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GUIA DE LEITURA

LIMA BARRETO
Índice

Do autor 3
Esquemas dos Romances
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) 23
Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) 28
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) 36
Do autor
Afonso Henriques de Lima Barreto,
príncipe da prosa brasileira

Vejam só! Um mulato ter a audácia de


usar o nome do rei de Portugal!

Estas palavras, ditas por um veterano da Escola Politécnica do Rio de


Janeiro, onde Lima Barreto cursava engenharia, são muito ilustrativas da
figura do escritor carioca – de seu caráter enquanto gênio das letras e ob-
servador de seu meio, e, ao mesmo tempo, das dificuldades que teve de
enfrentar ao longo da vida. Pode-se achar um pouco exagerado o título
de “príncipe da prosa brasileira”, mas nós, do Clube de Literatura Clássi-
ca, achamo-lo mais que conveniente para designar aquele que retratou a
sociedade brasileira com agudeza e realismo ímpares, como alguém que
paira sobre o mundo com espírito superior.

Contudo, não foi o fundador do Reino de Portugal, D. Afonso Hen-


riques – que firmou a independência lusa em face dos espanhóis e dos
mouros –, a inspiração do nome de Lima Barreto. O Henriques veio do
pai, João Henriques de Lima Barreto, filho de uma antiga escrava com
um madeireiro português, que não reconhecera sua filiação. Seu sonho

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era se formar e se fazer doutor, mas o máximo que conseguiu foi ser ti-
pógrafo na Imprensa Nacional. Foi exercendo o ofício de tipógrafo em
jornais liberais que travou conhecimento com uma das personalidades
políticas de maior destaque do fim do Segundo Reinado: o Visconde de
Ouro Preto, Afonso Celso de Assis Figueiredo, que viria a ser o último
chefe do Executivo do Brasil Império. Protetor de João Henriques, dig-
nou-se a ser padrinho de seu segundo filho, e daí veio o Afonso, gerando
a coincidência do nome real: Afonso Henriques.

Sua mãe, Amália Augusta, era filha de uma escrava forra dos Pereira de Car-
valho, e que se tornara uma de suas agregadas. Manuel Feliciano Pereira de
Carvalho, o chefe da família na época, era médico ilustre, considerado o
“patriarca da cirurgia brasileira”, dados os avanços técnicos que introduziu
no país. Corria a voz que era pai de todas as crianças suas agregadas, existin-
do então a possibilidade de ser este o avô de Lima Barreto. Vê-se, portanto,
que nosso autor descende, tanto de parte de pai quanto de mãe, por um
lado de tronco escravo, e por outro de tronco português ou fidalgo. Duran-
te grande parte da vida de João Henriques, tanto o compadre ilustre quanto
o provável sogro lhe foram de grande valia em momentos de dificuldade.

Afonso Henriques nasceu numa sexta-feira 13: 13 de maio, dia consa-


grado na época a Nossa Senhora dos Mártires, como se o bebê já nascesse
predestinado a uma vida de sofrimentos e martírios. O ano era 1881.

Logo na infância é acometido pela primeira grande tragédia de sua vida.


Amália Augusta, professora, tinha a saúde muito debilitada, o que fa-
zia com que a família se mudasse frequentemente em busca de melhores
ares, numa perambulação contínua pelos subúrbios do Rio. Mas nada

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adiantou; em 1887, quando o futuro escritor contava seis anos, Amália
falece, deixando quatro filhos pequenos. A perda da mãe é um trauma
que marcará Afonso por toda a vida.

Outro momento que marcará sua infância será a Abolição da Escrava-


tura, que aconteceu no seu aniversário de sete anos. Seu pai o levou ao
Largo do Paço e à missa campal em S. Cristóvão. O escritor nos deixou
um interessante relato dos acontecimentos do dia, da assinatura da lei,
dos festejos, da visão que teve de D. Isabel.

No ano seguinte, seu padrinho, o Visconde de Ouro Preto, torna-se presi-


dente do Conselho de Ministros. Era um momento delicado para o regime
monárquico, e o Visconde não poupou esforços para, segundo ele, “inutili-
zar a república”. Tudo em vão. Célebre é o episódio em que Floriano Peixo-
to desobedece às suas ordens de disparar contra os revoltosos, resultando
em sua deposição e subsequente proclamação da república – o mesmo Flo-
riano Peixoto que não poupará balas contra seus opositores, como Lima
Barreto registrará magistralmente em seu Policarpo Quaresma.

Afonso Celso também foi exilado, e, dada a sua ligação com o Visconde,
a situação de João Henriques tornou-se bem complicada no novo regime.
Não chegou a ser preso, mas perdeu seu emprego, recebendo em troca o de
almoxarife da Colônia de Alienados da Ilha do Governador, onde a família
passa a residir. O pequeno Afonso começa a estudar em Niterói e passa os
fins de semana com o pai e os irmãos na Ilha. Talvez essa seja a única épo-
ca de sua vida que terá um pouco de tranquilidade: no Liceu, será aquele
menino quieto, ensimesmado; mas, nos dias de folga, leva a vida de uma
criança normal, que brinca no meio do mato, cheia de saúde. É claro que o

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Brasil nunca deixa ninguém tranquilo assim por muito tempo – foi nesse
período que estourou a Revolta da Armada, da qual Afonso pôde ver al-
guns episódios, morando praticamente em pleno teatro de guerra.

Aos quatorze anos, findo o Liceu, Afonso Henriques começa a estudar


para prestar os exames de admissão à Escola Politécnica, tendo o total
apoio do pai, que esperava ver, no filho, realizado o seu sonho frustrado
de ser doutor. Afonso quer ser engenheiro: construir pontes, estradas.
Foi por essa época que teve contato com a Igreja Positivista de Teixeira
Mendes e fez seu próprio plano de estudo da filosofia. Apesar de não ter
obtido notas brilhantes nos exames, consegue ser aprovado e se torna
bacharelando da Politécnica do Rio. Estamos em 1897.

Como costuma ser, o período “universitário” de Lima Barreto foi decisivo


para os posteriores rumos de sua vida. Ali fez grandes amigos, conheceu
jovens que se tornariam grandes personalidades da república, e começou a
dar seus primeiros passos no mundo das letras. E também sofreu. Muito.

Já vimos acima o tipo de insulto que foi obrigado a ouvir de um colega.


Mas encontrava resistência também de professores, tendo grande desta-
que Licínio Cardoso, que o reprovou por anos a fio, o que Lima encarava
como verdadeira perseguição. Tudo isso fazia com que o tímido estudan-
te se recolhesse ainda mais em seu mundo, passando horas na biblioteca
a estudar literatura e humanidades. Ao mesmo tempo, isso contribuiu
para forjar aquela sua indignação que lhe é bem característica. Em A
Lanterna, periódico dos estudantes das escolas superiores do Rio, Lima
Barreto publicou suas primeiras sátiras, nas quais pintava sem piedade
colegas e professores.

