Debates Feministas Sobre Pornografia Heteronormativa - Estéticas e Ideologias Da Sexualização

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Debates Feministas Sobre Pornografia Heteronormativa:


Estéticas e Ideologias da Sexualização

Feminist Debates on Heteronormative Pornography:


Aesthetics and Ideologies of Sexualization

Pedro Pinto*, Maria da Conceição Nogueira, & João Manuel de Oliveira


a
Universidade do Minho

Resumo
Este artigo re-visita o debate feminista sobre pornografias heteronormativas e analisa a sua produção de
discursos polarizados, em particular os que recorreram às ciências psicológicas como forma de legitimar
as suas posições. Partindo da localização da indústria pornô nas mecânicas do capitalismo contemporâneo,
propomos repensar os significados da pornografia para lá da psicologia social tradicional e do feminismo
norte-americano mais conservador. O papel preponderante que a pornografia hoje assume nas indústrias
do sexo é indissociável da proliferação tecnológica da mídia e da crescente sexualização dos seus mercados.
Neste artigo – uma análise de textos e discursos – situamos a pornografia numa fenomenologia mais
ampla e reflexiva, cruzando uma abordagem feminista-construcionista com a psicologia social crítica.
Palavras-chave: Pornografias; Feminismos; Tecno-ciência; Indústria; Roteiros sexuais.

Abstract
This paper revisits the feminist debate on heteronormative pornography and analyzes its production of
polarized discourses, particularly those that have explored psychological sciences to legitimize their
positions. Locating the porn industry within the mechanics of contemporary capitalism, we propose to
rethink the meanings of pornography beyond the strict boundaries of the traditional social psychology
and the conservative North American feminism. The paramount role played by pornography in the sex
industries is nowadays inseparable from the technological proliferation of the media and the increasing
sexualization of its markets. In this article – an analysis of texts and discourses – we situate pornography
in a broader and more reflexive phenomenology, crossing a constructionist-feminist approach with criti-
cal social psychology.
Keywords: Pornographies; Feminisms; Techno-science; Industry; Sexual scripts.

As (In)Definições do Discurso Pornográfico: na, dando assim espaço à constituição espontânea de ni-
Entre a Moral e as Estéticas da Representação chos alternativos de mercado e ao surgimento de novas
audiências. As recentes inovações tecnológicas, muitas
Assistimos nas duas últimas décadas ao aparecimento das quais popularizadas pela vasta e lucrativa indústria
de uma incrível variedade de produtos e de novas ten- pornô, facilitaram tanto a sua produção como o seu acesso
dências da indústria pornográfica, acompanhando pro- por pessoas de contextos socioculturais muito diversos
fundas transformações nas tecnologias dos média. A (Ciclitira, 2004). A Internet, enquanto mecanismo proge-
World Wide Web conferiu visibilidade e acessibilidade nitor da nova era pornográfica, também provocou consi-
àquela indústria, que pôde assim reinventar-se em subgê- deráveis transformações nos seus modos de distribuição
neros alternativos de produção independente, ou mesmo e recepção, permitindo o total anonimato dos seus consu-
amadora. Em bastantes casos, as novas pornografias pas- midores, assim resguardados dos constrangimentos do
saram a desafiar os imperativos estéticos mais comer- espaço público. Os peep-shows, os quiosques de revistas,
ciais, subvertendo ao mesmo tempo as ideologias centrali- as salas de projeção de filmes hard, os clubes de aluguer
zadoras do capitalismo. Significativas parcelas da sua de vídeos, enfim, todos os lugares socialmente estigmati-
produção contemporânea deixaram de atender às expec- záveis pelo pudor, foram rapidamente preteridos a formas
tativas mais tradicionais da heterossexualidade masculi- bem mais privadas de acesso a produtos pornográficos,
longe de mediadores presenciais e de outras testemunhas.
*
Os novos mercados televisivos foram igualmente pressio-
Endereço para correspodência: Universidade do Minho,
Centro de Investigação em Psicologia, Campus de Gualtar, nados por esta re-configuração das lógicas de consumo,
Braga, Portugal, 4710-057. E-mail: pedropinto@iep.uminho.pt não só passando a difundir programações específicas “para

