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DUAS GERAÇÕES DE

MAGISTRADOS
MATOGROSSENSES
EM MINAS GERAIS
FILHO DE PEIXE PEIXINHO É

Luiz Guilherme Marques


2020

1
Dedicatória:

À minha esposa Vera Lúcia Ribeiro Rodrigues

Aos meus falecidos pais Antonio de Arruda Marques e Mitzi da Silva


Marques

Ao meu amigo Reynaldo Ximenes Carneiro

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ANTONIO DE ARRUDA MARQUES,
O SÉRGIO MORO
DA JUSTIÇA MILITAR FEDERAL

INTRODUÇÃO

Um dos estilos mais ingratos para quem gosta de escrever é a


biografia, porque nem sempre se encontram feitos nobres e virtudes
verdadeiras e, até pelo contrário, verifica-se que o biografado não
merece elogios por ter realizado quase tudo visando benefícios pessoais
e não movido pelo idealismo de quem pretende como maior
recompensa a consciência tranquila do dever cumprido.

José Fernandes Filho, ilustre e idealista desembargador


atualmente aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
sempre afirma: “A um homem público não se agradece.”

Esse tipo de esforço laudatório imerecido não estarei fazendo ao


contar um pouco da história de Antonio de Arruda Marques para o
povo de Cáceres, onde ele nasceu, Cuiabá, onde trabalhou alguns anos,
Bagé, onde começou sua carreira de juiz, Campo Grande, onde
continuou nessa carreira, tendo, antes advogado, e Juiz de Fora, onde
findou sua carreira com sua aposentadoria punitiva por força do AI-5
e veio a falecer daí a menos de dois anos, misteriosamente, para não
afirmar um fato de que não restou nenhuma prova contra a pessoa
encarregada de lhe abreviar a vida.

Os que o conheceram saberão que aqui nesta breve biografia está


retratada a verdade.

Todavia, faço questão de destacar, de pronto, que não quero que


o confundam com militantes políticos atualmente interessados em

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rotulá-lo como partidário da esquerda que arrasou o Brasil nos
últimos anos, uma vez que Antonio Marques trabalhou, sobretudo,
como juiz-auditor da Justiça Militar Federal, somo um verdadeiro
Sérgio Fernando Moro, sem levar em conta se os réus eram de uma
facção política ou de outra.

Sempre repetia a seguinte frase de Rui Barbosa: “Com a lei, pela


lei e dentro da lei, porque, fora da lei, não há salvação.”

A lei, como ele a entendia, na época em que desempenhou esse


cargo, ou seja, até 10 de fevereiro de 1969, data da publicação da sua
penalidade, era a Constituição Federal de 1967, sem o Ato Institucional
nº 5, esse flagrantemente inconstitucional, uma vez que nem tudo que
está escrito da Constituição ou a ela é agregada é constitucional.

No Brasil, o controle de constitucionalidade nem sempre é feito


como deveria, ou seja, levando-se em conta os princípios
constitucionais, que estão acima das próprias normas escritas. Assim se
deve entender e interpretar a Constituição e não casuisticamente.

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GENEALOGIA E NASCIMENTO

Filho mais velho de Lino Teixeira Marques (português, natural


da região do Porto – Portugal, o qual veio para o Brasil em 1918,
formado em Contabilidade na sua pátria) e Anna Arruda Marques
(cacerense, da família Gomes de Arruda), conhecida em Mato Grosso
como gente de bem.

O pai exercia a profissão fazendo as “escritas” de grandes


latifundiários na região e gostava de caçar e pescar nas margens do
Rio Paraguai.

A mãe foi perdendo a visão gradativamente, até chegar à


cegueira total, mas era tida como boa declamadora, arranhava umas
modinhas no violão e fazia excelentes “bolos de queijo”, que em Minas
Gerais se chamam “pães de queijo”.

O irmão Luiz de Arruda Marques era dois anos mais novo e


tornou-se fiscal através de aprovação em concurso público.

Havia também a “irmã de criação” – Emília, que era tratada


como verdadeira irmã, a qual, casada com João Gualberto, povoou
Cáceres com muitos filhos, cidadãos e cidadãs da melhor qualidade
moral.