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Em abril de 1902, nova catástrofe se abate sobre a alma de Lima Barreto,
que terá consequências funestas pelo resto de sua vida: seu pai enlouque-
ce. João Henriques delirava achando que o iam prender por desvio de
verbas na Colônia de Alienados. Que era loucura de sua parte averiguou-
-se quando se iniciou uma investigação a respeito pelos hospícios do Rio,
e verificou-se que Lima Barreto pai era um funcionário exemplar. Fato é
que João Henriques jamais se recuperou, e o cuidado da casa e da família
caiu sobre os ombros de Afonso, que penava para se formar.

Afonso Henriques abandona então a Politécnica. Como seu personagem


Isaías Caminha – e assim como seu pai –, nunca se fará doutor. Começa
ali uma odisséia pelas repartições públicas para aposentar o pai louco;
outrossim, a família é obrigada a deixar a Ilha do Governador e procurar
onde morar no subúrbio, achando uma casa que o novo chefe apelida
ironicamente de “Vila Quilombo”.

Surge a oportunidade de obter um emprego público, havendo concurso


para uma vaga de amanuense na Secretaria da Guerra. Afonso fica em
segundo lugar, unicamente por conta de sua caligrafia, e seu desânimo
com a vida aumenta ainda mais. Mas a sorte enfim lhe sorriu: logo de-
pois do concurso, abre-se mais uma vaga com o falecimento de um dos
servidores. Em outubro de 1903, Lima Barreto é chamado a tomar posse
e torna-se funcionário público. Na repartição, fará grandes amigos e co-
nhecerá as várias figuras de burocratas que retratará em seus escritos.

São os amigos de repartição que iniciam Lima à vida boêmia, à vida dos
cafés – grandes novidades do Rio de Janeiro daquele tempo, em fase de
remodelação e modernização. Mas o álcool ainda não é inimigo de nosso

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autor. Nos cafés, Lima Barreto trava conhecimento com vários intelec-
tuais, artistas, poetas, filósofos, jornalistas. Alguns de seus amigos o con-
vidam para contribuir em periódicos de curta existência. Começa a escre-
ver seu Diário Íntimo e a planejar uma vasta obra sobre a questão negra,
incluindo uma História da Escravidão Negra no Brasil. Datam dessa época
igualmente suas primeiras idéias para Clara dos Anjos.

Em 1907, Lima funda, junto com alguns amigos, sua própria revista, Flo-
real, na qual publica os primeiros capítulos de Recordações do Escrivão
Isaías Caminha. Esses capítulos conseguiram chamar a atenção de José
Veríssimo, que viu em Lima Barreto verdadeiro senso artístico e que che-
gou mesmo a recebê-lo em sua casa. Apesar disso, a revista não dura mais
que quatro números.

Com o fim de seu periódico, em 1908, Lima Barreto não vê nenhuma


perspectiva para a sua literatura, por não ver meios de publicá-la. Como
diz em seu diário: “Estou com vinte e sete anos, tendo feito uma porção de
bobagens, sem saber positivamente nada; ignorando se tenho qualidades
naturais, escrevendo em explosões; sem dinheiro, sem família, carregado de
dificuldades e responsabilidades.” Termina Isaías Caminha e já tem Vida
e Morte de M. J. Gonzaga de Sá bastante encaminhado, mas não se sente
reconfortado. Sem contatos que lhe valham na grande imprensa, nem
na editora Garnier, que ditava os nomes dos grandes autores na época, a
publicação de seu primeiro romance foi uma verdadeira aventura.

Porque, afinal, Lima Barreto foi obrigado a publicar seu livro de estréia
em Portugal. João Pereira Barreto, do grupo de Floreal, conseguiu um
“pistolão” de Sílvio Romero na Livraria Clássica de Lisboa, onde acabou

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publicando um volume de versos. O mesmo Pereira Barreto se ofereceu
para escrever uma carta de apresentação pelo Lima. Antônio Noronha
Santos – seu amigo da vida inteira –, indo para a Europa, levaria o ro-
mance. O editor lisboeta, A. M. Teixeira, reconhece o talento do autor e
se dispõe a publicar o livro imediatamente.

É um período de grande apreensão para Lima. A publicação de seu livro


se arrastou por meses, nos quais Teixeira não respondia às suas cartas,
sem falar nas correções que fizeram no texto, a seu ver, de forma equivo-
cada. Após meses de angústia, em outubro de 1909 o livro chega impres-
so ao Rio.

No entanto, a glória que ele tanto almejava não veio. Não por acaso, os
grandes jornais mantiveram silêncio sobre a obra. Na repartição, a mes-
ma coisa: um servidor que entrou na Secretaria dois anos depois de Lima
Barreto foi promovido em seu lugar. Financeiramente, estava na mesma,
penando para sustentar a casa com o magro salário de burocrata.

Apesar das frustrações, não abandona sua vocação. No final de 1910, es-
creve Nova Califórnia, e, em três meses, para terminar no início de 1911,
redige de um jato Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado no Jor-
nal do Commercio por influência de um amigo; logo depois, compõe O
Homem que sabia Javanês. Três obras-primas em seis meses. Mas o pesar
de não ser reconhecido, somado à loucura do pai, fez o escritor ceder à
bebida. É quando Lima Barreto alcança a maturidade de sua arte que ele
se torna alcoólatra. 1911, o ano de seu trigésimo aniversário, é, portanto,
um ano que marca sua vida em todos os sentidos.

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Logo o alcoolismo começará sua obra de devastação em sua saúde. Em
1914, experimentará os primeiros delírios, que o levarão, por força poli-
cial, ao hospício, onde ficará internado por dois meses. Tendo recebido alta
em outubro, põe-se a compor Numa e a Ninfa, que escreveu em apenas
vinte e cinco dias, e que passou a publicar no periódico A Noite, enquanto
tentava encontrar alguém que estampasse Policarpo Quaresma em livro.

Novamente, foi vã sua procura por um editor no Brasil. Dessa vez, po-
rém, ele mesmo financiou a impressão de seu romance, sendo obrigado a
recorrer a empréstimos de agiotas. Conseguiu, assim, em 1915, fazer sair,
numa brochura reles, em papel vagabundo, o Policarpo e uma seleção de
seus contos, entre eles Nova Califórnia e O Homem que sabia Javanês.
Mas agora a reação da imprensa foi totalmente outra: seu livro foi feste-
jado, muitos o considerando como o legítimo sucessor de Machado de
Assis. Tornou-se enfim celebridade, passando a contribuir com jornais
de maior relevo, embora financeiramente sua vida não tenha melhorado
muito, continuando a viver no subúrbio.

Estamos no período da Primeira Guerra Mundial, e Lima Barreto apro-


veita sua nova visibilidade para soltar os cães, defendendo idéias revolu-
cionárias e anarquistas, que aqui estavam em voga sobretudo depois da
Revolução Russa. O autor carioca, contudo, defendeu tais ideais sempre
como teórico, nunca como agitador político. Nesse período, publica, no-
vamente recorrendo a empréstimos, a segunda edição de Isaías Caminha.

