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Política

Rodrigo Janot sobre Gilmar


Mendes: “Ia dar um tiro na cara
dele”
Em entrevista, o ex-procurador-geral da República conta que, no
ápice da Lava-Jato, foi armado ao STF para matar o ministro
Por Policarpo Junior e Laryssa Borges
27 set 2019, 08h50 - Publicado em 26 set 2019, 22h02

Em maio de 2017, a Operação Lava-Jato estava atingindo seu


ponto mais alto. O ex-presidente Lula teve a primeira audiência
com o juiz Sergio Moro no caso do apartamento tríplex, a
Presidência de Michel Temer tremeu após a divulgação de um
íd d d d l d ã
vídeo que mostrava um deputado puxando pelas ruas de São
Paulo uma mala cheia de dinheiro e a delação premiada dos
donos da JBS disparou ondas de choque devastadoras contra o
mundo político. Houve também um quarto episódio, até agora
desconhecido, que por pouco não mudou radicalmente a história
da maior investigação criminal já realizada no país.

OUÇA TRECHOS DA ENTREVISTA

Janot: “Tirei, engatilhei e fui pra cima dele”

0:00 / 1:19

A reunião com Temer: “Estamos aqui para conversar não com o


procurador-geral, mas com um patriota”

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O convite de Aécio: “Você podia ser meu vice-presidente”

0:00 / 0:57

No dia 11 daquele mês, o então procurador-geral da República,


Rodrigo Janot, o chefe da operação em Brasília, foi a uma
sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) decidido a executar o
ministro Gilmar Mendes. O plano dele era dar um tiro na cabeça
do ministro e depois se matar. A cerca de 2 metros de distância
de Mendes, na sala reservada onde os ministros se reúnem
antes de iniciar os julgamentos no plenário, Janot sacou uma
pistola do coldre que estava escondido sob a beca e a
engatilhou.

DESAFETO – Gilmar Mendes: a menos de 2 metros de uma terrível tragédia


(Cristiano Mariz/.)

Mesmo para quem conhece o temperamento mercurial de


Rodrigo Janot é difícil imaginá-lo praticando um ato de tamanha
loucura. Naquele dia, porém, ele estava transtornado. O
procurador-geral e o ministro viviam trocando al netadas em
público. Gilmar Mendes era — e ainda é — um dos mais
ferrenhos críticos dos métodos utilizados pela força-tarefa da
Lava-Jato. As divergências chegaram a ponto de um se recusar
a pronunciar o nome do outro. O ministro se refere a Janot como
bêbado e irresponsável. O ex-procurador costuma chamar
Mendes de perverso e dissimulado. Em maio de 2017, o embate
começou a entrar em ebulição quando Janot pediu ao STF que
impedisse Mendes de atuar em um processo que envolvia o
empresário Eike Batista. O procurador alegou que a esposa do
ministro, Guiomar Mendes, trabalhava no mesmo escritório de
advocacia que defendia Eike. Na sequência, foram publicadas
notícias de que a lha de Janot era advogada de empreiteiras
envolvidas na Lava-Jato — o que, por analogia, também
colocaria o pai na condição de suspeito. O procurador identi cou
Mendes como origem da informação — e, nesse instante, decidiu
matá-lo.

“Ia dar um tiro e me suicidar”, disse Janot em entrevista a VEJA.


É uma revelação surpreendente. O procurador vai lançar na
próxima semana o livro Nada Menos que Tudo, escrito pelos
jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, em que narra
episódios desconhecidos ao longo dos quatro anos em que
esteve à frente das investigações do maior escândalo político do
país. São histórias que se passam no coração do poder,
envolvendo os homens mais poderosos da República e
empresários in uentes nos momentos mais agudos da
operação.

Há casos de comportamentos indecorosos, como o de um


pedido de Michel Temer e seus aliados para que o procurador
não investigasse o então deputado Eduardo Cunha, e de uma
bisonha tentativa de cooptação, quando o então senador Aécio
N i â d l já di ã d i i d
Neves, em meio ao escândalo e já na condição de investigado,
teve a desfaçatez de convidar Janot para compor com ele uma
chapa a m de disputar a eleição presidencial de 2018. Há
também situações de sabotagem, traição, descon ança, intrigas
e suspeitas entre os próprios membros da força-tarefa.