O nascimento foi no dia de Santo Antonio – 13 de junho e o ano


foi o de 1926.

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A ESCOLA, O TIO TONHO E A INFÂNCIA

Sinceramente, fiquei impressionado ao ver um retrato do menino


Antonio, conhecido em casa como “Totozinho”, porque havia o tio
paterno Antonio José, famoso como “Totó” em Cáceres (nós o
chamávamos de tio Tonho), o qual era um homem que olhava dentro
dos olhos das pessoas e era respeitado e respeitador, tanto que, certa
feita, vendo a família da irmã passando por dificuldades financeiras
sérias, foi trabalhar no Barranco Vermelho e, quando voltou, daí a
algum tempo, entregou um maço de dinheiro na mão da irmã e lhe
disse: “Pague as dívidas e o que sobrar vá usando!”

O nome do tio Tonho serviu como homenagem ao filho mais


velho de Antonio de Arruda Marques, muitos anos depois.

Destacou-se na escola, aprendendo com facilidade tudo que lhe


ensinava sobretudo a Escola dirigida pelo padre francês Salvador
Daidé, cujas matérias mais importantes eram Português, Matemática,
Francês, Latim e Tiro ao Alvo...

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Uma curiosidade: a avó Anna achava que era “coisa do
demônio” o menino ser canhoto e amarrava sua mãe esquerda para ele
escrever com a direita. Como resultado, tornou-se ambidestro e, com
isso, o melhor datilógrafo que conheci.

Quando terminou o primário, teve de repetir o ano, pois somente


mais adiante poderia estudar em uma outra cidade, que não sua terra
natal.

Deve ter ficado mais craque ainda nas matérias do padre


Salvador...

Seu apego maior era ao tio Tonho, o qual era solteiro e o tinha
como verdadeiro filho, mesmo valorizando nosso saudoso e querido tio
Luiz, já falecido.

A MUDANÇA PARA O RIO DE JANEIRO

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Com 13 anos de idade, mudou-se para o Rio de Janeiro, então
capital da República, indo estudar e passou a morar de favor na casa
de uma família cacerense, dormindo no sofá da sala depois que a dona
da casa terminava de dar aulas para seus alunos: era o primeiro a
acordar e o último a dormir.

Certa feita contraiu maleita e a avó Anna teve de ir ao Rio de


Janeiro para cuidar dele na fase pior da moléstia.

Associou-se à Associação Cristã de Moços e ali praticava


esportes, continuando a nadar, o que aprendeu na época em que
morava em Cáceres, “incentivado” pelo pai, que, sem nenhum aviso
(português mesmo), jogou-o no rio Paraguai e determinou que saísse
nadando...

Ficou trabalhando como aprendiz no grande escritório de


advocacia do Dr. Carlos Vandoni de Barros, que depois se elegeu
deputado e sempre foi um homem de grande projeção.

No seu primeiro dia de trabalho Dr. Carlos determinou-lhe que


datilografasse uma correspondência já pronta e o menino ficou horas
“catilografando”, pois nunca tinha visto uma máquina de escrever.
Terminada a datilografia foi mandado entregar a correspondência no
endereço apontado e o menino “ficou conhecendo” o Rio de Janeiro
inteiro para entregar a carta já quase à noitinha...

Assim foi aprendendo a trabalhar, enquanto que hoje adultos


fazem de tudo para viver nas costas de outrem ou do Governo,
desanimados de ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio
rosto...

Aquelas lições lhe serviriam para sempre.

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A MUDANÇA PARA CORUMBÁ

Aos 16 anos estava estudando em outro Colégio católico,


pagando sua estadia e alimentação e a do tio Luiz dando aulas como
verdadeiro professor.

Adquiriu o dom da Oratória e a capacidade de expor qualquer


assunto com clareza e objetividade.

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O RETORNO A CÁCERES

Ali prestou o serviço militar no “Tiro de Guerra”, fazendo as


vezes do sargento instrutor, que, nem sempre, se animava a disciplinar
os recrutas...

Nessa época e até um pouco antes, acompanhava o desenrolar da


2ª Guerra Mundial, colecionando recortes de jornais e formando três
grossos cadernos onde se veem, além desses fatos, retratos de
personagens históricos, muitos dos quais ele mesmo desenhava a lápis
com bastante facilidade para captar as fisionomias dos seus heróis.