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adultos” (primeiro por satélite e depois por cabo), mas extensivamente (re)produzidas de acordo com a nor-
também desenvolvendo esquemas mais interativos de mativa docilidade1 (Foulcault, 1975/1987) do corpus
consumo, designadamente o video-on-demand. Em Por- mainstream da midia, potencialmente histérico na sua
tugal, por exemplo, estas estratégias alternativas de acesso expressividade, mas ideologicamente ordeiro nos dis-
(camuflado) à pornografia contrariam hoje os meca- cursos que promove.
nismos societais da sua interdição televisiva, tanto sus- O termo “pornografia” inscreve-se, ainda hoje, numa
tentada pela ideologia democratizada do “serviço públi- imensa ambigüidade discursiva, sobremaneira influen-
co”, como pelas estratégias de programação dos canais ciada por tradicionais representações científicas e insti-
generalistas privados. Em realidades socioculturais onde tucionais muito poderosas. A sua (in)definição tem pri-
a mais básica educação sexual é ainda uma potencial vilegiado o reforço de categorias reguladoras da ordem
fonte de embaraços institucionais e familiares, a aqui- estética e moral, acabando por re-velar – ou seja, ocul-
sição permanente de canais pornográficos é dificilmente tando de novo – os conteúdos sexualmente explícitos
legitimada nos discursos hegemonicamente partilhados que pretende descrever (ou, como explicaremos mais à
em família, se não até informalmente interdita em alguns frente, prescrever). A coisa pornográfica é socialmente
contextos sociais, políticos e religiosos. construída sobre uma monolítica arquitetura de dicoto-
Numa sociedade como a nossa são bem conhecidos, é mias: ela é o referente máximo da “cultura do lixo”, “co-
certo, os procedimentos de exclusão. O mais evidente, mercial” e “ofensiva”, por oposição à cultura “erudita”,
o mais familiar também, é o interdito. Sabe-se bem do “bom gosto” e da “normalidade” (Dyer, 1992). Dito
que não se tem o direito de dizer tudo, que não se de outro modo, o termo “pornográfico/a” tem vindo a ser
pode falar de tudo em qualquer circunstância, que claramente extrapolado como tropo de todos os discur-
não é qualquer um, enfim, que pode falar de qualquer sos sobre a perversão nas sociedades contemporâneas
coisa. (Foulcault, 1971/1997, p. 10). (Ogien, 2007). À medida que a pornografia ascendeu, a
Assim, na tentativa de fugir à obsoleta condição de partir dos anos noventa, a categoria independente da
parente pobre da indústria pornográfica, as empresas de cultura midiática, as suas implícitas definições tenderam
canais por cabo têm vindo a instrumentar o discurso da mais a produzir do que a descobrir os sentidos dos seus
proteção da privacidade, nomeadamente nos anúncios aos textos (visuais e literários), dizendo mais sobre os medos
serviços pay-per-view, onde é prometido que os regis- relativos à corrupção da susceptibilidade pública e me-
tros da compra de cada filme serão invisibilizados (“não nos sobre os seus conteúdos propriamente ditos (Attwood,
aparecem discriminados na fatura mensal”). “A trans- 2002). A transgressão de fronteiras identitárias, a expo-
formação da intimidade pode exercer uma influência sição de tabus da sexualidade e do corpo, a irremediável
subversiva sobre as instituições modernas no seu todo marginalidade em termos culturais, são alguns dos atri-
porque um universo social em que a realização emocio- butos hegemonicamente associados à pornografia, os
nal substituísse a maximização do crescimento econô- quais parecem estimular a sua condenação no mundo con-
mico seria muito diferente daquele que presentemente temporâneo. São também os mesmos atributos que fa-
conhecemos” (Giddens, 1992/1996, p. 2). No entanto, zem dela um rótulo para tudo o que é situado no extremo
na ideologia midiática da difusão televisiva de pornogra- oposto daquilo que é moralmente aceitável. A palavra
fia, também na intimidade é exigida discrição, senão pornô possui assim o incrível poder discursivo, tão plásti-
mesmo segredo, pelo que duvidamos das possibilidades co quanto efêmero, de designar o lugar (estatuto) midiá-
de emancipação desse discurso relativamente à vivência tico de uma qualquer representação da sexualidade, não
da sexualidade. A proteção da privacidade parece-nos aqui apenas em relação a outras formas de comunicação e
uma retórica profundamente comercial, distante de qual- entretenimento, mas também por oposição a todas as
quer libertadora transformação da intimidade que não parcelas da produção cultural não consideradas como
seja a liberdade de compulsivamente consumirmos o que “sexualmente explícitas”, “obscenas” até. Esse poder de
nos é dado a escolher. Não será por acaso que a indústria significação tem vindo a tornar-se, aliás, cada vez mais
pornográfica tem sobremaneira proliferado através de complexo e dinâmico, já que muita da linguagem e da
domesticadas tecnologias informáticas de difusão, mui- iconografia tradicionalmente associada à pornografia,
tas vezes aliadas a produções home-made. Esta notável considerada obscena e “suja” até há pouco tempo atrás
acessibilidade, que não se refere apenas aos meios de (fora do alcance da higiene ideológica dominante), en-
produção e reprodução audiovisual, mas também ao con- contra-se hoje assimilada em muitas formas da cultura
sumo, cedo implicou um custo elevado: à medida que foi popular. Este processo a que chamamos, a partir do tra-
tomada consciência coletiva sobre a possibilidade de balho de Brian McNair, de sexualização da cultura
novas e mais nefastas perversões sexuais, verificou-se o (Attwood, 2006; Gill, 2007; McNair, 2002) ou mesmo
crescimento generalizado de um enorme pânico moral, de pornograficação do mainstream (McNair, 1996), tem
em grande parte incendiado por construções midiatizadas
sobre os “perigos” que espreitam por detrás da indústria
1
pornô – o abuso sexual de crianças e o tráfico humano. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser
utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
Aliás, as definições dominantes de “pornografia” têm sido (Foulcault, 1975/1987, p. 118).

