então esperarei e irei com você.

Olhou-a nos olhos.

— Como James disse, realmente não há necessidade e eu conto com os contatos

adequados para fazer o que deve ser feito.

Clarice viu a calma certeza de seus olhos e levou um momento para escutar seus

instintos, que eram demasiado temerários, como já lhe tinham dito muitas vezes.

Mas nunca foi capaz de sentar-se e esperar, pensando no que estava acontecendo.

— Sem dúvida. Mas assim mesmo, acompanharei você a Londres.

Lançou um olhar de advertência a James, estava decidida. Não escutaria

nenhum argumento. Nem seu primo nem ninguém tinham autoridade sobre ela.

— Nossa família tem que saber. — Olhou a Jack. — Não conhecem você, mas,

para minha desgraça, a mim sim.

***

Jack se limitou a inclinar a cabeça. Se o fez como gesto de verdadeira aceitação

de sua decisão ou com alguma vaga esperança que pudesse mudar de opinião mais

tarde, isso Clarice não o sabia, mas em todo caso ele deixou correr o assunto. Ao

contrario de James, que só conseguiu gastar saliva e irritá-la.

Ela sabia o que estava fazendo. Tanto nesse assunto, como no outro.

Com calma caminhou através das sombras da noite e cruzou a ponte. Dirigia-se

para a colina, para o templete e para Jack. Para seus braços, seu corpo e a

excitação que havia encontrado com ele. Não estava certa se seria o mesmo nessa

segunda noite, mas estava ansiosa por descobri-lo.

Jack se desculpou pouco depois que ela anunciou que iria também a Londres

com ele. Quando o acompanhou a porta principal, ele aproveitou o momento para

sussurrar-lhe ao ouvido e Clarice, após reprimir um estremecimento, acedeu que

voltassem a encontrar-se nessa noite.

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O templete se levantava diante dela, a porta, uma vez mais, estava aberta. A

antecipação inundou suas veias. Sorrindo para si mesma, acelerou o passo e

avançou ansiosa.

Das amplas janelas do templete, Jack observou como Clarice surgiu entre as

sombras das árvores e com um passo ligeiro e seguro, subiu a escada, para ele. A

expectativa o dominou definida, extraordinariamente poderosa e estranhamente

irresistível.

Não só a expectativa pelo deleite sensual, mas pela possibilidade de implicar-se

mais totalmente com ela, por essa outra oportunidade que teria de cortejá-la, outro

passo em sua campanha para ganhá-la.

Jack sabia o que queria, mas não acabava de compreender realmente por que. O

que sentia era inquestionável. O que desejava e necessitava estava claríssimo. Sem

embargo, a via com clareza e se conhecia bem a si mesmo e não podia

compreender o que dera lugar a conexão existente, que já era tão forte, ao menos

para ele.

O bastante forte para atá-lo, para obrigá-lo.

Virou-se quando ela entrou. Clarice o viu, sorriu com sua acostumada segurança

e fechou a porta se aproximando dele.

Usava um vestido claro e delicado que se agitava ao redor da longa linha de suas

pernas. Deixou que o xale se deslizasse pelos braços e caísse na cabeceira do sofá

cama.

Avançou ao tempo que tombava levemente a cabeça para observar seu rosto

sob a tênue luz e só parou quando se encontrou peito a peito com ele.

Jack lhe rodeou a cintura com as mãos quando ela levantou os braços e os

apoiou em seus ombros.

Clarice examinou seu rosto mais de perto.

— Queria falar de James?

— Não. — Jack lhe susteve o olhar, maravilhado por seu contato entre suas

mãos, ágil, cálida, forte de um modo essencialmente feminino, maravilhado pelo

que o fazia sentir. — Não quero falar, nem de James... Ao menos, ainda não.

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Sua voz soou baixa, áspera, grave pela promessa da paixão.

Clarice sorriu quando ele abaixou a cabeça.

— Bem.

Então o beijou. E ele a beijou também.

Durante um longo momento, ambos lutaram pela supremacia. Logo, com um

suave suspiro que Jack sentiu até o mais profundo de seu ser, Clarice se rendeu e

lhe cedeu o direito de escrever a guia da obra, como fizera na noite anterior.

Era isso, essa não rendição, mas confiança, que o sacudia, que provocava nele

semelhante resposta, e o incitava a tomar tudo o que ela lhe oferecia, a consumir,

desejar e exigir mais.

Tê-la poderia converter-se facilmente em um vício.

Quando fechou a mão sobre um voluptuoso seio, o massageou possessivo e

sentiu sua potente resposta, a qual ela não podia evitar, mas que, descarada,

tampouco tentava negar. Sentiu que as garras do desejo lhe cravavam mais

profundamente e soube que já estava perdido. Não serviria nada tentar resistir,

nem aquela mulher nem a potente onda de sensações que despertava nele.

Jack também se rendeu e simplesmente se entregou aquela paixão que surgia

tão rapidamente entre os dois. Encontravam-se junto à janela, e com presteza,

mas sem pressa tiraram a roupa. Nus, se abraçaram enquanto seus lábios

tentavam, suas línguas seduziam, suas bocas se uniam somente para separar-se

em um suspiro. Suas peles se aqueciam ao roçar-se. Suas mãos tocaram,

exploraram, acariciaram explicitamente.

Clarice não mostrava nem rastro da hesitação, do pudor próprio de uma jovem

sem experiência nesse tipo de jogo. Era sua confiança, sua segurança ao avançar,

ao aceitar a verdade da intimidade e fazer-lhe frente com uma inquebrantável

vontade o que ocultara sua inexperiência. Inclusive nesse momento, Jack a

percebeu como uma verdadeira companheira, que permitiu guiá-la, mas que era o

bastante forte para tomar também o comando se lhe cedesse o controle...

Essa idéia o tentou, o seduziu. Na noite anterior, impulsionado por uns primitivos

impulsos que não desejava examinar com demasiada atenção, prendeu-a sob seu

corpo, capturou-a entre as almofadas e encheu-a e cavalgou-a até ao êxtase três

vezes. Ela arquejou, gemeu e, ao final, gritou sua rendição, mas não foi vencida.

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Jack o sentiu mais como se ele, ao absorver seus gritos, ao tomá-la de um modo

tão possessivo, a tivesse reconhecido como sua rainha, aquela que podia impor-se

sobre ele.

Agora lhe respondia, punha-se a sua altura e o urgia a continuar. Usava seu

corpo para incitá-lo descaradamente.

Jack não podia pensar, só reagir. Pegou-a pela cintura, a fez virar-se para

colocá-la de costas e colou-a com força contra ele.

Imediatamente, sentiu como ela se esticou e se amoldou ao seu corpo; jogou

para trás os braços, e uns longos dedos se deslizaram pelos tensos músculos, sobre

seus músculos e se aferravam a eles para acariciá-los. Audaz, usou a turgência de

suas cadeiras para aproximar-se dele, lhe roçou a entre perna e usou seu

exuberante traseiro para acariciar sua ereção.

Era o bastante alta, assim, Jack lhe rodeou a cintura com um braço, lhe fez

elevar as cadeiras e ouviu como conteve a respiração quando o amplo extremo de

seu membro se deslizou entre suas pernas. Quase no instante, encontrou a

entrada, já úmida e acolhedora.

Avançou enquanto a fez descer e jogar-se para trás para enchê-la milímetro a

milímetro. O abrasador calor de seu resvaladiço canal o envolveu com força.

Abaixou a cabeça até colocá-la a altura da sua e não pode reprimir um grunhido de

prazer.

Um estremecimento de deleite percorreu sua coluna dorsal. Clarice se arqueou

contra ele e arquejou levemente quando a fez descer esse último centímetro,

submergindo-se por completo em seu interior. Quando tocou o solo com os dedos

dos pés, Clarice tentou mover-se contra ele, experimentar. Jack conteve a

respiração e esticou o braço ao seu redor. A fez inclinar-se ao mesmo tempo em

que a segurou com força para imobilizá-la retroceder um pouco e logo avançar com

ímpeto.

Ela ficou sem alento. Jogou a cabeça para trás e, com os olhos fechados,

saboreou a calorosa força masculina que a rodeava, enquanto ele segurou seu

corpo e a encheu, devagar, repetidas vezes, até que pensou que gritaria de

frustração. Mas na noite anterior aprendera o suficiente para saber que Jack sabia o

que fazia e no final lhe faria sentir um prazer que, em sua inocência, não pudera

imaginar. Assim, cedeu e se permitiu segui-lo em lugar de tentar assumir o

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comando. Deixou-se levar pela sensual onda que ele criou, deixou-se arrastar, que

se elevasse e crescesse.

Cada vez mais alto, mais longe.

Mais profundamente e rápido, até que o calor os atravessou, ardeu sob suas

peles, até que uma fogueira prendeu em seu interior e essa onda seguiu crescendo

com cada firme investida e os movimento das pernas dele contra a parte posterior

dela; com cada penetração e cada invasão de seu corpo com o dele.

De repente, Jack sentiu que uma mão se fechou sobre seu peitoral. Com força, o

massageou possessiva. Essa ação desviou sua atenção, logo seus dedos

encontraram o mamilo e o fizeram girar. Acariciaram-no de maneira provocadora e

o apertaram justo ao mesmo tempo em que ele a investia mais profundamente.

As sensações, brilhantes como um raio, a atravessaram. Soltou um grito

sufocado e o agudo som ressoou na silenciosa sala. De repente, Clarice teve

consciência da respiração de ambos, a dela, entrecortada e fraca, a dele, áspera

junto ao seu ouvido.

Jack abaixou ainda mais a cabeça e lhe percorreu o sensível pescoço com os

lábios. Seus dedos voltaram a fechar-se cada vez mais fortes. Apertou ao mesmo

tempo em que flexionava as cadeiras ao ritmo de sua posse mais íntima. A mão

estendida em seu estômago se apertou, elevou-a meio centímetro e lhe inclinou as

cadeiras um pouco mais.

Quando a investiu mais profundamente e com mais ímpeto, seus sentidos se

quebraram, se fizeram em pedaços como se fossem de cristal. As intensas

sensações percorram seus nervos, deixando-os abrasados, anelantes. A pele lhe

ardia, incrivelmente sensível. Todo seu corpo cobrava vida com cada carícia, cada

roçar, cada profunda investida.

Cada sensação se convertia em um intenso estímulo. Peças desconexas de um

todo caleidoscópio que girava cada vez mais alto, rápido e forte, até que estalou e

se acabou. Sua realidade se fragmentou e deixou que o êxtase a inundasse. Seu

corpo se convulsionou e ficou tenso durante um longo momento e logo a liberação

a atravessou quando ele se uniu a ela, quando ficou rígido as suas costas e a

preencheu uma última vez.

Sentiu como sua calidez a inundava, sentiu o calor de seu áspero fôlego no

pescoço.

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Jack a segurou com as mãos, colada a ele como se seu corpo fosse uma dura

jaula ao seu redor. Moveu a cabeça para dar-lhe um beijo ardente ainda que

delicado no ombro.

Com um leve sorriso, Clarice se inclinou para ele no paraíso de seus braços.

***

Não estava muito segura de como chegara até o sofá cama, mas quando abriu

os olhos, estavam deitados nele. Tinha a bochecha apoiada nos pesados músculos

do torso de Jack. Sentia sua pele cálida, como o resto de seu corpo. Ainda podia

notar grande parte de sua pele colada a dela.

Jack estava deitado de boca para cima com ela em cima, relaxadamente

encolhida em seus braços e tinha acomodado as cadeiras entre suas pernas

abertas. O fato de levantar a cabeça requeria mais esforço do que podia fazer,

assim, se moveu o justo para poder olhá-lo no rosto.

Ele tinha um braço apoiado sobre os olhos, mas notou seu olhar e o levantou.

— Consegui trazer-nos até aqui, esqueceu que nos movemos em um segundo.

Clarice sorriu e voltou a apoiar a cabeça em seu peito, naquele lugar tão

confortável. Saboreou isso também, os momentos de silencio posteriores, quando,

envolvidos em uma resplandecente calidez, tranqüilos e imóveis, os dois pareciam

tão livres, os momentos em que podiam ser eles mesmos sem ter que ser o que o

mundo decretava que fossem, um lorde e uma lady. Nesses instantes, eram

simplesmente eles. Ela e ele, sem nenhuma estrutura social... Em alguns aspetos,

sem nenhum escudo.

Isso a intrigava; centrou sua mente não perto, em como se sentia aberta com

ele. Ou descontrolada. Não era simplesmente a intimidade física o que a fazia

sentir-se assim. De fato, isso era um sintoma, uma conseqüência, não a causa. A

causa, a razão que se sentisse tão diferente a respeito a Jack e o tratava — agia

com ele— de modos tão diferentes aos que ditava sua norma era mais complexa.

Ou talvez mais simples.

Ele a compreendia, ou parecia fazê-lo, e ela, em grande medida, o compreendia.

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Por isso, era o único homem de sua classe ao qual considerava, ou inclusive

pensava em pedir-lhe conselho. O único cujo conselho acreditava que poderia ter

valor.

Seu corpo estava se esfriando, uma leve brisa entrava através da janela aberta e

lhe percorria a pele com uns frios dedos. Reprimiu um estremecimento; não queria

que voltasse a abraçá-la, ainda não, assim, se incorporou. Ignorando o olhar que

lhe lançou por debaixo do braço, deslizou a mão por debaixo de seu corpo e pegou

seu xale. Sacudiu-o e o colocou sobre os ombros. Finalmente, esticou as pernas, se

levantou e, sem olhar atrás, se aproximou das janelas.

A noite era uma mescla de sombras e tênue luz de lua, apagados e distantes

rangidos e o sussurro da brisa. Se lhe pedisse conselho, esperaria Jack que o

seguisse?

Valorizava o suficiente suas opiniões para discutir com ele? Desejava saber

realmente o que pensava?

Voltou-se. Através da penumbra, o olhou nos olhos.

— Estou preocupada por James.

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Capítulo 9

Jack a olhou. Estava ereta e imóvel, o xale não ocultava em absoluto as

cativantes linhas de seu corpo. Aquelas longas linhas decorosamente cobertas e

iluminadas pelo sol o distraiam. Vestida só com o perolado brilho da luz da lua,

exalava um poder mágico que cativava sua mente. Esforçou-se para levantar a

vista até seu rosto, para fixá-la ali.

— Preocupada em qual aspecto?

Franziu o cenho.

— No parece reagir à ameaça dessas acusações como deveria.

Jack pensou nele, na reação de James e o diferente que fora da dele ou da dela.

— Não parece compreender que não é suficiente levar o nome da família. Que

isso só não o protegerá.

Deixou-o perplexo que o visse tão claro.

— James não entende o poder. — Incorporou-se e se relaxou sobre o respaldo

levantado do sofá-cama. — Nunca o entendeu realmente. Nasceu no seio de uma

família poderosa. Assume que esse poder será seu ou, ao menos, lhe servirá,

unicamente porque leva esse nome.

Clarice emitiu um som suspeito similar a um bufo. Cruzou os braços e envolveu

seu corpo com o xale. Apoiou-se no marco da janela e disse:

— Você e eu sabemos que se equivoca. O poder não é algo passivo, que está aí

esperando para fazer seu trabalho, como uma porta ou uma cerca. O poder nem

existe se não o exercemos.

Falava como alguém que soubesse do assunto e Jack inclinou a cabeça.

— James não mudará. Não vê a necessidade e, na realidade, duvido que possua

a capacidade de exercer o poder que o nome Altwood lhe daria se escolhesse fazer

uso dele...

Inclusive antes que ela assentisse decidida, Jack viu onde o queria levar.

— Exato. — Regressou ao sofá-cama. — Por isso necessito ir a Londres e exercer

eu o poder da família em seu lugar.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Deteve-se junto ao sofá, ao seu lado, e o olhou nos olhos.

— Você o entende.

Era uma afirmação, não havia nem rastro de interrogação.

Jack sentiu que lhe endurecia o semblante e a pegou pela mão.

— Entendo por que se sente assim.

Atraiu-a para a cama, para seus braços, para ele e a beijou. Soube que Clarice

supôs que a discussão acabara pelo modo em que a deixou de lado tão facilmente e

lhe respondeu, ardente e ansiosa de experimentar mais. Acreditou ter vencido.

Não era assim, mas ainda não estava preparado para seguir com o assunto de

sua viagem a Londres para defender James. Ela tinha razão; Jack entendia de

poder e como exercê-lo. Sendo assim, não havia nenhum verdadeiro motivo para

que Clarice fosse à capital, sobretudo se isso implicava algum problema. Mas...

Havia outras questões que considerar, como se, por muito persuasivo que ele

fosse, ela acederia a ficar em Avening.

Essa, sem dúvida, seria uma discussão para outro dia. Essa noite seguiu seu

exemplo, deixou o assunto de lado e se dedicou a outro que apreciava mais,

gostava muito mais o lorde guerreiro que ele era na realidade.

Atraiu-a para seu corpo, tirou-lhe o xale e se dedicou a conquistá-la.

Essa, ao menos, era sua intenção. Não obstante, quando se esforçou para fazê-

la rodar debaixo dele, Clarice interrompeu o beijo, retrocedeu e lhe plantou as

mãos no torso para incorporar-se na crescente obscuridade.

Ele já tinha separado-lhe as longas pernas e lhe fizera levantar os joelhos, já lhe

acariciara a inchada carne entre elas, pelo que, quando se jogou para trás, se

encontrou sentada sobre seu abdômen e seu almiscarado aroma inundou o cérebro

de Jack. Já estava anelante, tenso com a expectativa de submergir sua palpitante

ereção em seu acolhedor calor, pelo que teve que conter a respiração, apertar a

mandíbula e reprimir-se o suficiente para descobrir qual seria o seguinte objetivo

dela e decidir se o permitiria ou não.

Clarice se deixou cair. Suas pernas bem torneadas, branco marfim em contraste

com a pele mais escura dele, o aferravam pelas costas quando se sentou em cima

encavalada.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Tinha o olhar fixo em seu torso, que percorreu com as mãos desde o centro para

fora, deslizando-as pelas amplas bandas de seus músculos e seguiu por seus

ombros e braços até as munhecas, e lhe rodeou com os dedos. A seguir, as

levantou e se inclinou para diante até que Jack sentiu a madeira da borda superior

do sofá-cama contra as mãos.

— Deixe as mãos aí.

Uma ordem. Nem olhou para ver se a obedecia. Soltou-o e voltou a centrar a

atenção em seu torso.

A expressão de seu rosto, intensa, concentrada ainda que refletiva, calculadora,

fez com que fechasse as palmas ao redor da madeira.

— Não as mova a menos que eu te dê permissão.

Jack reprimiu uma risadinha diante do seu tom autoritário. Manteria as mãos

afastadas dela exatamente o tempo que ele desejasse e não mais. Mas aguardou

para ver o que faria, que novo aspecto de si mesma revelaria sua rainha guerreira.

O conhecimento era a rota mais segura para a vitória.

Clarice olhou-o nos olhos. Claramente decidida, com um plano definido, se

inclinou para diante, voltou a apoiar-lhe as mãos no torso e o beijou. Cobriu-lhe os

lábios, e, quando ele os abriu, lhe introduziu a língua na boca. Explorou,

descobriu... Jack se relaxou debaixo dela, se manteve o mais passivo possível e a

deixou fazer a seu desejo. Deixou que tomasse dele o que quisesse e lhe desse

também o que quisesse em troca.

Permanecer indiferente sob a acalorada doçura de seu beijo, as demandas mais

definidas de seus lábios e sua língua, era impossível, assim, respondeu, mas tentou

implicar-se o mínimo possível para poder seguir pensando e observando-a.

Isso não a acalmou; o beijo se tornou sensual, não só como a chamada de uma

sereia, mas cativante, invocando a besta que havia nele. Provocou-o

deliberadamente até que aquele varão tão pouco civilizado se libertou das

restrições que ele mesmo se impusera e surgiu para liberar uma sensual batalha

com ela...

Isso era o que Clarice desejava.

No mesmo instante em que investiu sua boca vorazmente, percebeu sua

satisfação.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Uma satisfação que a excitou claramente quando se moveu e fechou ambas as

mãos ao redor de seu rosto, elevando-se por cima dele, mantendo-o imóvel

enquanto se unia em um glorioso intercambio de calor, fogo e promessa.

A batalha continuou até que os dois arderam e as chamas pareceram crepitar,

saltaram chispas no mesmo ar ao seu redor.

De repente, Clarice interrompeu o beijo. Olhou-o com seus escuros olhos

resplandecentes pela paixão e algo que ele reconheceu como determinação

feminina. Os dois estavam acalorados, os dois sentiam desejo e suas respirações já

eram dificultosas e rápidas.

Devagar, ela abaixou a vista até seu torso. Inspirou o ar, seus seios incharam e

retrocedeu e ainda encavalada sobre Jack, lhe fez levantar a cabeça, se abaixou e

colocou os lábios em sua garganta. Beijou, acariciou, lambeu, percorreu-lhe os

duros tendões com os dentes.

As sensações e o desejo o inundaram. Fechou os olhos e apertou as mãos ao

redor da madeira por cima da cabeça. Agüentou seu contato e suas atenções, todo

o tempo, plenamente consciente de seu corpo; toda ela corada sedosa e úmido

calor, suave e forte, uma combinação única para mover-se sobre ele, que só o

tocava onde os músculos e as panturrilhas lhe aferravam as costas, com a maior

das tentações a escassos milímetros por cima de sua rígida carne.

A única coisa que pode fazer foi apertar a mandíbula e agüentar.

Clarice foi minuciosa, mas não perdeu tempo. Avançou prestando atenção à

fenda entre suas clavículas. Deteve-se para lambê-lo ali, fechou a boca sobre a

pulsação rápida e forte na base do pescoço e sugou antes de descer para o torso.

Deslizou os dedos pelo velo encaracolado que o adornava e deixou-o levemente.

Jack entreabriu os olhos, mas descobriu que ela não desejava sua atenção. Estava

ocupada examinando-o. Viu-a aproximar a boca de um mamilo, moveu a língua

sobre ele, mordeu-o com delicadeza, apertou...

Jack respirou e fechou os olhos. Pareceu-lhe que ia romper a mandíbula. Mas

Clarice não havia acabado, parecia que não fizera mais que começar.

Com os olhos fechados, seguiu seu avanço. Jack tentou predizer sua intenção,

sufocar a tormenta que sua inocente ainda que descarada exploração descarregava

em seus sentidos, mas só pode conter parcialmente o incrível aumento da paixão,

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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de uma fome que, uma vez que surgisse com sua força, não podia ignorá-la. Pode

sentir como aumentava nela também, as crescentes chamas em seu contato, no

agarre dos dedos sobre sua pele, no ataque cada vez mais voraz de sua boca e de

sua língua.

Quando, depois de explorar seu umbigo todo o tempo que quis, seus lábios

desceram mais para seguir a linha de velo que lhe chegava até a entre perna, Jack

exalou.

Logo se incorporaria. Em algum momento durante sua exploração, foi

deslizando-se para trás e agora tinha as pernas presas entre as dela, debaixo dela.

Encheu os pulmões e tornou a soltar uma exalação. Sobreviveu a tortura.

Começou a pensar em uma resposta apropriada, nos tormentos que poderia usar

com ela; estava a ponto de abrir os olhos, de soltar a madeira e abaixar os braços

quando Clarice o tomou em sua boca.

Uma sensual comoção o atravessou. Os músculos se esticaram com tanta força

que lhe doeram, submergindo ainda mais a carne que ela introduzira entre os

lábios e todo pensamento desapareceu de sua mente. Clarice moveu a língua,

lambeu e sugou.

Jack ficou sem respiração. Conteve o ar e depois o deixou escapar em um

entrecortado grunhido quando ela se centrou na tarefa que a ocupava. Todo ele

ficou tenso sob seu corpo e esticou os dedos sobre a borda de madeira.

— Não mova as mãos.

Suas palavras soaram sensuais, graves, cheias de poder feminino. Falara por

cima dele e seu alento aumentou outro nível de calor sensorial que brincou sobre

sua anelante ereção.

Clarice voltou a fechar a boca ao seu redor, sugou com força e Jack esteve

seguro de que viu estrelas na parte interior das pálpebras. Era inocente, mas tinha

muito boa idéia do que estava fazendo. Centrou-se nisso, se aferrou a essa

contradição.

Como sabia?

Uma centelha de memória lhe respondeu e uma imagem dela retorcendo-se

debaixo dele, logo outras recordações visuais de quanto a pressionara na noite

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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anterior. Muito mais do que normalmente o fizera com uma dama experimentada,

mas apesar de sua inexperiência, Clarice não se escandalizara nem assustara...

Seu conhecimento teórico era maior que o normal. Quando seu corpo se elevou

com suas atenções, quando outro grunhido mais profundo surgiu de seu peito,

compreendeu mais completamente o que era aquilo, com que estava tratando.

Uma rainha guerreira que havia se negado a si mesma durante demasiado

tempo. Uma rainha que havia desejado e não fora capaz de ter o que queria, mas

sabia o que perdia.

Estava decidida a aproveitar a oportunidade, a deleitar-se nele, a desfrutar de

tudo aquilo e dele ao máximo.

Teve que esforçar-se para respirar, lutar para recuperar e conservar certo grau

de controle, para fazer alguma idéia de como poderia recuperar a iniciativa. Se não

o fizesse logo...

Seus exploradores dedos encontraram os testículos. Moveu-os, apertou-os

delicadamente enquanto deslizava a outra mão e a fechava, firme e segura, ao

redor da base de sua rígida longitude para sustê-lo enquanto o percorria com a

boca, os lábios e a língua.

— Basta! — Apenas pode pronunciar a palavra.

Soltou a madeira, abriu os olhos e a viu libertá-lo e erguer a vista com as

sobrancelhas levemente erguidas e uma expressão descaradamente provocativa

que lhe dizia com total clareza:

“Tem certeza?”

Jack esticou os braços até ela, mas Clarice se enrolou e lhe pegou as mãos,

entrelaçou os dedos com os seus e se elevou por cima dele ainda encavalada.

— Não estou muito segura de como funciona isto...

Jack não conseguia falar, assim, dirigiu-a com as mãos, empurrou-a para trás e

observou como a avermelhada ponta de sua ereção roçava e se deslizava sobre sua

inchada carne. Não podia suportar mais torturas, assim, com um rápido

movimento, liberou as mãos das dela. Pegou-a pelas cadeiras, empurrou-a para

cima e a fez jogar-se para trás e para baixo. Fechou os olhos e grunhiu quando seu

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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abrasador canal o acolheu, quando seu fogo o envolveu e se fechou ao seu redor,

apertado.

Com um entrecortado e sufocado suspiro, abriu os olhos e olhou os dela, escuros

e ardentes.

— Disse para não mover as mãos.

Não se queixava, mas bem o pedia.

— Agora as necessita.

Jack lhe pôs as mãos sobre as cadeiras para elevá-la, e a guiou de novo. Em

questão de segundos, Clarice captou o ritmo e começou a cavalgá-lo por si mesma.

Ele estava meio incorporado, com os ombros elevados graças ao sofá-cama. Ela

estava montada sobre ele, com as mãos sobre seu peito. Tinha uma vista perfeita,

que observou com atenção.

Quando Clarice começou a experimentar, se submergiu mais profundamente, o

acariciou de maneira superficial e logo grudou as cadeiras as dele, Jack tomou ar

bruscamente, ergueu a vista e tentou pensar em outra coisa.

Seus seios, voluptuosos, inchados, com os mamilos excitados, subiam e

abaixavam diante de seu rosto. Jack conseguiu sorrir apesar de se sentir tenso pela

paixão. Levou as mãos até seus seios e as fechou ao redor dos suntuosos

montículos, massageou-os e a ouviu arquejar. Disposto a satisfazer seus sentidos,

já extremamente excitados, a deixá-la tão louca como ele se sentia, enquanto

Clarice subia e abaixava sobre seu corpo sem parar, tomando-o profundamente,

acariciando-o com abandono. Os longos músculos de suas pernas, bem torneadas

por anos cavalgando, se tornaram muito úteis; Jack cada vez estava mais certo que

agüentaria mais tempo que ele e isso era algo que não permitiria.

Incorporou-se, aproximou a boca a seus seios e a ouviu soltar um grito

sufocado. Recordou então dos gemidos que lhe arrancara na noite anterior e se

propôs voltar a ouvi-los.

Centrou-se em seus seios enquanto ela o cavalgava incessantemente,

inquebrantavelmente até o êxtase. Quando o cume foi inevitável e o precipício

pairava sobre eles; quando sentiu que seu corpo se tensava de modo inexorável

debaixo do dela, deslizou uma mão com força, possessiva, pela parte dianteira de

seu corpo, pela cadeira, fechou-a brevemente sobre o traseiro, e o apertou;

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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percorreu a linha entre o músculo e a nádega e abaixou até os úmidos cachos entre

suas pernas.

Notou o tenso botão de carne que buscava, ereto e suplicante sob sua mão. Jack

o acariciou e sentiu a imediata potencia de sua resposta. Abaixou a cabeça,

introduziu um dos mamilos na boca e sugou com força enquanto acariciava e

apertava, enquanto ela subia e abaixava com mais ímpeto e mais rápido.

Finalmente, estalou, arrastando-o com ela. Com a cabeça jogada para trás, seu

grito ascendeu até o teto enquanto ele lhe devorava o seio; enquanto seu corpo se

fechava em tensas contrações ao redor dele, Jack grunhia e estremecia debaixo

dela, e se rendia ao poder que havia evocado, ao poder com o qual ele havia

respondido.

O momento de êxtase, de infinito prazer, os manteve presos em sua dita

durante um tempo incalculável. Logo os abandonou, liberou, deixou cair dos céus a

doce inconsciência. Desmancharam-se, saciados, em um conjunto de extremidades

entrelaçadas.

Clarice se relaxou. Jack recostou-se e a rodeou com os braços, ela apoiou a

cabeça em seu torso. Ficaram assim imóveis, conscientes, alerta, maravilhados

enquanto o poder desaparecia lentamente.

Jack apoiou o rosto sobre seus escuros cabelos, que sentiu como se fosse seda

contra sua mandíbula.

O poder era algo que ambos compreendiam. Não era algo passivo, não existia a

menos que um o exercesse. Agora que o fizeram... Voltariam a fazê-lo. Era

simplesmente seu caráter, uma fascinação que compartilhavam. O lorde guerreiro e

a rainha guerreira. Encaixavam um com o outro.

As sombras se alongaram lentamente à medida que a lua atravessou o céu. Jack

não sentia nenhum desejo de mover-se, nem parecia que ela o sentisse. Nenhum

dos dois dormiu.

O que percorria sua corrente sanguínea não era, dessa vez, esgotamento físico.

O que os mantinha despertos, calados e alertas, era o sentimento de predador

desse poder no ar. Um poder que nenhum dos dois estava ainda seguro de

compreender.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack deixou que seus sentidos se expandissem plenamente conscientes dela, de

seu esbelto corpo, das longas e femininas extremidades entrelaçadas com as dele,

do calor que diminuia, do desejo aplacado pelo momento.

Em vista de tudo o que podia sentir; de tudo o que percebia, que agora sabia,

era difícil compreender por que ninguém a reclamara. Era extremamente

consciente de seu cálido peso, de sua pele de cetim suada pela paixão,

intimamente colada contra ele, parecia-lhe um grande mistério que os homens

houvessem estado tão cegos.

Para ele, Clarice era a encarnação de um desafio sensual no qual se exigia dar e

tomar...

De repente, deteve o curso de seus pensamentos e em silencio reconheceu que

talvez por isso, nenhum outro tivera êxito com ela. Não estiveram dispostos, não

foram bastante fortes para permitir-lhe sair-se bem, para deixar que acudisse a

eles, que fosse tal como era e verdadeira.

Era uma tese plausível e muito provável. Não lhe oferecia nem uma só pista

sobre como fazê-la se submeter. Não só durante uma noite, ou uma semana, ou

um ano, mas para sempre.

A paz da noite os envolveu; uma paz de um tipo diferente os embalou. Ao final,

Clarice reagiu. Jack a ajudou a levantar-se, movendo-se para que pudesse deitar-

se ao seu lado, ainda com meio corpo em cima dele e a cabeça apoiada em seu

peito. Dobrou um braço debaixo da cabeça e com o outro a manteve ao seu lado.

Olhou-a de soslaio.

— Onde aprendeu tudo isso?

Ela não fingiu não compreendê-lo. Olhou-o fugazmente e seus lábios se

curvaram em um leve sorriso, logo afastou a vista. Com delicadeza e um pouco

ausente, traçou desenhos sobre seu peito.

— Na biblioteca de Rosewood, a residência familiar. Varias gerações se

dedicaram a ampliar a coleção durante séculos. Alguns dos volumes eram

extremamente instrutivos e muito detalhados.

— Entendo então que era uma ávida estudante? — Teve que esforçar-se para

mover-se sob seus errantes dedos.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Estava interessada... Intrigada. E tenho uma excelente memória, ao menos

com as imagens. — Moveu-se contra ele e rodou para poder levantar a cabeça e

olhá-lo no rosto enquanto sua mão descia. — Se quer saber, lhe direi que esperei

anos para por em prática tudo o que aprendi.

Sua voz soou muito sensual. Era como um ronronar, grave e suave em seus

ouvidos, que exercia seu poder sobre ele. Jack lhe susteve o desafiante olhar

enquanto sua mente ia a toda velocidade.

— Nesse caso — engoliu a saliva e modulou sua voz até alcançar um tom mais

normal — talvez gostasse de tentar...

Aproximou-se e lhe sussurrou ao ouvido.

A seguir se recostou e a olhou com as sobrancelhas erguidas, desafiando-a.

Durante um longo momento, Clarice lhe susteve o olhar, logo sorriu, devagar.

— Por que não?

Jack sorriu por sua vez, pegou-a quando se levantou e se entregou de boa

vontade aos seus braços.

***

Na manhã seguinte, Jack despertou dominado por uma familiar urgência. Era a

mesma sensação, definida e limitada, que sempre sentia quando iniciava uma

missão.

Havia coisas que tinha que fazer primeiro, planos que por em marcha, ou o

momento de agir chegaria e o pilharia desprevenido.

Entre outras coisas, tinha que conseguir tudo o que necessitava de James antes

que Clarice se decidisse a embarcar sozinha em seu resgate e de um modo

precipitado. Foi ao desjejum enquanto dava voltas a diversos planos. Ela tinha

razão; James necessitava que o resgatassem, tinham que agir. Sem embargo,

ainda devia definir exatamente como.

No salão do desjejum, Jack saudou a Percy com um gesto da mão, o jovem

estava comendo de um prato de presunto e ovos. Ele foi direto ao aparador.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Graças a Clarice, seu apetite melhorara muito. Com o prato repleto de pequenas

degustações de tudo o que a cozinheira preparara para tentá-lo, tomou assento na

cabeceira da mesa.

Na noite anterior depois do jantar, avisou a Percy que teria que sair para

Londres durante algumas semanas. Concordaram que nos dias prévios a sua

partida, lhe apresentaria as pessoas do lugar e lhe mostraria a propriedade. O

suficiente para deixá-los a ele e sua iniciação nas espertas mãos de Griggs. Pode

ser que seu administrador tivesse já uma idade avançada, mas sabia tudo o que

tinha de saber sobre gestão de propriedades.

— Então — Percy afastou seu prato vazio e olhou para Jack esperançado, — por

onde começamos?

Ele mastigou e refletiu. Pegou a xícara de café e bebeu um longo gole.

— Primeiro, devo organizar alguns assuntos que não tem nada a ver com a

propriedade, mas pode ajudar-me com eles.

O entusiasmo de Percy não se atenuou. Jack notara que seu jovem parente era a

classe de pessoa que preferia qualquer atividade a não ter nenhuma e Clarice

deveria aprovar essa atitude.

— O que quer que faça?

— Que fale com Anthony. — Apresentou-o ao jovem no dia anterior pela noite.

Eram da mesma idade; Percy se compadeceu de Anthony, forçado a guardar o

leito, e se ofereceu a jogar xadrez com ele essa noite. Quando Jack passou para vê-

los antes de dirigir-se ao templete, os encontrou a ambos absortos no jogo. —

Confeccione uma lista dos membros de sua família que seja provável que se

encontre em Londres, ou a meio dia de distância da cidade no mínimo, qual relação

tem cada um com James e os que mais provavelmente lhe darão sua ajuda.

Também os nomes e endereços de qualquer outra pessoa que Anthony considere

que possa ser de utilidade.

Percy assentiu. Informara-o a grandes traços do problema ao qual o vigário se

enfrentava.

— Algo mais?

Jack ficou surpreso pela sensação tão agradável de ter alguém que se limitava a

aceitar suas ordens e não discutia.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Não, isso é tudo. — Empurrou a cadeira para trás. — Tenho que escrever uma

carta, logo irei à reitoria para pedir a James que comece outra lista. Voltarei antes

do almoço.

— Saíram juntos ao vestíbulo. — Se tiver tempo antes que eu regresse, tente

memorizar a distribuição dos campos e as casas ao este. Esta tarde vou levá-lo a

um passeio por essa zona, lhe apresentarei aos arrendatários e deixarei que se

familiarize com o terreno.

O jovem o olhou com los olhos muito abertos.

Jack sorriu.

— Pode pegar a carruagem.

Percy não tentou dissimular seu alívio.

— Bem. — Ergueu a vista para a escada. — Irei ver o Anthony.

Ele se dirigiu a biblioteca, se sentou a mesa e escreveu a toda velocidade uma

carta para o único homem ao qual esperava não ter que escrever nunca mais.

Fechou a carta e foi em busca de Howlett para entregá-la e indicar-lhe que a

enviasse a Londres com urgência. Depois, foi ver Griggs e comprovou que não

houvesse nada urgente que exigisse sua atenção. Perguntou-lhe sua opinião sobre

Percy. Para sua surpresa, resultou ser positiva. Parecia que o jovem tinha uma boa

cabeça para os números. A seguir, se dirigiu a reitoria pelo caminho mais curto,

através da cerca.

Não viu nenhuma rainha guerreira recolhendo roupa nesse dia. Com um sorriso,

subiu a escada que dava ao terraço da reitoria, entrou pela porta de serviço e

atravessou o vestíbulo até o estúdio de James. Chamou e ouviu que seu amigo

respondia com um tom distraído, como sempre:

— Entre.

Jack abriu e entrou. Viu James com aspecto agoniado sentado atrás da

escrivaninha e Clarice de pé ao seu lado, com os braços cruzados, um gesto que

Jack começava a perceber que nunca era bom sinal. Reprimiu o impulso de

comprovar se golpeava o chão com a ponta do pé. Em lugar disso, esboçou um

amplo sorriso.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Bom dia. — Não dirigiu a saudação a ninguém em concreto. Clarice lhe

respondeu com uma regia inclinação de cabeça e voltou a olhar a James, que havia

erguido a vista com um incipiente alivio no rosto, que se desvaneceu não obstante

ao ver Jack.

— Ah... bom dia, rapaz. — Abaixou os olhos para a folha de papel que tinha a

frente. — Suponho que está aqui em busca de informação também.

Clarice apertou os lábios.

— Já lhe expliquei James. Precisamos saber tudo o que possa dizer-nos antes de

viajar a Londres.

Seu primo olhou a Jack, que encolheu os ombros.

— Tem razão.

— Mas — o tom de James se tornou queixoso — realmente não vejo a

necessidade...

— Isto é sério, James.

Jack e Clarice se olharam. Disseram a uma só voz com similar inflexão. A voz

dela um pouco mais impaciente.

Ele voltou a olhar ao seu amigo e continuou:

— Não podemos ficar de braços cruzados, James. Não pode esperar que façamos

isso.

Isso deu ao vigário o que pensar e, depois de um momento, fez uma careta e

assinalou a folha com a pena.

— Clarice disse que necessita o máximo de detalhes possível...

Ela alongou o braço por diante de James e pegou uma folha em branco.

— Creio que o melhor seria que Jack fizesse uma lista de toda a informação que

precisa. — Deixou a folha ao outro lado da escrivaninha, em frente ao seu primo,

junto com uma pena que pegou de um compartimento ao lado da mão de James. —

Assim, poderá esforçar-se para reunir o máximo de dados possível a respeito.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Abaixou seu contundente olhar, Jack aproximou uma cadeira e se sentou diante

da folha em branco.

Pegou a pena.

— Pode ser que isto me leve um tempo.

Olhou a Clarice nos olhos por cima da pena. Nunca fora uma mulher calma, mas

nesse momento, a energia que desprendia — como se estivesse impaciente por

atacar a um inimigo ainda por identificar, — ainda que em um sentido fosse

tranqüilizadora, também o distraía.

Jack compreendeu perfeitamente a James; ele nunca seria capaz de centrar-se

se ela permanecesse na sala no estado em que se encontrava nesse momento. Ou

melhor, se permanecesse na sala.

Clarice o olhou nos olhos captando claramente sua sugestão. Considerou-a e

perguntou:

— Como está Anthony?

— Melhor. Recupera-se bem. — Molhou a ponta da pena na tinta antes de voltar

a olhá-la. — O fato de ter que guardar o leito lhe desagrada.

— Hum. — Ela abaixou os braços e rodeou a escrivaninha. — Irei vê-lo esta

tarde.

— Isso seria bom. — Jack inclinou a cabeça sobre o papel. — Esta tarde sairei

com Percy. Provavelmente Anthony aprecie a companhia.

James ergueu a vista.

— Eu também irei. Devo fazer tudo o que esteja em minhas mãos em vista que

era comigo que vinha falar...

— O melhor modo de devolver-lhe o favor e tudo o que sofreu para trazer a

mensagem de Teddy é coletando toda a informação que Jack vai pedir-lhe.

Clarice não levantara a voz, mas havia uma nota em seu tom que não admitia

discussão. Jack apertou os lábios diante de seu impulso de suavizar suas palavras.

Nesse caso, ela tinha toda a razão e ele conhecia a James muito bem para saber

que aproveitaria qualquer oportunidade para dar largas ao assunto.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Havia dois tipos de tenacidade: a do vigário, mais fraca, e a de Clarice,

endurecida na batalha. O último talvez não fosse agradável, mas nesse caso era

necessário.

James suspirou com um toque de severidade e assentiu.

— Muito bem. — Olhou a Jack do outro lado da mesa. — O que precisa?

Ele o explicou. Quando James começou a confeccionar uma lista de todas suas

viagens ao longo da última década, Jack se dispôs a escrever todas as outras

perguntas que queria que lhe respondesse sobre seu trabalho. Clarice passeava

devagar as suas costas observando-os a ambos. De vez em quando, se aproximava

e lia a lista por cima de seu ombro.

Quando Macimber apontou a cabeça pela porta e a reclamou para que atendesse

um assunto doméstico, James esperou que a porta se fechasse atrás da apertada

olhada que ela lhe dirigiu antes de retirar-se, para soltar a pena e suplicar a Jack:

— Rapaz, tem que ajudar-me. De verdade, não desejo que Clarice vá a Londres

em meu nome.

“Por quê?”, foi a primeira coisa que Jack pensou, mas hesitou e em lugar disso

se sentiu obrigado a fazer seu amigo ver que era algo que claramente lhe

escapava.

— Não é tão simples, James. Para começar, Clarice não está sob a autoridade de

nenhum homem. Se decidir ir a Londres, nem você nem eu poderemos impedi-lo.

De fato, o faria contra vento e mar.

O vigário fez uma careta.

— Suponho que a única opção real é persuadi-la.

Jack o olhou nos olhos.

— Meus poderes de persuasão são consideráveis, mas não tão bons.

James franziu o cenho. Ele fez uma pausa e escolheu as palavras com cuidado.

— Não estou certo se, neste caso, ela está errada. Com você confinado aqui,

alguém de sua família tem que alertar aos demais parentes de um modo mais

contundente que através de carta para explicar-lhes qual é a situação. E

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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independentemente de seu passado, Clarice é a filha do falecido marquês e a irmã

do atual. A família a ouvirá.

— Talvez. — James não parecia convencido, se via estranhamente inseguro.

Jack arqueou as sobrancelhas, confuso, e seu amigo suspirou com tristeza.

— Muito bem, admito. O mais provável é escutarem-na porque ela os obrigará a

fazê-lo. Urdirá um plano para organizar uma reunião e comunicar-lhes a situação,

mas a que preço para si mesma?

Jack piscou.

— Não o entendo.

— Eu sei. — James fechou os olhos, logo os abriu e disse: — Nossa família não

fala com ela. O pai de Clarice a recusou, a repudiou, o fez o mais próximo a isso

que seus filhos lhe permitiram.

Jack franziu o cenho.

— Isso o insinuou, mas eu não imaginava...

— Não, por que haveria de fazê-lo? — James negou com a cabeça com os olhos

cheios de preocupação. — Não o expliquei tão claramente, tão completamente

como deveria fazê-lo. Melton, seu pai, não foi o único da família que se enfureceu

com Clarice e, tal como eles o viam, com sua intransigência. Suas tias, as irmãs do

marquês, e inclusive a família de Edith, sua mãe, estavam horrorizados. Na opinião

da família, ao manter sua negativa de casar-se com Emsworth, Clarice se

comportou de um modo totalmente inaceitável.

Jack leu a expressão nos olhos de James.

— Está me dizendo que seguramente sua família não aceite sequer recebê-la,

que pode ser que, inclusive sete anos mais tarde, tratem-na como a uma marginal?

— Sim. — James assentiu com firmeza. — Os Altwood não são conhecidos por

seu caráter indulgente. Penso que, independentemente do que ela deixe ver, sua...

Recusa lhe dói profundamente. Regressar ao redil para defender meu caso sem

dúvida abrirá velhas feridas. E o que é pior, certos membros da família podem

aproveitar o fato de tê-la a sua mercê, no sentido que esteja disposta a suplicar

que me ajudem, para...

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Ao imaginar que vingança poderia cobrar-se com Clarice a sua família, James se

perdeu e tudo ficou refletido na expressão confusa e angustiada de seu rosto,

enquanto buscava as palavras.

— Bem — reconheceu finalmente, — não sei o que lhes pode ocorrer fazer, mas

pode ser qualquer coisa. — Fixou em Jack um olhar decidido e beligerante. — Não

quero que Clarice passe por essa situação por mim.

Após uns segundos, Jack soltou o ar.

— Entendo.

— Então, me ajudará a convencê-la que não vá a Londres?

Ele susteve o olhar de James e viu a sinceridade que havia nele. Soube que o

assunto não era tão simples como o pintara, mas... Fez uma careta.

— O máximo que te posso prometer é que o pensarei, junto com qualquer

alternativa.

Seu amigo sorriu.

— Bem, bem.

Seu imediato relaxamento fez com que Jack sorrisse para si com certo carinho,

mas também com cinismo. Após explicar-lhe seu problema e passar-lhe a

responsabilidade de solucioná-lo, voltou a centrar-se na tarefa que tinha sobre a

mesa com sua habitual resolução. Molhou a pena no tinteiro e franziu o cenho com

o olhar cravado na folha de papel.

— O melhor será que me faça estas listas, certo? Não quero atrasar e me

custará alguns dias completá-las.

***

Jack acabou sua lista de perguntas e a entregou a James. Saiu da reitoria sem

voltar a encontrar-se com Clarice. Pensou, mas não a procurou. Optou pelo

caminho de volta mais longo, colocou as mãos nos bolsos das calças e fez o que

prometera a James que faria: pensar em convencê-la para que não fosse a

Londres. Diferente de seu amigo podia ver alguns claros pontos a favor, além dos

evidentes pontos contra, agora que ouvira a historia completa do passado da

jovem.

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Era inegável que, uma vez chegada a Londres, exigiria a imediata atenção da

família. Se quisessem que os deixasse em paz, teriam que agir em defesa de

James. Não ter que convencer as pessoas de caráter férreo e inflexível de alguém

era uma vantagem que Jack apreciava.

Por outro lado, Jack não esquecera ao homem, não demasiado cavalheiro, da

cara redonda que havia atacado a Anthony. Se convencesse a Clarice que ficasse

em Avening e deixasse em suas mãos a missão em Londres, ao remover as coisas

na cidade, poderia provocar alguma ação contra James ali, onde ela sem dúvida

insistiria em protegê-lo. Um panorama não muito reconfortante. Em semelhantes

circunstancias, ele não deixaria de dar voltas a se estava agindo bem e se veria

atado de pés e mãos na hora de levar a cabo a defesa de James em Londres.

De modo similar, em vista de duvidar seriamente se poderia convencê-la a ficar

em Avening, se negar a levá-la com ele, Clarice viajaria a Londres por sua conta e

não só enfrentaria a situação que James tentava evitar, mas agiria como um

agente livre, fora de seu alcance imediato. Se, alertado por sua atividade em

representação de James, ao homem da cara redonda se metia na cabeça silenciá-

la... Londres era um cenário muito mais perigoso para que ela se convertesse em

um branco, e tampouco estava preparado para deixar que se convertesse em um

objetivo ali, no aprazível entorno rural, onde estava rodeada de gente que a

conhecia e a valorizava. Tal como demonstrara o acidente de Anthony, aquele

aprazível entorno rural não era tão seguro, não se encontrava alguém esperto

nessa arte.

Jack sabia tudo sobre essas coisas. Não precisava pensar nelas. Atravessou a

cerca da reitoria e voltou a centrar-se em Londres, no tipo de boas vindas que

James estava seguro que Clarice receberia. Tinha razão? Pode ser que estivesse

certo fazia sete anos, mas ainda seguiam assim as coisas dentro do clã dos

Altwood? Anthony e seu irmão clérigo não viam Clarice como uma pessoa não

grata, como uma mulher isolada por sua família. Cruzou a cerca da mansão, ergueu

a vista para a casa e decidiu passar para visitar Anthony antes do jantar e ver o

que poderia averiguar.

Sem dúvida...

Abaixou a vista e a fixou no caminho de cascalhos enquanto se aproximava da

porta principal. Mesmo que James tivesse razão e Clarice se enfrentasse a um

recebimento hostil em Londres, fosse qual fosse a dor que isso lhe causasse,

tinham James ou ele direito a interferir e tomar essa decisão por ela?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Rememorou mentalmente o momento em que Clarice anunciou pela primeira vez

que iria a Londres em nome de James. Não tomara a decisão às pressas, sem

considerar os prós e os contras. Sabia melhor que seu primo a que se encontraria

na cidade. Sabia perfeitamente o que fazia quando decidiu ir.

James não o havia pedido. Fora ela a que insistira em fazer esse sacrifício por

ele. Era correto por parte de seu amigo recusar esse gesto como se não significasse

nada? Sacrificar-se pelos demais, isso era o que os guerreiros faziam... E ela era

uma rainha guerreira.

Jack fez uma careta e afastou uma pedra maior do caminho com o pé, deteve-se

para contemplar os ondulantes prados até o arroio. Desejou não compreendê-la tão

bem como o fazia. Em alguns aspectos, isso fazia com que sua vida fosse mais

difícil.

Seu instinto protetor, sobretudo para as mulheres, em especial para as de sua

classe, era algo que não podia evitar e que formava parte dele. Igual a James, era

uma reação totalmente instintiva. Se a dama em questão fosse qualquer outra, não

Clarice... Mas era ela. E com ela, diferente de James, tinha que pensar antes de

agir porque a compreendia, porque para Clarice, para uma rainha guerreira,

protegê-la podia não significar o evidente.

Proteger Clarice e agir em seu interesse podia significar levá-la a Londres com

ele; permitir-lhe enfrentar-se com a fúria de sua família e desafiar os dragões de

seu passado e sua recusa, para conquistá-lo, para superá-lo enquanto ele estava ali

em todo momento, ao seu lado, para apoiá-la.

Que Clarice tinha direito a livrar as batalhas que decidisse livrar era uma

consideração muito real. Na opinião de Jack, ele tinha direito a permanecer ao seu

lado, mas não a interpor-se em seu caminho.

Ficou ali um tempo, meditando seu arrazoado enquanto o borbulhar do arroio o

acalmava. Não pode encontrar nenhuma falha em sua análise, em sua

interpretação de Clarice.

Finalmente, voltou-se e seguiu o caminho.

Havia outras conseqüências, para ele extremamente desejáveis que

aconteceriam se a levasse com ele. Não subestimava as dificuldades logísticas. Era

difícil resistir à oportunidade de estar com ela em uma situação perfeita para

convencê-la que o conhecesse mais profundamente, que o considerasse como

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possível consorte. Em Londres, sobretudo, em vista de sua missão, veria aspectos

dele que poucas pessoas tinham visto e todo ele com o telão de fundo de seu

legítimo círculo, a alta sociedade.

Em algum momento teria que fazer com que o visse como algo mais que um

breve romance, como um amante para todas as temporadas de sua vida em lugar

de para só uma.

Passar tempo juntos e a sós, não necessariamente em privado, mas sem estar

constantemente rodeados de gente que dependia deles e exigia sua atenção, seria

essencial. A oportunidade de passar tempo juntos em Londres parecia caída do céu.

Em um lugar de sua mente, sabia que para ter êxito com ela; para fazê-la

mudar de opinião e convencê-la que voltasse a considerar o matrimonio, precisaria

exorcizar fantasmas que supunha que deviam existir, em vista de sua historia

passada com os homens.

Seria muito mais fácil para ele desfazer-se desses fantasmas se os pudesse ver,

e Londres era sua guarida.

Deteve-se ao pé da escada, olhou fixamente a porta e deixou que o fio final de

sua argumentação percorresse sua mente. A consideração final. Levar Clarice a

Londres significava que saberia que estava a salvo. Fora de tudo o mais, para

funcionar com eficácia, para concentrar-se e cumprir com tudo o que James

necessitava, precisaria dessa tranqüilidade. Se ficasse preocupado obsessivamente

por ela, se a assediava, aqui ou ali, Clarice se irritaria e talvez Jack revelasse suas

intenções demasiado cedo. Mas se estivesse com ele, não necessitaria perguntar

para saber como se encontrava e o que fazia.

Inspirou o ar, tirou as mãos dos bolsos e subiu a escada. James teria que viver

com seus medos, porque ele não pretendia dar um passo em falso em sua luta para

conquistar a sua rainha guerreira.

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Capítulo 10

Jack se reuniu com Griggs e Percy na oficina. O jovem lhe entregou a lista que

fizera com Anthony. Jack examinou o eficiente trabalho e felicitou Percy, que

resplandeceu de alegria.

Pouco depois, apareceu Howlett para anunciar o almoço. No salão, se

encontraram com Anthony em uma cadeira de rodas. Estava pálido, mas o via

muito decidido.

— Se pode forçar-me a recordar toda a família com toda sua gloria, raízes e

ramificações também posso sentar-me à mesa — disse, em resposta as

sobrancelhas erguidas de Jack.

Este sorriu e sentou-se.

— Será melhor que se certifique de não estragar nada ou a senhora Connimore

se porá insuportável.

O jovem ergueu as sobrancelhas.

— Fala por experiência?

— Exato — afirmou Jack.

O almoço transcorreu em uma atmosfera agradável. Jack, Griggs e Percy

falaram sobre as granjas que Percy visitaria nessa tarde e Anthony brincou um

pouco, mas em sua maior parte se limitou a escutar. Apesar de sua bravura, os

ossos quebrados ainda doíam.

Ao final do almoço, saíram do salão. Percy empurrou a cadeira de Anthony.

Jack disse a este:

— Eu, em seu lugar, descansaria todo o que possível. Clarice disse que viria lhe

ver esta tarde para fazer-lhe companhia.

O rosto de Anthony se iluminou encantado, quase com um entusiasmo infantil.

— Excelente!

Percy se mostrou menos seguro.

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— Jogará xadrez?

Anthony levantou as sobrancelhas e tanto ele como Percy olharam Jack

intrigados.

O que pensavam?

— Não me surpreenderia, mas não se sinta demasiado mal se lhe der uma boa

surra.

Anthony riu. Dois serventes o subiram ao piso de cima e ele se despediu com a

mão quando o empurraram pelo corredor de volta ao seu quarto.

Os outros regressaram a oficina. Após uma última série de consultas, Percy e

Jack começaram a visita com o jovem armado com um detalhado mapa da

propriedade.

Percy conduzia a carruagem, levada por uma calma e majestosa égua, e Jack

cavalgava sobre Lutador. Não tirava o animal para passear há dias e o rapaz

observou os conseqüentes bufos e brincos do imponente exemplar com evidente

desconfiança. Jack sorriu, estirou as rédeas e fez que Lutador trotasse a certa

distancia da carruagem quando Percy dirigiu a égua para o caminho.

— Como vão suas lições de equitação?

O jovem lançou um olhar ao cavalo e assinalou a égua.

— Ontem Crawler me fez sair com Matilda.

— E?

Percy encolheu os ombros.

— Foi bom, mas não passamos do trote. — Voltou a olhar a Lutador. — Nunca

serei capaz de manejar um cavalo como esse.

Jack sorriu e olhou a frente.

— Não tem que fazê-lo. Será suficiente que possa montar a Matilda. Para mover-

se pela propriedade não necessita cavalgar como o vento.

Cruzaram a ponte de pedra. Ao olhar os campos abertos além, Lutador puxou o

forcado, inquieto, e sem Jack compreender por que, não queria sair a galope.

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— Por certo — disse ele, controlando o animal com firmeza, — uma das

conseqüências de montar a cavalos como este é que precisam correr. — Assinalou

com a cabeça os campos ao norte do caminho. — Sabe para onde nos dirigimos? A

granja Delancey. Se te deixar aqui, saberá chegar? Deixarei que Lutador se

desafogue um pouco e me reunirei com você no caminho que junto à granja.

Percy assentiu.

— Não me perderei. Tenho o mapa e Griggs me disse que é muito confiável.

Jack se despediu e se afastou. Dois minutos mais tarde, atravessava um campo

no qual ainda não tinham plantado a colheita estival. Lutador amassou os restolhos

do trigo invernal com seus poderosos cascos. O olor dos talos secos e o aroma da

terra nua aquecendo-se ao sol subiu e os envolveu. Jack se entregou ao momento,

aquela carreira que não era uma competição, mas simplesmente um prazer privado

que lhe inundou as veias com uma onda de excitação livre de qualquer risco, de

qualquer conseqüência.

Lutador e ele percorreram a toda velocidade suas terras unicamente porque

podiam e queriam fazê-lo. Talvez o necessitassem.

O sol brilhava, a brisa era suave. Por um breve momento, compreendeu porque

o coração lhe vibrava no peito e, ao mesmo tempo, percebeu o que significava

verdadeiramente estar em casa.

***

Era estranho como, às vezes, diferentes coisas se conectavam, ou melhor,

estabeleciam uma conexão na mente. Enquanto cavalgava livre ao lombo de

Lutador, atravessando a galope suas terras, seus campos, Jack teve a sensação

que tudo estava bem, que voltara ao lugar e, não antes, mas nesse momento, tudo

o que aquele lugar significava para ele encaixou como um quebra cabeça ao seu

redor. Como se o que estivesse ali fosse a última peça necessária para fazer sua

vida completa.

Logo, com Percy ao seu lado, visitou aos arrendatários e refrescou a memória.

Quando a tarde começou a decair, regressou a casa com o jovem, muito

satisfeito em todos os aspectos. Pediu a Percy que informasse a Griggs e levou

Lutador aos estábulos.

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Passou uma agradável meia hora conversando com Crawler, que também deu

sua aprovação a Percy, ainda que fosse um ignorante fedelho de cidade. Tudo

avançava bem nessa frente.

Quando regressou a casa pela porta do jardim, entrou no vestíbulo com os saltos

das botas ressoando sobre as telhas. Deteve-se aos pés da escada ao notar que

seus sentidos se punham em alerta. Ergueu o olhar e viu Clarice imóvel no

descanso. Ia descer os degraus quando ouviu seus passos e tinha parado. Seus

olhares se encontraram, com calma, ela continuou descendo.

Jack a observou. Contemplou o sutil balanço de suas cadeiras sob a delicada

musselina do vestido, uma criação em um rico bordô que ressaltava seus

exuberantes seios e as longas linhas de seus músculos fugazmente perfiladas com

cada passo. Jack contemplou sua absoluta confiança, seus delicados e serenos

traços, os escuros cabelos recolhidos em uma lustrosa coroa sobre a cabeça.

No mais interno de seu ser, sentiu a força, aquele profundo poço de feminina

tranqüilidade, de poder elementar, que o atraía, o capturava, o prendia. Era muito

obvio qual era a peça definitiva de seu quebra cabeça.

A única coisa que tinha que fazer era consegui-la, tomá-la e ligá-la a sua vida,

fazê-la encaixar em sua imagem e completá-la.

Pegou-lhe a mão quando se aproximou. Ela a cedeu esperando sem dúvida que a

beijasse. Em troca, Jack a segurou com força.

— Venha comigo.

Voltou-se e se dirigiu a biblioteca, sem pressa, mas com determinação. Clarice o

seguiu. Surpresa pensou em resistir. Ainda que não visse seu rosto, Jack percebeu

o momento em que decidiu seguir a corrente e averiguar o que desejava. E

precisamente era isso o que ele queria deixar claro.

Abriu a porta da biblioteca, a fez entrar e fechou logo com uma mão. A fez

voltar-se de forma que ficou de costas a porta e então se aproximou dela. A fez

retroceder até que ficou colada a madeira e se aproximou mais ainda, até que as

curvas de seus seios, o estômago, as cadeiras e os músculos ficaram presos contra

ele.

A sensação fez com que uma onda de possessiva luxúria o atravessasse.

Reprimiu-a, mas não a ocultou quando a olhou nos olhos, uns olhos que se

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escureceram e se abriram muito não tanto pela surpresa como pelo interesse; um

simples desejo de saber o que estava fazendo. Nem o mínimo rastro de temor

nublou seu glorioso olhar.

Jack conteve a respiração, abaixou a cabeça, encontrou seus lábios e lhe deixou

sentir o que queria.

A ela.

Não de um modo civilizado, mas de todos os modos imagináveis. Não o

surpreendeu em absoluto que respondesse a sua invasão com seu próprio desafio.

Clarice não sabia que sua aceitação daquele ardor incontrolado como se fosse

simplesmente seu dever era um potente desafio em si mesmo. Pode ser que

houvesse aprendido as técnicas da relação sexual em uma biblioteca cheia de

textos eruditos, mas não aprendeu os matizes que essa relação pudesse ter.

A esse respeito, com ela, inclusive ele estava aprendendo.

Os braços de Clarice haviam ficado presos entre os dois e lhe aferrava as costas

com as mãos. Quando o desejo surgiu e o beijo os incendiou, ergueu os braços, os

estendeu e deslizou os dedos pelos cabelos de Jack para segurá-lo ali.

Ele não iria a nenhuma parte. Nem ela tampouco.

O beijo se intensificou em uma sensual batalha...

Uns passos no vestíbulo de um servente que passava por ali os arrancaram do

enlevo. Os fizeram hesitar, pensar, avaliar. Clarice interrompeu o beijo. Sua

respiração era rápida e superficial. Por entre as pálpebras, repentinamente

pesadas, olhou-o nos olhos, uns olhos dourados e verdes, brilhantes de desejo. Vê-

lo fez o seu aumentar.

Jack a desejava ali, nesse momento, e ela o desejava também.

— Como fazemos? — perguntou, e umedeceu os lábios. Susteve-lhe o olhar,

deixando-lhe ver que falava sério.

Jack a contemplou um momento e passou a mão por suas costas.

Clarice ouviu um chiado seco as suas costas; havia fechado a porta com o trinco.

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A seguir, lhe apoiou a mão nas costas e a deslizou até o músculo. Não havia

afastado o olhar do seu.

— Assim.

Dobrou os dedos e lhe subiu a saia até as cadeiras, passou a mão por baixo e

encontrou o que procurava. Seus exploradores dedos a percorreram

descaradamente, abriram passo entre a úmida carne, acariciando levemente,

sondando-a cada vez mais fundo.

Não voltou a beijá-la, mas a observou. A fez estar totalmente presente e

centrar-se por completo nas sensações físicas. Clarice era consciente até a medula

de sua intimidade quando ele moveu as mãos entre suas pernas e deslizou um duro

dedo em seu interior. Ficou sem respiração e soltou um suspiro afogado, o agarrou

pelos ombros e lhe cravou os dedos quando ele se submergiu mais profundamente

e a acariciou. Fechou as pálpebras, mas não podia deixar de olhar seus olhos e

notar como ele a observava...

Jack jogou o corpo um pouco para trás. Clarice notou que sua mão se movia

entre os dois e percebeu que estava desabotoando os botões da calça para liberar a

rígida longitude de sua ereção. Seus dedos abandonaram seu corpo e sentiu como

sua dura palma se deslizava para baixo e ao redor de seus músculos. Segurando-a

pelas nádegas, levantou-a apoiando-a contra a porta. Fez com que abrisse as

pernas enquanto se acomodou entre elas.

Clarice arquejou e se agarrou aos seus ombros. Sentiu como o amplo extremo

de seu membro buscava sua entrada, encontrava-a e se introduzia só um pouco

antes de penetrá-la de todo. Encheu-a. Investiu-a para avançar esses últimos

centímetros. Só então, devagar e controlado, retrocedeu para logo voltar a avançar

lentamente, centímetro a centímetro, uma vez mais. Depois repetiu a sensual

tortura, que a fez arquejar, gemer em voz baixa no instante.

Clarice se apertou ao seu redor. Rodeou-lhe as cadeiras com as pernas e tentou

apressá-lo a avançar, mas Jack manteve o lento e deliberado ritmo que lhe

destroçava os sentidos; que lançava ondas de escuro e ilícito deleite que a

atravessavam, e constante e inexoravelmente faziam surgir o familiar incêndio no

interior de ambos, mas mantendo contida a conflagração.

Não a beijou. Os dois estavam vestidos, colados a porta da biblioteca,

intimamente unidos, e não havia nada que distraísse Clarice da natureza

puramente física do momento; não só do desejo que os impulsionavam a ambos,

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mas a realidade dele em seu interior, o peso de sua ereção deslizando-se em sua

vagina, de seu corpo acolhendo-o com tanta avidez, de como a tomava, a enchia e

a possuía.

Estalou com um entrecortado grito. A gloria implodiu dentro dela, o prazer a

envolveu, inundou-a, atravessou sua corrente sanguínea e a libertou.

Quanto alcançou o cume, Jack lhe cobriu os lábios, e tragou seu grito, saboreou

suas ondas de prazer. A seguir, seu corpo, contido durante demasiado tempo, se

deixou levar. Submergiu-se em seu interior com ímpeto, uma, duas, três vezes, até

que com um grunhido sufocado contra seus lábios, se uniu a ela.