De novembro de 1918 a janeiro de 1919, ficou internado no Hospital


Central do Exército. Num acesso de delírio alcoólico, acabou quebran-
do a clavícula. Desde que começara a beber, sete anos antes, seu serviço

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na repartição era completamente irregular, chegando a desaparecer do
trabalho por meses a fio. Após seu acidente e internação, foi aposentado,
após servir, bem ou mal, por quatorze anos como funcionário público.
No hospital, recebe uma proposta de ninguém menos que Monteiro Lo-
bato para publicar Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Era a primeira
vez que um editor o procurava propondo-lhe pagar razoavelmente bem
por uma de suas obras. Lima revisa seu livro, que escrevera já havia dez
anos, e o envia ao colega paulista, enquanto continua a escrever para os
jornais. É nesse tempo, depois de receber alta do hospital, que se candi-
data, pela primeira vez, para a Academia Brasileira de Letras.

Sua colaboração na imprensa se intensifica cada vez mais. Critica os ru-


mos da política, a marginalização dos pobres, as reformas urbanas do Rio
de Janeiro, a nova moda do football, os movimentos feministas.

No fim de 1919, novamente é levado à força para o hospício. A princípio


mal recebido, após ser transferido de ala, encontra um médico sensível
aos seus talentos, que o trata do modo como precisava, tendo livros e
material de escrita à sua disposição. Toma várias notas em seu Diário do
Hospício para um romance que pretendia escrever logo ao sair dali, e que
prometia ser seu magnum opus: O Cemitério dos Vivos.

Após receber nova alta, Lima Barreto não parece muito contente com a
vida. Conseguira se tornar autor reconhecido, obtendo mesmo a admi-
ração de muitos jovens aspirantes à escritor, os quais sempre tratava com
o respeito e a consideração que nunca tivera. No entanto, nunca foi ca-
paz de vencer o alcoolismo. Ainda antes dos quarenta anos, já parecia um
velho, com muitos cabelos brancos. Houve até uma vez que, a convite de

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um desses seus jovens admiradores, fora a um recanto do interior de São
Paulo para fugir ao álcool, ocasião em que pôde conhecer pessoalmente
Monteiro Lobato – mas de nada adiantou.

Nos últimos dois anos de sua vida, além de se candidatar novamente à


Academia, conclui mais cinco obras: Histórias e Sonhos, Feiras e Mafuás,
Marginália, Bagatelas e Clara dos Anjos. Em 1920 começa a redação de O
Cemitério dos Vivos, tendo pela primeira vez um editor disposto a publicar
sua obra ainda antes de terminada. Mas não viverá o bastante para tanto.

1922 foi um ano de grandes eventos no Brasil: eleições presidenciais,


centenário da Independência, Semana de Arte Moderna. Foi também o
ano da morte de Lima Barreto.

O escritor viu os festejos nacionais com indiferença, e se indispôs, por


conta de um artigo, contra os modernistas de São Paulo. Já muito debi-
litado, passou a viver praticamente recluso na Vila Quilombo, não con-
seguindo sair tanto quanto gostaria. Embora doente, ninguém porém
suspeitava que estava para morrer. A preocupação constante da família
era João Henriques, insano e septuagenário.

Segundo o relato de sua irmã Evangelina, na última vez que viu Afonso,
este aparentava estar bem. Estava sentado na cama, e ela lhe trouxera uma
bandeja com chá e torradas. Fora cuidar do pai, e, uma hora depois, quando
retornou ao quarto do irmão, encontrou-o morto, sempre sentado na cama.

Foi em primeiro de novembro, Dia de Todos os Santos. Na manhã se-


guinte, Dia de Finados, foi sepultado no Cemitério São João Batista. No
velório, estiveram presentes, além de parentes, vários desconhecidos do

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subúrbio, bem como colegas de botequim. Um dos desconhecidos es-
palhou flores sobre o cadáver e beijou sua testa; perguntado quem era,
respondeu: “Não sou ninguém, minha senhora. Sou um homem que leu
e amou esse grande amigo dos desgraçados.”

João Henriques, apesar de demente, compreendeu a morte do filho. Fa-


leceu dois dias depois.

“Não é o caráter extrínseco da obra, mas intrínseco, perante o


qual aquele pouco vale. É a substância da obra, não são as suas
aparências. Sendo assim, a importância da obra literária que se
quer bela sem desprezar os atributos externos de perfeição de for-
ma, de estilo, de correção gramatical, de ritmo vocabular, de jogo
e equilíbrio das partes em vista de um fim, de obter unidade na
variedade; uma tal importância, dizia eu, deve residir na exte-
riorização de um certo e determinado pensamento de interesse
humano, que fale do problema angustioso do nosso destino em
face do Infinito e do Mistério que nos cerca, e aluda às questões de
nossa conduta na vida.”

Essa reflexão de Lima Barreto pertence a uma conferência que redi-


giu para ser proferida em sua viagem pelo interior de São Paulo. O
escritor, extremamente tímido, não aguentou a pressão: bebeu todas
e desapareceu quando o iam buscar para a conferência. No entanto,
conseguiu registrar o que Francisco de Assis Barbosa chamou seu “tes-
tamento literário”, expondo os princípios pelos quais se norteou para
fazer sua arte e aos quais se manteve fiel por toda a vida.

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No trecho citado, é possível perceber que a visão literária de Lima Barre-
to é bem diferente do que estava em voga no Brasil em sua época (e terá
alguma vez deixado de estar em voga?): a de uma literatura formalmente
perfeita, mas vazia de sentido. Nosso autor não condena a preocupação
com a forma, da qual, aliás, não foi um grande expoente; mas recorda
que o sentido da literatura jaz na expressão de algo que seja de interesse
humano: por um lado, o mistério do Infinito; por outro, a conduta hu-
mana, isto é, a moral.

Embora se tenha a sensação que ainda não estivesse na plenitude de sua


arte, claramente em vias de amadurecimento quando faleceu, essa visão
literária, vemo-la completamente realizada em sua obra, e não seria di-
ferente em seus três maiores romances. São eles: Recordações do Escrivão
Isaías Caminha, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Vida e Morte de M.
J. Gonzaga de Sá, que o leitor recebeu ou receberá em sua casa.

Temos três protagonistas muito diferentes entre si, mas, ao mesmo tem-
po, muito semelhantes, e não deixa de ser curioso o fato de seus nomes
estarem estampados nos três títulos: um jovem talento do interior que
descobre o Rio de Janeiro; um homem de meia-idade que tem um ar-
dente amor pelo Brasil, e um idoso de grande inteligência. Devido a essa
questão da idade dos protagonistas, chegou-se a ver nesses três romances
uma espécie de progressão, quase que um “romance de formação”, ou Bil-
dungsroman, no qual Lima Barreto retrataria a evolução de um homem
ideal sob as máscaras de Isaías Caminha, Policarpo Quaresma e Gonzaga
de Sá, sendo este último uma sorte de expressão soberana da sabedoria.
Seria muito difícil defender essa idéia, por várias razões, entre as quais o

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fato de Isaías Caminha e Gonzaga de Sá terem sido escritos quase ao mes-
mo tempo, preferindo Lima Barreto publicar Isaías Caminha primeiro
pelo fato do outro romance ser, segundo sua própria expressão, muito
“cerebrino”, desejando que seu romance de estréia fosse mais palatável.
Ambas as obras são escritos confessionais, narrados em primeira pessoa,
assim como O Cemitério dos Vivos; o Policarpo Quaresma, por outro lado,
carece totalmente desse aspecto.