No livro, o ex-procurador preserva o nome de alguns


personagens pilhados em cenas constrangedoras, como o de
um ministro do Supremo que, chorando, foi procurá-lo para
perguntar se era alvo da investigação. No capítulo em que trata
do plano para matar Gilmar Mendes, Janot fala de sua
motivação — “insinuações maldosas contra a minha lha” — e
resume em seis linhas o fato que poderia ter provocado uma
imprevisível reviravolta na Lava-Jato: “num dos momentos de
dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e
por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade
de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos
investigados, resolvera fazer graça com minha lha. Só não
houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão
invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não”. A
identidade da “autoridade” que quase foi morta não é revelada.

Na entrevista a VEJA, o ex-procurador-geral fala do livro, das


pressões, das ameaças e das perseguições que sofreu ao longo
da operação e con rma que o alvo de sua “ira cega” era o
ministro Gilmar Mendes: “Esse inspetor Javert da humanidade
resolveu equilibrar o jogo envolvendo a minha lha
indevidamente. Tudo na vida tem limite. Naquele dia, cheguei ao
meu limite. Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara
dele e depois me suicidaria. Estava movido pela ira. Não havia
escrito carta de despedida, não conseguia pensar em mais nada.
Também não disse a ninguém o que eu pretendia fazer. Esse
ministro costuma chegar atrasado às sessões. Quando cheguei
à antessala do plenário, para minha surpresa, ele já estava lá.
Não pensei duas vezes. Tirei a minha pistola da cintura,
engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele.
Mas algo estranho aconteceu. Quando procurei o gatilho, meu
dedo indicador cou paralisado. Eu sou destro. Mudei de mão.
Tentei posicionar a pistola na mão esquerda, mas meu dedo
paralisou de novo. Nesse momento, eu estava a menos de 2
metros dele. Não erro um tiro nessa distância. Pensei: ‘Isso é um
sinal’. Acho que ele nem percebeu que esteve perto da morte.
Depois disso, chamei meu secretário executivo, disse que não
estava passando bem e fui embora. Não sei o que aconteceria
se tivesse matado esse porta-voz da iniquidade. Apenas sei que,
na sequência, me mataria”.

O PIOR DOS CRIMINOSOS – Cunha: para o ex-procurador, ele seria presidente se


não fosse a Operação Lava-Jato (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

“Suspeito que Cunha mandou invadir minha casa”

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De todos os investigados na Lava-Jato, Janot atribui ao ex-


presidente da Câmara Eduardo Cunha o epíteto de “o pior dos
criminosos”. O ex-procurador-geral diz guardar “depoimentos
assombrosos” dos métodos de intimidação de Cunha e também
suspeita que ele esteja por trás do arrombamento de sua casa,
em 2015. O parlamentar foi afastado do cargo de deputado
federal em maio de 2016, a pedido de Janot, e depois
condenado e preso

“Se não fosse a Operação Lava-Jato, talvez Eduardo Cunha fosse


hoje presidente da República. Faço uma constatação de que o
então presidente da Câmara, com a força extraordinária que
tinha, com uma base de 150 a 170 deputados e com um sistema
abastecendo-o de dinheiro de corrupção, teria grandes chances
de ser eleito presidente. Eu não faço a avaliação de quem seria o
melhor e de quem seria o pior, mas o Bolsonaro é um produto da
queda do próprio Cunha. No início de 2015, minha casa foi
invadida e só levaram um controle remoto do portão. Era um
recado, uma ameaça. Pelo cheiro, suspeito que foi obra do
Eduardo Cunha. Não há evidência. É pelo cheiro mesmo.”
DESESPERO – Aécio: sondagem para que Janot zesse parte da chapa presidencial
(Cristiano Mariz/.)