Clarice sentiu como liberava sua semente em seu interior e no mais profundo de

sua alma sentiu que ele estava em casa, que havia voltado ao lugar.

***

— Reunir-me-ei com você no templete esta noite.

Descansaram durante meia hora, conseguiram inclusive tomar com decoro uma

xícara de chá e comer de uma bandeja de biscoitos.

Jack não gostou de vê-la sair pela porta, nem tão pouco tempo depois que

ficaram exaustos. Mas como sempre, Clarice se recuperava bem. Acompanhou-a

até a entrada, nesse momento, se encontravam de pé, um ao lado do outro, em

seu terraço dianteiro.

Diante de suas palavras, ela lhe dedicou um de seus olhares diretos e levemente

reprovadores.

— Está ficando ávido.

Jack lhe susteve o olhar e respondeu sem mudar:

— E você não?

Clarice soltou um bufo e olhou a frente. Ao cabo de um momento, acedeu:

— Muito bem. — Desceu a escada e começou a avançar pelo caminho. — Mas

pode ser que chegue tarde.

Não olhou atrás. Limitou-se a despedir-se com a mão.

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Jack sorriu e desfrutou da vista, junto com a certeza que ela não chegaria ao

templete nem um minuto mais tarde do habitual. Após seu encontro na biblioteca,

apostava a vida por isso.

Quando a pendente no caminho a ocultou a vista, deu meia volta e entrou na

casa ao mesmo tempo em que o sorriso desaparecia de seu rosto ao perceber o

certo que era esse último pensamento. Com Clarice, era sua vida o que estava em

jogo.

Deteve-se no vestíbulo enquanto instintivamente buscava formas de fazer que a

balança se inclinasse a seu favor. Aquele não era um jogo no qual tivesse alguma

intenção de render-se, de modo que, como sempre, a informação seria sua melhor

arma.

Ergueu a vista para a escada, meditou e, finalmente, se dirigiu ao quarto de

Anthony.

Seu relutante hóspede cada vez se sentia mais inquieto, mas a senhora

Connimore lhe havia dito que se desejava sentar-se a mesa, teria que descansar o

resto do dia. De modo que Anthony agradecia qualquer distração, ainda que

implicasse falar de sua família.

— Eu não passava muito tempo em casa quando sucedeu. Estava no colégio,

mas inclusive quando estava presente nunca se falou realmente do assunto. Só se

ouvia algum comentário de vez em quando das damas de mais idade, já sabe a que

me refiro.

Jack assentiu.

— O que diria que opinam seus pais a respeito de Clarice?

O jovem meditou um instante.

— Diria que, ainda que ficassem horrorizados no momento, isso passou faz

muito tempo e não foi como se ela tivesse cometido um crime, por Deus santo. Há

escândalos muito piores do que Clarice provocou com sua negativa a casar-se com

esse sonso de Emsworth. Sei que Melton, seu pai, pôs o grito no céu, mas ao

menos em minha parte da família, nunca detectei nenhum ressentimento que

pudesse dificultar seu regresso a cidade.

— O que há dos outros ramos? E dos conhecidos?

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Anthony franziu o cenho.

— Ouvi que, no momento, foi tudo bastante espantoso. Os mais velhos estavam,

no geral, totalmente indignados. As irmãs de Melton, a condessa de Camleigh e

lady Bentwood estavam furiosas. As tias e os tios maternos de Clarice também se

aborreceram muito. Pode imaginar o que se dizia; que estava sujando o bom nome

da família, que estava insultando a memória de sua mãe e essas coisas. — O jovem

parecia desgostoso. — Tudo horrível.

Jack aguardou um momento e logo o urgiu:

— Mas...?

— Mas, ainda que não possa falar por seus parentes mais próximos, pelo que eu

sei entre o resto da família o assunto caiu no esquecimento faz muito tempo. —

Olhou a Jack nos olhos. — Não creio que nem os membros de mais idade negarão

agora a saudação a Clarice se regressar a cidade. — Sorriu. — E, desde logo, sei

que as gerações mais jovens não o fariam.

Jack sorriu também.

— Suponho que Teddy e você não têm uma opinião desfavorável sobre ela.

— Deus santo, não! — Anthony o olhou nos olhos. — Se tivesse conhecido

Melton, seu pai, o compreenderia. Qualquer que se enfrentasse a ele e saísse

vitorioso... Bem, era o tipo de ato que lhe garantia o status de herói. E, além do

mais Clarice é uma mulher.

Jack contemplou o rosto do jovem.

— Então, para a família em geral seu regresso a cidade não supõe nenhum

problema.

Anthony assentiu.

— O único grupo do qual duvido é o da linha mais direta. Na atualidade se

mantém bastante isolados dos outros, principalmente Moira, a madrasta de Clarice.

Seu marido morreu, mas Moira segue sendo uma força a qual se levar em conta

dentro do marquesado. O atual marquês, o irmão de Clarice, permite que

prevaleçam seus desejos como marquesa consorte. Ele ainda não se casou e assim

sua madrasta é a dama de maior idade na casa.

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Jack refletiu. Ao final de um momento, perguntou:

— Assim, não pode dizer-me como reagirá a família mais direta de Clarice, o

marquês, seus outros irmãos, suas meias irmãs e seu meio irmão se aparecer na

cidade?

Anthony fez uma careta e negou com a cabeça.

— Talvez Teddy... Mas não. Os vê ainda menos que eu. — Franziu o cenho e

logo acrescentou: — Não me ocorre ninguém que possa dizer como vê sua família

mais imediata a Clarice hoje em dia. Seu pai morreu faz dois anos e, enquanto

esteve vivo, ninguém se atreveu a mencionar o nome dela em sua casa ou em sua

presença. Isso é o que sei.

— Mas não pode dizer-me quais são os sentimentos atuais?

— Só os de Moira. — Anthony o olhou nos olhos. — Moira sempre sentiu ciúmes

de Clarice. Poderia dizer que a odeia. Age como se a odiasse, mas esse ódio é fruto

dos ciúmes.

— Ciúmes do fraco pelo forte?

— Exato. Nunca ouvi que Clarice fizesse nada para ganhar o ódio de sua

madrasta.

— Fora ser Clarice?

O jovem sorriu.

— Fora isso. — Após um momento, reconheceu com pesar: — Não me deu uma

surra no xadrez, me varreu do tabuleiro. E nem estou certo que estivesse

prestando muita atenção.

Jack sorriu e se levantou.

— Eu o adverti. — Voltou-se para a porta. — Obrigado pela informação. Vejo

você no jantar.

Dirigiu-se a biblioteca, sentou-se a seu escritório e se recostou no assento com

os olhos perdidos na parede da frente, enquanto repassava tudo o que Anthony lhe

explicara, para criar uma idéia do que poderia encontrar quando Clarice e ele

chegassem a Londres.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Na hora do jantar já tinha uma melhor idéia do que ela... do que eles

enfrentariam. Ainda tinha que rechear diversos ocos em áreas cruciais, mas já

entendia o suficiente para saber e apreciar o valor de Clarice ao insistir em viajar a

Londres em nome de James, ainda que para ela isso significasse desafiar os

dragões de seu passado.

Ainda que regressar significasse quase com toda certeza ter que tratar com uma

mulher que a odiava e muito possivelmente ainda dispunha dos meios para feri-la

profundamente.

***

Muito mais tarde, nessa mesma noite, Clarice contemplava a paisagem das

janelas do templete, enquanto, deitado no sofá cama, totalmente saciado, Jack a

observava. Não estava dando-lhe volta a nada, ela rara vez o fazia. Estava

pensando, planejando. Finalmente, se voltou para ele e o olhou através das densas

sombras. Após um momento, perguntou:

— Quando acredita que deveríamos partir para Londres?

Ele refletiu e disse:

— Depois de amanhã.

A lua proporcionava suficiente luz para permitir-lhe ver que piscou surpresa.

Ficou imóvel, durante longo tempo. Descalça, se aproximou, deteve-se junto ao

sofá-cama e contemplou seu rosto. Tinha o cenho franzido.

— Refiro-me a nós. Já me ouviu.

Não era uma pergunta, assim Jack não respondeu. Limitou-se a ficar ali

estendido, olhando-a, deleitando-se com seu esbelto e exuberante corpo, cheio de

curvas e totalmente nu.

Clarice franziu ainda mais o cenho.

— Não vai contradizer-me?

Ele ergueu o olhar para seu rosto e apoiou a cabeça mais comodamente no

respaldo do sofá.

— Serviria para algo?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Ela o olhou. Pouco a pouco seu franzimento de cenho foi substituído por um

sorriso.

— É um homem estranho, Jack Warnefleet.

Havia abaixado a voz até adotar aquele íntimo tom que sempre o excitava,

aquele sensual e gutural ronronar que afetava de um modo extraordinário a sua

libido. Seus lábios se curvaram em um sorriso de descarada antecipação. Não lhe

respondeu, simplesmente pegou sua mão e a atraiu para ele, para seus braços,

centrando a mente no que ela creditava sua conquista, ainda que ele soubesse a

verdade.

Não era um homem estranho, era um adicto do seu sabor, do seu olor, da

calidez de seu corpo. Não era um homem estranho, era só que estava totalmente

decidido a conservar aquilo para o resto de seus dias.

***

Duas noites mais tarde, Clarice olhou ao seu redor quando Jack a ajudou a

descer da carruagem de James.

— Eu lhe disse que normalmente me alojava no Crown and Anchor, em Reading.

— E eu normalmente me alojo no Pelican, também em Reading.

Impassível, Jack olhou por sua vez ao redor.

Ela ergueu a vista para o cartel que pendia sobre a porta lateral da pensão. Lia-

se nele, claramente The Maiden & Sword.

Haviam deixado atrás Reading fazia meia hora. Desde Avening haviam tardado

menos do esperado e Jack sugeriu continuar a viagem para deter-se um pouco

mais adiante, em Twyford, uma cidade muito menor.

Pegou-a pelo braço e se voltou para a porta da pensão.

— Creio que este lugar será mais confortável para nos. — Olhou-a nos olhos e

ergueu levemente as sobrancelhas.

Ela percebeu seu gesto.

— Oh. — Olhou a frente e lhe permitiu que a guiasse pela escada.

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— Exato. — Falava em voz baixa para que só ela pudesse ouvi-lo. — Quanto

menos gente nos ver, menos possibilidades de ser reconhecidos.

Clarice esquecera que, segundo as normas da alta sociedade, uma mulher

solteira de sua posição viajando sozinha com um cavalheiro seria objeto de

escândalo. Após ter dado as costas a essa vida e essas normas, o certo era que não

lhe importava, mas diante de sua intenção de apelar a sua família, evitar o

escândalo agora seria, sem dúvida, o mais prudente.

Seu alijamento da vida social a fizera perder a prática. Disse que de agora em

diante teria mais cuidado.

Alguns rapazes de quadra estavam soltando os cavalos, dois jovens saíram a

toda pressa para recolher a bagagem e o dono da pensão, com um amplo sorriso,

lhes abriu a porta e lhes fez uma reverencia.

Clarice entrou e, quando se voltou para falar com o homem, ouviu Jack dirigir-se

a ele em seu tom mais encantador:

— Sou Warnefleet. Minha esposa e eu desejaríamos seu melhor quarto.

Clarice conseguiu não ficar boquiaberta. Jack nem sequer a olhou, mas manteve

sua persuasiva olhada fixa no dono da pensão.

— Claro milorde. — Baixinho e rechonchudo, incontestavelmente jovial, o

homem voltou a fazer-lhes uma reverencia. — Milady, nossa melhor habitação

sempre está pronta e arejada e minha esposa estará encantada de servir-lhes o

jantar. Temos um salão privado se o desejarem.

Ela pensou na ausência de anel em sua mão esquerda, mas logo recordou que

usava luvas. Assentiu com ar régio e conseguiu dizer:

— Isso será perfeito. Desejaria refrescar-me depois do longo dia de viagem.

Estaremos prontos para jantar em uma hora.

— Excelente! — O homem lhes assinalou uma escada reluzente e polida. —

Acompanhem-me por aqui, por favor.

Clarice o seguiu extremamente consciente que Jack subia atrás dela. A pensão

se encontrava em uma rua lateral, afastada do caminho para Londres. Ainda que a

grande habitação a qual o homem os guiou estava situada na parte dianteira e

contava com amplas janelas que davam a rua calçada, era tranqüila. Também

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estava comodamente mobiliada com um toucador, uma pia, um armário e uma

grande cama com dossel.

Clarice percorreu o lugar e deixou a bolsa sobre o toucador. A pia estava

impecável, também as toalhas, elegantemente dobradas ao lado. Desfez-se do laço

do chapéu e se voltou para o dono da pensão.

— É perfeita. Poderia fazer que subissem água quente?

— Claro milady. — O homem lhe fez uma profunda reverencia. — Em seguida! —

Voltou-se para Jack, que inclinou a cabeça.

— O jantar no salão privado em uma hora.

— Desde já, senhor. Farei que lhes subam a bagagem imediatamente. —

Sorridente, saiu e fechou a porta as suas costas.

Clarice olhou Jack aos olhos.

— Sua esposa? — Manteve a voz baixa.

Ele encolheu os ombros com elegância enquanto atravessava o quarto.

— Tem uma idéia melhor?

Não a tinha, nenhuma verossímil. Deixou o chapéu no toucador e se sentou

diante do espelho para recolocar os cachos que se haviam soltado. Uma chamada

na porta anunciou os rapazes com os baús de viagem de Clarice e a grande bolsa

de Jack. Quando se retiraram, ele tirou a jaqueta, a deixou em uma cadeira que

estava junto à parede, se dirigiu a uma poltrona que havia diante das janelas e se

acomodou ali.

Clarice se aproximou de seu baú e o abriu.

— Não nos trocaremos para o jantar — disse Jack.

Clarice lhe lançou um severo olhar.

— Claro que não. Alguém não se troca para jantar em uma pensão. Mas preciso

minhas escovas e uma ou duas coisas mais.

Envolvera as escovas e o pente com a camisola. Tirou o fardo e o deixou sobre o

toucador.

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— Tampouco tem sentido que não usemos nada para deitarmos.

Ela o olhou de novo e dirigiu a vista para sua camisola.

— Isso já se verá.

Jack soltou um suave resmungo, mas Clarice o ignorou.

Outra chamada na porta anunciou a chegada de uma donzela com uma jarra de

água quente. Clarice a pegou e lhe assegurou que não necessitava sua ajuda nem

nesse momento nem mais tarde. Fechou a porta com a cadeira e levou a jarra até a

pia. Ignorando a relaxada figura sentada na poltrona, verteu água na bacia de

porcelana, lavou o rosto e as mãos, secou-os com uma toalha e se sentiu muito

melhor.

Ao deixar a toalha olhou a Jack. Tinha os olhos fechados. Parecia ter dormido.

Seu peito subia e abaixava em um lento e regular ritmo. Suas mãos descansavam

flácidas sobre os largos braços da poltrona.

Olhou a cama. Uma colcha de grosso algodão cobria os lençóis brancos. As

almofadas eram fofas. As cortinas do dossel estavam recolhidas nas colunas com

uns amplos laços combinando com a colcha. Se soltasse, a cama ficaria envolta em

nuvens primaveris de diminutas flores. Igual as flores das maçãs de Avening.

A idéia de chafurdar-se com Jack naquela fofa extensão, desnuda, dominou sua

mente e a deixou sem respiração.

— Pensa nela como em um sofá-cama extragrande.

Jack observou como se voltou para ele. Abriu os olhos de todo e lhe susteve o

olhar.

Clarice hesitou durante um segundo, logo, com a cabeça alta, se aproximou da

cama e se sentou na borda.

— O que faremos quando chegarmos a Londres? O que deveríamos fazer

primeiro?

Jack percebeu a mudança de assunto e também sua atitude desafiante. Ele

previra a necessidade de compartilharem a habitação, de fingirem ser marido e

mulher, ainda que isso não significasse que tivessem de compartilhar a cama; ele

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não era dos que deixavam passar uma oportunidade de guiá-la na direção que

desejava.

— Primeiro, deveria explicar a situação a sua família e ver que apoio está

disposta a oferecer, quais conexões e contatos têm que possamos aproveitar. Eu,

entretanto, alertarei a meus próprios contatos e verei o que posso averiguar e o

que se sabe de fora da Igreja. — Hesitou e logo acrescentou: — Faz uns dias,

enviei uma carta a alguém que deveria saber o que está ocorrendo.

Clarice o observou.

— Ao homem para o qual trabalhava? Esse “certo cavalheiro de Whitehall”?

Jack recordou que ela estava presente quando James disse essa frase, seu

código privado para referir-se a Dalziel.

— Sim. Esteve no comando das operações encobertas de sua majestade em solo

estrangeiro durante anos. Ainda ocupa essa posição, mas agora se encarrega de

atar fios soltos.

— Fios soltos como traidores ainda sem descobrir?

Jack percebeu a crescente inquietação em sua voz.

— Falei de James porque há um fato que mais que nenhum outro demonstra que

não é um traidor e ao meu ex-comandante em particular não passará despercebido.

Ela ficou olhando-o.

Jack sorriu.

— Eu. O mero fato de que esteja aqui, vivo, demonstra, além de toda dúvida,

que James não é um traidor.

— Meu primo sabia o que estava fazendo?

— Não só o que estava fazendo, mas onde estava. E apostaria o que fosse que

meu ex-comandante sabia que James tinha essa informação. Escapam-lhe poucas

coisas.

Clarice franziu o cenho.

— Mas isso significa que meu primo não corre perigo?

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— Não de ser condenado por traição. Nem você, nem sua família, nem eu, nem

meu ex-comandante, e muito menos o governo, queríamos que este assunto

chegasse a um juízo público. Os encargos atuais contra James são secretos, só se

conhecem no interior da Igreja. Podem ser estudados e descartados nesse foro,

tudo estará bem. Mas lamentavelmente, com o caso em mãos deles, as autoridades

seculares não podem intervir e calá-lo. A única coisa que podemos fazer é

proporcionar informação e provas na defesa de James. Sem embargo...

Deteve-se ao sentir o impulso de ocultar-lhe os aspectos mais perigosos, mas foi

demasiado tarde.

Com o cenho levemente franzido, ela o olhou e disse:

— Sabemos que James não é culpado, o que significa que alguém está se

esforçando muito para inventar essas acusações. Por quê? Tem que ter um motivo.

Jack fez uma careta.

— Esse é o ponto que suponho que será mais interessante ao meu ex-

comandante.

Chamaram a porta para anunciar-lhes que o jantar estava servido.

Clarice despediu a donzela com um gesto da mão.

— Obrigada, desceremos em seguida.

Jack observou como depois ela se aproximou do baú aberto e se inclinou sobre

ele para procurar algo. Finalmente, se ergueu com um estojo nas mãos, que deixou

sobre o toucador. Jack se aproximou surpreso diante do brilho das jóias e franziu o

cenho quando Clarice começou a procurar entre as peças.

— Isto é uma pensão.

— Exato — assentiu ela. — Uma pensão na qual se supõe que somos marido e

mulher. Ah... Aqui está.

Pegou um simples anel de ouro com três pequenas esmeraldas, ergueu a mão

esquerda e o colocou no dedo anular. Girou as esmeraldas para baixo, dobrou os

dedos e o examinou. Parecia uma aliança.

— Isto deve servir.

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A seguir, fechou o estojo, voltou a guardá-lo no baú, se ergueu e dedicou a Jack

um altivo olhar.

—Se alguém quer levar a cabo uma farsa de um modo convincente, tem que

pensar nesses pequenos detalhes.

Ele arqueou as sobrancelhas e lhe ofereceu o braço. Juntos caminharam até a

porta, que Jack abriu. Quando ela passou junto a ele, murmurou:

— Recordarei na próxima vez que nos façamos passar por marido e mulher.

Jantaram relaxadamente. A comida foi excelente e o vinho mais que passável.

Cômoda e segura na pequena saleta privada, Clarice dirigiu a conversa, decidida

a não dar-lhe mais oportunidades de deslocá-la.

Na próxima vez que se fizessem passar por marido e mulher!

Dedicaram-se a comentar as diversas coisas que haviam descoberto, enquanto

rebuscavam nas diferentes folhas de informação que James lhes havia dado.

Passaram a maior parte da viagem comparando uma lista com outra, conectando

tempos, lugares e pessoas com as quais James havia falado. Era tentador especular

sobre quais fatos exatamente giravam as acusações.

— A verdade é que é impossível saber até que não vejamos os dados

apresentados ao bispo.

Clarice enrugou o nariz, mas teve que reconhecer que Jack tinha razão. Ainda

assim, era difícil limitar-se a esperar e não fazer planos.

— Terá que armar-se de paciência — acrescentou Jack.

Clarice o olhou do outro lado da mesa. Quando se encontrou com seu divertido,

mas compreensivo olhar bufou.

A donzela entrou para retirar os pratos, seguida pelo dono da pensão, que

levava uma garrafa de porto. Clarice aproveitou a ocasião para bater-se em

estratégica retirada. Dirigiu-se ao homem:

— Por favor, felicite a sua esposa de minha parte. A comida foi excelente. —

Levantou-se e olhou a Jack, que esteve a ponto de levantar-se, mas então recordou

que se supunha que estavam casados. Clarice sorriu levemente. — Deixo-lhe com

seu porto.

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Para sua surpresa, Jack mudou de opinião e se levantou também. Assinalou-lhe

a porta.

— Tomarei esse copo no bar.

O dono da pensão sorriu e saiu apressadamente.

Clarice se dirigiu a porta e Jack a seguiu. Uma vez fora parou e olhou

brevemente o vestíbulo e a escada.

— Subirei logo. — Voltou a olhá-la. — Não feche a porta com chave.

Um desses detalhes que havia que recordar. Clarice leu a mensagem em seus

olhos e, com a cabeça alta, se voltou para a escada e se foi sem dizer a última

palavra. Isso poucas vezes acontecia, mas em algumas ocasiões o mais prudente

era a discrição. Sobretudo, tendo em conta que Jack ficou no vestíbulo,

observando-a até que o corredor superior a ocultou de sua vista. Ainda que Clarice

já não pudesse vê-lo, apostaria suas pérolas que seguiu escutando até ouvi-la

fechar a porta do quarto. Então e só então, moveu-se e foi para o bar.

Suspeitava que Jack tivesse intenções de averiguar quem mais passaria a noite

na pensão e se havia alguém a quem deviam evitar pela manhã. Isso seria o que

ela faria se estivesse em seu lugar. Enquanto soltava os cabelos de pé em frente ao

toucador, lhe ocorreu pensar que confiava nele do mesmo modo que confiava nela

mesma. Algo sem dúvida estranho e que não lhe sucedia com nenhuma outra

pessoa.

Curiosamente, isso só fez com que se sentisse mais decidida a desnudar-se e

meter-se na cama antes de Jack subir. Era absurdo mostrar-se tímida depois de

tudo o que se passou entre eles no templete. Sentia que havia algo bastante

diferente em tirar as roupas diante dele em um quarto totalmente iluminado. Ainda

que fosse ilógico, claro.

Refletiu sobre isso enquanto escovava rapidamente os cabelos. Clarice rara vez

era ilógica. Por que agora sim? Por que naquilo?

A resposta lhe chegou quando deixou o vestido sobre o baú. Era o caráter

doméstico implícito em tudo aquilo que lhe parecia desaconselhável; que parecia

pertencer a uma situação que combinaram que eles não viveriam. Enquanto

refletia, tirou a camisola, deixou-a sobre o vestido, alongou a mão para o

camisão... e sua voz soou em sua cabeça.

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“Para que?”

Talvez por um camisão fosse um toque doméstico que não necessitava.

Deu meia volta e, nua, se dirigiu a cama.

***

Jack subiu a escada felicitando-se por ter escolhido aquela pensão. Não só era

confortável, mas estava situada entre Londres e Reading, uma importante cidade

de destino e geralmente a alta sociedade a passava por alto. De fato, não havia

nenhum membro da aristocracia nem das camadas sociais superiores hospedado ali

nessa noite.

Alguns comerciantes, homens de negócios decentes e suas esposas, uma

clientela que, sem dúvida, justificava a qualidade do lugar, mas ninguém que

pudesse reconhecê-los a Clarice ou a ele.

Abriu a porta do quarto, completamente às escuras, e olhou ao redor. Clarice

havia apagado todas as velas e deixado corridas as cortinas das janelas. A única

coisa que podia ver dela era um vulto sob as mantas, no lado da cama mais perto

da parede. Soltara as cortinas do dossel, mas não os correra de todo. Ao fechar a

porta, desapareceu a pouca luz que chegava do corredor.

Jack se aproximou da cama sem fazer ruído e abriu a cortina. Entrou suficiente

luz da lua para que pudesse ver. Sentou-se na poltrona e tirou as botas. Sem

pressa tirou as roupas. Pendurou a jaqueta no armário e deixou a camisa e o jaleco

dobrados sobre a cadeira de respaldo reto.

Livre das roupas dirigiu-se a cama, levantou as mantas e deslizou-se dentro.

Quando apoiou o peso no colchão, Clarice rodou para ele. Jack o esperava; ela não

e teve que sufocar um grito. Ele, por sua parte, reprimiu uma gargalhada quando a

pegou e a fez girar com destreza até que ficaram cara a cara.

Clarice o olhou aos olhos e, nesse mesmo instante, Jack notou que estava tão

nua quanto ele. Toda ela era calidez, suas extremidades sedosas e suas curvas

exuberantes.

Clarice abaixou o olhar para seus lábios ao mesmo tempo em que ele o dirigia

para os seus. Alongou os braços para Jack quando ele a rodeou com os braços.

Quem beijou quem primeiro era discutível. O que seguiu foi sua habitual batalha

pela supremacia. No beijo, ela finalmente cedeu e lhe permitiu saquear sua boca ao

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seu desejo. Mas ainda que o satisfizesse nisso, logo, com as mãos sobre seus

ombros, o empurrou para trás.

Distraído, Jack obedeceu e se deitou de boca para cima. Viu-a flutuar-se sobre

ele na penumbra, observou como se erguia devagar, habilmente e, com um

controle total, descia sobre ele, submergindo-o no exuberante calor de seu corpo. A

seguir, cavalgou-o devagar, fazendo-os avançar a ambos inexoravelmente cada vez

mais forte e rápido até que o cume da satisfação os reclamou.

Jack a pegou pelas cadeiras e rodou para colocar-se em cima. Acomodou-se

entre suas pernas, a fez abri-las mais e a investiu fundindo-se profundamente em

seu interior. Só então abaixou a cabeça, buscou seus lábios e encheu sua boca

enquanto seu corpo se unia ao seu, saqueando-o com o mesmo ritmo

primitivamente erótico.

Clarice não pensava, só respondia e desfrutava do momento, das sensações, da

familiar e reconfortante penumbra libertadora; do calor que os atravessava, uma

deliciosa chama, a poderosa flexão do corpo dele enquanto a cobria, a possuía,

enquanto bailavam no interior da concha das cortinas de flores de maçãs,

encerrados em um mundo de ardente paixão e desejo selvagem.

Diante de sua demanda, Clarice lhe rodeou as cadeiras com as pernas; sentiu

que estendia a mão sobre seu traseiro e a fazia levantar as cadeiras para ele.

Arquejou quando se submergiu ainda mais profundamente em seu ávido corpo, em

seu calor, na fogueira que aumentava e que Jack seguiu alimentando até que nada

mais importou fora as rugentes chamas, do impulso para a liberação, da

necessidade de acabar.

O clímax chegou de repente e, durante um longo momento, se aferraran a ele,

presos e consumidos pelo êxtase. Logo caíram e sumiram na bendita inconsciência.

Jack se desabou sobre Clarice, que o abraçou e acariciou devagar os longos

músculos de suas costas. Notava as extremidades como se fossem de goma e ouviu

como o coração dele golpeava, antes de, pouco a pouco, ir reduzindo o ritmo.

Sentiu as batidas de seu próprio coração, notando na pele, nas gemas dos dedos,

relaxando-a.

Finalmente, Jack se moveu o suficiente para afastar-se de cima dela. Deixou-se

cair sobre a cama, lhe deslizou um braço por baixo do corpo e a atraiu para ele.

Sem forças, Clarice o permitiu. Apoiou a cabeça sobre seu peito e murmurou:

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— Supunha que não tinha que ser assim.

Tinha intenção de manter o controle, usar seu corpo para esmagá-lo e observar

como o saciava. Ainda sentia assombro pelo fato que pudesse fazê-lo, ainda a

fascinava.

Jack se relaxou ainda mais sobre a cama.

— Nem sempre conseguirá o que deseja.

Ela notava as pálpebras demasiado pesadas para levantá-las, para olhá-lo

fixamente, para reagir diante de seu tom que sugeria que havia captado sua

intenção, mas que não quisera satisfazê-la. Se tivesse contado com a força

necessária, teria enfrentado semelhante arrogância, mas o prazer lhe pesava

demasiado nas veias. Em outra ocasião. Nesse momento, o que a preocupava era

como seguir com sua relação em Londres.

Nisso era o que estava pensando enquanto o esperava na obscuridade. Contra o

que havia previsto, não tinha nenhuma pressa para acabar com sua aventura,

ainda não.

Embora tivesse muito que aprender e muitas dessas coisas ele podia ensiná-las.

Por muito arrogante que fosse sem dúvida lhe era útil. Clarice se moveu, se jogou

para trás e levantou a cabeça para poder olhá-lo no rosto.

Um cacho entre castanho claro e ruivo caíra sobre a frente. Clarice ergueu a mão

para ele ao mesmo tempo em que Jack girava a cabeça para olhá-la. Golpeou

torpemente a fronte com a mão e, inclusive com aquela tênue luz, o viu fazer uma

careta de dor. Notou a agulhada que o atravessou.

— O que ocorre?

Percebeu o alarme em sua própria voz e percebeu que o via como invencível

ainda que soubesse que não o era. Jack era de carne e ossos, e as pessoas de

carne e ossos podiam morrer com facilidade.

Uma parte dela esperou que lhe respondesse “Nada”, mas após um momento de

hesitação, viu que voltava a relaxar-se sobre as almofadas.

— Um ferimento recente.

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— Recente? — Tentou sentar-se para olhá-lo, mas o braço dele se esticou e a

segurou. Clarice franziu o cenho. — Quanto recente?

— Algumas semanas.

Ela piscou.

— Assim, esse é o ferimento...

Ao ver que não continuava Jack ergueu as sobrancelhas e aguardou.

— Na primeira vez que fui à mansão para visitar Anthony, a senhora Connimore

e você estavam falando de certa ferida.

Jack guardou silencio. Pela expressão de seu rosto, estava recordando a

conversa com a ama de chaves.

— Já vejo. — Voltou a fixar a vista em seu rosto e perguntou: — Que tipo de

ferida pensava que tinha?

Seu tom soou curioso, intrigado e receoso. Ela se sentiu tentada a dizer que não

havia pensado no assunto, mas a expressão de seus olhos lhe advertia que não se

deixaria enganar e inclusive começava a suspeitar o que havia pensado. Clarice

encolheu os ombros.

— Tenho três irmãos mais velhos. E logo chamou a Percy...

Deteve-se ao vê-lo esboçar um sorriso. Seu peito, debaixo dela, começou a

sacudir-se. Olhou-o com os olhos apertados.

— E logo disse que não teria filhos. Que diabos acredita que pensei?

Jack jogou para trás a cabeça e riu, tentando em vão não fazer muito ruído.

Clarice aguardou com irritada impaciência. Quando ele percebeu, converteu as

gargalhadas em uma risada sufocada e lhe sorriu.

— Disse que não teria filhos, não que não pudesse tê-los. — Sob as mantas, lhe

empurrou as cadeiras. — Pensei que, a estas alturas, teria lhe ocorrido fazer essa

distinção.

— Atrever-me-ia a dizer que me ocorreu pensar no assunto ultimamente. —

Apesar do tom altivo, era a verdade. Era tão claramente viril e vigoroso que se

esquecera que supostamente estava ferido.

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Sem dúvida, o estava e se o tom de um cenho franzido pudesse mudar, o dela o

fez.

— Como aconteceu? Qual é exatamente a ferida? Dói muito?

Jack fez uma careta. Em seus olhos, Clarice viu a habitual reação masculina

diante da inquietação feminina.

— Dói às vezes, mas ultimamente não tanto. Só foi um golpe na cabeça.

— Um golpe na cabeça que ainda lhe doía semanas depois?

— Que demônios estava fazendo para receber semelhante golpe?

Ele a olhou aos olhos, antes de voltar a acomodá-la contra ele e, para sua

surpresa, explicá-lo.

Clarice o escutou, por momentos intrigada, outras vezes comovida e outras

estupefata. Não fez nenhum comentário quando ele lhe contou como o haviam

enganado e golpeado com um porrete, precisamente o espião ao qual deveria ter

identificado.

Ainda que fosse evidente que o considerava um fracasso, que embora o irritasse,

o reconhecera como tal e o deixara atrás. Não dava voltas ao seu erro nem tentava

desculpá-lo. Clarice tinha suficiente experiência nas vicissitudes da vida para

apreciar a maturidade que supunha essa atitude.

Quando acabou o relato, ela franziu o cenho.

— Então, se retirou do serviço, mas ainda assim está a inteira disposição do

governo?

Jack negou com a cabeça.

— Trata-se melhor que o fazemos por uma boa causa. Os que temos servido em

nosso posto em particular são mais treinados para responder a certas situações. E

neste último caso, estávamos ajudando a um amigo, a um ex-companheiro de

armas, por assim dizer.

— Então, não me equivoco se penso que esses contatos com os que quer falar

em Londres são seus ex-companheiros e seu ex-comandante?

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— Exato. — Sufocou um bocejo. — Falarei com os que ainda estejam na cidade.

—Sua voz soava sonolenta. — E sim, nos ajudarão.

O cansaço o estava vencendo. Cada vez sentia as pálpebras mais pesadas.

Clarice se aconchegou contra seu peito e Jack ergueu a mão para acariciar-lhe a

cabeça, deslizando os dedos delicadamente por seus cabelos. A paz os envolveu,

cálida e nada exigente.

Nunca tinham compartilhado uma cama. Sem dúvida, essa proximidade lhes

agradou.

Clarice sentiu-se inesperadamente segura. Seu convencimento de que seus

amigos os ajudassem a defender a causa de James, tranqüilizou uma parte de si

mesma que ainda estava comovida diante da mera idéia que tivessem acusado seu

primo de um ato de traição. Mas mais fascinante fora a imagem dele que seu relato

lhe revelara; como o viam seus amigos, que formasse parte de semelhante grupo

de cavalheiros, leais defensores inclusive em tempos de paz, a quem os

encarregados de defender o país não duvidavam em chamar.

Veio-lhe a cabeça sua primeira idéia dele como um dissoluto playboy. Sorriu.

Como estava equivocada. Quanto mais descobria sobre Jack, mais gostava dele e

mais o apreciava. Deus sabia que estava a meio caminho de considerá-lo admirável

e havia poucos homens aos quais Clarice outorgava esse reconhecimento. Enquanto

o sono lhe nublava devagar a mente, não conseguiu recordar-se de nenhum.

Sentiu desaparecer toda tensão do corpo de Jack, percebeu como dormia.

Escutou sua lenta e regular respiração, notou as batidas de seu coração sob a

bochecha, um apagado e sólido golpear, regular e confiável. Rodeava-a com um

braço, não forte, mas com firmeza. Não a limitando, mas confortando-a, uma

proteção, não uma restrição. O sono a reclamou e se deixou levar, relaxada em

seus braços. Cálida, cômoda, saciada e protegida.

Fazer-se passar por marido e mulher com ele não era em absoluto nada mal.

Esse pensamento a fez reagir, surpreendeu-a, mas Clarice sorriu e deixou que o

pensamento se afastasse até dormir.

Pela primeira vez em sua vida, Jack acordou ao amanhecer com uma mulher em

seus braços.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Embora se deitasse com infinidade de mulheres, nunca antes compartilhara uma

cama durante toda a noite.

Mas aquela, sua rainha guerreira, era diferente em quase tudo. Despertar com o

contato de suas cálidas, suaves, essencialmente femininas extremidades rodeando-

o, com suas curvas coladas as suas costas de um modo provocador, lhe parecia a

maior recompensa.

Nem pensou antes de levantar a mão e passá-la levemente pelo braço, pela

turgencia dos seios, pelas cadeiras até a longa pendente do músculo.

Não necessitava pensar para excitá-la delicadamente, para despertar seu corpo,

receptivo e instintivamente ardente.

Clarice se abriu como uma flor ao seu contato. Embora meio adormecida, lhe

escaparam uns suaves suspiros quando ele a guiou para um despertar de um tipo

diferente, para um poder distinto.

Sensual, ávido, ainda que reverente, esse poder parecia fluir de seus dedos, de

suas mãos enquanto a acariciava. Quando se elevou sobre ela e se acomodou entre

suas pernas, suas pálpebras tremeram e se abriram um pouco e de todo quando a

encheu. Olhou-a nos olhos quando se fundiu nela por completo.

Seus lábios se separaram para exalar um suave suspiro, logo se relaxaram e

sorriu. Suas pálpebras voltaram a fechar-se, ocultando uns escuros olhos,

brilhantes pela paixão, uma paixão que ele havia provocado.

Jack abaixou a cabeça, cobriu os lábios de Clarice com os seus e a tomou com

delicadeza enquanto o amanhecer tingia o céu e projetava uma suave luz dourada

que atravessava a estância até onde os dois se mexiam na cama, rodeados por

nuvens de tênues flores de maçãs.

Sem pressa. Um lento avanço por uma paisagem que já conheciam bem,

detendo-se com a respiração entrecortada, sufocada, para saborear aqui e ali, para

deixar seus sentidos se expandirem e juntos absorverem a apaixonada beleza de

cada fase; de cada passo, no avanço para a culminação, uma que não duvidavam,

chegaria, estava implícita no movimento de seus corpos, no repetitivo movimento

que os mantinha unidos, absortos, conscientes de muito pouco, mais além da

ardente umidade da pele, da entrecortada respiração, dos desejos e necessidades.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Uma verdadeira comunhão de corpos e mentes que, afinal, quando alcançaram o

clímax e juntos cederam e se deixaram levar, se converteu em una comunhão de

almas.

Permaneceram deitados um nos braços do outro. Nenhum dos dois falou. Ambos

reconheceram o poder que aumentava entre eles, sabiam que o outro o percebia

também, mas era demasiado novo para que pudessem identificá-lo e descrevê-lo.

Jack moveu a cabeça e lhe deu um delicado beijo no ombro. Um instante depois

notou como sua mão lhe acariciava a cabeça e lhe alvoroçava os cabelos com

doçura. E sentiu-se feliz. Pelo momento.

Seu objetivo final, que desejava, necessitava e pelo qual lutaria, agora não só

estava claro, mas também definido. Jack queria despertar-se assim, justo assim,

todas as manhãs do resto de sua vida.

Chegaram a Londres na primeira hora da tarde. Clarice ia ficar com a carruagem

e Jack deu instruções ao cocheiro para que se dirigisse primeiro a Montrose Place.

Centrada em sua campanha para exonerar James, Clarice havia prestado pouca

atenção ao exterior, mas quando a carruagem se deteve na porta do número 12 de

Montrose Place, deixou de enumerar os fatos que já sabia para contemplar a casa.

— Este é o seu clube?

— O clube Bastion. — Jack abriu a porta do coche e desceu. Explicara-lhe que

era um clube privado, fundado por seus ex-companheiros e era como um baluarte

pessoal contra as mães casamenteiras. — Espere aqui. Deixarei a mala com

Gasthorpe, nosso mordomo, e voltarei em seguida.

Um servente já havia saído do clube e estava pegando a bolsa de viagem.

Clarice assentiu com o olhar fixo na fachada do edifício, como se buscasse seus

pontos fracos.

Jack reprimiu esse pensamento e seguiu o criado. Gasthorpe se reuniu com ele

na porta.

Deixou a bolsa ao seu cuidado e lhe informou que ficaria um tempo embora

indeterminado.

— É um prazer tê-lo de volta, milorde e, claro, aqui tudo está preparado.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Se necessitar qualquer outra coisa, não tem mais que dizer.

Jack lhe sorriu. Estava a ponto de ir-se quando lhe ocorreu perguntar:

— Quem mais está aqui atualmente? Crowhurst?

— Penso que o conde regressou a Cornualha ontem, milorde. Mas o visconde

Paignton regressou conosco na semana passada. Creio que tem intenção de ficar

umas semanas. E o marquês está também na cidade e passa noites aqui com

freqüência.

Jack se despediu e virou-se. Assim, Deverell estava por ali e Christian Allardyce,

marquês de Dearne, também estava disponível. Um excelente apoio, se o

requeresse. Jack indagaria sobre o que sabiam e usaria assim seus contatos.

Ainda sorria quando chegou à carruagem. Clarice se recostou enquanto o olhava.

— Parece... Ansioso.

Seu sorriso se intensificou.

— É o olor da pressa no vento.

Ela resmungou e olhou para o nada quando o coche voltou a por-se em marcha.

Jack notou que contemplava as fachadas e que já não estava absorta no problema

de James. Franziu levemente o cenho.

— Aonde vamos agora? — perguntou.

— Dei instruções ao cocheiro. — Ao final de um momento, Clarice percebeu que

não lhe havia respondido e o olhou. — Ao hotel Benedict’s, em Brook Street.

Jack piscou. Quando ela mencionou que se instalaria em um hotel, supunha que

se referia ao Grillons, esse bastião de todo o correto, onde não poderia ter-se

arriscado a visitá-la. No Benedict’s era outra historia totalmente diferente. Pelo que

tinha ouvido se tratava de um estabelecimento extremamente exclusivo, onde se

alojavam só os membros dos níveis mais altos da aristocracia. Não tinha

habitações, mas suítes.

Quando a carruagem se deteve diante do elegante edifício, em Brook Street, e

acompanhou a Clarice ao interior, pela sutil e obsequiosa boa vinda que recebeu,

de imediato ficou claro que era uma hospede conhecida e distinta.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Temos preparado seus aposentos de sempre, milady. — O elegante concierge

deixou seu posto em mãos de um subordinado e se dispôs a acompanhá-la em

pessoa. — Naturalmente, qualquer coisa que desejar que possamos fazer por você

durante sua estadia, faça-nos saber. Será um autêntico prazer para nos atendê-la.

Subiram a escada principal, que era tão ampla como a de qualquer residência

ducal. O concierge os guiou pelo suntuoso corredor até uma porta, abriu-a e deixou

Clarice passar.

Atrás dela, Jack se deteve para examinar o lugar. Tomou nota da escada de

serviço, visível ao fundo do corredor, e quando voltou a olhar o rosto do concierge,

o viu alentadoramente inexpressivo. Era evidente que o pessoal do Benedict’s sabia

quem mandava.

Com um leve sorriso, inclinou a cabeça e entrou nos aposentos.

Era uma luxuosa suíte. A primeira sala era uma grande sala de estar separada

do dormitório por uma arcada. Um espelho emoldurado em dourado ocupava a

parede, sobre a lareira de mármore, e de todas as paredes pendiam apliques

dourados com forma de cupidos. Apesar da fina tapeçaria, tanto o divã como as

poltronas pareciam fofas e acolhedoras e toda a carpintaria brilhava. Duas longas

janelas davam para Brook Street.

Jack se aproximou para olhar enquanto Clarice entrava no dormitório e dava

instruções aos serventes que tinham chegado com seu baú.

Como um mordomo bem instruído, o concierge instou aos serventes que saíssem

depressa, fez uma reverencia e se retirou.

Jack se voltou quando Clarice se aproximou dele. Olhou-a nos olhos e para a

rua.

— E agora que estamos aqui, o que é o seguinte?

Jack seguiu seu olhar. Era meio da tarde e Brook Street estava transbordante de

carruagens que levavam as matronas de um chá vespertino a outro.

— Não há muito que possamos fazer no que resta do dia. A menos que deseje

visitar a sua família.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Estas horas da tarde não são um bom momento para ir de visita sem avisar,

não durante a temporada. Todos estão ocupados preparando-se para seus

compromissos noturnos.

Jack assentiu.

— Espero receber noticias de meu ex-comandante. Disse-lhe que estaria no

clube a partir desta noite. Deveria estar ali se desejar contatar comigo. — Também

se encontraria com Deverell e lhe advertiria que provavelmente necessitaria sua

ajuda.

Clarice o olhou.

— Talvez o melhor fosse nos retirarmos cedo esta noite. Assim poderemos

começar nossa campanha pela manhã bem descansados.

Jack estudou seus escuros olhos e pensou se ela, como ele, estaria considerando

formas e meios de encontrar-se logo, mas ainda tinha que reconhecer o terreno,

confirmar se poderia entrar e sair de seus aposentos sem arriscar-se a organizar

um escândalo, ver se o hotel era tão tolerante como parecia.

— Provavelmente isso seja o melhor.

— Muito bem.

Clarice hesitou e lhe apoiou uma mão no peito pondo-se nas pontinhas dos pés.

Pretendia dar-lhe um beijo no rosto, mas Jack girou a cabeça e seus lábios se

encontraram.

Rodeou-a com os braços, atraindo-a e grudando-a ao seu corpo e deixou que o

beijo se deslizasse para o reino da acalorada sensualidade que ambos desejavam.

Quando Jack ergueu a cabeça, os dois respiravam mais rápido; os olhos de

Clarice estavam mais escuros e brilhavam suavemente com paixão quando

retrocedeu e escapou de seus braços.

— Eu... — Para deleite dele, teve que piscar para poder centrar-se de novo. —

Irei ver meu irmão pela manhã. Melhor fazê-lo antes que saia.

— Virei lhe ver ao meio dia. Poderemos falar sobre nossos avanços até esse

momento e planejar nosso seguinte movimento durante o almoço.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Clarice assentiu, sorrindo com doçura.

— Até amanhã então.

Jack retrocedeu, fez uma elegante reverencia e a deixou enquanto ainda lhe era

possível. Desceu pela escada secundária e confirmou que desembocava em um

pequeno vestíbulo cuja porta dava a uma estreita rua lateral. Comprovou a

fechadura e não seria nenhum obstáculo para alguém como ele.

Com as mãos nos bolsos do abrigo, atravessou a planta baixa enquanto

memorizava a distribuição, saiu do edifício pela porta principal e saudou ao

concierge ao passar junto ao mostrador daquele respeitável personagem.

O Benedict’s era, sem dúvida, um excelente hotel.

Na rua, Jack se deteve e estudou a situação. Não lhe cabia dúvida que Dalziel

interpretaria os acontecimentos até o momento como ele o fizera. Seu ex-

comandante se poria em contato com ele quando lhe fosse possível, não teria que ir

buscá-lo. Teria que esperar analisar com ele os fatos para desafiar ao bispo, pelo

que havia pouco que pudesse fazer até então.

Franziu o cenho e se permitiu pensar na dor de cabeça, que ia pouco a pouco

aumentando. Estivera ignorando-a tenazmente durante a última hora. A

experiência lhe indicava que não desapareceria, não durante o resto do dia e que

inclusive poderia piorar.

O que mais lhe preocupava era que fazia semanas que a dor não era tão forte.

A consulta com Pringle estava em Wigmore Street, ali a só duas quadras de

distancia.

Jack girou nessa direção. A essa hora, o cirurgião estaria lá. Seria bom se o

tranqüilizasse um pouco.

— Fez grandes progressos! — Pringle se afastou de Jack, que estava apoiado na

borda da mesa do médico, ainda piscando pelos efeitos das centelhas de magnésio

que este usara para comprovar suas pupilas.

— Estou verdadeiramente impressionado. — O médico começou a guardar os

numerosos instrumentos que havia empregado para comprovar as respostas de

Jack. — Seja o que for que esteja fazendo, era justo o que necessitava. Nunca

imaginei que melhorarias tanto em... Quanto tempo? Duas semanas?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack assentiu e se massageou a fronte.

— Mas me volta a doer a cabeça. Por quê?

— Acaba de chegar à cidade. Veio a cavalo?

Ele negou com a cabeça.

— Na carruagem. Dois dias de viagem.

— Bem, aí o tem. — Pringle começou a limpar outros acessórios. Fizera entrar a

Jack quando seu último paciente saíra. — Uma carruagem bamboleante todo esse

trajeto provocaria uma boa dor de cabeça a qualquer um. Em seu caso, dado o seu

ferimento, provocou uma mais forte. Não volte a fazer até que não esteja

totalmente recuperado. Para aliviar a dor, te sugeriria que fizesse o que seja que

esteja fazendo ultimamente. Está claro que com você funciona.

Ele franziu ainda mais o cenho.

— Não estive fazendo nada, nada medicinal ao menos. Não que eu o saiba.

— Ah, sim. — Pringle examinou de perto um escalpelo e o esfregou com mais

força. — Certo que sim. Não me cabe dúvida que está fazendo algo medicinal, mas

estou de acordo em que pode não ter percebido o eficaz que pode ser alguma

atividade. Por exemplo, os banhos turcos, ou certos ungüentos com ervas ou

inclusive perfumes. Ainda que provavelmente não esteja usando. — Com um

sorriso, continuou recitando hábitos comuns que sabia que aliviavam a dor de

cabeça.

Jack escutou e foi eliminando-os um por um. A maioria parecia tão pouco

provável como os perfumes, até que Pringle concluiu como sem dar importância:

— E logo está a socorrida liberação sexual.

Ele piscou surpreso.

— Isso funciona?

— É um antigo remédio. Não funciona com todas as dores de cabeça e tem

maior efeito quando se pratica antes que a dor apareça. Sempre imagino que é

benéfico por algum mecanismo de pressão e liberação.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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Jack repassou rapidamente os encontros com a rainha guerreira e os relacionou

com sua recente ausência de dores de cabeça.

— É fascinante. — Notou que o médico o estava observando com um divertido

brilho nos olhos. Jack sorriu e se incorporou, fez uma careta de dor quando a

cabeça lhe palpitou. — Obrigado. — Estendeu-lhe a mão. — Por seu excelente

conselho.

Pringle lhe devolveu o sorriso e lhe apertou a mão.

— Algumas semanas mais de descanso com seu remédio intercalado e prevejo

que as dores passarão a formar parte do passado.

Jack se dirigiu a Montrose Place. Como não poderia recorrer a sua fantástica

medicina essa noite, teria que conformar-se com o ar fresco. Perguntou o que

opinaria Clarice a respeito de seus encontros serem qualificados como remédios

medicinais. Sua possível reação fez com que esboçasse um sorriso e o ajudou a

esquecer sua palpitante cabeça durante o breve passeio até o clube.

A enxaqueca piorou consideravelmente depois do jantar. Ao final, cedeu diante

da feroz dor e das náuseas que o dominavam cada vez que tentava mover-se, a

espantosa agonia quando tentava pensar e se retirou antes que Deverell

regressasse.

Era mais importante que estivesse alerta e em funcionamento pela manhã; já

consultaria com seu amigo mais tarde, isso podia esperar. Quando se enfiou sob os

frios lençóis e apoiou a cabeça na almofada, rezou para que Dalziel não o

requisitasse essa noite.

Dalziel não o reclamou. Apareceu na manhã seguinte, antes que Jack tomasse o

desjejum. Apesar da cômoda cama e de suas boas intenções, não dormira bem,

mas ao menos a dor de cabeça havia remetido até um nível suportável.

Resmungando sobre o cedo que era — não eram nem nove horas, — Jack seguiu

a Gasthorpe ao primeiro piso. O mordomo acompanhara seu fleumático visitante a

biblioteca.

Jack parou diante da porta.

— Traga café. O antes possível.

Gasthorpe se inclinou.

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— Imediatamente, milorde.

Jack abriu a porta e entrou. Ao fechá-la, parou um momento para estudar a alta

figura de pé diante das longas janelas que davam ao jardim traseiro. Dalziel —

ainda tinham que averiguar qual era seu verdadeiro nome — compartilhava muitas

características com os homens aos quais dirigia. Era mais ou menos da mesma

altura que Jack e uma constituição parecida, algo mais delgado talvez. Não

obstante, seu aspecto era o mais ameaçador de todos.

Em sua presença, qualquer que tivesse a mínima capacidade de perceber o

perigo se mantinha totalmente alerta.

Jack soltou o pomo da porta e viu como Dalziel se voltou para ele como se até

esse momento não fosse consciente que estava ali. Jack riu para si por seu perfeito

fingimento. Dalziel era o homem mais perigoso que conhecia.

A máxima personificação dos senhores da guerra que os normandos haviam

deixado espalhados por toda Inglaterra.

— Bom dia. Não te perguntarei o que o traz por aqui. — Jack lhe assinalou uma

poltrona e se sentou na outra ao lado, enquanto se esforçava para ocultar qualquer

rastro de dor do rosto.

— Não, claro. — O tom de Dalziel deixava claro que não estava em absoluto

contente com o assunto que o havia levado ali. Seus escuros olhos examinaram o

semblante de Jack. — Lamento que seu amigo James Altwood se viu envolvido em

uma trama idealizada para desacreditar-me.

— A você? — Jack franziu o cenho. Tratava-se de Dalziel. Seria uma perda de

tempo por em dúvida suas palavras. Se ele dizia que era assim, era assim. — Que

trama? E como pode ser que James se viu envolvido?

Seu ex-comandante tamborilou com os dedos com o olhar fixo mais além dele.

— A respeito disso só posso especular, mas suponho que a trama foi organizada

porque, como tenho certeza que você e os outros membros do clube sabem; estou

procurando a um último traidor, que, por diversas razões, creio que continua sem

ser descoberto, impenitente e impune, oculto nos mais altos níveis do poder.

Uma chamada na porta anunciou a chegada de Gasthorpe com uma bandeja.

Dalziel aguardou que o mordomo servisse o café e se retirasse. A seguir, olhou a

Jack aos olhos.

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— Não sei quais contatos pode ter esse traidor e que tipo de poder ostenta ou se

simplesmente se trata de dinheiro ou de um status ou posição no governo. Não

obstante, tenho topado com demasiadas inconsistências ao longo dos últimos anos

para não suspeitar de sua existência. Por desgraça, até a data minhas suspeitas

são as únicas coisas que tenho.

Jack apertou os olhos e bebeu um gole de seu café.

— Então, acredita que esta conspiração surgiu porque ele, quem quer que seja

não gosta que abrigue essas suspeitas?

Dalziel assentiu.

— Uma forma bastante apropriada de descrevê-lo.

— Mas essa conspiração, a existência da mesma, como a desse último traidor, é

só uma mera conjetura por sua parte?

Dalziel esboçou uma careta irônica.

— Exato. O que creio que sucedeu é que, sabendo que ainda o procuro, o

verdadeiro traidor se propôs a principio ao menos, entregar-me uma cabeça de

turco, alguém a quem pudesse confundir com ele, eliminá-lo e dar por concluído

meu trabalho.

— E retirar-se?

O outro assentiu com a cabeça.

— Para todos nos, a guerra forma parte do passado e é hora de regressarmos a

vida civil e a nossas responsabilidades nela. Esse traidor pensa enganar-me dando-

me outra presa em seu lugar.

— Assim, procurou um bode expiatório adequado... E encontrou James. — No

instante, Jack compreendeu por que haviam escolhido ao seu amigo.

— Exato. James Altwood foi uma escolha inspirada. Teve acesso a informação

potencialmente prejudicial para a causa militar, coletou e estudou dados pelos

quais Napoleão e seus generais pagariam um alto preço. Não vi o conteúdo das

acusações, como nos dois sabemos, — Dalziel sorriu a Jack, um sorriso que não se

viu refletido em seus olhos — James Altwood não é um traidor.

Fez una pausa e continuou:

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— Nunca lhe perguntei se você, desobedecendo minhas ordens, revelou seu

status e sua posição a Altwood; mas quando seu pai morreu e ele correu

diretamente a mim para que lhe enviasse uma mensagem, ficou bem claro que

sabia mais que o suficiente para assegurar-se de seu desaparecimento no caso de

ser um espião. — Encolheu os ombros. — Em vista de estar aqui, são e salvo, fica

bem claro que Altwood não é um traidor, sobretudo, tendo em conta sua vigilância

sobre Elba. De todos meus agentes, quando Napoleão estava planejando seu

regresso, você teria sido o principal objetivo. Ainda está vivo porque nunca

souberam que existia, porque James Altwood não é um traidor. Nenhum traidor,

por muito apreço que lhe tivesse, teria deixado de mencioná-lo em semelhantes

circunstancias. Amassaram-se fortunas com menos.

Dalziel deixou a um lado a xícara de café ao final de um momento e continuou:

— Mas o verdadeiro traidor desconhece essa série de fatos tão reveladores. Se

ele está atrás de tudo isto, descobriu a Altwood e percebeu as possibilidades, do

sensacional que seria uma acusação de traição contra ele; e ou inclusive mais

sensacional, seria o fracasso desse juízo e como um resultado assim prejudicaria a

quem quer que fosse tão imprudente para instigar o processo contra o vigário.

— Você. — Com os olhos ainda apertados, Jack seguiu seu argumento. — O

verdadeiro traidor pensou que se balançaria sobre James, que o pegaria pelo

pescoço e o arrastaria diante dos tribunais. E logo...

— Uma vez que o caso fracassasse e o verdadeiro traidor se assegurasse que

assim seria; e do modo mais espetacular, isso provocaria que qualquer acusação

que eu pudesse fazer contra qualquer um posteriormente não só fosse ineficaz,

mas também irrisória.

— Basicamente, lhe anularia; ao menos no referente a levar traidores diante da

justiça.

— Exato. — Dalziel franziu o cenho. — Não obstante, antes que nos adiantemos

demasiado, nada do que acabo de contar-lhe é um fato demonstrável. A respeito de

James Altwood passar segredos aos franceses, posso dizer que não há nenhuma

prova disso, absolutamente nada que apóie essa acusação, nada mais além do fato

circunstancial que tinha acesso a informação confidencial e a capacidade de

compreendê-la.

Olhou a Jack aos olhos.

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— Isso, claro, o saberiam muitos. Parece que, a acusação contra Altwood

poderia ter surgido de alguma mesquinha inveja ou da necessidade de causar

problemas. Pode ser que nem esteja dirigida para ele, mas para seus superiores, ou

aos clérigos investigadores em geral. Não há nenhum motivo para que a situação

tenha que ser um complô orquestrado por um traidor. Ainda que uma razão pela

qual meus instintos me empurram nessa direção é que é demasiado fácil que

Altwood esteja envolvido. Não só é um estudioso de renome, um membro de Balliol

desde muito tempo, mas um clérigo investigador muito bem considerado pelo bispo

e pela hierarquia da Igreja. Só por isso já seria bastante mal que tivesse que

envolver-me, além de ser um Altwood, ainda tenho ouvido que é uma espécie de

ovelha negra para sua família. Ainda assim, para toda a alta sociedade, para todo o

governo, segue sendo um Altwood. Se a família o apóia, como espero que façam,

ninguém que tente julgá-lo terá muito que fazer a respeito.

Jack só podia estar de acordo. A calculadora e desapiedada mente que havia

atrás de um complô assim, se realmente era uma conspiração desse último traidor

para desacreditar a Dalziel, era esmagadora.

Tony Blake e Charles St. Austell haviam informado aos outros membros do clube

Bastion que Dalziel continuava procurando um traidor muito bem oculto. Alguns

poderiam considerar semelhante perseverança uma obsessão nada saudável, mas

Jack não estava de acordo com isso, nem tampouco os outros membros do clube.

Todos conheciam o comandante. Seus instintos, sua capacidade para interpretar

a informação e as ordens que dava em conseqüência, às vezes aparentemente

contrarias a segurança, os havia mantido a todos com vida durante muitos anos

atrás das linhas inimigas. Se Dalziel acreditava que ainda havia um traidor solto, o

apoiariam.

— Assim, os encargos contra James poderiam ser o complô de um traidor para

desacreditá-lo ou algo mais inocente, por exemplo, a vingança de um rival

invejoso.

O outro assentiu com o olhar fixo no rosto dele.

— Há algum rival implicado?

Jack fez uma careta.

— Parece que sim. Foi quem apresentou as acusações diante do bispo. Esse

homem perdeu a beca de investigação a favor de James.

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Ao final de um momento, Dalziel murmurou:

— Isso o converteria em um excelente títere ao qual o verdadeiro traidor poderia

explorar.

Jack assentiu.

— Está nos primeiros postos de minha lista das pessoas a quem desejo

interrogar.

Olhou ao seu ex-comandante e ergueu as sobrancelhas em um gesto de muda

interrogação.

Dalziel suspirou.

— Sou consciente que sua presença aqui é uma benção, sem sua conexão com

Altwood nem poderia investigar diretamente. Assim, claro, bisbilhote, faça

perguntas, investigue e faça o que for necessário para que se retirem os encargos

contra o vigário. Sobretudo, mantenha-me informado de tudo o que averiguar.

— E em troca?

Jack necessitava que Dalziel lhe abrisse portas, mas não tinha nem a mais

remota idéia para quais portas ele tinha as chaves.

— Em troca lhe informarei qualquer coisa pertinente que passe por minha mesa.

Escreverei ao bispo de Londres e lhe direi duas coisas. Uma, que após ter sido

informado das acusações que estão a ponto de dirimir-se em seu tribunal,

investiguei e não posso encontrar nenhuma prova que James Altwood vendesse

segredos ao inimigo. Claro, ele terá que tomar sua própria decisão baseando-se nos

fatos que lhe apresentar. — Susteve o olhar de Jack. — Não posso fazer nenhuma

declaração que possa interpretar-se como se estivesse me adiantando ao juiz da

Igreja.

Ele assentiu.

— O segundo que direi ao bispo é que você foi um funcionário do governo com

experiencia nestes assuntos, e que independentemente de sua conexão com

Altwood, deve confiar em você como se fosse eu.

Jack deixou que a surpresa se refletisse em seu rosto. Não esperava que Dalziel

lhe abrisse as portas do mesmíssimo palácio Lambeth; isso lhe parecia querer

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demais. O fato que pudesse chegar tão longe só vinha confirmar, como já fazia

tempo suspeitavam seus companheiros e ele, que pertencia a uma dessas famílias

tão antigas que tinham membros e contatos em todos os estratos da elite no poder.

Voltou a centrar o olhar em seu ex-comandante e viu um toque de diversão em

seus escuros olhos. Uns olhos muito parecidos a outros que agora conhecia bem...

Dalziel se levantou.

— Entendo que com isso bastará?

— Claro. Pelo momento. — Jack se levantou também e lhe estendeu a mão.

O outro a apertou e se voltou para a porta.

— Se puder descobrir quem está atrás das acusações contra Altwood, eu o país

lhe deveremos outro favor. — Parou diante da porta e olhou a Jack aos olhos. — E

os Altwood também, claro.

A límpida inteligência de seu olhar assegurou a Jack que, em caso de os Altwood

ficarem em dívida com ele, seu ex-comandante sabia exatamente o que poderia

pedir-lhes. Já conhecia sua relação com Clarice; a única dúvida que ficava a Jack

era quanto sabia. Como o descobrira seria, como sempre, um mistério.

Resignado, Jack se limitou a sorrir e esticou o braço para o pomo da porta, mas

esta se abriu antes que pudesse agarrá-lo e apareceu Gasthorpe. Ao vê-los, o

mordomo retrocedeu e olhou a Jack aos olhos.

— Uma... Pessoa veio vê-lo, milorde. Está esperando na saleta.

No instante, Jack soube quem era. Dalziel, claro, não; ele não sabia que a saleta

era a pequena sala junto à porta principal reservada para receber a mulheres.

Sorrindo, Jack assentiu.

— Acompanharei ao senhor Dalziel a porta e atenderei a visita.

Com um gesto da mão, indicou ao seu ex-comandante que o precedesse pela

escada. Enquanto ele o seguia sem pressa, viu demasiado tarde que a porta da

saleta estava aberta de par em par. Gasthorpe não a deixara assim, mas em vista

de quem aguardava ali dentro, não era difícil imaginar por que não estava fechada.

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Diante dele, alheio a qualquer perigo, Dalziel atravessou o vestíbulo principal até

a porta principal e ficou a vista de quem quer que estivesse na sala.

Aquilo pensou Jack, ia ser interessante.

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Capítulo 12

Não só interessante, mas também revelador.

Dalziel chegou à porta principal e parou ao perceber a presença de outra pessoa.

Voltou-se para a saleta. De onde estava, tinha uma clara visão da sala.

Jack, que o observava com atenção, viu que, ao aproximar-se, uma infinitesimal

tensão aparecia nos ombros de Dalziel sob a elegante jaqueta, mas então o homem

se inclinou, correto e distante para a saída e deu a volta.

Jack manteve uma expressão relaxada e despreocupada. Fingiu ignorar esse

pequeno incidente e suas implicações. Abriu a porta e acompanhou ao seu ex-

comandante fora. Quando as botas dele tocaram o cascalho, fechou a porta da rua

e, intrigado, entrou na saleta.

Clarice se encontrava diante da janela, olhando através das cortinas como

Dalziel se afastava. Quando Jack fechou a porta, se voltou para ele com um familiar

franzimento de cenho.

— Quem é? — perguntou Jack.

Clarice o olhou e piscou surpresa.

— Você não sabe?

— Disse-lhe que o conhecemos só como Dalziel.

— Ele é seu ex-comandante?

— Sim. — Jack se deteve diante dela enquanto observava seu rosto. — Você o

reconheceu, não é certo? E ele, sem dúvida, reconheceu você.

— Maldição! — Franziu ainda mais o cenho. — Odeio isso.

— O que?

— Que ele saiba quem sou eu, mas eu não recordo seu nome.

— Mas o conhece?

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Não exatamente. Encontrei-me com ele, mas foi há anos, muitos anos, na

festa de aniversário de Miranda Folliot. Eu tinha... — Parou para calcular. — Nove

anos. Era uma dessas festas as quais tinha que assistir. Ele, quem quer que seja,

tinha quinze anos no mínimo. Estava em Eton com o irmão mais velho de Miranda,

creio. Ainda que não fosse por isso que estava lá. Mesmo todos os assistentes

éramos meninos, havíamos sido convidados com o mesmo objetivo de sempre em

mente.

— Propiciar compromissos?

— Considerava-se prudente animar-nos a conhecer-nos entre nós já de

pequenos. — Sorriu irônica. — Esse era o círculo no que se supunha que

deveríamos escolher nossos cônjuges.

Jack lhe sorriu.

— O que faz aqui?