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suscitado uma enorme ambivalência de significados po- parte das atenções sociais e políticas, certamente porque
líticos: ainda que certamente promova o reforço das ide- a sua violência simbólica pode ser superficialmente mais
ologias dominantes de género e da sexualidade, não dei- evidente, logo – à luz da longa tradição essencialista –
xa de progressivamente abrir caminho a novas possibili- mais eminentemente reprodutível em sociedade.
dades de representação identitária.
Muita da pornô que entrou na cultura mainstream Do Essencialismo ao Autoritarismo:
através de canais como a publicidade automóvel, o Cruzando Psicologias e Feminismos
cinema, a musica, a Internet e a televisão, continua a
ser orientada para os homens ao ponto da misoginia, Também a fenomenologia pornográfica foi sendo cien-
tal como muitas feministas pro-porn admitirão. No tificamente construída sobre o que a pornografia faz
entanto, a sexualização da cultura, da ‘pornôesfera’ (Huntley, 1998), e não sobre o que ela diz, confirman-
para a esfera pública, incluiu a democratização e a do-se laboratorialmente não mais do que uma série de
diversificação do discurso sexual. (Ciclitira, 2004, p. expectativas causais, em tudo correspondentes com as
285, tradução nossa). ansiedades socialmente avolumadas em torno daquela
As fronteiras que separam a pornografia de outras re- indústria. Importa-nos neste ponto salientar as nefastas
presentações da sexualidade parecem-nos hoje cada vez conseqüências “de um discurso com pretensão cientí-
menos claras, sendo os seus conteúdos e suas implícitas fica – discurso médico, discurso psiquiátrico, discurso
relações ou formas de consumo insuficientes para as dis- sociológico também – sobre o conjunto de práticas e de
tinguir. Na verdade, a manutenção estrutural dessa sepa- discursos prescritivos que o sistema penal constitui”
ração deve-se sobretudo à permanência de um hierarqui- (Foulcault, 1971/1997, p. 46). Em particular, pretende-
zado sistema de representação da cultura e da própria mos aqui reafirmar que muita da pesquisa psico-socio-
arte, onde certas formas de expressão são elevadas sobre lógica (e.g. Donnerstein, 1980; Donnerstein & Lintz,
outras, numa relação de constantes oposições (Attwood, 1986; Donnerstein & Malamuth, 1984; Itzin, 1992;
2002). Neste esquema socialmente internalizado, as cons- Russel, 1992) acabou ela própria por alimentar a crença
truções dominantes do “gosto” exercem um significativo de que a (hetero)sexualidade masculina é naturalmente
poder regulador, essencial na preservação da ordem agressiva e exaltada por padrões de violência, poten-
estética dos mercados capitalistas globalizados, fun- cialmente reforçados pela exposição a conteúdos por-
cionando como referente discursivo das distinções entre nográficos caracterizadamente misóginos. Neste sentido,
formas “maiores” e “menores” de cultura2. Tais distin- os homens (heterossexuais) revertem-se em potenciais
ções baseiam-se, antes de mais, nos valores associados consumidores problemáticos de pornografia – sobretudo
ao consumo da chamada “cultura de elite”, cristalizada “violenta” – e as mulheres em irremediáveis vítimas dos
nas lógicas artísticas mais tradicionais do Ocidente, por efeitos desse consumo.
oposição aos prazeres procurados no consumo de obje- . . . Uma aplicação simples das leis da aprendizagem
tos massificados da cultura popular contemporânea3 social (e.g. condicionamento clássico, condiciona-
(Dyer, 1992). À luz deste sistema de valores dicotômicos, mento instrumental e modelagem social), sobre os
a capacidade contemplativa, racional e intelectualmente quais existe agora considerável consenso entre psicó-
interpretativa do/da conhecedor/a de arte, contrasta com logos/as, sugere que consumidores de pornografia
a satisfação fisicamente revelada de quem ri, de quem podem desenvolver respostas de excitação a descrições
dança, de quem tem um orgasmo – de quem se mostra de violação, assassínio, abuso sexual de crianças ou
afinal susceptível aos prazeres simbolicamente associa- outros comportamentos abusivos. (Russel, 1992, p.
dos, na nossa cultura, ao extremo oposto da mente: o 314, tradução nossa).
corpo. Enquanto expressões culturais socialmente despres- Ainda nos anos setenta do século XX, o debate femi-
tigiadas, as representações midiáticas da sexualidade têm nista sobre pornografia absorveu essa mesma esteira de
constituído um terreno fértil para o cultivo de discursos pressupostos essencialistas, sendo desde muito cedo po-
institucionais e científicos, enraizados no pressuposto da larizado entre posicionamentos antagônicos. Algumas
inevitável corrupção ou ofensa da susceptibilidade dos correntes feministas radicais trouxeram a pornografia
públicos. De todas as formas da produção industrial de para o centro de uma antiga polêmica ideológica sobre
cultura, foi a pornografia que sempre concentrou a maior as políticas de representação das sexualidades, definin-
do-a unicamente como uma das mais degradantes for-
mas de violência contra as mulheres. A pornografia era
2
Apesar da incorporação de um discurso que esbate essas assim compreendida como uma evidente expressão da
distinções, ainda que no âmbito da post-porn, como é pa- opressão masculina, feita por homens para homens, num
tente na referenciação de autores marxistas e ao caso Baader-
Meinhof em “Raspberry Reich“, de Bruce LaBruce (2004).
continuum ideológico da hegemônica cultura heterosse-
3
Ainda que várias propostas artísticas contemporâneas te- xista. Os seus textos e as suas imagens, no entender de
nham contestado esta dicotomia, como sejam os trabalhos muitas ativistas, não poderiam senão apresentar signifi-
de Linda Benglis (o anúncio na ArtForum em 1974), as
propostas de Marina Abramovic em Balkan erotik epic cações estáticas e simplistas, dando forma e encorajando
(2005) ou os trabalhos de Jeff Koons da década de 90. relações de poder opressivo, acabando por inevitavelmen-

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Pinto, P., Nogueira, M. C. & Oliveira, J. M. (2010). Debates Feministas Sobre Pornografia Heteronormativa: Estéticas e Ideologias da
Sexualização.

te produzir efeitos diretos e quantificáveis sobre os seus ploração erótica da dor e de cenários de dominação.
consumidores. Tais efeitos seriam apenas possíveis de Segundo este prisma, tal ideologia sempre cristalizou e
evitar através de mecanismos de regulação estatal, capa- fomentou a expressão da sexualidade agressiva do ma-
zes de censurar o que parecia ser a mais perversa in- cho, sendo a pornografia o seu mais declarado repre-
fluência sobre a violência masculina. Ao combaterem a sentante na atualidade (Gutiérrez, 2006). Enquanto re-
comercialização da sexualidade, as feministas anti-por- presentação da sexualidade cunhada hegemonicamente
nografia (e.g. Andrea Dworkin, Robin Morgan, Catherine como perversa, o sadismo (e, consequentemente, as prá-
MacKinnon, Diana Russell) faziam recair a sua argu- ticas sexuais sadomasoquistas) é instrumentado na ar-
mentação sobre frágeis e efêmeras definições do que é gumentação anti-pornografia como atributo pejorativo da
“pornográfico”, “opressivo”, “obsceno” e “violento”, identidade sexual masculina, portanto inerente a toda a
reduzindo o espaço de análise sobre as questões de re- produção pornográfica. Nas suas mais moralizadas defi-
presentação, do desejo e da fantasia sexual. nições, o sádico e o pornográfico (na pessoa do pornô-
No sistema masculino, as mulheres são sexo; o sexo grafo) andam de mãos dadas, ficando virtualmente ex-
é a meretriz. A meretriz é a porne, a meretriz mais cluída qualquer interpretação do sadomasoquismo para
baixa, a meretriz que pertence a todos os cidadãos lá da sua literal e mais superficial discursividade. Na
masculinos: a cabra, a cona. Comprá-la é comprar retórica anti-pornográfica, contígua à teoria feminista
pornografia. Tê-la é ter pornografia. Vê-la é ver radical mais conservadora, a possibilidade do prazer e a
pornografia. Ver o seu sexo, especialmente os seus subversão dos roteiros sexuais genderizados, quando
genitais, é ver pornografia. Vê-la no sexo é ver a projetadas a partir das experiências sadomasoquistas, não
meretriz no sexo. Usá-la é usar pornografia. Querê- serão mais do que fabulações ideológica e politicamente
la significa querer pornografia. Sê-la significa ser irresponsáveis. Se aceitássemos acriticamente tal pres-
pornografia. (Dworkin, 2003, p. 389, tradução nossa). suposto, Sade não poderia passar de um homem “perver-
No sentido de reforçar os imperativos da censura, a so”, tal como qualquer consumidor (homem) de porno-
retórica anti-pornográfica absorveu e sobreestimou os grafia, virtualmente a um passo de se tornar num violador,
resultados de estudos da psicologia experimental ameri- ou num abusador sexual de menores. No entanto, pare-
cana (e.g. Donnerstein, 1980; Donnerstein & Lintz, 1986; ce-nos mais pertinente repensar a obra de Sade – assim
Donnerstein & Malamuth, 1984), cujas práticas de labo- como a pornografia – numa multitude de significados e
ratório concentravam-se sobretudo na população mas- re-interpretações que não deixem de problematizar os
culina (majoritariamente branca e pouco escolarizada), lugares socialmente privilegiados de quem a censura; que
acabando por recorrentemente generalizar o postulado não excluam à partida os princípios da diversidade e da
da agressiva “natureza” masculina. Como Wilkin (2004) singularidade dos indivíduos. Nesse sentido, um impor-
nos mostrou, a proposta empírica das feministas anti- tante caminho foi deixado em aberto por Simone de
pornografia, ou pró-censura, enraíza-se, sobretudo, em Beauvoir na sua obra Faut-il brûler Sade?:
metodologias positivistas e interpretativistas de análise: Sade tentou converter o seu destino psico-fisiolôgico
a exposição à pornografia é causa direta de violência numa escolha ética; e nesse acto, através do qual
(sexual ou outra) contra as mulheres, ou pelo menos assumiu essa separação, pretendeu fazer um exemplo
condiciona – pelos mecanismos psicológicos da apren- e um apelo: é nesse sentido que a sua aventura se
dizagem – a agressividade masculina nesse sentido, revestiu de uma ampla significação humana. Podere-
levando potencialmente os seus consumidores (homens) mos, sem renegar a nossa individualidade satisfazer
a tais atos de violência. As retóricas mais positivistas e as nossas aspirações à universalidade? Ou é apenas
dedutivas foram extensivamente utilizadas por algumas através do sacrifício das nossas diferenças que nos
feministas radicais, reforçando assim as suas constru- poderemos integrar na coletividade? (Beauvoir, 1955/
ções mitológicas de binarismos de sexo e de gênero, 1972, p. 12-13, tradução nossa).
particularmente o pressuposto da existência de uma se- Partindo desta idéia do “sacrifício das nossa diferen-
xualidade masculina essencialmente violenta e negati- ças” em prol de um ideal de “universalidade”, refazemos
va, por oposição à afetuosa e positiva natureza sexual a irônica pergunta de Beauvoir (será preciso queimar
feminina. “A simples verdade é que, nesta cultura, os Sade?), desta feita à luz da nossa contemporaneidade:
homens têm que fazer uma decisão consciente para não será necessário queimar toneladas de revistas e vídeos
violar” (Jensen, 1993, citado por Wilkin, 2004, p. 347, pornográficas/os para levarmos avante um tão desejável
tradução nossa). Na perspectiva mais radical do femi- projeto feminista de transformação social? Qual é afinal
nismo, as violações e outras formas de agressão contra a eficácia emancipatória de uma retórica abolicionista e
as mulheres foram sendo historicamente construídas na que conseqüências pode o autoritarismo trazer para as
nossa cultura através dos discursos de alguns autores nossas vidas? Numa análise psico-sociológica das estra-
(homens), sendo disso exemplo paradigmático a obra de tégias do feminismo abolicionista, Donald Judges (1995)
Sade (1740-1814), a qual foi socialmente re-apropriada responde vigorosamente a esta questão:
como categoria classificatória de práticas sexuais não nor- Tal como a pornografia, o autoritarismo tem o poten-
mativas e culturalmente transgressoras, associadas à ex- cial de trazer ao de cima o pior das pessoas, senão