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NOVO RETORNO AO RIO DE JANEIRO

O homem realmente não era de “esquentar lugar” e ia para onde


seu instinto de corajoso lhe apontasse, vindo a trabalhar como assessor
do ministro Adalberto Barreto, do Superior Tribunal Militar e outros
empregos na capital brasileira.

Não me lembro, todavia, de algum ter visto eventual carteira de


trabalho (a atual CTPS), pois ele não se preocupava em guardar
comprovantes do que quer que fosse.

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DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E CULTURA
DE MATO GROSSO

Em 1951 vamos encontrá-lo exercendo esse cargo de grande


importância para a vida das crianças mato-grossenses, pois,
detectando a má-qualidade do ensino por conta da incompetência de
grande parte dos professores, providenciou para a realização de um
concurso público, onde, dos 643 professores atuantes, 154 foram
reprovados e preenchidas as vagas por concursados.

Também determinou a realização de dois cursos de férias para


professores da ativa, sendo que os profissionais tiveram de aprender
em pouco tempo o que não tinham se interessado em aprender nos
anos passados.

Trago aqui um epíteto que deu aos professores que não


trabalhavam: “pessoas que vivem como pensionistas do Estado com o
título de professores”. Esse diretor tinha 25 anos de idade. Imaginem o
que veio depois...

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Anelisa Prazeres Veloso De Souza, na sua monografia intitulada
“Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso: uma Leitura das
Campanhas Oficiais de 1947 a 1990”
(https://document.onl/documents/anelisa-prazeres-veloso-de-souza-
alfabetizacao-ao-meu-esposo-veloso-pelo.html), faz referência a ele:

“Neste sentido, em 1951, o então Governador do Estado de Mato


Grosso, Fernando Corrêa da Costa, em Mensagem Assembleia
Legislativa, reportou-se da seguinte forma: Fechadas as Escolas
Normais que funcionavam no Estado, por deliberação do
Governo Interventorial Júlio Miller, e que somente foram
reabertas no Governo Arnaldo de Figueiredo, ficaram as escolas
primárias privadas de normalistas.

Entregou-se o ensino a leigos desprovidos de conhecimentos


imprescindíveis ao exercício do magistério e, em muitos casos,
semianalfabetos.

Caiu por essa forma o nível do ensino, pela inferioridade


ressaltante do professorado, enquanto, por outro lado, subiram as
despesas com a disseminação de escolas em lugares de nula
população estudantil (COSTA, 1951, p. 29). A situação ainda
ficou mais crítica com o passar dos anos, o que levou o então
Diretor do Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso,
Sr. Antonio de Arruda Marques, no ano de 1951, a realizar
minucioso estudo sobre a real situação do ensino neste Estado,
chegando a seguinte conclusão:

‘A conclusão deste estudo está a reclamar a necessidade do


planejamento da distribuição das escolas em função da população
escolar, retificando-se a desigualdade registrada, fruto de
transitórias conveniências, em que as menores foram as do
ensino, com encargo para o erário estadual e sacrifício da nossa
infância entregue, criminosamente, à incapacidade, negligência

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de indivíduos que só se preocupam em ser pensionistas do Estado,
com o título de professor.”

Para conhecer-se o grau de capacidade dos professores em


exercício, quer diplomados, quer leigos, planejou-se e realizou-se
um concurso, mediante exames escritos tipos teste na
conformidade do processo usado pelo DASP, nos concursos
federais.

O resultado registrado foi o seguinte:

a) Candidatos examinados,........................643

b) Aprovados,............................................489

c) Reprovados,...........................................154”

O DIRETOR ENCONTRA SUA AMADA

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Entre as funcionárias, de caligrafia bonita e igual aparência,
achou o jovem diretor aquela com quem se casou daí a cinco meses:
Mitzi Nunes da Silva, que passou a chamar Mitzi da Silva Marques, a
qual contava 20 anos de idade e tinha dois anos de trabalho após
terminar o ginásio muito bem feito no Colégio católico, onde estudou
como interna durante quatro anos.