— Vim planejar com você o que deveríamos fazer.

— Pensava que ia falar com seu irmão.

— Decidi que não é muito útil o assunto com minha família antes que saibamos

quais são realmente as acusações. Não quero parecer uma histérica, como se lhes

estivesse falando de alguma situação imaginaria que eles pensem ser impossível.

Para seu alívio, Jack assentiu.

— Dalziel tampouco conhecia os detalhes das acusações. Ainda que confirmasse

que se ouvem rumores no entorno imediato do bispo sobre James ter passado

informação ao inimigo.

Clarice viu que tinha muito mais que contar-lhe. Acomodou-se em uma das

poltronas e lhe assinalou a outra, em frente da sua.

— O que mais lhe disse seu ex-comandante?

Jack pensou quanto mais dizer-lhe enquanto se sentava. Logo se relaxou, apoiou

os ombros nas almofadas e se dispôs a falar sem nenhuma reserva. Ela não podia

dizer por que estava tão segura desse último, mas o estava. Escutou com atenção,

perguntou e ele respondeu enquanto lhe contava o detalhe da cruzada de seu ex-

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comandante para descobrir um último traidor e por que isso poderia ser a principal

causa que havia atrás da difícil situação de James.

— Que... — pensou na palavra correta — diabólico! Que James, sua reputação,

inclusive a reputação de minha família devam ser postas em perigo de um modo

tão arrogante.

Quem quer que seja essa pessoa não tem nenhum escrúpulo.

— Creio que isso podemos ter como certo.

Clarice percebeu seu tom seco e o olhou aos olhos.

— Sempre é assim a espionagem? Sempre assume que o outro não tem

nenhuma moral?

Jack refletiu e respondeu:

— É mais seguro trabalhar sobre essa base.

Ela pensou em como seria trabalhar constantemente nessas circunstancias, sem

poder confiar em nada nem em ninguém. “Solitário” foi a palavra que lhe veio a

mente.

Mas esses pensamentos eram uma distração. Olhou a Jack, estava a ponto de

perguntar o que deveriam fazer a seguir quando viu que em seus olhos se refletia

fugazmente uma dor que desapareceu quando centrou o olhar nela.

— Dói-lhe a cabeça?

Ele hesitou e apertou os lábios.

— Sim. — Prescindindo de qualquer fingimento, levantou as mãos e massageou

as têmporas. — É pelo trajeto de carruagem...

Uma sensação de alarme desconhecida para ela a atravessou.

— Tem que ver seu médico. — Levantou-se e se dirigiu para a campainha. —

Como se chama?

— Não, não. — Com a mão, lhe indicou que voltasse a sentar-se. — Já fui vê-lo.

Ontem, depois de deixá-la.

Clarice voltou a sentar-se contrariada.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Doia então?

Ele fez uma careta.

— Era cada vez mais forte.

Agora que se vira forçado a reconhecê-lo, parecia menos relutante a falar sobre

seu estado. Clarice o pressionou.

— O que lhe disse?

Jack continuou massageando-se as temporas.

— A verdade é que ficou impressionado com meus progressos.

Ela bufou com desdém.

— Dói-lhe mais agora do que doia quando regressou a Avening.

— Pringle me disse que foi pelas longas horas de viagem, somado a que não

havia...

A expressão que sobrevoou seu rosto quando ficou calado foi o mais perto da

timidez que ela imaginava que poderia sentir um menino culpado de deixar escapar

um segredo. Clarice apertou os olhos.

— Não havia o que?

Jack a olhou, mas não aos olhos.

— Não ter praticado um exercício de certo tipo. Ao que parece, reduz a

incidencia e possivelmente a severidade da dor de cabeça.

— Muito bem! — Ergueu-se. — É evidente que deve praticar esse exercício antes

que façamos nada mais.

Não estava certa se ele estava fazendo uma careta ou, por estranho que parecia,

se esforçava para não rir. Clarice franziu o cenho.

— Qual é esse exercicio?

— Não se preocupe. Não é uma volta a cavalo pelo parque nem um passeio a pé

pelo jardim. — Abaixou as mãos e a olhou aos olhos. — Se o quer saber, lhe direi

que penso encarregar-me dele esta noite. Só terei que sofrer até então.

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— Não seja absurdo! — disse Clarice. — Dói-lhe. Parece como se fosse estalar a

cabeça. É impossível que possa pensar com clareza e nós, James, eu, os Altwood e

o governo, precisamos de você cem por cento bem. Assim, qual é esse exercicio?

Pode praticar em qualquer momento? E se é assim, por que não agora?

Quando Jack se limitou a olhá-la com aquela teimosa expressão que agora ela

sabia que significava que não iria ceder as suas demandas e manteve os lábios

firmemente fechados, suspirou.

— Muito bem. — Levantou-se e pegou sua bolsa. — Terei que visitar esse

doutor. Disse que se chama Pringle? Perguntarei que tipo de exercicio necessita.

A expressão de seu rosto não teve preço, de horror e incredulidade ao mesmo

tempo.

— Não pode fazer isso.

Seu tom soou inexpressivo, uma afirmação de uma realidade incontestável.

Clarice o olhou com as sobrancelhas erguidas.

— Claro que posso. — E o faria. O fato que pudesse ver a dor nublar seus

maravilhosos olhos cor avelã a preocupava mais do que se atreveria a reconhecer,

a afetava de um modo que não compreendiar. Pensou que se a longa viagem em

carruagem fora feita por causa de James; assegurar-se de que se recuperasse de

qualquer problema que aquilo lhe causara era o correto e o que devia fazer.

Com a cabeça apoiada na poltrona, Jack ficou olhando-a fixamente. Sua

expressão ficara hermética; já não revelava nada. Apesar da intensa dor, Clarice

pode ver como os pensamentos surgiam em sua mente, como avaliava se devia

dizer ou deixar que o perguntasse a Pringle. Ao final, seu peito se inchou ao

inspirar.

— Fazer amor.

Ela ficou olhando-o estupefata. Durante um instante, não soube o que refletia

sua cara. Assombro e estupor, provavelmente.

— Esse é o exercicio que te alivia a dor de cabeça? — Voltou a deixar a bolsa

sobre a mesa.

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— Parece que sim. — Com a mandíbula apertada, lhe assinalou a outra poltrona.

— Assim, terei que suportar a dor até esta noite, logo poderemos encarregar-nos

dele. Estou certo que voltarei a estar bem amanhã pela manhã.

Clarice ficou ali de pé, com o cenho franzido.

— Há vezes em que seus processos mentais desafiam minha compreensão. Não

há motivo para que tenhamos que esperar para aliviar a dor. — Com um rápido

movimento, deu a volta e se sentou em seu colo.

Jack se ergueu bruscamente, pondo-se rígido, mas seus braços a rodearam em

um gesto instintivo.

— Clarice...

Parecía horrorizado.

Ela tomou seu rosto entre as mãos e lhe respondeu sucintamente:

— Cale-se e deixe que solucione isto.

Logo o beijou apaixonadamente. Exigente, autoritaria, um reclamo que a ele foi

impossível ignorar. Abriu a boca diante de seu ataque e a saboreou

descaradamente. Durante mais ou menos um minuto tentou manter-se distante,

mas logo se rendeu e lhe apoiou uma mão na nuca, se adentrou em sua boca e

tomou o controle.

Em meio do beijo, Clarice sorriu satisfeita. A idéia que com isso pudesse curá-lo,

que assim pudesse devolver o brilho a seus formosos olhos, socorrê-lo e aliviar sua

dor, parecia quase milagrosa. Tinham que prová-lo. Não estava disposta a deixar

que Jack esperasse até a noite.

O calor surgiu e lhes atravessou as veias, palpitou sob sua pele e se acumulou

em seus corpos. Jack interrompeu o beijo com a respiração entrecortada, sentindo

que estava perdendo o controle demasiado rápido.

— Maldição, mulher! — Grunhiu as palavras contra seus lábios inchados,

exuberantes, tão tentadores. — A porta não tem trinco.

Clarice se jogou para trás com calma e lhe buscou a cintura das calças.

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Paixão Inesperada – Série El Clube Bastion 04 – Stephanie Laurens
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— Esse seu mordomo tão estirado está demasiado bem educado para

interromper. E bem... — Abriu a braguilha e deslizou a mão em seu interior. —

Como fazemos? Ensine-me.

Jack se rendeu e o fez. Simplesmente, não tinha a força necessária para resistir

a essa ordem. Não com ela, com suas longas extremidades e suas exuberantes

curvas retorcendo-se em seu colo, não com aqueles astutos lábios e inclusive mais

astutos dedos urgindo-o a continuar. Não com a cabeça nesse estado.

Quando lhe ergueu as cadeiras e a fez descer introduzindo sua anelante ereção

no resvaladiço refúgio de seu abrasador canal, no mesmo instante em que se

esforçou para reprimir um grunhido de puro prazer sensual, percebeu que as

palpitações de suas têmporas haviam cessado. Agora lhe palpitava outra coisa.

Parecia que seu corpo não podia palpitar em dois lugares ao mesmo tempo.

Enquanto pensou que devia recordar e dizer a Pringle que tinha razão, se

recostou no assento. Segurando-lhe as cadeiras com as mãos, sob a saia e as

anáguas, guiou-a e deixou que fosse perversa com ele. Alegrou-se que estivesse de

costas e não pudesse ver a feliz expressão que tinha certeza aparecia em seu rosto.

Nem desejava examinar-se com demasiada atenção a si mesmo, analisar a

amplitude e profundidade da felicidade que o enchia enquanto Clarice se movia

sobre seu colo, empurrando-os a uma demolidora culminação, fazendo desaparecer

a dor e substituindo-a por um profundo prazer.

Quando finalmente ela se deixou cair sobre ele, sem forças, e esperaram que o

ritmo de seus corações se reduzisse e que sua respiração se normalizasse, que o

bendito efeito desaparecesse, Jack abaixou a cabeça e lhe deu um beijo na testa.

— Obrigado.

Clarice ergueu o braço e lhe alvoroçou os cabelos com doçura, deixando que os

cachos caíssem através de seus dedos.

— Creio que é meu turno de dizer que o prazer foi todo meu. — Jack pode

perceber o sorriso no tom de sua voz. — Melhorou sua dor de cabeça?

— É assombroso, mas sim. — A pungente enxaqueca ficou reduzida a uma vaga

sombra. Suspeitava que a dor seguramente voltasse mais tarde, mas a diferença

era impressionante. Podia pensar sem dor.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Enquanto Clarice estava estendida em seus braços, languidamente saciada e

satisfeita, o primeiro pensamento de Jack seguia sendo que não podia crer que

agira como o tinha feito. Não podia imaginar a nenhuma outra dama de sua posição

fazendo o mesmo. Aquilo era o que sucedia ao tratar com rainhas guerreiras que,

sem pestanejar, sacrificavam as constrições sociais para socorrer ao seu consorte

ferido. Essa idéia o fez sorrir.

De repente, Clarice se moveu e Jack arquejou. Seu corpo reagiu previsivelmente

ao seu peso cálido e flácido, ao quente aperto do úmido canal. Tentar a sorte nunca

fora prudente, assim, ergueu-a e a ajudou a pôr-se de pé. Ela reagiu, sacudiu a

saia e arrumou o corpete enquanto ele fazia o mesmo com sua roupa. Logo, voltou

a sentar-se na poltrona em frente. Olhou-a inquisitiva, tão fria e serena como

qualquer matrona respeitável.

— E agora, o que deveríamos fazer primeiro? Creio que teríamos que ir ver o

bispo de Londres.

Levemente divertido por sua repentina concentração e o esforço que sabia que

lhe custava conseguir, assentiu. Passaram os quinze minutos seguintes repassando

seus planos, com quem tinham de falar e a melhor ordem para fazê-lo; logo, uma

chamada na porta anunciou a chegada de Gasthorpe com uma bandeja.

— Tomei a liberdade de trazer-lhes seu desjejum habitual, milorde.

Ao ver a seleção de pratos que o mordomo deixou sobre a mesa baixa, Jack

recordou que ainda não comera nada.

— Obrigado, Gasthorpe.

O homem também trouxera uma xícara de chá para Clarice e um prato com

delicados biscoitos. Enquanto o deixava na mesa, olhou a Jack.

— Devemos recordar que tem que manter as forças, milorde.

Enormemente correto, Gasthorpe fez uma reverência a Clarice, que inclinou a

cabeça com gesto régio, fez outra a Jack e se retirou.

Ela olhou a Jack com as sobrancelhas erguidas.

Ele encolheu os ombros e pegou a xícara de café.

— Interprete-o como queira.

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Enquanto comiam concentraram-se em determinar qual seria o melhor modo de

abordar o bispo de Londres. Não só era essencial que concordasse em reunir-se

com eles e que lhes permitisse ajudar ao defensor de James; mas sem seu

consentimento específico, não era provável que averiguassem os detalhes das

acusações.

— E sem esses detalhes não chegaremos muito longe. — Clarice bebeu um gole

de chá.

Jack a observou. Pensou se teria notado o doméstico que era seu atual

comportamento. Conversando enquanto tomavam o desjejum, comentando

assuntos familiares. Seus cabelos escuros, una vez mais recolhidos em um coque —

Jack se perguntou a qual dos membros do clube teria ocorrido pendurar um espelho

na saleta — brilhou quando um raio de sol infiltrou-se através das cortinas e

arrancou centelhas granada de sua escura cabeleira. Clarice se inclinou para a

frente para deixar o espelho vazio sobre a mesa e Jack pode observar a regia pose

da cabeça e a vulnerável linha da nuca quando se ergueu.

Independentemente de tudo o mais, ao longo das últimas horas havia um

aspecto de sua aventura em Londres que agora via muito mais claro: Clarice e ele

juntos eram uma força extraordinária para enfrentar-se à ameaça que pairava

sobre James e, se o instinto de Dalziel não se equivocava, também poderiam

descobrir o traidor. Mas se converteriam em uma ameaça para este último e isso

seria perigoso.

Os instintos de Jack já haviam começado a reagir, a despertar-se. E agora, com

calma, se puseram totalmente em alerta. Independentemente de tudo o mais, ia

manter os olhos bem abertos e centrados, sobretudo em Clarice.

Ela ergueu a cabeça e olhou Jack aos olhos, estudou sua expressão, mas não foi

capaz de interpretá-la. Ergueu as sobrancelhas, levemente altiva.

— Bem, vamos?

Passaram-se quase duas horas desde que Dalziel saíra. Jack sabia quão rápido

agia seu ex-comandante, pelo que o bispo já deveria ter recebido sua carta.

Levantou-se estendeu a mão que ela pegou e permitiu que a ajudasse a levantar-

se.

— Claro.

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A residência em Londres do arcebispo de Canterbury, o palácio Lambeth, estava

situado no interior de seus próprios jardins, por cima da ponte de Lambeth. O bispo

de Londres residia atualmente ali, junto com sua administração e pessoal de

serviço.

Tomaram um coche de aluguel até o impressionante portão de entrada,

percorreram a pé o caminho de cascalho.

No pórtico de entrada, um servente perguntou seus nomes e os acompanhou a

uma sala de espera. Mas não aguardaram muito tempo. O deão Samuels, a quem

James mencionara como a mão direita do bispo, apareceu em menos de cinco

minutos.

O clérigo um homem de cabelos brancos e rosto redondo e bem preocupado

sorriu e se apresentou guiando-os até a imponente escada.

— Agrada-me extremamente que tenham vindo. — Enquanto subiam a escada,

olhou a Jack de soslaio. — O bispo recebeu uma comunicação de Whitehall. Devo

dizer que, de minha própria perspectiva, é tranqüilizador ter alguém implicado com

uns conhecimentos profissionais.

Jack inclinou a cabeça. Antes que pudesse perguntar, o deão continuou, com o

olhar fixo para frente:

— Não obstante, talvez devesse advertir-lhes que o bispo está indeciso a

respeito de permitir que os detalhes das acusações contra James saiam da Igreja

neste momento. — Soltou um pequeno suspiro. — Teme que, uma vez que os

conheça, mude de opinião.

A seguir, os fez passar a uma longa sala no fundo da qual havia um estrado

sobre ela onde se encontravam o trono e o bispo, todo ele em túnicas vermelhas e

linho de cor marfim bordado com fios de ouro.

Clarice avançou decidida e com a cabeça alta. A três metros do estrado, deteve-

se e fez ao prelado uma profunda reverencia. Jack se deteve ao seu lado e se

inclinou quando o deão Samuels os anunciou.

Diante do sinal do bispo, se ergueram e se aproximaram do estrado. Estavam

somente eles quatro na câmara de audiências. O bispo não era tão velho como o

deão Samuels, mais próximo da idade de James. Uns perspicazes olhos azuis os

observaram primeiro a Clarice e depois a Jack e franziu os lábios, queixoso.

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— Tudo isto é muito irregular e, desde já, muito inquietante. Estou muito

preocupado por estas acusações. Abrigava a esperança de mantê-las totalmente

dentro do âmbito da Igreja. Realmente não posso crer que James Altwood seja

culpado de nada. Claro, moralmente estou obrigado a examinar o caso apresentado

contra ele.

Ainda assim, parece que chegaram noticias sobre o assunto até Whitehall.

Jack percebeu a nota de irritação em sua voz. Conhecera a homens como ele

antes. Chegaram ao seu posto graças aos seus contatos e o bom funcionamento de

suas responsabilidades era quase por completo fruto dos esforços de subordinados

como o deão Samuels. Em favor do prelado, Jack devia reconhecer que um

escândalo do alcance que as acusações contra James prometiam não seria do

agrado de nenhum homem que ocupasse um alto cargo, secular ou clerical.

O bispo pegou uma folha que tinha no colo, leu umas linhas escritas nela e olhou

a Jack com certo receio.

— Whitehall recomendou-o e, em vista da gravidade das acusações contra James

Attwood e seu caráter confidencial; sugere que se faria melhor justiça se

permitíssemos sua intervenção neste momento no tribunal; em vez de deixar que a

opinião de um profissional como você possa influir adversamente em nossas

conclusões depois e possivelmente provocar uma situação mais séria e pública.

Deteve-se com o olhar cravado nele e continuou mais calmamente:

— Ainda não estou convencido que esta seja nossa melhor alternativa.

Jack lhe susteve o olhar, mas antes que pudesse respirar e, com sua lógica e

encanto, tentasse convencê-lo, Clarice disse:

—Ilustríssima, se me permite. — O bispo desviou o olhar para ela e Clarice o

susteve. — Os encargos contra meu primo, o honorável James Altwood, são

realmente sérios e, além do mais tratam de assuntos específicos que nem um

profano nem tampouco os funcionários da Igreja podem compreender bem. Para

examinar adequadamente as acusações, seria essencial conhecer bem quais são.

Estou segura que ninguém tem interesse em que esses encargos se ratifiquem

devido a uma má compreensão e, portanto, passem desnecessariamente a um

tribunal civil superior, onde se demonstraria que são infundados. Lorde Warnefleet

está sumamente qualificado para ajudar seus funcionários a determinar a

veracidade das acusações — assinalou com a cabeça a folha que o bispo ainda

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segurava entre os dedos, — como já lhe assegurou seus superiores em Whitehall.

Não é provável que, em vista de seu longo serviço à Coroa, o fato de conhecer a

James possa nublar seu bom juízo. De fato, ele seria uma das pessoas que maior

risco teria corrido se as acusações fossem certas.

Fez uma pausa. O bispo franzia o cenho enquanto seguia suas fluidas palavras,

claramente interessado. Clarice ergueu a cabeça com um gesto conscientemente

régio.

— Quanto a minha pessoa, representarei a família neste assunto. Informarei a

meu irmão, o marquês de Melton, sobre tudo o que suceder. Espero que quando

sairmos daqui hoje, seja capaz de explicar-lhe com exatidão quais são as acusações

que apresentaram contra meu primo. A família estará encantada de saber que este

ataque contra um dos nossos se resolve do modo mais explícito e apropriado

possível.

O bispo se mostrou um pouco incômodo.

— Entendo. — Estava claríssimo que ouvira e interpretara corretamente o grito

de guerra de Boadicea.

Voltou a olhar a carta em sua mão e a Jack e finalmente ao deão Samuels.

— Suponho — começou — que, consideradas todas as circunstancias, talvez seja

apropriado — inclinou a cabeça para Clarice — como você assinalou, querida, dar

acesso a ambos ao meu tribunal, ao lorde Warnefleet para que dê conselhos

profissionais sobre estes incomuns encargos e para lady Clarice como

representante da família.

A declaração não era uma pergunta, mas o deão Samuels assentiu

apressadamente.

— Claro ilustríssima. Isso parece o mais prudente.

Jack esboçou o melhor de seus sorrisos. Clarice também sorriu. Após agradecer

a permissão do bispo e intermediar os habituais comentários sociais, se inclinaram

dispondo-se a sair.

— Apresentarei lady Clarice e lorde Warnefleet a Olsen, ilustríssima — disse o

deão Samuels.

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— Claro, suponho. — O bispo sorriu a Clarice. — Recorda muito a sua tia,

querida.

Com uma evasiva inclinação de cabeça, ela lhe devolveu o sorriso. O deão

Samuels os acompanhou fora da câmara de audiências.

— Olsen é o diácono eleito para levar a cabo a defesa de James — os informou.

— É jovem, mas creio que fará um excelente trabalho. Seguramente estará em seu

estúdio.

Quanto mais avançavam, mais labiríntico parecia o palácio. Ao final, o deão

Samuels os guiou por um corredor cheio de portas. Deteve-se diante de uma e

chamou antes de abri-la.

— Olsen? Permita-me que lhe apresente a duas pessoas que, ao meu parecer,

lhe serão de grande ajuda para acabar com esses ridículos encargos contra James

Altwood.

Seria difícil imaginar uma declaração mais clara de simpatia. Jack e Clarice

entraram na sala, um pequeno quadrado com paredes de pedra e capacidade

suficiente para uma mesa e uma poltrona, outras três cadeiras de respaldo reto e

três pilhas de tomos encadernados em couro. O diácono Olsen, um clérigo de uns

trinta anos, se levantou surpreso ao vê-los.

O deão Samuels os apresentou, descrevendo Jack como um expert enviado por

Whitehall para ajudar com as deliberações do bispo. Olsen gaguejou sobre a mão

de Clarice e se apressou a oferecer-lhe uma cadeira. Ela se sentou. Ao ver que Jack

e o deão Samuels se acomodavam nas outras duas, Olsen se apressou a tomar

assento de novo atrás da escrivaninha.

— Devo dizer que estou contente em vê-los. — Deixou-se cair na poltrona e

assinalou com a mão os papéis espalhados sobre a mesa. — Pode ser que saiba

algo sobre guerra, mas isto me escapa. E, ainda que ouvisse falar muito de James

Altwood e suas investigações só o vi uma vez.

Jack sorriu e tomou as rédeas antes que Clarice pudesse fazê-lo.

— Em qual regimento esteve?

A pergunta resultou ser um bom início. Olsen era sensato, direto e, neste caso,

sabia que a situação o superava. Estava muito disposto, inclusive ansioso, para

compartilhar com eles os detalhes das acusações.

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Uma vez que esteve certo que os três se sentiam à vontade, o deão Samuels

saiu.

Clarice olhou a Jack quando a porta se fechou atrás dele.

— Quanto aposta que vai direto ver o bispo para informar-lhe que tudo está bem

encaminhado para que o problema se solucione?

Jack sorriu.

— Estou convencido que é assim.

Com olhos brilhantes, Olsen os olhou aos dois.

— O bispo tem que parecer imparcial. — Fez uma careta. — De fato, mais que

isso, tem que parecer que vai levar o caso com todo o rigor correspondente.

Humphries se assegurou que assim seja. Causou um bom rebuliço com suas

acusações.

Jack se recostou na cadeira.

— Fale-me de Humphries.

Olsen voltou a fazer uma careta.

— Vocês o conhecerão quando o tribunal se reunir, ou mais provavelmente

antes, quando souber que lhes permitiram ajudar-me. — Meditou um momento e

continuou: — Forma parte do pessoal do bispo desde décadas. É solitário, severo,

beato, mas de um modo bem pomposo, não é dado a sorrisos nem a alegrias de

nenhum tipo. Parece totalmente sincero em sua convicção de que James Altwood é

culpado de, no mínimo, vender suas investigações mais delicadas sobre a

estratégia militar inglesa aos franceses.

Procurou entre os papéis e pegou três folhas.

— Enquanto uma parte das acusações é geral, mais inferências que fatos e há

certa inveja por parte de Humphries que as justificariam, as mais prejudiciais e

possivelmente as mais condenatórias são estas. — Entregou os papéis a Jack e se

inclinou para diante para assinalar várias entradas. — Três datas, horas e lugares

nos quais Altwood se encontrou supostamente com seu mensageiro e uma lista de

parte da informação que infiltrou ao longo dos anos.

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Ele segurou as folhas de forma que Clarice também pudesse lê-las e examinou a

principal linha das acusações de Humphries. Se fossem certas, constituiriam sem

dúvida uma acusação condenatória. Quando chegou ao final da lista, Jack olhou a

Olsen.

— Como conseguiu Humphries esta informação?

— Pelo mensageiro. — O jovem se recostou com um suspiro. — E antes que o

perguntem lhes direi que se nega a revelar a identidade desse homem.

Jack voltou a olhar a lista.

— Sem o mensageiro para autenticar sobre a exatidão destas afirmações, a

prova só se apoiará em testemunhas.

Olsen assentiu.

— Claro e isso é o que Humphries tem. Para cada incidente, conta no mínimo

com duas testemunhas que podem situar Altwood nesse lugar e nesse momento

com outro homem.

Jack ficou olhando com expressão ausente e voltou a centrar-se no clérigo.

— Podemos ter cópias disto, dos três dias, horas e lugares? E ter acesso a lista

de testemunhas?

— Sim e sim. — Olsen pegou uma folha de papel em branco. — Farei uma cópia,

mas o advirto, já falei com todas as testemunhas e confirmam que o que

Humphries afirma é certo.

Jack sorriu. O jovem notou e o olhou com mais atenção antes de piscar

surpreso. Jack deixou que seu sorriso se intensificasse até converter-se em uma

expressão mais autêntica.

— Há uma significativa diferença entre você pedir as testemunhas uma

confirmação e eu lhes pedir-lhes que me relatem exatamente o que viram. Além do

mais, eu não uso hábito.

Os lábios de Olsen se abriram em uma muda exclamação. Sua mão ficara

imóvel, com a pena suspensa sobre o papel.

Clarice reagiu.

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— A lista, diácono Olsen. — Por seu tom, parecia que não a impressionaram as

habilidades de Jack, ou melhor, as dava por certas. — Quanto antes a tenhamos,

antes lorde Warnefleet poderá começar a refutar as acusações e antes poderei

tranqüilizar minha família sobre a situação.

O jovem se ruborizou e voltou a molhar rapidamente a pena no tinteiro.

— Claro lady Clarice. Em seguida.

Quinze minutos mais tarde, Olsen os conduziu de volta a escada principal.

Despediu-se de Jack como de um companheiro de armas, mas a Clarice tratou com

manifesta cautela e extravagante respeito.

Jack desceu a escada junto a ela com a lista de dados no bolso da jaqueta.

Quando o som dos passos de Olsen se apagou as suas costas, disse:

— Olsen parece ter muito bom olfato.

Clarice lhe lançou um olhar altivo e reprovador. Sabia que se referia, a reação do

jovem diácono diante dela.

— Bobagens. — Olhou a frente. — A única coisa que demonstra é que sabe

reconhecer o que lhe convém.

Jack riu. Atravessaram o enorme vestíbulo de entrada, saudaram com um gesto

da cabeça ao porteiro e cruzaram as majestosas portas. O sol e a luz lhes deram as

boas vindas; Jack apertou os olhos e Clarice o olhou.

— Está bem?

Ele parou para avaliar seu estado e sorriu.

— Os efeitos de suas atenções parecem durar.

Ela soltou um bufo e começou a descer os degraus.

Sem apressar-se, percorreram o caminho de entrada. Jack apostaria que os dois

estavam pensando na eterna pergunta: e agora o que? O caminho se curvava para

o portão de entrada; uma alta cerca ocultava os últimos metros de um lado do

mesmo. Nesse ponto, escondida atrás da cerca, uma figura com indumentária

clerical os esperava. Quando se aproximaram, sua expressão ansiosa e uma

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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notável semelhança com Anthony indicaram a Jack quem era o homem. Clarice o

confirmou:

— Teddy.

— Clarice. — O jovem sorriu quando se reuniram com ele atrás da cerca.

Apertou a mão que ela lhe ofereceu de um modo muito cordial e a atraiu para si

para dar-lhe um beijo no rosto. — Não posso expressar como me sinto feliz e

aliviado ao vê-la.

— Apresento-lhe lorde Warnefleet. — Clarice retrocedeu e esperou enquanto os

dois se apertavam as mãos e perguntou: — Recebeu noticias de Anthony?

Teddy ficou sério.

— Sim. Obrigado por sua carta. Anthony também me escreveu depois.

Começava a estranhar, mas então pensei que sendo o patife que é talvez tivesse

transmitido minha mensagem e saído para alguma festa.

— Nada de festas — murmurou Jack. — Teve sorte de sair bem do acidente.

Teddy olhou a Clarice, que assentiu.

— Mas quando o deixamos estava recuperando-se muito bem. Regressará logo a

Londres.

Isso o tranqüilizou um pouco, ainda que parecesse preocupado.

— E James? — Olhou a Clarice e a Jack.

— Falamos com o bispo e nos concedeu a confiança do tribunal.

Estivemos com Olsen, que nos informou dos detalhes das acusações ou, melhor,

dos que não são conjeturas. — Jack observou Teddy. Devia ter uns trinta anos, era

um jovem de aspecto sensato e formal. — O que pode dizer-nos do diácono

Humphries? Sabemos sobre a beca de investigação que perdeu a favor de James.

Teddy fez uma careta.

— Humphries é agora o diácono mais veterano sob as ordens do bispo. Por isso

pode levar esses encargos até onde o fez. Parece que sempre sentiu inveja de

James, inclusive antes que lhe concedessem essa beca de investigação. E desde

então, ele... Bem, dizer que está obcecado por seu ódio é pouco. Sempre que

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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James vem a Londres, o bispo e o deão Samuels fazem todo o possível para que

Humphries e James não se encontrem. Na última vez enviaram Humphries a visitar

o deão de Southampton em alguma falsa missão. Nos cinco anos que estou com o

bispo não ouvi dizer a Humphries nem uma só palavra boa sobre James.

Jack franziu o cenho.

— Deixando a um lado a atual situação, Humphries tentou atacar James no

passado?

Teddy refletiu e negou com a cabeça.

— Não. De fato, normalmente trata de evitar por todos os meios qualquer

menção a James, evita que saia o assunto de qualquer conversa.

Jack colocou as mãos nos bolsos.

— Então, esta de agora é uma estranha reação por sua parte, uma mudança em

seu comportamento habitual a respeito de James.

— Sim. — Teddy o olhava confuso.

Jack fez uma careta.

— Minhas seguintes perguntas seriam: o que aconteceu para que o

comportamento de Humphries mudasse? Por que aconteceu e por que agora?

O jovem ficou olhando fixamente, logo piscou e seus olhos se abriram devagar,

enquanto seguia as deduções de Jack.

Clarice já o fizera e soltou um suave suspiro.

— O mensageiro e informante. Tem que ser ele. Apareceu com informação que,

inclusive deixando a um lado sua animosidade para com James, Humphries se

sentira moralmente obrigado a apresentá-la diante do bispo.

Jack assentiu.

— E sua antiga animosidade haveria garantido que insistiria no assunto e exigiria

que se investigassem as acusações.

Clarice e Jack intermediaram um olhar e ambos olharam para Teddy.

— Tem alguma idéia de quem é o informante de Humphries? — perguntou Jack.

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Com os olhos muito abertos, o jovem negou com a cabeça.

— Até que você o mencionou, não sabia que existia.

Brevemente, Clarice lhe explicou tudo o que Olsen lhes dissera.

— Ainda que possamos rebater os detalhes da informação, e o faremos, em

última instância, teremos que falar com esse informante, mas até agora Humphries

se nega a dizer quem é.

Ao observar Teddy, Jack viu que a semelhança com Anthony se manifestava

mais claramente. Uma luz decidida encheu os olhos do jovem clérigo.

— Vigiarei Humphries e verei o que puder averiguar. Claro, ele conhece minha

relação com James, assim, terei que ser discreto. — Olhou a Clarice nos olhos e

sorriu. — Ordenou que não contasse a James sobre as acusações, mas então já

havia enviado Anthony.

— Disse a Humphries que o tinha feito? — perguntou Jack.

— Não, mas... — Fez uma careta. — Os porteiros o informam e estes sabiam que

eu chamei Anthony, que ele viera e que havíamos falado.

Jack contemplou Teddy durante um longo momento e lhe disse, com um tom

que converteu suas palavras em uma ordem:

— Não siga Humphries fora daqui. Sob nenhuma circunstância. O que pode fazer

é tentar averiguar por todos os meios a identidade de seu informante. Faça-se

amigo dos porteiros, averigue o que sabem. Pergunte a quem limpa as habitações

de Humphries se viram alguma nota com um nome ou endereço. Se sai para

cavalgar ou para caminhar?

Qualquer coisa que possa dar-nos alguma idéia de quem é o informante e onde

podemos encontrá-lo.

Teddy assentiu.

— O farei. — Olhou a Clarice. — Como James está encarando isto?

Ela lhe respondeu que ao seu modo, ao típico modo de James, e que estava

menos preocupado do que eles.

O jovem sorriu.

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— Sempre lhe vai muito bem ignorar o que não deseja que lhe preocupe.

Despediram-se de Teddy e foram em busca de um coche de aluguel.

Com a vista baixa e o cenho franzido, Clarice caminhou ao lado de Jack.

— Por que disse a Teddy que não siga Humphries fora do palácio?

— Porque já tivemos a um Altwood a ponto de ter a cabeça aberta. — Olhou ao

seu redor. A zona que rodeava o palácio e seus jardins era abastada, refinada e

extremamente elegante, mas a só umas quadras de distância em múltiplas direções

havia bordéis e bairros perigosos nos quais nem os clérigos estariam a salvo. —

Não quero outro e não desejo imaginar o que poderia ocorrer a Teddy se encontrar-

se com a imitação de cavalheiro de cara redonda e você e eu não estivermos ali

para espantá-lo.

— Ah. — Clarice levantou a cabeça com os lábios apertados em uma decidida

linha. — Nesse caso, sugiro que, durante o almoço, regressemos ao Benedict’s e

decidamos o que devemos fazer para refutar estas acusações.

Um coche de aluguel se aproximou pela ponte e Jack lhe fez um sinal com a

mão; logo, com um floreio e uma reverência, indicou a Clarice que subisse.

— Seu cavalo de batalha lhe aguarda. Adiante.

A olhada que ela lhe lançou quando subiu ao coche foi de superioridade.

— Está certo que não tem algum problema mais grave na cabeça?

Jack riu e subiu também.

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Capítulo 13

Na manhã seguinte, enquanto bebia seu chá e comia uma torrada sentada a

mesinha em frente à janela da suíte, Clarice considerou visitar seu irmão. Teria que

ir ver também sua modista. Se fosse relacionar-se com a alta sociedade em plena

temporada, necessitaria ao menos um ou dois vestidos novos.

Olhou o relógio do beiral da lareira e viu que eram cerca das dez. Levantara-se

tarde, muito depois de Jack deixá-la saciada e enrolada entre os lençóis pouco

antes do amanhecer.

No dia anterior, quando regressaram da audiência com o bispo, se puseram

imediatamente a trabalhar. Enquanto almoçavam, conferiram os detalhes das três

reuniões citadas nas acusações com as listas das viagens e entrevistas de James.

Seu primeiro revés foi descobrir que as datas dos três incidentes coincidiam com

três visitas que o vigário fizera à capital; três visitas durante as quais havia

entrevistado vários soldados e oficiais.

Clarice desanimara, mas Jack, ao ver sua expressão, comentou que mais

surpreendente seria se refutar as acusações tivesse sido tão fácil. Clarice lhe

replicou muito mordaz que gostaria muito de ver-se assim surpreendida.

Após comprovar que os encontros eram possíveis, se centraram nas pessoas

implicadas, tanto nas testemunhas como nas pessoas as quais James entrevistara.

Parecia que havia pouca correlação entre os entrevistados e a informação que ele

supostamente havia infiltrado.

— Temos que comprová-lo — disse Jack, — mas ainda que o conteúdo das

entrevistas não coincida com a informação presumidamente infiltrada, isso não

ajudará. James poderia ter copiado dados por qualquer outra via ou mediante

entrevistas anteriores.

— Mas teria que ter uma causa razoável para supor que conhecia a informação

que infiltrava, não?

Jack assentiu.

—Certo. Assim, investigaremos ambos os aspectos, as testemunhas e o

conteúdo da informação. Teremos que averiguar os fatos específicos que

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supostamente se infiltraram nesses três encontros. Até o momento, Humphries não

o revelou, mas esse é o ponto crucial que a defesa de James deve atacar.

Trabalharam até a hora do jantar decidindo exatamente como iam refutar as

acusações, fazendo uma lista de todos os pontos que podiam questionar e definindo

os caminhos que podiam levá-los até a prova da inocência que buscavam.

Em geral, as possibilidades eram muitas, mas Jack advertiu que necessitariam

mais de um fato para desmenti-lo, possivelmente mais de dois para cada um dos

três incidentes, e estar seguros de que enterravam as acusações para sempre.

As oito em ponto, fizeram uma pausa para jantar no salão do hotel, em uma

atmosfera mais própria dos melhores clubes para cavalheiros. Conversas em voz

baixa e uma total cegueira a respeito aos demais presentes era a regra não escrita

que prevalecia.

Inclusive Jack, que no princípio havia se mostrado relutante a chamar

desnecessariamente a atenção sobre sua relação, teve de admitir que ali não havia

perigo ali.

Quando regressaram a suíte, revisaram o trabalho feito e concordaram que Jack

se dedicaria a encontrar e falar com as testemunhas. Clarice, entretanto, informaria

a sua família, que procuraria seu apoio para defender James e veria quais contatos

dispunham seus parentes que pudessem ser úteis para influir sobre o bispo,

investigar o mensageiro e também para verificar os movimentos de James.

De um modo ou outro, tirariam de Humphries os detalhes que necessitavam.

Decidido isso, quando Jack se levantou e parecia que iria sair, Clarice lhe deixou

claro rapidamente, do modo mais eficaz possível, que esperava que ficasse e

compartilhasse a cama com ela. Fora tudo o mais, comentou muito mordaz que

deveria que pensar em sua lesão. Para favorecer a causa de James, disse que lhe

correspondia fazer tudo o que estivesse em sua mão para garantir que o cérebro de

Jack funcionasse da melhor forma possível e não desejava que voltasse a sofrer sua

intensa dor de cabeça.

Ele riu e lhe sussurrou ao ouvido que, mesmo se estivesse a ponto de deixá-la

ali; sair do hotel pela porta principal e passar diante do concierge, o qual era

consciente de sua chegada horas antes, tinha não obstante a intenção de regressar

ao seu quarto com ela pela porta e a escada laterais.

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Clarice o deixou sair e aguardou com impaciência. Quando Jack regressou em

menos de quinze minutos, como lhe prometera, o pegou pela mão e o levou até a

cama.

Estava bastante segura que, em vista de tudo o que passara desde essa manhã,

se havia alguma parte dele que lhe doía, desde logo não era a cabeça.

Agora, sorrindo, deixou a xícara de chá e tomou um momento para recrear-se

na estranha sensação de triunfo por ter sido capaz de aliviar sua dor, de ajudá-lo

desse modo... E pelos benefícios que desfrutara quando ele quis agradecer. Pensou

em suas espertas atenções.

Uma chamada na porta a tirou de seus sonhos e a obrigou a fazer desaparecer

aquele tonto sorriso. Disse à donzela que podia passar e regressou ao dormitório

enquanto retiravam a bandeja do desjejum.

Sentou diante do espelho do toucador para prender os cabelos. Seu irmão

Melton ou a modista? Os relógios da suíte deram dez tênues badaladas. Durante a

temporada, os cavalheiros distintos poucas vezes se levantavam da cama antes do

meio dia, pelo que não serviria nada se visitasse Melton logo. Uma vez resolvido o

dilema, pegou seu chapéu.

Celestine era sua modista de nove anos. No princípio, era uma recém chegada

em Bruton Street, mas ao longo dos anos fizera um nome entre a mais haute da

haute couture. Agora Clarice tinha que compartilhá-la com a flor e nata da alta

sociedade. E só a flor e nata, ninguém mais, podia permitir-se a mais insignificante

criação da mulher.

Soubera uma vez, em seus dias de maior escândalo, que Clarice ia ao salão na

pouco elegante hora das nove da manhã, para assim evitar os olhares

reprovadores.

Agora, de pé atrás de um biombo em um canto do salão, enquanto uma das

ajudantes da modista lhe ajudava a por um maravilhoso vestido de seda cor

ameixa, sua cor favorita, se recordou que fazia muito tempo que havia deixado

atrás esses dias.

Eram quase onze, e as matronas da alta sociedade junto com suas filhas

estariam pondo-se as luvas dispostas a fazer sua primeira incursão da manhã em

um chá matutino ou uma elegante reunião, ou bem a ponto de correr a Bruton

Street.

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Apesar dos anos que estava fora, Clarice ainda era consciente do ir e vir das

horas na cidade, sem pensar se sabia quais atividades ocupariam cada uma de suas

horas se ainda fosse uma dama distinta. Mas não o era, assim, podia fazer o que

lhe desse desejo.

Levantou a cabeça, alisou o vestido sobre as cadeiras e se ergueu em toda sua

altura enquanto a ajudante lhe atava os laços. Feito isso, deu meia volta e passeou

diante do longo espelho, examinando a caída da saia, como a seda se acoplava a

sua figura.

Imaginou o que Jack veria e como reagiria.

Sorrindo, estava a ponto de dizer a ajudante que chamasse Celestine quando a

porta principal do salão se abriu para dar passagem ao que parecia uma horda de

fofoqueiras.

Ouviu que a modista saudava com frieza as recém chegadas, lady Grimwade e a

senhora Raleigh, duas velhas harpias muito bem relacionadas, que competiam

constantemente para ficar com o título de maior fofoqueira.

— De verdade, Henrietta, é certo! — Lady Grimwade fez uma pausa para tomar

uma sibilante inspiração. — Imagine! — Atrás do biombo, Clarice pode ver sem

problemas o brilho de seus olhos negros e mesquinhos. — Que humilhação para

essa horrível mulher ter um traidor na família.

Um repentino calafrio percorreu Clarice.

— Acho verdadeiramente difícil dar-lhe crédito, Amabelle. — O tom mais baixo

da senhora Raleigh era levemente reprovador. — Depois de tudo, são os Altwood.

Quisera estar segura antes de cochichar sobre essas historias.

— Claro, Henrietta, mas te asseguro que não me equivoco. Parece que o bispo

de Londres já informou o assunto as autoridades.

Clarice não esperou para ouvir mais. Era uma esperta na conveniência de cortar

pela raiz os escândalos. Precisamente o que não havia sabido fazer sete anos atrás.

Saiu com elegância de trás do biombo e chamou:

— Celestine?

Através do amplo salão, encontrou-se cara a cara com Amabelle Grimwade e

Henrietta Raleigh. Nada em sua forma de agir nem em seu comportamento dava a

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entender que as ouvira. Viram-na relaxada, com os braços graciosamente

estendidos, como se esperasse que a modista, imóvel entre uma e outra, revisasse

a caída do vestido.

Tanto lady Grimwade como a senhora Raleigh, em princípio viram somente o

vestido, assombrosamente glamoroso com aquele profundo decote. Logo se

produziu um longo momento de silêncio até que a reconheceram.

Clarice soube quando o fizeram, porque seus olhos, já surpreendidos, se abriram

muito e ambas ficaram ainda mais boquiabertas do que já o estavam.

Satisfeita, olhou para Celestine.

— Creio que este vestido servirá. — Virou-se para que a estupefata audiência

admirasse as costas da peça, que era inclusive mais maravilhosa. Pensou ouvir um

arquejo. — Não acredita?

Celestine aceitou o desafio.

— Cai-lhe perfeitamente. Agora, se não lhe importar, já que está aqui, gostaria

que provasse o de cetim verde bosque.

Adiantou-se e lhe indicou que passasse a zona atrás do biombo.

Ela fez gesto de retirar-se, mas então se deteve e se voltou para as duas

harpias.

— Por certo, em relação ao assunto que falavam faz um momento, seguramente

gostariam de saber que ontem estive com o bispo de Londres. Curiosamente, sua

opinião não parece concordar com a de vocês. — Deteve-se, olhou aos olhos das

duas assombradas damas e acrescentou em um tom de gélida superioridade: —

Deveriam recordar que, por muito espertas que vocês sejam no referente a

escândalos, ninguém sabe melhor que eu como eles funcionam.

E com esse comentário final, se deslizou atrás do biombo.

Celestine a seguiu.

— Chérie, eu lamento muito.

— Não o lamente. Faz bem ter ouvido esses rumores. — Com um gesto da mão,

urgiu a ajudante a que se apressasse e lhe desabotoasse o vestido. — Ficarei com

este. Envie-o ao Benedict’s. Voltarei amanhã pela manhã para ver o que mais tem.

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A modista suspirou.

— Não me desculpava porque tinha ouvido a essas duas damas.

No espelho, Clarice a olhou aos olhos.

— Por que então?

— Bem, porque mencionei o vestido de cetim verde. — Moveu-se para olhar para

o salão. — Elas duas se foram, mas há outras seis mulheres aqui que o ouviram e

viram tudo. Se quiser acabar com este rumor, terá que provar o de cetim verde,

não lhe parece?

Foi Clarice quem suspirou então.

— Sim, tem razão. — Tirou o sugestivo vestido cor ameixa, ao menos estava

segura que a Jack o pareceria. — Traga o de cetim verde bosque, logo terei que ir-

me sem falta.

Como sempre sucedia com qualquer vestido que Celestine lhe recomendava o de

cetim verde bosque lhe caia uma maravilha, assim, o tempo que investiu em prová-

lo não podia contar-se como uma total perda de tempo.

Clarice realmente sabia tudo o que havia para saber sobre rumores entre a alta

sociedade. De momento havia silenciado a duas das fofoqueiras mais destacadas,

mas isso não seria o final. Se Grimwade e Raleigh se haviam inteirado, outros

também o teriam feito.

Ninguém lembrava um rumor em um só ouvido.

A situação requeria uma ação decidida e imediata. Por outra parte, o fato de que

lady Grimwade se regozijava pela humilhação “dessa horrível mulher” sugeria

claramente que sua madrasta, Moira, não havia conquistado mais carinho ou

respeito com os anos.

A defesa da família recairia seguramente em Clarice. Era evidente que teria de

desempenhar seu papel e relacionar-se com suas iguais, o que significava que seus

novos vestidos seriam tão essenciais como uma armadura no campo de batalha.

Saiu do salão enquanto pode fazê-lo dignamente e desceu a escada.

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Não mais desculpas. Bastava de deixar as coisas para mais tarde. Ainda que

Melton estivesse dormindo, ordenaria que o tirassem da cama e o obrigaria a

escutá-la.

Ainda que esperasse sinceramente que não estivesse sofrendo as conseqüências

de uma noite na cidade.

Uma das ajudantes da modista se apressou a abrir-lhe a porta. Sorrindo com ar

ausente, Clarice saiu à rua e parou por um instante enquanto seus olhos se

adaptavam a luz do sol.

— Aqui está, amor. Estivemos esperando.

Clarice piscou surpreendida e tentou retroceder, mas tinha a porta justo atrás,

as suas costas. Diante dela havia dois corpulentos homens, um a cada lado, quase

a rodeando. Suas roupas indicavam que eram trabalhadores e não cavalheiros. Que

diabos estavam fazendo em Bruton Street? E por que acreditavam que a estavam

esperando?

— Penso que estão cometendo um erro.

Um deles sorriu e abriu a boca para falar...

— Clarice?

Ao ouvir a voz, voltou à cabeça e viu Jack aproximando-se da esquina. Olhava

fixamente aos dois homens e não parecia contente.

Ela lhe dedicou um tranqüilizador sorriso e o saudou com a mão. Voltou-se de

novo justo a tempo para ver como ambos os desconhecidos trocavam um olhar.

Então, o que estivera a ponto de falar tocou a viseira do gorro.

— Tem razão, senhorita. Parece que foi um erro. Se nos desculpar...

O outro também tocou o gorro e se afastaram decididos pelo lado contrário ao

que Jack se aproximava. Quando chegaram à esquina, giraram e desapareceram da

vista.

Clarice ergueu as sobrancelhas e se voltou para Jack, que olhava para a esquina

com o cenho franzido.

— Quem diabos eram?

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— Não tenho nem idéia. Estavam esperando alguém e me confundiram com su...

Ao ouvir suas próprias palavras, percebeu o pouco provável, ou melhor,

impossível que era isso. Olhou a Jack.

O olhar que ele lhe dirigiu foi de incredulidade. Também um pouco

condescendente.

— Não importa, não temos tempo para isso — disse ela. Pegou-lhe o braço e o

fez dar meia volta. — Suponho que recebeu minha nota. — Deixara uma nota ao

concierge informando-lhe onde estaria para o caso dele necessitar localizá-la. — Por

azar, a situação se deteriorou. Transcendeu a notícia das acusações e já estão se

estendendo os rumores. — Inspirou e levantou a cabeça decidida. — Tenho que ir

falar com meu irmão sem mais demora.

Jack a olhou e observando o ângulo de seu queixo engoliu as ácidas palavras

que lhe queimavam na língua. Aquele não era o momento de adverti-la sobre os

perigos que espreitavam inclusive nas ruas mais elegantes. Podiam falar sobre os

dois homens mais tarde e ele perguntaria a Deverell se seqüestrar mulheres em

plena rua se tornara algo mais comum nos últimos anos.

— Eu a acompanharei.

Clarice lhe lançou um olhar de soslaio, dirigiu a vista à frente e continuou

andando.

Jack quase podia ouvir como debatia o assunto mentalmente. Se tentasse negar-

se, ele insistiria, mas desejava que aceitasse seu apoio, preferivelmente em

qualidade de como o oferecia: como seu futuro esposo, ainda que estivesse bem

seguro de que ela ainda não havia se dado conta de suas intenções.

Caminharam depressa, adentrando-se em pleno coração de Mayfair. Quanto

mais avançavam sem que Clarice recusasse sua companhia, mais provável era que

acedesse.

— Onde vive seu irmão?

— Em Melton House. Em Grosvenor Street.

Rodearam Berkeley Square e giraram por Mount Street. Sem falar, saíram na

Carlos Place.

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— E quais rumores ouviu? Onde e de quem?

Clarice lhe contou. Com o cenho levemente franzido, também lhe falou de suas

suspeitas sobre sua madrasta.

— A Moira se considerava uma espécie de arrivista social quando se casou com

meu pai. Claro, não recordo nenhum comportamento adverso para ela, não quando

íamos juntas a algum lugar.

— Quando ia com ela, você estava lá. — Olhou seu perfil. —Os que seguramente

fariam o vazio a sua madrasta não o fariam em sua presença.

Seu franzimento de cenho se intensificou.

— Tem razão, claro. Penso o que terá acontecido e como Moira levou o

escândalo desde que me fui?

— Não muito bem pelo que parece.

Chegaram a Grosvenor Street e Clarice assinalou uma grande mansão do outro

lado da rua.

— É alí. — Parou e inspirou. — Vamos.

Jack a pegou pelo cotovelo para cruzar a rua, subiram os degraus que levavam

ao estreito terraço dianteiro. Soltou-a e chamou a campainha. No interior, ouviram

um forte som.

Clarice estava ali de pé, diante da porta de seu pai, ainda que ele já estivesse

morto e seu irmão mais velho, Alton, ocupava seu lugar. Atrás dela estava Jack,

não exatamente relaxado, mas sim tranqüilo, alto, forte, capaz e disposto a intervir

se necessitasse sua ajuda.

Essa certeza era um consolo muito real e pensá-lo a surpreendeu, inclusive a

tranqüilizou, ainda que só um pouco. Nunca fora dada a apoiar-se nos outros e há

tempos tinha aprendido que era melhor não ter testemunhas se as coisas iam mal.

Nunca gostara que outros vissem suas fraquezas, sua vulnerabilidade.

Claro, com Jack... De algum modo, era diferente.

Além do mais, eram muito parecidos. Confiava em que reagiria como ela o faria;

que soubesse reagir como ela o necessitaria e desejaria. Parecia extremamente

estranho estar diante da casa de seu pai com um cavalheiro como Jack ao seu lado.

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Uns fortes passos se aproximaram do outro lado. Logo, lhes chegou o som do

pesado ferrolho e a porta se abriu devagar.

— Sim?

Clarice se encontrou com o rosto do mordomo de seu pai e observou como a

expressão do homem mudava de uma de superioridade a um amplo sorriso de boas

vindas.

— Lady Clarice! Milady, adiante! — Edwards fez que seu velho corpo se dobrasse

em uma profunda reverência e sorriu quando a viu entrar no vestíbulo. — Que

alegria voltar a vê-la, milady!

— Obrigada, Edwards. Este é lorde Warnefleet. — Esperou enquanto o servente

fazia uma reverencia a Jack. —Alton está em casa?

— Sim, milady, e estará encantado de vê-la, depois de todos estes anos.

Encontra-se na biblioteca.

Clarice ocultou um franzimento de cenho ao tempo que se voltava para o

corredor à esquerda da magnífica escada. Alton na biblioteca a essa hora? A

qualquer hora? Era evidente que as coisas mudaram.

Não punha os pés naquela casa há sete anos, desde que a abandonara para

dirigir-se ao desterro decretado por sua família em Avening. Ao longo do tempo, se

acostumara a não comunicar-se com sua família, nem com seus irmãos. Embora

provavelmente pudesse tê-lo feito, uma vez que seu pai e sua ordem de não

mencioná-la nunca morreram. Mas no momento de seu falecimento, há cinco anos

sem nenhum contato, Clarice se acostumara a ausência do mesmo.

Parecia que seus irmãos também, porque não lhe escreveram nem foram vê-la,

nem após a morte de seu pai. Durante suas visitas a cidade, ela não fizera nenhum

esforço para restabelecer o contato e, como havia evitado os salões de baile e

demais vida social, não os encontrara em nenhum acontecimento.

Deteve-se diante da porta da biblioteca e a surpreendeu descobrir que não

sentia nada mais preocupante que uma leve curiosidade desconcertada sobre o que

os esperaria a Jack e a ela além dos escuros painéis.

Alton, sempre afável, fora algo frívolo e alegre, com um sorriso indiferente que

representava perfeitamente sua perspectiva do mundo. E poderia dizer-se que era

o mais sério de seus irmãos. Os três filhos varões do primeiro matrimonio do

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marquês foram agasalhados e mimados desde seu nascimento. Embora abençoados

com uma boa saúde e muito bom caráter, o resultado, não obstante, havia sido o

previsível.

Edwards os precedia pelo corredor e Clarice lhe permitiu que abrisse a porta e os

anunciasse, pois o mordomo se sentiria ofendido se não o fizesse. Quando ouviu

que dizia “Lady Clarice e lorde Warnefleet, milorde”, entrou na sala.

Viu Alton sentado atrás da enorme escrivaninha, mais emaciado do que já o

havia visto. Seu irmão levantou a cabeça, que estava segurando com ambas as

mãos, em aparência, em um gesto próximo ao desespero.

Seu rosto refletiu aturdimento ao vê-la, desviou os olhos para Jack e quase no

instante voltou a dirigi-lo para sua irmã.

Clarice piscou e foi como se não tivesse passado o tempo.

— Deus santo, Alton! Não está ébrio a esta hora?

Não o havia acreditado possível, mas o rosto dele, já demasiado pálido,

empalideceu ainda mais.

— Não! Claro que não! Não provei nem uma gota. Não desde ontem. Juro...

— Suas palavras se apagaram. Por um instante, olhou-a fixamente. A seguir, se

levantou e rodeou a mesa. — Clary! Céu santo, que alegria lhe ver!

Içada em um forte abraço, agarrada como se fosse uma corda de salvação, ela

se sentiu profundamente desorientada. Devolveu-lhe o abraço, ainda que mais

comedido, e lhe deu umas palmadinhas no ombro.

— Eu... He... Volto só temporariamente.

Alton a soltou e retrocedeu, mas lhe pegou as mãos e, sorrindo encantado,

contemplou-a. Seus olhos escuros, não tão escuros como os de sua irmã, quase

ardiam de manifesta felicidade e também um enorme alívio.

Antes que Clarice pudesse falar, com um sorriso de orelha a orelha, ele se voltou

para Edwards.

— Uma celebração, Edwards! Traz algo... Champanhe não. — Olhou a sua irmã.

— É demasiado cedo, certo? Que tal algo de xerez ou não agrada as damas de

agora?

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Nunca sei esse tipo de coisas.

Parecia um menino, anelante e desejoso de dar-lhes as boas vindas, de

impressionar.

— Talvez um chá e uns biscoitos, milorde? — sugeriu o mordomo.

Como um cachorrinho ansioso, Alton olhou para Clarice inquieto.

— Obrigada, Edwards. Um chá e uns biscoitos será perfeito — disse ela e teve a

repentina premonição que ia necessitar desse sustento.

O que estava acontecendo ali?

— Oh, Edwards. — Alton olhou aos olhos do ancião mordomo. — Não há

necessidade de dizer a senhora que lady Clarice está aqui.

— Não, claro, milorde. — Produziu-se uma muda comunicação entre senhor e

servente e logo este último fez uma reverência a Clarice. — Milady, permita-me

que lhe dê as boas vindas em nome de todo o serviço doméstico e que lhe diga

como estamos felizes de voltar a vê-la sob este teto.

Ela inclinou a cabeça com gesto régio.

— Obrigada, Edwards. Por favor, dê minhas saudações a todos os quais conheço.

Esperaram que o homem se retirasse. Quando fechou a porta, Clarice

apresentou Jack ao seu irmão.

— Lorde Warnefleet teve a amabilidade de acompanhar-me a cidade. É um

íntimo amigo de James.

Claramente feliz de saudar a alguém que se mostrara amável com sua irmã,

Alton lhe apertou a mão, mas quase de imediato, voltou a dirigir a atenção para

ela.

— Prepararemos seus antigos aposentos, como nos velhos tempos. Ninguém o

ocupou desde que se foi. Roger ouviu a Hilda e a Mildred planejar pegar coisas dali,

assim, fechou-a com chave e a escondemos, pelo que suponho que terá um pouco

de poeira, mas a senhora Hendry estará encantada de voltar a tê-la em casa, de

modo que...

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Alton. — Clarice aguardou até que seu irmão a olhou nos olhos. — Hospedei-

me no Benedict’s, como sempre faço.

Ele piscou surpreso e pareceu um pouco ofendido.

— Como sempre? — Estudou seu rosto. — Então, vem sempre a cidade?

Seu tom fez com que ela franzisse mentalmente o cenho.

— Venho ao menos duas vezes ao ano. Pode ser que viva no campo, mas ainda

necessito vestidos. Escrevi para dizer-lhe. Nunca me respondeu e nenhum foi me

ver...

— Eu nunca recebi nenhuma carta sua desde que se foi. — O tom apagado de

sua voz não deixava lugar a dúvidas de que dizia a verdade. — Não sabia que vinha

a cidade, e Roger e Nigel tampouco.

Clarice deixou que o franzimento de cenho se materializasse em seu rosto e

disse com uma nota de desgosto:

— Papai, eu suponho. Achei estranho... mas voltei a escrever também depois de

sua morte. — Seu irmão negou com a cabeça. — Tampouco recebeu essa carta?

— Não tínhamos nem idéia de que vinha a cidade. Pensamos que havia se

isolado no campo, que havia refeito sua vida e nos havia esquecido. Estava tão

aborrecida com todos nós quando se foi...

Clarice lhe deu umas palmadinhas no braço e se aproximou da poltrona.

— Com vocês três não. Eu sabia como era nosso pai. Nunca os culpei do que se

passou.

Deixou-se cair na poltrona, se recostou nela e ergueu a vista para Alton, que

havia se voltado para ela. Jack observou como os olhos de Clarice percorriam o

rosto de seu irmão.

— Tampouco foram me ver em Avening.

Alton fez um gesto com a mão.

— Ao ver que não respondia a nossas cartas... — Ficou calado e a olhou.

Ela negou com a cabeça.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Não as recebeu?

— Suponho que as deixavam na bandeja do vestíbulo para que nosso pai as

franqueasse.

Seu irmão amaldiçoou entre dentes, rodeou a mesa e se deixou cair

pesadamente em sua poltrona.

— Não pensei que o velho cabrão chegasse tão longe. Negou-se a permitir que

se mencionasse seu nome, mas nunca nos disse nada a respeito de escrever-lhe.

— Não se aborreceu em dizê-lo, se limitou a agir.

Com os cotovelos apoiados na escrivaninha, Alton franziu o cenho com o olhar

perdido no outro extremo da sala. Jack se sentou na outra poltrona que havia em

frente à mesa e viu o que não havia visto até o momento: um fugaz toque de aço

de Clarice nos reflexivos olhos de seu irmão. Após um momento, Alton a olhou.

— Voltei a escrever depois que ele morreu.

Os dois irmãos trocaram um longo olhar. Finalmente, ela ergueu as

sobrancelhas.

— Entendo.

Jack supôs que isso significava que outra pessoa — apostaria pela madrasta —

havia se assegurado que a relação entre os irmãos e a irmã permanecesse

quebrada. No instante, surgiu a pergunta: por quê? A mesma questão encheu os

olhos de Clarice.

Cada vez se dava melhor em interpretar sua expressão, perceber seus

sentimentos, seus pensamentos. Desde o momento em que entrara na biblioteca,

estivera... Avançando e tateando, totalmente desconcertada por umas boas vindas

tão diferente da que ela havia esperado.

Jack estava começando a compreender que havia esperado encontrar-se, no

mínimo, com uma atitude fria, inclusive de seus irmãos. E começava a entender por

que, a apreciar a profundidade da ferida que havia suportado durante tanto tempo.

Mas, como ele, Clarice já percebia o distinto que era tudo do que havia

esperado.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Alton — ela disse então, — vim pedir-lhe que ajude a James em um assunto

que concerne a toda a família. Mas antes de falarmos dele, creio que seria melhor

que me explicasse o que está acontecendo aqui exatamente.

Ele lhe susteve o olhar durante um momento, logo soltou um enorme suspiro, se

esfregou o rosto com as mãos e passou os dedos pelos cabelos, como estava

fazendo quando entraram. Depois abaixou as mãos, se recostou no assento e olhou

a Clarice.

— Por isso me alegrei tanto ao vê-la. O que acontece aqui é muito simples.

Moira está no comando. Ela move os fios e nós, todos nós, dançamos com sua

música.

Clarice franziu o cenho. Antes que pudesse fazer-lhe a seguinte pergunta, uma

chamada na porta anunciou a chegada de Edwards com uma bandeja, seguido pela

ama de chaves, que levava o chá. Tiveram que esperar que Clarice saudasse a

senhora Hendry, sorrisse, aceitasse as cálidas boas vindas da mulher e, com

delicadeza, mas também firmeza acabasse com todas suas esperanças de que fosse

instalar-se nessa casa.

Quando, ao fim, a porta se fechou atrás dos serventes, Alton recordou a

presença de Jack e pigarreou.

— Talvez devêssemos deixar esta conversa para quando lorde Warnefleet tenha

saído.

Ele captou o olhar que Clarice lhe lançou, uma advertência, enquanto ela

respondia:

— Lorde Warnefleet não irá, não sem mim. — Ignorando a expressão de

estranheza de seu irmão, continuou tranquilamente enquanto servia o chá. — Já

lhe disse que é um íntimo amigo de James e também é bom amigo meu. Jack sabe

tudo da família. Sua colaboração será essencial para ajudar a nosso primo, o que

equivale a ajudar a todos os Altwood. Se não escutar o que vai contar-me

diretamente de você, terei que explicá-lo eu de todos os modos. Assim, deixe de

ninharias e comece já.

Ofereceu a Alton uma xícara e Jack pegou a sua.

Clarice se recostou no assento com sua xícara e contemplou ao seu irmão com

seu olhar mais inquisitivo.

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— Você é o marquês de Melton, você dirige agora o marquesado, esta casa e

todas as demais, o que tem Moira que dizer a respeito?

Alton olhou a Jack e logo a ela.

— Figuradamente falando, nos tem presos pelas pelotas.

O olhar que Clarice lhe lançou o repreendeu por sua crueza e ao mesmo tempo o

urgiu a continuar.

— Eu tenho trinta e quatro anos, Roger trinta e três e Nigel trinta e um. —

Levantou uma mão quando Clarice abriu a boca para recordar-lhe que já sabia isso.

— Inclusive antes de nosso pai morrer, nós três havíamos conhecido as damas com

as quais queríamos contrair matrimônio. Todas inocentes e tudo o mais. Moira,

claro que o sabia. Disse-nos que não havia pressa que, em vista de quem éramos,

tínhamos muito tempo para anunciar nossa escolha e que devíamos refletir com

calma para assegurar-nos que havíamos feito a escolha correta... — Um leve rubor

tingiu suas pálidas bochechas. — Ao pensar agora, posso ver que jogou com nossas

inseguranças, mas... Entre uma coisa e outra, todos decidimos comentar o assunto

com papai, mas então ele morreu, antes que lhe tivéssemos dito algo ou se tivesse

feito algum anúncio formal.

— Mas então se converteu na cabeça da família. Já não necessita a aprovação de

ninguém.

Os lábios de Alton se curvaram em um cínico sorriso.

— Esse, por azar, é o problema. Depois da morte de nosso pai, Moira assumiu o

controle. Necessito a aprovação dela e não está disposta a dá-la, não facilmente. E

suspeito que não em breve.

Clarice estudou seu rosto e perguntou com calma:

— Com o que os ameaça?

— Com nosso próprio passado, claro. — Olhou brevemente a sua irmã antes de

contemplar o chá de sua xícara. — Já sabe como somos... Como era nosso pai.

Quase nos animava a que flertássemos com qualquer mulher que desejássemos,

sobretudo em Rosewood.

Clarice perguntou com voz inexpressiva e sem crítica:

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— Está falando de donzelas, lavadeiras e leiteiras?

Alton assentiu sem erguer a vista.