“Aécio me convidou para ser seu vice-presidente”

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Com o cerco se fechando sobre os políticos, Janot relata ter


recebido vários “agrados” — de convites para renovar o
mandato de procurador a uma vaga de ministro do STF. A mais
inusitada oferta, no entanto, partiu do então senador Aécio
Neves, investigado por recebimento de propina

“Certo dia, em 2017, meu conterrâneo, o senador Aécio, sentiu


que o clima estava aquecendo com as investigações sobre a
Odebrecht e me convidou para ser ministro da Justiça quando
ele fosse eleito presidente da República no ano seguinte. Eu, é
claro, declinei. Dias depois, ele voltou e me fez outra proposta:
‘Quero pedir desculpa. O convite não estava à sua altura. Eu
acho que você podia ser o meu vice-presidente. Você escolhe
qualquer partido da base, lia-se e vai ser o meu vice-presidente.
Isso vai ser um fato mundial. O vice-presidente chama
embaixadores, representantes de Estado e ele vai para a cozinha
cozinhar para essas pessoas. Eu sei que você gosta de
cozinhar’. É óbvio que era uma tentativa de cooptação. As
investigações da Odebrecht estavam andando e depois o caso
JBS foi o tiro de misericórdia contra ele. Houve uma situação
semelhante quando Michel Temer assumiu a Presidência da
semelhante quando Michel Temer assumiu a Presidência da
República. O ex-ministro Eliseu Padilha me sondou para que eu
partisse para um terceiro mandato como procurador-geral da

República. Depois fui sondado para ser ministro do Supremo. Na


sequência, Gustavo Rocha (ex-subchefe de Assuntos Jurídicos e
ex-ministro dos Direitos Humanos) me ofereceu o cargo que eu
quisesse. Eu brinquei que queria ser embaixador do Brasil na
Comunidade de Países de Língua Portuguesa, porque eu moraria
em Lisboa, não faria nada e seria como a rainha da Inglaterra. O
Gustavo Rocha disse na hora: ‘O cargo é seu, é seu’. Mas eu
estava brincando.”

“Palocci disse que iria entregar cinco ministros do STF”

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As desavenças entre Rodrigo Janot e Gilmar Mendes se


intensi caram diante de rumores que surgiram durante as
apurações da Lava-Jato sobre o envolvimento de ministros do
STF com alguns dos investigados. Janot con rma que delatores
zeram insinuações nesse sentido mas nunca apresentaram
uma evidência concreta

“Na primeira vez em que o ex-ministro Antonio Palocci tentou


fechar uma delação com a gente, disse que iria entregar cinco
ministros do STF. Ele citou a Rosa Weber, o Luiz Fux, o Fachin,
mas era igual a biscoito de polvilho, só fazia barulho. Da Rosa
Weber ele disse apenas que o marido dela era amigo do ex-
marido da Dilma. Disse também que o Fux ia matar no peito e
inocentar os petistas no julgamento do mensalão. Do Fachin,
dizia que tinha amizade com não sei quem. Tudo bobagem. Foi
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nessa mesma época que um ministro do Supremo me procurou
para saber se ele estava sendo investigado. Com lágrimas nos

olhos, disse que a mãe dele não suportaria vê-lo na condição de


investigado. Não tinha fundamento nenhum. Também houve o
episódio em que suspendi as negociações de delação do Léo
Pinheiro (ex-presidente da empreiteira OAS) porque o nível de
informação que ele disse que traria nunca chegou. Era igual ao
Palocci. Ele citava uma conversa que teve com o Toffoli numa
festa, sobre um problema de vazamento no teto da casa do
ministro. Disse que indicou duas ou três empresas para que o
Toffoli zesse o serviço na casa. Perguntei a ele: ‘Alguma dessas
empresas era ligada a você?’ ‘Não.’ ‘Vocês pagaram esse
serviço?’ ‘Não.’ Então o que tem isso a ver? Não tinha fato típico.
Não tinha nada.”

PREVARICAÇÃO – Temer: pedido para poupar Cunha nas investigações (Tiago


Queiroz/Estadão Conteúdo)
“Temer queria que eu praticasse um crime”

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O ex-procurador-geral relata ter recebido, em março de 2016,


pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, um convite
para um encontro com o vice-presidente Michel Temer. No
Palácio do Jaburu, além do vice, estava o ex-presidente da
Câmara Henrique Eduardo Alves, que, sem meias palavras e
com o aval de Temer, pediu a ele que poupasse o então
deputado Eduardo Cunha de qualquer investigação