Daí nasceram cinco filhos, com espaço entre os quatro primeiros


de apenas um ano e de três anos da quarta para a quinta.

CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO

Foi aos 27 anos de idade, quando já tinha 14 anos de experiência


de trabalho, inclusive com atuação no jornalismo, sendo fundador de
um dos jornais de Campo Grande, que existe até hoje.

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PROMOTOR DE JUSTIÇA APROVADO EM CONCURSO E
EXONERADO

Em 1961 foi aprovado em concurso público para o Parquet


mato-grossense, mas todos os promotores foram exonerados pelo
Governador do Estado.

Vejam a realidade da época, contada por Benedito Pedro Dorileo,


Advogado e Procurador de Justiça aposentado:

“Era o dia 18 de janeiro de 1961, na Biblioteca do Tribunal de


Justiça, situado na Avenida Getúlio Vargas, afinal ocorria o primeiro
Concurso Público, com a Comissão Examinadora: Aníbal Pinheiro
da Silva, Hélio Jacob e Hilton Martiniano de Araújo. Conquistaram
aprovação: Antônio Hans, Atahíde Monteiro da Silva, Benedito Eloy
Vasco de Toledo, Francisco de Arruda Lobo Neto, Henrique Grion,
José Mirrha, José Paes Bicudo, Marcelo Ataíde, Oscar César Ribeiro
Travassos e Stênio Congro. E ainda: Antônio de Arruda Marques e

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Cácio da Costa Marques. Na época, governava Mato Grosso, João
Ponce de Arruda do Partido Social Democrata que se coligava com o
Partido Trabalhista Brasileiro.
Tudo assente e bem-posto, quando ocorre o revezamento no governo,
assumindo pela segunda vez Fernando Corrêa da Costa, eleito e
empossado em 31 de janeiro de 1961 pela União Democrática
Nacional. A caçada tem início, a cainçalha é disparada, a arte
venatória assume o cenário. Instala-se adrede Comissão de Inquérito
sob acompanhamento do Secretário de Estado de Justiça. Na
Procuradoria-Geral de Justiça estava o advogado Penn de Moraes
Gomes. Tudo célere, concluso e o decreto cai impiedoso sobre os
jovens concursados que, violentados, são logo demitidos do cargo
para ceder as vagas a bacharéis interinos e a alguns leigos.”
(https://www.gazetadigital.com.br/colunas-e-opiniao/colunas-e-
artigos/ministerio-publico-um-jubileu-i/514497)

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O JUIZ-AUDITOR DA JUSTIÇA MILITAR FEDERAL

Aprovado em 3º lugar no concurso público para o cargo de juiz-


auditor da Justiça Militar Federal (ou seja, civil) nas provas escritas, o
filho de um ministro, seu amigo, lhe disse que, nas provas orais, iriam
mudar de posição e, assim, o amigo foi aprovado em 3º lugar e ele ficou
no 15º... Fazer o que?

Ainda hoje se questionam a lisura de determinados concursos


públicos...

Foi nomeado para a Auditoria de Bagé, depois foi trabalhar em


Campo Grande e, por fim, em Juiz de Fora.

Aqui encontrou pela frente a pessoa do Comandante da 4ª


Região Militar, que entendia que juiz é funcionário subordinado ao
Comando Militar.

Mas o juiz concursado, de apenas 40 anos de idade quando aqui


chegou, mostrou que juiz obedece à lei e a mais ninguém.

Quando o Comandante enviou uma lista com um número


inferior ao que devia para dali serem sorteados os Conselhos de
Sentença (cada um formado periodicamente por 4 militares e o juiz-
auditor), o juiz comunicou ao Superior Tribunal Militar que a
Auditoria estaria sem funcionar até que chegasse a lista completa...

Aí começou a trama para aposentar-se o juiz que não negociava


sua consciência.

O ato da aposentadoria punitiva saiu publicado em 10 de


fevereiro de 1969.

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FALECIMENTO MISTERIOSO

Em 19 de outubro de 1970, com apenas 44 anos de idade, o Moro


cacerense faleceu de forma inexplicada, sem que houvesse prova de
qualquer ato comprometedor de autoridades ou não autoridades,
deixando uma viúva de 39 anos e cinco filhos menores, sem renda que
não fosse o aluguel de uma casa em mau estado alugada em Campo
Grande.