— Sempre era tão fácil, e inclusive quando sucedia o inevitável, como, claro,

sucedeu com os três, nosso pai nunca mudou, mas simplesmente organizou tudo

para que a jovem estivesse bem e ao bebê o educava uma das famílias de nossos

trabalhadores... Já sabe como se faz. — Com os lábios apertados, ela fez uma

careta. — O que nenhum de nós sabia e suspeito, nem nosso pai, era que Moira

não só tinha conhecimento de cada incidente, mas fazia anotações dos mesmos.

E mais, quando Roger, Nigel e eu chegamos à cidade, de algum modo, também

fez anotações de nós três. — Alton ergueu a cabeça e olhou a Clarice aos olhos. —

Tem uma lista de cada encontro, de cada romance. — Inspirou e com uma mão fez

um gesto de impotência. — De cada um de nós, conhece ao menos uma relação,

um vínculo que se chegar a conhecer, poderia... Desbaratar nossos planos de boda

ou, ao menos, de boda com as damas que escolhemos.

Olhando-o nos olhos, Clarice murmurou:

— Temos que mover-nos em círculos muito fechados...

Seu irmão sorriu com amargura e assentiu:

— Exato. Pode imaginar como poderia ser.

Jack franziu o cenho. Quando ela e Alton guardaram silencio, perguntou:

— Para o que Moira usa a informação? Para obter dinheiro do marquesado?

Um grande diamante brilhava no lenço de Alton; no pesado selo de ouro que

levava na mão direita havia incrustado outro menor. Sua jaqueta era de Schultz,

sua camisa impecável. Apesar do emaciado que estava, estava perfeitamente

vestido com roupa muito cara.

Seu rosto se iluminou e riu, mas não foi um som de alegria.

— Oh, não. Essa não é sua intenção em absoluto. De fato, é a primeira em

animar-nos a gastar mais, a causar maior impressão. Não quer que pareçamos

menos ricos do que somos. Encanta-lhe seu papel de marquesa de Melton.

Continua recebendo convidados como senhora da casa. Sempre temos que ser

vistos como a cúspide. —Alton fez uma pausa, a amargura de seu tom se refletiu

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também em seu rosto. — Não, para ela não é o dinheiro o que conta, mas o

controle sobre nós. — Olhou a Jack. — O poder de fazer-nos dançar ao seu som.

Após um momento, olhou a Clarice.

— Moira tentou controlar-te e fracassou, mas ainda assim se desfez de você.

Com nós três, foi muito mais cuidadosa. Quando percebemos, depois que nosso pai

morreu, já nos tinha subjugados. Pior ainda, nos mesmos lhe havíamos dado as

cordas ao contar-lhe nossas intenções de casar-nos. Desfruta condenadamente ao

saber que pode puxar os fios. Fazer-nos obedecê-la em qualquer momento e saber

que nosso futuro e nossa felicidade só dependem do desejo dela.

Clarice não disse nada. Seu desgosto era algo palpável.

— O que tem feito a respeito? — Quando Alton piscou, ela se explicou: — Algum

de vocês a desafiou ou pôs a prova sua determinação ou simplesmente aceitou sua

ameaça?

O rosto de Alton, que havia se relaxado um momento, voltou a mostrar-se

edemaciado.

— Roger tentou. Disse que contaria a Alice, Alice Combertville, a filha de Carlisle,

que o contaria tudo e se poria a sua mercê, e assim o fez. No princípio, pareceu

triunfar. Alice se indignou muito pelo jogo de Moira e jurou que não lhe

importava... mas dois dias mais tarde, Roger recebeu uma nota na qual rompia sua

relação.

Tentou vê-la, descobrir por que mudara de opinião, persuadi-la... — Alton

parecia quase enfermo. — Isso foi no mês de novembro passado e ainda não

conseguiu falar com ela.

— Ainda está tentando?

— Sim! Que outra coisa pode fazer? Este assunto o está deixando louco. Alice

esteve dançando com Throgmorton e com Dawlish. Teme que possa aceitar a um

deles e então tudo se acaba...

Clarice o observou e lhe sugeriu com calma:

— Diga a Roger que deve falar com Alice ainda que tenha que raptá-la para isso.

Tem que perguntar-lhe o que lhe disse Moira.

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Seu irmão franziu o cenho.

— Não foi Moira, mas o próprio Roger quem o disse.

Clarice soltou um bufo desdenhoso e deixou a xícara sobre a mesa.

— Estou segura que, depois de ter falado com Alice, ela, indignada, deve ter

abordado a Moira para repreendê-la. Mas nossa madrasta se vingou com algo,

alguma invenção, algo verdadeiramente horrendo que Alice não poderia perdoar.

Por isso mudou de opinião e rompeu com Roger. — O olhar que lançou a Alton foi

de profunda exasperação. — Realmente, você se mostra demasiado fácil de

manipular.

Recostou-se na poltrona.

— E Nigel?

— Emily e ele, Emily Holligworth. Bem, suponho que poderia dizer que no estilo

bem próprio de Nigel, segue o jogo de Moira com a esperança que tudo se resolva

de algum modo; e dizer que Roger ou eu descubramos alguma maneira de burlá-la.

— Fez uma careta. — Emily só tem vinte anos. Tem tempo.

Clarice arqueou as sobrancelhas.

— Mas você não?

Seu irmão a olhou aos olhos.

— Não. — Fez um gesto de desespero. — Nisso estava pensando quando você

chegou. — Tomou uma entrecortada inspiração. — Não tenho nem idéia do que

fazer.

— Quem é? — perguntou Clarice.

— Sarah Haverling, a filha mais velha do velho Conniston.

Ela mordeu os lábios e assentiu lentamente.

— Uma excelente escolha. Mas não fez nenhuma proposta formal?

— Nem insinuei semelhante coisa, não a seu pai.

— E suponho que algo faz que o assunto seja urgente...

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— Sim! Sarah tem vinte e três anos, quase vinte e quatro e esta será sua última

temporada.

Estamos falando de casar-nos durante este ano, mas com Moira ameaçando-me

com o que tem... — Sua expressão se tornou desesperada. — Seu pai e sua

madrasta a estão alertando a se casar, algo nada surpreendente. Sugeriram a

Farleigh e a Bicknell e os dois parecem cada vez mais entusiasmados. Se um deles

fizer uma proposta... E eu não posso fazer uma contra oferta, pressionarão a Sarah

para que aceite a um deles.

Jack, que observava a Clarice, viu que se punha rígida. O futuro imediato de

Sarah Haverling era demasiado similar ao seu passado.

— A pior parte — continuou Alton com a voz mais baixa e o olhar fixo em suas

mãos apertadas — é que Sarah não compreende por que não lhe peço matrimonio.

Não está enamorada de nenhum de seus dois pretendentes. Segue esperando-me e

tenho que dar-lhe desculpas... — Sua voz se apagou. Tomou outra inspiração. —

Levo dias sem dormir. Não sei o que fazer.

Após um momento, Clarice perguntou em voz baixa:

— O que tem Moira contra você? — Quando Alton ergueu a vista, ela

acrescentou: — Se não me diz, não poderei aconselhar-te.

Seu irmão ficou olhando-a durante um momento e logo olhou a Jack.

— Não se preocupe por Jack. — O tom de sua irmã era seco. — Sua discrição

está garantida. E, é provável que consiga mais compaixão dele que de mim.

Alton não sorriu.

— Tive uma aventura com a madrasta de Sarah, Claire.

Clarice ergueu as sobrancelhas.

— Que insensato. Mas suponho que isso foi antes de começar com Sarah.

Seu irmão pareceu irritado.

— Faz anos. Ela ainda estava no colégio.

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— De acordo. Nesse caso, te aconselharia a confessar-lhe. A menos que Claire

mudou muito nos últimos sete anos, duvido seriamente que vá causar algum

problema.

Alton a olhou. De repente, Jack pode ver uma similitude maior entre os irmãos.

— Não posso confessar. Depois que Roger o tentou Moira me disse que fará o

mesmo, se eu falar, não com Sarah, mas com o próprio Conniston. Todos sabemos

que Claire leva anos tendo amantes; mas Moira dirá a Conniston que se me der

permissão para casar-me com Sarah, ela garante que irá difundir que está

entregando sua filha a um homem que o fez um cornudo.

Clarice lhe susteve o olhar e fez uma careta.

— Oh.

Jack pensou que isso o resumia perfeitamente. Estava começando a sentir um

grande interesse para conhecer a velha inimiga de Clarice que, agora havia se

convertido também na de seus irmãos. Tinha curiosidade para ver que tipo de

mulher poderia ter atado de pés e mãos e de um modo tão desagradável e eficaz a

pessoas do calibre de Clarice e Alton. Apesar do estado deste, Jack podia ver nele

bastante dureza e arrogância para imaginar que não se tratava de nenhum fracote.

Talvez ainda não fosse tão forte como Clarice, mas parecia que Moira estava

trabalhando nele.

Em sua opinião, esse poderia resultar um jogo muito perigoso. Sobretudo para

Moira.

Essa mulher devia estar cega para não saber com que tipo de pessoas tratava.

Apenas havia acabado de assimilar o pensamento quando a porta da biblioteca se

abriu com violência.

Todos olharam. Uma mulher ruiva estava de pé na porta, com uns ardentes

olhos azuis e o peito agitado por uma fúria incontrolada.

— Alton! — Sua voz foi quase um guincho. — Como se atreve a receber a esta...

—seus olhos se cravaram em Clarice — a esta mulher na casa de seu pai?

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Capítulo 14

Foi como ver romper-se uma crisálida e emergir uma nova forma de vida. Alton

não se levantou, na realidade nem se moveu. Pareceu crescer. Seu rosto se

endureceu, desprovido de qualquer rastro de humor e seus escuros olhos arderam.

Quando falou, a fúria apenas contida vibrou sob suas palavras.

— Deixe-nos, Moira.

A mulher pareceu comovida, quase como se a houvessem esbofeteado. Então,

tomou ar e entrou.

— Deixo nada! Como se atreve a permitir que esta mulher...! — Avançou e

assinalou a Clarice com o dedo.

Jack olhou esta e teve que esforçar-se para não sorrir. Após aquela primeira

olhada, parecia ter decidido que não tinha de dedicar mais atenção a sua furiosa

madrasta.

Havia pegado com calma outro biscoito e agora estava sentada como a viva

imagem do decoro, comendo seu biscoito em um delicado prato de porcelana. Tudo

indicava que nem ouvia nem via a horrível cena que se desenrolava diante dela.

Furiosa, Moira tomou outra inspiração.

— E... que esta escandalosa mulher entre nesta casa! Seu pai o proibiu.

Jack suspeitava que devia ter seguido o exemplo de Clarice, mas a tentação era

demasiado grande. Recostou-se no assento e observou a Moira e a Alton.

A mulher se deteve junto à mesa. Passava dos quarenta e seu rosto, demasiado

branco, começava a mostrar as primeiras rugas. Estava cheinha, mas era mais

baixa, de cabelos dourados e os olhos de um turbulento azul, que cintilavam com

rancor. Quase vibrava de fúria quando pousou a vista em Clarice.

Jack apertou os olhos ao perceber que atrás da colérica fachada de Moira havia

muito medo. Olhou para Clarice enquanto, com um incrível controle, Alton

afirmava:

— Meu pai está morto. Esta agora é minha casa e nela receberei a quem eu

quiser.

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Sua madrasta se voltou para olhá-lo fixamente. Por um instante, pareceu ficar

sem fala e se pôs rígida.

— Creio Alton, que esqueceu...

— Não esqueci nada, mas recordei-me de uma ou duas coisas. Eu mando nesta

casa e te sugiro que saia desta sala.

Moira ficou boquiaberta, mas se recuperou em seguida.

— Se acre...

— Edwards!

— Sim, milorde? — O mordomo respondeu tão rápido que ficou claro que estava

esperando na porta.

— Por favor, acompanhe a senhora a seus aposentos. Creio que necessita deitar-

se até a hora do jantar. — Seus olhos, duros e frios, se cravaram nos olhos de sua

madrasta. — Se tiver algum problema, chame a um servente ou dois para que lhe

ajudem.

— Sim senhor.

Tremendo de indignação, Moira ficou rígida.

— Se acredita que deixarei que se saia bem nisto — sibilou, — será melhor que o

pense melhor.

Edwards lhe tocou o braço e ela soltou um furioso grito. Olhou irada ao

mordomo, deu meia volta e saiu da biblioteca. O homem se virou para segui-la.

— Edwards — Clarice disse sem erguer a vista, — se produzir alguma represália

por isto, faça-o saber a Alton.

O mordomo assentiu com a cabeça e fez uma reverência.

— Sim, milady.

Quando a porta se fechou, Alton exalou e a tensão em seus ombros e braços

desapareceu visivelmente.

— Já está. — Clarice deixou o prato vazio. — Vê que fácil pode ser reclamar sua

vida?

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Seu irmão soltou um bufo, mas sua expressão se tornou pensativa.

— Nunca antes me havia ocorrido.

Ela resmungou e o som sugeriu que pensava que deveria ter ocorrido muito

antes.

— Bem, nosso pai gritava e humilhava a todos.

— Exato. Assim, se quer que Moira compreenda que agora você ocupa seu

lugar...

Alton franziu o cenho.

— Nunca o tinha visto desse modo. — Ao cabo de um momento, olhou-a. —

Você foi a única de nós, não só dos quatro, mas de todos nós, que o enfrentou. Até

que morreu, se dedicou a gritar e a humilhar-nos sempre que lhe apetecia. —

Soltou uma breve risada. — Quanto a Roger, a Nigel e a mim, nunca deixou que

esquecêssemos o que ele chamava de sua indulgência ao escutar-nos e mandar-te

com James.

Um incômodo rubor apareceu em seu rosto e olhou a Clarice aos olhos.

— Não o digo para que se sinta em dívida conosco. Não o está.

Deveriamos ter-lhe protegido melhor...

— Não estou certa que vocês pudessem ou se eu o teria permitido — respondeu

ela com calma. — Mas não importa, isso faz parte do passado. É do presente que

temos de cuidar e proteger o futuro. Por isso estamos aqui Jack e eu.

Rapidamente, informou ao seu irmão das acusações contra James e descreveu-

lhe com brevidade as consequencias que isso poderia ter para o nome da família.

Recorreu a Jack, que confirmou a gravidade das acusações. Alton o compreendeu

rápido; não tiveram que explicar-lhe o provável efeito que teria em suas

esperanças de casar-se, tanto nas suas como nas de seus irmãos, se um Altwood

fosse julgado por traição.

Olhou a Jack e a Clarice.

— O que querem que faça?

— Há algum modo de poder influir no bispo de Londres? — perguntou sua irmã.

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Ele pensou e assentiu.

— Conheço seu irmão mais velho. É socio de White’s y era amigo de nosso pai.

Poderia falar com ele.

— Bem — exclamou Jack. — O que precisamos é que o bispo dê permissão a

mim, como representante da família, para interrogar o diácono Humphries, não

como acusação no caso, mas como quem aportou às acusações. Já temos acesso à

informação que até o momento se apresentou no tribunal episcopal, mas não é em

absoluto tudo o que Humphries sabe. Precisamos perguntar-lhe pelos detalhes que

omitiu antes que os apresente a vista, assim saberemos o que precisamos para

refutar essas acusações por completo, não limitar-nos só a ir desgarrando as

bordas semeando com elas a dúvida, mas acabar com elas totalmente.

— É urgente — acrescentou Clarice.

Alton assentiu enquanto tomava notas.

— Verei o que posso fazer. — Fez uma pausa e acrescentou com tom sério: —

Sabe Deus que provavelmente haja muito pouco mais que possa aportar.

Clarice o observou um momento antes de levantar-se e rodear a mesa. Deteve-

se junto ao seu irmão, lhe apoiou uma mão no ombro, se inclinou e lhe deu um

beijo no rosto.

Jack viu a expressão de Alton quando ergueu a vista, surpresa combinada com

uma recordação dolorosamente doce. Clarice lhe sorriu e lhe deu umas

palmadinhas no ombro.

— Pensarei em seu problema com Moira. Tem de ter um modo. Saude a Roger e

a Nigel de minha parte e não se esqueça de transmitir a Roger minha mensagem.

A seguir, se dirigiu a porta. Jack se despediu de Alton com uma inclinação de

cabeça, se levantou e a seguiu.

— A propósito — Clarice parou antes de sair, voltando-se, — poderia tentar dizer

a Sarah que a ama com toda a alma e que tem intenções de mover céus e terra

para casar-se com ela. Logo, fale da ameaça de Moira. Se lhe contar a verdade, se

mostrará mais inclinada a fazer tudo o que possa para evitar receber uma proposta

de algum outro.

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Dito isso, se voltou para a porta, que Jack abriu antes de segui-la.

A última imagem que teve de Alton Altwood, marquês de Melton, foi sentado na

sua escrivaninha, levemente estupefato, mas com o brilho da esperança nos olhos.

***

Regressaram ao Benedict’s, onde almoçaram na suíte. O almoço transcorreu em

um inusitado silêncio. Era evidente que Clarice estava assimilando tudo o que

descobrira em Melton House e não gostava nada do que tinha averiguado. Jack

observou seu rosto e se fixou no franzimento de cenho que não se preocupava em

esconder. Sentiu que o fato de já não tentar esconder-lhe suas preocupações e

inquietudes era um sinal alentador. Uma vez terminado o almoço e retirados os

pratos, Clarice se sentou em uma poltrona, olhou-o nos olhos quando ele se

acomodou em frente e fez uma careta.

— Temo que vá ter que voltar a vida social de um modo muito mais contundente

do que havia planejado.

— Pensei que estava decidida a atender ao resgate social de James — respondeu

ele.

— Estava. Estou. E o farei. Mas parece que vou ter que agir também em nome

de meus irmãos. Já viu a Moira. É extremamente torcida e conhece-os, nos conhece

muito bem aos quatro.

— Não acredita que Alton possa arrumá-las só com seu apoio? Esta manhã

parecia ter recobrado a vida pelo simples fato de estar lá.

Clarice franziu o cenho ainda mais e afinal admitiu:

— Em certo modo tem razão. Meu irmão pode mandar como deveria fazê-lo. Sei

que pode. Por azar, sempre esteve na sombra de nosso pai e com a manipulação

de Moira ainda não percebeu de todo que agora é ele quem ocupa a posição de

nosso pai, que pode assumi-la e tomar o controle. — Depois de um momento,

murmurou: — Não foi tanto o fato de eu estar lá, como Moira me atacado o que fez

com que Alton entrasse em ação.

Jack levantou uma mão.

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— Se está pensando em converter-se em branco dessa espantosa mulher para

conseguir que seus irmãos reajam como deveriam, recomendo encarecidamente

que o reconsidere.

Clarice o olhou nos olhos e uma sutil calidez a percorreu, mas fungou com

desdém.

— Não estava considerando semelhante coisa. O autosacrifício não é meu estilo.

Está claro que terei que fazer mais vida social do que teria feito se só tivesse a

defesa de James como objetivo. Isso eu posso conseguir entrando em contato com

umas poucas pessoas chave. Entretanto, acabar com a manipulação de Moira

requer muito mais.

Para começar, vou ter que encontrar-me com as damas escolhidas por meus

irmãos e mais, aliviar a pressão por esse lado. Também posso ajudar se me reunir

com o próprio Conniston e talvez com Claire, a qual conheço faz muito tempo...

Uniu as gemas dos dedos e apoiou o queixo neles. Com expressão ausente,

continuou franzindo o cenho.

— A principal dificuldade é como. Como posso introduzir-me rapidamente e de

um modo aceitável em um mundo ao qual dei as costas tão contundentemente há

sete anos?

Depois de um momento, Jack perguntou:

— Com quanta contundencia o fizeste?

Ela o olhou nos olhos.

— Com contundencia total. Estava furiosa com todos eles e não o ocultei.

Ele fez uma careta e acrescentou:

— Era uma Altwood.

— Claro. Se depois de sete anos desejo regressar e pavonear-me pelos salões —

encolheu os ombros, — duvido que alguém tente impedir-me.

Fixou-se no rápido sorriso de Jack. Podia vê-lo imaginando-a acabando com as

pretensões de qualquer que se atrevesse a tentá-lo. Como de fato o faria. Sofrera

os aspectos adversos de ser a filha de um marquês e não estava disposta a

renunciar aos beneficios.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Posso regressar a alta sociedade e o farei, mas necessito conselho de uma

classe que não é fácil de conseguir.

Calou-se um momento até que Jack se moveu para atrair sua atenção.

— Tenho duas tias que nos ajudarão se o pedir — disse ele.

Clarice ergueu as sobrancelhas; era a primeira menção que lhe ouvia de

qualquer familiar além de seu pai.

— Quem são?

— Lady Cowper e lady Davenport.

Clarice o ficou olhando.

— Pode exigir assim sem mais nem menos, o apoio das duas mais formidáveis

anfitriãs de nosso mundo?

Jack sorriu.

— “Exigir” pode ser um pouco excessivo, mas sabem que saí fugindo da cidade

faz pouco, em plena temporada. Estarão mais que encantadas de ajudá-la quando

souberem quem é que está me trazendo de volta.

Clarice estudou-o, e contemplou seus olhos cor avelã, mas não pode saber se

escondia algo mais sob suas palavras. Devagar, assentiu.

— Claro lady Cowper e lady Davenport seriam umas aliadas muito úteis para

combater a Moira. Quanto a James...

Ele fez uma careta.

— Minhas tias têm uma boa amiga, uma dama a que convém evitar, porque é

aterradora. Porém, no referente a exercer influência nos níveis mais altos de poder,

duvido que haja muitas que estejam a sua altura. Se avisar a minhas tias, quando

as visitarmos, ela seguramente também estará.

Clarice pode ver sua insegurança a respeito dessa outra dama.

— Quem é ela?

— Lady Osbaldestone.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Clarice se ergueu em seu assento.

— Therese Osbaldestone?

Quando Jack assentiu, ela piscou surpresa e recordou.

— Era uma amiga íntima de minha mãe, segundo me disseram as irmãs de meu

pai, mas eu não a conheci até o dia em que fui apresentada em sociedade. Foi ao

festejo e muito amável comigo, mas então apareceu Moira, e lady Osbaldestone a

olhou com desdém e saiu.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Parece, pois que lhe apetecerá ajudar-lhe a afastar suas garras da garganta

de seus irmãos.

Clarice sorriu.

— Que imagem.

Chamaram a porta.

— Entre! — disse ela.

A porta se abriu e entrou um servente com uma bandeja de prata que ofereceu a

Clarice. Esta pegou os três cartões que havia sobre ela, leu e sorriu com um pouco

de pesar. Por cima dos retângulos de cor marfim, olhou a Jack.

— São meus irmãos. Os três.

Deixou os cartões na bandeja e disse ao servente:

— Acompanhe aos cavalheiros aqui em cima.

Quando a porta se fechou atrás do homem, comentou:

— O que querem?

Não teve que perguntá-lo mais, porque em pouco mais de um minuto seus

irmãos, encabeçados por Alton, entraram na habitação decididos. Roger e Nigel

sorriam claramente encantados; levantaram-na da poltrona e a abraçaram

efusivamente, ignorando alegremente suas advertências para não lhe amassarem o

vestido. Por um instante, quase pode pensar que nada havia mudado e que os anos

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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não passaram e os três voltavam a ser aqueles meninos algo maiores que ela aos

quais sempre teria que manter a linha, guiar e de certo modo proteger.

Mas logo observou de que maneira olhavam a Jack, percebeu sua reação e a

deles e soube que as coisas nunca voltariam a ser como antes.

— Lorde Warnefleet me acompanhou a Londres. É um bom amigo de James. —

Fez as apresentações e evitou que a conversa se dirigisse para si mesma e Jack,

sentado muito a vontade em sua suíte, sem fazer nenhum esforço para parecer

menos predador do que era. O manifesto receio de seus irmãos parecia conjurar

uma atitude abertamente possessiva nele, inclusive mais possessiva do habitual.

Teve vontade de dar-lhes uma patada a todos, uma boa patada.

— Alton, fez algo a respeito do bispo?

— Sim — contestou ele e lhe sorriu, parecendo-se de repente muito ao Alton que

ela recordava. — Veio-me a memoria que o velho Fotheringham frequentemente

tira uma soneca depois do almoço na biblioteca do White’s e pensei que esse é um

bom lugar para encantoá-lo, assim, fui provar. Sempre está grunhindo sobre seu

irmão o bispo, sobre a vaidade da Igreja e todas essas coisas. Esteve mais que

disposto a escrever-lhe uma carta assinalando, tal como disse ele, conveniência de

aceder à petição perfeitamente razoável dos Altwood de ter um representante

privado que examine as provas que se irão apresentar no tribunal episcopal antes

da vista oficial.

Olhou a Jack e fez uma pausa.

— Eu mesmo enviei a carta com um dos serventes do White’s. Surpreenderia-me

se o bispo não seguir seu conselho. Consideram-no muito astuto na hora de avaliar

em que direção sopra o vento e tem ambições. Suspeito que aproveitará a

oportunidade para...

— Congraçar-se? — sugirió Jack.

Alton sorriu ciínicamente.

— Exato. — Logo se voltou para sua irmã e continuou: — Mas agora que fez tudo

o que podia por James nesse aspecto, nós — com um gesto incluiu a Roger, a Nigel

e a si mesmo — viemos nos colocar em suas mãos, Clarice. Moira e seus complôs

nos superam. Estamos decididos a libertar-nos, mas necessitamos sua ajuda.

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— Antes que responda sim ou não — disse Roger, pegando uma cadeira e

sentando-se ao lado de Clarice, — temos uma proposta para fazer em troca. Você

quer exonerar James, para o que necessitará ajuda, um tipo de ajuda que nós

podemos oferecer-lhe. — Então olhou a Jack de um modo calculador, mas não

antagonista. — Necessita soldados a pé e nos vai bem seguir ordens. Seja o que for

que desejar que façamos para ajudar James, o faremos encantados. Em troca...

— Em troca, querida irmã — continuou Nigel, ajoelhando-se aos seus pé e

dedicando-lhe um sorriso de adoração, — queremos que nos ajude a chegar ao

altar.

— Cuidado, não a um altar — esclareceu Roger. — A três altares, um para cada

um.

Datas diferentes e damas diferentes.

Clarice lhe lançou uma fulminante olhada.

Alton se aproximou da lareira e acrescentou com simplicidade:

— Por favor.

Jack observou Clarice e percebeu que algo em seu interior resistia. Tivera a

intenção de fazer o que pudesse para ajudar aos seus irmãos, mas dizer a eles...

isso era outra coisa, pois uma vez que se comprometesse abertamente, se

consideraria obrigada a cumpri-lo.

Quando desviou o olhar do rosto de Alton ao seu, Jack permaneceu imóvel e a

olhou inexpressivo com um olhar inescrutável. Na realidade, não podia aconselhá-la

nisso. Ela conhecia seus irmãos muito melhor que ele, sabia como eram e se

realmente poderiam ajudar a limpar o nome de James eficazmente. Decidisse o que

decidisse, ele a apoiaria.

O franzimento de cenho de Clarice foi desaparecendo e voltou a observar a

Alton.

— Se os ajudar a livrá-los de Moira...

— E a conseguir a mão das damas que elegemos — interveio Nigel.

Clarice o olhou.

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— E despejo-os no caminho para que possam conseguir vossas damas, me nego

a que me responsabilizem de qualquer consequencia de qualquer torpe intento de

galanteio.

E se faço isso por vocês, nos ajudarão a exonerar James de qualquer modo que

Jack e eu necessitemos.

Os três irmãos ao mesmo tempo lançaram uma rápida olhada a Jack, que se

mostrou impassível, depois trocaram outro olhar enquanto sopesavam as palavras

de Clarice em uma muda comunicação. Jack percebeu o fenômeno com uma

pontada de pesar ao dar-se conta que Clarice também seguia o intercâmbio. Ele

nunca teve irmãos, nem amigos íntimos. Nunca teve esse tipo de comunicação com

ninguém.

Ela o olhou nos olhos e em sua expressão Jack viu a confirmação que a ajuda de

seus irmãos mereceria o esforço e por sua parte os ajudaria de todo modo, assim,

sua decisão era aproveitar a ocasião que se lhes apresentava.

Clarice afastou a vista e Jack piscou.

— Se serve de alguma ajuda para tomar vossa decisão — disse ela

contemplando Roger, Nigel e finalmente a Alton, — pensem em como afetará a

suas aspirações matrimoniais ter um suspeito de traição na família.

Alton apertou os lábios, os olhos de Roger se escureceram e ficou com a

mandíbula tensa e Nigel amaldiçoou entre dentes, pelo que recebeu uma rápida

patada de sua irmã. O jovem lhe sorriu.

— Bem, de todo modo, sabe que te ajudaremos igualmente e que você não será

capaz de resistir a ajudar-nos, assim, todo este regateio sobra. Vamos! — Olhou

alternativamente a Clarice e a Alton e voltou a olhar a Clarice. — Por onde quer que

comecemos?

Ela contemplou o ansioso rosto de Nigel antes de olhar para Jack.

— Jack e seus amigos estão comprovando os fatos referentes a três encontros

que James teve supostamente com um mensageiro francês. Estão mais preparados

que nós para fazer isso. Por nossa parte — olhou para Alton, — temos que

encarrregar-nos do outro lado da ameaça, dos fofoqueiros e dos que se dedicam a

difundir rumores. A primeira coisa a fazer é averiguar quanto estão estendidos

estes e uma vez que o saibamos, pensaremos no melhor modo de responder a eles.

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Alton franziu o cenho.

— Eu não ouvi nenhum rumor — disse.

— Nem o ouvirá. — Jack o olhou. — Ninguém dirá nada diante dos membros da

família. Serão os últimos a sabê-lo.

— Eu o descobri porque estava atrás de um biombo no salão de minha modista e

essas velhas bruxas de lady Grimwade e a senhora Raleigh não sabiam que estava

ali — explicou Clarice. — Parecia que o rumor acabava de começar.

— Grimwade e Raleigh? — Roger franziu o cenho. — Se quiser estender rumores

mal intencionados, essas duas velhas são as pessoas ideais para fazê-lo.

— Claro. É evidente que alguém cochichou ao ouvido de Grimwade, porque

Raleigh não sabia de nada. Embora, não creio que alguma delas diga uma palavra

mais, não até que tenham mais detalhes. — Olhou aos seus irmãos. — Agora é o

meio da tarde.

Muitos cavalheiros visitam seus clubes. Se derem uma volta por eles,

certamente terão uma idéia de como estão espalhados os murmurios.

— Terão que pedir aos seus amigos que os ajudem, porque vocês não ouvirão

nada diretamente — interferiu Jack.

— E seja o que for que escutem, não reajam. Ainda não. — Clarice olhou aos

três com severidade. — Precisamos saber qual é a magnitude do problema ao qual

nos enfrentamos, para pensarmos no modo mais eficaz de combatê-lo. Se alguém

faz o impensável e pergunta sobre o assunto, aleguem total ignorância. Finjam que

não tem nem idéia do que estão falando. — Parou e logo continuou: — Se nos

voltarmos a ver esta noit...

— Oh, claro que nos veremos esta noite. — Alton olhou aos seus irmãos e a ela.

— Queremos que conheça as nossas escolhidas não oficiais. Arrumamos tudo para

que lhe enviem convites para os bailes aos quais assistiremos hoje. Vamos nos

reunir com você em casa dos Fortescue. Concordamos que o caso de Roger é o

mais urgente e depois o meu. Nigel — Alton deu um empurrãozinho em seu irmão

mais novo com a ponta da bota — pode esperar seu turno.

Clarice olhou a Alton com uma expressão que era uma mescla de altaneiro

ressentimento e frio cálculo. Jack conseguiu ocultar um sorriso que soube que ela

não apreciaria.

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Clarice queria que seu irmão tomasse conta de sua própria vida e da marquesa,

mas Jack duvidava que gostasse que lhe organizasse também a vida dela.

Mas o frio cálculo ganhou a batalha e assentiu com a cabeça.

— Muito bem. Jack e eu nos reuniremos com vocês em casa dos Fortescue as

dez em ponto.

Jack notou seu olhar, mas não o devolveu. Ela sabia que a acompanharia a

qualquer baile ou festa ao qual decidisse assistir. Em troca, observou seus irmãos e

a reação destes diante de sua afirmação que ele a acompanharia. Não estavam

nada certos de como encarar isso e não estavam nada certos se o aprovavam.

Alton mudou de atitude e cravou seus escuros olhos em Clarice. Jack teve a

impressão que estava se preparando para a batalha.

— Há outra coisa mais, Clary. Queremos que volte para casa, que venha viver

com nós em Melton House.

Ela ergueu a vista claramente surpresa e hesitou refletindo, pensando antes de

agir... Jack ficou com o coração apertado. Clarice não esperava nada disso, não

sabia que seus irmãos sentiam tanto sua falta, que lhe dariam as boas vindas tão

cordiais, que longe de desprezá-la e ignorá-la, sua família a pegaria, praticamente

saltariam de alegria, mas sentir-se necessitada e valorizada era um bálsamo para

pessoas como ela.

Jack tomou ar e aguardou. Não havia nada que pudesse dizer para influir em sua

decisão, não com seus irmãos presentes prontos para saltar em sua defesa.

Interporiam-se entre os dois em menos de um segundo se acreditassem que ela o

necessitava.

Olhou-os brevemente e confirmou que não estavam observando Clarice, mas a

ele. Apesar de sua situação, nenhum deles era tolo de entender nem

verdadeiramente fraco.

Tal como ela o dissera, simplesmente ainda não haviam percebido suas

possibilidades, de sua capacidade para fazer as coisas. E a queriam; isso era

evidente. Os três viram e perceberam o suficiente para dar-se conta que havia

alguma conexão, uma relação de algum tipo entre ela e ele. A seguir, o

observariam como falcões, mas Jack não se importava. Não veriam nada que os

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fizesse tirar as garras, porque suas intenções eram as que certamente eles

desejavam...

De fato, lhe passou pela cabeça a idéia de pedir-lhes ajuda em sua campanha

para consegui-la. Não importava o tentador que fosse esse pensamento nem

valioso o apoio que pudessem dar-lhe, porque Clarice descobriria qualquer

conspiração e ficaria furiosa. Não era um modo sensato de cortejar a uma rainha

guerreira.

Pelas escuras olhadas dos irmãos, estava claro que a conheciam e a

compreendiam tanto como ele. Os quatro sabiam que tomaria sua própria decisão

sobre Jack e sobre qualquer relação que pudesse ter entre eles, e pobre daquele

que tentasse interferir.

O silencio de Clarice não durou mais de dois segundos, e sem olhá-lo, observou

a Roger, a Nigel e a Alton.

Jack sentiu o corazão parar em seu peito. Apesar do passado, sua família era

importante para ela e regressar ao seu seio podia ser algo que realmente desejava

fazer...

— Obrigada, mas não. Prefiro ficar aqui. — Reprimiu o impulso de olhar a Jack

para reconfortar-se e ver sua reação. Alton franziu o cenho e abriu a boca para

discutir, mas Clarice ergueu uma mão. — Não. A última vez que estive em Melton

House... As recordações são demasiado dolorosas. Deixei-os atrás quando fui

embora e comecei de novo. Não há razão para voltar, não há nenhum motivo nas

circunstâncias atuais para que precise viver sob vosso teto. Estou muito bem aqui.

— Observou brevemente a Jack. Apesar de seus esforços por parecer distante, um

leve sorriso iluminou seus olhos e sobrevoou seus lábios. — E aqui seguirei.

Seus irmãos grunhiram para manifestar seu descontentamento, mas nenhum

tentou discutir.

— Por outro lado — continuou Clarice erguendo-se em seu assento, — mesmo

que pensem que é uma boa idéia ter-me perto para protegê-los de Moira, na

realidade, ficarmos as duas sob o mesmo teto, sobretudo esse teto, seria

insustentável. — Os olhou com perspicácia. — O transtorno seria significativo, não

só para vocês, mas também para o serviço. Não funcionaria.

Eles fizeram uma careta, mas aceitaram sua decisão. Todos se levantaram.

Clarice esperou que apertassem a mão de Jack antes de acompanhá-los a porta.

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Alton, o último a sair, lançou um olhar a Jack que estava junto a lareira, mas após

repetir que os convites chegariam logo, saiu de má vontade.

Ele a observou regressar ao seu lado. Quando se aproximou, lhe disse:

— Sentem-se responsáveis por você e não é de estranhar. Não está lhes

deixando as coisas fáceis.

— Minha vida já não é responsabilidade deles, como sabem muito bem. — Com

um rápido revirar de saias, tornou a sentar-se na poltrona e observou como Jack se

acomodava relaxado na outra. — Bem, e agora o que fazemos?

Concordaram que dividir as tarfefas era provavelmente o mais eficaz. Jack,

através de seus contatos, investigaria os três supostos encontros e buscaria os

dados suficientes para rebatê-os. Enquanto, Clarice, com a ajuda de seus irmãos,

faria o que fosse necessário para calar qualquer rumor que circulasse entre a alta

sociedade e, através das influências familiares, abriria qualquer porta que pudesse

descobrir, em princípio, fechada. Além do mais, faria o que pudesse para

contradizer a influência de Moira e aplainar a eles o caminho para o matrimonio.

— Nego-me por completo a falar em seu nome. Isso eles devem fazer por si

mesmos.

Jack ocultou um sorriso diante de sua severidade. Na realidade, tinha vontade de

sorrir e para isso não precisava de nenhuma desculpa: sentia-se feliz que houvesse

decidido ficar no Benedict’s. Apesar do que havia dito aos seus irmãos, uma parte

de seu arrazoado tinha a ver con ele. Aquele breve sorriso que lhe havia dedicado

lhe assegurava que assim era.

— Não quis dizer nada em sua presença, mas sua decisão de não prestar-se a

agir como escudo entre eles e sua madrasta foi muito sensata. Estão a ponto,

sobretudo Alton, de enfrentar-se por si só, mas se você estiver lá...

— Exato — assentiu Clarice. — Retrocederiam.

Os anunciados convites chegaram, os dois os leram e fizeram uma careta.

Concordaram encontrar-se no Benedict’s às nove e meia para, dali, dirigir-se a

casa dos Fortescue.

Jack lhe roubou um beijo que durou uns longos segundos e saiu, ainda sorrindo.

Regresou a Montrose Place agradecido pela oportunidade de esticar as pernas

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enquanto uma suave brisa lhe acariciava o rosto. Seguia com a cabeça limpa, sem

rastro de dor.

Deverell e Christian chegaram ao clube pouco depois dele, junto com Tristan

Wemyss, conde de Trentham, outro membro do Bastion. Os três se reuniram com

Jack na biblioteca. Acomodaram-se nas grandes e comodas poltronas enquanto

aceitavam agradecidos a Gasthorpe, as jarras de cerveja que lhes serviu. Trocaram

brincadeiras e comentaram com sagacidade as vantagens de terem criado aquele

clube, seu refúgio em Londres.

—Asseguro-lhes — comentou Tristan, — tal como está à sociedade hoje em dia,

sempre precisaremos um lugar no qual possamos desaparecer. Após as bodas,

pensava que estaria a salvo, mas não. Agora são as grandes damas casadas, mas

insatisfeitas as que me jogam o anzol.

— Diria que Leonora tem algo que dizer a respeito.

Os olhos de Christian brilharam.

Leonora, a esposa de Tristan, vivia antes na casa ao lado do clube e não era

precisamente uma dama dócil e submissa.

— Oh, claro — assentiu Tristan, — mas tenho um limite e estou farto de ocultar-

me atrás de suas saias. Fica um pouco desmoralizante, após ter-me enfrentado e

ter sobrevivido ao pior de Napoleão.

Todos riram e se puseram em dia a respeito dos demais colegas: Charles St.

Austell, recém casado, se adaptava a sua doméstica felicidade em Cornualha; Tony

Blake, também casado, estava aprendendo a lidar com uma família que lhe fora

doada já feita, em sua residência em Devon; e Gervase Tregarth, conde de

Crowhurst, nesses momentos estava fora da cidade, encarregando-se de uns

assuntos familiares.

— Quanto a Christian e a mim — Deverell esticou as longas pernas, — estamos

rodeando pelas margens da alta sociedade, reconhecendo o terreno.

— Esforçando-nos ao máximo para passar despercebidos. — Christian fez uma

careta. — Uma missão nada fácil. A verdade é que, no momento, estou encantado

de ter algo mais com o que ocupar meu tempo. Não vejo alguma possibilidade de

matrimonio que mereça a pena nos salões de baile e preferiria perseguir algum

vilão. — Ergueu as sobrancelhas em direção a Deverell. — E você o que acha?

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— O mesmo de sempre. — Deverell suspirou. — Quando criamos o clube, tinha a

maravilhosa pretensão de pensar que encontrar a dama adequada seria... Bem, um

pouquinho mais fácil que infiltrar-me no mundo dos negócios franceses e fingir ser

um deles durante mais de dez anos.

Christian assentiu.

— Assim, deixando fora o desmoralizador assunto de nossos baldios esforços

matrimoniais, o que temos?

— Primeiro expliquem o que é tudo isto — pediu Tristan. — Quero participar.

Interessa-me muito mais que fazer as andanças pelos salões.

Jack lhe explicou brevemente a ameaça que pairava sobre James Altwood, por

que sabiam que era inocente, as suspeitas de Dalziel e seus planos atuais para

refutar as acusações.

— Antes que se transformem em encargos de traição. Graças aos Altwood, é

provável que amanhã possa interrogar o homem que está atrás das acusações, o

diácono Humphries. Já temos as datas, horas e lugares dos três recentes encontros

que o mensageiro teve supostamente com James. Deverell e Christian estão

trabalhando nisso.

Verificamos que James estava em Londres nessas três ocasiões, assim,

teóricamente os encontros poderiam ter ocorrido.

— Exato — assentiu Deverell. — Os três lugares são tabernas de Southwark as

quais se pode chegar a pé desde o palácio Lambeth, que é onde James Altwood se

hospeda quando vem a Londres. E as tabernas são exatamente o que alguém

esperaria desse tipo de lugar. O único modo que poderemos averiguar algo é

observando, com discrição e aspecto anódino, até que cheguemos a conhecer cada

lugar. Não serviria nada encurralar as testemunhas até que não saibamos como

está a situação e tenhamos uma possibilidade de surpreendê-los. Terão lhes

pagado para contar sua história, mas se pudermos desbaratá-lo, o mais provável é

que retrocedam, mas para isso precisamos conhecer melhor as tabernas. Não há

nenhum atalho, penso.

— Estou de acordo. — Christian olhou a Jack. — Estabeleceremos a vigilância

necessária. A informação que lhes tirar o bom do diácono nos ajudará a restringir

nosso campo de investigação.

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— Tenho uma sugestão. — Tristan deixou a jarra de cerveja e olhou a seus

companheiros. — Christian, Deverell e eu estamos instalados em Londres

atualmente. Nós três temos aqui contatos úteis, mas estes preferem trabalhar só

com gente que conheçam. — Olhou a Jack. — Tem três principais acontecimentos

que necessita refutar.

Sugiro que cada um de nós fique com uma taberna e utilize a sua gente para

investigar um só encontro. Se concentrarmos nossa atenção em um só ponto,

avançaremos mais depressa.

Christian assentiu.

— Uma excelente idéia. Cada um poderá fazer mais pressão e a cadeia de

comando será mais clara e mais direta.

— Estou de acordo. — Deverell deixou sua jarra de cerveja e tirou do bolso da

jaqueta a folha na qual Jack lhe havia escrito os endereços dos três lugares —

Vejamos...

Mais tarde, antes de ir vestir-se para sua velada noturna, Jack sentou-se a mesa

da biblioteca do clube e escreveu uma nota para sua tia, lady Davenport, na qual

lhe pedia que mostrasse o conteúdo também para lady Cowper.

Dedicou especial esmero em sua redação, porque, com damas como elas, uma

insinuação era melhor que uma afirmação. Não obstante, quando a leu já acabada,

sua petição ficava clara: queria que ajudassem lady Clarice Altwood a regressar a

alta sociedade ao nivel ao qual seu título lhe dava direito. Fazia alusão aos motivos

que havia atrás de seu regresso, uma grave, mas infundada ameaça contra um

parente próximo, e seu propósito de ajudar aos seus irmãos.

Não havia necessidade de ser mais específico. As sucintas frases bastariam para

assegurar que suas tias, poderosas grandes dames como eram, morressem de

vontade de dar uma mão a Clarice.

A respeito dos motivos que o impulsionavam a ajudá-la, não disse nem uma

palavra. Sua imaginação voaria descontroladamente. Se concedessem a Clarice e a

ele a entrevista que lhes solicitava, na manhã seguinte, esperava encontrá-las a

ambas com os olhos brilhantes e quase dando pulos de curiosidade.

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Sorrindo, firmou; recordou algo e acrescentou um post scriptun mencionando

que, se conhecessem a alguma dama na qual confiassem, com influencia na esfera

política, lhes agradeceria que a apresentassem.

Com um sorriso, selou a carta. Apostaria qualquer coisa que quando Clarice e ele

se reunissem com suas tias, lady Osbaldestone estaria também ali.

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Capítulo 15

Clarice avançou junto com Jack para o vestíbulo dos Fortescue, unindo-se a fila

de convidados que entravam devagar pela escada principal. Se estivesse em suas

mãos, escolheria um lugar diferente para seu reaparecimento em sociedade. Os

Fortescue tinham duas filhas casadouras e, portanto, seu baile seria o habitual

acontecimento massivo que tanto gostava durante a temporada.

Enquanto olhava ao seu redor, aos outros convidados que abarrotavam a

escada, murmurou:

— Não há muitas possibilidades de fazer algo em defesa de James aqui. — Para

isso, teriam que escolher uma das reuniões mais seletas da poderosa elite.

O encolher de ombros lhe acariciou levemente a mão que tinha apoiada sobre

seu braço.

— Seus irmãos poderão informar-nos se há algum rumor. Até que não o

saibamos, pouco mais podemos fazer.

Ela fez uma careta. Sabia que tinha razão, mas desejava que fosse de outro

modo.

Clarice preferiria avançar e acabar rápido com aquilo, mas tinham que ir com

muito cuidado.

— Escrevi a minhas tias, as duas irmãs de meu pai, a irmã de minha mãe, e ao

meu tio materno, informando-lhes que estou em Londres e que, atendendo a

petição de Alton, me deixarei ver nos acontecimentos sociais; principalmente para

assegurar-nos que as desafortunadas acusações contra James não se convertam

em uma notícia desnecessariamente sensacionalista.

Os lábios de Jack se curvaram em um sorriso.

— Então, seus tios não gostam das “notícias desnecessariamente

sensacionalistas”?

— Não quando sua família está envolvida. — Clarice notou os muitos olhares que

lhes dirigiam. Inclinou-se mais perto de Jack e abaixou a voz: — Ao menos,

estamos atraindo uma satisfatória atenção.

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— Não é de estranhar, com esse vestido que usa.

O tom seco de sua voz a fez olhá-lo surpresa.

— É a última moda.

A linha de seus lábios se tornou mais séria que apreciativa.

— Para uma dama de sua idade, status, riqueza e figura, sem dúvida.

Lamentavelmente, um vestido como este só serve para destacar que hé poucas

damas de sua idade, status, riqueza e figura entre a alta sociedade.

Clarice ficou olhando-o. Soava tão contrariado que não sabia se ria ou franzia o

cenho.

— Você não gosta?

Tinha se decidido pelo vestido de cetim verde bosque porque era uma cor que a

poucas mulheres lhes assentava bem e, com seu decote bordado com contas em

forma de coração e a elegante caída da brilhante saia, era perfeito para atrair os

olhares e chamar a atenção.

Uma vez que todos notassem que realmente tinha voltado, já teria tempo de

impressioná-los com o vestido de seda cor ameixa.

Jack a olhou nos olhos, e deixou que seu olhar descesse e a percorresse

rapidamente para voltar ao seu rosto.

— Gosto do vestido, como você bem sabe. O que não me entusiasma é a quem

mais poderia parecer... Demasiado sedutor.

Clarice quase estalou em gargalhadas, mas se limitou a sorrir, bem encantada,

para dizer a verdade. Que ele aprovava o vestido foi evidente quando o viu essa

noite em sua suíite, mas nunca antes um cavalheiro lhe insinuara que estivesse

com ciúmes da atenção de outros homens que ela pudesse atrair. Era uma

sensação muito embriagadora. Apertou levemente os férreos músculos de Jack sob

seus dedos e desviou a vista.

Subiram um degrau mais e ele a fez avançar para finalmente poder saudar os

anfitriões.

Os olhos de lady Fortescue se abriram muito, cheios de deleite e ávida

curiosidade.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Lady Clarice. — Apertaram-se delicadamente as mãos. — Que alegria vê-la de

volta entre nós! Fiquei surpresa quando seu irmão me deu a notícia.

Ela se limitou a sorrir.

A mulher estendeu a mão e sorriu a Jack.

— E lorde Warnefleet! Isto é duplamente maravilhoso. Ouvi dizer que se retirara

ao campo, milorde.

Ele lhe dedicou um sorriso encantador.

— Regressei para acompanhar lady Clarice a cidade.

Ela conteve o impulso de erguer as sobrancelhas com gesto altivo. Quando,

intrigada, lady Fortescue se voltou a olhá-la, Clarice lhe explicou como se não fosse

importante:

— Somos vizinhos no campo.

— Ah... — Sua anfitriã não estava muito certa de como interpretar isso.

Mas Clarice, sem nenhuma intenção de ajudá-la, virou-se para saudar lorde

Fortescue, como já havia feito Jack, antes de entrar decididos no salão de baile.

— Meus irmãos devem estar aqui, em alguma parte.

Os dois eram altos e percorreram o salão com o olhar, sem sorte, mas quando

Clarice se voltou para Jack, se encontrou com alguns rostos interessados neles. Ao

observar Jack, que ainda examinava o salão, não era difícil entender por que. Ela

estava muito elegante, mas ele não ficava atrás. Se Clarice se mostrava régia e

refinada, ele era encantador. Fisicamente, ambos eram bastante impressionantes,

esbeltos e de pernas longas.

Formavam um par muito atraente e estava claro que muitos dos que os

observavam o acreditavam assim, porque tinham uma expressão deslumbrada

enquanto os olhavam.

Poucos a tinham reconhecido, porque não frequentava esses círculos há sete

anos. Mas já começavam a surgir as perguntas entre sussurros. No dia seguinte,

toda Londres saberia que lady Clarice Altwood havia voltado.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Vamos dar uma volta. — Jack lhe acomodou a mão sobre sua manga e

avançou com ela pelo longo salão.

A inata altivez de Clarice a envolvia e a fazia parecer régia e distante, o que,

pensou Jack, não estava longe da verdade.

Algumas das damas de mais idade junto às quais passaram a reconheceram e

abriram muito os olhos, mas quando ela, calma e serena, as saudava com uma

inclinação de cabeça, lhe devolviam o gesto com bastante rapidez. Jack percebeu

um leve relaxamento na tenue tensão de sua companheira. De repente, lhe

segurou o braço com mais força e assinalou com a cabeça umas janelas.

— Alí estão Alton e Roger.

Aproximaram-se deles, que se animaram quando os viram.

— O que averiguaram nos clubes? — perguntou Clarice em seguida.

— Não muito — contestou Roger.

— Parece que uns cavalheiros ouviram rumores — disse Alton, — mas estão

confusos e se mostram cautelosos pelo momento.

— Bem. — Clarice apertou os lábios com uma expressão de cínica satisfação. —

Nosso bendito nome nos está dando um pouco de tempo. — Olhou a Jack, que

assentiu.

— Tempo suficiente para que pensemos em táticas defensivas. Duvido muito que

quem quer que esteja por trás disto permita que os murmúrios se apaguem. Seu

plano requer todo o sensacionalismo que puder gerar, mas ao exonerar a James

acabaremos com tudo isso.

Roger disse, dirigindo-se a sua irmã:

— Agora que chegou se puder pensar em algum modo de ajudar-me com Alice,

me converterei em seu escravo para toda a vida.

Seu tom soou desesperado.

— Muito bem. Jack será minha testemunha. De acordo! — Virou-se e examinou o

salão. — Onde está?

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Roger assinalou uma jovem junto a um divã no qual uma enjoada matrona

conversava com outras duas. Ela olhava tenazmente em direção contrária. Embora

dois cavalheiros a cortejassem, nenhum parecia atrair a atenção de Alice

Combertville.

Clarice sorriu com os olhos apertados e comentou:

— Não será difícil. — Para ela era evidente que a atenção de Alice, seus sentidos,

sua mente, estavam firmemente centrados em seu grupo, em Roger. — Espere

aqui.

Afastou-se e rodeou o divã. Com a jovem tão obstinada em olhar para outro

lado, foi fácil aproximar-se. Clarice a saudou com um sorriso.

— Senhorita Combertville?

Alice se sobressaltou e se voltou franzindo o cenho, confusa. Não tinha nem

idéia de quem era ela. Igualmente intrigados, os dois cavalheiros também se

aproximaram. Clarice se voltou para eles e lhes dedicou uma gentil inclinação de

cabeça. Estava segura de que nenhum a reconhecera e, pela expressão de seus

olhos, de que, se o desejasse, podia atrair suas atenções.

— Harry Throgmorton, bela dama. — O jovem cavalheiro tomou a mão que ela

lhe estendeu e se inclinou com extravagância.

— Miles Dawlish, milady. — O senhor Dawlish, para não ser menos, se mostrou

estudadamente correto.

Clarice reprimiu um sorriso. Eram demasiado jovens para ela, demasiado

inexperientes, demasiado pouca coisa para estar pensando o que estavam

pensando.

— Senhores, se não lhes importa, gostaria de falar em particular com a

senhorita Combertville.

Não lhes dera nenhum nome e tampouco lhes deu nenhuma explicação. Mesmo

claramente recusados e decepcionados, ambos sorriram e murmuraram:

— Claro. — E se afastaram a contra gosto.

Clarice se voltou para Alice e sorriu.

— Sou lady Clarice Altwood, a irmã de Roger.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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A jovem piscou surpresa e seu franzimento de cenho se intensificou.

— Sua meia irmã...? — Contemplou seus traços. — Não.

O sorriso de Clarice se tornou sombrio.

— Claro que não. Moira não é minha mãe. É normal que não me reconheça. Faz

muitos anos que deixei de frequentar estas festas. Agora estou na cidade para

solucionar uns assuntos e, em vista do interesse de Roger por você, pensei em

conhecê-la.

Com brilhantes cabelos castanhos e olhos também castanhos, que pareciam

apagados e cansados quando deveriam ser brilhantes, Alice ficou olhando-a.

Parecia tão sumida no desespero como seu irmão.

— Eu... Roger...

Clarice levantou uma mão.

— Só escute-me, se me faz o favor. Vejamos se entendi bem. Roger lhe falou de

uns comportamentos seus de juventude com os quais Moira pensava ameaçá-lo

para que não pedisse sua mão. Isso é certo?

A jovem apertou os lábios e assentiu.

— Meu irmão pensava que você o tinha compreendido e que estava decidida a

seguir adiante com ele, formalizar seu compromisso. Não obstante, corrija-me se

me equivocar, você falou com Moira para censurá-la por sua intenção de

chantagear Roger.

O rosto de Alice se descompôs, mas não a contradisse. Limitou-se a ficar ali de

pé, com seus grandes olhos fixos no rosto dela, que sentiu como seus traços se

endureciam e se esforçou para não soar demasiado brusca quando lhe sugeriu:

— Minha querida Alice creio que o melhor seria me contar o que lhe disse Moira,

o que mais te contou sobre Roger, porque estou certa que seja o que for, ela

mentiu.

A esperança embargou visivelmente a jovem e seus olhos assim o refletiram,

mas não sabia se devia confiar ou não. Contemplou seu rosto com dolorosa

intensidade e olhou a sua mãe, pegou a mão de Clarice e a fez afastar-se uns

passos do divã. Não lhe soltou a mão, mas lhe apertou os dedos.

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— Disse que não vive em Londres há anos. Se for assim, como pode conhecer

verdadeiramente a Roger? Como pode conhecê-lo bem?

Ela esboçou um sorriso tranquilizador.

— Parte do motivo pelo que já não frequento a alta sociedade é porque crescí

mais perto de meus irmãos do que provavelmente era aconselhável. Até os

dezesseis anos, passei todas as horas que me foram possíveis com eles e os

conheço aos três muito bem.

Deixou que suas recordações e o carinho que sentia por seus irmãos se

refletissem em seus olhos e Alice o viu. Hesitou enquanto a contemplava uma vez

mais, tomou uma grande inspiração e soltou um sussurro sufocado.

— Moira me disse que ele preferia aos homens.

— O que? — Clarice só conseguiu sufocar em parte sua exclamação. Virou as

costas para a multidão e apertou a mão de Alice. — Perdoe. Eu... — Estupefata,

negou com a cabeça, apertou a mandíbula e olhou a jovem nos olhos, arregalados

e quase suplicantes. — Moira o inventou. Não há nada de verdade nisso.

Inspirou e se voltou e, com um gesto, indicou a Alice que olhasse para Roger, de

pé do outro lado do salão, com Alton e Jack.

— Meu irmão tem vivido um inferno pensando que te perdeu, tem lutado para

recuperar-te não durante semanas, mas durante meses. Esse, Alice, não é o

comportamento de um homem que na realidade prefere aos de seu mesmo sexo.

Só dizer essas palavras a deixava doente. Como se atrevia Moira a inventar

semelhante infâmia?

Alice olhou-a e sua expressão se foi iluminando, transformando-se, à medida

que a certeza se reforçava e a felicidade a invadia.

Clarice por sua parte se sentiu dividida. Devia dizer a seus irmãos o veneno que

Moira estendera ou seria melhor guardar silencio?

A jovem lhe sacudiu a mão para recuperar sua atenção.

— Eu... Sinto-me tão feliz. — Engoliu a saliva. — Bem, não de todo, porque

quero tanto a Roger e fui tão mesquinha... Mas... Como posso olhá-lo agora no

rosto sem dizer-lhe no que acreditei?

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Clarice a soltou e levantou a cabeça.

— Eu direi a ele. Explicarei como te sentes e me assegurarei que o

compreenda... Depois de tudo, não é algo que uma dama possa perguntar a um

homem.

Olhou a Alice nos olhos e viu um incipiente júbilo brilhar neles.

— Falarei com ele agora e logo o enviarei a você. Depois disso... Seu coração

estará em suas mãos. Não me decepcione.

A jovem começou a sorrir enquanto reprimia as lágrimas.

— Oh, não o farei, lady Clarice. Prometo-lhe que sempre o amarei.

— Chame-me Clarice, se vamos ser família. — Olhou a Roger enquanto lhe dava

umas palmadinhas na mão e, com uma última olhada, lhe sorriu e se voltou para

afastar-se. — Ah! — disse então, — uma última coisa. Tem especial cuidado com

Moira. Não tomará isto bem. Seria aconselhável, uma vez que Roger peça

formalmente sua mão e seja aceito, explicar o quanto antes possível aos seus pais

os enganos que usa minha madrasta. Não se pode confiar nela em nenhum

aspecto.

Alice apertou os olhos e os lábios.

— Uma vez que Roger se case comigo eu a manterei bem afastada.

Havia uma férrea determinação sob a aparencia claramente feminina da joven.

Satisfeita com a edcolha de seu irmão, Clarice regressou para informá-lo que

voltara a recuperar as rédeas de sua vida e que tinha de novo seu futuro em suas

mãos.

Falar a Alton e a ele da mentira de Moira não foi o mais fácil que fizera em sua

vida, mas o fez sem piscar. Tal como previra, teve que passar os seguintes dez

minutos acalmando sua compreensível fúria.

— Não queremos que Moira saiba que está recuperando o controle de suas

vidas, não até que não as tenham firmemente seguras. — Olhou aos dois com

severidade. — Não nos servirá nada soltar-lhe um discurso por isto, por muito

excessivo que haja sido. — Olhou a Roger. — Bem, eu cumpri minha parte. O que

venha a seguir depende de você. Se tiver algum juizo, tranquilizará a pobre Alice e

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lhe dirá que comprende o acontecido. Juntos podem condenar todos os atos de

Moira. Deveria aproveitar a oportunidade para pedir sua mão quanto antes

possível. Uma vez que tenha aceitado, explique-lhe o caso de Moira. Não trate de

protegê-la. Se o fizer, ela tentará acabar com sua felicidade de novo. Não faça

nenhum anuncio formal até não solucionarmos também a situação de Nigel e de

Alton.

Levemente aturdido, seu irmão assentiu. Seu olhar se desviou para onde Alice se

encontrava observando, aguardando nervosa.

Clarice soltou um suspiro de exasperação, pegou Roger pelos ombros, o fez

virar-se para a jovem e lhe deu um empurrão.

— Vai.

Com os olhos cheios de esperança, ele se afastou.

Clarice soltou o ar e se voltou para Alton.

— E agora aonde vamos? A casa dos Henderson?

Separaram-se e Alton se adiantou para o último baile da noite, em casa de lady

Hartford, para falar com Sarah. Clarice e Jack se reuniriam com ele ali após ter se

encontrado con Nigel e Emily no salão de baile dos Henderson.

Nigel se animou muito ao ouvir que sua irmã tivera êxito com Roger. Muito

alentado, lhes apresentou Emily, que resultou ser uma jovem de caráter doce, mas

nada submissa. Olhou abertamente a Clarice nos olhos, lhe apertou a mão e disse:

— Sempre soube que os comentários maliciosos que faziam suas meias irmãs

não podiam ser certos.

O sorriso que acompanhou essa afirmação agradou a Clarice e, apesar da

diferença de idade e experiência, ambas formaram uma aliança ao falar sobre Nigel

e seus múltiplos defeitos.

— Vamos! — protestou ele. — Pensei que me ajudaria a ganhar a mão de Em,

não que lhe revelaria todos meus pontos fracos.

Clarice pôs os olhos em branco.

— Estou bem segura que Emily os conhece já. Simplesmente estamos passando

o tempo.

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Jack sufocou uma gargalhada diante da expressão de Nigel, mas a avaliação de

Alton resultou ser acertada: o caso do menor dos Altwood era o menos urgente.

Após dar-lhe sua clara aprovação, Clarice e ele se foram.

Jack a guiou pelo longo salão de baile e percebeu, assim como ela, o interesse

que ambos despertavam, das rápidas olhadas e das perguntas sussurradas quando

passavam.

Quando a música soou do estrado do fundo da sala, se deteve e a olhou nos

olhos. Eram os compassos de ums valsa.

— Supostamente estamos aqui para desfrutar da festa. Não deveríamos dançar?

Ergueu as sobrancelhas e observou como Clarice também o fazia enquanto

pensava na sua sugestão sobre a aparição em três bailes seguidos sem desfrutar

em absoluto da diversão que se lhes oferecia; isso seguramente faria que

especulassem sobre seu propósito e centraria o interesse nas pessoas com as quais

estiveram falando.

Sorriu.

— Sim, vamos dançar. — Quando Jack avançou para a pista e a tomou entre

seus braços, Clarice murmurou: — Advirto-lhe que a última vez que dancei a valsa

foi há anos.

— Relaxe e não se preocupe. — Acariciou-lhe as costas com os dedos antes de

apoiar a mão. — Creio que descobrirá que não é algo que se esqueça.

Atraiu-a para si e girou com ela. De imediato, recordou o bom par que faziam e

o quanto era maravilhoso o fato dela ser tão alta, que tivesse as pernas tão longas.

Com Clarice em seus braços, a valsa tomou outra dimensão e lhe proporcionou um

prazer mais profundo e claro.

Ela o notou, o soube e deixou que sua mente se embebesse das sensações que

lhe produzia o fato de guiá-la com tanta destreza, cativa de uma força muito maior

que a sua e rodeada por sua fortaleza e, não ameaçada.

Olhou-lhe o rosto enquanto giravam e foi como se o resto dos pares ao seu redor

tivesse desaparecido. Estudou seus traços tão marcados, quase austeros e se

perguntou por que com ele tudo era diferente.

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Nunca antes gostara que a segurassem e a fizessem sentir-se controlada,

limitada.

A força de Jack, o cálido aço de seus braços, poderia, se ele o desejasse,

imobilizá-la, prendê-la. Não sentia nenhum medo que o fosse fazer nunca.

Eram amantes e Clarice não se sentia ameaçada quando a prendia com seu

corpo, então não era provável que o sentisse em nenhum outro momento.

O baile, o excitante movimento da valsa, se converteu em outro elemento de

sua relação. Outra paisagem na qual podiam explorar sua conexão física e sensual,

estabelecida através do calor da mão apoiada em suas costas, na força percebida

nos dedos que a seguravam e impulsionavam seus potentes giros, naquele natural

controle que os guiava certeiramente através da multidão.

Seus músculos se roçavam, o cetim de seu vestido sussurrava quando a saia os

acariciava. Sentia-se viva em seus braços, mais consciente de seu corpo, de seus

seios que roçavam levemente a jaqueta, da embriagadora promessa do musculoso

corpo tão próximo ao seu, da atraente calidez de seus olhos. Um calor que

emanava de seu interior e os inundava.

A música parou. Junto com os demais pares da pista de baile, giraram e se

detiveram. Clarice não precisou dizer nada, se limitou a sorrir olhando-o nos olhos

enquanto deixava aparecer sua paixão em seu olhar. Viu sua resposta no brilho

dourado e verde do seu. Jack lhe ergueu a mão, a levou aos lábios e a beijou.

Levantou os olhos e se encontraram. O momento se prolongou. Para ambos,

durante esse instante, foi como se estivessem sozinhos no salão. Até que a

realidade regressou com uma avalancha de sons.

Ela ampliou o sorriso quando o pegou pelo braço.

— Creio que é a primeira valsa que danço de verdade.

Jack não disse nada e se limitou a sorrir, satisfeito. Quando continuaram

avançando para a porta, viram Moira, olhando-os surpresa. Encontrava-se com

duas damas mais jovens em uma lateral do salão e as três os olhavam fixamente,

estupefatas.

Da distancia, com altivez, Clarice inclinou a cabeça para saudar sem deter-se.

Jack contemplou brevemente as três damas e seguiu seu exemplo.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Uma vez que se perderam entre a ainda considerável multidão, murmurou:

— Quem eram as outras duas?

— Minhas meias irmãs. A de cabelos mais escuros é Hilda; a outra, Mildred.

— É evidente que não esperavam vê-la.