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por outra razão, porque oferece a ilusão sedutora de De resto, menos ou mais positivistas, as estratégias
gratificação. A experiência sexual que a pornô pro- feministas pró-censura sempre preferiram negar à por-
mete é contrafeita e no limite insatisfatória; o poder, nografia qualquer capacidade de significação mais com-
a segurança, e o reforço que o autoritarismo profetiza, plexa, logo subtraindo dos seus consumidores a possibi-
na verdade tudo enfraquece e subjuga no seu alcance. lidade de agenciamento ou re-interpretação crítica dos
Ao contrario da pornografia, no entanto, o autorita- conteúdos.
rismo inflige o seu estrago disfarçado de preservação Uma forte contestação a este posicionamento foi para-
social. Ainda, ao contrário da pornografia, não há lelamente surgindo dentro da própria teoria feminista e
nenhuma incerteza sobre os seus efeitos coercivos. dos seus movimentos de intervenção social e política,
(Judges, 1995, p. 713, tradução nossa). especialmente a partir dos anos noventa, com a entrada
A proposta da maior parte das feministas anti-porno- numa terceira vaga do feminismo, não só mais atenta à
grafia é pois tão transparente quanto é para elas o signi- pluralidade das identidades e das sexualidades – em lar-
ficado daquela indústria; leituras de sentido único tanto ga medida enfatizada pelo legado recente da teoria queer,
constituem o seu ponto de partida quanto o seu ponto de tão ideologicamente “herética” do ponto de vista políti-
chegada. Na tradicional argumentação pró-censura, os co e científico –, mas também aos perigos evidentes da
conteúdos pornográficos parecem previsivelmente con- censura e dos seus atos de normalização normativa
firmar as expectativas sobre a masculinidade dominan- (Paasonen, Nikunen, & Saarenmaa, 2007, p. 17).
te, cuja agressividade é culturalmente naturalizada: “Por- Os resultados perversos do movimento anti-pornografía
nografia é a teoria; violação é a prática” (Morgan, 1980, manifestaram-se no Canadá, onde se aplicaram medidas
p. 128, tradução nossa). Estas feministas ter-se-ão es- de controlo da representação da sexualidade seguindo
quecido que, quando nos falam de “pornografia”, estão critérios feministas e onde os primeiros filmes e publica-
afinal a retratar um (único) padrão hegemônico de re- ções censuradas foram procedentes de sexualidades mino-
presentação da sexualidade, completamente imbuído ritárias . . . especialmente as representações lésbicas (pela
numa ideologia predominantemente heterossexista. Por presença de dildos) e as representações lésbicas sadoma-
outras palavras, ao tomarem a parte pelo todo, parecem soquistas (que a comissão federal considerava um vexa-
ter ignorado que enquanto as estruturas políticas, econô- me para as mulheres), enquanto que as representações
micas e culturais das nossas sociedades permanecerem estereotipadas das mulheres no pornô heterossexual não
conjugadas sob a mesma construção da masculinidade, foram censuradas. (Preciado, 2008, p. 237-238, tradu-
certas representações da sexualidade predominarão mais ção nossa).
facilmente sobre outras, não apenas na pornografia, mas
em toda a produção da cultura e da própria ciência. A Recusa do Dicotômico: Uma Leitura
Como também podemos compreender com Wilkin Pós-Estruturalista Queer sobre as Políticas do Debate
(2004), ainda que a argumentação interpretativista anti-
pornográfica refute o caráter estático e essencialista dos O problema essencial do debate feminista sobre por-
efeitos da pornografia sobre a sexualidade masculina, a nografia foi ter sido reduzido pelas suas protagonistas a
sua retórica enraíza toda a produção daquela indústria duas metades opostas, não deixando espaço para cum-
nas fundações patriarcais da cultura dominante. Nesta plicidades entre as válidas perspectivas de cada um dos
óptica anti-pornográfica menos radicalizada, a pornogra- lados (Chancer, 2000). “Tal como os títulos anti- e anti-
fia nunca deixa de reforçar as hierarquias de poder entre antiporn já implicam, estes debates foram fundados pelo
homens e mulheres, acabando por moldar e induzir cer- princípio de escrever contra” (Paasonen et al., 2007, p.
tas formas de desejo potencialmente opressoras. A defi- 17, tradução nossa). Mais, o idealismo pressuposto nas
nição de pornografia permanece assim aprisionada numa diferentes estratégias foi antes salientado. Os “manuais”
irremediável capacidade de fixar as identidades e as prá- de interdição da pornografia denotam uma arrepiante
ticas sexuais segundo rígidos códigos de gênero. O rema- insensatez sob o ponto de vista elementar da liberdade,
nescente determinismo deste pressuposto implicaria que para além de não saberem fornecer propostas que não as
toda a indústria sexual não tivesse espaço para existir simples subtrações desse espaço representativo das se-
fora da super-estrutura do patriarcado, pelo que a porno- xualidades – só comparáveis às políticas de abstinência
grafia não poderia ser outra coisa que não uma manifes- sexual enquanto modelos para a educação, para a sexua-
ta expressão da dominação masculina, ficando à partida lidade e para a prevenção de doenças sexualmente
impossibilitada de renegociar o seu significado. transmissíveis. Em contrapartida, partilhamos a convic-
O pressuposto interpretativista é dificilmente um ção de que “. . . o melhor antídoto contra a pornografia
avanço sobre o modelo positivista desenvolvido por dominante não é a censura, mas antes a produção de
Russell e outros/as, e revela as mesmas retóricas representações alternativas da sexualidade, feitas a par-
fundações: o pressuposto generalizável de que a tir de olhares divergentes do olhar normativo” (Preciado,
pornografia tem um efeito regular (em maior ou 2007, para. 8, tradução nossa). Por sua vez, muitos dos
menor grau) sobre o comportamento masculino. contra-ataques da pró-pornografia mostram-se desaten-
(Wilkin, 2004, p. 352, tradução nossa). tos ao efetivo posicionamento das mulheres, não só na

