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Em cena e ensino: refletindo sobre educação e cinema.

Jhonatas da Silva1

Alguns filmes têm o dom de nos tocar e nos incitar reflexões, um bom
filme facilmente pode ser referido sob muitos adjetivos e muito provavelmente
são indicados por terem uma boa direção e enredo ímpares. Quem nunca
recebeu uma indicação de filme de algum amigo, professor ou conhecido, cujo
roteiro despertasse reflexões e insights sobre temas os mais diversos?

Proponho aqui uma nota, ou se preferir, um olhar sobre aqueles que


tratam de temas relacionados ao campo da educação e que por vezes acabam
por ser uma boa pedida de entretenimento, e porque não, de reflexão.

No tocante a tais filmes, faço aqui um recorte sobre os filmes que tratam
das relações vivenciadas por professores e estudantes, nos contextos diversos
de escolas, com especial destaque às produções que abordam a realidade de
professoras e professores que diariamente lidam com desafios diversos, e que
ocupam posições privilegiadas na vida dos seus alunos como bem destaca
Almeida (2010), embora a autora se oriente por um referencial teórico diferente
do qual nos orientamos no presente texto.

Este privilégio se refere ao papel de organizador e mestre, figura


marcada por sabores e dessabores para os educandos, por ser mediador de
seu aprendizado e um ponto de esperança, é uma figura que ficará na
memória, como descrito abaixo:

[…] por nos transformarem como pessoas, por colaborarem na


aprendizagem de cada um; na memória, guardamos afirmações
importantes e exemplos decisivos desses educadores, expressos em
atitudes, sorrisos, palavras de censura ou conselhos que repercutem
em nossa vida adulta. […] (GASPAR, 2014, p. 213).

Esse trecho traz uma descrição da relevância e da dimensão do papel


do professor na vida dos estudantes. O filme Escritores da Liberdade (2007),
cuja adaptação é inspirada no livro sob o título “The Freedom writers diary” de
Erin Gruwell, ilustra de modo bastante sensível o drama vivenciado por cada
aluno e por sua professora, em um contexto marcado pela violência de
gangues e estigmas por parte dos profissionais da escola.
1
Psicólogo, Bacharel em Psicologia pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE.
Ao assumir o papel de educadora, a própria personagem vivência na
pele os desafios para educar seus alunos sem que haja apoio por parte da
coordenação e direção da escola, colocando seu casamento em um segundo
plano, num gesto de sacrifício em prol de um bem maior, sendo um ponto de
esperança para aqueles, cuja admiração e respeito são sentidos e refletidos no
aprendizado de seus alunos que encontram amigos e cumplices em suas lutas
diárias de vida, o que permite a eles uma ressignificação e também a
possibilidade de reescreverem suas histórias.

Cabe lembrar que o aprendizado, como bem colocou Pain (2009)


também envolve o desejo por aprender, mas é preciso que este seja
despertado também pelo professor, o que podemos inferir a partir desse filme,
pois houve um desejo despertado em cada aluno, assim como o poder da
relação que se formou.

Vigotski (2004) traz valiosa contribuição ao colocar o professor no papel


de organizador do conhecimento, não sendo ele, portanto o salvador que irá
ensinar e transmitir os conhecimentos à alunos (do latim sem luz), que nada
sabem, mas ressaltando o papel de ativos no seu processo de aprender.

Outra valiosa reflexão pode ser conferida em Harry Potter e a Ordem da


Fênix (2007), Harry é escolhido por seus colegas de escola para ser seu
professor, em consequência de uma intervenção por parte do ministério da
magia em uma dada disciplina, sendo seu aprendizado apenas teórico,
desprovido de sentido para os alunos e descolado da realidade que estão
vivendo, muito semelhante a uma concepção bancária de educação (FREIRE,
2012), na qual o educando é um mero receptor de conteúdo, sem que este
tenha sentido válido e que problematize a realidade que o cerca, o que gera
neles um desconforto e insatisfação, elegendo Harry para ser seu professor,
pelo fato de o mesmo já ter enfrentado o mal em pessoa e por ser uma
referência para eles.