— Não. — Chegaram à escada e começaram a descer. — Em vista de ter

interceptado minhas cartas para Alton, Moira deve saber que vim a Londres todos

os anos, mas nunca até agora me aventurara a regressar aos salões de baile.

— Acredita que adivinhará por que quebrou esse hábito esta noite?

— Talvez sim ou talvez não. Suas filhas e ela se dedicam a deambular

ávidamente por todos os bailes, jantares e reuniões, sobretudo durante a

temporada. Pode ser que não lhes ocorra pensar em seguida que meu regresso as

festas não se deve a que simplesmente achava de menos a vida social.

— É evidente que não lhe viu então nos terá visto com Nigel e Emily.

Clarice assentiu.

— Nem em casa dos Fortescue. Bem. Vamos para casa de lady Hartford.

E assim o fizeram. Igual a lady Fortescue, lady Hartford esteve encantada de

saudá-la. Ao não ter nenhuma filha para casar, não conhecia a Jack, mas sorriu e

lhe deu umas efusivas boas vindas.

— Sua tia lady Cowper esteve aqui, mas creio que já se foi. Comentou que

estava encantada que houvesse regressado a cidade.

Jack recorreu ao seu mais encantador e evasivo sorriso para escapar. Enquanto

guiava Clarice para o salão de baile, murmurou:

— Enviei uma nota a minha tia Davenport e ela deve ter passado à mensagem a

tia Emily. Solicitava uma reunião amanhã pela manhã, se possível. Sem dúvida

terei uma nota esperando-me no clube quando regressar.

Clarice o encarou com uma expressiva olhada.

— Menos mal que Amelia Hartford mencionou lady Cowper.

Jack encolheu os ombros.

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— Provavelmente havia recordado dizer-lhe, mas, se não, as arrumaria de todos

os modos.

Ela resmungou e voltou sua atenção a massiva multidão. O salão de baile de

lady Hartford era menor que o habitual e também havia mais convidados que o

normal entre suas paredes.

— É improvável que consigamos muito aqui — disse Clarice, inclinando-se mais

perto de Jack enquanto este a guiava de um modo protetor através do gentio. —

Será impossível manter uma conversa particular.

Quando chegaram ao centro do salão, se detiveram para procurar Alton. Jack

abaixou a cabeça e murmurou:

— Junto às janelas. Acabam de entrar.

Ela se voltou e olhou. Seu irmão estava fechando uma das portas que dava ao

terraço. Ao seu lado, com olhos só para ele, havia uma jovem ruiva, bem vestida,

elegante e esbelta.

Graças a que os observava, Clarice pode ver sua expressão no instante prévio a

que se virassem para a multidão, no momento em que deixaram de lado o assunto

que haviam discutido. Vê-lo lhe fez conter a respiração pela empatia que sentiu. O

amor sempre seria tão doloroso?

— Vamos. — Apontou a mão para onde se encontrava seu irmão.

Jack lhe pegou a mão, e a colocou sobre o braço e, graças a seus largos ombros

e sua séria determinação, abriu caminho para ambos entre a multidão.

No principio, Sarah se sentira assustada diante da perspectiva de conhecer a

poderosa irmã de Alton, mas toda sua reticencia desapareceu quando Clarice

mencionou Moira. A cor regressou as bochechas da jovem e seus delicados olhos

azuis lançaram chispas. Por azar, com tantos ouvidos ávidos tão perto, tiveram

que conversar usando sutis referências, porque fazê-lo abertamente era impossível.

Ao fim, Clarice pegou a mão de Sarah e a apertou com um gesto significativo.

— Voltaremos a nos ver logo em um entorno mais agradável. Entretanto, se

puder... — Deteve-se e olhou a uma dama que havia vislumbrado entre os ombros

de dois cavalheiros. — Essa é Claire, certo? Ali.

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Sarah não podia ver, mas Alton se ergueu por cima das cabeças e assentiu.

— Sim.

Clarice olhou então a Jack.

— Fiquem aqui, quero falar com Claire a sós. — Fez uma careta e contemplou a

multidão. — Se conseguir chegar até ela.

Avançou entre a massa, consciente que tanto Jack como Alton a observavam.

Claire estava conversando com um cavalheiro só a quatro metros de distancia,

mas precisou dez minutos para alcançá-la. Quando apareceu entre a multidão em

frente a mulher, esta piscou, a reconheceu e se deteve, ao perceber por que Clarice

não se aproximava, sorriu ao cavalheiro e rapidamente deu por terminada sua

conversa. O homem se afastou e Claire se aproximou dela.

— Clarice. — Saudaram-se com uma inclinação de cabeça. Claire lançou um

olhar às pessoas que as rodeava. — Este não é um lugar muito adequado para falar

do assunto que suponho que deseja comentar.

Ela olhou-a aos olhos.

— Claro que não. Que tal outro lugar?

A mulher hesitou e sugeriu:

— Há uma pequena sala. Poderíamos tentar lá.

Clarice lhe fez um gesto com a mão.

— Você primeiro.

Saíram do salão de baile e, para surpresa de ambas, encontraram a sala vazia.

— Que sorte — disse Claire, acomodando-se em uma poltrona. Aguardou que

Clarice se sentasse também em outra e continuou: — Suponho que quer falar do

desejo de Alton de casar-se com Sarah. A mim me parece muito bem. Isso é o que

direi a Conniston quando me perguntar.

Clarice lhe segurou o olhar e rapidamente considerou quanto devia revelar-lhe.

Claire era um pouco mais velha que ela, mais da idade de Alton. Anos atrás, não

tinham sido tão amigas, talvez em sua busca de esposo entre a alta sociedade

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tivessem sido rivais, tiveram muito em comum. Claire filha de uma viscondessa,

contava com um bom dote. Era bastante formosa para atrair a atenção de muitos,

sensual e bastante lúcida para saber o que queria e tomar suas proprias decisões.

Clarice se recostou na poltrona e assentiu.

— Ainda que me alegre saber que apoia a união e estou de acordo em que

formam um excelente par em todos os aspectos, na realidade estou aqui para falar

de Moira. — Quando viu que Claire erguia as sobrancelhas, ela sorriu sem humor.

— De Moira e seus planos de chantagem.

Brevemente, lhe explicou a ameaça de sua madrasta e o semblante de Claire se

endureceu.

— Muito burra.

Clarice assentiu.

— Exato. O motivo pelo qual pensei em falar com você é que está na melhor

posição para avaliar as coisas. — Estudou o rosto da mulher. — Como acredita que

reagirá Conniston? Veria-se você ameaçada também?

Claire franziu o cenho e negou com a cabeça.

— Tenho muito carinho a Sarah, não como a uma filha, claro, mais como a uma

irmã pequena — respondeu. — Conniston e eu temos um acordo, o tivemos desde o

principio. Eu sempre lhe digo quem são meus amantes. A ele não lhe importa, mas

deste modo é menos embaraçoso. Sabe que Alton e eu... Mas isso foi há quase dez

anos!

— Então, ao seu marido não lhe importará?

— Não por Alton em si mesmo, mas não vai tolerar o que Moira quer sugerir.

Bem, qual cavalheiro o toleraria?

Clarice fez uma careta.

— Então teremos que calar a Moira.

— Pode fazê-lo?

Ela enrugou o nariz.

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— Sim. Mas terei que descer ao seu nivel e não é algo que me entusiasme.

Claire a estudou. Clarice havia dito que, de todas as damas de seu marido, ela

era a que melhor a entendia.

Ao final, a mulher assentiu.

— Darei um conselho de alguém que ficou aqui enquanto você se livrava de tudo

isto. — Olhou a Clarice aos olhos. — Pessoas como nós não deixam que o rio da

vida as leve onde deseje. Tomam suas decisões e escolhem os proprios rumos.

Você e eu escolhemos diferentes caminhos, mas o fizemos por nós mesmas. Nós

lavramos nosso proprio rumo e nos apegamos as consequencias. Neste caso, isso

significa que você fará tudo o que estiver em sua mão para deter a Moira, porque

esse é o tipo de mulher que é. Enquanto se enfrenta a ela e obtêm o resultado

desejado, não esqueça que seu caminho ainda não está completo.

Clarice não a entendeu e franziu o cenho animando-a a se explicar.

Claire sorriu levemente e se levantou.

— Faz anos, decidi dar as costas ao amor e aceitei um matrimonio de

conveniencia com Conniston. Para mim era a escolha adequada e não me

arrependo em absoluto. Você, por outro lado, decidiu dar as costas a sociedade e

deixar a porta aberta ao que pudesse chegar... Ainda não tomou a decisão final,

mas não chegou ao final do caminho.

Clarice se levantou com o cenho ainda mais franzido.

— Está dizendo que ainda tenho... Mas não. A esse respeito, faz muito tempo

que tomei todas minhas decisões.

Negando levemente com a cabeça, a outra mulher se voltou para a porta.

— Não, não o fizeste. Assumiu a primeira parte de uma decisão. Agora que

regressou, creia-me, não se permitirá deixar essa segunda parte sem resolver,

como é evidente que esteve fazendo durante todos estes anos.

Com a mão no pomo da porta, Claire a olhou e sorriu.

— Sabe? Estou bastante impaciente por ver qual será esse caminho seu quando

acabar de percorrer o último trecho.

Clarice emitiu um resmungo de incredulidade e a seguiu fora da sala.

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***

Encontrou Jack e seu irmão com Sarah, aguardando onde os havia deixado. Após

confirmar-lhes que Claire estava de seu lado, os advertiu que deviam ir com

cuidado até que decidissem como jogar por terra os planos de Moira, assim, teriam

que passar inadvertidos. Precisamente por isso, Jack e ela saíram.

—Bem! — disse Clarice recostando-se no assento da carruagem. — Devo dizer

que estou assombrada que Alton, Roger e Nigel hajam escolhido tão bem. Tanto

Sarah, como Alice e Emily parecem adoráveis, mas capazes, com a força requerida

para mover-se em nosso círculo.

Através das sombras intermitentes e iluminadas pelas luzes da rua, Jack estudou

seu rosto e viu sua satisfação.

— Os homens de sua familia parecem ter tendencia a escolherr mulheres fortes.

Depois de tudo, seu pai se casou com sua mãe.

Clarice pareceu surpresa e fez uma careta.

— E também está Moira. Não a poderia descrever como fraca.

Ele concordou ao tempo que seu rosto se endurecia.

— Sem escrúpulos, mas fraca não.

Disseram pouco mais enquanto avançavam pelas ruas com a carruagem de

cidade que Alton lhes emprestara para a velada. Quando se detiveram, Jack a

ajudou a descer e deixou que o coche se fosse sem ele. Acompanhou-a ao interior

do vestíbulo do Benedict’s, beijou-lhe a mão, olhou-a nos olhos, se inclinou e saiu.

Quinze minutos mais tarde, após ter despedido a donzela que estava esperando-

a, Clarice abriu a porta da suíte para Jack, que não se surpreendeu quando, sem

mediar palavra, o levou até o dormitorio. Quando se voltou para ele e se deteve

para olhá-lo, atraiu-a para si e a beijou apaixonadamente sem ocultar seu desejo.

Ela respondeu ardente e lasciva, exigindo e ordenando por direito proprio. Mas

essa noite ele não estava de humor para deixar que o distraisse e o desviasse;

ainda usava o vestido de cetim verde.

No instante em que a vira com ele, tivera a urgente necessidade de tirá-lo

centímetro a centímetro, devagar, para revelar cada curva, cada extremidade de

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marfim, e que ao final caisse e deixasse-a coberta só com a brilhante gaze da

camisola.

Quando, ao fim, o vestido caiu ao solo com um sussurro, Clarice estava

acalorada e seu desejo era urgente. Rodeou o pescoço com os braços e se colou a

ele com uma flagrante súplica, buscando seus lábios e sua língua com um

descarado desafio, provocando-o, desejando que a tomasse.

Com os lábios pegados aos seus, Jack tirou a jaqueta e o jaleco e a levantou.

Para sua surpresa, Clarice lhe rodeou as cadeiras com suas longas pernas. A

tentação não era já um sussurro, mas um rugido. Demasiado forte para ignorá-la.

Aproximou-a dele e percorreu os poucos passos que os separavam até a cama.

Sem interromper o beijo, sem soltá-la, se arrastou de joelhos sobre a colcha de

seda.

Arrumou-as para levar a mão entre os dois e abrir a cinta das calças para

libertar sua ereção. Imediatamente depois guiou seu extremo a resvaladiça e

inchada carne da entrada de seu corpo e a penetrou sem soltar-lhe as cadeiras, a

fez descer enquanto dobrava as pernas devagar, até ficar sentado sobre os

tornozelos. Avançou até enterrar-se por completo em seu interior, sentindo como

ela se retorcia, se adaptava; quando ele empurrou esse último centímetro,

arquejou e Jack a encheu por completo.

Com os olhos fechados, Clarice se jogou para trás e interrompeu o beijo

arquejando, os seios lhe subiam e abaixavam diante do rosto. Jack sorriu

concentrado e absorto. Com uma mão, agarrou o delicado tecido da camisola,

levantou-a e a tirou por cima da cabeça. Ela teve que soltar-lhe os ombros para

poder estender os braços e liberar-se da peça. Enquanto o fazia, Jack abaixou a

cabeça para um de seus seios, que percorreu com a boca até um dos duros

mamilos e o sugou. O grito sufocado de Clarice ressoou em todo o quarto.

Sentou-se encavalada sobre ele, nua com exceção das meias e das ligas,

enquanto Jack seguia totalmente vestido. Contendo a respiração com algo parecido

ao desespero, começou a cavalgá-lo. Elevava-se e descia deslizando sua

abrasadora vagina por sua rígida longitude, apertando e logo o libertando. Moveu

as cadeiras sobre ele, experimentou e procurou a forma mais rápida de fazê-lo

perder o controle.

No início, Jack o permitiu, satisfez sua curiosidade sobre o que podia fazer

enquanto saboreava seus exuberantes seios. Entretanto, parte de sua mente seguia

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o aumento de seu desejo, de sua crescente necessidade. Quando chegou o

momento, se elevou sobre os joelhos e a fez jogar-se para trás, pegou-lhe as

longas pernas e lhe tirou as meias e as ligas e a fez rodear-lhe de novo a cintura,

agora com as pernas desnudas.

Instintivamente, Clarice cruzou os tornozelos na parte baixa das costas dele e

então Jack percebeu sua vulnerabilidade na indefesa postura. Antes que ela

pudesse reagir e mover-se, pegou-a nas cadeiras, elevou-a e a guiou para que o

envolvesse, para que o acolhesse por completo.

Clarice tentou mover-se com ele, contra ele, dirigir, pressionar, mas descobriu

que, sem o apoio das pernas, não podia fazer outra coisa que aceitar cada uma das

investidas, cada deslizante arremetida de seu corpo profundamente imerso no dela.

Fechou os olhos ao tempo que soltava um grito sufocado e se rendeu. Deixou

cair os ombros sobre a cama. Seus seios se agitavam enquanto tentava recuperar o

alento e se esforçava por manter certo grau de controle que ele lhe havia tirado.

Jack a moveu para que se deslizasse por sua ereção e Clarice se retorceu. Ele a

observou e a levou mais além. Finalmente, abaixou as cadeiras até a cama,

pairando sobre ela para submergir-se profundamente no abrasador calor de seu

corpo, totalmente aberto para ele, oferecido para que o tomasse, o enchesse, o

completasse.

Clarice sentiu a onda de prazer que lhe começou na ponta dos dedos dos pés e

aumentou à medida que ascendia através dela, levando tudo o que era, sua mente,

seus sentidos, cada vez mais alto, para um demolidor clímax. Jack o alcançou

também segundos mais tarde e juntos arderam quando aquela gloria rugiu e os

arrastou até que desapareceu deixando-os exaustos, sem forças, estirados como

bonecos de trapo sobre a ampla cama.

Um pouco mais tarde, Clarice se recuperou o suficiente para sorrir, para notar

que sorria ante o agora familiar bem estar que a inundava depois. Delicioso. Tão

desejável.

Deitada debaixo dele, lhe acariciou os cabelos, rindo mentalmente sem nenhuma

verdadeira razão, enquanto seu corpo nu se esfriava sob a dura calidez do dele.

Jack ainda estava vestido, o que parecia bastante ridículo.

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Ele pareceu estar de acordo, porque, com um grunhido, se levantou e tirou a

roupa. Não parecia mais capaz que ela de mover-se. Finalmente nu, se levantou,

cambaleou até o toucador e apagou a lâmpada. Regressou para enrolar-se ao seu

lado, levantou-a e a colocou sobre as almofadas, tirou a colcha, os cobriu e a

acomodou contra ele.

Clarice notou como toda a tensão abandonava o corpo de Jack, e sua respiração

foi se tornando mais profunda até dormir.

Ainda sem forças, sumida em uma saciada languidez, sorriu contra seu torso.

Gostava daquilo, do modo em que se desenvolviam suas relações, como a deixava

dirigir e tomava as rédeas... Amava-o.

Escutou essas palavras em sua cabeça, piscando e se deteve. Tentou dizer-se

que na realidade não queria dizer isso nesse sentido... Mas no fundo de seu

coração, de sua alma, soube que estava mentindo.

Com cuidado, sem despertá-lo, deitou-se de boca para cima sobre o braço dele

que inclusive então a rodeava. Com os olhos cravados no escuro teto, franziu o

cenho e tentou centrar a mente, averiguar, ver para onde levava na realidade a

senda que seguia tão alegremente até o momento.

Sua vida parecía ter dado um giro inesperado... Acaso fora mais longe do que

havia previsto em sua incursão nesse mundo até o momento proibido? Sem dúvida

havia se aventurado em um terreno desconhecido. Espontaneamente, as palavras

de Claire ressoaram em sua mente, a convicção desta que, contra suas

expectativas, ainda não acabara de completar o rumo de sua vida.

Clarice acreditava que aceitar o desterro da cidade definira todo seu futuro, que

não havia novas possibilidades nem caminhos diferentes abrindo-se diante dela.

Mas...

Olhou ao homem que dormia ao seu lado, sentiu o duro corpo junto ao seu e

notou que o coração se encolhia. A seguir, experimentou uma pontada de dor ao

pensar que aquele inesperado bem estar e aquela paz poderiam deixar de ser seus.

Talvez ainda não fosse capaz de definir aonde a levava sua vida, mas havia algo

que estava muito claro: as coisas haviam mudado. Ela havia mudado.

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Capítulo 16

Após regressar de novo ao clube Bastion antes do amanhecer, Jack saiu justo

depois do desjejum sentindo-se em excelente forma. Alugou um coche e foi a Brook

Street, ao Benedict’s, ao encontro de sua rainha guerreira.

Encontrou-a em sua suíte, tomando o café da manhã com seus irmãos. Jack os

saudou a todos e Alton observou sua evidente felicidade com receio. Clarice lhe

serviu uma xícara de café e a deu enquanto lhe dirigia um olhar de advertencia.

— Estávamos a ponto de falar sobre como responder aos rumores para

assegurar-nos que se descartem no momento ou, ao menos, não haja nenhuma

possibilidade de que se estendam e cresçam. — Deteve-se para beber enquanto

Jack aproximava uma cadeira ao seu lado. — Creio que se tirarmos o assunto nós

mesmos, antes que surja algum comentario e afirmamos, sem mais, que uma coisa

tão ofensiva é obviamente falsa, poderia ser nosso melhor modo de proceder. O

que opina?

Jack refletiu e assentiu. Do outro lado da mesa, olhou Alton aos olhos.

— Na maior parte dos casos o consideraria desaconselhável, mas no vosso, tem

o nome e a posição. Não tem sentido não usá-lo.

— Exato. — Clarice assentiu decidida. — Sobretudo, sabendo que James é

totalmente inocente. A família não corre nenhum risco apoiando-o.

— E o fato de que o apoiamos dará o que pensar inclusive aos mais

empedernidos amantes das fofócas — comentou Alton.

— Sem dúvida, funcionou com lady Grimwade e a senhora Raleigh. — Clarice

deixou sua xícara na mesa. — À noite as vi e, pela expressão de seus rostos, diria

que ainda se mostram extremamente cautelosas.

Nigel deixou a um lado seu prato vazio.

— Na realidade — disse, — creio que o velho James estará a salvo, no mínimo

durante a próxima semana. — Olhou a Alton. — Pelo que vi e ouvi a noite, já se

encontrou outro Altwood sobre o qual especular.

— Alton? — Clarice franziu o cenho.

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— Não. — Nigel a olhou. — Você

— Eu? — Ela se ergueu em seu assento. — Por que demonios...? — Deixou a

frase sem acabar, mas de seu rosto não desapareceu sua expressão de

desconcerto. Olhou a Nigel. — O que dizem?

— Não dizem, especulam. Todos se perguntam por que voltou e quem recolherá

a luva.

— Que luva? — perguntou ela. Seu tom ficou mais sério.

— A que lançou a noite ao dançar a valsa com Warnefleet na casa da senhora

Henderson — replicou Nigel.

Quando ela o olhou estupefata, seu irmão suspirou.

— Deus santo, não leva tanto tempo longe de tudo isto. Sabe qual é o assunto

que mais agrada as velhinhas. Os espiões franceses e os traidores lhes servirão se

não tiver outro remedio, mas dê-lhes a perspectiva de uma mulher solteira de alto

berço, ainda formosa e em idade de casar-se, com uma boa fortuna e não se

molestarão em falar da traição.

Quando Clarice continuou olhando-o fixamente, atônita, Nigel sorriu.

— Ao menos resolve o problema. Não falarão de James.

Ela grunhiu, fechou os olhos e se recostou na cadeira.

— Não posso crer!

Mas sim, acreditava. Como Nigel havia dito seu regresso às festas sociais pela

primeira vez em sete anos e o fato de que dançara com um elegante lorde que em

si mesmo era um objetivo matrimonial bastava para captar o inconstante interesse

da alta sociedade.

— Não importa. — Levantou-se bruscamente e abriu os olhos. Não ia preocupar-

se por isso. — O feito, feito está e, como disse, ajudará a proteger James.

— Sempre que continúe alimentando os rumores — interveio Alton.

Clarice o olhou e o pihou trocando uma olhada com Jack que não pode

compreender.

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— A que se refere?

Seu irmão encolheu os ombros.

— Só que, pelo bem de James, seria útil que seguisse deixando-se ver em

sociedade, que asistisse a festas, o típico. Enquanto se centram em você, não

pensarão nele.

Clarice expressou sua profunda recusa de semelhante idéia com um desgostoso

e desdenhoso bufo.

Jack atraiu sua atenção ao deixar a xícara sobre a mesa.

— Pense nele como o modo de conseguir o objetivo que buscava, ainda que por

uma via diferente. Pelo simples fato de não o ter planejado não significa que não vá

funcionar e, como Alton disse, manter a alta sociedade centrada em você vai

requerer pouco esforço.

Não se surpreendeu quando o olhar dela se tornou pensativo. Jack manteve

então a boca fechada e olhou de soslaio a Alton para assegurar-se que ele fazia o

mesmo. Um pouco surpreso pela muda ordem, Alton obedeceu e se viu

recompensado quando Clarice tombou a cabeça a um lado e a outro, sopesando o

assunto e contra a vontade reconheceu:

— Muito bem. Mas só se não houver nada concreto que fazer para seguir com a

defesa de James. E, a propósito — acrescentou olhando Alton — antes que me

esqueça. Ainda que não acredite que Moira vá fazer algo verdadeiramente drástico,

como envenenar alguém, ao tornar a pensar em sua campanha para controlá-los,

continuo pensando por quê. É muito rica, como já disse não se trata de dinheiro.

Mas então, de quê?

Roger olhou a seus irmãos antes de dizer:

— Não sabemos. É uma mulher. Tem que haver um motivo?

Clarice o olhou com os olhos apertados.

— Sim há. E creio que sei o que, ou melhor, quem é: Carlton.

Seus irmãos a olharam surprendidos. Jack não tinha nem idéia de quem era

Carlton.

Alton franziu o cenho.

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— A sucessão?

Jack recordou ter ouvido que o mais jovem dos filhos varões do anterior

marquês era filho de Moira.

— Não exatamente. — Clarice se ergueu mais em seu assento. — Olhe por onde

olhe, seria assombroso que fosse ele quem herdaria o título com vocês três em

plena forma.

Enquanto nenhum de vocês se casar e não houver filhos, então... Bem, Carlton

tem alguma possibilidade. É o terceiro na linha sucessória e é dez anos mais jovem

que Nigel. Se os três morrem solteiros, ele herdará, não importa que para então

seja velho. Assim, enquanto se mantenha em segredo que os três estão a ponto de

casar-se, a percepção de que Carlton tem alguma possibilidade de ser o seguinte

marquês continua sendo a crença generalizada.

— Assim, na realidade se trataria de dinheiro. De prestamistas... — Alton

guardou silencio e franziu o cenho. — Não, não bate. Se estivesse endividado, eu o

saberia.

Clarice resmungou.

— Já lhe disse que não se trata de dinheiro. Essa não é a questão. As bodas são

a questão em todas as frentes, incluindo a de Carlton. Enquanto vocês três seguem

solteiros, ele pode aspirar a um bom matrimonio, mas quando um de vocês se

casar, suas aspirações matrimoniais se verão afetadas. E se os três se casarem,

sua posição cairá até a de um mero filho menor sem nenhuma perspectiva. Moira

deseja que a família de sua nora seja a mais rica e influente possível. Por isso, a

última coisa que quer é que algum de vocês se case. Ou mais concretamente, que

na alta sociedade ninguém se dê conta de que estão a ponto de casar-se antes que

Carlton possa fazer o mesmo.

Seus irmãos pareciam comovidos.

— Só tem vinte e um anos! — protestou Roger.

Ela o olhou aos olhos.

— E acredita que isso deterá a Moira? Sobretudo agora que sabe que todos estão

a ponto de fazer propostas que, claro, serão aceitas?

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— Deus santo! Nunca pensei que sentiria lástima desse pequeno idiota. — Nigel

parecia horrorizado. — Imagine casado aos vinte e um.

Clarice, como era de esperar, não estava impressionada.

— Não se preocupes por Carlton. A menos que haja experimentado uma

mudança radical, apostaria que não tem intenção de pedir a mão de nenhuma

senhorita bem educada que Moira escolha. Mas não o dirá até que chegue o

momento. Nunca foi dos que fazem esforços desnecessários.

— Certo. — Roger franziu o cenho. — Então, a ela realmente não lhe importa

com quem nos casarmos desde que não façamos públicas nossas intenções?

— Parece o mais provável e nos proporciona tempo para organizar tudo. Se

pedir a mão de vossas damas ao mesmo tempo, ou se todos os anuncios aparecem

na Gazette no mesmo dia e Moira não souber nada a respeito até então, tudo

deveria ir bem.

Alton olhou a Roger aos olhos.

— Teremos que ter cuidado com o que dizemos, fazemos ou inclusive

escrevemos em Melton House. Essa donzela de Moira é o mesmíssimo diabo. Move-

se às escondidas por todas as partes, bisbilhotando aqui e ali.

— Mas deveria ser factível — interveio Nigel. — Temos que organizar-nos,

formalizar nossos compromisos e que nos aceitem. Então poderemos pegar

desprevenida a Moira e acabar com este assunto.

Clarice assentiu.

— Exato. Isso é precisamente o que deveriam fazer e, entretanto, eu farei tudo

o que puder para desviar a atenção de James. Independentemente de tudo isso,

ainda tenho que cumprir com o que vim fazer em Londres: exonerar James desses

encargos sem sentido.

Havia um tom em sua voz que fez erguer aos seus irmãos.

— Sim, claro — contestó Alton. — O que quer que façamos?

Clarice olhou a Jack; seus irmãos seguiram seu exemplo. Ele estava preparado.

— Há três encontros específicos nos quais devemos demonstrar que James não

estava presente. — Tirou uma folha de papel do bolso e a entregou a Alton. — Se

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puder investigar entre a familia e todos os amigos de James, seus clubes, qualquer

lugar onde podia estar, e ver se alguém recorda tê-lo visto nessas datas, teremos

os primeiros dados para poder enterrar para sempre essas acusações.

Alton leu a lista e assentiu.

— Claro. Nós faremos isso.

— Enquanto isso — disse Clarice, — eu verei se posso traçar um plano para

livrar a Sarah e a você das garras de Moira. Não façam nada mais até que eu o

indique. —Olhou a Roger e a Nigel. — Entretanto, vocês dois são livres de fazer o

melhor uso que lhes ocorrer de vossos dotes de persuasão e conseguir uma

aceitação formal de vossas petições de mão de Alice e Emily.

Seus dois irmãos pareceram encantados.

— Mas só depois que tiveram ajudado Alton a reunir informação para a defesa

de James.

Com um murmurio de afirmações, os três irmãos se levantaram, beijaram

Clarice no rosto e observaram Jack com receio quando ela não olhava, mas saíram

sem questionar sua presença. Ele se compadeceu, mas...

Quando Clarice fechou a porta e se voltou, Jack tinha um fino cartão na mão.

Agitou-o.

— Lady Davenport e lady Cowper solicitam nossa presença em Davenport House.

Ela se deteve com os olhos arregalados.

— Quando? — Consultou o relogio sobre a lareira.

— Dentro de meia hora.

Fulminou-o com o olhar.

— Por que os homens não compreendem nunca o que custa vestir-se?

Em vista do que, se virou e se dirigiu decidida ao dormitorio, Jack supôs que a

pergunta fosse retórica. Seguiu-a em um ritmo mais lento. Apoiou um ombro no

marco da porta e observou como tirava o vestido que usava e procurou em um

armario de roupas que parecia estar muito bem sortido. Tirou um modelo de seda e

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listras cor bronze e marfim, e o vestiu. Apresentou-lhe as costas imperiosamente

pedindo-lhe que o abotoasse.

Jack obedeceu e a observou enquanto se penteava.

Nunca antes lhe parecera tão interessante observar uma mulher arrumando-se,

mas contemplar a Clarice... Cada gracioso movimento seu, cada um de seus

femininos gestos, o fascinava. Quase o enfeitiçava. Observou como escovava os

longos cabelos e recordou como parecia um redemoinho ao seu redor pela noite...

Enquanto, outra parte de sua mente se fixava em um assunto mais sério. Cada

vez estava mais certo que não desejava que fosse por aí sozinha, nem durante o

dia, em pleno coração de Mayfair. Não tinha esquecido o incidente com aqueles dois

estranhos homens em Bruton Street, nem a ameaça inerente do homem da cara

redonda. E agora, sua madrasta tinha uma boa razão para desejar que Clarice

estivesse em qualquer outra parte onde não interferisse em seus planos.

Diferente dela, ele não estava disposto a descartar que Moira fosse capaz de

cometer um delito grave; a harpia que ele vira arrancaria os olhos a Clarice na

mínima oportunidade. E perder o controle, o qual provavelmente acreditava seguro,

sobre Alton, seus irmãos e o marquesado em geral, deveriam ser mortificantes

para ela. Sobretudo se, junto com essa perda, se produzisse uma queda em sua

posição social. E esse último sucederia, sem dúvida, se Clarice regressasse de um

modo permanente a sociedade. Se bem que era certo não planejasse fazê-lo, Moira

não o sabia e provavelmente não acreditava ainda que o assegurasse a propria

Clarice. De sua perspectiva, os prazeres de Avening não podiam competir com os

de Londres.

Quando Clarice amarrou um elegante chapéu, Jack se ergueu. Duvidaria se ele a

advertisse que corria perigo e pedisse para ter mais cuidado, se sugerisse para se

fazer acompanhar por um ou dois serventes como escolta.

Jack lhe dedicou um sorriso encantador quando se aproximou e lhe ofereceu o

braço. Seria inútil discutir, assim, ele mesmo a escoltaria.

***

— Lady Clarice, é um prazer dar-lhe as boas vindas. — Alta, imponente e

atraente de um modo severo e elegante, lady Davenport assentiu com gesto de

aprovação e lhe roçou os dedos, logo desviou o olhar para Jack.

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— E a você também, Warnefleet. Como está aqui pela graça de lady Clarice, só

posso mostrar-lhe minha gratidão por sua influencia.

Ele dedicou a sua tia seu sorriso mais encantador, a mulher soltou um bufo e se

voltou para apresentar a Clarice à pequena e rechonchuda dama que estava ao seu

lado.

— Recorda-se da minha irmã?

— Claro.

Clarice sorriu e fez uma reverencia maravilhosamente bem executada a mulher.

Apesar da importancia de Emily, lady Cowper, entre as anfitriãs da alta

sociedade, Clarice era de mais alto berço que ela.

Emily se mostrou muito mais expressiva que sua irmã, mais abertamente

disposta a apegar-se a jovem e tudo o que prometia. Jack viu sem problemas seu

entusiasmo.

— Minha querida lady Clarice, estou encantada de voltar a vê-la. — Com um

sorriso radiante, lhe apertou a mão e assinalou a terceira grande dame presente no

elegante salão. — E sem dúvida recordará também de lady Osbaldestone.

— Milady.

Clarice saudou com a cabeça, um pouco reservada e mais cautelosa, a

impressionante e intimidante dama de mais idade que os contemplou, primeiro a

ela e depois a Jack com uma negra olhada perspicaz e calculadora.

Finalmente, lady Osbaldestone arqueou as sobrancelhas. Sua expressão se

relaxou e a chamou imperiosamente.

— Venha sentar-se ao meu lado para que possa te ver melhor. — Ela por sua

parte tomou assento no divã e aguardou lady Davenport e lady Cowper ocuparem

seus lugares de novo e Clarice a obedecer. Lançou então um agudo olhar a Jack, de

pé com um braço apoiado no beiral da lareira, antes de golpear levemente o solo

com o bastão como se pusesse ordem em uma reunião.

— Bem — começou, — o que é isso que ouvi sobre seu primo James e uma

traição?

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Clarice inspirou, olhou brevemente a Jack e se dispôs a descrever de modo

breve as dificuldades de seu primo e, por extensão, de toda a familia. Evitou

mencionar algo específico, incluíndo como sabiam que James era inocente. Limitou-

se a dizer que estavam trabalhando para demonstrar sua inocencia e que estavam

certos de que o conseguiriam.

Durante seu relato, lady Osbaldestone e as tias de Jack trocaram uma serie de

significativos olhares que despertaram o instinto de Jack e o fzeram por-se em

guarda.

Clarice e ele estiveram de acordo que se as três damas tivessem ouvido os

rumores, teriam que satisfazer sua curiosidade se desejassem sua ajuda para

enfrentar-se a Moira.

Com habilidade, Clarice passou da injustificada ameaça contra o nome da familia

aos problemas que se enfrentavam seus irmãos em seu caminho para o

matrimonio. De novo não o explicou todo e deixou que a imaginação delas

preenchesse os detalhes que havia omitido, como, por exemplo, o conteúdo das

ameaças de Moira. Com três damas como aquelas, não havia risco de não

chegarem às conclusões corretas.

Como era de esperar, as três se mostraram inclusive mais interessadas nesse

assunto.

Quando Clarice o explicou, seus olhos brilharam de entusiasmo.

— Assim — concluiu — penso poder convencê-las para que me prestem sua

ajuda e colaborem para que meus irmãos consigam seus propósitos. Estive ausente

da sociedade londrinense muito tempo e, em vista dos acontecimentos que

rodearam minha saída, sou muito consciente que necessitarei sua colaboração para

livrar seus caminhos com êxito.

De novo, olhou ao seu redor, essa vez olhando aos olhos de cada uma das

mulheres.

— Vocês me ajudarão?

As três trocaram um olhar em uma muda comunicação que abrigava um

elemento de excitação. Jack não se surpreendeu quando, uma vez tomada uma

decisão sem mediar palavra, fosse lady Osbaldestone quem a anunciou.

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— Querida, alegra-nos muito que tenha regressado conosco, seja qual for o

motivo. Claro que terá nossa ajuda, mas há dois pontos que gostaria de esclarecer.

Primeiro, entendemos que no referente aos cargos de traição, não são só os

Altwood, mas, em última instância, Whitehall e o governo que, se o assunto chegar

a juízo, se sentiriam... Digamos “incomodados”?

Quando Clarice piscou e não respondeu, lady Osbaldestone olhou a Jack.

— Dalziel, certo? Um diabinho, mas de grande utilidade.

Jack sentiu que sua expressão refletia sua surpresa. Pelos olhares calmamente

inquisitivos das duas damas, as palavras de lady Osbaldestone não foram uma

surpresa para elas. Como diabos sabiam da existencia de Dalziel? E se o conheciam

o que mais sabiam?

O sorriso de lady Osbaldestone se tornou claramente pícaro.

— Não pensaria seriamente que não estávamos ao par dessas coisas, certo?

Jack se moveu, avaliou rapidamente suas opções e decidiu que guardar silêncio

seria o mais prudente.

A expressão de lady Osbaldestone se tornou cínica.

— Pode ser que te alivie saber que, diferente de alguns de nossos homens, que

caem preso de complexos dilemas sobre conceitos de honra quando se pronuncia a

palavra “espião”, a maioria das damas de nossa posição sente um grande alívio ao

saber que outros, a quem se confia a defesa do reino, não são tão empertigados.

A última palavra a pronunciou em um tom claramente reprovador.

Jack não estava certo que sua referencia fosse tão geral como havia soado.

Seguramente teria em mente a algum varão em concreto sumido nesse dilema.

Em todo caso, disse:

— Sem dúvida, Whitehall preferiria que as acusações contra James Altwood

ficassem rebatidas no tribunal do bispo em lugar de em um público, desde que os

detalhes se difundissem amplamente.

Lady Osbaldestone assentiu.

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— Claro. — Voltou a olhar para Clarice. — Nossa outra pergunta é sobre o

assunto sobre seus irmãos: pretende acabar por completo com a influência de sua

madrasta para sempre ou pensa simplesmente ajudar aos seus irmãos a chegar ao

altar para depois deixar que se arrumem sozinhos?

Ela a olhou aos olhos e não pode saber que resposta devia dar. Parecia evidente

que esta determinaria o grau de ajuda que lhe concederiam. E necessitava sua

ajuda. Sem esta, regressar a alta sociedade e enfrentar-se aos complôs de Moira

seria demasiado complicado. Mas todas elas eram matriarcas, soberanas absolutas

dentro de seus lugares e famílias. Desaprovariam-na se lhes dizia a verdade?

Ergueu a cabeça e respondeu sem evasivas.

— Não vejo nenhuma possibilidade de liberar meus irmãos sem eliminar a

influência de Moira em geral. Não só sobre seus matrimonios, mas em termos mais

gerais e permanentes.

Voltou a fixar a vista em lady Osbaldestone.

— Não seria realista nem justo esperar que minhas futuras cunhadas se

encarreguem de minha madrasta. Eu a conheço muito melhor e tenho muito mais

experiência nas minhas costas, ao menos no referente a enfrentar-me a ela.

Até que não pronunciou a última palavra, lady Osbaldestone não sorriu, com

alívio.

— Excelente! No que respeita a essa arrivista, deve ser você quem a ponha em

seu lugar, ou melhor, que lhe arrebate essa posição da qual esteve abusando

durante tanto tempo.

Quando olhou lady Davenport e lady Cowper, Clarice descobriu uma similar

aprovação e determinação em seus olhos.

O queixo de lady Cowper se via incomumente firme quando assentiu.

— Claro querida. Therese tem razão. Nós... Não só nós, mas as demais também,

todas as anfitriãs e as que guiamos a esta sociedade estamos bastante cansadas de

Moira, mas não estava em nosso poder expulsá-la, não sem que afetasse toda a

familia. Nosso dilema foi bastante serio durante alguns anos, de fato, desde pouco

depois que se você se foi. Conseguir algo a esse respeito será um considerável

ganho.

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O brilho nos olhos de lady Cowper, a dura nota em sua voz normalmente doce,

confirmou que o uso desmedido do poder por parte de Moira tinha ido longe

demais, além da intimidade do lugar.

— Claro. — A expressão de lady Davenport sugeria que ouvia o grito de batalha

e que estava muito disposta a responder. — Estamos tão contentes, querida

Clarice, que o veja como nós, que compreenda e valorise o papel que sua família

tem agora que desempenhar...

***

No resto de sua visita o passaram discutindo sobre qual seria o melhor modo de

desbaratar os planos de Moira de um modo definitivo. Como Jack esperava, as três

damas levaram Clarice e seu objetivo muito a serio. Sobre o assunto de como

controlar a mente coletiva da alta sociedade, falavam como generais que se

implantaram sobre um campo de batalha. Pela expressão de Clarice, se via que

estava encantada e por seus comentarios era evidente que estava aprendendo

rápido.

Apesar do êxito de seu plano de conseguir a ajuda que necessitava, Jack sentia

certa falta de socego, uma leve, mas insistente agitação de seu instinto, mas não

saberia dizer de que o estava advertindo. Na primeira oportunidade que se

apresentou, se desculpou comentando que os esperavam no palacio Lambeth ao

meio dia e levou Clarice dali. Quando deixaram a casa, sua agitação se acalmou.

Quando chegaram ao palacio descobriram que, apesar da intercessão do irmão

do bispo, o diácono Humphries não estava disponível para entrevistar-se com eles.

— Ao menos, ainda não — explicou Olsen. — Saiu esta manhã antes que o bispo

pudesse falar com ele e não regressará até a última hora da tarde.

Clarice fez uma careta. Seu encontro com as tias de Jack e lady Osbaldestone

havia ido tão bem que se sentia animada e preparada para comer o mundo, e a

Humphries também. Frustrada, olhou para Jack.

— Talvez devessemos revisar os detalhes das acusações com o diácono Olsen e

explicar-lhe como acreditamos poder refutá-las.

Ele olhou a Teddy, que se reunira com eles. Clarice estaria a salvo com o jovem

e com Olsen.

— Por que você não o explica ao diácono? E a Teddy também se tem tempo.

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Com olhos brilhantes, Teddy assentiu.

— Gostaria de saber o que está acontecendo.

— Entretanto — continuou Jack, — eu irei ver como estão os que estão coletando

nossas provas. Quanto antes pudermos reunir tudo o que necessitamos, melhor.

Clarice piscou surpresa, mas assentiu.

— Muito bem. Então, devo supor que estará em seu clube se Humphries chegar

antes do previsto?

— Sim. — Jack a olhou aos olhos. — Mas não fale com ele sem mim.

Ela sorriu e o tranquilizou. Jack a escutou cético e insistiu que o prometesse e

logo se inclinou sobre sua mão e se despediu dos demais.

Clarice o observou afastar-se com os largos ombros erguidos e a seguir foi com

o diácono Olsen e Teddy ao estudio do primeiro.

***

Duas horas mais tarde, Jack entrou em uma taberna atrás do palacio Lambeth.

Acomodou-se em uma mesa não demasiado suja e quando a camareira se

aproximou e lhe perguntou o que desejava, pediu uma jarra de cerveja negra.

Olhou ao seu redor com aparente expressão ausente, ainda que na realidade

estivesse avaliando rapidamente aos outros clientes. Via-os tão desalinhados e

brutos como ele. Com sua tosca roupa de trabalhador, desde o gorro até as

desgastadas botas, duvidava que Clarice o reconhecesse e muito menos suas tias e

lady Osbaldestone, por muito inteiradas que acreditavam estar sobre aqueles

assuntos.

Enquanto Deverell, Christian e Tristan falavam com as testemunhas em busca de

relatos contraditorios, ele decidira investigar uma serie de encontros que não

figuravam nas acusações, mas que incidiam nelas mais poderosamente que

nenhuma outra coisa.

Humphries tinha que ter-se encontrado com seu ex-mensageiro e atual

informante em algum lugar que não fosse o palacio Lambeth. Teddy havia

averiguado que os guardiões não haviam deixado entrar nenhuma visita para

Humphries, mas que em troca havia recebido mensagens que uma serie de

moleques de rua haviam entregado. Nunca o mesmo duas vezes, o que confirmava

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que o ex-mensageiro e informante era um homem que sabia como funcionava

aquilo. Os porteiros não seriam capazes de distinguir um jovem de outro e não

poderiam identificar a nenhum deles. Por outra parte, as possibilidades de topar-se

por casualidade com um deles em um bairro no que abundavam os de sua classe

eram mínimas.

Após receber algumas das mensagens, Humphries havia deixado o palacio,

sempre a pé, pelo que o mais provável era que o lugar de encontro estivesse perto.

Jack havia reconhecido o terreno, percorrido de cima abaixo as ruas perto do

palacio e não vira nenhum café nem grandes hotéis na zona. Colocou-se então em

lugar do ex-mensageiro e fez uma breve lista das tabernas que cumpririam os

requisitos obvios: não demasiado longe do palacio, pouco concorridas, sem muito

público, um lugar onde dificilmente haveria buliçosas multidões que pudessem

recordar de um clérigo e a quem o acompanhava.

Já estivera em duas tabernas. As duas cumpríam as condições, mas nenhuma

abrigava o tipo de pessoas que ele procurava.

A Mitra do Bispo, na qual nesse momento se encontrava, estava escondida em

uma estreita rua que levava a Royal Street, a uns dez minutos andando desde o

palacio, a maioria dos quais se investiam em percorrer os extensos jardins dele.

Das três tabernas nas quais estivera aquela era a mais prometedora. O interior

era escuro e sombrio inclusive a primeira hora da tarde e a clientela parecia meio

sonolenta e não mostrava nenhum interesse pelos demais. Sem dúvida, havia dois

pares de olhos perspicazes e atentos, os da camareira, mais espevitada que o

normal, e os de uma velha em uma esquina junto à lareira, com uma jarra de

cerveja na mão.

As duas se fixaram nele quando entrou. A jovem o havia aceitado como o

trabalhador que parecia ser, mas a velha ainda o observava com os olhos alertas

atrás da despenteada franja.

Jack supôs que, assim como os moleques, o ex-mensageiro havia usado

diferentes pontos de encontro e necessitava alguém que o visse com clareza, que

pudesse dar-lhe uma boa descrição. Levantou-se e pegou sua jarra de cerveja.

Bebeu um longo trago enquanto se aproximava da pequena lareira na qual um fogo

lutava para manter-se aceso sob um montão de turfa. Simulou que olhava

fixamente as vacilantes chamas. Ao cabo de um momento, olhou a velha que

estava junto à lareira e captou o rápido movimento dos olhos dela ao desviar a

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vista. Voltou a contemplar as chamas, bebeu outro gole de cerveja e, com uma voz

tão baixa que só ela podia ouvi-lo, disse:

— Estou procurando alguém que talvez tenha visto aqui, um homem que se

encontrou e falou com um clérigo em algum momento dos últimos meses. Estou

disposto a pagar bem a qualquer que possa descrever-me esse homem, não o

clérigo, mas o outro.

Esperou pacientemente enquanto transcorria todo um minuto; logo, a velha riu

em voz baixa.

— Como saberá que estou descrevendo seu homem? Poderia dizer-lhe qualquer

coisa e ficar com seu dinheiro.

Sem mover a cabeça, Jack a olhou e percebeu o brilhante resplendor de seus

olhos.

— Se podes descrever o homem que quero, também poderá descrever o clérigo.

Aqueles brilhantes olhos se abriram surpresos e a velha cabeceou assentindo.

— Muito astuto por sua parte. Se isso é o que quer, te direi que o clérigo é alto,

mas não como você. Tem pouco cabelo, mas o pouco que fica é castanho e oleoso.

É um tipo inquieto, sempre com o cenho franzido, não uma alma alegre como

alguns deles podem ser. Não está gordo, mas tampouco esquálido, e seus lábios

formam um beicinho como os de uma mulher.

Jack reprimiu a sensação de triunfo que ameaçava embargá-lo; sua descrição de

Humphries era demasiado detalhada para ser falsa e esboçou um sorriso alentador.

— Muito bem. E o que há do outro? — Se podia descrever ao ex-mensageiro com

a mesma exatidão, ganhava até a última moeda que levava em cima.

A mulher fez uma careta e ficou olhando o outro extremo da sala.

— De altura similar, talvez um pouco mais alto, mas mais corpulento. Como um

barrilete. Parecia um lutador, ainda que estava demasiado bem vestido para sê-lo.

Olhe, não era um cavalheiro, mas tampouco era um criado. — Fez uma pausa antes

de acrescentar: — Tampouco um desses agentes de negocios, não tinha aspecto de

sê-lo.

Jack sentiu o estômago encolher e sentiu um calafrio.

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— E sua cara?

— Mais branca que o normal. Poderia dizer que era pálida. E redonda, tosca e

redonda.

Os olhos também redondos e claros, pequenos. Tinha o nariz largo e falava com

um acento que não era daqui. Parecia estrangeiro. Não escutei o suficiente para

poder dizer mais. — Ergueu a vista para Jack. — É suficiente?

Ele assentiu. Meteu a mão no bolso, descartou os penis, pegou um soberano e o

deu à velha, cujos olhos brilharam. A mulher o pegou com cuidado, o examinou e

olhou a Jack enquanto sua mão e a moeda desapareciam sob suas desalinhadas

roupas.

— Por este dinheiro — disse enquanto apertava os olhos como se estivesse

revisando sua opinião sobre ele, — também lhe farei uma advertencia.

— Uma advertencia?

— Sim. O homem ao qual busca é perigoso. Encontraram-se aqui duas vezes.

Nas duas ocasiões, o clérigo se foi primeiro e eu vi a cara do outro quando ele saiu

pela porta. Estava planejando algo e não era nada bom. Parecia perigoso como lhe

digo e também malvado. Assim, se pensa procurá-lo, tenha cuidado.

Jack lhe dedicou um encantador sorriso, tirou o gorro, lhe fez uma extravagante

reverencia e a deixou rindo encantada.

Mas quando saiu da taberna, o sorriso desapareceu de seus lábios. A descrição

da mulher coincidia demasiado com a descrição de Clarice do homem que

provocara o acidente de Anthony para que não fosse a mesma pessoa. O que

significava que a velha tinha um excelente dom para julgar o carácter das pessoas.

Esse homem era perigoso, não restava nenhuma dúvida.

***

Sempre se havia fixado em que os golpes de sorte nunca vinham sozinhos. Para

regressar ao clube, dirigiu-se a ponte de Westminster com intenção de pegar um

dos coches de aluguel que passavam por ali constantemente. Ao chegar à rua que

dava a ponte, passou junto a três moleques que se voltavam para varrer a calçada.

Jack parou, deu meia volta e se aproximou enquanto pegava três moedas e

começava a fazer malabarismos com elas. Quando se deteve diante do trio, tinha

captado toda sua atenção.

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Observou suas ávidas expressões e jogou a pergunta com cuidado.

— Um homem contratou uns moleques para entregar mensagens por aqui perto.

É alto, quase tanto como eu, e tem a cara redonda e branca. E é estrangeiro. —

Infundiu a palavra um patente desgosto e viu como os lábios dos jovens se

torciam. — Estes pennys são para quem puder dizer-me onde entregou uma

mensagem desse homem.

Os jovens intercambiaram um olhar de repente, e Jack o compreendeu. Deixou

de jogar com as moedas, pegou outros três pennys e os uniu aos três primeiros.

Voltou a fazer malabarismos, contemplando os rostos dos jovens. Ainda não

pareciam convencidos.

Deteve-se e, quando acrescentou outros três pennys, sorriram.

Ele também sorriu. Três respostas. Definitivamente, o destino estava de seu

lado.

— No palacio do bispo, na porta principal — disse um dos moleques.

— Eu também.

— A mim me enviou a porta de serviço, não a principal.

Jack os olhou e lançou a cada um deles os três pennys. Eles os pegaram no vôo,

rápidos e seguros.

— Uma coisa mais. — Não devia descartar nenhuma possibilidade. — Algum de

vocês sabe ler? Sabem para quem eram as mensagens?

De novo intercambiaram um olhar. Jack suspirou, meteu a mão no bolso e teve

cuidado de tirar só os pennys.

— Dois pennys mais para cada um se puder dizer-me a quem ia dirigida a

mensagem.

— Para um diácono. — Um dos meninos tentou pegar as moedas, mas Jack foi

mais rápido; fechou o punho e o levantou no ar.

— Oh, vamos, senhor.

Ele negou com a cabeça.

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— Esforça-te mais. Qual diácono?

O moleque fez uma careta e franziu o cenho. Seus amigos o consolaram.

— Qual era a primera letra? — urgiu-o Jack.

Seus olhos se abriram muito.

— Um “H”, isso o recordo. E o nome era longo, um “M” e um “P” e outro “H”,

uma minúscula.

Jack sorriu.

— Com isso vale. Quero ver essas mãos.

Os três as estenderam com a palma para cima e Jack deu a cada um os dois

pennys extras prometidos. Brincaram encantados e quando lhes disse adeus e se

afastou responderam-lhe alegres despedindo-se com a mão.

Sorridente, Jack chegou à ponte, parou um coche de aluguel e regressou ao

clube.

***

— Então, o homem que enviou as mensagens a Humphries e o homem com o

qual se reuniu em uma taberna mais de uma vez tem a cara redonda, a tez muito

pálida, é corpulento e fala com acento estrangeiro? — Deverell olhou a Jack.

Este assentiu.

— E viste bem, mas não é um cavalheiro. Além do mais, esse mesmo homem

tirou do caminho a Anthony, o primo de James que viajou a Avening para adverti-lo

das acusações, e o mais provável é que o teria matado se Clarice não houvesse

aparecido.

A idéia lhe gelou o sangue. Se o homem não houvesse decidido que silenciar

também a Clarice não merecia o risco... Não podia suportar pensar o que teria

encontrado ao tomar a última curva de seu longo caminho de volta a casa.

Os quatro amigos haviam passado o dia no seu modo incógnitos. Ao regressar

ao clube, usaram os aposentos do piso de cima para colocarem suas roupas

habituais de cavalheiros e logo se reuniram na biblioteca para compartilhar o que

tinham descoberto até o momento.

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— Eu opino — comentou Tristan uma vez que se puseram em dia — que

deveríamos concentrar-nos em demostrar que esses encontros nunca se

produziram. Ainda que em cada caso, em cada taberna, sabemos que há gente

disposta a jurar que Altwood se reuniu ali com esse mensageiro; também temos

encontrado testemunhas igualmente críveis dispostas a jurar que o vigário nunca

pôs um pé no local.

Deverell assentiu.

— Quando tivermos provas, será mais fácil fazer fraquejar os que mentiram.

Investiguei brevemente as três supostas testemunhas do encontro aos que devo

investigar e todos são conhecidos porque sempre estão desesperados por conseguir

dinheiro.

— Pagaram-lhes, disso não cabe dúvida. — Jack esboçou um amplo sorriso. —

Mas onde o dinheiro pode comprar mentiras, mais dinheiro pode comprar a

verdade.

— Certo, embora suponho que existirá certa reticência a desgostar ao

mensageiro. Eles o farão se acreditam que os descobriram, mas após pegar seu

dinheiro, necessitam uma “desculpa” para mudar suas historias.

Fizeram uma careta, todos compreendiam como funcionavam essas mentes tão

pouco honradas.

— Então — sugeriu Jack, — primeiro teremos que conseguir nossas testemunhas

mais confiáveis.

— Exato. — Christian o olhou. — James Altwood sempre usa colarinho?

Ele assentiu.

— Veste melhor que a maioria dos clérigos. Jaquetas e calças bem

confeccionadas, botas de boa qualidade, mas sempre usa colarinho.

Deverell sorriu.

— O que quer dizer que se alguma vez esteve nessas tabernas, teria que ter

chamado a atenção.

— E, portanto o recordariam — inteferiu Tristan. — Diria que estamos no

caminho não só de questionar as provas dos três incidentes principais da acusação,

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mas de descartá-las como falsas. E com isso feito... Talvez seja prudente explicar a

esse diácono Humphries sobre que terreno tão pouco firme se sustem suas

acusações.

Jack assentiu.

— Essa parece ser a forma mais rápida e limpa de acabar com esta charada.

Ainda temos que reunir-nos con ele, mas, com sorte, não nos negará esse prazer

durante muito mais tempo... — Jack ergueu a vista quando entrou Gasthorpe. Pela

insegura expressão de seu rosto, adivinhou o que ia dizer.

— Milorde — Gasthorpe se dirigiu a ele, — a dama que veio vê-lo no outro dia

está aqui. Acompanhei-a até a sala.

Jack assentiu e se levantou.

— Desço agora mesmo. — Aos demais explicou: — É lady Clarice Altwood.

Os três se levantaram de imediato.

— Nós também desceremos — declarou Deverell.

— Só para dar-lhe nosso apoio. — Um brilho brincalhão iluminou os olhos de

Christian.

Jack soltou um resmungo, mas não lhe ocorreu nenhuma boa razão para negar-

se. De fato, seria aconselhável que Clarice e seus colegas se conhecessem. Sem

dúvida, se assegurou que, ao entrar na sala, seus amigos não estivessem atrasados

e ela os visse imediatamente, para que não se comportasse como se estivessem só

os dois.

Os olhos de Clarice se desviaram no instante para seus acompanhantes. Jack fez

as apresentações. Com sua habitual serenidade, ela lhes estendeu a mão, os

saudou e lhes deu agradeceu por sua colaboração na exoneração de James.

Logo voltou a centrar sua atenção nele.

— Vim para dizer-lhe que não poderemos interrogar a Humphries hoje. — Sua

expressão se tornou mais fria. — Parece que está discutindo com o bispo sobre

nossa implicação.

Jack respondeu impassível.

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— Não chegará muito longe neste aspecto.

— Não, mas nos está atrasando. O deão disse que supõe que amanhã pela

manhã o assunto ficará resolvido a nosso favor. Sugeriu que regressemos então.

Olhou aos quatro cavalheiros que permaneciam de pé diante dela. A sala parecia

muito menor com eles ali. Bastou-lhe um olhar para confirmar que, apesar de

civilizados e sofisticados que pareciam, no fundo eram muito parecidos a Jack.

Adotou sua expressão mais alentadora e interessada.

— Jack mencionou que estavam ajudando a anular as provas dos três encontros

principais. Averiguaram algo?

Dirigira-se aos três, mas eles se limitaram a sorrir e a olhar a Jack.

Reprimindo um suspiro, ela também o olhou. Com umas breves palavras, Jack

lhe explicou o que haviam descoberto até o momento e seu atual objetivo.

— Hum. — Após um momento para assimilar as noticias, Clarice o olhou. — Em

vista de que não podemos fazer nada mais no palacio, aproveitarei a oportunidade

para deixar-me ver com Sarah Haverling em um chá vespertino. Mais tarde há um

jantar ao qual deveríamos assistir e depois dois bailes. — Ergueu as sobrancelhas.

Jack lhe susteve o olhar e assentiu.

— Irei buscá-la as oito.

Clarice inclinou a cabeça com gesto regio e olhou aos outros três homens,

testemunhas silenciosas que se esforçavam ao máximo para parecerem

desinteressados ou no mínimo, distraídos. Pensou como interpretariam o

intercambio entre Jack e ela, mas logo descartou a incerteza que seguiu esse

pensamento.

Despediu-se deles que, sorridentes, lhe fizeram uma reverencia e se retiraram

para deixar que Jack a acompanhasse ao coche de aluguel que a esperava na

porta.

Quando se detiveram na rua, ele levou sua mão aos lábios e a beijou. Olhou-a

nos olhos sorrindo.

— No Benedict’s as oito.

Com um assentimento de cabeça, deixou que a ajudasse a subir a carruagem.

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Jack fechou a porta e retrocedeu, observando como o coche se afastava de novo

em direção a Mayfair, levando-a de volta ao círculo no qual havia nascido e ao qual

pertencia...

Entrou no clube e regressou a biblioteca a tempo de ouvir que Tristan

perguntava a Christian:

— Todas as filhas de marqueses são assim?

Seu amigo ergueu as sobrancelhas.

— Minhas irmãs têm esse mesmo... ar. Sem dúvida, não tão acusado como o de

lady Clarice. — Sorriu a Jack ao vê-lo. — Suponho que desviá-la de seu caminho

não será fácil.

Ele bufou.

— Melhor impossível e estará mais perto da realidade.

— Não importa — interveio Tristan. — Ao menos não terá que suportar sua

compaixão feminina quando tiver que encarregar-se desse canalha.

Jack tornou a bufar.

— É mais provável que tenha que impedir que ela mesma lhe inflija um castigo

demasiado definitivo.

— Demasiado definitivo? — Deverell pareceu surpreso. — Depois de tudo, é um

traidor.

Jack franziu o cenho. Enquanto estavam conversando, esteve dando-lhe voltas

ao que haviam descoberto.

— Na realidade, não creio que o seja. Não se trata de nosso homem, o traidor de

Dalziel, é só seu sequaz. E é estrangeiro. Sua lealdade está no outro lado.

Christian assentiu.

— Uma sutil, mas significativa diferença.

— Prendê-lo é uma coisa — prosseguiu Jack. — Mantê-lo com vida poderia ser-

nos útil.

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Ainda de pé, comentaram alguns pontos mais, logo, Christian e Tristan se foram

depois que este último desejara sorte a Jack nos bailes da noite e se despediram

entre risos. Ele lhes lançou um significativo olhar e logo se acomodou em uma das

fofas poltronas. Deverell, por sua parte, se aproximou da licoreira e serviu dois

copos de brandy. Entregou um a Jack e também tomou assento.

Levantou o copo para ele antes de beber. Jack lhe devolveu o gesto.

— Estou impressionado — afirmó seu amigo, com um brilho mais apreciativo que

brincalhão nos olhos. — Suponho que é por aí aonde vão agora seus tiros?

Jack pensou em negá-lo, mas decidiu que não serviria para nada.

— Sim, mas, por Deus santo, não faça nada que a ponha de sobreaviso.

Deverell se recostou na poltrona e o olhou surpreendido.

— Por que não?

— Por que... — Deteve-se, jogou a cabeça para trás e, com os olhos fixos no

teto, continuou: — Sua opinião sobre os cavalheiros de nossa classe não é boa em

geral. “Evitá-los a menos que tenha boas razões para fazer o contrario”, o

resumiria bem. Se acrescentar a palavra “matrimônio” a “cavalheiros de nossa

classe”, as coisas se tornam realmente feias.

— Ah. — O tom de Deverell era compreensivo. — Más experiencias?

Ele assentiu. Ao cabo de um momento continuou, ainda que quase para si

mesmo:

— Enfrento-me a uma dura batalha para tentar convencê-la que mude de

opinião.

Deverell sorriu. Com o rabo do olho, Jack notou e franziu o cenho.

— O que?

— Fixei-me em que disse “uma dura batalha para que mude de opinião”. Não

acredita que possa fazê-lo, não diretamente. Outra sutil, mas significativa

diferença.

Jack o pensou e fez uma careta.

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— Seria uma causa perdida pensar o contrario. Com ela não posso impor nada.

Só posso apresentar meu caso e rezar para que finalmente se mostre a favor de

minha proposta. — Bebeu e olhou a Deverell aos olhos. — Qualquer sabio conselho

será bem vindo. Este não é um campo de batalha no qual tenha experiencia.

Seu amigo contestou:

— Eu tampouco.

Fez-se o silencio e prolongou-se até que, finalmente, Deverell reagiu.

— O fator surpresa. — Olhou a Jack aos olhos. — Faça algo que não espere ou,

melhor ainda, que nunca esperaria. Isso poderia ajudar-lhe. Parece o tipo de

mulher a qual tem que surpreender se deseja levar-lhe a dianteira ou inclusive ser

a mão que a guie.

Ele suspirou suavemente.

— Oh, sim, assim é a rainha guerreira.

Deverell pareceu assombrado em como se referira a ela, mas logo o pensou e riu

entre dentes.

Gole a gole, Jack esvaziou seu copo.

Seu amigo tinha razão. Assim,... Qual era a coisa, a ação, a conduta que sua

Boadicea nunca esperaria dele?

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Capítulo 17

— Boa noite, lady Clarice. — Lady Winterwhistle, de setenta anos contemplava-a

com olhos hostis e malvados. — Que surpresa voltar a vê-la. — Olhou para lady

Davenport, com quem Clarice e Jack acabavam de encontrar-se. — E em

semelhante companhia.

Jack se enfureceu só em ouvir a primera sílaba desdenhosa, mas Clarice apenas

ergueu as sobrancelhas levemente. Inefavelmente regia, devolveu-lhe a saudação,

apresentou-o e perguntou pela saude de sua filha.

Lady Winterwhistle pareceu contrariada, uma harpia a qual se negava sua presa.

Para surpresa de Jack, aqueles olhos malvados se cravaram nele antes de voltar

a desviar-se para lady Davenport.

—Ah! Entendo.

Jack o duvidava, mas as expressões que sobrevoaram o rosto da dama sugeriam

que estava fazendo uma grande quantidade de deduções.

A anciã cravou uma olhada, quase de deleite, em seu rosto.

— As suas tias gostam de pensar que podem conseguir o impossível. Atreveria a

dizer que Davenport a pressionou para que fizesse isto. — Cravou-lhe o dedo no

peito e deu a volta com atitude depreciativa. — Que estúpido por sua parte, lorde

Warnefleet — disse enquanto se ia.

Jack se enfureceu, mas Clarice lhe cravou os dedos no braço.

— Não... Não o faça.

Ele a olhou e a encontrou observando-o. Contemplou seu rosto, que parecia

curiosamente impassível.

Ao ver a confusão em seus olhos, Clarice suspirou e afastou a vista.

— Há muitos em nossa sociedade como ela. Estendeu a voz e tem tempo de

afiar suas garras. — Encolheu os ombros. — O melhor modo de enfrentar-se a eles

é ignorando-os.

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Apressou-o a seguir avançando pelo salão de baile de lady Maxwell. O jantar em

casa de lady Mott havia sido um acontecimento mais seleto. Embora alguns se

surpreenderam ao descobrir Clarice entre eles, nenhum a tinha evitado nem

reagido de forma adversa. Em geral, se mostraram cordiais, intrigados, mas

relaxados. Não obstante, agora nadavam em aguas mais gerais. Alertado, Jack

observou com maior atenção, avaliando com mais cuidado o que havia atrás das

inclinações de cabeça que lhes dirigiam; a maioria estudadamente educada,

algumas cautelosas, só umas poucas sinceramente cordiais.

De fato, certas damas, todas das gerações mais antigas, ficaram tensas ao ver

Clarice. Nenhuma se atreveu a ignorá-la, porque negar a saudação a um Altwood

diante de metade da alta sociedade equivaleria a um suicidio social. Se Clarice

estava presente, queria dizer que fora convidada por sua anfitriã e quase com toda

segurança as instancias de alguma dama de maior nivel. Não obstante, as olhadas,

algumas mesquinhas e outras francamente malignas, os perseguiam.