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Pinto, P., Nogueira, M. C. & Oliveira, J. M. (2010). Debates Feministas Sobre Pornografia Heteronormativa: Estéticas e Ideologias da
Sexualização.

indústria pornográfica, mas na generalidade dos mer- anti-pornografia (ou radicais) considerar-me-ão uma
cados capitalistas – tanto nos mais comerciais como na herege apenas boa para queimar . . . Noutras pala-
esfera mais elitista da arte contemporânea. vras, se eu gosto de pornografia não é porque sou
As contendas feministas em torno da pornografia, par- um ser humano único com diferentes preferências. É
ticularmente as protagonizadas por ativistas pró-censura, porque estou psicologicamente doente. (McElroy,
não ter-se-ão dado conta da sua cumplicidade na cons- 1995, Prefácio, para. 1, tradução nossa).
trução de uma polêmica não mais que agressiva e autori- As “guerras do sexo” entre feministas – as sex wars,
tária, super-midiatizada pela comunicação social pelos assim conhecidas nos Estados Unidos durante os anos
sectores político-partidários mais conservadores. Sabe- setenta e oitenta, que vão da pornografia à prostituição –
mos como repórteres e editores – homens ou mulheres – parecem-nos ter permanecido subjugadas à super-estru-
são tão facilmente atraídos/das por discursos crispados tura dualista que continua sustentando as dominantes
pelo confronto, servindo assim as estratégias mais lucra- políticas de representação identitária: mente versus cor-
tivas das empresas de comunicação para que trabalham: po, natureza versus cultura, masculino versus feminino,
“Para além de se acreditar que tais polaridades pró-con- (bio)homens versus (bio)mulheres (Preciado, 2008). Para
tra vendem notícias, apresentar os dois lados de uma his- mais, a persistência deste modo dicotômico no debate é
tória serve a função ideológica de parecer democrático . claramente marcada por um pensamento hetero-centrado
. .” (Chancer, 2000, p. 85, tradução nossa). Não é pois – ou straight, como designara Monique Wittig (1980) –,
de estranhar que as mais expressivas campanhas femi- sobretudo por reforçar um projeto político de protesto
nistas contra-pornografia tenham sido entusiasticamen- contra a pornografia que reduz o seu consumo a um mun-
te absorvidas pela mídia, ainda que o ideário feminista do exclusivamente masculino e heterossexual. Tais po-
tenha desde sempre apresentado claras dificuldades em sições moralizadoras e essencialistas excluem qualquer
penetrar eficazmente no mercado da comunicação social possibilidade de propostas pornográficas para mulhe-
(Khan & Goldenberg, 1991), cada vez mais confinado à res lésbicas, por exemplo. Se o projeto feminista consiste,
lógica do imediatismo e à representação essencialista da antes de mais, na luta pela igualdade e liberdade das pes-
“verdade” jornalística. “Feministas anti-censura, ativistas soas, as exaustivas retóricas daquele debate serviram mais
e escritores . . . e aqueles que escreveram textos acadê- para desmembrar essa luta do que para a fortalecer.
micos não polêmicos . . . não atraíram o mesmo interes- Para muitas feministas e ativistas sociais, censurar a
se geral e a mesma cobertura da mídia” (Ciclitira, 2004, pornografia significa retirar às mulheres uma eventual
p. 282, tradução nossa). Também não nos espanta que as fonte de prazer, contribuindo para a redução das suas
propostas do ativismo pró-censura, sobejamente repre- liberdades fundamentais, acabando também por desviar
sentado por Catherine MacKinnon e Andrea Dworkin as atenções sociais de importantes perspectivas multi-
(e.g. Dworkin, 1981; Dworkin, & MacKinnon, 1988), temáticas que têm vindo a alimentar a vibrante atividade
tivessem sido tão bem recebidas pela nova direita ameri- feminista (Chancer, 2000). Para mais, o feminismo anti-
cana dos anos oitenta (Gutiérrez, 2006), nomeadamente censura (também chamado pró-pornografia, pró-sexo,
sob a reacionária Administração Reagan4. ou anti-antiporn) sublinha a possibilidade de criação de
Erguido na senda super-redutora de um antagonismo novas pornografias feitas por mulheres para mulheres,
primário, inflamado por profundas implicações da esfera postulando assim a existência de um espaço alternativo
pessoal na ordem do político e do jurídico-legal, os de- dentro daquela indústria, capaz de fazer surgir discursos
bates feministas da pornô facilmente conduziram as suas que fraturem o saturado mundo pornográfico masculino
protagonistas a posicionamentos egocêntricos (reforça- (heterossexual). Porém, estas novas pornografias não
dos por etnicidades e experiências pessoais específicas), deverão ser aqui reduzidas à dimensão literária e ro-
os quais somente demonstram sobre-valorizar uma dada manceada da erótica “para mulheres” que proliferou no
realidade em detrimento de outras. Para mais, muitas capitalismo contemporâneo, tanto veiculada por uma
ativistas rebelaram-se entre si numa relação de ofensiva ideologia pós-feminista de inspiração androcêntrica
discórdia, certamente castradora da produção crítica de (Sonnet, 1999), como ironicamente sugerida no discur-
conhecimento científico e do seu projeto de transforma- so dominante do feminismo pró-censura, cujas classifi-
ção das realidades sociais. Tal limitação acabou por cações essencialistas anulam a possibilidade de reposi-
transversalmente caracterizar os movimentos contra e cionamento identitário face aos significados hegemônicos
pró (-pornografia e -censura). que prescrevem:
A pornografia beneficia as mulheres, tanto pessoal Defino pornografia heterossexual como um material
como politicamente. Depois de ler isto, feministas criado para homens heterossexuais que combina sexo
e/ou a exposição de genitais com o abuso e a degra-
dação das mulheres de tal modo que pareça apoiar,
4
Haraway (1991a, p. 158) defende que a teoria de aprovar ou encorajar esse comportamento . . . Erótica
MacKinnon teve o efeito de “reescrever a história do cam- refere-se a material sexualmente sugestivo ou exci-
po polimórfico chamado feminismo radical” (tradução nos-
sa). Nem todo o feminismo radical foi moralizador ou pró-
tante que é livre de sexismo, racismo e homofobia
censura, ao contrário de MacKinnon e de Dworkin. e respeitador de todos seres humanos e animais re-

