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Nasci em meio ao horror da escravidão, no dia 21 de junho de 1830, em um sobrado da rua

do Bângala, localizado em Salvador. Meu nome de batismo é Luís Gonzaga Pinto da Gama porém
sou mais conhecido como Luís Gama. Minha mãe, Luiza Mahin, era uma mulher guerreira,
lutadora, revolucionária e escrava livre, foi uma das líderes da revolta do Malês em 1835 e da
Sabinada em 1837, consequentemente, teve que fugir para o Rio de Janeiro, me deixando aos
cuidados do meu pai, um fidalgo de origem portuguesa cujo qual nuca citei o nome.

Figura 1: Luiza Mahin

Em 1840, quando tinha apenas 10 anos, fui vendido como escravo pelo meu pai e levado em
um navio para o Rio de Janeiro. Muito sofrimento presenciei nesta viajem, não conhecia nenhum
homem ou mulher que lá estava, mas entendia a dor pela qual todos nós estávamos passando.
Chegando no destino, eu e muitos outros fomos para a casa de um cerieiro português, de nome
Vieira, dono de uma loja de velas que recebia escravos da Bahia. A senhora Vieira e suas filhas
sempre me trataram muito bem, sou muito grato a elas por todo amor e carinho que recebi por
alguns dias de minha vida.
Em dezembro de 1840 fui vendido ao negociante Antônio Pereira Cardoso. Este revendia os
escravos que comprava, e eu pelo simples fato de ser baiano fui muito atacado. Os preconceitos que
me norteavam não eram só raciais, minha origem também era fator de discriminação. Voltei para a
fazenda do Sr. Cardoso no município de Limeira, onde aprendi a ser copeiro, sapateiro, a lavar,
engomar roupa e costurar. Durante esse tempo refleti muito sobre os direitos que eu deveria exercer
como “cidadão” brasileiro, eu era muito novo mas entendia a sociedade desigual e elitista em que
vivia. Percebi então, que queria fazer a diferença e lutar para mudar tal situação, assim como minha
mãe, que sempre esteve ativa nas questões da libertação dos escravos.
Quando completei 17 anos conheci um grande amigo meu, Antônio Rodrigues do Prado,
filho do Sr. Cardoso. Ficou como hóspede na casa do pai durante um tempo e me ensinou a ler e
escrever. E graças a essa conquista em 1847 consegui secretamente minha alforria na Justiça e fugi
da fazenda em que me encontrava. Alistei-me como praça e servi até 1854, foram seis anos e
durante esse tempo cheguei a cabo de esquadra graduado, porém fui acusado de insubordinação
após enfrentar um oficial ofensivo. Fiquei preso por 39 dias, de 1º de julho a 9 de agosto. Foi muito
difícil suportar a prisão e os horrores que aconteciam lá mas eu acho que esse fato foi crucial para
minha trajetória de advogado, abolicionista e republicano, sempre busquei criticar em minhas obras
o abuso das prerrogativas de autoridades municipais, juízes e delegados. Quando voltei a minha
tarimba e narrei tudo o que vivi aos meus colegas muitos se identificaram e percebi que não fui o
único a sofrer atrocidades exilado.

Figura 2: Uniforme de soldados do exército


brasileiro, século XIX
Figura 3: Era comum homens pobres, ex escravizados se alistarem nas
Forças Armadas

Consegui um emprego como copista, no escritório do escrivão major Benedito Antônio


Coelho Neto, com o tempo nos tornamos grandes amigos, nós dois tínhamos respeito um pelo outro.
Depois de servir muitas autoridades policiais fui nomeado como amanuense da Secretaria de Polícia
da Província de São Paulo, onde servi até 1868, pois fui demitido pelo “bem do setor público”. O
bem para o setor público era ter apenas homens brancos com cargos respeitáveis e eu como preto e
ex escravizado não poderia exercer tal trabalho. A demissão foi firmada pelo o dr. Antônio Manuel
dos Reis e assinada pelo dr. Vicente Ferreira da Silva Bueno.

Figura 4: dr. Vicente Ferreira


da Silva Bueno

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