Você está na página 1de 8

1

plástico bolha aparentemente insólito...


Distribuição Gratuita Ano 2 - Número 11 - Abril/2007
Se quando dissemos que o ano seria cheio
Nesta edição: de novidades, você pensou que era brincadeira, saiba O PIANO COM A CAPA PRETA OPRESSORA
que estávamos falando sério.
empacotado,
Marília Rothier Neste número Marília Rothier, professora
de Letras da PUC-Rio, nos presenteou com um Aos o piano se impede de piar,
de pintar melodias de pontos,
Sabrina martinez alunos com carinho tão especial, que todo o jornal
precisou ser reformulado para ficar à sua altura. pranto de energia puntiforme
Dobramos de tamanho; a tiragem ficou ainda maior; que pontuadamente, ou não,
Gregório Duvivier o slogan foi rebatizado a partir das palavras de seu se espalham pelas pradarias de meu corpo:mente.
texto; estreamos novas colunas, com novos parceiros;
ana chiara tudo para receber mais e mais pessoas na divertida
ciranda das escritas e leituras, reescritas e releituras.
Marcela Sperandio Rosa

Mary Blaigdfield Ana Cristina Chiara, professora de Letras


da UERJ com quem já havíamos flertado em uma
entrevista na edição de número 8, retorna ao jornal SUICIDA PÓS-MODERNO
Alluana ribeiro como colaboradora, com uma série de poemas sobre
mulheres da literatura na coluna Mulheres-Damas. por sua causa Raquel
pAULO gRAVINA Os Invasores de Corpos Frederico Coelho e
ele foi para a frente dos carros
Mauro Gaspar Filho, da pós-graduação de Letras da
Constanza de córdova PUC-Rio, apresentam o Manifesto Sampler, que será mas eram carros de brinquedo
publicado aos pedaços, ao longo das próximas por sua causa
Alice Sant´anna edições.
ele pulou da ponte Rio-Niterói
Entrevistamos Sabrina Martinez, da
mas praticando bungee jump
heinz langer Gemini Vídeo, responsável pela tradução de diversos
programas da TV a cabo, que deu boas dicas sobre o por sua causa
mercado de legendagem para a TV. ele ia tomar chumbinho
Luiz Coelho Na estréia da nova coluna Puzzles,
recortamos um trecho de um e-mail da professora mas deu ao rato mesmo:
henrique meirelles de estudos da linguagem da PUC-Rio, Helena não se deve cobiçar as coisas alheias
Martins, contando interessantes curiosidades da
Lasana Lukata biografia do filósofo Ludwig Wittgenstein.
A coluna Subjetivas, de Gregório Duvivier,
Lasana Lukata
Sueli Rios ficou maior e, para comemorar, vem com duas novas
receitas, bem ao seu estilo. Nosso companheiro

Milene Portela Rodrigo N.C. continua notório com novo conto na


celebrada coluna Notas Cáusticas. Alluana Ribeiro
escreveu um ensaio original sobre a peça Frederico
SIMPLESMENTE
Isabel Diegues
Rosa Mattos
Garcia Lorca: pequeno poema infinito. No Clique Aqui,
confira uma boa dica sobre os sebos on-line.
No mais, contos, poemas, além da saga de
INACREDITÁVEL
Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre
Marcela Sperandio Rosa o...
Juntamos diversas peças neste quebra-
Lázaro Cassar cabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins,
Gregório, Marília... mas a última peça só se encaixa
yuri amorim agora, quando você tem o plástico bolha nas mãos.