Uma característica que chama atenção nessa cena é o fato de ela


ilustrar de modo bastante preciso, o conceito de zona de desenvolvimento
proximal de Vygotsky2, ao abordar a relação de aprendizado entre os alunos,
Oliveira (1997) destaca que “a interação entre os alunos também provoca
intervenções no desenvolvimento das crianças”, na qual todos os alunos
envolvem-se ao longo do ano letivo, numa relação informal de aprendizado,
sem que haja a figura formal do professor, mas a cumplicidade um do outro,
numa dinâmica de aprendizado participativo, em que todos contribuem para o
aprender do outro.

Seguindo esse pensamento, é possível visualizar o professor enquanto


ator participativo do aprender, enquanto o mediador que ele é entre o
conhecimento a ser aprendido e o sujeito nesse processo, podendo ser um
facilitador e uma referência na realização dos potenciais de cada envolvido.

O espaço escolar reúne diferentes atores em seu interior, tal diversidade


reproduz as diferenças e relações de desigualdade que estão presentes em
nossa sociedade, o que já é um grande desafio para os educadores, uma vez
que o relacionamento dentro da escola envolve relações de hierarquia, de
diferenças sociais e culturais e personagens em diferentes fases de
desenvolvimento, não escapando aqui as dificuldades de professores com a
instituição escola e seus gestores, como no caso do filme Escritores da
Liberdade, ou mesmo as intervenções ministeriais em Harry Potter, em relação
aos conteúdos que são dirigidos aos educandos, que ao invés de lhes propor
um empoderamento, propõem mais uma alienação, como podem conferir em
Harry Potter e a Ordem da Fênix.

Diante dessas reflexões, peço licença para expor uma visão pessoal,
compreendo que a ficção, em alguns casos, possa retratar um ideal bonito e
aparentemente utópico de educação em contraponto ao real sistema no qual os
professores estão inseridos, porém acredito que ser professor é assumir um
compromisso com o humano, é ser cumplice de suas conquistas e desafios e,
mais além, é ser pelo outro, enquanto este se faz humano, e tornar-se humano
é uma construção pessoal que só é possível por meio de muitos outros que
cooperam para que isso aconteça.

2
Alguns autores utilizam o nome Vygotsky em acordo com as edições inglesas de suas obras, no Brasil, o
nome Vigotski, com “i” tem relação às obras traduzidas direto do russo.
Educação se faz com ética, consciência do real, respeito e amor pelo humano.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Laurinda Ramalho. Wallon e a Educação. In: MAHONEY, Abigail


Alvarenga; ______. (Org.). Henri Wallon – Psicologia e Educação. São
Paulo: Edições Loyola, 2010. p. 71-87.

ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard Lagravenese. Produção: Danny


DeVito, Michael Shamberg e Stacey Sher. Intérpretes: Hilary Swank; Scott
Glenn; Imelda Staunton; Patrick Dempsey e outros. Roteiro: Richard
Lagravenese. Color. Hollywood: Paramount Pictures, c2007. 1 DVD (122 min).
Baseado no livro “The freedom writers diary” de The freedom writers com Erin
Gruwell.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira; 2012. 222 p.

GASPAR, Maria Aurora Dias. Relações interpessoais na visão humanista da


educação: condições facilitadoras da aprendizagem. In: DIAS, Elaine T. Dal
Mas; AZEVEDO, Liliana Pereira Lima (Orgs.). Psicologia Escolar e
Educacional: percursos, saberes e intervenções. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
p. 213-240.

HARRY POTTER e a Ordem da Fênix. Direção: David Yates. Produção: David


Heyman; David Barron. Intérpretes: Daniel Radcliffe; Emma Watson; Rupert
Grint; Imelda Staunton; Maggie Smith e outros. Roteiro: Michael Goldenberg.
Cor. Reino Unido: Warner Bros. C2007. 2 DVDs (138 min). Baseado no livro
“Harry Potter and the Order of the Phoenix” de J. K. Rowling.

PAIN, Sara. Subjetividade e Objetividade: relação entre desejo e


conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda., 2009. 2. Ed. 112 p.

OLIVEIRA, M.K. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo ócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1997. 111 p. (Pensamento e ação no
Magistério).

VIGOTSKI, L.S. A Psicologia e o mestre. In: Psicologia Pedagógica. 2. ed.


Martins Fontes: São Paulo, 2004.
Carapicuíba, 22 de Junho, 2016.

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