Devido à proximidade de sua composição (embora o último tenha pas-


sado por revisões quase dez anos depois), existe sim um grande parale-
lo entre o jovem Isaías Caminha e o velho Gonzaga de Sá, paralelo que
se pode ver também nos desdobramentos dos personagens: Isaías Ca-
minha, em suas três formas: o personagem do romance, o narrador e o
personagem do prefácio; Gonzaga de Sá, em seu jovem amigo Augusto
Machado e seu afilhado Aleixo Manuel.

Isaías Caminha é um jovem de grande inteligência. Interiorano, filho de


padre e mulato. Devido ao talento que demonstra possuir, sonha com o
diploma e o anel de doutor, quer ir para o Rio de Janeiro. Ainda antes
de lá chegar, descobre, porém, que a realidade é bastante cruel: percebe
que a sociedade ao seu redor é impregnada pelo preconceito de raça, os
homens do governo e da intelectualidade não passam de oportunistas
medíocres, que pouco caso se faz dos pobres – e, no fim, que seu talento
e sua inteligência, para aquela sociedade, não valem absolutamente nada.
Na segunda metade do romance, o foco passa a ser os bastidores da im-
prensa, e aqui Lima Barreto mostrou todo o seu talento de sátiro, cari-
caturando grandes personagens do Rio da época. Por um grande acaso,

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o discreto Isaías Caminha consegue-se fazer notar pelo chefe do jornal
onde trabalhava, mas sua insatisfação com o meio é insuperável, e insiste
em voltar para o interior, onde terá o cargo público de escrivão.

É nessa situação que se encontra o narrador. Pouco se nos deixa vislum-


brar de seu estado, mas sabemos que está casado e tem um filho pequeno.
Ao mesmo tempo, nos informa que ali onde mora não há ninguém de
mesmo quilate intelectual que ele com quem possa conversar; sua mu-
lher não o compreende, crendo que o livro que está a escrever seja um
“relatório”. Isaías Caminha é um homem triste. Não acredita em suas ca-
pacidades, nem mesmo de escritor, mas considera um dever continuar
seu relato até o fim: com suas Recordações, “queria modificar a opinião dos
meus concidadãos, obrigá-los a pensar de outro modo, a não se encherem
de hostilidade e má vontade quando encontrarem na vida um rapaz como
eu e com os desejos que tinha há dez anos passados. Tento mostrar que são
legítimos e, se não merecedores de apoio, pelo menos dignos de indiferença.”
Num determinado ponto do romance, vimos a saber que seu filho morre.

Por fim, temos o personagem da “Breve Notícia”. Isaías Caminha está


completamente mudado. De volta ao Rio, sabemos que também perdeu
a mulher. Deixando a função de escrivão, tornou-se deputado estadual,
e, agora, federal. O jovem tímido e pobre, mas de grande talento, enfim
venceu na vida. Não, porém, sem grandes custos: Isaías cedeu ao meio.
Não conseguiu fazer sua força valer. Nas palavras de Lima Barreto, “está
vestindo a túnica de Nesso da Sociedade.”

Em contrapartida, Gonzaga de Sá é um homem bem-nascido, fidalgo, des-


cendente de Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro (o que, aliás, é um

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dado interessantíssimo para a compreensão do livro). Como Isaías Cami-
nha, Gonzaga de Sá é uma grande inteligência, com a qual nos banque-
teamos ao longo do romance, ao acompanhá-lo em suas caminhadas pela
cidade, ao ouvirmos suas opiniões sobre o país e suas personalidades, até
quando fala dos símbolos nacionais. Apesar do bom nascimento, bacha-
relou-se em letras, curso, até hoje, sem nenhum prestígio em nosso país,
e passou toda a vida num emprego medíocre numa repartição pública, li-
dando com problemas que estavam muito aquém de sua erudição e sensi-
bilidade. E nunca saiu disso. Nunca teve um grande amor, não teve filhos,
não fez nada grandioso. Gonzaga de Sá não cedeu ao meio, como Isaías
Caminha, pelo contrário, sempre se manteve fiel aos seus princípios. Mas,
no fim, é um homem frustrado, e seus últimos dias de vida, apesar da morte
pacífica e bela que teve, foram dias azedos. “Sou estéril, e morro estéril...”

Gonzaga começa uma bela amizade com o jovem Augusto Machado, tam-
bém funcionário público, assim como Lima Barreto nos seus vinte e pou-
cos anos. Ele parece ser a única pessoa que entende a grandeza do velho
amigo, e que ouve suas confissões e frustrações. Também tem seus proble-
mas com mulheres – problema do autor, que também nunca se realizou no
amor –, e é instantemente aconselhado por Gonzaga acerca desse e outros
assuntos. Parece que o velho sábio quer consertar, no amigo, seus próprios
erros; talvez veja nele sua própria imagem quando jovem.

Que ainda se esforçasse em deixar algum tipo de legado é totalmente


perceptível na maneira como trata seu afilhado, Aleixo Manuel. Também
este, menino pobre e de cor, revela uma grande capacidade intelectual.
Gonzaga de Sá quer criá-lo como filho e fazer dele um grande homem.

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Mas nem isso consegue realizar. Morre antes, e a sorte de Aleixo fica
completamente em aberto: conseguirá ele vencer o meio ou se renderá a
ele? Augusto Machado tem uma visão totalmente pessimista a respeito,
e se questiona sobre o porquê de alguns nascerem com o estigma da inte-
ligência – já que, por isso, devem muito sofrer.

Triste Fim de Policarpo Quaresma, por outro lado, é obra de outro qui-
late. Desde seu aparecimento, a figura do Major Quaresma sempre tem
sido ligada à de D. Quixote, e com razão. Consumido por um grande
amor pelo nosso país, Policarpo Quaresma, discreto funcionário públi-
co, tem grandes planos para a Pátria. E põe mãos à obra.

Seu primeiro projeto é o de uma grande restauração cultural: a adoção do


tupi como língua nacional, o cultivo da cultura popular, genuinamente
brasileira, depurada de toda e qualquer influência estrangeira – e isso até
na culinária. No entanto, não é compreendido por ninguém, nem pelos
que lhe são mais próximos. Seu projeto tupi é acolhido no Congresso por
estrondoso riso, e, na repartição, Quaresma é chamado “Ubirajara”. Com
tal recepção, o Major acaba cedendo à loucura, e aqui o autor se serve da
experiência do pai para traçar as tristes páginas da demência de Policarpo.