“Pouco antes do início do processo de impeachment da Dilma,


recebi um convite para ir ao Jaburu encontrar o vice-presidente.
Lá, ele (Temer), depois de um pequeno rodeio, falou assim:
‘Estamos aqui para conversar não com o procurador-geral, mas
com o patriota’. E entra o Henrique Eduardo Alves e rea rma:
‘Estamos aqui falando com o patriota e queríamos chamar o
senhor para não permitir que o Brasil entre numa ‘situação de
risco’. Esse homem é um louco. O senhor tem de parar essa
investigação’. O louco era o deputado Eduardo Cunha. Custei a
acreditar que estava ouvindo aquilo e disse que aquela conversa
estava errada. Diante da minha reação, Temer ainda insistiu: ‘O
Henrique não está falando com o procurador-geral, ele está
falando a um patriota. Não há gravidade na proposta que ele
está fazendo’. Eles queriam que eu praticasse um crime, o de
prevaricação. Falei alguns palavrões indizíveis antes de ir
embora. A reunião foi testemunhada pelo Zé Eduardo (José
Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça).”
CORRUPTO - Lula: “É impossível que ele não fosse um dos chefes do esquema”
(Ricardo Stuckert/PT)

“Não tenho dúvida de que o Lula é corrupto”

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Era de responsabilidade de Rodrigo Janot a investigação dos


políticos com direito a foro privilegiado — deputados,
senadores, presidentes e até ex-presidentes da República.
Como procurador-geral, ele denunciou Michel Temer, Dilma
Rousseff, Lula e Fernando Collor — todos, segundo ele,
envolvidos no escândalo de corrupção, embora em graus
diferentes

“É impossível que o Lula não fosse um dos chefes de todo esse


esquema. Não tenho dúvida de que ele é corrupto. Da mesma
forma que não tenho nenhuma dúvida de que a Dilma não é
corrupta. Mas ela tentou atrapalhar as investigações com a
história de nomear o Lula como ministro da Casa Civil. A
obstrução de Justiça aconteceu, tanto que eu a denunciei. Até
agora não surgiu nenhuma prova que envolva a ex-presidente
com corrupção. Temer, sim, é corrupto. Corrupto lmado,
fotografado e gravado. No caso da JBS, teve até malinha
correndo em São Paulo por ação controlada autorizada pelo
Judiciário. Não tem como esconder que aquilo existiu. No caso
do Sarney, não dá para dizer categoricamente que o ex--
presidente é corrupto, porque não consegui denunciá-lo, apesar
dos áudios em que aparece discutindo, de forma velada,
repasses de dinheiro. O Collor é um caso à parte…”

CASO À PARTE – Collor: tentativa de intimidação, dossiês e informação de que


estaria armado na sabatina (Ueslei Marcelino/Reuters)

“Collor se sentou na minha frente e cou repetindo: ‘f.d.p.,


f.d.p.’ ”

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Fernando Collor foi denunciado por corrupção e lavagem de


dinheiro em 2015. O senador foi apanhado na primeira leva de
políticos agrados embolsando dinheiro desviado da Petrobras.
Meses depois da denúncia, Janot passaria pela sabatina no
Senado que o reconduziria ao cargo. Collor estava na primeira
la

“Esse cara virou a minha vida do avesso. Ele levantou o histórico


de um imóvel meu para ver possíveis inconsistências no
imposto de renda, levantou antigos problemas de um irmão meu,
já falecido, com a Justiça, procurou vícios em contratações na
PGR em busca de irregularidades. O investigado investigou o
investigador completamente. Para tentar me constranger, ele
avisou antes que se sentaria na primeira cadeira durante a
sabatina e minha segurança advertiu que ele poderia ir armado.
Ainda brinquei: ‘Se for igual ao pai, pode deixar que ele vai errar o
tiro’ (nos anos 60, o senador Arnon de Mello, pai de Collor,
disparou contra o senador Silvestre Péricles, seu adversário
político, mas errou o alvo e acabou matando outro senador, José
Kairala). Mas quem é que daria um baculejo no Collor? Adverti o
então presidente do Senado, Renan Calheiros, de que a minha
segurança estava sob responsabilidade dele. Na hora da
sabatina, Collor se sentou na minha frente, como prometera, e
cou repetindo ‘f.d.p., vou te pegar, f.d.p., vou te pegar’. Era uma
tentativa de me intimidar. A participação dele no esquema da
Lava-Jato deixou muitas impressões digitais. Ele é um corrupto
com certeza.”
LAVA-JATO – Sergio Moro: na opinião de Janot, suspeita de motivação política,
mas sem contaminação de provas (Andre Coelho/Reuters)

“Deleguei as delações para Curitiba e me arrependi”