A viúva começou a receber sua pensão pela morte do marido em


1983, ou seja, quando este que escreve estas notas já era promotor de
justiça, o mais velho era médico, outro era economista, outra era
enfermeira e a caçula professora.

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O exemplo do Moro da Justiça Militar Federal vai ficar na
História de Cáceres, Cuiabá, Campo Grande, Bagé e Juiz de Fora,
queiram ou não os que não gostam de ver a honestidade e a coragem
de enfrentar a corrupção que ainda é o pior mal do nosso país.

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LUIZ GUILHERME MARQUES -
O CONTINUADOR DE ANTONIO DE
ARRUDA MARQUES

INTRODUÇÃO

Há um número significativo de casos de filhos que seguem na


mesma trilha dos pais, que se destacaram nas comunidades onde
viveram, realizando esses filhos grandes obras ou apenas mantendo o
mesmo estilo familiar de projeção e fama, todavia sem nada fazerem a
bem das coletividades, mas apenas mantendo o prestígio familiar
acima da imensa massa de cidadãos e cidadãs anônimos, os quais
lutam no dia a dia para sobreviver em um país sempre em crise por
conta da frieza das elites, que se perpetuam no poder, indiferentes à
pobreza e à falta de oportunidades aos que nasceram com
pouquíssimas chances de melhorar de vida.

Prabhupada, o grande divulgador da seita Hare Khrisna no


Ocidente, analisa as características da época em que vivemos, onde
preponderam os homens e mulheres que detêm grandes fortunas, sem
se considerar se foram bem ou mal adquiridas e em que os valores
morais estão cada vez mais tratados como antigualhas desprezíveis.

Realmente, o mestre hinduísta, que morreu envenenado por um


dos seus discípulos, no ano de 1977, tem razão e vemos, agora, em
2020, a inversão total de valores, em que a própria Justiça consagra
verdadeiros absurdos como referenciais jurídicos, assombrando os
jurisdicionados, que ficam sem saber o que podem e o que não podem
fazer e vendo a impunidade concedida aos grandes criminosos e a
punição de infratores casuais.

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Luiz Guilherme Marques, herdeiro espiritual de Antonio de
Arruda Marques, vai contar sua própria história para a análise dos
seus conterrâneos de Campo Grande, seus amigos de Cuiabá, onde
passou parte da infância, seus amigos de adolescência e juventude de
Juiz de Fora e seus companheiros de trabalho de Fortaleza, Lajinha,
Caxambu, Bicas, Conceição das Alagoas, João Monlevade e atualmente
de Juiz de Fora.

GENEALOGIA E NASCIMENTO

Segundo filho de uma série de cinco de Antonio de Arruda


Marques (que é o biografado em primeiro lugar) e Mitzi da Silva
Marques (cuiabana, da família Nunes da Silva), cuja mãe: Mariana
Curvo da Silva (cuiabana) era faxineira da Legião Brasileira de
Assistência, onde se aposentou, e Benedito Nunes da Silva (cuiabano),
que era motorista de táxi, tendo falecido aos 35 anos, deixando viúva
minha avó Mariana, a qual contava à época 29 anos de idade e ficou na

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obrigação de sustentar sozinha, com seu trabalho, duas filhas menores,
sendo Mitzi de 4 anos de idade e Maritza de 2 anos.

Contou, todavia, com o apoio da cunhada, tia Adélia, casada com


um bom homem, de muita fibra e índole batalhadora como sói
acontecer com os suíços: Frederico Thomem, o qual apoiou as
sobrinhas emprestadas da melhor forma possível.

O nascimento do biografado foi no dia de São Luiz – 25 de agosto


e o ano foi o de 1954. A cidade foi Campo Grande.

Conta com 5 irmãos, todos gente de bem.

A ESCOLA, A AVÓ MARIANA E A INFÂNCIA

Até os 6 anos de idade viveu em Campo Grande, sendo que, antes


de entrar para a escola para alfabetização, teve de, junto com seus
irmãos, aprender a escrever o próprio nome, saber a tabuada até 5 e

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aprender caligrafia, tudo isso sentado no colo da mãe, que só deixava
sair dali para ir ao banheiro...