Recuperado e aposentado do serviço público, o bravo patriota não se dá


por vencido. Percebendo como as terras do interior são mal aproveita-
das, decide empreender na agricultura: ficaria rico com as riquezas na-
turais do Brasil e seria um exemplo para todos. Todavia, além de não
ter nenhum manejo no trabalho braçal, as coisas não são bem o que ele
esperava. A terra é intratável, os comerciantes pouco pagam pelos produ-
tos – e as saúvas, célebres saúvas, tudo devoram! Além disso, a população

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do interior é inteiramente tragada pelas intrigas políticas, enquanto vive
na maior miséria. O próprio Quaresma começa a sentir os efeitos disso,
quando, no Rio, estoura a Revolta da Armada.

Lá vai nosso herói, disposto a dar a vida pelo Brasil. Só que, em Floriano
Peixoto, descobre, não um grande líder e um grande patriota, mas um ser
desprezível e um ditador implacável. Revoltado com as execuções arbi-
trárias com as quais fora obrigado a contribuir, escreve uma carta revol-
tada ao presidente, e, como paga, também é mandado para o corredor da
morte. Sua afilhada faz o que pode para tentar salvá-lo, mas sabemos que
não há esperança.

O que há, portanto, de comum entre os três protagonistas? Todos são ho-
mens de inteligência incomum; todos, em algum período da vida, foram
funcionários públicos; todos se chocam horrivelmente contra a realidade.

O que eles têm de diferente, de particular? O modo como lidam com


a resistência do meio. Isaías Caminha consegue, mesmo na juventude,
cavar um caminho, até, cedendo completamente às forças exteriores, tor-
nar-se apenas mais um na massa da sociedade. Policarpo Quaresma, em
sua inocência, não percebe muito bem a realidade; resiste tenazmente a
ela, até ser por ela eliminado. Gonzaga de Sá, por sua vez, some nas som-
bras, inocuamente – não é atingido pelo meio, passa despercebido, até se
dar conta de que viveu mal sua vida.

Começamos esta seção do Guia falando do ideal literário de Lima Barre-


to, segundo o qual a literatura deveria se preocupar com algo de interesse
humano, em duas direções: o Infinito e a conduta do próprio homem.

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Seria impossível tratar disso sem se delongar por muito mais páginas,
mas podemos listar alguns dos temas tratados nos três romances e em Os
Bruzundangas, que os acompanha como brinde.

Sobre a conduta humana: o preconceito de raça, o patriotismo, o fun-


cionalismo público, a pobreza urbana e rural, a mediocridade intelectual
do brasileiro, o culto pelo diploma, a corrupção política, a posição da
mulher na sociedade, a adulação do estrangeiro, nossa mania de pose, o
charlatanismo. Há páginas sobre a loucura, relações de afeto entre pa-
drinho e afilhado(a), relações entre marido e mulher, pais e filhos; há
retratos da degradação sexual e moral da sociedade, bem como páginas
históricas acerca da Revolta da Armada e da Revolta da Vacina e sobre as
transformações da cidade do Rio de Janeiro. Lima Barreto nos legou uma
verdadeira radiografia do ser humano e do Brasil, tendo entendido nosso
país como ninguém.

E como não falar das belas reflexões sobre a vida e sobre a morte que en-
contramos nos derradeiros capítulos de Vida e Morte de M. J. Gonzaga
de Sá? Das reflexões que o Major Quaresma faz na prisão, quando se dá
conta de como foram inúteis todos os esforços que despendeu e todo o
amor que sentiu pelo Brasil, ou ainda, do profundo desconsolo de sua
afilhada e de seu amigo?

Poucas cenas de nossa literatura são mais singulares que o final de Isaías
Caminha, em que o protagonista, acompanhado de seu chefe – figurão
da república – e uma prostituta, passeia pelos arrabaldes pitorescos do
Rio, e, no fim do dia, fica a contemplar “o céu muito negro, muito estre-

20
lado, esquecido de que a nossa humanidade já não sabe ler nos astros os
destinos e os acontecimentos.”

Lima Barreto, pobre e mulato, que viveu uma vida curta e sofrida, pelo
legado que nos deixou, bem merece ser lembrado como nosso D. Afonso
Henriques, príncipe da prosa brasileira.

21
Esquemas
dos romances
Recordações do Escrivão
Isaías Caminha (1909)

Principais personagens

ISAÍAS CAMINHA – Escrivão do interior do Espírito Santo, é o narra-

dor e o protagonista da obra. Filho de padre com uma mulher de cor


e estudante de talento, deixa, na juventude, a vida na roça para tentar
se fazer doutor. Chegando no Rio, descobre uma vida árdua e uma so-
ciedade mesquinha, com a qual, a muito custo, aprende a lidar. Pelas
palavras do narrador, sabemos que é casado e tem um filho, que morre
ainda criança.

LAJE DA SILVA – Padeiro de Itaporanga. É o primeiro contato que


Isaías faz no Rio de Janeiro. Homem rico demais para um simples
padeiro e sempre em bons termos com os mais notáveis jornalistas da
Capital, cerca Isaías de todas as atenções, o que lhe faz desconfiar de
suas verdadeiras intenções para com ele.

IVAN GREGORÓVITCH ROSTÓLOFF – Romeno de nascença, mas fi-


lho de russo, o jornalista Gregoróvitch é formado em Línguas Orientais

23
e Exegese Bíblica pela Universidade de Sófia. Capaz de escrever em dez
línguas, viajou por diversas partes do mundo e resolveu trabalhar no
Brasil por algum tempo, antes de partir em busca de novos ares. Amante
de intrigas políticas, é quem inicia Isaías na vida jornalística.

ABELARDO LEIVA – Poeta e revolucionário, ajuda Isaías nos seus pri-

meiros tempos no Rio. Positivista convicto, ilustra a completa falta de


compromisso e fatuidade dos revolucionários brasileiros de então.

DR. RICARDO LOBERANT – o Todo-Poderoso dono do jornal O Glo-

bo. Bacharel em direito que nunca exerceu a profissão, seu jornal faz e
desfaz ministros, gera uma revolta popular, e é quem promove os es-
critores da moda. É uma figura essencial na trajetória do protagonista.

FREDERICO LOURENÇO COUTO, O “FLOC” – Crítico literário d’O


Globo, extremamente vaidoso e mulherengo, tendo como sua maior
glória o fato de ter trabalhado no corpo diplomático brasileiro em
Quito. De todos os personagens que trabalham para o Dr. Ricardo, é
o de maior relevo, visto que seu destino trágico estará entrelaçado com
a própria ascensão de Isaías Caminha.

Resumo

CAPÍTULO I – As origens humildes de Isaías Caminha. Este, movido


pela vaidade de seus talentos e pelo desejo de se fazer doutor, decide
partir para o Rio de Janeiro. Para tanto, consegue, através de seu tio,

24
um “pistolão” com o Coronel de sua cidade: uma indicação para o
deputado Castro.

CAPÍTULO II – A viagem para o Rio. Durante a viagem, Isaías pela


primeira vez sofre discriminação por sua cor, embora não o entenda a
princípio. Primeiras impressões da Capital Federal. Instalado em seu
hotel, conhece um estranho personagem: o padeiro Laje da Silva, que
o leva ao teatro.