379
Psicologia: Reflexão e Crítica, 23 (2), 374-383.

presentados (Russel, 2000, citado por Wilkin, 2004, Entendemos “pornografia” como scripts (roteiros) se-
p. 349, tradução nossa). xuais. O que são então esses roteiros? “Os roteiros são
Como refere a emblemática feminista pró-pornogra- essencialmente uma metáfora de conceitualização da
fia Wendy McElroy (1995) no seu manifesto XXX: A produção do comportamento na vida social” (Simon,
woman’s right to pornography, nenhuma luminosidade 1996, p. 40, tradução nossa). Como Simon (1996) deixa
ou esclarecimento conceptual parece surtir das defini- claro, a própria utilização do termo roteiros sexuais im-
ções apresentadas pelo movimento feminista anti-porn, plica que toda a sexualidade é discursivamente construí-
que continuam a olhar o mundo através das lentes ideo- da, tornando-se apenas significativa quando definida
lógicas das suas próprias crenças e construções morais. enquanto tal pela vivência em comunidade (significação
Por contraste, a autora reclama uma significação mais sociogênica), ou quando o desenvolvimento e as expe-
realista da produção pornográfica e dos seus conteúdos: riências individuais lhe atribuem significações espe-ciais
“Proponho uma definição neutral em termos de valores: (significação ontogênica).
a pornografia é a descrição artística explícita de homens Nesta perspectiva, os atores e atoras sociais não são,
e/ou mulheres enquanto seres sexuais. O modificador pelo menos necessariamente, meros performers da roti-
“explícito” exclui zonas cinzentas como novelas român- na, de circunstâncias socioculturalmente normalizadas.
ticas femininas (cap. 2, secção What is pornography?, Ao tomarem os seus papéis sociais e inter-pessoais (de
para. 1, tradução nossa). No entanto, ainda que esta classe, de sexo, de gênero, etários e étnicos), não só
proposta seja mais atenta à construção crítica de conhe- passam a poder adaptá-los como até subvertê-los; a
cimento, a reivindicação da pornografia como forma torná-los congruentes com (e não castradores de) dese-
artística parece-nos, em última análise, tão frágil e ideo- jos particulares, pouco ou nada disciplinados pelas or-
lógica quanto as subjetivas classificações das feministas dens do discurso dominante. Apresentado este argu-
pró-censura. Enquanto pomos em causa a universali- mento – um patamar mínimo para que re-contextuali-
dade dos significados de “degradante”, “obsceno/a”, ou zemos as nossas leituras das representações sexuais da
“excitante”, não deveremos também perguntar o que mídia – salientamos novamente: o que a pornografia pro-
quer afinal dizer “artístico/a”? Não deixamos de aqui duz não são mais do que roteiros identitários sexualmente
refletir a vitalidade política da definição de McElroy performativos. Ela faz-se tão somente desse material –
(1995), a qual inerentemente subverte dominantes cons- os scripts – que, ao mesmo tempo que representam e
truções sobre o que a arte pode e deve ser. Mas ao levar- definem subjetividades, são reflexamente reinterpretados
mos a defesa da pornografia por esse caminho retórico, por elas. O termo não exclui nem pressupõe quaisquer
não estaremos novamente a induzir o debate para “zonas formas de agência, emancipação e prazer no consumo de
cinzentas”? Esse não é também um terreno movediço, pornografia, ou quaisquer padrões estéticos presos a atri-
fértil em potenciais contradições? A implicação de um butos “comerciais” e “artísticos” do objeto pornográfico,
caráter “artístico” na definição de pornografia parece pelo que deixa todas essas possibilidades em aberto.
mantê-la aprisionada num enredo de normalizações Esta definição-em-progresso de pornografia permi-
estéticas, reforçando em última instância a hierarquia te-nos igualmente estabelecer um continuum crítico
binária do bom e do mau gosto. Acreditamos que a por- entre os conteúdos simbólicos da sua produção mains-
nografia deverá antes de mais ser defendida pela sua tream e as discursividades produzidas pelas tecnolo-
inerente condição de possibilidade (ou terreno de pos- gias industrializadoras da própria heteronormatividade,
sibilidades), rejeitando assim quaisquer discursos de as mesmas que alicerçam a publicidade ou a imprensa
legitimação que a fixem ideologicamente nos valores de divulgação. Aos nossos olhos, as “verdades” sobre o
normativos das estéticas da representação dominantes. corpo e a sexualidade reificadas nos “conselhos” das
Aqui chegados/das, gostaríamos de repensar o signi- demais revistas para adolescentes, serão tão ou mais
ficado de “pornografia”. Não temos a pretensão da a de- perversas – sobretudo no que respeita ao policiamento
finir em absoluto – pois é algo que não pode existir no heteronormativo do desejo (Jackson, 2005a) – do que
ato contínuo da produção discursiva, o absoluto – mas muitos dos filmes pornô do circuito mais comercial. Os
de um modo que, para já, nos ajude a evitar antigos discursos dominantes de gênero que tão facilmente
becos sócio-biológicos sem saída, conduzindo-nos para encontramos na pornografia malestream são afinal con-
uma necessária re-configuração do entendimento cien- tíguos aos que se escondem no subtexto daquelas re-
tífico sobre as políticas reguladoras do desejo. Assim, vistas, assim como as lógicas de territorialização sexual
propomos uma definição de “pornografia” que não a do corpo nos parecem sobremaneira conformes nos
isola das mecânicas de representação do corpo e das dois contextos de representação visual – o que os filmes
identidades sexuais que percorrem todo o espectro da enfatizam explicitando traduz o que a imprensa juvenil
mídia; que nos permite reciclar as saturadas preocupa- enfatiza ocultando. Na ideologia midiática contemporâ-
ções com os velhos “perigos” da indústria pornográfica nea, para lá do que é sócio-institucionalmente reconhe-
num olhar crítico e transversal sobre toda a cultura da cido como “pornografia”, o desejo permanece submetido
mídia contemporânea e suas poderosas tecnologias de a uma rígida disciplina, de acordo com roteiros sexuais e
gênero (Lauretis, 1987). relacionais que dificilmente fogem às regras hegemônicas