Revelou, nesse primeiro aprendizado, muita força de vontade,


pois chegava a furar as folhas dos cadernos de tanto apagar o que
estava mal escrito...

A avó Mariana foi morar com a família da filha Mitzi, por


ocasião do nascimento do biografado, e ali permaneceu até seu
falecimento, em 1982.

Grande foi sua contribuição na formação moral dos netos, a


quem se dedicava como a coruja avó que acha seus descendentes
verdadeiras maravilhas de beleza e perfeição moral... (Deus está
vendo...!!!) (rsrsrsrs)

Estudou em escola particular naquele período, em Campo


Grande, onde aprendeu principalmente a valorizar o recreio e a comer
tudo que levava na merendeira, sem deixar sobrar nada...

O pai matriculou-o, aos 6 anos, junto com seus dois irmãos, na


Escola de Judô, onde teve de começar a aprender a se defender para
não chegar em casa com a cara amarrotada por algum colega mais
agressivo.

O pai não admitia que abusassem dos mais fracos, mas que
também não corressem dos mais fortes: tinham de, pelo menos, impor
respeito, ao mesmo tempo em que deveriam respeitar a todos. Essa era
a Pedagogia de Antonio de Arruda Marques, apoiado por Mitzi da
Silva Marques, esta que nos corrigia com um cinto enrolado na mão e
aquele com a mão esquerda, que sempre acertava no traseiro do filho
que tivesse “aprontado alguma”...

Nossa mãe lia para nós “Os Contos da Carochinha”, “Os Contos
dos Irmãos Grimm” e os livros infantis de Monteiro Lobato.

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Naquela época, em Campo Grande, a energia elétrica era
cortada a partir das 18:00 horas e todos tínhamos de dormir cedo,
ficando aceso apenas um lampião a gás, que Antonio Marques acendia
até todos irem para a cama por volta das 22:00 horas.

Quem não conseguia dormir logo recebia a chamada da avó


Mariana: “Vira a cara pra parede!”

A MUDANÇA PARA CUIABÁ

Em 1961 fomos morar em Cuiabá, onde Antonio Marques


trabalhou em alguns cargos públicos, inclusive no Departamento de
Terras e Colonização, sendo que moramos primeiro na Rua Antonio
João, conhecida como Rua dos Porcos, que não tinha calçamento e
dava os fundos para um córrego, verdadeiro esgoto a céu aberto, que
atravessávamos sem nunca termos contraído qualquer doença.

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Brincávamos na rua e em alguns carros sem motor, que estavam
abandonados ali perto, além de pegarmos carona com o leiteiro Seo
Antônio, que nos levava até bem longe, na sua carroça e, depois, nos
mandava apear e voltávamos correndo até em casa. Era muito bom...

Depois fomos morar na Rua Cândido Mariano, sendo uma casa


velha, sem muito cuidado, mas cujo quintal dava para a Avenida
Getúlio Vargas, por coincidência vizinha da casa da tia Beíta, que
tinha uma récula de filhos, com os quais jogávamos futebol sob um sol
de quase 40 graus.

Íamos muito ao sítio da tia Beíta, de charrete, tendo o Baio como


o grande cavalo, que puxava, com sua força total cerca de 7 a 8
pessoas, a maioria crianças, empoleiradas naquele resistente meio de
transporte de gente animada, que, ao se aproximar do sítio, aprontava
em berreiro ensurdecedor, que mais acelerava o Baio...

Ali nadávamos no Rio Cuiabá, onde havia jacarés em


determinados pontos, que nos avisavam para deles não nos
aproximarmos...

Estudei em uma Escola particular, aliás, a professora D. Otília


dava aulas em casa, concomitantemente para mim, um irmão e uma
irmã, cada um em uma série diferente, mas isso era permitido pela
legislação da época.

Ao final do ano, todos fomos aprovados e ganhamos da


professora Otília uma lata de biscoitos, que comemos sofregamente
quando fomos lá pegar nossos respectivos certificados.

Depois estudei no Colégio Estadual Bernardina Richa, com


aprovação não sei como...