CAPÍTULO III – No botequim do teatro, Isaías Caminha é apresentado

a diversos jornalistas. No dia seguinte, vai à procura do deputado Cas-


tro na Câmara. No caminho, no bonde, depara-se com um senador da
república, e é confundido com um jornalista de uma revista de fofocas.
Na Câmara, assiste a uma sessão legislativa; suas impressões. Em segui-
da, encontra Laje da Silva em um café, que o apresenta a Gregoróvitch.
Vê um desfile militar.

CAPÍTULO IV – Incapaz de encontrar o deputado, Isaías começa a te-


mer a falta de dinheiro. Passeia pela cidade, conhece um coronel que
lhe fala dos tempos do império, recorda cenas da infância. Enfim des-
cobre onde realmente pode achar o parlamentar. É recebido por uma
jovem de beleza estonteante. Entrevista com o deputado, que, apesar
da indicação do Coronel de sua cidade, não o acolhe calorosamente.
No bonde, lendo o jornal, descobre que Castro está de partida para
São Paulo. Indignação de Isaías.

CAPÍTULO V – Isaías na delegacia, onde aguarda por horas até ser in-
terrogado. Tido como principal suspeito de um roubo no hotel, não

25
acreditam que está no Rio para estudar. Aparecem duas donas que dis-
putavam os ovos de uma galinha. Novo interrogatório de Isaías, que,
num ato de fúria, insulta o delegado, que o mete no xadrez.

CAPÍTULO VI – Reflexões de Isaías sobre sua vida, passada e atual,


bem como da razão por que está escrevendo suas Recordações. Saindo
da delegacia, põe-se a pensar sobre as dificuldades enfrentadas até en-
tão, como se todas elas tivessem uma ligação. Vai em busca de traba-
lho, que lhe é recusado injustificadamente. Encontra um antigo colega
de escola. No Passeio Público, um rápido encontro com uma moça.

CAPÍTULO VII – Isaías conhece Abelardo Leiva, que o inicia no Rio de

Janeiro e o põe em contato com um grupo de jovens boêmios. Grego-


róvitch lhe pede para encontrá-lo na redação do O Globo.

A partir daqui o romance se concentra nos bastidores do jornal, e toma


o caráter episódico.

CAPÍTULO VIII – Esquecido a um canto, Isaías espera Gregoróvitch na

redação. Primeiras impressões dos jornalistas, personagens que acom-


panharão o leitor até o fim do romance. A imprensa: quarto poder fora
da Constituição.

CAPÍTULO IX – Isaías começa a trabalhar no jornal como contínuo.


Acomodando-se ao serviço, esquece seu ímpeto pelo estudo, deixa de
ler livros. O estilo jornalístico. O episódio da poetisa fidalga. O poder
do Dr. Ricardo. Arranjam o contrato de um redator português.

26
CAPÍTULO X – A questão dos sapatos obrigatórios. Sensacionalismo
em torno de um assassinato. O doutor embusteiro.

CAPÍTULO XI – Isaías descreve a casa de cômodos onde mora. Boatos


populares sobre a lei dos sapatos obrigatórios. A inspeção gramatical do
velho Lobo. O redator português chega ao Rio, e todo o jornal vai rece-
bê-lo no cais. Lá, o Dr. Ricardo se encontra com um ministro, e um pre-
to velho se apresenta com um berimbau, a pedir esmola. Ainda no cais,
o Dr. Ricardo se desentende com um deputado e os dois se atracam.

CAPÍTULO XII – O episódio do jovem poeta. O repórter do palácio


presidencial. Estoura a revolta popular contra a lei dos sapatos obriga-
tórios. O Globo se engaja ativamente a favor da revolta.

CAPÍTULO XIII – Os funerais do cozinheiro do Dr. Loberant. As con-

sequências políticas da revolta dos sapatos. O fim de Floc.

CAPÍTULO XIV – Isaías Caminha, repórter, entrevista o ministro da


Marinha. Narrativa de como se deu essa transição e das dificuldades
que enfrentou. O destino de seus colegas de redação. Isaías pede ao
dono d’O Globo para lhe arranjar o posto de escrivão no interior, visto
que deseja deixar o Rio de Janeiro. O romance termina com um episó-
dio singular, repleto de melancolia, no qual Isaías, o Dr. Ricardo e uma
italiana fazem um passeio aos arredores da cidade. Isaías medita a sua
história até ali e a realidade que vê em sua volta; olhando para o céu,
lamenta que a humanidade já não saiba interpretar os astros.

27
Triste Fim de
Policarpo Quaresma (1915)

Principais personagens

MAJOR POLICARPO QUARESMA – Funcionário público, quarentão,


o Major Policarpo Quaresma nunca foi militar. Homem extremamente
pontual e organizado, nutre um profundo amor por nosso país e por
tudo que lhe diz respeito. D. Quixote brasileiro, imagina possuir as
grandes idéias que mudará o Brasil para melhor. É esse seu enorme pa-
triotismo o motor do romance, que acabará por levá-lo ao seu triste fim.

DONA ADELAIDE – Irmã mais velha de Policarpo. Sempre leal ao


Major, e também solteirona, sua concepção da vida é a mais simples
possível, nunca tendo compreendido os ideais de Quaresma.

O PRETO ANASTÁCIO – Ex-escravo nascido na África, Anastácio é o


fiel companheiro de Quaresma, sendo-lhe de grande auxílio no traba-
lho na roça.

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RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS – Músico que se dedica à modi-

nha e que tem como ideal elevar o status do violão como instrumento
de prestígio. Nutre grande afeição por Quaresma, a quem deu aulas de
violão, demonstrando-lhe lealdade inabalável.

GENERAL ALBERNAZ – Vizinho de Quaresma, pai de várias filhas,


marido de D. Maricota. Grande saudosista do império e nostálgico da
Guerra do Paraguai, onde, contudo, não fez absolutamente nada. É
um personagem presente do início ao fim do romance.

DONA ISMÊNIA – Uma das filhas de Albernaz. Noiva há anos de Ca-


valcanti, estudante de odontologia, tem em seu futuro casamento to-
das as expectativas de sua vida.

GENELÍCIO – Genro de Albernaz, Genelício é o perfeito tipo do fun-


cionário público exemplar, que não trabalha senão para galgar posi-
ções, através de rapapés, bajulações e pedantes trabalhos escritos. É
admirado por toda a sociedade que com ele convive.

VICENTE COLEONI – Italiano que migrou para o Brasil e que enri-


queceu após ser ajudado por Quaresma, que com ele se liga de genuína
amizade.

OLGA – Filha de Coleoni. Devido à amizade entre seu pai e o Ma-


jor, é afilhada deste. É a única pessoa a quem Quaresma dedica uma
afeição especial, sendo totalmente correspondido. Mulher inteligente,
tem muitas idéias contrárias àquilo que se esperava de uma mulher de
seu tempo.