Depois de um momento, Jack murmurou:

— Não me parece muito próprio você dar a outra face.

Clarice o olhou com um leve brilho de diversão nos olhos.

— Sua capacidade de desconcertar-me se esgotou faz muito tempo. Sete anos

para ser exato. — Continuou caminhando com o olhar a frente e logo murmurou

tão baixo que só ele pode ouvi-la: — Inclusive nessa época, me dei conta que parte

do que impulsionava os que estiveram tão dispostos a crucificar-me por eu ter

negado-me a contrair matrimonio era que eu me atrevi a fazer o que ele não. —

Olhou-a nos olhos. — Sempre há um preço a pagar por demonstrar aos outros o

que poderiam conseguir se fossem mais fortes. — Olhou para frente quando já se

aproximavam do fundo da sala. — O fato de estar aqui, passeando outra vez entre

esta sociedade, aceita nos círculos nos quais nasci, a alguns parece um sacrilegio,

inclusive agora. Para eles, meu desterro foi um castigo justo. Não toleram que não

me fizessem pagar por minha rebeldia.

Tombou a cabeça, meditou um momento e sorriu.

— Mas se você considera minha reação tibia, imagina o que estarão sentindo

eles. O fato de que sua censura não possa afetar-me de nenhum modo, porque não

permitirei que opinem sobre minha vida, porque não admitirei nem responderei ao

seu desdém e, deste modo, lhes negarei qualquer poder... Isso supõe o pior dos

descasos.

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Jack demorou um momento entender não só isso, mas sua estratégia em geral.

Sorriu, apertou-lhe os dedos e a olhou nos olhos quando ela ergueu a vista.

— Minhas desculpas, não deveria ter duvidado de você.

O olhar que lhe lançou foi próprio da rainha guerreira que era.

— Nesta esfera, não deveria.

Viram Alton e Sarah, e passaram dez minutos em sua companhia, logo Roger os

foi buscar para apresentar-lhes a tia de Alice. Como Moira não estava presente,

aproveitaram a oportunidade para reforçar a relação.

Depois disso, os dois continuaram passeando. Pararam e conversaram aqui e ali,

mas só quando outros se aproximavam. Muitos dos que o faziam se viam

impulsionados pela curiosidade e unicamente uns poucos tinham um propósito mais

sólido. Não obstante, Jack detectou um fio condutor nos comentarios, sobretudo

nos dos mais críticos. Quando, ao notar que Clarice não se aborrecia com sua

maliciosa desaprovação; sugeriam, do modo mais elíptico, que o fato de que

seguisse solteira demonstrava que mudara muito pouco.

Conhecendo-a como a conhecia e sendo ele mesmo como era, custou-lhe uns

longos quinze minutos para cair em si. Estavam acusando-a, em sua presença, que

não era interessante aos homens; insinuavam que os varões não se sentiam

atraídos por ela.

Estava tão furioso, e não só por Clarice. Guiou-a de volta ao vestíbulo principal e

a ajudou a subir na carruagem de cidade que Alton havia posto a sua disposição e

se dirigiram ao segundo baile da noite antes que conseguisse aplacar seu genio o

suficiente para pensar e planejar algo.

Quando entraram no salão de baile de lady Courtland e se encontraram com

uma reação similar por parte de certos membros da multidão ali congregada, Jack

já decidira qual seria sua resposta, a sua e, através dele, a dela.

Um olhar a sua expressão, a altivez tão fria, superior e levemente distante a

qual usava como escudo; indicou-lhe que explicar sua estrategia seria uma perda

de tempo, porque o mais provável seria que se negasse a aceitá-la e que preferia

aferrar-se a sua atitude desdenhosa e inalcançável.

De fato, a estrategia de Clarice estava funcionando bem diante da desaprovação

direta. Jack estava seguro que o plano dele acabaria mais eficazmente com essa

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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outra tendencia potencialmente mais prejudicial. Em casa de lady Maxwell não

tinham dançado porque a pista estava abarrotada de jovens ávidas com seus pares,

uma perspectiva pouco atraente. Não obstante, quando as notas da valsa se

elevaram ali por cima da multidão, Jack pegou Clarice pela mão, com seu habitual

encanto os desculpou diante das damas com as quais estavam conversando e a

levou até a pista de baile.

Ela estranhou enquanto Jack a fazia avançar decidido, mas supôs que estaria

morto de aborrecimento e desejava esticar as pernas, assim não protestou. Com

sua autoritaria segurança, atraiu-a para seus braços e Clarice o deixou fazer, mais

que disposta a desfrutar do momento e a refrescar-se com a euforia de dançar a

valsa com ele.

Jack a aproximou e a fez girar com a mão sobre suas costas, cálida através da

seda do vestido verde menta. Sua saia roçava suas calças negras e seus músculos

acariciavam brevemente os dele, se afastavam e voltavam a encontrar-se...

Jack sorriu levemente. A seguir começaram a dançar. A euforia surgiu, de

repente e Clarice custou a respirar e se sentiu aturdida mesmo com a concentração

de pares na pista, seus movimentos se viam limitados, pelo que os progressivos

giros não eram tão potentes. Ainda assim, seus sentidos se agitaram e suspirou

enquanto desfrutava da proximidade, da sutil e sensual empatia do baile.

Clarice deixou que tudo o mais desaparecesse, deixou seus olhos e sua mente se

centrassem unicamente nele, neles, e na atração que vibrava entre os dois. Cálida,

viva, estranhamente tranquilizadora. Reconfortante.

Jack estava com ela, estavam juntos e não importava nada mais.

A música parou. Clarice sufocou um suspiro quando ele a soltou e se viu

obrigada a regressar ao mundo, ao salão de baile de lady Courtland e a curiosa

multidão que ainda esperava para falar com ela.

Esboçando de novo seu sorriso friamente sereno e com Jack ao seu lado, deixou

que se lançassem sobre ela. Moira estava presente em algum lugar entre a

multidão, o que a fez sentir-se mais decidida a levar a velada como lady Cowper,

também presente, esperaria: com arrogancia e uma extrema segurança.

Estava conversando com lady Constable, a terceira dama que a abordou desde a

valsa, quando notou o revelador que esse baile devia ser. Os olhos de lady

Constable iam dela para Jack. Clarice não se fixara imediatamente na particular

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especulação da expressão da dama, nem tampouco na das outras duas com as

quais conversou antes, mas agora a viu e a compreendeu.

Seu ensaiado sorriso não titubeou nem um segundo, mas quando se livraram de

lady Constable e se encontrou passeando de novo de braço com Jack, o olhou nos

olhos.

— Não estou certa se essa dança foi prudente.

Qualquer suspeita de que essa não fora sua intenção, que não queria revelar de

propósito a natureza de sua amizade, ficou eliminada pela expressão de seus olhos,

dura e intransigente.

— Confie em mim. — Sua voz soou grave e sua dicção precisa. Corrigir essa

falsa idéia em particular era absolutamente necessário.

Soou mais que seguro... De fato, Clarice não pensou como interpretar seu tom,

mas antes que pudesse perguntar-lhe, ele acrescentou:

— Não posso ajudá-la com o resto, não ativamente, mas esse era um aspecto do

qual podia encarregar-me em pessoa. — Olhou-a nos olhos. — E creio que

descobrirá que não prejudicará o mínimo sua posição.

Ela contemplou seus cativantes olhos, percebeu sua satisfação e decidiu deixar

correr. Com um leve encolhimento de ombros, olhou a frente.

— Suponho que tem razão.

Tinha. Se havia algo que Jack poderia jurar era que a tratariam com muito mais

respeito se compreendessem como estava interessado por ela e profundamente

deslumbrado. O deslumbramento de um cavalheiro era uma segura medida do

poder de uma dama. Sua rendição, a admissão que estava aos seus pés, daria fé

do poder que Clarice ostentava de um modo mais convincente que qualquer outra

coisa.

Claro, essa não fora sua intenção em princípio, mas tampouco previra como se

desenvolveriam as coisas. Não obstante, se o fato dele demostrar sua submissão

facilitasse o caminho para Clarice, que assim fosse. Sentia-se curiosamente feliz.

Não importava o que ele desejava não podia acabar com os dragões de seu

passado por ela; como lady Osbaldestone assinalou tão sabiamente, isso era coisa

de Clarice e só de Clarice, mas podia aplainar-lhe o caminho.

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Satisfeito, observou o resultado de sua exibição pública. Um grande número de

fofoqueiros os olhava nesse momento com uns olhos quase lhes saindo das órbitas,

com a compreensão iluminando-lhes o olhar. No dia seguinte, o rumor mais

suculento diante das xícaras de chá da alta sociedade seria que lady Clarice

Altwood fizera, ao menos, uma notável conquista. Nada escandaloso, mas serviria

para acabar com qualquer idéia sobre estar condenada a morrer como uma velha

solteirona, que seus interesses e suas habilidades não incluiam caçar um marido e

formar uma família, ou em vista de quem era ela, formar uma dinastia.

Jack estava pensando alegremente nisso enquanto deixava grande parte do peso

da conversa a Clarice e ele se dedicava unicamente a observar as reações ao seu

redor, quando um cavalheiro bem vestido abriu espaço entre a multidão para

chegar até eles. O desconhecido esperou claramente impaciente, que a dama e o

cavalheiro que conversavam com Clarice saíssem e se adiantou para reclamar sua

atenção.

— Minha querida Clarice.

Ela hesitou durante um segundo antes de oferecer-lhe a mão com um gesto

regio.

— Emsworth.

O tom glacial de sua voz alertou Jack mesmo se não tivesse reconhecido o

nome, que aquele era o sem vergonha que lhe fizera tanto dano. Jack o observou

erguer-se de sua reverencia.

Clarice afastou a mão e assinalou Jack.

— Permita-me lhe apresentar lorde Warnefleet. O visconde Emsworth, milorde.

Pronunciou a última palavra de um modo sutil, mas provocativo. Jack apertou a

mão de Emsworth, que o olhou com desgosto apenas dissimulado.

Algo dos pensamentos de Jack se refletiu em seus olhos, porque os do visconde

se abriram muito e desviou a vista de imediato para dirigi-la a Clarice.

Sorriu num gesto rígido que revelava que não era alguém que sorrisse muito.

— Minha querida Clarice estou encantado de voltar a vê-la entre nós. Faça a

honra de conceder-me esta dança?

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Jack maldisse para si mesmo. Emsworth calculara bem seus movimentos, mas

quando a música se elevou sobre a multidão, se relaxou. Um cotilhão, não uma

valsa. Olhou para Clarice e quando percebeu que mentalmente encolhia os ombros,

se resignou a permitir-lhe dançar com o visconde.

— Como desejar — disse ela, dando-lhe a mão.

Talvez não fosse uma coisa ruim que a vissem relacionando-se educadamente

com ele.

Emsworth formava parte de um passado que já estava enterrado há muito

tempo. Descobriu que sentia muito pouco por ele, nem um verdadeiro enfado, só

um tenue desgosto porque desejara ocupar seu tempo. Mas seria amável e lhe

dedicaria os próximos minutos. Pensou que isso lhe serviria para enterrar

definitivamente essa parte de sua historia.

Ele a levou até a pista de baile e se incorporaram ao grupo mais próximo. A

música soou e se inclinaram e giraram. Todo o tempo, Emsworth tentou captar seu

olhar, mas Clarice se deleitou negando-lhe inclusive essa mínima atenção.

Recordava as figuras da complicada dança sem ter que pensá-las. Sorriu aos

outros dançarinos, satisfeita porque viram que dançava com Emsworth com toda

tranquilidade.

Quando a música acabou e se ergueu da última reverencia, ele lhe apertou a

mão com mais força.

— Minha querida Clarice, há um assunto do qual desejo falar com você,

relacionado com nosso passado em comum.

Ela o olhou aos olhos e tentou imaginar que assunto poderia ser.

Emsworth olhou ao seu redor, por cima das cabeças das pessoas.

— Vamos ao terraço. Ali poderemos falar.

Sem esperar um assentimento, a levou para as portas de cristal que se abriam a

um terraço tão longo como o salão de baile. Resignada, Clarice o seguiu. Nunca

gostara daquele homem, nem tampouco do modo como a tratava, mas queria ouvir

o que tinha a dizer. Talvez pudesse oferecer-lhe algo que pudesse ajudá-la a jogar

por terra os planos que Moira tinha contra Alton e Sarah, e isso, sem dúvida,

valeria alguns minutos mais de seu tempo.

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Quando chegaram as portas do terraço, Emsworth a fez sair. Justo antes de

cruzar o umbral, Clarice olhou atrás e viu a cabeça de Jack que se movia decidido

entre a multidão para eles. Essa imagem a tranquilizou. Ao menos isso podia

reconhecer a si mesma.

Uma vez fora, Emsworth voltou a olhar ao seu redor. Pegou-a pelo cotovelo e a

urgiu a afastar-se do grupo de convidados que conversavam junto às portas.

Avançaram até onde as sombras das árvores próximas oscilavam sobre as telhas e

ninguém podia ouvi-los.

Então a soltou, e com as mãos nas costas adotou uma pose que Clarice supôs

que significava estar a ponto de fazer alguma puritana declaração enquanto fingia

contemplar os escuros jardins.

Uma parte dela esperou que dissesse algo depreciativo sobre seu

comportamento com Jack e sua valsa desnecessariamente íntima...

— Sinto-me muito feliz de vê-la de volta na cidade, querida. Pagou um preço por

seu temerario comportamento ao recusar-me. É evidente que às anfitriãs importa

acreditar que esse incidente pode considerar-se esquecido.

Fixara-se no apoio que as tias de Jack e lady Osbaldestone lhe estavam dando.

Bem...

— Claro, a questão continua sendo que nunca poderá abrigar a esperança de

contrair um matrimonio adequado, ainda que seja evidente que se... perdeu os

prazeres do leito conjugal. Se fosse possível, eu estaria disposto a renovar minha

anterior oferta. Como agora estou casado — virou-se e se encontrou com o

perplexo olhar de Clarice, — sugiro que o melhor seria que se convertesse em

minha amante. Disponho de uns ingressos razoáveis e verá que sou generoso. —

Deteve-se e, com a cabeça alta, voltou a olhá-la. — Se aceitar minha oferta,

estará a salvo de homens como Warnefleet e os de sua classe.

Clarice submeteu sua expressão ao mais severo controle no instante em que

compreendeu para onde se dirigia, mas nesse momento deixou que um absoluto

desprezo ardesse em seus olhos, que a furia atingisse seu semblante.

Avançou para ele, fazendo-o retroceder até a balaustrada.

— É repugnante, Emsworth. Apesar dos prazeres que possa ter perdido, não

acederia em ser nada sua ainda que fosse o último homem sobre a terra.

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Ele abriu desmesuradamente os olhos e se inclinou para trás, tentando afastar-

se de sua fúria. Antes que pudesse reagir, Clarice levantou com rapidez o joelho.

Os olhos de Emsworth piscaram e seus lábios se retorceram em uma careta de dor.

Ela retrocedeu, observou como se amontoava de joelhos e, fingindo estender o

braço para ajudá-lo solicitamente, lhe deu um chute enquanto o via dobrar-se em

dois aos seus pés.

Justo nesse momento sentiu que havia alguém as suas costas e olhou por cima

do ombro.

Encontrou-se com Jack com expressão séria, mas observando com grande

satisfação como Emsworth se desmanchava no solo.

—Parece que o visconde está indisposto — disse Clarice, olhando a Jack, que

esboçou um fugaz sorriso, pegou-a e a afastou para um lado.

— Parece, a má saude e a má sorte perseguem a sua família.

Manteve as mãos sobre os ombros dela com gesto tranquilizador. Entre os dois,

ocultavam em grande medida a Emsworth diante dos demais convidados presentes

no terraço, e continuou:

— Sua primeira esposa, por exemplo, morreu ao cair pela escada de sua casa.

Os serventes não têm nem idéia de como pode acontecer semelhante coisa. E sua

segunda esposa sempre se sente tão mal que não sai de seu quarto durante dias.

Alguma enfermidade inexplicável lhe deixa contusões em todo o corpo.

Inclinou-se então sobre o homem. Abaixou a voz e adotou um tom duro.

— Uma advertencia, Emsworth. Se não quiser que eu e os de minha classe lhe

inflijamos o castigo que tanto merece, seria conveniente que não voltasse a

aparecer por Londres nem por nenhuma outra parte entre a alta sociedade.

O visconde tremia e lhe escorria o nariz, mantinha a boca aberta enquanto se

esforçava por respirar. Jack olhou seus dilatados olhos.

— Confio que tenha ficado claro.

O outro o olhou a cara e a pouca cor que lhe ficava na sua desapareceu.

Jack esboçou um sorriso nada cordial. Ergueu-se e pegou Clarice pelo braço.

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— Vamos, devemos regressar ao salão de baile. Podemos enviar dois serventes

para que o ajudem a chegar a sua carruagem.

Clarice olhou a Emsworth, que quase choramingava incapaz de respirar ainda

com normalidade. Satisfeita, deixou que Jack a levasse de volta ao salão de baile.

— Sempre quis fazer isso e ver se realmente funcionava.

Ele a olhou.

— Funciona. E como é alta, funciona muito bem.

— Hum.

Clarice ficou a margem e deixou que Jack arrumasse tudo para que dois

serventes levassem Emsworth a sua carruagem rodeando a casa. Sua falsa historia

sobre a aparente indisposição repentina do visconde, funcionou, mas muitos o

tinham visto dançar con Clarice, sair juntos ao terraço e o subsequente regresso

dela relaxada, no braço de lorde Warnefleet. Muitos esperavam que Emsworth

regressasse ao salão de baile e, quando não o fez, as especulações não se fizeram

esperar.

Em sua missão de desviar a atenção da sociedade das acusações contra James,

Clarice, com o apoio de Jack, estava tendo um grande êxito.

Os dois passaram a seguinte meia hora andando entre os agora intrigados

convidados e logo saíram deixando todas as ávidas perguntas sem responder.

Quando se acomodaram na carruagem, Clarice sorriu entre as sombras. Nunca

antes havia permitido que ninguém a ajudasse a enfrentar um problema como o de

Emsworth.

Pensou que compartilhar semelhante tarefa com Jack era estranhamente

correto. Algo mais que havia mudado nela.

Olhou-o sentado ao seu lado, relaxado e seguro. Pensou como soube sobre

Emsworth, como soube que houve algo entre os dois. Tivera que perguntar, porque

não esteve em Londres nos últimos treze anos. Olhando a frente, franziu o cenho.

Tinha certeza que ela não mencionara nada sobre o visconde. Então, como...?

James? Conhecia a opinião de seu primo sobre Emsworth e esse episódio em sua

vida.

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Se Jack lhe tivesse perguntado, ele o teria contado. O que significava que Jack

havia perguntado. E não só estivera bastante interessado para perguntar, mas

havia lhe importado o suficiente para investigar.

Através das sombras que oscilavam enquanto avançavam pelas ruas, estudou

seu perfil. Finalmente sorriu, olhou a frente e pensou no que viria a seguir, em

como passariam o resto da noite na suíte do Benedict’s.

***

— Estou totalmente certo que minha informação é correta.

O diácono Humphries quase fulminou Jack com o olhar, sentado ao outro lado da

estreita mesa.

O estudo ao bom homem. A descrição da velha fora muito acertada. Sua boca

era quase feminina e quando franzia os lábios, como tinha tendência a fazer, o

efeito era realmente o de beicinho de uma mulher.

Era meio dia. O diácono havia resistido em falar com eles tudo o que lhe fora

possível, mas finalmente cedeu ao desejo do bispo e se reuniu com Jack, Clarice e

Olsen em um escritório similar a uma cela, nas entranhas do palacio.

— Diácono Humphries, nós compreendemos que você crê que sua informação é

a certa, mas o fato de simplesmente afirmá-lo não constitue uma prova.

De onde se encontrava, de pé junto à janela, Clarice se voltou para enfrentar-se

a ele. Todos se sentaram ao redor da mesa, mas ela parecia demasiado nervosa

para ficar quieta e levantou-se de seu lugar ao lado de Jack. Começara a andar,

para grande desgosto de Humphries. Quando este ergueu a vista para ela, sua

puritana aversão a ser repreendido por uma mulher se refletiu claramente em seu

rosto.

— Apresentarei minhas provas ao bispo no seu devido tempo.

Antes que Clarice pudesse pronunciar a fulminante réplica que estava se

formando em seus lábios, Jack interveio:

— Como já ouviu, com o fim de se administrar uma justiça rápida mais segura, o

bispo em pessoa deseja que nos explique os detalhes do caso. Whitehall também

quer saber especificamente quais provas tem além das declarações das

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testemunhas que mencionou; que você acredita que demonstrem

concludentemente que James Altwood infiltrou segredos ao inimigo.

Humphries cravou a vista no rosto de Jack, tentando claramente ignorar Clarice.

De novo, ele se sentiu agradecido por sua presença, que distraia a atenção e que

de certo modo resultava esmagadora. Era raro que aqueles aos quais interrogava o

considerassem a parte mais suave. Humphries o submeteu a um cuidadoso

escrutínio.

— Entendi que conhece ao reverendo Altwood de muito tempo.

Ele inclinou a cabeça. Antes que pudesse responder ao tácito desafio, Clarice se

adiantou:

— Se Whitehall, consciente da relação de Warnefleet com James, considera

oportuno por em suas mãos os interesses do governo, então creio que ninguém

pode questionar sua lealdade. — Seu tom indicou que dava o assunto por resolvido.

O diácono apertou os lábios e, sem olhá-la, inclinou a cabeça em sua direção.

Logo, dirigindo-se a Jack, disse:

— A historia que contam as testemunhas concorda. Se unirmos tudo o que

dizem, pintam uma imagem convincente dos encontros de Altwood com o

mensageiro.

Jack considerou quanto devia revelar-lhe. Para ser justo com Humphries, se

sentiu obrigado a replicar:

— Recebi provas que muitas das suas testemunhas não são confiáveis. Há

outros, mais críveis, que estão dispostos a jurar que James Altwood nunca pisou

nessas tabernas. Por último, parece provável que consigamos obter provas

irrefutáveis que nessas datas, nas horas especificadas, ele estava em outra parte.

Humphries sorriu. Sua expressão demonstrava bem as claras que não dava

nenhum crédito a essas afirmações.

Jack continuou imperturbável:

— Independentemente de tudo isso, as acusações devem basear-se não nas

provas dos encontros, que podemser circunstanciais, mas em provas dos segredos

que se infiltraram realmente. A pergunta que Whitehall me pede que lhe faça é:

quais são essas provas? — Olhou a pilha de papeis que Olsen havia deixado sobre a

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mesa. — Até o momento, você não apresentou nenhum dado mais além de sua

afirmação que as tais provas existem.

Humphries não gostou que o pressionassem. Seu estreito queixo se endureceu e

apertou as mãos diante dele sobre a mesa com mais firmeza.

— Minhas provas sobre os segredos infiltrados procedem da única pessoa fiável

que poderia apontá-las, a pessoa a quem Altwood infiltrou os segredos.

— E essa pessoa é?

O diácono voltou a apertar os lábios.

— Não estou disposto a divulgar sua identidade antes das vistas. Não obstante,

como é Whitehall quem o pede, lhe direi que a informação infiltrada incluia a

disposição e o número de efetivos de nossas forças antes do assédio a Badajoz, ou

mesmo antes da batalha de La Coruña e, mais recentemente, os detalhes do

desenvolvimento para a Bélgica umas semanas antes de Waterloo.

Jack se manteve inexpressivo e desviou brevemente a vista para Clarice para

adverti-la que guardasse silêncio. Ainda que duas das batalhas fossem ganhas, os

três enfrentamentos citados deram lugar a grandes perdas. Como estudioso de

assuntos militares, Humphries saberia isso melhor que a maioria.

— E nos três encontros que você mencionou o que se infiltrou?

Supunha-se que esses encontros se produziram nos primeros meses de 1815.

O homem hesitou antes de responder:

— Nesses encontros, Altwood infiltrou informação dos detalhes da

desmobilização, dos efetivos de nossas tropas que se deixaram de guarda, nossa

capacidade para voltar a mobilizar-nos e a ordem de fazê-lo. Essa informação foi

vital para planejar o regresso de Napoleão.

Jack inclinou a cabeça.

— Viu por si mesmo alguma prova que ele entregasse isso a esse mensageiro?

Listas em mãos de Altwood, mapas?

Humphries fez um beicinho.

— Eu não as vi, mas me assegurou que existem. O mensageiro tem copias.

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— Copias. — Jack guardou silencio. — Não os originais?

— Teve que entregá-los aos seus superiores.

Clarice não pode se conter.

— Que sorte.

Humphries franziu o cenho, mas se negou a olhá-la.

Jack voltou a pressioná-lo para que lhe desse o nome do mensageiro, mas o

diácono se manteve firme e pôs fim a entrevista antes que Clarice usasse sua

língua para esfolá-lo. A reunião finalizou e Humphries saiu.

Após confirmar a Olsen sobre as provas contraditórias serem certas e pedir-lhe

que sublinhasse a Humphries que esse era realmente o caso, Clarice e ele sairam

do palacio.

Quando avançavam pelo caminho, Jack olhou atrás, para o imponente edificio.

— Acredita sinceramente que está fazendo o correto, que o chamaram a segurar

a espada da justicia.

Ela resmungou.

— Deve recordar que a justiça também leva uma balança e por que. — Ao final

de um momento, acrescentou: — E que é uma mulher.

Jack sorriu, mas o gesto desapareceu enquanto caminhavam.

— Quem quer que tenha urdido isto, seja ou não o traidor de Dalziel, tem bem

preso a Humphries. Empurrado pelos ciúmes que sente por James e com o plausível

que deve parecer-lhe as provas, ficou no chão. Agora, mesmo que as joguemos por

terra, não vai ceder, ao menos não antes das vistas no tribunal do bispo.

Clarice o olhou.

— Copiamos suficientes dados para então?

Olsen lhes dissera que o bispo, ansioso por acabar com aquele assunto o quanto

antes, fixara as vistas para o final em cinco dias.

Jack fez uma careta.

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—Não será fácil, mas sim possível. — Chegaram à cerca e pararam. — Devo

regressar ao clube e reunir-me com os outros. Temos que pensar na ordem de

nosso ataque.

Clarice ocultou um sorriso diante das palavras que havia usado e a expressão

distante em seus olhos. Jack voltou a centrar o olhar nela, que sentiu acelerar-lhe o

coração, mas em seguida voltou a recuperar seu ritmo normal e confiável. Fez-lhe

uma leve careta.

— Tenho que assistir a um montão de chás. Suas tias me fizeram prometer.

Será espantoso, mas provavelmente seja necessário. — Encolheu os ombros. —

Temos que deixar claro a todos que voltei incluindo a Moira. Esperam-na em duas

das reuniões para tomar o chá.

Jack sorriu, pegou-lhe a mão, a levou aos lábios e beijou-a.

— Desculparei você diante de sua madrasta em qualquer batalha.

Clarice riu. Um coche de aluguel se aproximou. Jack o deteve e a ajudou a subir

e indicou ao cocheiro que a levasse ao Benedict’s. Recostada no assento, ela

observou como passavam os postes da ponte Lambeth pela janela. Ao imaginar a

tarde que a esperava, cheia de encontros sociais, desejou poder ficar com Jack.

Preferia estar com ele a qualquer outra pessoa.

***

Durante os três dias seguintes, Jack, Deverell, Christian e Tristan trabalharam

sem descanso para rebater as acusações de Humphries. Primeiro tomaram

declaração jurada, em presença de Jack e de um dos outros, a três testemunhas de

cada uma das tabernas citadas: ao camareiro e a dois clientes assíduos

reconhecidos como quase parte do mobiliário em cada caso. Todos juraram nunca

terem visto no estabelecimento a um clérigo. Nas datas dos supostos encontros e

nas horas destes, estavam presentes e teriam visto James se este estivesse ali.

Feito isso, os quatro membros do clube centraram seus dotes de persuasão nas

testemunhas de menos confiança que, em troca de dinheiro, haviam acedido a

jurar que James Altwood havia estado presente nesses três mesmos encontros.

Diante das declarações juradas dos demais, sobretudo as dos camareiros, e após

assegurar-lhes que os desculparia de ter que aparecer diante de algum tribunal se

decidissem dizer a verdade, todos se retrataram. E firmaram declarações a esse

efeito.

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Jack e seus três colegas estavam celebrando seu êxito na biblioteca do clube

quando chegou Alton. Gasthorpe o acompanhou acima. O homem olhou intrigado

ao seu redor e os informou que seus irmãos e ele identificaram ao menos um

acontecimento social ao qual James havia assistido durante a noite de cada

encontro e, além disso, localizaram as damas com diários, que poderiam dar fé que

havia estado presente nos três acontecimentos.

— Em vista das horas — Alton entregou sua lista a Jack, — é difícil que James

pudesse estar jantando com estas pessoas e ao mesmo tempo em alguma taberna

em Southwark.

Convidaram Alton a que se unisse a celebração.

Dez minutos mais tarde, Gasthorpe chamou Jack. Havia chegado um mensageiro

de Whitehall. Ele desceu, pegou o pacote, leu rapidamente as folhas de papel que

continha e, sorrindo, regressou a biblioteca.

Fechou a porta e agitou as folhas.

— E aqui temos a ponta final. Estamos preparados para acabar com as

acusações.

— O que é? — perguntou Alton.

Os outros pareciam perguntar-se o mesmo.

Jack voltou a sentar-se.

— Quando o interrogamos, conseguimos tirar a Humphries informação específica

que o mensageiro disse sobre James ter infiltrado nesses três encontros. Na maior

parte, o número de efetivos e as táticas de desenvolvimento, James a sabia, são

precisamente as coisas que investiga. Sem dúvida, havia um dado que não podia

imaginar que James soubesse, nem que se aborreceria em averiguar,

concretamente os detalhes da desmobilização. Como estratégia militar, está

interessado nas batalhas e nos preparativos destas. O que sucede depois não tem

nenhum interesse para ele. Por que investigaria então os detalhes da

desmobilização?

Christian sorriu.

— Devemos entender então que essas folhas demonstram que não o fez?

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— Exato. — Jack sorriu com alegría aos papeis que segurava na mão. — Enviei a

esse amigo nosso de Whitehall uma lista de todo o pessoal militar ao qual James

entrevistara entre a queda de Toulouse e Waterloo, e este é o resultado.

Declarações de todos os entrevistados afirmando que suas conversas com Altwood

não tocaram em nenhum momento no assunto da desmobilização, e declarações do

pessoal do Ministerio da Guerra e do quartel general do exército que organizaram a

desmobilização afirmando que em nenhum momento tiveram nenhum contato com

James Altwood.

Deverell sorriu e ergueu o copo.

— Esse amigo nosso sempre é infalível.

A celebração se prolongou durante meia hora mais, logo, todos recordaram que

estavam em plena temporada e que tinham acontecimentos sociais aos quais

assistirem mesmo de má vontade.

Alton saiu com os olhos brilhantes, depois de dizer a Jack que se veriam mais

tarde. Após fechar a porta principal, Jack sorriu. Alton não era bobo; compreendera

o suficiente de suas referencias para fazer uma imagem mais completa e precisa

dele. A preocupação fraternal que havia despertado no marquês de Melton havia

desaparecido.

Um obstáculo a menos em seu caminho.

Sorrindo para si, agradecido por seu dia e com vontade de desfrutar da noite,

das ávidas perguntas de Clarice e de sua provável reação diante de tantas

conquistas, subiu a escada para arrumar-se.

***

— Querida, não se fala de outra coisa que o teu regresso! — Lady Swanley sorriu

a Clarice. — Sinto-me muito feliz por Emily convencer você e lorde Warnefleet para

virem esta noite.

Ela sorriu e confiante e tranquila se acomodou no divã junto à anciã. Lady

Swanley, uma amiga da infancia da mãe de Clarice, era uma mulher que nunca lhe

havia desejado nenhum mal. E era agradável poder desfrutar de sua companhia de

novo, relaxar-se com pessoas contra as quais não necessitava controlar nem

proteger-se delas.

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Reunidos a mesa de lady Swanley, Clarice havia jantado com um seleto grupo de

convidados. Logo, elas se retiraram e deixaram os cavalheiros com seu porto.

As damas, que iam desde a avançada idade da anfitriã até os dezesete anos de

sua neta, se acomodaram nos divãs e poltronas em cômodos grupos para desfrutar

de sua ocupação favorita: comentar tudo o que viram ou ouviram nesse dia.

Relaxada, Clarice respondeu sem problemas as perguntas e comentarios sobre si

mesma e a vida no campo; os romances de seus irmãos — romances que a alta

sociedade estava começando a notar que estavam se desenvolvendo diante de seus

narizes — e contestou com mais cuidado as perguntas referentes ao seu regresso a

Londres e os ajustes que se derivariam dele, concretamente a posição de Moira.

— Porque a ninguém cabe a menor dúvida que não terá êxito, querida, e que

fará tudo o que estiver em sua mão para prejudicá-la. — Lady Swanley assentiu. —

Sempre foi uma mulher frívola e exigente. Acreditou que ao casar-se com seu pai

ganharia o status que desejava e assim teria sido se tivesse se comportado como é

devido.

— Se tivesse algum juízo comum, quer dizer. — Henrietta Standish soltou um

bufo e olhou Clarice aos olhos. — A idéia de Moira de comportar-se de um modo

apropriado para uma marquesa é exigir a gritos as devidas honras. — A mulher

bufou. — Nunca lhe ocorreu pensar que é preciso ganhar o respeito e que o

verdadeiro status se concede. Nenhuma das duas coisas se consegue dando uma

patada no solo e insistindo.

Cada noite, enquanto se movia entre a alta sociedade, com as tias de Jack e lady

Osbaldestone apoiando-a pouco a pouco, passo a passo, reclamando o

reconhecimento de sua posição, Clarice se inteirava de mais e mais delitos de

Moira. Cada vez ia descobrindo mais como sua madrasta estava perto de ser

considerada persona non grata. Havia momentos nos quais quase sentia pena ou

ao menos se preocupava por ela, mas logo recordava suas ameaças sobre Alton e o

que fizera a Roger e a Alice, e desejava umas emoções tão brandas como

injustificadas.

Todas as noites, com Jack ao seu lado continuavam fazendo malabarismos ao

analisar as reações que tinham provocado na refinada atmosfera dos salões e

festas. Sua reaparição estava atraindo mais a atenção do que haviam esperado. A

maioria morria de curiosidade e desejava descobrir o motivo de seu regresso. Para

isso, a vigiavam de perto em busca de algum indício.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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Os romances de seus irmãos também despertavam interesse, mas não eram

observados com tanta atenção. Poucos notaram que eram sérios.

Uma vez que se fizeram públicos os compromissos, a maioria supunha que suas

iminentes nupcias eram a causa do regresso dela.

Em comparação, o rumor sobre James, um sussurro que conseguiram pintar

como algo demasiado perigoso para elevá-lo a categoría de fofóca com todas as da

lei, foi se apagando, quase desaparecendo. A semente ainda estava plantada nas

mentes de alguns, mas ninguém sentia a necessidade de alimentá-lo, não com

tantas outras coisas sobre as quais falarem e não com o ramo superior da familia

Altwood tão em foco.

Mais tarde, quando os cavalheiros regressaram ao salão de lady Swanley e Jack

e ela deram a volta de rigor e dirigiram-se ao próximo compromisso de sua agenda,

um baile organizado por uma das primas de Clarice, Helen Albemarle.

— Acho bem estranho — disse Clarice, recostando-se no assento da carruagem

— que a família, inclusive com os quais tive pouco contato durante estes anos,

como Helen, pareçam tão dispostos a dar-me as boas vindas de novo. —

Contemplou as fachadas que passavam diante da janela. — Não pensei que me

aceitariam com tanta facilidade.

Estava refletindo em voz alta, algo que estava se convertendo em um hábito

quando só Jack podia escutar. Para sua surpresa, a mão dele se fechou com mais

firmeza ao redor da sua.

— Anthony me disse que a maior parte da família; sobretudo as gerações mais

jovens, não a viam como você parecia esperar.

Quando Clarice se voltou para olhá-lo fixamente, ele sorriu diante de seu

assombro.

— Não imaginou seriamente que eu viria sem saber ao que nos enfrentaríamos?

Visto assim... Clarice inclinou a cabeça admitindo que, conhecendo-o como o

conhecia agora, essa fora uma idéia estúpida. Jack havia perguntado e pensou em

perguntar a Anthony antes de partir. Estava pensando nela, ao que se enfrentaria e

pensando como protegê-la então.

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Olhando a frente, deixou a mão apoiada na dele, notou a força de seus dedos

rodeando seus ossos, mais finos, e sentiu... Não estava certa do que foi que sentiu

só que era algo novo e de algum modo valioso.

Não tinha tempo para preocupar-se por ele, não então. A carruagem se deteve

diante de outra escada em outra elegante casa. Desceram sob um toldo e

percorreram o estreito tapete vermelho estendido para dar as boas vindas aos

convidados de sua prima. Quando chegaram ao salão de baile, Helen se aproximou

para saudá-los.

— Estou contente que pode vir e que esteja de volta conosco, me refiro à alta

sociedade.

Helen esboçou um amplo sorriso e a abraçou, voltando-se para saudar Jack.

Clarice o apresentou.

Sua prima começou a falar a uma velocidade vertiginosa. Continuava aquela

mulher faladeira, bem intencionada e eternamente de bom humor que Clarice

recordava. Foi fácil se conectar, como se só estivessem sete semanas sem ver-se

em lugar de sete anos.

Helen chamou a sua filha para se aproximar e lhes apresentou a jovenzinha que

acabava de ser introduzida na sociedade.

Clarice lhe estendeu a mão, lhe dedicou um tranquilizador sorriso e se

surpreendeu quando a jovem lhe fez uma profunda e muito correta reverência.

Dirigiu um rápido olhar a Helen e a viu sorrir com maternal orgulho. Clarice se

recuperou em seguida e concedeu à jovenzinha sua mais regia e formal aprovação,

a benção social da mulher mais influente da familia.

Isso era o que estiveram esperando Helen e sua filha, e as duas sorriram

encantadas. Clarice tomou o braço de Jack, se despediu e se afastou. Quando o

olhou, captou o divertido brilho de seus olhos, mas duvidava que, sendo homem,

tivesse interpretado corretamente aquela troca.

Helen lhe havia sussurrado que Moira estava ali e Clarice só esperava que não

tivesse visto esse momento. Se o tivesse feito, estaria lívida.

Ela aceitara que para ajudar não só James, mas também aos seus irmãos tinha

que reclamar seu lugar na sociedade. Não percebera em principio que, ao fazê-lo,

rebaixaria a precaria posição pela qual Moira havia lutado tanto.

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A causa de suas próprias ações, devido a sua atitude, sua madrasta nunca

poderia obter o respeito que Clarice parecia infundir, cada vez mais.

A julgar pelo comportamento de Helen, tinham lhe devolvido, não só por parte

da alta sociedade, mas também dentro da familia, todas as honras que por direito

pertenciam a filha do marquês de Melton. Inspirou fundo.

Jack a olhou e Clarice buscou seu olhar.

— Não havia pensado que seria tão fácil. Nem tão rápido.

Ele sorriu e lhe apertou levemente os dedos que descansavam sobre sua manga,

logo a levou através da multidão para o lugar de onde os chamava imperiosamente

lady Davenport, sentada com outras duas damas de avançada idade em um divã.

Clarice as reconheceu e, quando Jack e ela chegaram ao seu lado, já se

preparara metafóricamente para a batalha. Quando, após saudar lady Davenport,

se voltou e fez uma reverencia a suas tias paternas, as irmãs de seu pai, que o

haviam apoiado até o último momento quando a desterrou, não deixou ver nem

rastro de seus sentimentos.

Constance, condessa de Camleigh, a olhou de cima abaixo com expressão fria e

altiva, sem revelar nada, logo ergueu a vista até os olhos de sua sobrinha.

— Não posso dizer que cresceu, pois sempre foi muito alta, mas... — Com um

esforço, lhe estendeu ambas as mãos. — Bem vinda de novo, querida.

Surpresa, Clarice tomou as ossudas mãos entre as suas e, levemente perplexa,

cedeu ao puxão e se inclinou para beijar o rosto de sua imponente, e até esse

momento, extremamente crítica, tia.

Constance o percebeu e bufou quando ela se ergueu.

— Em seu momento, pensei que Marcus tinha razão, mas depois, sobretudo

após o que sucedeu a essa pobrezinha com a qual Emsworth se casou, e quanto

mais via de Moira... Bem, cheguei a pensar que talvez você agiu do melhor modo

possível.

— Claro. — Mais nervosa que sua dominante irmã, mas igualmente orgulhosa,

Catherine, lady Bentwood, assentiu com decisão. — E dizem que a segunda esposa

de Emsworth está sendo pior. Seria horroroso se tivesse casado com você.

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Clarice agradeceu não ter que responder. Jack e ela ficaram com elas dez

minutos. Suas duas tias estavam sumamente interessadas em conhecê-lo e em

averiguar o máximo possível sobre ele. Quando Jack alcançou o limite do que

considerou apropriado divulgar, Clarice interferiu e os desculpou.

Constance fez um gesto desdenhoso, mas os deixou ir. Clarice não necessitava

olhar ao seu redor para saber que todos os presentes no salão de baile

compreendiam que fora aceita de novo.

Quando ergueu o olhar, viu que Jack se esforçava por reprimir um sorriso.

— O que?

Ele a olhou nos olhos e deixou que o sorriso, um perigoso sorriso, assomasse

fugazmente.

— Por que tenho a forte sensação que se Emsworth tivesse se casado com você

teria sido ele quem teria caido pela escada?

Clarice lhe respondeu com um sorriso similar ao seu. Olhou a frente e se

encontrou diretamente com os cintilantes e furiosos olhos de Moira, graças a Deus

a uma distancia segura. Sua madrasta estava de pé, com os punhos apertados nas

costas, quase tremendo de raiva. Sua filha, Mildred, ao seu lado, também

fulminava Clarice com o olhar.

Ela enfrentou sua fúria, inclinou a cabeça com frieza para elas e deixou que Jack

a guiasse entre a multidão.

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Capítulo 18

Ficaram em casa de Helen mais de uma hora. Clarice viu Moira em varias

ocasiões, mas cada vez que a olhava, sua madrasta se afastava em direção

contraria.

Finalmente, encolheu os ombros para si e, a partir desse momento, ignorou-a e

se dedicou a refrescar a memoria com diversos membros de sua ampla e numerosa

familia.

Em diversas ocasiões lhe pediram conselho. Alguns inclusive lhe perguntaram

sua opinião sobre a idoneidade de determinados pretendentes para suas filhas e

filhos. Clarice não notou ironia, nem tampouco Jack. Ambos intercambiaram um

revelador olhar, mas conseguiram permanecer serios. Seja como for, nada poderia

ter deixado mais claro que sua familia a considerava sua matriarca de fato, diante

de Moira.

Mais tarde, percorreram a curta distancia que os separava de seu último

compromisso da noitada em casa de lady Carraway, onde a festa estava em pleno

apogeu. A anfitriã, uma dama elegante e com ótimos contatos, lhes deu as boas

vindas e comentou maliciosamente que Clarice encontraria muitos velhos amigos

entre a multidão de convidados, que eram um pouco diferentes aos dos eventos

anteriores.

Os assistentes eram quase da mesma idade de Jack e Clarice. Portanto, a

maioria das damas estava casada e muitos dos cavalheiros também. Ainda que

esses votos maritais não parecessem pesar muito na mente da maioría deles, ao

menos não no que se referia à diversão do momento.

Clarice captou o ambiente com uns rápidos olhares e uns poucos breves

intercambios. Era certo que havia muitos convidados que ela recordava dos velhos

tempos. Ao observar uma dama que se apresentara em sociedade na mesma época

que ela flertando descaradamente com um cavalheiro enquanto a esposa dele, ao

seu lado, lhe fazia olhinhos de um reconhecido playboy, Clarice sentiu um vago

cansaço, um desejo que Jack e ela se limitassem a regressar ao Benedict’s.

Mas lady Osbaldestone e lady Davenport insistiram que deixasse sua marca

inclusive nessa esfera e, rendendo-se a sua maior sabedoria, se agarrou na manga

de Jack e avançou.

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Ele a guiou através do gentio enquanto ocultava sua reação com sua habitual e

despreocupada cordialidade. Clarice mencionoua que suas mentoras recomendaram

encarecidamente para assistirem a essa festa; mas Jack suspeitava que não

tivessem gostado da valsa que os dois dançaram três dias antes.

Desde então, a atitude de certos homens para Clarice tinha mudado, havia se

alterado. Prova disso era a proposta de Emsworth. Ainda que duvidasse seriamente

que outros fossem cometer um erro tão crasso. Tinha se assegurado que o relato

do incidente com o visconde, com todo luxo de detalhes, circulasse discretamente

pelos clubes, porque, ao seu parecer, o interesse por Clarice entre os cavalheiros

aumentara até um nivel perigoso.

Quando procurou destacar o sensual e atraente de Clarice diante das

fofoqueiras, não pensou que estas tinham filhos e sobrinhos e que muitos deles

estavam sempre ao acesso, em busca de damas que transmitissem uma deliciosa

promessa.

Ainda assim não se arrependia da valsa nem por um momento. Quanto ao mais,

se asseguraria de estar sempre ao seu lado. Conseguiu cumprir esse objetivo, mas

a noite se tornou sufocante e o salão de baile estava cada vez mais abarrotado.

Apesar de sua pose erguida, notava que Clarice estava esgotada. Foi o centro de

todos os olhares durante toda a velada e ainda o seguia sendo em grande medida.

— Há um terraço atrás dessas portas de cristal. — Voltou-se para que pudesse

ver as portas as quais se referia. — Vamos sair e tomar um pouco de ar.

Ela assentiu.

— Uma idéia excelente.

Avançaram decididos pelo salão até chegar às portas. Quando abriu uma, Jack

viu um servente que entrava no salão com uma bandeja de copos altos.

— Vai você — disse a Clarice. — Eu vou procurar um refresco.

Ela assentiu e saiu. Jack deixou que as finas cortinas caissem sobre a porta

aberta e se aproximou do servente.

Clarice saiu ao terraço; o ar fresco da noite a envolveu e soltou um suspiro de

alivio. Nascera e se criara entre a alta sociedade e tinha uma ampla experiencia em

acontecimentos desse tipo; ainda que pudesse aparecer nesses encontros com

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facilidade, quase sem pensar, não a fascinavam nem captavam sua atenção. Sabia

que a vida era algo mais que bailes e festas.

Apesar de voltar a ser bem recebida entre os seus e de ter recuperado

totalmente seu lugar, estava sendo difícil fingir que essas coisas lhe importavam.

Agarrou-se a balaustrada, contemplou a aveludada escuridão da noite e pensou que

mudara. A alta sociedade não, isso era certo.

— Minha querida Clarice.

Piscou surpresa. Demorou um momento identificar essa voz que falava

arrastando as palavras. Devagar, virou-se e contemplou o elegante cavalheiro que

saíra do salão de baile para aproximar-se dela. Seus aristocráticos traços

mostravam claros sinais de uma vida dissoluta e do passar dos anos.

— Boa noite, Warwick. — Seu tom, frio e sem emoção, tão desinteressado como

ela se sentia, a agradou. — O que está fazendo aquí?

Ele lhe segurou o olhar e percorreu descaradamente suas curvas, essa noite

realçadas por um vestido de tecido cor violeta.

Clarice deu graças por não ter usado o de seda de cor ameixa.

— Pensei querida, se, após suportar sete anos de purgatorio, talvez considerasse

as vantagens de...

Interrompeu-se ao ouvir uns passos que se aproximavam. Os dois se voltaram e

Clarice sorriu quando viu Jack com dois copos de champanhe. Pegou o que lhe

oferecia e com ele assinalou a Warwick.

— Lorde Warnefleet, permita-me apresentar-lhe ao honorável Jonathon Warwick.

Jack piscou levemente, sem embargo, seu encantador e despreocupado sorriso

não titubeou. Clarice o conhecia o bastante bem para desconfiar por completo dele.

Mas Warwick não, e lhe devolveu o sorriso com um parecido ao de um lobo que

esperasse para devorar sua parte da presa.

— Warnefleet. — Estendeu-lhe a mão.

O olhar de Jack desceu até a mão do homem antes de voltar-se para Clarice.

— Segure-me isto, quer?

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Confusa, ela pegou o copo. Jack se voltou então para Warwick e lhe deu um

tremendo soco na mandíbula. Clarice piscou. Warwick cambaleou para trás e caiu.

Perplexo, desconcertado, ficou olhando Jack, que, com um leve encolhimento de

ombros, arrumou a jaqueta, arrumou as mangas e recuperou o copo das mãos de

Clarice.

— Obrigado.

Ergueu seu copo para Warwick.

— Encantado de conhecê-lo — disse e bebeu.

Totalmente desconcertado, o outro ficou estendido no chão.

— A que veio isso?

Jack sorriu; essa vez um sorriso sincero.

— Isso foi por antigos feitos. Isso ou algo pior é o que lhe teria acontecido se na

última vez eu estivesse presente. Isto ou algo pior é o que lhe sucederá no futuro

se for tão imprudente para voltar a aproximar-se de lady Clarice. — Seu sorriso se

alargou. — Porque agora sim estou presente.

Bebeu outro gole de champanhe, contemplou a Warwick e lhe perguntou

tranquilamente.

— Ficou claro?

A olhada do homem ficou beligerante, mas captou o suficiente no tom de Jack

para que o observasse com maior atenção. Após observar seus olhos durante um

momento, empalideceu e abandonou qualquer rastro de agressividade.

— Claro. — Apertou os lábios e lançou um breve olhar a Clarice. A seguir se

levantou com certa dificuldade e parou um instante, como se esperasse que o

mundo deixasse de girar. A seguir, inclinou levemente a cabeça. — Se me

desculpam...

Ao dirigir-se a porta, hesitou ao ver a um grupo de três damas e dois cavalheiros

que sairam de trás de Jack. Pela expressão de seu rosto, tinham visto o suficiente

para fazer que os rumores circulassem durante o resto da semana.

Warwick continuou avançando e passou junto ao grupo sem dirigir-lhes a

palavra.

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Jack se voltou para Clarice, olhou-a nos olhos e fez uma careta.

— Minhas desculpas. Parece que era algo pendente desde muito tempo e não

parecia que ninguém mais... — Encolheu os ombros.

Para seu alivio, ela sorriu encantada.

— Obrigada.

Seus olhos disseram mais que suas palavras. Pegou em seu braço e se virou

para contemplar com ele a beleza do jardim de noite, enquanto desfrutavam do

champanhe.

Ouviram uns murmúrios as suas costas, mas o grupo, ávido para contar a

noticia, regressou ao salão de baile em seguida.

Jack suspirou.

— Não pretendia provocar um escândalo.

Clarice riu.

— Não me importa. De fato, como meu objetivo é distrair a todos do problema

de James — ergueu a vista e lhe apertou levemente o braço, — deveria dar-lhe

graças por sua ajuda. — Olhou-a nos olhos. — Obrigada por golpeá-lo por mim.

Sempre desejei poder fazer isso.

— Sua técnica também teria funcionado. — Jack a fez virar-se para o salão de

baile. — Mas não vá ficar previsível.

Clarice riu e ainda sorria quando a acompanhou de volta ao salão, de novo sob o

veemente olhar da alta sociedade.

***

Não saíram imediatamente, seguiram o jogo, deram uma volta e se despediram.

De novo no Benedict’s, já a sós na suite, Clarice se dedicou a dar-lhe graças de

um modo mais tangível e muito mais sensual. Mais tarde, quando se encontrava

deitada e saciada entre os lençóis enrugados, com Jack estendido ao seu lado

profundamente adormecido, descobriu-se repassando os sucessos mais recentes e

as mudanças em sua vida.

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O incidente dessa noite com Warwick voltou a sua mente. Não lhe cabia a menor

duvida que estivesse a ponto de fazer-lhe uma proposta indecente quando Jack

regressou e, sem saber desse insulto iminente, dera a Warwick seu merecido. E o

tinha feito por ela. Não havia outro motivo que o pudesse impulsionar. Agira não só

como seu defensor, mas como seu vingador.

Nunca teve ninguém que agisse assim em seu nome. Nem seu pai nem seus

irmãos. Tampouco o esperava deles. Nem estava certa se aceitaria semelhante

apoio deles. Não obstante, Jack não perguntou, simplesmente agiu como seu

paladino, como se tivesse direito. Não sabia se o tinha, mas ela não sentia nada

contra, não tinha nenhum problema em aceitar sua ajuda, em deixar que se

apresentasse como seu defensor.

A notícia, claro, se espalhou entre toda a alta sociedade pela manhã. Clarice não

conseguia se importar nem se preocupar que o mundo todo soubesse que estava

disposta a deixá-lo entrar em sua vida e se aproximar.

Observou-o dormir, percorreu-lhe o rosto com a vista, os duros planos, os

definidos ângulos, sua inerente força e o formoso corpo que a continha.

Sorriu e olhou ao teto, desfrutando inesperadamente de seu instinto possessivo,

um instinto que sempre estivera ali, com ela, um aspecto de seu caráter que nunca

tentara ocultar-lhe. Tinha visto desde o principio, mas nunca se sentira ameaçada e

nesse momento tampouco. Em seu coração, em sua alma, sabia que Jack não

supunha nenhuma ameaça, que nunca a machucaria. Não estava segura do por

que. Talvez tivesse a ver com a conexão que dia a dia, noite a noite, seguia

crescendo entre os dois.

Talvez por isso não se sentisse vulnerável, porque devido a essa conexão, ele

também o era. Do mesmo modo, até o mesmo ponto. Um vínculo mútuo.

Alongou os cotovelos e acariciou seus suaves cabelos enquanto pensava nisso e

no que poderia significar um vínculo assim. Sua mente não pode responder a essas

perguntas e se afastou para pensar em outra mudança, em outra imprevista

reação.

Ninguém, incluindo ela, poderia suspeitar que, após ter reclamado seu lugar

dentro da sociedade já não o desejaria; que aquela vida e seu constante agito já

não teria nenhum atrativo para ela. Estivera ausente o tempo suficiente para que

esse feitiço se debilitasse e desaparecesse. Talvez devesse dar as graças a seu pai

por isso?

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Não por desterrá-la, mas por obrigá-la a escolher.

A vida, como Claire lhe dissera, era tomar decisões e viver com as

consequencias das mesmas, escolher um caminho, avançar por ele, ver onde

levava e desfrutar das aventuras que ia encontrando.

Praticamente o que Jack e ela fizeram desde que se conheceram.

Quando acabassem com isso, quando exonerassem James, salvassem o

matrimonio de seus irmãos e os vissem diante do altar, teriam que enfrentar-se

com outra escolha: voltar a sua anterior existencia, escolher o caminho da

sociedade ou...

Tentou concentrar-se, mas o sono lhe nublou a mente e a arrastou antes que

pudesse decidir se realmente tinha alternativa, outra senda inesperada que

pudesse escolher... ou se simplesmente estava sonhando.

***

— O bispo espera reunir o tribunal amanhã. Sugiro irmos vê-lo hoje — disse Jack

do outro lado da mesa sobre a qual estendera as provas acumuladas.

Passavam das dez da manhã e ele acabara de sair de uma reunião matutina com

seus colegas do clube Bastion para mostrar-lhes tudo o que coletaram.

— Isto é mais que convincente, — assinalou os documentos que tinha diante

dele — prova sem lugar a dúvidas que James nunca assistiu a essas três reuniões,

e mais, nunca se produziram. Com isso estabelecido, as acusações não têm

nenhum fundamento. Falei com os outros e todos acreditam que se houver uma

possibilidade de evitar que o assunto se apresente diante do tribunal do bispo, seria

aconselhável que a aproveitássemos.

Clarice assentiu devagar enquanto pensava.

— Desse modo não se arquivaria nenhuma acusação formal em nenhuma parte.

— Exato. Então, vamos ver o bispo?

Clarice o olhou nos olhos e concordou.

— Sim, vamos.

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***

Quando chegaram ao palacio falaram primeiro com o deão Samuels e com o

diácono Olsen. O deão lhe transmitiu sua mensagem, sua proposta ao bispo e dez

minutos mais tarde o prelado lhes concedia uma audiencia privada.

— Muito bem — disse o homem, olhando-o. — O deão me disse que tem

noticias.

Por sua expressão, ficava claro que esperava que o ajudassem a evitar o que

para ele se apresentava como um atoleiro político. Jack sorriu. Habilmente ajudado

por Clarice repassou cada suposto encontro, citando as testemunhas que o diácono

Humphries havia nomeado, e em cada caso apresentou a declaração firmada na

qual estes se retratavam de suas declarações e afirmavam que o mensageiro lhes

havia pago para que mentissem.

— A descrição do homem que esteve se reunindo com o diácono Humphries,

supostamente para dar-lhe informação, se corresponde ao que pagou as

testemunhas para jurarem ter visto James Altwood reunir-se com o mensageiro

nessas tabernas. — Jack fez uma pausa e continuou: — Além do mais, temos no

mínimo três testemunhas de cada taberna que juraram que nenhum clérigo

transpassou sua porta, ao menos não nos últimos dois anos.

Ergueu a vista e olhou ao bispo nos olhos.

— Também temos informação confirmada de varias pessoas da alta sociedade

que situam James em diversos atos sociais durante as noitadas dos supostos

encontros.

Deixou cair o monte de declarações sobre a mesinha que tinha à frente e apoiou

a mão sobre o último maço de documentos.

— Por último, em referencia aos segredos infiltrados, ainda que James

conhecesse a maior parte dos dados citados e se esperaria que, sendo como é um

estudioso do âmbito militar, tivesse a informação concreta que supostamente se

infiltrou durante um dos três últimos encontros, relativa aos detalhes da

desmobilização. — O sorriso de Jack se intensificou. — Essa, sem embargo, era

informação que James Altwood não tinha.

Sucintamente, descreveu a exaustiva investigação que Dalziel levara a cabo.

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— Não se conseguiu encontrar nenhuma via através da qual James Altwood

pudesse aceder à dita informação.

Clarice interferiu:

— As provas demonstram de modo concludente que James não se encontrou

com algum mensageiro. De fato, nesse momento se falava em outro lugar e não

podia ter em seu poder ao menos parte da informação que se diz ter infiltrado ao

inimigo. Em resumo, ilustríssima, as acusações apresentadas contra meu parente

parecem não ter nenhuma base. E mais, parecem ter sido inventadas, ou bem por

esse suposto mensageiro ou por alguém que trabalha através dele, para prender as

autoridades, incluída a Igreja, em um pesado juízo.

O bispo piscou surpreso, mas não decepcionado e assentiu. Sua expressão era

severa.

— Claro lady Clarice. Você tem toda a razão.

Parecia muito consciente dos riscos que implicavam os juízos injustificados,

inclusive em seu tribunal.

Olhou a Jack.

— Lorde Warnefleet, a Igreja está em dívida com você, com seus superiores e

com as demais pessoas que o ajudaram a reunir estas provas tão rapidamente. Só

temos a agradecê-lo. E agradecer lady Clarice também. Pode comunicar a sua

família, querida dama, que não se efetuarão mais ações a respeito deste assunto.

— Olhou o maço de papeis que Jack tinha à frente. — Em vista de tudo o que

apresentou, não vejo necessidade de proceder a uma vista formal. Vou despresar

as acusações como infundadas e informarei a Whitehall de minha decisão.

Clarice sorriu.

— Obrigada, ilustríssima.

A formalidade mantida até esse momento se dissolveu. O deão e o diácono

Olsen se aproximaram para apertar-lhes as mãos e comentar as provas. Clarice,

por sua parte, conversou com o bispo, que lhe perguntou com saudade por sua tia

Camleigh, curiosidade que, para sua surpresa, ela estaba agora em condições de

satisfazer.

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Quinze minutos mais tarde, se despediram. Jack, Clarice e Olsen deixaram que o

bispo e o deão explicassem a situação a Humphries, uma solução que todos

concordaram que seria a melhor.

Olsen os deixou no alto da escada de entrada e, encantado, se afastou para seu

escritório com as provas que exoneravam James.

Sorrindo, Jack se voltou para Clarice, que o pegou pelos cotovelos para descer a

escada juntos.

— Um assunto solucionado com êxito — disse, detendo-se nos degraus do

palacio e levantando o rosto para o sol — Suponho... — Olhou para Jack. — Agora

que salvamos James e já tiramos de cima esse assunto, deveríamos concentrar-nos

no futuro de meus irmãos. — Olhou-o de um modo sutilmente desafiante. — Lady

Hamilton dá hoje um almoço ao ar livre. Lady Cowper e tia Camleigh, cada uma por

seu lado, comentaram que seria um ato que não deveria perder.

Jack arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada.

Destemida, Clarice o apressou a descer os degraus.

— Claro, as duas me querem lá pelo mesmo motivo. Moira estará presente e

também os Haverling e os Combertville. Após o baile de Helen da noite, suspeito

que nossas tias desejam assegurar-se que minha madrasta compreenda qual é sua

nova posição.

Fez uma careta e abaixou a vista.

Jack contemplou seu rosto, o que dele podia ver.

— É como a política. O modo em que as damas competem por conseguir posição

e influencia e se unem em uma facção ou outra.

Ela o olhou e enrugou o nariz.

— Sim, é como a política, mas mais feroz. Se fracassar em sociedade, rara vez

se tem uma segunda oportunidade. A política em troca é mais indulgente.

Jack reprimiu um bufo. Pelo que vira, ela tinha razão.

Chegaram às cercas ornamentadas do final do caminho de entrada do palácio.

— Quer que te acompanhe a esse almoço?

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O porteiro fez uma reverencia e lhes abriu.

Clarice saiu, esperou Jack e disse:

— Se tiver tempo... A verdade é que não estou segura que vou encontrar-me.

Ter alguém de confiança ao meu lado me tranquilizaria.

Jack a olhou nos olhos e se conteve para não dizer-lhe que sempre teria tempo

para estar ao seu lado. Assim como ele, sua rainha guerreira não tinha costume de

ansiar pelo consolo da presença de outra pessoa e muito menos de solicitá-lo.

Sorriu, levou sua mão aos labios e a beijou.

— Por você enfrentaria qualquer perigo, inclusive as damas da alta sociedade.

Clarice riu e aceitou sua galante oferta. Jack parou um coche de aluguel e

embarcaram em sua seguinte aventura.

***

— Moira não está. — Clarice olhou a Jack nos olhos. Sua confusão era evidente.

Ele encolheu os ombros enquanto examinava a multidão alegremente vestida

que abarrotava o prado junto ao rio de Hamilton House.

— Depois de ontem, talvez decidisse que sua presença já não é desejada e que

não tem sentido. Suas filhas estão todas casadas, não?

— Sim, mas isso não bate. Está tentando conseguir um bom matrimonio para

Carlton. Por nada do mundo deixaria de vir a uma reunião deste tipo.

Clarice viu a sua tia Camleigh através da multidão, olhou-a nos olhos e ergueu

as sobrancelhas significativamente. A mulher encolheu os ombros e ergueu as

mãos em um gesto que deixava claro que tampouco tinha idéia de por que Moira

não estava ali.

Clarice fez uma careta e se voltou para contemplar a multidão.

— Suponho que a verdade é que não confio nela.

Quando Jack não respondeu, ergueu a vista e o viu estranhamente imóvel.

Clarice seguiu seu olhar até uma altiva matrona com duas jovenzinhas atrás dela,

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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que se aproximava com a impagável determinação de um galeão a toda vela. A

dama tinha o olhar cravado em Jack.

— Lorde Warnefleet, certo?

Clarice não parou para pensar, simplesmente agiu. Colocou-se diante dele,

obrigando a surpreendida dama a qual a olhava nos olhos e sorriu levemente.

— Creio que não nos apresentaram.

A mulher piscou, olhou-a, engoliu a saliva, retrocedeu e lhe fez uma reverencia.

Clarice olhou as jovens que a acompanhavam, que rapidamente fizeram o mesmo.

— Soy lady Quintin, lady Clarice. Lady Hamilton é minha tia.

— Ah, sim. Creio que a mencionou. — Olhou para ambas as jovens. — E estas

são suas filhas?

Era evidente que lady Quintin tinha um dilema entre ser a primeira em chamar a

atenção de lorde Warnefleet, um grande partido para suas filhas, ou ganhar a

aprovação de uma dama com uns contatos tão poderosos como Clarice Altwood... A

qual se interpunha entre ela e seu objetivo. Finalmente, cedeu aos ditados do

sentido comum e sorriu.

— Exato milady. Amelia e Melissa.

Com uma fluidez adquirida através de inumeráveis horas passadas em similares

circunstancias, Clarice conversou com as três e as despediu habilmente. Atrás dela,

Jack não teve que fazer nada mais que inclinar-se em uma reverencia.

— Graças a Deus! — Pegou-a pelo cotovelo quando as três se afastaram e a fez

voltar-se para a casa. — Vamos... — Ficou calado e amaldiçoou em voz baixa: —

Que Deus me ajude. Se há todo um exército!

— Deus não te servirá de muito neste campo de batalha. — Clarice escapou de

seu agarre e o colheu pelos cotovelos olhando-o nos olhos brevemente. — Não se

afaste e prometo que o manterei a salvo.

O tenso olhar que ele lhe lançou a fez sorrir. Dirigiu esse sorriso a frente, as

mães e a suas filhas que permaneciam a espera.

—Não tem sentido tentar evitá-lo. Teremos que abrir espaço.

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Fizeram-no e avançaram para a casa, mas cada metro que cobriam era à custa

de um intercambio com alguma matrona e sua filha ou sobrinha, se não com

ambas. No início, Clarice se surpreendeu com a reticencia de Jack, seu claro desejo

de passar o mais despercebido possível em lugar de usar seu habitual encanto, mas

então o olhou com mais atenção, contemplou seus olhos e notou que era de seu

genio que desconfiava.

Por alguma razão, aquelas mulheres que tentavam fazê-lo se fixar nas jovens ao

seu encargo o deixavam nervoso e não era de estranhar. Todas pareciam pensar

que seriam capazes de manejá-lo, de manipulá-lo para que se comportasse como

elas desejavam. Para um homem como ele, com um passado como o seu, que o

tratassem assim devia ser mortificante, uma especie de desprezo. Sobretudo

porque as restrições sociais lhe proibiam reagir como indubitavelmente desejava

fazer.