Mais do que tudo jogava futebol em campos improvisados,


quintais e na rua. Estudar mesmo, que é necessário, quase nada...

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A MUDANÇA PARA CAMPO GRANDE

Ali tive de encarar de frente a professora Júlia Baren Holland,


que passou com nota 10 em todas as matérias do concurso realizado
por Antonio de Arruda Marques em 1951, ao qual me referi na
biografia dele.

Era uma verdadeira alemã, digamos, meio hitlerista, pois


tínhamos de aprender os pontos de cor e, caso não estivesse a nossa
fala igualzinha à do livro, tínhamos de fazer 5 cópias e levar no dia
seguinte. No primeiro semestre, aprendi caligrafia que foi uma beleza,
pois fazia cópias todos os dias. A partir daí nunca mais fiz cópias, pois
consegui desenvolver a memória a ponto de aprender os nomes dos
países e Estados e suas capitais, nomes de rios e montanhas etc. etc.

Ao final do 4º ano primário, a professora Júlia disse os nomes


dos alunos que tinham chances de passar no exame de admissão ao
ginásio e os que seriam reprovados. Eu estava entre os últimos...

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Mas passei no exame de admissão, mais ligado a não estar
podendo participar da pelada do domingo do que nas perguntas do
padre Naim e do clérigo Augusto...

No 1º ginasial fui um dos únicos dois alunos, das quatro turmas,


que passei direto em todas as matérias.

A professora Júlia estava equivocada a meu respeito...

Lutamos mais dois anos de judô e jogamos muito futebol, ao


mesmo tempo em que eu estudava muito.

A MUDANÇA PARA JUIZ DE FORA

Estranhamos muito a mudança, pois nunca tínhamos morado em


apartamento.

Assim, meus pais permitiam que jogássemos futebol na sala de


visitas do apartamento, fazendo da estante de livros do meu pai o gol,

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de onde a bola de futsal derrubava sempre alguns livros quando o
goleiro improvisado não conseguia segurar o petardo...

Tendo adquirido o gosto pelo estudo, passei a me destacar como


aluno brilhante, terminando o ginásio com grande proveito e,
sobretudo, boa base em Português, que me serviria para poder
futuramente escrever meus atuais 190 livros e mais de um milheiro de
artigos.

O pai faleceu em 19 de outubro de 1970, ficando a família em


estado de miserabilidade, mas o jovem guerreiro começou a trabalhar
aos 17 anos, ou seja, no ano seguinte, entregando seus magros salários
à mãe para ajudar nas despesas da casa.

Em Juiz de Fora viveu até os 25 anos, quando terminou o curso


de Direito, sempre trabalhando, mas tendo sido aprovado em concurso
público no 3º ano da Faculdade e, após formado, ficou aguardando a
nomeação, que só saiu publicada seis meses depois da formatura. Mas,
mesmo durante o curso universitário, já tinha garantido o futuro.

Isso é muito importante, pois a maioria dos colegas somente


passou a pensar em trabalhar depois de formados, ou seja, tarde
demais para começar... A diferença entre uns e outros estava aí:
“Quem cedo madruga faz o dia render!”

Quando terminei o curso de Direito contava já com 8 anos de


trabalho, a maioria em subempregos, e sabia me virar para ganhar o
pão de cada dia!

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MUDANÇA PARA FORTALEZA

Trabalhei um ano e dois meses na Auditoria da Justiça Militar


Federal como auxiliar-judiciário concursado e ali aprendi muito,
graças à bondade dos juízes-auditores, que me permitiam levar
emprestados os livros da pequena biblioteca, que me serviram para
estudar Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, através dos
quais me preparei, indiretamente, para o concurso de promotor de
justiça, sendo aprovado em 5º lugar.

Completei, em Fortaleza, com grande proveito, 10 anos de


subnutrição, que me serviram para respeitar os sofrimentos daqueles
que passam a vida se alimentando do mínimo necessário para
colocarem todos os dias o corpo em pé para trabalharem
honestamente.

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MUDANÇA PARA LAJINHA

Trabalhei em Lajinha como promotor de justiça durante um ano


e dois meses, sendo, logo na primeira semana, ameaçado de morte por
um chefe político local, que entendia que os promotores de justiça
eram empregados do seu irmão, deputado federal majoritário naquela
região.