380
Pinto, P., Nogueira, M. C. & Oliveira, J. M. (2010). Debates Feministas Sobre Pornografia Heteronormativa: Estéticas e Ideologias da
Sexualização.

do padrão heterossexual duplo (Jackson & Cram, 2003). democratizado dos novos discursos de aparente agenti-
Em muitos destes roteiros, a mais subjetiva vontade é cidade sexual. Em nosso entender, é imperativo re-situar
castrada do próprio corpo e remetida para um manual de cientificamente a produção pornográfica na sua dimen-
instruções sócio-biológicas que justapõem perigos aos são sexopolítica (Preciado, 2004), ou seja, num dinâ-
prazeres sexuais (Jackson, 2005b). Bastaria pegarmos mico sistema disciplinar de discursos e tecnologias
nas mesmas revistas para adolescentes – especialmente heteronormalizadoras das identidades de gênero, das
dirigidas a jovens mulheres – e logo compreenderíamos práticas sexuais e do próprio corpo.
tais operações de adestramento do desejo, as quais com- Por outro lado, impõe-se o reconhecimento de proces-
põem a anatomia midiática de normalização da sexua- sos de objetificação racial que são particulares àquela
lidade. Para mais, em total conivência discursiva com a indústria e cuja compreensão vai muito para além da
cultura pornográfica dominante, a indústria mídia tem “austera monarquia do sexo” (Foulcault, 1976/1994, p.
ideologicamente reforçado a concepção naturalizada – e 161). De forma mais explícita e independente da trama
heteronormativa – do que socialmente partilhamos como da mídia, a cultura pornográfica mainstream continua a
“a puberdade”: o estádio decisivo da produção social de naturalizar a raça e a “inter-racialidade”, celebrando-
corpos straight (Wittig, 1980) e da aprendizagem de um as num enredo de simbologias etnocêntricas de domi-
sistema hegemônico de representação (hetero)sexualizada nação (Miller-Young, 2007), as quais ainda hoje reificam
da vida (Lamb, 2004). No discurso institucionalizado da a hipersexualidade do “outro” e (mais ainda) da “outra”
“adolescência” é socialmente esperado que cada jovem na forma do gigantesco e do monstruoso (Preciado, 2005),
procure informação sexual sobre o corpo, amplamente evocando permanentemente a raiz da sua história recen-
midiatizada na forma de roteiros, instruindo-se com- te: um colecionismo fetichista de imagens de corpos
pulsivamente para o regime heterossexual da “norma- “exóticos” ideologicamente parido pela misoginia dos
lidade” (Griffin, 2000; Rich, 1980) e assim revelando os regimes coloniais (Sigel, 2000; Yee, 2004) e mantido até
“mistérios” que regulam uma vida sexual adulta. Neste ao século XX no segredo “masculino” das elites aristocrá-
sentido, a naturalização das curiosidades “adolescentes” ticas (Kendrick, 1987/1996). Ao reafirmar continuamente
sobre sexo – fruto de políticas irresponsáveis de educação no sexo a intersecção de conceitos biopolíticos como a
nas nossas sociedades – é tão potencialmente lucrativa raça ou a idade, a indústria pornô objetifica a transgres-
para a indústria pornográfica como para os mercados da são estética de valores moralmente instituídos, paro-
comunicação. diando de forma normativa as assimetrias simbólicas que
os sustentam (e que materializam as relações sociais de
Redimensionando o Olhar Sobre poder). Tais assimetrias são hoje mais facilmente ma-
a Indústria Pornográfica quiadas pela mídia através das suas estratégias politi-
camente corretas de subjetificação identitária, como as
Hoje, mais do que nunca, a pornograficação da cul- que proliferam, por exemplo, nos discursos publicitários
tura mainstream (McNair, 1996) agencia exponen- mais recentes (ver sobre esta questão Gill, 2008). Assim,
cialmente a emergência das “novas” tecnologias do sexo, a pornografia mainstream, aqui complementarmente en-
sobretudo dirigidas a mulheres. Falamos em especial da tendida como um sistema hiperbólico de representação
farmacologia e da cultura material associada à mas- dos poderes raciais, obriga-nos a refletir de forma espe-
turbação, as quais vivem num diálogo permanente com cial sobre a profunda permanência discursiva de uma
os imaginários da cultura pornográfica dominante (Pre- mentalidade determinista no “nosso” mundo globalizado,
ciado, 2008). Os novos ensaios farmacêuticos de um muito mais próxima da “raça” (biologia) do que da
Viagra “cor-de-rosa” (Hartley, 2006), decorrentes de uma etnicidade (e suas dinâmicas inter-culturais). Neste sen-
medicalização compulsiva das mulheres e da patologi- tido, não só nos parece incontornável olharmos para ela
zação androcêntrica da sua libido (Tiefer, 2000, 2004), como um campo essencial da investigação psico-socio-
ou a proliferação de brinquedos sexuais conjugados no lógica sobre as sexualidades e sua repre-sentação, mas
“feminino”, são hoje realidades incontornáveis do ca- também olharmos através dela para outras fenomeno-
pitalismo, amplamente difundidas pelas tecnologias de logias sociais que importam à psicologia, implicando o
gênero da mídia. Estas indústrias, de mãos dadas com a seu terreno de análise em estratégias de pesquisa sobre
indústria pornô, são também constitutivas de roteiros que processos hegemônicos de discriminação e de segrega-
disciplinam a sexualidade (Cacchioni, 2007), fazendo ção identitária. Propomos assim uma lente mais gradua-
triangular entre si um aparato de significados e cum- da na análise dos seus subtextos, de forma a tornar inte-
plicidades discursivas que constantemente alimentam e ligíveis múltiplos e enraizados mecanismos de opressão,
promovem as suas redes de produção. Este é um dado os mesmos que prioritariamente ocupam a ação transfor-
essencial para compreendermos os processos contem- madora das ciências sociais. O re-povoamento desse ter-
porâneos de re-comodificação do corpo (Gill, 2003), ritório industrializado com pornografias não normativas,
sobretudo do corpo “feminino”, re-colonizado com assim subvertendo os usos tecnológicos dos recursos que
velhos poderes heteronormativos, brancos e androcên- o caracterizam, não só se afigura desejável como assume
tricos, mas agora mais perversamente velados pelo tom uma cada vez maior materialidade social: as sensibilida-