Também tentaram manipular a Clarice uma vez, mas ao menos ela pode dizer

que não. Para Jack, em troca, um “não” não era uma alternativa. A alta sociedade

não permitia aos cavalheiros ser tão desapiedados, não em público.

Clarice sim podia ser tão desapiedada como o desejasse, mas, em consideração

a lady Hamilton e ao nome Altwood, se comportou segundo as normas e afugentou

as predadoras mãe uma a uma, com um sorriso, uma rápida e segura lábia e uma

absoluta negativa a soltar a mão de Jack.

Duas das mulheres — uma harpia e sua bonita, mas estranhamente nervosa

filha — chamou-lhe especialmente a atenção. Não por algo que disseram, mas pela

tensão que esticou os músculos de Jack enquanto falavam com elas.

Custou-lhes mais de meia hora chegar ao terraço e outros quinze minutos para

recostar-se nos assentos de um coche de aluguel no qual puderam desfrutar de um

bendito silêncio e soltar uns suspiros de alivio.

Clarice olhou-o de soslaio.

— Foi horroroso. Foi também assim quando esteve na cidade?

Jack deixou a cabeça cair contra o assento.

— Sim. Disse-lhe que me fartei disso, que esse era um dos motivos pelos quais

fui embora.

E não tinha intenção de regressar. Clarice o recordava.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— A jovem Cowley já a conhecia?

Sua expressão se tornou séria.

— Ela e sua tia foram a gota dágua.

Brevemente, lhe explicou como tentaram prendê-lo. Inclusive sem que ele o

dissesse, Clarice pode ver como estiveram perto de consegui-lo.

— Espantoso! E agora voltam a aproximar-se de você tão descaradamente? —

Apertou os olhos. — Oxalá o soubesse.

Jack riu, mas bem cansado.

— Talvez tenha sido melhor que não o soubesse. Todos já estão se fixando em

você o suficiente, tal como estão às coisas.

Depois de um momento, Clarice murmurou:

— Sinto muito. Ao ajudar-me voltou a ser o ponto de mira das casamenteiras.

Ele esboçou um meio sorriso, pegou-lhe a mão e a apertou.

— Não importa. Salvou-me. E, por regra geral, você e as meninas mimadas

solteiras não andam jumtas nos mesmos círculos.

Ela se limitou a assentir enquanto tentava encontrar o sentido a outra de suas

reações imprevistas. Estivera mais que disposta a aniquilar socialmente qualquer

dama que tentasse pressionar Jack, que o forçasse a relacionar-se com elas ou as

jovens ao seu encargo. A verdade era que fora uma sorte que não soubesse das

Cowley. Só Deus sabia o que poderia ter feito como vingança.

Ao topar-se com sua determinação, todas as damas retrocediam, sobretudo por

causa da confusão, porque não sabiam como interpretar sua relação com Jack.

Diferente dos homems mais perspicazes e das anfitriãs mais experimentadas, a

maioria dessas mulheres viam-na inalcançável ou demasiado velha. Assim,

tomavam seu tempo e voltavam a tentar atrair Jack, que não desejava ser atraído.

Foi sua reação a agressividade dessas mulheres que a surpreendeu, que a

deixou desconcertada. Ele, os homens de sua classe, de seu tipo, eram os típicos

protetores obssessivos. Então, por que ela sentia o mesmo de repente? O que fazia

essa sensação mais estranha ainda era a idéia de posse que se deslizara em seus

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pensamentos, no modo em que pensava nele. Acreditava que essa também era

uma emoção própria de Jack, dos homens como ele.

Mas Clarice estava muito em sintonia com seus próprios desejos, demasiado

acostumada a agir a respeito para não perceber o que desejava: desejava

assegurá-lo, conservá-lo, possui-lo.

Tudo isso era muito perturbador. Sobretudo quando se combinava com a

perspectiva de ter que escolher outro caminho. E se o caminho que se abria diante

dela não incluisse Jack?

Sugeriu que regressassem pelo parque. Dos seguros confins do coche de

aluguel, examinaram as carruagens alinhadas na avenida, mas não viram nem

rastro de Moira.

— Algo vai mal. — Clarice se deixou cair no assento enquanto Jack dava ordem

de regressarem ao Benedict’s.

Sua premonição pareceu acertada, pois assim que entraram no vestíbulo do

hotel, o concierge se aproximou apressadamente com uma nota.

—Milady — fez-lhe uma profunda reverencia, — o marquês insistiu que lhe

entregasse isto quando chegasse.

Ela pegou a nota.

— Obrigada, Manning.

Abriu o selo de Alton com o abridor que o concierge lhe ofereceu, o devolveu e o

despediu com uma inclinação de cabeça. Abriu a nota, leu e a segurou para que

Jack a lesse. Era breve.

**

O deão Samuels está aqui em Melton House. Veio procurando você e a

Warnefleet. Houve novidades no caso de James. Venha quando ler isto.

Alton.

***

Jack olhou para Clarice, que franzia o cenho.

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— Que novidades? O caso está encerrado, não?

— Parece que não. — Jack pegou a nota, dobrou-a e a devolveu. — Será melhor

irmos averiguar.

O coche de aluguel ainda não tinha ido e o cocheiro gostou de voltar a levá-los.

Diante da ordem que fosse rápido, o homem açulou aos cavalos e percorreram a

toda velocidade as ruas até Melton House.

Alton e o deão estavam esperando na biblioteca e ambos se levantaram quando

Clarice entrou.

— O que ocorre? — perguntou ela sem preâmbulos, enquanto lhes indicava com

a mão que voltassem a sentar-se.

Por sua parte, tomou assento na poltrona em frente ao do deão.

Jack pegou uma cadeira de respaldo reto e a colocou ao seu lado.

— Não é nada que tenha a ver com o caso contra James em si mesmo — se

apressou a esclarecer o deão para tranquilizá-los. — Um mero tecnicismo, uma leve

demora, nada mais.

Clarice se recostou no assento com o olhar fixo em seu rosto.

— O que?

O homem não parecia contente.

— O bispo chamou o diácono Humphries e lhe explicou suas descobertas com a

intenção de pedir-lhe que retirasse os encargos.

Clarice assentiu.

— E?

— Humphries se mostrou... Bem, confuso. Não é que questionasse seus

descobrimentos, mas não parecia entender como podia ser. Mostrou-se muito

insistente em que seus encargos estão justificados; que a informação que seu

informante lhe entregaria em pessoa seria mais que convincente. Tem intenções de

chamar ao informante como testemunha se for necessário e segue disposto a

apresentar as provas desse homem diante do bispo. Afirmou que, sem escutá-las,

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qualquer movimento para retirar os encargos seria prematuro. Em resumo, pediu

uma autorização para levar esse homem diante do tribunal.

Jack se inclinou para diante com os cotovelos apoiados nos joelhos.

— Nós... Whitehall temos muita vontade de conhecê-lo. Humphries disse seu

nome?

— Não. — O deão parecia cada vez mais nervoso. — Eu perguntei e o bispo

também, mas Humphries disse que deu sua palavra de não divulgar o nome do

mensageiro sem sua permissão porque, claro, como ex-mensageiro do inimigo,

estaria se autoincriminando... Mesmo dentro dos confins de um tribunal eclesiástico

isso não está tão claro. — Tomou uma profunda inspiração, — me pediu que saisse

da sala. Em minha ausencia, Humphries pressionou o bispo para que lhe desse

permissão para falar com o mensageiro antes de revelar seu nome e chamá-lo

como testemunha, e o bispo a concedeu.

O deão os olhou.

— Humphries foi encontrar-se com esse homem.

Jack lhe susteve o olhar.

— Isso não é nada prudente.

Samuels retorceu as mãos.

— Pensei isso mesmo. Vim quando fiquei sabendo. O bispo não está contente

com Humphries, mas deseja solucionar este assunto de uma vez por todas. Todos

podemos ver que é uma... Bem, uma distração, se não algo pior.

— Claro. — Clarice se inclinou para frente e pegou as mãos do deão com gesto

tranquilizador. — Mas você fez tudo o que pode. Teremos que esperar que o

diácono regresse logo e chegue as mesmas conclusões que nós.

O deão pareceu tranquilizar-se e assentiu.

— Será melhor que regresse. — Levantou-se. — Informarei quando Humphries

regressar.

Depois que o homem saiu, Clarice olhou a Jack.

— Dalziel está informado que íamos falar com o bispo esta manhã?

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Ele assentiu.

— Enviei-lhe uma mensagem. É possível que tivesse alguém vigiando a

Humphries.

Seguramente espera poder chegar ao mensageiro através dele, mas pode ser

que não previu que o diácono sairia tão disparado. — Aproximou-se da escrivaninha

e pegou papel e pena. — Será melhor alertar a Dalziel que Humphries foi ver esse

homem.

Alton o observou escrever uma rápida nota e selá-la, logo chamou a um

servente. Jack lhe entregou a nota e lhe deu as indicações para chegar ao escrtório

de Dalziel, nas profundidades de Whitehall.

Uma vez que o criado se retirou, Alton olhou a Jack.

— Isto é verdadeiramente serio, certo? Teme pela vida de Humphries.

Ele fez uma careta.

— Não sei se chega a esse ponto, mas neste tipo de assuntos, a vida e a morte

são as habituais moedas de troca.

Clarice se mexeu inquieta.

— Acredita que Humphries o sabe?

Jack a olhou.

— Não. Creio que é um inocente preso sem saber em uma rede entretecida pelo

“último traidor” de Dalziel.

Clarice assentiu. Viu que seu irmão, confuso, abria a boca para fazer mais

perguntas, mas antes que pudesse fazê-lo, ela se adiantou:

— Que progresso fez com sua proposta?

Uma pergunta que distrairia a Alton, que consultou o relogio da lareira e se

levantou para tirar a campainha.

— Vamos tomar um chá e Roger e Nigel poderão explicá-lo.

Edwards entrou e Alton lhe pediu que servisse um chá e que fossem chamar

seus irmãos, que incrivelmente estavam em casa. Clarice percebeu certa alegria

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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nos andares do mordomo, também certo relaxamento nada habitual em Alton, mas

decidiu deixar que respondesse primeiro as perguntas que já lhe havia feito.

Quando Roger entrou, ela não precisou que dissesse nada para saber como ia

seu romance. Brilhavam-lhe os olhos, seus passos eran leves e seu comportamento

geral uma prova de alegre expectativa. Pegou-a pelas mãos, a fez levantar-se e

dançou uma valsa com ela ao redor da escrivaninha.

— Alice aceitou. Seus pais aceitaram. Tudo é maravilhoso! — Parou diante da

poltrona, deu-lhe dois beijos nas bochechas, deixou-a e soltou um suspiro de

satisfação. — Tudo está solucionado!

Clarice abriu muito os olhos.

— Estou feliz de ouvir isso.

— Quanto a mim... — Nigel a levantou do solo pegando-a pela cintura e a fez

girar rindo enquanto ela o amaldiçoava e lhe golpeava o ombro. Voltou a deixá-la

no solo ainda sorrindo como um idiota. — Emily acredita que sou um deus. Seus

pais se mostram um pouco mais serios a respeito, mas sei que pensam que sou

excepcional. — Brilharam-lhe os olhos. Apertou as mãos de sua irmã e a soltou

permitindo que voltasse a sentar-se na poltrona. — Assim, tudo está pronto para o

grande anúncio.

— O chá, milordes, milady. — Edwards, ainda muito sorridente, entrou com a

bandeja.

Clarice engoliu sua concisa e expressiva pergunta: e Moira? E esperou enquanto

o mordomo deixava uma leiteira, as xícaras e um prato com biscoitos sobre o quais

seus irmãos e Jack se lançaram como lobos famintos. Quando se fechou a porta

atrás do homem, olhou a Alton.

— E Sarah e você?

Seu irmão se esforçava a todas as luzes para não esboçar um sorriso infantil.

— Não tive oportunidade de falar com ela hoje porque foi a um almoço, mas

claro o pedido foi aceito. — Fez uma pausa para fazer uma portentosa inspiração.

— E tive uma entrevista com Conniston ao meio dia. Aceitou minha proposta, devo

dizer que Claire me aplainou muito bem o caminho e que agora tudo está

arrumado.

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Olhou a Clarice, que era consciente que seus outros irmãos também a estavam

olhando expectantes.

— Foi uma verdadeira sorte que o assunto do deão os fez vir.

Desejávamos perguntar-lhe quando poderemos celebrar um baile para anunciar

nosso compromisos. Dentro de dois dias? Três? Sei que é muito precipitado, mas

todos ajudarão e assim...

— Um momento! — Clarice deixou sua xícara e os olhou um a um na cara.

Nenhum mostrava que exstisse nem uma só nuvem no horizonte, e isso a

surpreendeu. — O que aconteceu com Moira? — Passou de uma sorridente cara a

outra. — Onde está?

Alton sorriu beatificamente.

— Agora mesmo, a caminho de Hamleigh House.

— O que? — Clarice ficou estupefata.

Uma reação que pareceu agradar a seus irmãos. Nigel riu.

— Foi incrível. O Vesuvio entrando em erupção na mesa do desjejum, estalando

fogos artificiais. Foi uma lástima que você perdesse.

Roger sorriu compreensivo.

— Alton a jogou.

Clarice não podia falar, não encontrava as palavras, não conseguia articulá-las.

Ficou olhando seu irmão mais velho, que lhe dedicou um sorriso. Estava tão

claramente feliz consigo mesmo que não queria perguntar, mas tinha de fazê-lo,

tinha que saber.

— Por quê? E como?

Não a surpreendeu de tudo quando os três ficaram sérios e intercambiaram um

olhar. Clarice levantou uma mão.

— Contem-me. E nada de rodeios, por favor.

Alton fez uma careta.

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— Esta manhã entrou no salão do desjejum indignadíssima. Queria... não, exigia

que voltasse a proibi-la de estar aqui.

— Gritou, gemeu e rangeu os dentes — interveio Nigel.

Alton assentiu.

— Começou a falar sobre a família, sobre como a estavam tratando agora que

você votou.

— Parece que o baile de Helen foi a gota que entornou o vaso — comentou

Roger.

— Isso posso entender — respondeu Clarice. — Mas garanto que não foi por uma

pequena birra.

Alton franziu o cenho.

— Não foi uma pequena birra.

—Bem, pode imaginar o que disse sobre você — acrescentou Nigel.

— Mas de todo modo, isso não foi tudo. Quando me neguei as suas exigências

a seu respeito, nos ameaçou, não só a nós, também a Sarah e as outras, ainda que

sobretudo a Sarah... — Alton fez uma tímida careta. — Perdi os estribos.

— Bramou. — A expressão no rosto de Nigel deixava claro que desfrutara de

cada minuto.

Clarice piscou surpresa.

— Não sabia que pudesse fazê-lo — interveio Roger. — A esse volume, não,

claro.

Alton fulminou a seus irmãos com o olhar.

— De qualquer modo, não podíamos continuar assim, com ela ameaçando-nos

constantemente, tentando controlar tudo para beneficiar seu querido Carlton. —

Sua voz se endureceu. — Pressionou-me demais e eu respondi. Disse-lhe que, em

vista de tudo o que disse sobre nossas futuras esposas, já não era bem vinda em

nenhuma das principais propriedades da família. Disse-lhe para instalar-se em

Hamleigh — Alton olhou a Jack, — é uma pequena casa da família em Lancashire, e

eu me encarregaria das faturas domésticas, ela podia viver da renda deixada por

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nosso pai, ou ir viver com suas filhas e seus maridos se quisesse; mas para não

voltar a por um pé em nenhuma das outras casas da família e nem tampouco

aparecer por Londres.

Clarice não podia acreditar.

— E ela aceitou?

O sorriso de Nigel se ampliou ainda mais.

— Essa é a melhor parte. Pensava que ia ter uma apoplexia ali mesmo, sobre a

mesa do desjejum.

Alton o olhou com o cenho franzido.

— Claro que não. Foi divertido; gritou e nos ameaçou um pouco mais até lhe

dizermos saber que desejava conseguir um bom matrimonio para Carlton, mas isso

seria muito pouco provável de acontecer porque poderíamos permitir que se

soubesse que não era filho de nosso pai.

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Capítulo 19

Clarice sabia que estava ficando surpresa, mas não pode evitá-lo. Olhou a Alton

e finalmente conseguiu tomar ar suficiente para dizer:

— Você sabia?

Seu irmão franziu o cenho.

— Não. Para dizer a verdade, descobri a noite, quando passei por Gribbley e

filhos para comprovar as cifras para os acordos matrimoniais. O velho Gribbley

tinha tomado conhecimento de meus planos, me fez passar a seu escritório para

felicitar-me e comentar como viria nosso pai a minha escolha. Enquanto o fazia,

deixou cair a opinião de nosso pai sobre a origem de Carlton.

— Nosso pai sabia? — Clarice o olhou ainda mais surpresa.

— Parece que sim. Tinha mais de uma suspeita, mas segundo Gribbley, sendo

Carlton o quarto na linha sucessória, não se importou em mexer no assunto, o que

era muito próprio dele. — Alton encolheu os ombros. — Atreveria-me a dizer que se

não tivesse morrido de um modo repentino, teria me contado. Eu não o sabia, mas

Gribbley pensou que sim.

Clarice piscou.

— Mas Moira sabia que não estava a par. E depois de nosso pai morrer, sentiu-

se completamente a salvo para obrigar-nos a dançar ao seu gosto.

— Exato.

— Em troca, você sim o sabia. — Com a cabeça inclinada, Roger a contemplou.

— Como?

Clarice fez uma careta.

— Eu tinha sete anos nesse momento e Moira e eu já estávamos nos

enfrentando.

Acusá-lo com sua amante em sua própria casa, com sua jovem filha ali, não era

muito prudente.

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— Mas nunca lhe disse que o sabia — comentou Nigel.

— Não, mesmo se houvesse seguido assim, o teria feito. — Olhou a Alton. —

Pretendia enfrentar-la com isso se não permitisse seu matrimonio. — Sorriu. — Mas

agora já não tenho que fazê-lo, porque se encarregou disso.

Seu irmão sorriu com ironia.

— E menos mal que o fiz. Conniston me perguntou por Moira, assim, lhe

expliquei o que acontecera. Depois, após dar-me sua benção, me disse que não a

teria dado se Moira continuasse por aqui. Acredita que é uma víbora. Felicitou-me

por, segundo suas palavras, “ter-me tornado um homem”.

Clarice o observou durante um momento e deixou que seu sorriso se ampliasse.

— Em alguns aspectos, isso é certo e devo dizer que é um alívio.

Os três irmãos bufaram com rudeza, mas ela se limitou a sorrir.

— Bem? — insistiu Alton inclinando-se para diante. — O que há de nosso baile

de compromiso?

***

Passaram o resto da tarde ocupados com todos os preparativos. Jack observou

como Clarice se mostrava a altura das circunstancias, apesar de ainda parecer um

pouco aturdida.

James estava a salvo, exonerado, seu nome já não era posto em questão. Era

certo que Humphries ainda teria de retirar os encargos, mas como o deão dissera

isso só era um atraso sem importancia e tudo se arrumaria logo. Quanto a

Humphries, Jack abrigava os mais graves temores, mesmo não dizendo nada para

não desanimar a Clarice.

Enquanto ela dava instruções sobre a lista de convidados e os convites, o

servente enviado a Whitehall regressou com uma resposta de Dalziel. Jack foi ao

vestíbulo para pegá-la. Dalziel enviara um agente para vigiar e seguir o diácono. Ao

chegar ao palácio e ver quantas saídas havia nos jardins, o homem pediu por

reforços. Lamentavelmente, antes que pudessem organizar uma rede de vigilancia

adequada, Humphries saíra por uma porta traseira e desaparecera. O panorama

não se apresentava a este muito lisongeiro. Dalziel dizia a Jack que o manteria

informado e lhe pediía que fizesse o mesmo.

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Guardou a nota no bolso e, quando se virou para regressar a biblioteca,

descobriu que Alton o seguira e o observava com serenidade. Jack ergueu as

sobrancelhas.

Alton assinalou a nota com a cabeça.

— Esse homem em Whitehall é o homem para o qual trabalhava durante a

guerra?

Ele hesitou. O impulso de ocultar seu passado era ainda quase instintivo. Alton

se ruborizou.

— Eu... Nós o comprovamos. Era um comandante na Guarda Real, mas ninguém

em seu regimento se recorda. Sem dúvida, não seria alguém fácil de esquecer.

Jack esboçou um sorriso totalmente sincero.

— Na realidade, descobrirá que sou dos que se esquecem com facilidade se

assim o desejar. — Aproximou-se e se deteve diante dele para que ninguém mais

pudesse ouvi-lo. — Esse era meu talento em particular, ser capaz sempre de passar

despercebido, e parecer que esse era meu lugar. — Olhou para Alton nos olhos. —

E sim, o cavalheiro de Whitehall foi meu superior durante mais de uma década.

O outro assentiu e sorriu.

— Só queríamos sabê-lo.

Jack lhe devolveu o sorriso.

— Totalmente compreensível.

— Alton, onde demonios está?

Voltaram-se quando Clarice apareceu na porta da biblioteca e franziu o cenho

em direção ao seu irmão.

— Nem lhe ocorra escapar.

Ele a olhou com expressão inocente.

— Só ia enviar alguém para buscar Sarah.

Ela assentiu.

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— Pois faça isso. E já. Peça que vão também atrás de Alice e Emily. E da tia

Camleigh, e será melhor que chamemos também a tia Bentwood. Precisaremos que

todos façam sua parte se quizermos organizar um grande baile dentro de cinco

dias.

— Poderia ser só um baile normal — comentou Alton. — Não nos importaria.

Clarice lhe lançou um olhar de desgosto.

— Não seja bobo! É o marquês de Melton, seu baile de compromisso tem de ser

no mínimo grandioso! E agora, em marcha. — Voltou a entrar na sala. — Você e os

outros podem começar com os convites.

Alton a seguiu. Jack avançou mais devagar, parou na porta e observou como se

ocupava de que seus irmãos se pusessem a escrever os convites.

James estava a salvo, os compromissos dos jovens Altwood também e em breve

se anunciariam como correspondia. Tudo o que Clarice fora fazer em Londres tinha

conseguido.

Ela decretara que o baile se celebraria o antes possível e Jack o interpretara

como um desejo de sua parte de ter tudo acabado. Depois disso...

Ao observá-la, não pode negar a perturbadora incerteza que tomava conta de

seu ser. Regressaria a Avening e a tranquila vida do campo ou a alta sociedade e

sua família não só a aceitara, mas a tornariam a prender?

Clarice o viu e franziu o cenho.

— Venha aqui. Você tampouco vai escapar.

Jack sorriu e se aproximou para agradá-la no que fosse. Passaram às duas horas

seguintes imersos em um controlado caos.

Só ela parecia saber o que vinha a seguir.

Suas futuras cunhadas chegaram e se uniram aos preparativos, atrás do qual,

Clarice as enviou a casa com listas de perguntas para seus pais.

Suas tias foram vê-los e lhes deram sua augusta benção. Prometeram enviar

uma lista das pessoas mais influentes para que as incluissem entre os convidados.

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Entretanto, Clarice os manteve a ele e aos seus irmãos ocupados escrevendo

convites com sua melhor caligrafia.

Finalmente, consultou o relogio e pôs fim a jornada.

— Temos que nos arrumarmos para o jantar.

Alton se esticou e grunhiu.

— Eu vou cair esgotado em meu clube.

Clarice o olhou com os olhos apertados.

— Não, não o fará. Irá reunir-se com Sarah e a acompanhará aonde quer que

vá. — Olhou aos seus outros dois irmãos. — E vocês farão o mesmo com Alice e

Emily.

Agora são uns cavalheiros prometidos e devem agir como tal. Se quiserem que

seu baile de compromisso seja um êxito, comecem a plantar as sementes

adequadas esta noite.

Nigel bufou.

— Os três Altwood anunciam seus compromissos na mesma noite com sua irmã

recém regressada do desterro como anfitriã. O baile não será um êxito, será uma

loucura.

Todos em Londres irão assistir. — Captou a furibunda olhada de Clarice e ergueu

as mãos. — De acordo, de acordo, faremos o que diz, mas é impossível que o baile

não seja outra coisa que um horrível acontecimento de massas.

— Na realidade — Alton se inclinou para diante e cravou a vista no rosto de sua

irmã, — agora que falamos de anfitriã, regressará aqui, certo, Clary? Moira se foi e

a Sarah não se importará. Já lhe vê como uma irmã mais velha. Agradecerá sua

ajuda e, ninguém está mais bem preparada que você para encarregar-se deste tipo

de coisas. — Assinalou o rebuliço de convites que os rodeava. — Não há motivo

para que tenha que regressar a Avening, não agora. James não necessita de você,

mas nós sim. Vai ficar não é?

O coração de Jack quase parou.

Antes que Clarice pudesse dizer algo, Roger e Nigel interferiram para acrescentar

seus argumentos. Essa vez, os três foram mais persuasivos. Tiveram tempo de

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planejá-lo e polir seus arrazoados. Pintaram-lhe uma imagem de sua vida tal como

deveria ser e como poderia ser se o desejasse, a vida para a qual nascera, uma

vida de privilégio, riqueza e poder.

Jack conseguiu não reagir, não ficar nervoso, não atrair a atenção de ninguém

enquanto escutava. Usou as habilidades de seu passado para que os outros quatro

esquecessem que estava ali e observou Clarice. Ainda não pudera dizer nem uma

palavra, parecia resignada a deixar seus irmãos lhe apresentarem todos os

argumentos que pudessem lhes ocorrer, e puxaram todos os fios nos quais

puderam pensar para convencê-la a regressar ao lugar familiar.

Guardar silêncio e permanecer imóvel exigia de Jack um grande esforço, toda

uma batalha. Sentia-se como se tivesse o coração na garganta, mas, ainda assim,

esperou. Era decisão dela e só dela.

Finalmente, quando Nigel, ficou sem palavras e reinou um expectativo silêncio,

Clarice lhes sorriu.

— Obrigada, mas não.

Jack voltou a respirar e se sentiu levemente aturdido.

Ela ergueu uma mão para deter os protestos.

— Não. Não discutam. Já falaram bastante e agora devo regressar ao hotel para

preparar-me para a noite.

Calma e serena levantou-se e olhou para Jack, que também se levantou e a

olhou nos olhos, mas não pode ver neles nada mais que uma carinhosa

exasperação com seus irmãos.

Clarice os beijou e se despediu.

— Verei a todos esta noite.

Jack ocultou seus sentimentos com sua habitual maestria e se despediu dos

outros.

Acompanhou Clarice à carruagem de cidade de Alton, que esperava para levá-los

de volta ao Benedict’s. Jack sentou-se ao seu lado, jogou a cabeça para trás e se

repetiu o que ela dissera. Lamentavelmente, não fora um “não” muito contundente

e não convenceu seus irmãos. Jack o vira nos olhares que trocaram.

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Tampouco ele fora convencido.

As coisas mudaram muito e inesperadamente. Acolheram-na em sociedade de

novo, sua madrasta foi derrotada e desterrada, seus irmãos se casariam logo e

juntos conseguiram exonerar James.

Quando Clarice tivesse tempo de considerar, de pensar em quantas coisas eram

distintas, continuaria querendo regressar a Avening, um tranquilo remanso de paz

campestre, ou decidiria ficar na cidade e viver a vida que sempre deveria ter?

***

Não ia renunciar a ela. Não facilmente; não sem lutar. Com o braço apoiado no

beiral da lareira, Jack observou o fogo da sala de estar da suíte de Clarice. Ela

estava se vestindo para a noite, assim, não lhe ficava muito tempo. A pressão

renovada de seus irmãos para fazer que voltasse a reunir-se com a familia fora

uma surpresa inoportuna. Jack era muito consciente da grande ameaça que isso

representava para sua visão do futuro que estivera alimentando durante as últimas

semanas de viver em Avening, com Clarice ao seu lado.

Em nenhum momento imaginou que ganhá-la fosse ser fácil. Diferente de outras

mulheres, não podia chegar sobre seu corcel, acabar com seus dragões e reclamar

sua mão como recompensa. Com sua Boadicea, só podia aplainar o caminho, ou no

mínimo apoiá-la para que pudesse acabar por si mesma com os dragões. Clarice

era esse tipo de mulher.

Podia por sua mão sobre a dela, sobre sua espada, e lutar juntos, mas como

sucedera com o assunto de Moira, era Clarice quem devia executar o ato final. Essa

independencia, essa autonomia, formava parte do que era e não podia arrebatá-la

de nenhum modo. Não se a quisesse. E a queria.

Ao longo do tempo que passaram em Londres, sua admiração por Clarice não

havia feito mais que aumentar. Vira mais de seus pontos fortes e enquanto estes

dominavam a imagem que todos tinham dela, ele percebera também pontos fracos.

E ficara com eles. Não para explorá-los, mas para apoiá-la, para protegê-la.

Em seu coração, estava convencido que precisava tanto dele como ele precisava

dela. Mas como podia fazê-la ver? A única resposta que conseguia encontrar era

dar-lhe infatigavelmente o apoio que necessitava, e não era sempre o que cabia

supor, porque ela não necessitava nem queria ser protegida do mesmo modo que

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outras mulheres, mas desejava colaboração, que a tratassem como a uma igual e

não que a colocassem em uma jaula dourada.

Mas Jack estava se comportando assim durante semanas e, ainda que Clarice

apreciasse sua atitude, suspeitava que a via mais ou menos como algo que lhe

correspondia; e de fato era assim.

Então, como ia fazê-la reagir, abrir-lhe os olhos para que visse realmente a ele e

não só a um homem que tinha o sentido comum de tratá-la corretamente?

Recordou o conselho de Deverell: o fator surpresa. Nesse momento acreditava

que a idéia merecia consideração, agora lhe parecia prometedora. Se desejasse

cortejá-la, teria que fazê-lo do modo adequado, o que significava que não devia

fazê-lo convencionalmente. Outros tentaram o convencional no passado e não era

de estranhar que não tivessem êxito. Nada de jóias; fácil demais, previsível, e além

do mais já tinha várias. Tinha que ser algo mais significativo.

— Bem.

Virou-se para o objeto de seus pensamentos, que se aproximava com um

sedutor vestido de brilhante encaixe cor cereja e sedas combinando.

Clarice o olhou e deu a volta.

— Gosta?

Jack a contemplou e sorriu com total sinceridade.

— Está... Esplêndida. — Pegou a capa da donzela, que a seguira do dormitório, e

a colocou sobre os ombros. Enquanto o fazia, murmurou em voz baixa, só para ela:

— Bem apetecível, de fato.

Seus olhos, um pouco mais abertos do normal, se encontraram com os seus, os

examinaram brevemente e sorriu olhando a frente.

— Será melhor irmos.

Antes de Jack deixar a donzela horrorizada.

Ele sorriu, inclinou a cabeça e a seguiu.

***

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Jack desceu para tomar um tardio desjejum no clube Bastion ainda sorrindo ao

recordar a sua rainha guerreira desnuda, retorcendo-se em êxtase sobre uma cama

coberta por brilhante seda cor cereja. Essa cor em contraste com sua pele, rubi e

branco marfim, como pétalas de rosa, lhe dera idéia de um presente que poderia

dar-lhe e que ela não esperaria, mas suspeitava, apreciaria. Comentou a Gasthorpe

o que precisava e o mordomo se dispôs a enviar um servente para percorrer a

cidade e seus arredores em busca de todo o necessário.

Terminou seu prato de presunto e salsichas e estava saboreando o excelente

café de Gasthorpe quando ouviu um forte golpe na porta principal, seguido por uma

pergunta com uma clara voz que ele conhecia bem e em um tom que fez seus

instintos protetores cobrarem vida.

Levantou e saiu sem esperar que o mordomo o avisasse.

Clarice o olhou nos olhos e assinalou ao deão, de pé ao seu lado.

— Aqui está. Penso que traz más notícias.

Jack olhou o pálido rosto do deão e os fez passar para a sala.

— Talvez nos fizesse bem um pouco de brandy, Gasthorpe.

— Claro milorde. Em seguida.

Jack fez sinal ao homem para uma poltrona enquanto Clarice se sentava em

outra.

Ainda comovida, não a via em absoluto superada pela situação.

— O que aconteceu? — Jack olhou ao deão. Este, de repente, parecia mais

velho, muito mais fraco.

— Humphries. — Olhou para Jack aos olhos. — Não regressou.

Gasthorpe chegou com uma bandeja na qual havia brandy, chá e café. Jack

serviu ao deão um copo de licor e se serviu um café enquanto Clarice pegou uma

xícara de chá.

Samuels bebeu, tossiu, voltou a beber e pigarreou.

— Queria ter lhe informado a noite, quando Humphries não apareceu para o

jantar, mas o bispo... Creio que esperava contra toda esperança. Fala em um

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estado de ansiedade terrível. Perguntamos a todos os porteiros, mas não viram

Humphries desde que deixou o palácio ontem, pouco depois de falar com sua

ilustríssima.

Jack olhou para Clarice.

— Podemos ter esperanças, mas temo que deveriamos esperar o pior.

Olhou também ao deão, que assentiu vencido.

— Informarei aos meus colegas e porei em marcha uma busca — acrescentou

Jack. Hesitou e perguntou: — O bispo notificou a Whitehall?

O deão franziu o cenho.

— Não sei... Não creio.

— Enviarei uma mensagem também lá.

Depois de uns minutos, quando as bochechas de Samuels recuperaram alguma

cor, Jack sugeriu que regressasse ao palácio.

— Diga ao bispo que faremos tudo o que pudermos, mas a Humphries sucedeu

algo serio, é possível que nunca o saibamos. E se por casualidade regressar, avise-

me imediatamente.

— Sim, claro. — O homem se levantou.

Clarice também se pôs de pé.

— Levarei você de volta ao palácio em minha carruagem. — Olhou a Jack nos

olhos. — Cancelei todos meus compromissos de hoje. Passarei todo o dia em

Melton House com os preparativos para o baile.

Ele assentiu.

— Enviarei uma mensagem lá e ao palácio se tiver alguma notícia. Mesmo que

não averiguar nada em breve.

Acompanhou Clarice e Samuels a carruagem de cidade de Alton e regressou

rapidamente ao clube.

— Gasthorpe?

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— Sim, milorde. Tenho os serventes esperando.

***

Informou a Dalziel, a Christian e a Tristan. Tirou Deverell da cama no piso de

cima e todos se puseram a trabalhar. Ativaram uma rede de olhos e ouvidos

concentrada nas zonas sul e este do palácio e ao longo do Tâmisa, em busca de

qualquer pessoa que tivesse visto Humphries, só ou com alguém mais. O clube

Bastion se converteu em sua base; Dalziel lhes comunicou que indicara a seus

homens que informassem ali.

Depois do almoço, Jack se vestiu como um comerciante e se dirigiu ao rio.

Encontrou uma equipe de barqueiros desocupados e os enviou a procurar pelos

pântanos em Deptford ao este, até Greenwich Reach, o tradicional lugar onde se

jogavam os cadáveres perto da cidade. Feito isso, regressou ao clube à espera de

receber qualquer informação e coordenar esforços.

O dia avançou sem que encontrassem nada. Ainda que não esperasse outra

coisa, Jack se perguntu se alguma vez descobririam o que acontecera ao diácono. À

medida que as horas passavam, alegrou-se que Clarice estivesse ocupada e

protegida no seio de sua família; rodeada por outras pessoas e com muitas coisas

por fazer além de pensar no desaparecido, para perguntar se havia algo que

pudesse fazer de um modo diferente para desviar aquele homem tristemente tenaz

de seu caminho.

Jack sabía que não, que quando gente como Humphries se via presa em uma

rede de intriga e traição, era demasiado fraco para libertar-se. Nesse caso, a

aranha — o traidor — comeria Humphries ainda que, como Jack suspeitava, não

fosse ele a pessoa que o faria.

Quando anoiteceu, continuava sem notícias. Deixou as rédeas do assunto nas

capazes mãos de Gasthorpe e foi ao Benedict’s. Ao comprovar que Clarice não

estava ali, dirigiu-se a Melton House, onde a encontrou.

Quando entrou no salão, viu-a sentada no divã, rodeada por um pequeno

exército de ajudantes femininas formado por suas futuras cunhadas e suas tias.

Parecia um general dirigindo as suas tropas. Distraída, ergueu a vista e se

encontrou com seus olhos do outro lado do salão. Compreendeu sua expressão

rapidamente e não precisou perguntar se descobriram algo. Consultou o relogio e

piscou surpresa, antes de voltar-se para suas ajudantes:

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— Céu santo! Esquecemos que horas são!

O comentário provocou uma corrente de exclamações e de ordens para que

preparassem carruagens. A reunião feminina se acabou. Jack supôs que os irmãos

de Clarice haviam buscado refúgio em seus clubes. As damas, que já saiam,

sorriram timidamente ao passar junto a ele, a caminho do vestíbulo principal.

Clarice fechava a fila. Quando chegou a sua altura, lhe acariciou levemente a

bochecha com a mão e lhe apertou o braço antes de continuar andando.

Jack, reconfortado por essa fugaz carícia, pela compreensão e empatia que ela

lhe transmitiu, seguiu-a para o vestíbulo. Despediu-se de suas tias com uma

inclinação de cabeça enquanto beijavam Clarice no rosto e saiam.

— Veremos você mais tarde — disse lady Bentwood a Clarice.

Jack só desejava uma noite tranquila a sós com ela.

Quando a porta se fechou atrás da última das damas, Clarice se aproximou de

novo.

Com um suspiro, parou diante dele e Jack a olhou nos olhos.

— É necessario sairmos esta noite?

Clarice o olhou e fez uma careta de desagrado.

— Penso que sim. É o baile de máscaras de lady Holland.

Lady Holland era uma das anfitriãs mais importantes da alta sociedade.

Clarice o pegou pela mão e o levou ao salão. Uma vez dentro, se voltou, se

lançou aos seus braços e Jack fechou a porta atrás de si.

— Temos que ir. É um acontecimento anual, um desses eventos da temporada

aos quais não se pode faltar.

Jack fez uma cara feia.

— E é um baile de máscaras?

Ela se grudou a ele e sorriu quando a rodeou com os braços. Ergueu as mãos e

lhe emoldurou o rosto.

— Temos que ir, mas não temos que ficar muito tempo.

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Jack a contemplou.

— Onde vou conseguir a indumentária adequada?

— Peço a Manning, o concierge, que lhe consiga uma túnica negra. É

terrivelmente eficiente e por alguma inimaginável razão, decidiu que lhe agrada.

Jack bufou.

— Muito bem. Se tivermos que ir, vamos.

Que ela falasse a todo o momento de ”nós” o acalmou um pouco.

Clarice se esticou e o beijou. Com doçura, levemente, uma promessa das coisas

que viriam. Jack aceitou a carícia, mas não fez gesto de ir além. Clarice se jogou

para trás e o olhou com evidente surpresa enquanto ele lhe assinalava a porta com

a cabeça.

— Tem fecho, mas não chave.

A expressão dela se iluminou. Riu e se afastou.

— Nesse caso, está claro que é hora de sair. Vamos ao Benedict’s.

Podemos jantar lá.

***

O fizeram. Clarice se arrumou e se dirigiram ao clube Bastion, onde Jack se

trocou enquanto Gasthorpe o informava dos resultados da busca; um pouco

estimulante e negativo por todas as partes.

Fez uma careta e despediu o mordomo com uma inclinação de cabeça. Colocou

sobre os ombros a túnica negra que Manning lhe conseguira, atou os laços no peito

e fez uma careta horrorosa diante do espelho. Pegou a máscara negra que

completava a roupa e desceu até Clarice, que o esperava na sala.

Durante o trajeto a Holland House, informou-a de sua falta de resultados. Ela se

inclinou levemente sobre seu ombro com os dedos entrelaçados com os seus.

— Fez tudo o que podia.

Sua carruagem se uniu a fila de veículos que aguardavam para deixar aos seus

ocupantes diante do arco de entrada dos jardins de Holland House. Ao final, a

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carruagem parou por completo. Colocaram as máscaras, desceram e seguiram o

caminho de terra sob o arvoredo para a estufa onde os Holland aguardavam para

receber aos seus convidados.

O famoso baile de máscaras sempre era comemorado nos jardins mais que em

Holland House propriamente dito. O terraço ao qual se abria a estufa era longo e

estava iluminado por numerosas lâmpadas.

Quando Clarice e Jack sairam a mesma, após receber as boas vindas calorosas

de lady Holland e seu esposo, muito mais reservado; a ampla extensão que seguia

todo ao longo da casa já estava abarrotada pelo mais seleto da alta sociedade,

estranhas imagens com aquelas túnicas negras que os faziam parecer corvos. As

brilhantes cores dos vestidos cintilando aqui e alí, como jóias ocultas sob os quais

as verdadeiras jóias adornavam os pescoços das damas e brilhavam nos lenços dos

cavalheiros resplandeciam como fogo líquido.

A impressão que se tratava de uma reunião de aves fantásticas se via

intensificada pelas máscaras, algumas com longas plumas adornando a parte

superior, outras incrustadas de pedras preciosas ou douradas com um nariz muito

similar a um bico.

Nesse momento da noite, as máscaras eram obrigatórias, assim como as túnicas

negras. Em um salão de baile bem iluminado, seria relativamente fácil descobrir

quem estava sob um disfarce tão incompleto; mas nos jardins de Holland House

nem as lâmpadas do terraço, nem a lua, que projetava um suave resplendor, nem

os pequenos faróiss espalhados pelos jardins proporcionavam iluminação suficiente

para fazer outra coia que envolver as figuras de todos em mistério.

À medida que chegavam mais convidados, os já presentes iam se distribuindo

pela escada do terraço e dos passeios e extensões de gramados inferiores. Como

uma onda, se mexia pelo pátio pavimentado, convertido em uma improvisada pista

de baile.

Enquanto descia a escada com Clarice ao seu lado, Jack disse:

— Realmente é uma visão mágica.

Ocultos em uma frondosa gruta, os músicos se dispuseron a tocar. Quando as

primeiras notas de uma valsa flutuaram por cima das cabeças, Jack a apertou

contra seu corpo e a fez girar.

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Ela sorriu.

— É uma noite mágica.

Em uma festa assim, até que se tirassem as máscaras à meia noite seria

possível dançar com um mesmo par sem provocar um escândalo. Com todos

mascarados e cobertos pelas túnicas, como podiam os malvados olhos que

observavam estar seguros para arriscar-se a fazer algum comentário? Assim, Jack

e Clarice dançaram a valsa e falaram em voz baixa enquanto se moviam através do

gentio.

Mesmo alguns convidados, principalmente os mais jovens, aproveitavam a

oportunidade do anonimato para permitir-se um comportamento mais arriscado do

que o habitual, a festa em geral se desenvolvia em uma atmosfera aprazível. Era

um modo agradável de passar uma noite de primavera.

Mais tarde, uma vez que tirassem as túnicas e as máscaras, fariam ato de

presença o brilho e o glamour próprios de um baile de sociedade, mas até então

uma sensação de sutil mistério prevalecia.

— Esse é Alton. — Clarice se inclinou para Jack e assinalou a um par que parecia

totalmente alheio a tudo ao seu redor. — Ao menos está se comportando. Ainda

não localizei aos meus outros dois irmãos.

— Estão ali.

Jack a afastou de Alton e Sarah.

Clarice olhou-o surpreendida.

— Tinha visto-os? Como os reconheceu?

Ele sorriu.

— Viram você e reconheci sua reação.

Clarice olhou-o nos olhos para confirmar que não estava brincando e suspirou;

desviou a vista. Por ser mais alta que a maioria, era relativamente fácil de

reconhecê-la e identificá-la entre a multidão, Roger e Nigel foram na direção

contraria.

Jack sorriu e a fez voltar à pista de baile. Os músicos estavam se preparando

para tocar de novo. Encontravam-se na borda da pista, esperando para começar a

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dança quando um par mais joven se apresentou diante deles rindo e a dama lhes

fez um gesto repreensivo com o dedo.

— A senhora da casa disse que estão dançando juntos há tempo demais. Devem

mesclar-se.

— Exato. — Seu companheiro, alto e atraente, sorriu. — Ordena-lhes que se

mesclem. — Fez uma estravagante reverencia a Clarice. — Milady?

Quando Jack a observou aproximar-se do cavalheiro, reprimiu um aguilhoado de

ciúmes e uma inquietação claramente irracional. Olhou a bonita dama ruiva que

aguardava na expectativa e lhe sorriu.

— Senhora, me concede a honra desta dança?

Ela riu, um leve som que abrigava certo rastro de triunfo, deu-lhe a mão e

permitiu que a guiasse a pista de baile.

Não havia nada incomum naquele encontro, isso mesmo estava acontecendo a

outros pares ao seu redor durante a última meia hora. Não obstante, por costume,

Jack estava pendente de Clarice enquanto fazia girar ao seu par pela pista. Mantê-

la localizada deveria ter sido fácil, mas, quando a dança acabou e se despediu de

sua companheira, que lhe fez uma elegante reverência e desapareceu entre a

multidão; sem dúvida, em busca de sua seguinte vítima, Jack se aproximou da

dama que pensava ser Clarice, mas quando se voltou mostrou ser alguém muito

mais velha. Notou um calafrio ao contemplar a multidão sem ver a nenhuma outra

mulher alta e regia.

Na última vez que a tinha visto, certo que era ela, estava girando com seu par

do outro lado da pista. Recordou aos seus instintos que lhe falavam nos jardins

privados de Holland House, rodeados por muros de pedra, e que a probabilidade de

algo mal acontecer era sem dúvida escassa.

Começou a procurar entre a multidão de convidados tentando não preocupar-se

pelo fato de que qualquer um com bons contatos saberia que Clarice estaria ali essa

noite, dançando com ele quase na penumbra. Que todos iriam mascarados e

cobertos por uma túnica, indistintos, que não importava quanto se esforçasse por

recordar, nunca seria capaz de identificar ao cavalheiro que levara Clarice nem a

dama que o distraíra.

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Quando chegou ao outro lado da pista sem encontrá-la, esteve a ponto de

deixar-se levar pelo pânico.

***

— Solte-me, ignorante! — Clarice resistia freneticamente.

Tentou safar-se das toscas mãos que a agarravam arrastando-a através dos

arbustos até um escuro lugar.

Seu par de dança — e muito sem vergonha! — a fizera girar e parar no limite da

pista de baile, um pouco além, onde a espessa vegetação bordeava o pátio

pavimentado. Uma vez ali, soltou-a, lhe dedicou um desagradável sorriso e, de um

modo bem mais inquietante, lhe disse:

— Desfrute do resto da velada, lady Clarice.

Ela piscou surpresa enquanto o jovem desaparecia entre a multidão.

Franzindo o cenho, avançou para segui-lo, para sair daquele lugar onde não

havia ninguém mais, quando dois pares de mãos surgiram dos arbustos as suas

costas e a agarraram.

— Fique quieta, mulher! Fred, onde está essa mordaça?

Ela inspirou e tentou libertar-se, mas o homem que a segurava por trás, um

enorme animal, se limitou a apertar os braços ao redor de seu corpo até que

Clarice chegou a pensar que desmaiaria. Ao perceber de repente o real que era o

perigo que corria, tomou ar como pode e abriu a boca para gritar...

Sua máscara saiu voando e uma grande mão lhe cobriu os lábios.

— Tranquila, tranquila. Não quer fazer isso. Não há necessidade que alguém

saiba que estamos aqui.

Levantou-a do solo e começou a afastar-se da ruidosa multidão.

Clarice fechou os olhos e tentou não respirar, porque aquele homem cheirava de

tal modo que poderia fazê-la desmaiar só com o cheiro. Mordeu-lhe a palma com

força e esteve a ponto de vomitar, mas funcionou. O homem rugiu, afastou a mão

e a sacudiu desesperadamente. Ela não esperou, mas inspirou e gritou pedindo

ajuda.

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O outro sequestrador, uma figura escura, esbofeteou-a e o golpe fez com que a

cabeça lhe vibrasse.

— Basta!

O que a segurava estava amaldiçoando. O segundo homem ficou diante dela e

seus pequenos olhos a contemplaram por baixo da viseira de um sujo gorro.

— Não adianta gritar. Esses esnobes estão fazendo tal barulho que ninguém

ouvirá.

Clarice inspirou o ar de novo para voltar a gritar, mas quando abriu a boca,

rápido como um raio, o segundo homem lhe meteu dentro um lenço enrugado.

Sobrevieram-lhe golfadas, chiou e tentou cuspir o tecido desesperadamente.

Suas repentinas sacudidas fizeram o homem segurar e agarrar seus ombros

esforçando-se para mantê-la erguida, justo no momento em que Jack atravessava

a parede de arbustos.

Clarice redobrou seus esforços. Com o rabo do olho, viu-o agarrar ao segundo

homem e derrubá-lo de um golpe. Virou-se para enfrentar-se ao que a segurava,

que o olhou e no instante começou a usá-la como escudo.

Jack se mexeu para um lado e o homem para o outro. Durante um tenso minuto,

executaram um torpe baile. O sequestrador que fora derrubado grunhiu, se

levantou sobre as mãos e os joelhos e gemeu.

— Vamos, Fred! Temos que sair daqui!

O que segurava Clarice a levantou e a lançou contra Jack, que a pegou,

atraindo-a para ele com gesto protetor e conseguiu recuperar o equilibrio quase de

imediato. Ela notou como os músculos dele se apertavam com o impulso de sair

atrás deles quando seus assaltantes se afastaram atropeladamente e

desapareceram na escuridão dos jardins. E soube depois em que instante ficaram

sós e a salvo, porque a tensão da batalha que o dominou desapareceu o suficiente

para permitir-lhe mover-se e acariciar com delicadeza o rosto, embalar seu rosto e

erguê-lo para o seu.

— Está bem?

Clarice se limitou a assentir, porque não estava de todo certa de confiar em sua

voz, e o olhou nos olhos. Observou como a devorou com o olhar, como percorreu

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seus traços. A luz da lua viu os duros traços de sua cara e distinguiu muito

claramente ao lorde normando que verdadeiramente era; o guerreiro curtido pela

batalha ficou durante um instante totalmente a descoberto. E o que Clarice viu

nesse instante fez com que lhe encolhesse o coração.

Jack olhou-a nos olhos, parecia poder ler em seu interior, perceber que ela o via,

podia vê-lo. Alguma coisa, uma crua possessividade, um evidente desejo,

sobrevoou seus olhos e apertou os braços ao seu redor. Abaixou a cabeça e a

beijou como se fosse sua totalmente, completamente.

Clarice se viu arrastada pela emoção, nem tentou resistir. Em lugar disso, se

agarrou a ele, rodeou-lhe o pescoço com os braços e lhe devolveu o beijo com toda

a paixão que abrigava sua ardente alma. O tempo parou. Durante uns longos

momentos, se beijaram explícita e intimamente em seu mundo privado na

escuridão da noite até que, finalmente, Jack levantou a cabeça e a olhou.

Clarice estava grudada nele e não viu a necessidade de mover-se.

Algo chamou a atenção de Jack, que lhe olhou o ombro e franziu o cenho.

— Tem o vestido rasgado.

Ergueu uma mão enquanto ainda a segurava contra ele e lhe levantou a seda

desgarrada do corpete sobre o seio até a costura do ombro. Nesse momento

ouviram a primeira risada sufocada. Os dois se voltaram para olhar, Jack ainda

rodeando-a com os braços com gesto protetor.

Um grupo de convidados, mais velhos e jovens, se mexia ao redor de um buraco

nos arbustos, um pouo mais longe. Dois dos homens seguravam uns faróis.

— Ah... — começou um. — Nós... Pareceu-nos ouvir um grito e... Viemos.

Como era previsível, o comentário foi recebido com uma onda de risadas

enquanto alguns dos convidados de mais idade sussurravam tampando a boca com

a mão.

Clarice fechou os olhos e sufocou um grunhido. Não seria difícil imaginar o que

acreditavam ter visto. Jack estava levemente despenteado, e o via protetor e

defensivo. Ela tinha a saia enrugada, a túnica torcida e o corpete rasgado e era

certo que havia gritado.

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Sem dúvida chegaram a tempo de ver o apaixonado beijo e agora acreditavam

compreender o que havia acontecido.

Jack a olhou. Não sabia o que dizer. Ela tampouco. Antes que pudessem fazer

alguma tentativa de esclarecer o assunto, Alton abriu espaço entre a multidão e

avançou direto para eles.

— Que diabos está acontecendo?

— Dois homens atacaram a Clarice — respondeu Jack em voz baixa.

— O que? — Seu irmão ficou olhando-a. Para alivio de Jack, pareceu perceber

sua palidez. — Deus meu! Está bem?

— Sim. Jack me encontrou a tempo. Mas...

— Por onde se foram? — Alton escrutinou a escuridão que se estendia além.

Jack o indicou.

— Mas já estarão longe. Não podia deixar Clarice para segui-los.

— Claro que não!

— Alton...

— Céu santo! O que acontece? — Lady Camleigh se aproximou enquanto dirigia

um severo olhar ao grupo que já começava a afastar-se. Olhou a Jack e a Clarice e

seus olhos se abriram muito. — O que...?

Alton o explicou antes que Jack pudesse fazê-lo. Em questão de um minuto, lady

Cowper, lady Davenport e, por último, lady Holland em pessoa se reuniram com

eles, junto com Roger e Nigel, suas prometidas e Sarah.

Jack podia sentir o esforço que estava custando a Clarice, ainda segura por seu

braço, manter-se erguida, com a cabeça alta e as costas retas como um pau. Todos

soltavam exclamações e perguntavam como acontecera e se estava bem...

— Silencio, por favor! — Ela não gritou, mas seu tom se ouviu por cima das

conversas.

Todos guardaram silêncio e todos a olharam. Não tentou afastar-se de Jack, mas

com os braços na cintura, ergueu a cabeça e disse tranquilamente:

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Há algo que devem saber.

Jack podia senti-la tremer pela comoção e os nervos, mas seu frio

comportamento e seu olhar firme não deixavam transparecer nada disso.

— Antes de aparecerem tinha uma grupo reunido aqui. Acorreram bastante tarde

por certo, em resposta aos meus gritos. Mas depois que Jack me resgatou e os

homens que me atacaram fugiram, nós nos beijamos. Depois ele me ajudou a

arrumar meu vestido rasgado. — Com uma mão, mostrou o ombro. — Isso,

lamentavelmente, é o que os interessados viram. — Fez uma pausa e percorreu o

círculo com o olhar. — Suponho que podem imaginar o que acreditam ter visto.

— Maldição — Foi Nigel quem expressou em voz alta os pensamentos de todos.

Com ar regio, Clarice inclinou a cabeça.

— Exato. Sem embargo... Penso que não me agrada passear entre os

convidados durante a próxima hora para acabar com os inevitáveis rumores.

Preocupado, Alton se aproximou dela.

— Não está bem.

Clarice ergueu uma mão.

—Só estou um pouco trêmula, isso é tudo. Jack me levará de volta ao

Benedict’s. Amanhã estarei totalmente recuperada. Mas — fez uma tensa inspiração

e voltou a olhá-los — queria que todos fossem conscientes... Do que virá a seguir.

Para surpresa de Jack, as damas, tanto as jovens como as de mais idade, se

aproximaram e asseguraram a Clarice que podia deixá-lo em suas mãos, que iriam

se assegurar que ninguém desse crédito a nenhuma bobagem. Todos os

acompanharam de volta a casa em um evidente gesto de solidaridade.

Quem mais surpreendeu a Jack foi lady Holland, sua venerável anfitriã. Tinha

fama de ser uma excelente amiga e uma espantosa inimiga. Até que não ficou a

sós com eles enquanto chegava a carruagem, Jack não estava certo de que atitude

adotaria a respeito do assunto. Mas então deu umas palmadinhas na mão de

Clarice.

— Não se preocupe querida. Creio que subestima sua posição e a nossa se

acredita que não podemos calar isto ou, ao menos, cortá-lo pela raíz. Está claro

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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para todos os que falaram com vocês que o incidente aconteceu como o

descreveram. Em semelhantes circunstancias, o resto — com um gesto da mão,

descartou seu abraço demasiado revelador — era o lógico.

A mulher dirigiu seus olhos levemente saltados para Jack e sorriu.

— De fato, um cavalheiro como lorde Warnefleet nos haveria decepcionado

muito se não reagisse como o fez.

Ele sorriu, mas grunhiu para si. A última coisa que precisava era ser visto como

um herói romântico por toda a alta sociedade.

Quando ao fim estiveram no interior da carruagem a caminho do Benedict’s, não

disseram nada. Clarice pegou a mão dele com força e apoiou a cabeça em seu

ombro enquanto contemplava a noite.

Jack fez o mesmo enquanto revivia a cena e imaginava o que as pessoas tinham

visto. Lady Holland e os demais o tinham muito claro, mas eles não viram aquele

abraço tão revelador nem o beijo excessivo, a inevitável reação a uma circunstância

que afetara tanto a camaleónica máscara de Jack.

O momento e o beijo foram demasiado intensos, suas emoções, tanto as dele

como as dela, estiveram demasiado perto da superficie para que alguém que os

observara pudesse mal interpretar e acreditar que eram amantes.

Não fizeram amor nos jardins de Holland House, como acreditavam as pessoas,

mas esse fato era nesses momentos indiscutíveis e de dominio público.

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Capítulo 20

Seu regresso ao Benedict’s transcorreu sem incidentes. Clarice, coberta com a

túnica para ocultar o vestido rasgado, passou mais ou menos despercebida. Uma

vez na suíte, deixou esta sobre uma cadeira e foi sentar-se em uma poltrona junto

ao lugar. Estava muito cansada e ainda se sentia tremendo. Um pequeno fogo ardia

na lareira. Inclinou-se para diante e esticou as frias mãos para ele.

— Creio que Moira estava atrás disso.

— Moira? — Jack havia parado junto à porta e Clarice podia sentir seu olhar

sobre ela. — Não o sequaz do traidor?

— Não, a menos que o sequaz do traidor possa conseguir que amigos das filhas

de Moira o ajudem. — Esfregou as mãos e fixou a vista nas chamas. — Recordei

onde tinha visto antes aquele homem e a mulher. Passeavam com Hilda e com

Mildred por Bond Street há poucos dias.

Como estaria rindo sua madrasta quando soubesse do resultado de sua

vingança. Que Clarice fora salva de qualquer que horror que planejara para ela,

mas em troca, foi pilhada em uma situação mais flagrantemente escandalosa que a

própria Moira tentara criar sete anos antes. Por sorte, já não tinha vinte e um anos

e seu pai havia morrido. Um momento depois, Jack apareceu ao seu lado.

— Tome.

Clarice ergueu a vista. Oferecia-lhe um copo de brandy. Pegou-o, se recostou e

bebeu. O potente líquido deslizou-se por sua garganta, estendendo-se e aquecendo

o gélido agulheiro que era seu estômago. Durante um momento, Jack ficou ali,

bebendo também e contemplando o fogo. A seguir, sentou-se na outra poltrona.

Com os braços apoiados nos joelhos, segurou seu copo entre as mãos antes de

levantar a cabeça e olhá-la nos olhos.

— Temos que falar.

Clarice sentiu o sangue gelar. Bebeu o brandy de novo.

— Sobre o que?

O olhar dele se manteve imperturbável.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Sobre a situação.

Ela reprimiu o impulso de perguntar “Que situação?” Mas Jack não a deixaria

evitar o assunto. Isso ficou claro no olhar de seus olhos cor avelã.

— A que se refere exatamente?

Ele hesitou e Clarice percebeu que tentava encontrar as palavras, o melhor

modo de continuar.

— Apesar das vãs esperanças dos que nos apoiam, com independência do que as

pessoas viram ou não, realmente viram o suficiente. Por muito que se negue, nada

apagará a verdade que contemplaram.

Parou e tomou um longo gole. Clarice desejou poder interromper a conversa,

olhar ao outro lado, mas não podia afastar os olhos dele, do rosto que agora

conhecia tão bem.

— Ainda há... Práticas obrigatória dentro da alta sociedade. Pode ser que

pensemos pouco nelas, mas seguen ali. Se quisermos seguir sendo uma parte

aceita de nosso mundo, do círculo no qual ambos nascemos, teremos que acatar

essas regras, seguir esses costumes.

Um calafrio intenso a percorreu. Ergueu a mão para detê-lo, mas Jack a pegou.

— Não, escute-me. Reclamou seu lugar nesta sociedade, estavam dispostos a

voltar a acolhê-la, a restituir o que é seu, para desfazer-se de Moira talvez, mas o

tempo apagou o passado e este volta a ser seu mundo. Com seu status recuperado,

há muito que pode fazer para continuar ajudando aos seus irmãos, para

estabelecer as bases da seguinte geração de sua família, um objetivo louvável, que

compreendo. — Sua voz se tornou mais dura. — Mas para permanecer dentro da

alta sociedade, necessita manter o que recuperou. Necessita não atenuar, mas

acabar de vez com o escândalo que se produzirá a partir desta noite.

Fez uma pausa. Clarice ainda não podia afastar os olhos dos seus.

— Sei que não é o que você quer, mas... Se o desejar, tem minha oferta de

matrimonio. Se aceitar casar-se, não haverá nenhum escândalo e poderá conseguir

tudo o que deseja.

Clarice se perguntou o que via ao olhar seus olhos, a mão dele se apertou com

delicadeza ao redor da sua.

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— Você decide. — Esboçou um irônico sorriso. — Mas tem que decidir, agora.

Esta noite.

Ela piscou e se esforçou para recuperar o sentido comum que parecia girar sem

controle.

“Sei que não é o que quer.”

Estava equivocado, tão equivocado... Casar-se com ele era precisamente o que

desejava isso ao menos o tinha claro, mas não desse modo. Em absoluto. Aquilo

era um pesadelo feito realidade, não só para ela, mas também para Jack.

— Não. — Agora foi ela que lhe apertou a mão. Agradeceu o contato. Ao olhar

seus olhos, percebeu como chegou a ser estreita sua relação, com ele, não lhe era

possível negar-se sem mais.

Custou-lhe um grande esforço não levantar seus muros protetores, olhá-lo

abertamente e deixá-lo ver o que sentia e por que. Engoliu a saliva e conseguiu

encontrar a voz.

— Faz sete anos que resisti. Neguei-me a permitir que a sociedade dirigisse

minha vida, não só no matrimonio. Foi a decisão correta então... e é inclusive mais

correta agora. Nós dois estivemos perto de ser vítimas de outros que tentam

explorar essas mesmas regras para controlar-nos, para obrigar-nos a casar. Você e

eu o sabemosi, como nos sentimos ambos, como nos sentimos ainda a respeito do

matrimonio em semelhantes circunstâncias: sob coação. Agora render-nos ante

esses mesmos ditados, fazer isso a nós mesmos... Não. Não te sacrificarei diante

de seus falsos deuses, sua arrogância, nem tampouco me entregarei também.

— Mas...

— Não, escute-me. — Conseguiu esboçar um fraco sorriso. — Disse aos meus

irmãos que não queria regressar a residência familiar para ser a matriarca do clã de

um modo permanente. — Tombou a cabeça, observou seu rosto e tentou decifrar

sua expressão. — Creio que não me acreditaram, ou melhor, acreditam que ainda

possam convencer-me. Tampouco estou segura que tenha convencido a você.

Esboçou um sorriso sarcástico. Ainda segurava a mão dele.

— Sabe que poucas vezes mudo de opinião e nesse assunto não o farei nunca.

Uma vez acabado o grande baile de compromisso de meus irmãos, tenho intenções

de regressar a reitoria, em Avening. A alta sociedade não o compreenderá, mas

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não tem que fazê-lo. É o que eu desejo, onde quero estar e isso é a única coisa que

agora importa.

Jack não disse nada durante varios segundos e mexeu os dedos sobre os seus.

— Dará as costas a algo pelo que outras damas se matariam para conseguir.

— Talvez. Mas diferente delas, eu conheço o verdadeiro valor do que estou

recusando e do que estou escolhendo em seu lugar.

“A você. Um tipo de vida diferente, uma vida mais plena.”

— Há ocasiões nas quais me custa muito compreendê-la.

Clarice tentou sorrir, mas ficou em um fraco esforço.

— Não importa.

Jack não compreendia que o amava com todo seu coração, mas de fato, ela

mesma acabava de descobrir e não sabia o que ele sentia por sua vez. Não tinha

nem idéia se surgiria algo sério do que nesse momento tinham entre eles, só podia

abrigar esperanças. Os dois eram pessoas complicadas com motivos complexos.

Estar certo do que impulsionava ao outro nunca seria fácil. Não ao menos se o

deixassem claro.

E enquanto contemplava aqueles olhos cor avelã, agora tão familiares, pela

primeira vez em sua vida Clarice não foi o bastante valente para dizer

simplesmente o que sentia. Algum dia talvez, mas não essa noite. Essa noite seus

sentimentos eram demasiado intensos e potentes, sua descoberta demasiado

recente. Não esperava enamorar-se tão profundamente.

Jack lhe soltou a mão com delicadeza e levantou-se. Deixou os dois copos no

beiral e olhou seus olhos com intensidade.

— Se tem certeza...

— Tenho. — Estendeu-lhe as mãos. Ele as pegou e a ajudou a levantar-se.

Durante um momento, ficaram cara a cara, perto. Logo, Clarice sorriu e o guiou

até sua cama.

***

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Nas frias sombras da noite, entre os lençóis, apesar da familiaridade que existia

entre os dois, perceberam algo diferente. Como se com a recusa de Clarice a sua

forçada proposta houvesse ido além dos limites da vida regulamentada e agora

fossem livres de toda restrição. Agora podia levá-la além e Clarice podia responder,

não só com paixão, mas com uma rendição que era mais profunda e significava

infinitamente mais.

Como sempre, passaram as rédeas de um ao outro e quando chegou o turno

dela, lhe prodigalizou prazer e muito mais, uma adoração mais profunda, um

apreço que era algo mais que físico e emocional era sensual.

Começou com simplicidade, uma carícia, um suspiro, um beijo. Mas o desejo os

prendeu e logo aumentou até que arderam não rápido, mas com força, sem

descanso. Desejaram, necessitaram, entregaram e deram mais. As sombras da

noite os envolveram. Na doce escuridão, entre seus braços, Clarice descobriu

finalmente o que pensou que nunca descobriria; toda a dimensão do que ela

verdadeiramente era. Tudo o que podia chegar a ser.

Notou o coração cheio de alegria e já não lhe importou que mais tarde se

pudesse romper. Estar assim com ele era suficiente recompensa. Isso e saber que o

amava.