Tive de aprender a atirar nas estradas ermas para evitar que a


promessa do “coroné” fosse cumprida.

Felizmente, nada aconteceu além de alguém ter jogado uma


bomba na entrada do fórum...

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MUDANÇA PARA CAXAMBU

Ali trabalhei e estudei muito, preparando-me para o concurso


para juiz de direito.

Fui aprovado em 2º lugar, perdendo apenas para o atual


presidente do Superior Tribunal de Justiça João Otávio de Noronha,
tido ele, com razão, como quase gênio.

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MUDANÇA PARA BICAS

Iniciei meu trabalho como juiz de direito em Bicas, cidade da


qual me recordo por alguns fatos: cortei pela raiz o tráfico de bebês
para a França, tendo sido informado que muitas dessas crianças eram
utilizadas para doação de órgãos para crianças francesas; impedi a
continuidade da corrupção que vigorava no fórum local e dali saí com
a consciência tranquila pelo dever cumprido, apesar de literalmente
enxotado pelo então corregedor-geral de justiça, que prometeu iniciar
meu processo de remoção compulsória caso chegasse às suas mãos
mais uma representação contra o meu trabalho.

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PROMOÇÃO PARA CONCEIÇÃO DAS ALAGOAS

A atuação que considero mais relevante naquela Comarca de


gente humilde e respeitosa foi a solução que dei a um processo
envolvendo menores que pixaram uma Escola, uma Igreja Católica e o
prédio da Prefeitura. Tiveram que pintar os prédios por conta dos
pais, mesmo estando entre os infratores o filho da diretora da Escola e
o filho de um gerente de Banco...

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PROMOÇÃO PARA JOÃO MONLEVADE

Ali fiz de tudo para humanizar a Justiça, antes dominada por


uma beligerância como vi em poucas cidades, o que me dispenso de
comentar neste livro, pois naquela cidade conheci, por outro lado,
muitas pessoas que se tornaram meus grandes amigos.

Ao lado das atividades forenses, exerci o magistério na


Faculdade de Ciências Gerenciais, por um ano e meio, lecionando
Instituições de Direito Público e Privado, somente não chegando a
assumir a função de professor de Direito Civil e Processo Civil na
futura Faculdade de Direito porque mudei-me para Juiz de Fora no
final de 1994.

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REMOÇÃO PARA JUIZ DE FORA

Em 5 de dezembro de 1994 vim trabalhar em Juiz de Fora.

Depois de formado em Direito, em 1979, foram 14 anos de


andanças, a trabalho, por esse Brasil de meu Deus, principalmente por
esta Minas Gerais de muitos problemas, devidos principalmente às
grandes multinacionais que drenam as riquezas minerais deste grande
Estado, que está cada vez mais pobre, tendo toda essa exploração
começado pelos bandeirantes paulistas, que fizeram a riqueza do seu
Estado à custa dos assassinatos de mineiros e apropriação de suas
terras já nos idos do século XVI.

Aqui praticamente eu trouxe a noção de que a Informática é


imprescindível no mundo forense da atualidade.

Tendo ido à França para estudar na Escola Nacional da


Magistratura daquele país, em 1999, passei a ter a certeza de que nossa
Justiça precisa de mudanças estruturais e, sobretudo, de mentalidade,
primando pela Ética e pela Conciliação, como únicas soluções para os

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milhões de processos, a maioria desnecessários, que abarrotam as
prateleiras e os computadores da Justiça de um país onde faltam
organização e boa-vontade, mas, sobretudo, cidadania verdadeira, que
se traduz em cada um cumprir os seus deveres.

Para encerrar, lembro-me, a propósito, de uma frase de John F.


Kennedy:

“Não pense no que seu país pode fazer por você. Pense no que
você pode fazer pelo seu país.”

CONCLUSÃO

O exemplo do Sérgio Moro da Justiça Militar Federal vai ficar


na História de Cáceres, Cuiabá, Campo Grande, Bagé e Juiz de Fora,
queiram ou não os que não gostam de ver a honestidade e a coragem
de enfrentar a corrupção que ainda é o pior mal do nosso país.

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FIM

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