381
Psicologia: Reflexão e Crítica, 23 (2), 374-383.

des e as produções pós-pornô florescem hoje por entre parcialidade, essa sim, mais próxima de uma visão obje-
redes culturais e acadêmicas queer (ver sobre esta ques- tiva, enquanto modalidade de incorporação particular e
tão Bourcier, 2006), o que deve sem dúvida merecer a específica. Ou seja, a própria objetividade reside na con-
atenção de futuras pesquisas empíricas. O presente texto textualização do conhecimento (Oliveira & Amâncio,
não pretendeu discutir outros tipos de pornografia que 2006). E esta é uma das mais transformadoras marcas de
não pornô heteronormativa industrilaizada, como forma um projeto feminista de ciência.
de dar conta do contexto mais intensamente debatido no
feminismo, pelo que não são aqui discutidas as altera- Referências
ções produzidas neste panorama. Igualmente, o enfoque
da análise proposta incidiu sobre a produção de discur- Abramovic, M. (Producer/Director). (2005). Balkan erotic epic
sos feministas que mobilizaram a ciência e a mídia, dei- [Motion picture]. In L. Clark (Director Series Ed.),
Destricted. London: Offhollywood Digital.
xando as questões da sexologia, bem como os discursos
Attwood, F. (2002). Reading porn: The paradigm shift in
da liberação sexual não feminista, para necessárias futu- pornography research. Sexualities, 5(1), 91-105.
ras reflexões. Claramente, trata-se de uma limitação deste Attwood, F. (2006). Sexed up: Theorizing the sexualization of
trabalho de revisão, mas que implicaria uma análise de culture. Sexualities, 9(77), 77-94.
materiais que desviariam o enfoque da análise. O presente Beauvoir, S. (1972). Faut-il brûler Sade? (Privilèges). Paris:
artigo não dá pistas sobre as impactos destas propostas na Gallimard (Original work published 1955)
vida privada, pois tal implicaria uma análise sócio-histó- Bourcier, M.-H. (2006). Queer zones: politiques des identités
rica que cairia fora do âmbito do presente projeto. Con- sexuelles et des savoirs. Paris: Amsterdam.
Cacchioni, T. (2007). Heterosexuality and ‘the labour of love’:
sequentemente, tais limitações da análise repercutem-se
A contribution to recent debates on female sexual
na revisão de literatura a que este artigo procede. dysfunction. Sexualities, 10(3), 299-320.
As complexidades discursivas da pornografia não são Chancer, L. S. (2000). From pornography to sadomasochism:
isoláveis das monopolistas redes ideológicas que ani- Reconciling feminist differences. The Annals of the American
mam outros sectores da indústria da mídia e da indústria Academy of Political and Social Science, 571(1), 77-88.
do sexo, pelo que a sua fenomenologia deverá ser trans- Ciclitira, K. (2004). Pornography, women and feminism:
versalmente repensada enquanto espaço político de re- Between pleasure and politics. Sexualities, 7(3), 281-301.
presentação identitária – e não reduzida a uma escorre- Donnerstein, E. (1980). Pornography and violence against
women. The Annals of the New York Academy of Science,
gadia retórica positivista centrada nos seus efeitos. Esta
347, 277-288.
é com certeza uma valiosa possibilidade para os estudos Donnerstein, E., & Lintz, D. (1986). Mass media sexual
sobre pornografia, capaz de fazer os seus objetos de pes- violence and male viewers: Current theory and research.
quisa escapar a regimes de análise estagnados naquilo American Behavioral Scientist, 29(5), 601-618.
que os olhos somente vêm (ou querem ver). Como tenta- Donnerstein, E., & Malamuth, N. (Eds.). (1984). Pornography
mos reforçar neste ensaio, a simplificação empírica da and sexual aggression. Orlando, FL: Academic Press.
“verdade” pressupõe no olhar das ciências uma neutra- Dworkin, A. (1981). Pornography: Men possessing women.
lidade que não lhe pertence, deixando a sua visão a um London: The Women’s Press.
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a nossa subjetiva percepção – e sempre subjetiva – retém cado em 1976)
dos seus conteúdos. Um conhecimento crítico sobre as Foulcault, M. (1997). A ordem do discurso. Lisboa, Portugal:
suas contemporâneas possibilidades deve, antes de mais, Relógio D’Água. (Original publicado em 1971)
desprivilegiar os lugares de onde parte o olhar de quem Giddens, A. (1996). Transformações da intimidade: Sexuali-
investiga. Este é, seguramente, um caminho de respon- dade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras,
Portugal: Celta. (Original publicado em 1992)
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Gill, R. (2003). From sexual objectification to sexual
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