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Desde que o site The Intercept Brasil divulgou as primeiras


mensagens captadas ilegalmente dos celulares dos integrantes
da força-tarefa da Lava-Jato, travou-se um debate sobre o grau
de isenção dos investigadores e do então juiz Sergio Moro.
Janot diz que até descon ou das intenções de alguns colegas,
mas que elas não chegaram a contaminar o trabalho

“No início da operação, a força-tarefa de Curitiba pediu que eu


delegasse a ela o direito de fechar as primeiras colaborações
premiadas. Deleguei e me arrependi. As delações do Paulo
Roberto Costa e do Alberto Youssef estavam muito rasas. O
primeiro inquérito contra o então presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, também estava muito ruim. Questionei a respeito. Recebi
como resposta que o objetivo deles era ‘horizontalizar as
co o esposta que o objet o de es e a o o ta a as
investigações, e não verticalizar’. Achei estranho. Determinadas
decisões poderiam estar sendo tomadas com objetivos

políticos? Os procuradores decidiram, por exemplo, denunciar o


ex-presidente Lula por corrupção e lavagem de dinheiro e, no
caso da lavagem, utilizaram como embasamento parte de uma
investigação minha, que eu nem tinha concluído ainda. Mas não
houve nenhum complô político. Depois que o Sergio Moro
aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça no
governo Bolsonaro, voltei a re etir sobre o assunto. Como juiz,
ele fez um trabalho técnico, benfeito. Até agora, do que apareceu
dessas conversas do The Intercept, no máximo pode haver
algum questionamento de caráter ético na condução do
processo, algum questionamento sobre imparcialidade. Mas
tecnicamente não vi nenhuma contaminação de provas.”

“Desde o episódio do STF, parei de andar armado”

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Comandar a Lava-Jato, para o ex-procurador, representou algo


que ele compara a uma visita ao “inferno”. Janot conta que,
desde o início da operação, recebeu ameaças, recados velados
e pressões para paralisar as investigações

“A partir de 2014, posso dizer que minha vida virou um inferno.


As pressões eram constantes, num jogo muito bruto e sujo. Se
eu estivesse investigando o PCC, poderia receber uma ameaça
de morte direta a mim ou a minha família. A ameaça do mundo
político é diferente, é velada. Primeiro vem a tentativa de
cooptação, uma insinuação de cargo. Recebi várias ofertas,
p ç , ç g ,
como já disse. Se isso não dá certo, começam a vir os recados,
como o do Temer, apelando para o ‘patriotismo’. Se isso também

não funciona, vem o peixe embrulhado no jornal (sinal de jura de


morte da má a). Eles sabem da sua rotina, mandam mensagens
cifradas. É quase sempre assim. Ameaça física de verdade eu
recebi umas três, inclusive uma em que o sujeito me xingava de
traidor. Esse sujeito, que chegou a ser preso, me abordou na rua,
na saída de um restaurante aqui em Brasília, e tentou me agredir.
Por tudo isso, depois de deixar a procuradoria, passei uma
temporada fora do Brasil. Não tenho medo de morrer, mas tenho
medo da agressão, o que pode terminar em tragédia. Desde o
episódio do Supremo, parei de andar armado.”

“Minha ideia é deixar um relato para que as pessoas julguem


as decisões que tomei”

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Rodrigo Janot diz que suas decisões na Lava-Jato passarão por


um julgamento histórico daqui a quatro ou cinco décadas. Por
isso decidiu deixar um registro pessoal dos quatro anos em que
esteve à frente da procuradoria e no comando da investigação
do maior esquema de corrupção do país

“Tudo o que a gente está passando aqui vai ter invariavelmente


um julgamento histórico, no qual vão ser apontados erros e
acertos. A maioria das pessoas não terá vivido este momento e
receberá informações de segunda, terceira mão, que podem ser
deturpadas. A minha ideia é deixar um relato para que as
pessoas julguem as decisões que tomei ou pelo menos levem
p j g q p
em consideração os meus argumentos. A Lava-Jato foi uma das
mais bem-sucedidas investigações já realizadas no mundo.

Neste momento, acho que não só no Brasil, mas em vários


países da América Latina, se apresenta uma contramarcha no
combate à corrupção. É preciso resiliência para não perder essa
luta.”

Publicado em VEJA de 2 de outubro de 2019, edição nº 2654


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