29
DR. ARMANDO – Marido de Olga, com quem esta se casa por conve-
niência. Formado em medicina, acha-se um ser de outra categoria por
ter anel de doutor. Tem profundo desprezo pela medicina em si, tra-
tando mal seus pacientes, e seu maior sonho é conseguir um cargo em
algum hospital público ou em alguma faculdade, para o que se serve
dos mais inventivos expedientes.

DR. CAMPOS – Presidente da Câmara Municipal de Curuzu, o Dr.


Campos é o tipo do chefe político do interior. Homem de aparência
e modos afáveis, é na verdade um tirano implacável que tenta dobrar
todos aos seus ditames.

MARECHAL FLORIANO PEIXOTO – Segundo presidente da Repú-


blica dos Estados Unidos do Brasil, o ditador Floriano Peixoto é um
personagem fundamental da terceira parte do romance, estando o
triste fim de Policarpo Quaresma indissociavelmente atrelado à figura
do Marechal. Descrito como um homem mole, flácido e preguiçoso,
rodeado de bajuladores, mas capaz de tudo para se manter no poder,
pouco se importando com a real situação do país: neste ponto, o exato
oposto de Policarpo Quaresma.

30
Resumo

Primeira Parte

I–A lição de violão: Somos apresentados ao Major Policarpo Quares-


ma, funcionário público de rotina extremamente regular e pontual;
mas agora há algo diferente: está tomando lições de violão com Ricar-
do Coração dos Outros. Conhecemos seu caráter: seu entusiasmo por
tudo o que diz respeito ao Brasil, música, literatura, história, geografia,
o tupi-guarani. Sua relação com os colegas de trabalho e com sua irmã.
Dona Ismênia, que nunca se casa porque seu noivo nunca se forma.

II – Reformas radicais: Grandemente interessado pelo folclore nacio-


nal, Quaresma e seu amigo, o coronel Albernaz vão à cata de velhas
cantigas para uma festa; visitam uma preta velha, depois um literato.
O resultado na festa. A decepção de Quaresma. A visita de seu com-
padre e afilhada e a saudação tupinambá. Breve discussão sobre instru-
mentos musicais.

III – A notícia do Genelício: O noivo de Ismênia finalmente se forma,


e fazem uma festa para comemorar. A vida de Ismênia. Discussões mi-
litares. A festa continua sem inconvenientes, quando Genelício chega
trazendo uma curiosa notícia.

IV – Desastrosas consequências de um requerimento: O Major Qua-


resma envia ao Congresso Nacional um requerimento em que pede
que o tupi-guarani seja declarado o idioma nacional. A repercussão do
feito. O caráter de Coleoni. A distração de Quaresma e sua suspensão.

31
V – O bibelô: Olga e seu pai visitam Quaresma no hospício; descrição

do lugar; o noivado de Olga. As agruras de Coração dos Outros. O


sumiço do noivo de Ismênia.

Segunda parte

I– No “Sossego”: Encontramos Quaresma saído do hospício e insta-


lado em um sítio, no município de Curuzu. Descrição de sua lida, ao
lado do africano Anastácio. Visita de um escrivão, que lhe descreve as
lutas políticas locais. Aparece Ricardo Coração dos Outros.

II – Flores e espinhos: Descrição dos subúrbios do Rio de Janeiro e


das casas de cômodo, em uma das quais reside Ricardo Coração dos
Outros, que encontramos a contemplar a paisagem absorto em pensa-
mentos. O Coronel Albernaz casa uma das filhas; conversações entre-
tidas na festa; Coração dos Outros pede ao Coronel que lhe compre
passagem para visitar Quaresma, em seguida comove a todos com sua
modinha.

III – Golias: Olga se casa. Ricardo chega a Curuzu; descrição da vila; o

trovador logo faz relações na cidade. Felizardo fala dos boatos que cor-
rem na cidade sobre o Major. Olga e o marido chegam no “Sossego”.
Quaresma fica consternado ao ler um artigo no jornal local. Passeio ao
Carico com a família do Dr. Campos; reflexões de Olga sobre a pobre-
za da roça. O ataque das saúvas.

32
IV – “Peço energia, sigo já”: Meses depois, Quaresma continua sua
labuta na roça, e finalmente consegue alguns frutos: abacates, que a
custo consegue vender a vil preço. Mas não desanima. Contrata Mané
Candeeiro para limpar os pés de fruta. A luta contra as saúvas. O Dr.
Campos pede favores ao Major; em vista de sua recusa, começa a per-
segui-lo. Triste com sua situação, Quaresma recebe a notícia de uma
revolta no Rio; telegrafa para o presidente da república anunciando
sua chegada.

V – O trovador: No Rio, o Coronel Albernaz e o Almirante Caldas


conversam sobre a atual situação do país e lamentam a queda da mo-
narquia. A loucura de Ismênia. Retrato da cidade durante a Revolta
da Armada. O Positivismo. A luta por cargos e as delações durante a
Revolta. O charlatanismo do marido de Olga; as simpatias da afilhada
de Quaresma pelos revoltosos. Coração dos Outros, em sua casa de
cômodos, sem entender os barulhos de tiro que ouve ao longe, con-
centra-se na revisão de seu novo livro de modinhas.

Terceira parte

I– Patriotas: Encontramos Quaresma no Palácio do Itamarati, em pre-


sença do Marechal Floriano Peixoto, relembrando o momento de sua
partida da roça, marcada por um mau pressentimento. Descrição da
fisionomia e do caráter de Floriano. Os dois se falam. Quaresma recebe
o posto de major no batalhão de Bustamante. Encontro com Albernaz;
a piora de sua filha Ismênia. Visita à afilhada e ao compadre; Olga tem
um mau pressentimento; o Dr. Armando continua sua charlatanice em

33
novo estilo. Passeio pelas ruas da cidade. Ricardo Coração dos Outros é
feito cabo, mas consegue manter seu violão.

II – Você, Quaresma, é um visionário: Amanhece com grande cerração


na baía; descrição da rotina no quartel do Major. Coração dos Outros
pede permissão para poder cantar, que lhe é concedida, não sem hesi-
tação, por parte do Major. Desertores. O tenente Fontes retira o violão
de Coração dos Outros. Cotidiano das batalhas, comportamento dos
cidadãos civis. Jantar em casa de Albernaz. Visita-surpresa de Floriano
ao quartel de Quaresma; diálogo travado entre os dois ao luar; Floria-
no, aborrecido com o falatório do Major, lhe diz as célebres palavras:
“Você, Quaresma, é um visionário...”

III – ... E tornaram logo silenciosos...: A luta de Albernaz para curar a filha.
A Revolta da Armada se arrasta; o episódio do Capitão Ortiz; memória de
Moreira César; o fim do Javari. A tristeza de Ricardo Coração dos Outros.
Quaresma visita sua afilhada em busca dos serviços de seu marido; os te-
mores de Coleoni; o Dr. Armando recebe um cargo público. Os fervores
de Quaresma se arrefecem; pensa em visitar a irmã e o preto Anastácio.
Ordens para marchar. Dona Ismênia morre; seu velório, cortejo e enterro.