***

Jack despertou antes da madrugada. Mais além das paredes da suíte, o mundo

estava envolto ainda na mais profunda escuridão, em silêncio e paralizado. No

interior daquelas paredes, prevaleciam a paz, as suaves sombras e um

reconfortante e confortável calor.

Ao seu lado, Clarice dormia profundamente com uma pequena mão apoiada em

seu peito. O doce ritmo de sua respiração era uma cadencia que uma primitiva

parte de sua mente seguia fielmente. Deitado de boca para cima dentro dessa

suave concha, desfrutando de um sensual bem estar, avaliou a situação.

Ela havia se negado a casar-se com ele. Logicamente deveria sentir-se abatido,

recusado. Em troca, era como se houvessem superado com êxito um delicado e

inesperado obstáculo sem precedentes que o destino ouvesse conspirado para

arrojar em seu caminho.

Como se tivessem triunfado.

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Clarice o recusara, mas não podia culpá-la por isso. Ele não queria pedir-lhe a

mão assim, mas se vira forçado a fazê-lo. Inclusive nesse momento, nas mesmas

circunstancias, voltaria a fazê-lo. Tinha que fazer-lhe essa proposta.

De algum modo, isso — o fato que ele o oferecera e ela o recusara — os tinha

liberado. Cortaram a rede de ditados sociais que ameaçava prendê-los.

Além do mais lhe tirava um peso do coração e dispersava todas as nuvens que

ainda flutuavam em sua mente.

O caminho que devia seguir estava claro e suas razões para segui-lo nunca

estiveram mais claras. Era tempo de agir, de aproveitar o momento. Todos seus

instintos guerreiros lhe asseguravam que era assim.

Olhou a Clarice, deixou que seu olhar percorresse seus delicados traços,

relaxados pelo sono. Com cuidado, sem perturbá-la, se levantou da cama, pegou as

calças e a camisa, foi para a sala de estar e fechou a porta.

Vestiu-se rápido e puxou a campainha. Quando o sonolento servente noturno

chamou a porta, o mandou buscar a caixa que havia deixado ao concierge.

***

— Boadicea, Boadicea, abre os olhos.

Clarice despertou diante das palavras sussurradas e os suaves beijos que

alguém depositava sobre sua pele como se fosse chuva. Uma chuva sedosa, de

carícias quase intangíveis. Antes de abrir os olhos, percebeu o olor e em uma

centelha de evocadora memoria se viu transportada de volta a Avening, ao

templete, as noites de paixão que desfrutara ali, livre do mundo.

Abriu os olhos e viu Jack inclinado sobre ela, com uma mão movendo-se sobre

seu corpo enquanto lhe jogava pétalas de flor de maçãs sobre os seios nus. Clarice

se voltou para ele, de boca para cima, e olhou ao seu redor. Descobriu que estava

deitada em um mar de flores de maçãs e o olhou nos olhos enquanto ele retrocedia

para contemplá-la.

Jack sorriu.

— Assim é como te vejo e como desejo te ver. Minha rainha guerreira nua sobre

um leito de flores de maçãs.

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Descobrira-a por completo. As pétalas rosa e brancas estavam por todas as

partes, sobre ela, debaixo dela. Grudavam na sua pele. Quando a tocou, a acariciou

e esculpiu sua carne, o calor subiu em seu interior, seu evocador aroma surgiu das

pétalas até que, ao fechar os olhos, quase pode acreditar que estavam de volta em

Avening.

Clarice suspirou enquanto as mãos de Jack a percorriam. Abriu os olhos e depois

os lábios. Ele abaixou a cabeça e a beijou. Encheu sua boca com uma longa, segura

e confiada invasão. Avançou mais em seu ataque, lhe fez abrir as pernas e a tocou,

acariciou-a até que a ouviu suspirar enquanto se beijavam e se deixou levar.

Clarice lhe permitiu fazer o que quisesse. Levantou as pernas e as colocou ao redor

das cadeiras para submergir-se profundamente em sua acolhedora suavidade. E lhe

permitiu que a enchesse intimamente, que a possuisse por completo.

Por uma vez, não fez nenhum movimento para tomar as rédeas, mas o deixou

fazer ao seu desejo. Sem hesitar, colocou-se em suas mãos e lhe permitiu levá-la

aonde quisesse, como e quando quisesse.

O amanhecer chegou e derramou sua suave luz sobre eles. Com a cabeça jogada

para trás e as costas arqueadas enquanto a possuia e a levava mais e mais alto,

mais e mais forte para a atraente crista de sua sensual onda, Clarice se agarrou a

ele, gemeu, arquejou através de seu beijo, lhe deu tudo o que desejou e tomou

tudo o que lhe oferecia em troca. Sentiu no mais profundo de seu ser como a

esperança emanava e surgia, viu como se abria diante dela uma paisagem nova e

fresca, cheia de possibilidades, de promessas, de amor.

A onda rompeu. Abraçaram-se quando o êxtase os atravessou, os prendeu, os

elevou aos céus, os fez estalar e logo os recompôs. Os fundiu em algo que não

haviam sido antes. Clarice não tinha palavras para descrever, mas o sabia em seu

coração. Sabia que nem ele nem ela voltariam a ser os mesmos.

A onda de sensual júbilo se afastou deixando-os saciados e sem forças,

envolvidos nos braços do outro em um amasso de lençóis, em meio de um mar de

flores de maçãs.

Vestidos pelo amor.

***

Clarice cochilou, mas não voltou a dormir verdadeiramente, demasiado

encantada, revigorada, consciente. Como podiam significar tanto as flores de

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maçãs? Como podia o simples fato de unir-se ser tão significativo e tremendamente

poderoso? Ela conhecia as respostas. Não era o físico nem o sensual, nem as

conexões emocionais, mas de onde surgiam o que representava aquele ato ou

objeto, a que respondia. Esforços compartilhados, objetivos e conquistas, êxitos e

alegrias compartilhadas, tudo isso unido, tudo o que formava uma vida

compartilhada. Clarice sabia que esse era seu destino, que era o que estivera

esperando todos aqueles longos anos.

A de Jack era a vida que tinha que compartilhar na terra, pelo que estava ali, e a

dela era a esfera adequada para ele.

Deitada de boca para cima acariciou-lhe os cabelos com suavidade. Jack estava

estendido com meio corpo sobre ela e a cabeça apoiada sobre seus seios. Clarice

piscou e olhou-o com os olhos apertados.

— De que me chamou?

Ele não abriu os olhos, mas notou como sorria sobre sua pele.

— Boadicea. — Depois de um momento, acrescentou: — É o apelido que te

coloquei.

Clarice ficou olhando-o sem saber como responder, como deveria ou queria

responder.

Parecia consciente de ter conseguido uma proeza que poucos conseguiram, Jack

abriu os olhos e levantou a cabeça para ver melhor seu estado de estupefação. O

que ela viu em seus olhos, o suave brilho que os iluminava deixou-a ainda mais

perplexa, mais falta de palavras. Clarice sabia o que era e sempre o soubera;

reconhecia seu aço, sua dureza, seus escudos. Que ele fosse tão sensível e lhe

permitisse vê-lo, que a chamasse sua Boadicea, sua rainha guerreira, simplesmente

a deixou sem respiração.

Jack pegou-lhe a mão e lhe roçou os dedos com os lábios. O contato foi como

uma ancora para ela que a ajudou a por os pés sobre a terra. Piscou surpresa e

conseguiu franzir debilmente o cenho.

— A rainha guerreira por excelencia, a Boadicea, a pintavam de azul.

Ainda sorridente Jack negou com a cabeça.

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— Para você não é azul. Para você é rosa e branco. Se necessitar algo para

cobrir sua nudez... — Abaixou a vista e contemplou seus seios — só podem ser

flores de maçãs.

Em seu rosto havia uma expressão de suficiência, sumamente masculina. Clarice

não pode evitá-lo e riu. Viu que a risada cintilava também em seus olhos e notou

que essa era a resposta correta, que não precisavam nada.

Aproximou o rosto do seu e o beijou. Depois ele a beijou até que, finalmente,

Jack interrompeu o beijo.

— Já amanheceu. Devo ir-me.

Ela o olhou nos olhos, a poucos centímetros de distancia.

— Fique.

Jack a contemplou e viu o que ela queria dizer, hesitou e fez uma careta.

— Não, ainda não. Não até que termine.

Clarice suspirou e o deixou sair. O rosto voltou a refletir decisão, seu lorde

guerreiro havia regressado. A ele correspondia salvaguardar sua reputação ou, ao

menos, assim o via Jack.

Deitada em meio das flores de maçãs, sentindo como se mexiam suavemente

contra sua pele, o observou vestir-se e soube que não desejaria que mudasse

nunca.

— Irei ao clube mais tarde esta manhã. Suponho que se reunirá lá com seus

colegas.

Ele olhou-a e assentiu. Regressou a cama, beijou-a apaixonadamente e saiu.

Quando a Clarice ainda tinha a cabeça girando.

***

Chegou ao clube às onze horas e foi recebida por uns rostos graves.

— Uns barqueiros aos quais contratei encontraram o corpo de Humphries

arrastado pela mare esta manhã. — Jack olhou para Christian e Deverell e se voltou

para Clarice. — Nós, você e eu, deveríamos dar a noticia ao bispo.

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Ela assentiu.

— Entretanto — comentou Christian com tom tenso e firme, — falaremos com

nossas fontes e diremos a Tristan que faça o mesmo. Alguém pode ter visto o

diácono pelas orlas do rio ou nas pontes. Agora que sabemos em que nos

concentrarmos, talvez possamos refrescar a memoria de alguém.

Solenes e sérios despediram-se. Jack ajudou Clarice a subir a carruagem de

Alton e juntos se dirigiram a Lambeth.

Uma vez no palácio, tiveram que esperar durante mais de uma hora, porque o

bispo, o deão e o diácono Olsen estavam oficiando uma missa na catedral. Quando

finalmente regressaram, deram a noticia ao deão, cujo rosto se desencaixou e

organizou rapidamente uma audiencia privada com o bispo, que ficou horrorizado.

Jack percebeu que, por muito que lhe tivesse dito que Humphries se vira

arrastado a um jogo perigoso, o homem não tinha compreendido até esse momento

o caráter de vida ou morte desse jogo.

— Eu... Oh, céu santo! — Pálido, ficou olhando-o. — Como...? Sabe como

morreu?

— Parece que o deixaram inconsciente com um golpe e o jogaram na agua. Deve

ter-se afogado rápido.

O bispo olhou para Clarice. Ainda pálida, estava aceitando melhor que ele e essa

imagem pareceu dar-lhe força.

— Nós, claro, faremos tudo o que for necessário. Se puder fazer que enviem

aqui o corpo...

Chamaram à porta e o bispo franziu o cenho.

— O que acontece? — Seu tom era queixoso; estava profundamente afetado.

Olsen apareceu.

— Lamento interromper, ilustríssima, mas chegou uma mensagem para lorde

Warnefleet.

Jack se aproximou de Olsen, pegou a nota, olhou o selo e rompeu-o. Olhou para

o bispo.

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— É de Christian Allardyce... Dearne.

O prelado piscou surpreso.

— Ele também é um dos seus?

Jack não respondeu. Leu o conteúdo da nota e regressou onde esperavam o

bispo, Clarice e o deão, com Olsen atrás dele.

— Faz duas noites Humphries foi visto passeando pela orla do rio, perto da

Torre. Ia acompanhado de um homem corpulento, vestido com sobriedade e rosto

pálido e muito redondo.

Jack ergueu a vista e Clarice olhou-o aos olhos.

— É o mesmo homem. O mensageiro e informante com o qual estamos topando

todo o tempo, desde Avening até aqui.

Ele assentiu.

— Mas... por que matar ao pobre Humphries? — O bispo parecia desconcertado.

— Seguramente porque o conhecia demasiado bem e podia identificá-lo. — Jack

suspirou. — Suspeito que chegamos a um beco sem saída em nossas investigações.

A menos que Humphries haja deixado alguma informação em seus aposentos.

Olhou a Olsen e ao deão. Ambos negaram com a cabeça.

— Quando não regressou — respondeu Samuels, — procuramos por todas as

partes com a esperança de encontrar o nome de algum lugar de encontro, algum

endereço ou o modo de contatar com essa pessoa, mas não havia nada entre seus

papéis.

Jack fez uma careta.

— A prática habitual. Nunca nada por escrito.

Passou um momento enquanto assimilavam o fato que não só Humphries estava

morto, mas que seu assassino quase certamente escaparia da justiça.

Clarice reagiu antes.

— O que há dos encargos contra James?

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O bispo piscou, voltou a centrar-se e agitou a mão.

—Considerem-nos retirados. — Olhou-a aos olhos. — Sinto-me muito feliz de ter

proibido a James que abandonasse Avening. Já é bastante mal ter perdido um

homem bom por esta... Esta charada, esta invenção de alguém. Se tivesse perdido

James também, me sentiria destroçado. Claro, escreverei a ele, mas ficaria

extremamente agradecido se, quando o vir, lhe assegurar que segue contando com

meu apoio e lhe diga que esperamos vê-lo na próxima vez que viajar a capital por

seus estudos.

— Desde já, ilustríssima. — Clarice lhe fez uma reverência.

Jack se inclinou.

— Se nos desculpar, creio que devo comunicar esta informação a Whitehall sem

demora.

O bispo voltou a agradecer-lhes e os despediu.

Olsen e o deão os seguiram fora e Jack lhes assegurou que enviariam o corpo de

Humphries ao palácio assim que possível. Teddy apareceu quando atravessavam o

vestíbulo principal, falou um momento com Clarice e ficou na escada com Olsen e

Samuels, enquanto Jack a ajudava a subir na carruagem.

Whitehall não estava longe. Claro, Clarice não tinha nenhuma intenção de

esperar no coche enquanto ele falava com Dalziel. Jack estava convencido que

desejava voltar a ver seu enigmático superior e não viu nenhum motivo para negá-

lo. Talvez assim recordasse quem era Dalziel.

Guiou-os para as entranhas do edificio, até a antesala que dava ao escritório.

Deu seu nome a um assistente e enquanto este entrava para informar a seu chefe,

Jack pensou se Dalziel mudava constantemente de assistente, porque nunca era o

mesmo.

O homem regressou quase de imediato.

— O verá agora, mas a dama deve esperar aqui.

Pelo modo em que o jovem estremeceu, Jack supôs que Clarice havia apertado

os olhos. Antes que pudesse esfolar o pobre homem, lhe apertou a mão.

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— Não resolverá nada. Sempre faz o que lhe dá vontade. Espere aqui, não

demoro.

Deixou-a remungando sobre o falso comportamento dos descendentes da

nobreza, dos quais, claro, ela tomava parte. Clarice não pode ver seu sorriso

quando percorreu o curto corredor até o escritório de Dalziel com o assistente,

extremamente aliviado, diante dele. O homem o fez passar, se retirou e fechou a

porta.

Dalziel se levantou detrás da escrivaninha estendendo-lhe uma mão, que Jack

apertou.

Uma cortesia que não usavam antes, mas agora ele já não era um de seus

subordinados. Agora se encontravam mais ou menos como iguais, como cavalheiros

que atavam cabos soltos de uma guerra que durou décadas.

Seu ex-comandante lhe assinalou a cadeira diante da mesa enquanto se deixava

cair pesadamente na sua.

— Deduzo que não traz boas noticias.

Jack fez uma careta.

— O corpo de Humphries apareceu esta manhã nos pantanos de Deptford.

Dalziel amaldiçoou violentamente e cravou a vista no teto.

— Sabemos algo do responsável?

Ele lhe explicou o que haviam averiguado.

— Assim, sempre é o mesmo homem.

Dalziel olhou-o aos olhos.

— Nenhum rastro de ninguém mais?

— Nada. — Jack observou seu semblante indecifrável e lhe perguntou:

— Não tem nem idéia de quem é o verdadeiro traidor?

Seu antigo chefe lhe susteve o olhar durante um momento antes de responder:

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Não. Mas quanto ao que quer... Isso ficou bem claro. Este episódio

lamentavelmente não nos levará ao homem, foi demasiado astuto para isso. Quem

quer que seja esse estrangeiro, sem dúvida não é o cerebro que há atrás de tudo

isto. Não obstante, o mesmo caráter da charada nos revela que nosso traidor

conhece como funciona o governo, o sistema legal e também a sociedade. Só

cometeu um erro: escolher a James Altwood, que conhecia você, como seu

objetivo, e isso era algo que não podia saber. A não ser por esse deslize, não

estaríamos tão seguros da inocência de James tão cedo, o bastante cedo para agir

com decisão e evitar qualquer juízo.

Dalziel estremeceu.

— Não quero pensar no que teria acontecido se as acusações tivessem

progredido até um juízo formal. O fracasso seria espetacular e acabaria eficazmente

com qualquer esperança de levar o verdadeiro traidor diante da justiça. Qualquer

subsequente menção de traidores seria totalmente descartada. — Fez uma pausa e

acrescentou: — Esta charada foi um acerto para assegurar sua própria segurança.

Seja quem for, sabia perfeitamente o que estava fazendo.

Claro, não esperava falhar. — Sua expressão mudou sutilmente e olhou a Jack.

— Ao menos, descobrimos que esse último traidor é real. Até agora, foi pouco mais

que uma sombra. A única coisa que tinha era suspeita e intuição. Mas agora,

Dearne, Deverell, Trentham, você e eu sabemos que existe. Nenhuma sombra

organizou tudo isto.

Jack assentiu com a cabeça.

— Certo. Assim, mesmo não ganhando esta escaramuça, agora estamos melhor

informados.

Dalziel sorriu.

— Bem pensado. — Fez uma pausa enquanto revisava tudo. — Uma última

coisa. Alguém viu bem a esse estrangeiro?

— Anthony Sissingbourne: viu-lhe a cara só um momento, mas bem de perto. E

lady Clarice Altwood, que o viu de mais longe, mas também o viu andar, mover-se.

— Jack hesitou e acrescentou: — Dos dois, será mais provável que Clarice o

reconheça.

Dalziel assentiu.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Poderia valer a pena revisar quais estrangeiros correspondem a uma descrição

física similar, nas embaixadas, nos consulados, diversos postos diplomáticos, esse

tipo de coisas.

Se encontrarmos algum candidato provável, poderíamos necessitar de lady

Clarice.

Com rosto inexpressivo, olhou a Jack aos olhos.

— Se estivesse sob minha autoridade, lhe ordenaria que a mantenha perto e que

a proteja bem. — Esboçou um irônico sorriso. — Sem dúvida, por tudo o que ouvi,

creio que fará precisamente isso, com ou sem ordem.

Sem mudar-se, ele se limitou a inclinar a cabeça.

— Diz que quer regressar ao condado de Gloucester. Seja como for, ficarei com

ela.

— Bem.

Dalziel se levantou. E Jack fez o mesmo. Olhou ao seu ex-comandante aos olhos

e franziu levemente o cenho.

— Preferiria imaginar que não nos tornaremos a ver.

O mais leve dos sorrisos curvou os lábios de Dalziel.

— Lamentavelmente, a experiência sugere que é improvável que esse seja o

caso. — Fez uma careta. — O que significa que esta não é uma verdadeira

despedida. —Assinalou-lhe a porta. — Cuide dela.

— O farei. — Com a mão no pomo, Jack se deteve e olhou atrás. — A

propósito, ainda não lhe reconheceu.

De novo sentado em sua cadeira, Dalziel o olhou aos olhos e encolheu os

ombros.

— Com sorte, quando o fizer, já não importará.

Pegou uma pena e centrou sua atenção em uma carta. Confuso, Jack saiu,

fechou a porta e regressou onde Clarice o esperava andando diante do assistente,

que parecia muito nervoso.

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***

Na carruagem, Jack lhe explicou tudo o que Dalziel lhe dissera e ela se limitou a

bufar e franzir o cenho. Regressaram ao Benedict’s para avaliar a situação. Na

mesa da sala de estar, encontraram uma nota de Alton junto com dois convites

para a gala real dessa noite em Vauxhall.

Jack examinou as cartolinas de bordas douradas.

— Pensei que os convites para esses eventos só podiam obter-se por decreto

real.

Clarice bufou.

— Assim é, mas Alton pode ser tão encantador quando quer como outros que

conheço. — Leu a nota com atenção. — Diz que o bispo lhe comunicou que as

acusações contra James foram retiradas. Roger, Nigel e ele pensavam aproveitar a

gala para celebrar sua libertação de Moira, seus compromissos pendentes e a

exoneração de James. Claro, nos pede que assistamos.

Clarice entregou a nota a Jack e sorriu para si. Estava claro que seus irmãos

pensavam usar a gala, o exemplo perfeito de entretenimento da alta sociedade,

para demonstrar os benefícios de regressar ao lugar familiar com a esperança de

convencê-la que desejava sua vida anterior. Não o conseguiriam, mas se lhes

permitisse tentá-lo, se assistisse e desfrutasse e lhes dizia que ia regressar a

Avening e a sua tranquila vida no campo, notariam o inútil que era seguir

pressionando-a, que sua decisão era definitiva.

Jack também o veria e o compreenderia. Seu sorriso se ampliou e se voltou para

ele.

Estava de pé junto à mesa e ainda olhava fixamente os convites que segurava

na mão.

— Teremos que ir claro.

Jack a olhou e viu claramente a suave luz de antecipação que brilhava em seus

olhos.

Inclinou a cabeça e sorriu. De um modo encantador.

***

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Nove horas mais tarde, ainda continuava esboçando aquele encantador sorriso,

mas o gesto se tornara fraco demais, quase pequeno para ocultar seus

sentimentos: o crescente desejo de tirar a máscara por completo, de pegar Clarice

e levá-la dali, longe daqueles desejosos de segurarem-na no resplandecente seio

da alta sociedade, para ajudá-los, para formar parte de sua familia, não só da

antiga, mas também da que estava se formando. Não era difícil ver que se sentiria

tentada.

A mesa que Alton reservara estava na melhor zona, frente a abóbada com a

pista de danças principal em meio. Sentado em um lugar, imóvel, passando o mais

despercebido possível, Jack observou como Clarice girava ao ritmo de uma polca

nos braços de Nigel.

Ao seu redor, a elite da sociedade dava voltas e passeava, conversando,

exclamando, rindo. As jóias cintilavam; a seda e o cetim brilhavam sob a luz que os

faróis projetavam. Os perfumes e aromas do vinho e a requintada comida se

fundiam, provocando os sentidos; a música e a conversa se uniam em um

onipresente manto de sons que, assim e tudo, conseguia manter-se dentro de uns

limites razoáveis.

Todos os convidados estavam decididos a passar bem. Seu anfitrião era

conhecido como o príncipe do prazer e seguiam seu exemplo. Só com as melhores

familias em disposição de conseguir convites, a posição social do grupo estava

assegurada. Por isso, o ato estava pouco estruturado, havia menos rigidez, menos

conciencia de importancia, tudo o que contribuia a uma sensação de liberdade, de

ser capaz de soltar os cabelos metaforicamente falando e simplesmente desfrutar.

Para seus olhos plenos de prejuizos, a cena era fabulosa e a alegre atmosfera a

fazia ainda mais atraente. Alton passou girando com Sarah em seus braços e Jack

reprimiu o impulso de franzir o cenho. Todos estavam desfrutando menos ele e não

era difícil pensar que a culpa era de Alton. Sobretudo porque era quem fizera todo

o possível para convencer Clarice que aceitasse o papel de matriarca dos Altwood.

Jack se vira obrigado a estar ao lado dela e escutar suas futuras cunhadas

dizendo-lhe quanto apreciariam sua ajuda para formar seus lugares, para assentar

seu próprio lugar dentro da sociedade. Jack teve que sorrir e concordar enquanto

uma grande dame atrás da outra propunha a Clarice que se unisse a seus círculos.

O certo era que ela se limitara a sorrir e evitara assegurar nada, mas não

dissera que não. Jack preferia que o fizesse, mesmo sabendo que essa resposta

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negativa direta e abrupta não seria socialmente aceitável. Não se sentia muito

inclinado a comportar-se de um modo socialmente aceitável. E com cada minuto

que passava se sentia mais decidido, mais torturado.

Apesar do que Clarice dissera e apesar do que ele pensava e esperava essa

manhã, uma vez considerada a velada e tudo o que esta implicava, além de todos

os argumentos que inumeráveis pessoas lhe disseram e sobretudo as persuassões

de sua familia, mudaria de opinião e decidiria regressar a essa vida? Era para o que

tinha nascido e para o que a educaram.

Se o fizesse... O faria sem ele, porque Jack sabia, o sabia desde ha tempo, que o

único lugar ao qual ele poderia chamar lugar, o único lugar onde se sentiria em

paz, era Avening. Conheceria uma verdadeira paz, uma verdadeira felicidade sem

ela?

Sua familia a queria e apreciava mais cada dia que passava. Mas não a

conheciam como ele. No compreendiam totalmente a rainha guerreira, não podiam

conectar de todo com ela, com tudo o que era e como ele o fazia. Não a

necessitavam nem queriam tanto como ele.

Ele a estava observando, como sempre, quando viu que parava bruscamente em

meio de um giro e se afastava de Nigel. Não olhava ao seu irmão, mas a lateral da

zona de baile. Pareceu que Nigel lhe perguntava o que ocorria.

Jack se levantou. Por cima das cabeças, viu que Clarice escapou das mãos do

jovem seguindo a direção de seu olhar, contemplou os convidados até que viu um

homem de rosto muito pálido e redondo.

Amaldiçoou e não esperou ver mais. Saltou pela parte dianteira do reservado,

que chegava a altura da cintura, e avançou entre a multidão. Ouviram-se gritos

sufocados e exclamações, advertências para que tivesse cuidado enquanto abria

espaço a empurrões entre as pessoas. Não lhe preocupou a quem aborrecia. Clarice

havia se afastado de Nigel e começava a caminhar atrás do homem, o mensageiro

e informante que havia assassinado a Humphries.

Ele a viu também e ficou olhando-a fixamente, logo se virou e começou a

avançar entre a massa. Com sua altura, Clarice ainda podia distingui-lo e continuou

seguindo-o, totalmente centrada nele.

Jack amaldiçoou e redobrou seus esforços para alcançá-la, sem importar-se com

o rebuliço que causava. Mas nesse momento a música parou e os dançarinos

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começaram a retirar-se da pista de baile abarrotada, fazendo com que tivesse que

lutar contra uma verdadeira mare humana.

***

Clarice seguiu o homem que jogara Anthony do caminho semanas atrás. Era

consciente que ele a vira, mas usando a multidão para seu beneficio, esperou que

acreditasse que o perdera entre a aglomeração de convidados. Queria ver aonde se

dirigia e, mais ainda, com quem se encontrava. Porque tinha que encontrar-se com

alguém. Não havia outro motivo para que uma pessoa de sua classe estivesse em

uma festa assim. Conseguiu mantê-lo em seu ponto de mira e ir aproximando-se

dele pouco a pouco. Viu que estava rodeando a abóbada, seguramente procurando

um reservado particular. Cada vez estava mais certa que o desconhecido pensava

que o havia perdido. Então, se deteve. De costas aos jardins, da borda da multidão,

olhou ao seu redor, como se comprovasse uma última vez que não o seguia antes

de aproximar-se a quem quer que fosse ver.

Clarice se abaixou atrás de um grupo de pessoas e deu graças a sua boa sorte

por não usar plumas nos cabelos, como era o caso de muitas das damas presentes.

Contou até dez e levantou-se para procurar o homem de novo justo quando o

grupo que tinha à frente se moveu deixando-a olhando através de um espaço vazio

de dez metros diretamente a sua presa.

Seus pequenos olhos se abriram muito e com uma maldição sufocada que

Clarice ouviu, deu meia volta e avançou pelo caminho que tinha atrás. Ela juntou as

saias e se apressou atrás dele.

O caminho era um dos principais e estava bem iluminado por faróis pendurados

das árvores. Havia pares e grupos passeando por ele, o suficiente para tranquilizar

a Clarice, mas não o bastante para ocultá-los a ela nem ao homem, que continuou

avançando sem chegar a correr, porque ainda tentava não atrair demasiada

atenção e só olhava para trás de vez em quando.

A idéia de gritar: “Pega ladrão!” e assinalá-lo lhe passou pela cabeça, justo no

momento em que ele virou por um caminho secundário. Clarice amaldiçoou e

acelerou o passo. A distância entre eles se ampliara. Quase corria quando girou e

avançou pelo seguinte caminho, um secundário e sem iluminação.

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Capítulo 21

Clarice parou. Percorrera menos de dez metros, mas já se encontrava entre

densas sombras. A agitação das pessoas de repente parecia longe, oculta pelos

espessos arbustos. E já não podia ver a sua presa.

— Maldição! — Ficou ali um momento, pensando, e logo fez o sensato: dar meia

volta e regressar a um lugar seguro.

“Maldição, maldição, mal...”

Ficou sem ar ao ver o homem correndo para ela. Escondera-se entre os arbustos

a uns poucos passos de distância.

Com os lábios tensos e um grunhido, ele se balançou e, antes que Clarice

pudesse soltar o grito que lhe subia pela garganta, lhe tampou a boca com uma

enorme mão, segurando-a; enquanto começava a retroceder, longe do caminho

principal iluminado, com seus ocasionais transeúntes, longe de qualquer um que

pudesse vislumbrar seu vestido prateado.

Clarice resistiu freneticamente. Aquilo era muito pior que o da noite anterior.

Aquele homem havia matado e voltaria a fazê-lo sem piedade. Deu-lhe patadas e

lutou. Conseguiu fazê-lo baixar o ritmo, mas não pode libertar-se. Não só era mais

forte que o homem da noite anterior, mas era mais tenaz e determinado em seu

objetivo, mais experimentado. Tinha a mão presa com tanta força sobre seus lábios

que não podia nem mover a mandíbula para mordê-lo.

Desesperada, usou seu peso para erguer-se, lhe deu uma patada e se retorceu

quando ele amaldiçoou e tentou segurá-la enquanto avançava. Obrigou-o a parar

de novo, mas estavam muito longe do outro caminho e Clarice não estava fazendo

suficiente ruído para atrair a atenção de alguém.

O pesado braço que lhe rodeava a cintura se apertou mais e lhe comprimiu os

pulmões.

A mão que tinha sobre a boca se moveu fechando-lhe os orifícios nasais, ao

mesmo tempo em que seguia tampando-lhe a boca com força, bloqueando

qualquer entrada de ar. Deixou de resistir e ficou totalmente imóvel.

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Antes que pudesse pensar o que fazer, como fingir que havia desmaiado um

rugido lhe encheu os ouvidos. A visão começou a nublar-se, a estreitar-se em um

espaço central de luz... Jack apareceu dentro desse halo.

Clarice pensou que estava morrendo e que essa seria a última imagem que veria

e o maior pesar que levaria ao túmulo...

Seu captor amaldiçoou, lhe destampou a boca e buscou debaixo da jaqueta. Ela

inspirou um bocado de ar. Piscou enquanto regressava a vida e percebeu que Jack

estava realmente ali, correndo pelo caminho para eles. Seu lorde guerreiro corria

para salvá-la.

Ao mesmo tempo, notou que seu sequestrador tirou uma faca do bolso e a

segurava baixa, de modo que Jack não a visse entre as escuras sombras. Clarice se

mexeu para um lado, tratando de obrigá-lo a levantar a faca, mas ele não se

moveu nem afastou os olhos de Jack, que se aproximava a toda velocidade.

Clarice recordou então que podia falar.

— Tem uma faca!

Nem ele nem o homem pareceram ouvi-la. Desesperada, levantou os pés e se

lançou para um lado, tentando fazer o desconhecido perder o equilíbrio. Teve mais

êxito do que esperava e seu pé acertou-lhe o joelho. O homem soltou um grunhido,

caiu e a soltou.

Clarice também acabou no chão, mas Jack a pegou e levantou-a empurrando-a

para trás de suas costas.

O outro se levantou então como uma mola, balançando-se sobre ele. A faca

brilhou ameaçadora quando a dirigiu a sua garganta, mas Jack lhe agarrou a

munheca e se virou de forma que seu ombro e as costas ficaram colados ao peito

de seu adversário, imobilizando-o enquanto se esforçava para controlar a faca e

fazer que a soltasse.

Quando o homem lhe deu um murro nas costas, Jack grunhiu, se moveu, pegou-

lhe o punho livre com a outra mão e o afastou enquanto se concentrava na faca.

Reuniu toda sua força para conseguir que a soltasse.

Ainda enjoada, Clarice contemplou a luta. Não era uma peleja limpa, ela podia

ver a diferença. Por sua parte não era contrária a usar qualquer meio disponível

para vencer o inimigo. Eles dois grunhiram e cambalearam. Jack tinha mais

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experiência para dar ao outro o suficiente espaço para usar as pernas.

Inexoravelmente, foi dobrando-lhe a munheca para trás, mais e mais. De repente,

lhe soltou a outra mão e lhe deu uma cotovelada no peito.

O desconhecido chiou e quase caiu sobre ele ao cambalear. Talvez fosse

igualmente forte, mas era mais pesado e, com um enorme esforço, se libertou e

empurrou Jack, que em seguida recuperou o equilíbrio. Ficaram cara a cara, dois

lutadores que se estudavam a uns poucos metros de distância.

Antes que Jack pudesse atacar, seu adversário retrocedeu de repente. Seus

olhos se desviaram para Clarice e levantou o braço. Jack não poderia alcançá-lo a

tempo, assim, lançou-se sobre ela, fazendo seu peso a derrubar, e não lhe

importou sentir a aguda pontada da faca seguida por uma crescente dor ao cravar-

se na parte de trás do ombro.

Às suas costas, o homem amaldiçoou com um forte acento europeu do sul.

Jack ouviu seus passos quando começou a avançar para eles e sentiu que os

braços de Clarice o rodeavam e seguravam, sentiu-a cálida e a salvo debaixo de

seu corpo. Concentrou todos seus sentidos e reuniu sua força para libertar-se justo

no momento adequado. Seria necessário algo mais que uma facada no ombro para

detê-lo.

Os passos pararam de repente. Ainda estava demasiado longe para que Jack

pudesse fazer algum movimento sensato. Então ouviram gritos seguidos por passos

que se aproximavam a toda velocidade do caminho principal. O homem amaldiçoou

de novo, mais baixo, antes de dar meia volta e fugir.

Jack grunhiu e amaldiçoou também.

— Maldita seja! Está fugindo. — Começou a levantar-se, mas Clarice o segurou

com mais força.

— Tem uma faca nas costas.

Ele engoliu um “Eu sei”; havia um estranho tom em sua voz. Recordou-se que

não estava acostumada a lutas nem facas nem a contemplar tão de perto a morte,

mas Jack sabia que não corria um verdadeiro perigo em absoluto.

— Não é nada. Não é tão grave.

— Mas...

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Ele retrocedeu o suficiente para sentar-se. Quando Nigel e Alton chegaram

correndo, lhes ordenou:

— Vão atrás dele. Sobreviverei.

Clarice conseguiu levantar-se, ainda com certa dificuldade. Abaixou-se com toda

sua atenção fixa nele. Após uma breve olhada dirigida a ela, umas olhadas a sua

irmã que nem percebeu, Alton e Nigel seguiram correndo. Eram jovens e rápidos e

existia alguma possibilidade que pudessem prender a esse canalha.

Outros convidados começaram a reunir-se na entrada do caminho, mas ninguém

se atrevia a aproximar-se ainda. Clarice puxou sua saia para libertá-la debaixo das

pernas de Jack e o rodeou para avaliar os danos. Era como se o coração lhe subisse

a garganta e a sufocasse. A visão do sangue minando ao redor da faca a fez

cambalear, não por desfalecimento, mas por uma mescla de emoções tão forte que

teve que bloqueá-las sem dó para poder seguir.

— O que posso fazer?

Apoiou a mão levemente no ombro de Jack. Era evidente que lhe doia. Ele a

olhou nos olhos.

— Pode arrancar a faca?

Clarice piscou e agradeceu que o caminho estivesse em sombras porque assim

ele não via como empalideceu por completo.

— Não alcançou nada sério. Cravou no músculo, mas me doerá menos se não

me mexer até que esteja fora.

Ela voltou a colocar-se atrás dele.

— Como?

— Pegue-a e puxe devagar. Eu tentarei relaxar-me para que saia com mais

facilidade.

Clarice inspirou um bocado de ar, fechou a mão ao redor do cabo e, com

cuidado, aplicou só a força suficiente para ir puxando a faca devagar até tirá-la

toda. Então soltou o ar e se sentou junto a Jack, que lhe deu seu lenço do pescoço.

— Use-o para pressionar a ferida.

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Ela assim o fez. Justo quando apertou o tecido ao seu ombro, se ouviu um

disparo. Os dois olharam para o lugar de onde procedeu o som e Jack fechou a mão

ao redor da sua.

— Seus irmãos estão bem.

— Como pode saber? — perguntou ela.

Jack começou a levantar-se e Clarice se pôs de pé e o ajudou sem afastar a mão

da ferida.

— Já vamos averiguar.

Outros já se aproximavam. Ao ver a ferida de Jack, alguns cavalheiros

ofereceram seus lenços para ajudar a estancar a hemorragia. Clarice os aceitou e

os acrescentou ao que já tinha. Avançaram seguidos por uma pequena comitiva.

Percorreram mais da metade da longitude dos enormes jardins antes de encontrar-

se com a cena do tiro.

Não estava no caminho, mas um pouco afastada, em um pequeno claro rodeado

de arbustos. Um comovido grupo de convidados, entre os quais estavam Alton e

Nigel — segundo observou Clarice com alívio — encontravam-se em pé silenciosos

e estupefatos, formando um amplo círculo ao redor do homem de cara redonda,

deitado de boca para cima com os braços em cruz e o olhar perdido no céu. Tinha

um grande buraco no peito que lhe sangrava profusamente. Sobre a erva ao seu

lado, havia uma pistola. Não cabia dúvida que estava morto.

Jack se deteve ao lado de Alton e suspirou.

— Não entendo. — Alton se virou para ele com o cenho franzido. — Estávamos

seguindo-o pelo caminho, quando ouvimos o disparo. Mas quem o matou?

Jack contemplou a pálida e redonda cara.

— Seu chefe, nosso traidor.

***

Com Alton e Nigel como ajudantes, Jack conseguiu toda a informação que pode

dos presentes. Nigel encontrou uma jovem que vira um homem afastando-se do

claro justo depois de ouvir o disparo. Convenceu seus pais que a jovem deveria

falar com

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Jack e acompanhou o grupo até onde ele se encontrava sentado, em um banco

junto ao caminho central. Clarice, ao seu lado, ainda lhe segurava os lenços contra

a ferida.

Algumas perguntas confirmaram que a jovem vira o assassino.

Lamentavelmente, estava sofrendo um incipiente ataque de histeria, pelo qual

Jack não estava certo de como proceder.

Clarice se mexeu e se dirigiu a assustada jovem.

— Vejamos. Este cavalheiro saiu ferido tentando prender esse homem. Você não

está ferida, só assustada, mas se sentirá muito melhor quando nos explicar tudo o

que viu. Onde estava quando aconteceu?

Ela piscou e lhe explicou que seu grupo e ela passeavam um pouco além do

pequeno claro. As calmas perguntas de Clarice, feitas com a evidente expectativa

de receber respostas coerentes, a tranquilizaram e foi respondendo cada vez mais

relaxada. Quando se ouviu o disparo era a melhor colocada para ver o cavalheiro,

que se afastava dali tranquilo e sem pressa. Por azar, não pode identificá-lo, só

descrevê-lo como um homem alto, com uma jaqueta de boa confecção e os cabelos

cortados de um modo elegante. Não tinha visto seu rosto.

— Em nenhum momento olhou ao seu redor. No principio pensei que era

impossível que não tivesse ouvido o disparo. Pensei se eu realmente o tinha ouvido

tendo em vista como estava tranquilo.

Jack esboçou um sorriso e agradeceu a jovem, aos seus pais e ao resto das

pessoas que a acompanhavam. Aliviados, os pais levaram o grupo.

Alton olhou a Jack.

— Deveríamos procurá-lo?

Ele fez uma careta.

— Para que? — Devagar, ajudado por Clarice, se levantou. — Quem quer que

fosse, é impossível diferenciá-lo da maioria dos convidados varões.

— Se é que ainda continua aqui — interveio ela.

Jack a olhou.

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— Oh, sim estará aqui. Sair e chamar a atençao para si ao fazê-lo não é seu

estilo e muito menos interromper sua diversão da noite. Sobretudo, agora que sabe

que nossa última possibilidade de identificá-lo está morta. — Olhou para trás, ao

claro onde os jardineiros estavam cuidando do cadáver.

***

Diante da insistência de Jack, Clarice o levou de volta ao clube Bastion.

— Gasthorpe sabe como contatar com Pringle e ele sabe mais sobre facadas que

qualquer outro médico em Londres.

Ela fez o que lhe pedia e manteve as emoções que ferviam em seu interior

cuidadosamente controladas. Pelo momento ao menos. Até que o doutor Pringle

dissesse que Jack estava o bastante bem para suportá-las.

No clube, se conteve, respeitou suas normas e acedeu a esperar na sala.

Gasthorpe levó Jack. Ao ver a serena eficiência do mordomo, supôs que estava

acostumado a tratar com pessoas feridas e similares. Bufou e andou nervosa pela

sala.

O doutor Pringle chegou a seguir, um cavalheiro de traços perspicazes que se

inclinou diante dela e lhe assegurou que Jack tinha a constituição de um boi.

Também lhe prometeu que passaria para vê-la antes de sair e que lhe daria sua

opinião sobre a ferida.

Mais tranquila, sentou-se. Quando um servente apareceu com uma bandeja e

chá, se sentiu absurdamente agradecida. Pediu que transmitisse seu agradecimento

a Gasthorpe e se sentou para esperar.

Acima, Jack fez uma careta de dor quando Pringle examinou a ferida.

— Muito limpa. — O médico abriu a maleta e procurou bandagens. — Uma

vantagem de tratar com assassinos profissionais.

Acostumado ao humor negro do homem, Jack se limitou a grunhir. Agarrou-se a

borda da mesa sobre a qual se inclinava e manteve os lábios fechados enquanto o

médico voltava a lavar a ferida, lhe aplicava um ungüento e a cobria com uma gaze

antes de vendá-la. A bandagem tinha que envolver-lhe o ombro e rodear-lhe o

peito, mas Pringle tinha suficiente experiência para saber que devia deixar-lhe

espaço para que pudesse mover-se com razoável liberdade.

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Estava atando a bandagem quando se abriu a porta e entrou Dalziel. Jack não

ocultou sua surpresa. Igual a ele, estava vestido de gala.

Seu antigo chefe fechou a porta as suas costas e saudou Pringle com uma

inclinação de cabeça e contemplou a Jack.

— Há uma historia circulando pelos clubes sobre um cavalheiro que salvou a

uma bela dama em um escuro caminho na gala real. Logo, o vilão acabou morto

com um disparo. — Dalziel arqueou as sobrancelhas. — Entendo que esse era você?

Ele fez uma careta.

— Sim ao primeiro, mas a respeito do segundo, não sei quem disparou. —

Brevemente, lhe explicou os acontecimentos das últimas horas. — Assim, no

referente ao seu aspecto, o traidor poderia ser você ou eu. Outro detalhe que pode

acrescentar ao seu arquivo é que ocupa uma posição bastante elevada na

sociedade para contar com convites para a gala real. A guarda da cerca de entrada

era muito estrita, só se podia aceder com convite, ou seja, nosso mensageiro e

informante não pode entrar sem um.

Dalziel asssentiu.

— Tomo nota. Quanto a nosso defunto amigo... — sua voz se endureceu, —

posso confirmar que era polaco e conhecido por sua secreta lealdade a causa de

Napoleão. Curtiss e o Ministério da Marinha o estavam vigiando durante anos, mas

nunca mostrou nenhum interesse por segredos militares, nem viajou. Estava em

Londres desde 1808. Por azar, averiguou todos estes dados esta noite.

Jack piscou.

— Então, se estivesse vivo o teria interrogado amanhã pela manhã.

O ex-comandante assentiu.

— Poderia ter apostado todas suas posses que sim.

— De modo que precisava morrer esta noite.

— Exato. Suponho que por isso o convocaram para a gala.

— Um lugar onde suporia que estava a salvo.

Depois de um momento de pausa, Dalziel murmurou:

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— Penso que, como muitos outros, subestimou ao seu chefe.

Disse-o com um tom que fez Jack estremecer. Até Pringle piscou surpreso.

Dalziel se moveu e a sensação de ameaça desapareceu. Olhou a Jack, sorriu e se

virou para a porta.

— Eu se fosse você, Warnefleet, me retiraria ao campo imediatamente. Depois

deste último ato de heroismo, vai estar no mais alto das listas das jovens damas. —

Uma vez na porta, olhou atrás, sorriu cinicamente e acrescentou: — E, por uma

vez, suas mães estarão de acordo.

Jack piscou, olhou-o, fechou os olhos e grunhiu.

***

Clarice ouvira chegar alguém e logo o ouviu andar, mas não era Jack pelo que

não lhe interessou o suficiente para mostrar-se. Acabara a xícara de chá e estava

começando a tamborilar com os dedos no braço da poltrona quando ouviu os

passos de duas pessoas descendo as escadas. Um momento depois a porta se abriu

e entrou Pringle com Jack atrás.

Clarice se levantou e mostrou a mão. Pringle se adiantou e a pegou.

— Só é um corte profundo. Nada que não possa curar-se logo. Sempre que não

se infecte a ferida.

Clarice agradeceu e Jack lhe apertou a mão e o médico saiu.

— Bem. — Clarice jogou a capa sobre os ombros e pegou a bolsa. — É hora de

regressarmos ao Benedict’s. — Assim poderia comentar seus pensamentos e

emoções.

Para sua surpresa, Jack franziu o cenho e não fez gesto de avançar para a porta.

— Esta noite nós vimos muita gente juntos. Outra vez. Depois da noite passada

e desta, talvez fosse melhor eu ficar aqui. Provavelmente não durma muito bem e

Gasthorpe é um excelente enfermeiro.

Ela olhou-o fixamente, fez uma profunda inspiração e conseguiu manter seu

genio e suas crescentes emoções a raia.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Meu querido lorde Warnefleet, por favor, compreenda isto: é totalmente

impossível que permita que desapareça de minha vista. Nem esta noite, nem em

um futuro imediato. Além do mais — inspirou outro bocado de ar, — apesar da

eficiência de Gasthorpe, o desafio. Não será capaz de cuidar melhor que eu e,

quanto a sua dificuldade para dormir, estou certa, poderei encontrar algo que lhe

faça esquecer a dor do ombro e esgotá-lo o suficiente para cair profundamente

adormecido.

Sua voz não havia aumentado em volume, mas sim em ênfase. Para seu horror,

ameaçava tremer. Teve que voltar a inspirar o ar e retê-lo durante um instante

antes de poder perguntar com mordacidade:

— Está pronto para sair?

Jack piscou, olhou-a e percebeu que quase tremia, que uma especie de tenue

tensão a percorria. Que estava séria e profundamente desgostosa.

— Sim. Claro. Se você tem certeza.

— Claro que tenho.

Talvez ela estivesse certa, mas ele não o estava em absoluto do que a

desgostava tanto. Poderia ser uma simples reação geral aos acontecimentos das

duas últimas noites. E o que já suspeitava que fosse o típico estilo de Clarice,

poderia estar acumulando tudo em seu interior enquanto tentava ser o habitual

apoio para todos os outros.

No vestíbulo principal, Jack jogou a jaqueta sobre os ombros, se despediu de

Gasthorpe e a pegou pelo braço. Uma vez na rua, a ajudou a subir na carruagem e

se acomodou no assento, consciente que o observava com atenção.

— Só me doi se me aperto ou levanto o braço por cima do ombro.

A ferida não era verdadeiramente grave, mas um aborrecimento, e não havia

sofrido nenhuma outra lesão. Enquanto se dirigiam ao Benedict’s, pensou a que se

depararia pelo resto da noite. Quando entraram em Piccadilly, recordou a visita de

Dalziel e a mencionou a Clarice. Sem que ela o perguntasse, lhe explicou tudo o

que ele dissera.

Passaram perto de uma luz da rua quando a carruagem girou em uma esquina e

viu que Clarice franzia o cenho. De repente, olhou-o e seu rosto se iluminou.

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Paixão Inesperada – Série El Club Bastion 04 – Stephanies Laurens
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— Royce.

Jack a olhou interessado.

— Royce o que?

Ela voltou a franzir o cenho.

— Não sei. Não estou certa se o soube alguma vez. Mas esse é o nome de

batismo de Dalziel, Royce.

Jack refletiu. Depois de um momento, negou com a cabeça.

— Procurar alguém pertencente à nobreza baseado-se em seu nome de batismo

é demasiado complicado.

Mas pensou que devia recordar dizê-lo aos demais. Um dia iriam averiguar a

verdade, toda a verdade sobre seu ex-comandante. Nesse momento, tinha entre as

mãos a outro membro da nobreza igualmente complicado para cuidar.

***

Quando Clarice conseguiu obrigá-lo a subir a sua sala de estar diretamente, sem

dar um rodeio pela escada secundária, Jack já havia decidido como enfrentar-se a

ela.

Diretamente, tão direto como em geral ela era. No instante em que vira seu

defunto adversário preparar-se para cravar-lhe uma faca no coração, teve uma

revelação o bastante potente para descrevê-la como uma flechada de Cupido.

A vida era demasiado curta para não tratar de agarrar o amor. Se Clarice havia

mudado de opinião e decidido ficar em Londres... Ele já mudaria de idéia.

Na carruagem, recordou o conselho que ela havia dado a Alton. As pessoas que

davam esse tipo de conselhos, por regra geral, falavam de sua própria perspectiva.

Que assim fosse então.

Havia pensado que demostrar-lhe quanto a queria seria suficiente, mas... talvez

não.

Lamentavelmente, uma coisa era demostrá-lo e outra era dizê-lo. Ainda teria

que fazê-lo; não tinha escolha. Era isso ou arriscar-se a perdê-la, e esse último não

era uma opção.

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Fechou a porta e se aproximou da lareira enquanto Clarice tirava a capa e

deixava a bolsa. Na carruagem, Jack havia duvidado, não sabia se devia deixá-la

falar primeiro, deixá-la tirar o que fosse que estivera mexendo tão claramente em

seu interior.

Mas então recordou como podia vociferar e discursar. Melhor agarrar o touro

pelos chifres e falar ele em primeiro lugar.

Virou-se para ela quando se aproximou e a olhou nos olhos para prender seu

olhar com o seu.

— Antes de nos distrairmos com qualquer outra coisa, há algo que quero dizer.

Ela piscou surpresa, mas então Jack viu certa cautela assomar aos seus escuros

olhos, uns olhos cuja expressão sempre podia interpretar.

Inspirou e continuou rapidamente:

— O certo é que... Eu te amo com toda a alma e moveria céus e terra para fazê-

la minha.

Clarice piscou de novo, sem dúvida recordando o que seriam quase exatamente

suas próprias palavras, mas agora que foi lançado, Jack pareceu ter mais facilidade

para dizer o resto.

— Sei que sua família, Alton, Roger, Nigel e todos os outros precisam de você,

que essa necessidade é real ao seu modo, mas eu te necessito mais. — Susteve-lhe

o olhar e deixou cair todas as couraças que possuia, todas as barreiras as quais

havia usado ao longo dos anos para ocultar-se atrás, algo no que se tornara

excessivamente esperto. — Tenho um solar que está vazio há muito tempo, um

jardim de rosas com um banco que não tem uma dama para se sentar nele e

contemplar as rosas e brincar com seus filhos há décadas. Sei que seus irmãos lhe

são importantes, toda sua família, e entendo o que significam para você, talvez

mais que você, porque sou filho único. Precisamente porque o entendo, não há

nada que deseje mais na vida que formar uma família própria, com você.

Ter muitos filhos, meninas como você, imperiosas e altivas, que me dêem

ordens. — Encolheu levemente os ombros. — E alguns meninos também, mais

como eu, para manter a você e as meninas ocupadas organizando-lhes a vida.

Viu como as lágrimas brotavam pouco a pouco em seus olhos, mas não se

deteve e não se atreveu a deter-se para averiguar por que chorava.

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— Suponho que deveria ater-me a receita habitual, mas não parece que se

possa aplicar a nós. — Inspirou e se apressou a seguir: — Desejo-a de todos os

modos imagináveis, mas, sobretudo como minha esposa. Não quero uma submissa

dama, ou uma boba. Quero a você, tal como é, a parte de você que os outros não

compreendem e diante da qual se mostram cautelosos, a parte de você que vi tão

claramente ao longo das últimas semanas. Essa é a pessoa que aprecio e desejo e

necessito. Quero-a tal como é, ao meu lado no bem e no mal, na saude e na

enfermidade. — Conseguiu esboçar um leve sorriso. — Já nos enfrentamos ao pior

de cada um e o superamos e também experimentamos a enfermidade. — Assinalou

sua cabeça. — Mas além de qualquer outra coisa, é a você quem desejo e não a

filha de um marquês, não a uma prometida com um bom dote, mas só a você.

Esticou os braços, pegou-lhe as mãos, se aproximou mais e a olhou nos olhos,

brilhantes pelas lágrimas.

— Sabe o que sou e não sou nenhum homem doce. Ao longo dos séculos, os

Warnefleet sempre foram guerreiros. Por isso não necessito nenhuma doce dama

como esposa, necessito-a como minha rainha guerreira. Para mim, só serve você. É

a única a qual sonhei ter como esposa. — Inspirou o ar com certa dificuldade. —

Para que fique claro, ainda sou rico e de bom berço, como você, não quero levar

uma vida elegante na cidade. Tenho propriedades ao largo e longo de todos os

campos do país e gosto de cuidar delas pessoalmente, fazer que funcionem bem e

cuidar das pessoas que as mantêm. Esse, para mim, é meu lugar. Um pouco

medieval talvez, mas... Nesse aspecto, minha esposa tem que ser uma dama

experimentada na qual possa confiar a solução dos turnos das flores da igreja,

entre outras coisas.

Ainda que tivesse os olhos regados em lágrimas, Clarice não havia derramado

nenhuma.

Brilhavam-lhe, mágicos em sua luminosidade e a esperança surgiu nele e tentou

esboçar um leve sorriso.

— Acredita que poderia se conformar com isso? Com meu coração, meu amor e

isso?

Ela sentia o coração tão embevecido que apenas podia falar. Não era sua

proposta o que a matava, mas seu modo de fazê-lo, como punha seu coração de

guerreiro a seus pés.

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Quando engoliu a saliva e não respondeu imediatamente, porque ainda não

podia falar devido ao nó que se formara na garganta, o rosto de Jack se endureceu

um pouco.

— Casar-se-á comigo, minha rainha guerreira?

Tentou sorrir através das lágrimas, mas devia ser um pobre esforço, porque a

expressão de Jack se converteu em uma de incipiente pânico.

— Se realmente o desejar, posso cuidar das propriedades aqui da cidade...

Poderiamos viver aqui a maior parte do ano. — Respirou. — Se é isso o que quer,

farei isso... Qualquer coisa.

Clarice agitou as mãos para que se calasse.

— Não, não, não! — As palavras surgiram em um gemido choroso.

Jack ficou sério e piscou.

— Não ao que?

Conseguiu inspirar um bocado de ar e esboçar um verdadeiro sorriso.

— Não o estrague. — Olhou-o nos olhos e viu que o repentino pânico se

evaporava. — Foi a proposta mais perfeita que jamais esperei ouvir. — Deixou que

tudo o que sentiía se refletisse em seus olhos. — Te quero, imbecil. Faz semanas

que te quero.

Jack sorriu e a pegou. Clarice deixou que a atraisse para seus brazos. Ergueu as

mãos e lhe percorreu o rosto.

— Esperava, abrigava a esperança que pedisse para casar-me com você. Nunca

desejei casar-me com ninguém mais, não do modo que desejava ser sua esposa. Ia

voltar a Avening com você, e logo iria fazer o que fosse para arrancar-lhe uma

proposta de matrimonio. — Tombou a cabeça. — E se não o conseguisse, estava

disposta a ser sua amante durante o tempo que desejasse. Preferia ser sua amante

a ser esposa de algum outro homem.

O sorriso dele adotou um toque claramente masculino. Abaixou a cabeça para

beijá-la, mas Clarice lhe apoiou uma mão no peito e o deteve.

— Não, espere. Deixe que acabe. Disse que ia esperar e regressar a Avening

com você.

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— Parou e tomou uma enorme inspiração. — Mas ontem e mais esta noite,

quando esse homem lançou a faca, eu acreditei que ia morrer. Você me atirou ao

chão e pensei que você podia morrer e então a faca lhe alcançou e foi pior...

Contemplou seus olhos, mas neles não viu nada mais que amor.

— Ia falar com você esta mesma noite, dizer quanto lhe amava, não importava

se não queria casar-se comigo, mas tinha de dizê-lo, de reconhecê-lo — sentiu que

as lágrimas voltavam aos seus olhos e os regavam, — porque a vida é curta para

dar as costas ao amor.

Jack a olhou durante um momento e inclinou-se, beijou-lhe os olhos fechados,

enxugou-lhe as lágrimas a beijos, umas lágrimas que se deslizavam sob as

pestanas.

— Não vamos dar as costas ao amor. Vamos acolhê-lo com agrado. — Suas

palavras penetraram em sua mente, em seu coração, ao tempo em que a rodeava

com os braços e a apertava contra ele, a salvo, próxima e segura. — Vamos voltar

a Avening e vamos encher a casa de crianças. Envelheceremos cuidando deles e

dirigindo nossas propriedades.

Clarice o rodeou com os braços e se deixou cair contra ele.

— E o que fará com Percy? É doce, mas...

— Você o fará em pedaços. — Jack sorriu. — Pode ajudar-me a escolher uma de

minhas propriedades para ceder-lhe. Creio que o fará bem uma vez que esteja

formado e tenha algo ao seu encargo.

Clarice assentiu.

— Algo que seja seu.

Ela retrocedeu e ele o permitiu. Olhou-a no rosto, maravilhado por tudo o que

lhe dissera e por tudo o que haviam compartilhado.

— Sabe que darei tudo nesta vida sempre que isso significar que será minha?

Clarice ergueu as mãos e lhe emoldurou o rosto com elas, olhando-o nos olhos.

— Leve-me de volta a Avening.

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Ele sorriu, não com seu encantador sorriso, mas com um sorriso sincero, que era

muito mais potente.

— Será para mim um prazer.

Ela lhe devolveu o sorriso devagar e provocadora.

— Desde logo. Isso também.

Rodeou-lhe o pescoço com os braços e o fez abaixar a cabeça.

— Mas por esta noite...

Tudo o que ficava dessa noite era para eles. Para sua celebração privada e para

ir além, para dar os primeiros passos de seu futuro comum, para rir, brincar,

desfrutar, compartilhar.

Nas suaves sombras da cama, em seu cálido interior, se amaram e tomaram

tudo o que fluiu daquilo, o que cresceu e surgiu de seu sentimento. Essa gloria

fluiu, os percorreu, os encheu com cada caricia e cada beijo, gemido e entrega.

Regozijaram-se no tapete de prazer e deleite, de sensual gloria e de esmagadora

beleza do poder mais além do amor que girava ao seu redor, os prendia e os

sustinha. Até que, ao final, os transportou longe do mundo, para esse lugar mais

longe da realidade, onde só os verdadeiros corações e almas podiam ir. Para uma

paisagem que lhes era familiar, ainda que sutilmente alterada, mais definida e

clara, mais emocionalmente segura.

Juntos, desfrutaram da mudança, a acolheram com agrado e exploraram. Um ao

lado do outro, guardaram essa nova paisagem em seus corações e em suas vidas e

a converteram em parte deles. Para sempre seu, no presente e no futuro.

***

O baile de compromisso dos Altwood, em Melton House três noites depois, se

converteu no acontecimento mais celebrado da temporada. Nunca antes nos anais

da alta sociedade, quatro membros de uma nobre casa anunciaram seu

compromisso em uma mesma noite, em um mesmo lugar e ao mesmo tempo.

Todos ficaram mais que deslumbrados.

Clarice levou seu vestido de seda cor ameixa. Desejava que todos recordassem

essa noite, seu canto do cisne, o único baile que organizaria sob o teto de seus

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antepassados, o baile no qual se celebrava seu próprio compromiso junto com o de

seus três irmãos.

Desejava que a recordassem como a escandalosa lady Clarice, com seu ousado

vestido de seda cor ameixa. E o conseguiu.

O anúncio se fez com a devida cerimônia, em uma cena para sessenta

comensais a qual assistiram muitos dos mais influentes personagens da sociedade.

Clarice, seus irmãos e os futuros consortes deram as boas vindas à multidão de

pessoas que responderam, todas sem exceção, ao seu convite para unir-se a festa.

Vestidos com coloridos cetins e sedas, jaquetas negras e lenços brancos, os

convidados abarrotaram o salão de baile, sairam ao terraço e encheram a escada,

ansiosos para ver o momento mais emocionante, o momento no qual os pares

recém prometidos dançavam sua primeira valsa.

Quando os músicos se prepararam para tocar, todos os presentes guardaram

silencio e contiveram a respiração. Orgulhoso e claramente feliz, Alton guiou Sarah

pela escada, seguido por Roger e Alice, e Nigel e Emily. Clarice e Jack fechavam a

marcha, mas quando Alton chegou ao pé da escada, se colocou a um lado e se

deteve com Sarah ao braço. Roger seguiu seu exemplo e se colocou ao outro lado

da escada, com Alice, e Nigel e Emily os seguiram, deixando a Jack e a Clarice no

centro. A expectativa que emocionava a multidão se fez ainda maior. Ouviram-se

algumas exclamações sufocadas, uma série de murmurios percorreu a longa sala,

mas logo se apagaram. Todos os olhos estavam fixos nos pares ao pé da escada.

Pelo braço de Jack, Clarice desceu o último degrau e, surpresa, olhou a Alton, que

sorriu.

— Sempre devia ter sido a primeira. Sempre nos guiou em assuntos como este.

Sem você, só Deus sabe se estaríamos aqui, assim, esta noite. — Com um elegante

gesto, lhe indicou que avançasse. — Depois de você, querida irmã.

Ela o olhou aos olhos e olhou a Sarah, que, sorrindo, assentiu:

— Jack e você primeiro.

A música soou. Ao sentir o contato de Jack nas costas nuas, Clarice inclinou a

cabeça para seu irmão com gesto regio e logo se voltou para os braços de Jack.

Olhou seus olhos e viu o amor brilhando neles. Devolveu-lhe o sorriso e deixou que

a deslizasse pela pista, para seu futuro. Os convidados soltaram um suspiro

coletivo.

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Seus irmãos e prometidas os seguiram. Só os quatro pares deram uma volta na

pista. Uma onda de sussurros deliciosamente escandalizados surgia à medida que

mais convidados se fixavam no vestido de Clarice e admiravam o par tão atraente e

deslumbrante que formavam. Então, outros se uniram ao baile.

Em questão de um minuto, a metade dos assistentes encheu a pista, todos

ansiosos por tomar parte desse momento especial.

Clarice não os via; estava demasiado absorta na rede de felicidade que os

envolvia a Jack e a ela.

— Quando poderemos regressar a Avening?

Ele só tinha olhos para ela. Ergueu as sobrancelhas.

— Amanhã lhe parece muito cedo?

Clarice negou com a cabeça.

— Ordenarei que preparem a carruagem para as dez. No caminho, podemos

parar no clube.

Jack sorriu.

— Qualquer um pensaria que não aprecia a alta sociedade em toda sua gloria.

Ela o olhou também com as sobrancelhas erguidas, altiva e contestou um pouco

áspera.

— Aprecio, mas sei o que quero: Avening, seus filhos e você.

Um homem inteligente sabia quando devia fechar a boca. O sorriso de Jack se

ampliou. Colou-a mais a ele, a fez girar e começou a planejar o melhor modo de

dar a sua rainha guerreira exatamente o que queria.

***

Regressaram a Avening para que James pudesse casá-los na igreja do povoado,

onde todos os Warnefleet haviam pronunciado seus votos durante gerações.

Nenhum dos dois exigiu nada diferente. Preocupada pelas feridas de Jack, não só a

do ombro, mas também a da cabeça, Clarice insistiu que fizessem a viagem em

três dias e realizassem longas paradas para o almoço, dando por finalizada a

jornada na última hora da tarde, em uma pensão confortável.

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Viajavam diante de um pequeno exército, pois seus três irmãos, suas prometidas

e muitos outros membros da familia, além das tias de Jack e outros parentes, junto

com um seleto contingente de amigos de suas familias, com lady Osbaldestone

entre eles, os seguiriam depois de alguns dias.

Pretendiam casar-se o antes possível; nenhum dos dois desejava desperdiçar

mais tempo de suas vidas.

O bispo se mostrou mais que feliz de conceder-lhes uma licença especial e sua

benção quando a solicitaram. Claro, os outros membros do clube Bastion também

foram convidados e chegariam em breve. Assim, haviam convidado a Dalziel, mas

como era de prever, este enviou suas desculpas.

Jack sugeriu que percorressem a cavalo o último trecho. Feliz de livrar-se dos

confins do coche, Clarice se uniu a ele em longas galopadas alternadas com

passeios através dos campos que ainda conservavam o frescor da primavera, com a

luz do sol e a sensação de estar onde lhes correspondia.

Finalmente, avançaram a meio galope pelo caminho de Tetbury e se detiveram

no alto da colina, como Jack fizera só umas poucas semanas antes. Com Clarice ao

seu lado, contemplaram o vale de Avening, os campos de frutas que rodeavam sua

casa, as nuvens de flores de maçãs que ainda enchiam as árvores. Era o mesmo,

mas ao mesmo tempo não o era.

As emoções que a vista e o olor das flores de maçãs evocavam nele mudaram.

Olhou a Clarice, que sorria levemente enquanto contemplava seus dominios.

Jack sentiu que o coração se enchia. Aquela era realmente sua verdadeira volta ao

lugar, porque com ela, este estava completo.

Pegou-lhe a mão, a levou aos lábios e lhe deu um leve beijo nos nós. Olhou-a

nos olhos e sorriu quando, surpreendida, lhe dedicou uma inquisitiva olhada.

Soltou-a, indicando-lhe com a mão que avançasse.

Um junto ao outro desceram a colina até a aldeia, até a casa.

Sua rainha guerreira, Avening e as flores de maçãs.

Por fim, estava em casa.

Fim

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