IV – O Boqueirão: O sítio de Quaresma volta a seu primitivo estado de


abandono. Sinhá Chica, curandeira de Curuzu. O estado deplorável
da roça no Brasil. Adelaide recebe uma angustiante carta de Quaresma.
O funeral do senador Clarimundo. O fim da Revolta da Armada. Poli-
carpo Quaresma é feito carcereiro e presencia uma cena estarrecedora:
chega um oficial e seleciona prisioneiros ao léu para serem levados ao
Boqueirão – para serem executados.

34
V– A afilhada: O triste fim de Policarpo Quaresma. Preso após escre-
ver uma carta ao Marechal Floriano em protesto contra as execuções
sumárias, o Major põe-se a refletir em como viveu sua vida e em seu
profundo patriotismo. Ricardo Coração dos Outros empenha todos os
seus esforços em libertar o amigo: procura Genelício, que o trata mal;
depois Albernaz, que se diz governista; enfim, vai atrás de Olga, que
decide ajudar o padrinho; discussão de Olga com o marido. A afilhada
de Quaresma chega ao Itamarati, sendo barrada por um funcionário;
desconsolada, reflete sobre as mudanças por que passou a cidade, das
gerações que ali andaram, enquanto se dirige ao encontro de Coração
dos Outros.

35
Vida e Morte de
M. J. Gonzaga de Sá (1919)

Personagens principais

MANUEL JOAQUIM GONZAGA DE SÁ – Descendente de Estácio de


Sá, fundador do Rio de Janeiro. Senhor de inteligência fina, grande
observador dos homens e das coisas, mas que não realizou muito além
dos muros da repartição pública em que consumiu sua vida. Dele se
pode dizer que era um sábio, mas um sábio que, em seus últimos dias,
descobriu-se estéril.

AUGUSTO MACHADO – Jovem funcionário público na casa dos vinte

anos. Conhece Gonzaga de Sá em uma das secretarias do governo e se


torna seu grande amigo, acompanhando-o até os seus últimos dias.

D. ESCOLÁSTICA – Tia de Gonzaga de Sá, que o criou no lugar da


mãe. Mulher plácida e bondosa, mas que não entende o mundo em
que vive o sobrinho.

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ALEIXO MANUEL – Menino mestiço, afilhado de Gonzaga de Sá, de
aguda inteligência, em quem o padrinho deposita grandes esperanças.

O romance, de caráter mais ou menos impressionista, gira em torno de


Gonzaga de Sá e de Augusto Machado, que se deparam, de passagem, em
pinceladas do narrador, com diversos personagens ao longo da narrativa;
mas Escolástica e Aleixo têm maior destaque, sendo eles como que bali-
zas para a melhor compreensão do protagonista.

Resumo

I – O inventor e a aeronave: Augusto Machado conta como conheceu,

quando jovem, M. J. Gonzaga de Sá na Secretaria dos Cultos, quando


de um problema burocrático envolvendo um Cardeal; suas primei-
ras impressões. O dia da morte de Gonzaga de Sá: Augusto Machado
aprecia a paisagem carioca e medita sobre sua cidade; seu velho amigo
morre; entre seus papéis encontra uma narrativa escrita pelo amigo
sobre o inventor de uma aeronave.

II – Primeiras informações: Manuel Joaquim Gonzaga de Sá, bacharel


em letras; seus conhecimentos; seus amores; sua carreira profissional.
A sorte dos homens de talento no Brasil. As idéias e leituras de Gon-
zaga de Sá.

37
III – Emblemas públicos: Crítica das armas e brasões municipais, esta-
duais e federais. Homens e mulheres. Os grandes personagens estam-
pados nos selos.

IV – Petrópolis: A mania de falsa nobreza do brasileiro. Em passeio


pela cidade, Gonzaga de Sá e Machado tomam um trem com destino
a Petrópolis. Noticiário e etiqueta petropolitanos. Estácio de Sá, fun-
dador da cidade do Rio de Janeiro.

V – O passeador: Gonzaga de Sá, sempre a andar a pé pela cidade. Suas

reflexões sobre a formação do Rio de Janeiro.

VI – O Barão, as costureiras e outras coisas: Gonzaga de Sá e Paranhos,

Barão do Rio Branco; sobres as costureiras e o vestuário feminino; bre-


ve reflexão sobre a felicidade e o indivíduo em face da sociedade.

VII – Pleno contato: Machado recorda a primeira vez em que viu Gon-

zaga de Sá, na Secretaria de Cultos, e fala de sua mania de tomar no-


tas. Visita à sua casa; conhece a tia Escolástica e o preto Inácio; os
subúrbios feministas; as gazetas dos subúrbios e do interior; a falta de
iniciativa em cultivar leitores no Brasil.

VIII – O Jantar: Os retratos da família de Sá. A chegada do gado a


Uberaba. O desvelo de D. Escolástica. Romualdo e Aleixo. As glórias
do Teatro Provisório no tempo do império.

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Os últimos capítulos se detêm mais naquilo que é o grande tema do livro,
Vida e Morte:

IX – O padrinho: As mulheres estrangeiras que vêm para o Rio. Os


colegas de repartição de Augusto Machado. Gonzaga aparece de so-
brecasaca negra anunciando a morte de seu compadre Romualdo. Via-
gem à casa do compadre: os tipos do subúrbio; “inteligência” nacional;
“Vênus é uma deusa vingativa”; a resignação dos pobres; as ruas su-
burbanas. O velório: “a Morte! a Morte!”; D. Alcmena; “As folhas que
caem adubam as raízes das árvores onde nasceram, para fazerem nascer
outras novas e belas”; biografia de Romualdo; aparece seu filho Aleixo
Manuel, afilhado de Gonzaga.

X– O enterro: O cortejo pelas ruas, num domingo ensolarado; a re-


ação dos populares; “a morte tem sido útil, e será sempre”. Chegada
ao cemitério; o enterro; a tristeza de Gonzaga de Sá. Reflexões sobre o
objetivo da vida. A literatura brasileira; “se eu pudesse... havia de ser
assim um Rousseau”. Gonzaga sentimental. Anoitecer de domingo no
Rio de Janeiro. Determinação de Gonzaga de educar o afilhado.

XI – Era feriado nacional...: Parada militar em feriado nacional; refle-


xões de Machado sobre a Pátria e a postura de nossos compatriotas a
respeito; Xisto Beldroegas, leguleio; a aposentadoria de Gonzaga de Sá
e seu estado de saúde. Gonzaga de Sá desabafa as frustrações de toda
uma vida. Triste jantar. Ida ao Lírico: descrição física do teatro; a Pilar;
o presidente da república; comparação com o teatro no império – em
que decaiu. A rapariga do bonde.

39
XII – Últimos encontros: A grande inteligência de Aleixo Manuel; “Esta

vida é um conto do vigário”; os segredos que Gonzaga leva consigo ao


túmulo; “Vênus é uma deusa vingativa”; Aleixo Manuel educado por
D. Escolástica; seu futuro incerto.

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