Marilena Moraes
a estrada é sinuosa mas eu não
fred Coelho enjôo
ao contrário – escolho
Mauro gaspar palavras & acordes
que te embalam
Rodrigo N.C. no banco de trás.
Helena Martins Alice Sant’anna
Heinz
Lange
r
2
Aos alunos com carinho
Subjetivas Duas Mãos
Instigante — este é o adjetivo que me vem, imediatamente, à cabeça, inspirado na Volta do Filho Pródigo de Rembrandt
por Gregório Duvivier
quando penso na convivência com os estudantes de Letras da PUC. Para
ficar, como propõe o poeta, no “reino das palavras”, começo afirmando que Série Receitas A que afaga, a que sustenta.
tédio e monotonia são termos que desapareceram do meu vocabulário, A de fada, a calejada.
nesses dez anos de trânsito constante e animado entre aulas, cumprimentos
Em ombros, caídas.
de corredor, seminários, um café no balcão, uma conversa mais tranqüila Bater palmas Em outro, acolhida.
para orientação de trabalho. Tudo parece rápido e passageiro, as tarefas se
acumulam, as turmas se sucedem a cada semestre, quase que se pode ver os Tudo na moldura
jovens amadurecendo; mas ficam lembranças muito fortes, experiências
Envolto em púrpura.
decisivas de aprendizagem. No fim de cada curso ou período de orientação,
quando dou um balanço nas horas de trabalho, encontro, invariavelmente, Disposições distintas,
um saldo positivo a meu favor. Aprendo muito com esses meninos e Para se bater palmas é preciso, Díspares.
meninas, que me cercam; percebo pontos de vista alternativos, deixo-me e nesse ponto seremos bastante Tudo resumido,
fascinar por autores que jamais haviam-me atraído, descubro caminhos
incríveis de raciocínio, sem contar a variedade de estilos de discurso de que, rígidos, duas mãos, que podem não No mudo acolhido.
mesmo inconscientemente, vou-me apropriando. Só espero que, daqui a estar inteiras: os dedos, no caso, Nessas duas
algum tempo, quando também contabilizarem os ganhos e despesas Eram outras.
(intelectuais e afetivos) dos anos de estudo de Letras, os alunos de hoje
encontrem haveres produtivos. fazem pouca ou nenhuma diferença. Dois pincéis,
É mais que um privilégio, nessa altura de minha vida, poder envolver- Em seguida, levar de cada mão Destoantes tons
me com um trabalho, que me põe ativa e alerta, pois, embora contratada a palma em direção à outra palma, Distantes impressões.
como professora, a prática me convoca, de fato, é para aprender. Vou sendo
da outra mão, de modo a produzir Tudo na moldura
surpreendida por uma variedade de novos conhecimentos, que me alcançam,
nas tarefas formais e na informalidade das trocas com amigos, professores Ainda envolto em púrpura.
e alunos, indistintamente, mas com a distinção de ser acolhida num grupo,
onde a curiosidade é permanente e todos se dispõem a falar do que acabaram
barulho. Este produto do encontro Luiz Coelho
de descobrir. E como é que se exercita a nova aprendizagem? Escrevendo, de cada palma será batizado
ou melhor, entrando na ciranda, sem começo nem fim, de escrita e leitura, de
comentário dos discursos ouvidos ou lidos, que se escrevem para ser, por
de palmas (a total ausência de plástico bolha
produzido pelos alunos da
sua vez, divulgados e comentados. A ciranda não pára, mas tem momentos
graduação de Letras da PUC-Rio
de lentidão e momentos vibrantes — estes são os da troca imediata, no originalidade não é minha.)
diálogo e na interlocução (mais livre e também mais exigente) que se faz Quanto a gostar ou não gostar do objeto Tiragem: 8.000
mediada pela internet ou pelos periódicos impressos. O jornal é, com certeza, Impresso na CUT Graf
um espaço cobiçado, pois a palavra dita no calor da hora ganha destaque
aplaudido, confesso: pouco importa.
sobre a permanente. Nessa parte, em especial, alegre da ciranda, onde fui Editor
recebida e vou-me deixando levar, circula, com a potência, que lhe imprime
a inventividade de seu redator e colaboradores, um veículo, aparentemente Janela Lucas Viriato

insólito, mas de solidez confiável pela competência, demonstrada no Editora Assistente


cumprimento de suas propostas — o Plástico Bolha. Nenhuma Marilena Moraes
responsabilidade é maior do que ocupar uma coluna, quando convidado,
neste jornal. De minha parte, fiquei feliz com a honra do convite, mas venho Conselho Editorial
adiando o privilégio, que não deixa de ser uma tarefa exigente. Leio os Luiz Coelho; Gregório Duvivier;
números anteriores e reflito: estarei pronta? Isabel Diegues
De imediato, preparar-se para escrever no Plástico Bolha soa como um
contra-senso: o que o jornal propõe é uma brincadeira atraente, uma desculpa Comissão
Julia Barbosa; Isabel Wilker;
cômoda para a leitura quase compulsiva de puro prazer. E quem disse que o Erguer, antes de tudo, uma parede – Paulo Gravina; Mauro Rebello;
jogo sedutor é fácil? Quem se ilude com a suposta gratuidade do humor?
Estudantes que imaginam e conseguem manter, pelos doze meses do ano,
a parede no caso é importantíssima, André Sigaud; Flora Bonfanti
quatro páginas de graça inteligente são nada menos que gênios obstinados. pois as janelas só existem sobre Revisão
Conseguem, no dia a dia da escola, a proeza de divertir-se — e divertir um paredes, as janelas sobre nada Rubiane Valério
número imponderável de leitores — com o mais rigoroso dos trabalhos!
Plástico Bolha, visto por esse ângulo, é uma metáfora perfeita para o conceito Coordenação
de “literatura” — uma articulação inesperada de signos comuns, cotidianos, são também nada e não são sequer vistas. Luiza Vilela
sem compromisso com referências legitimadas como verdadeiras e, por isso Em seguida quebrá-la até fazer
mesmo, produtores de um saber atraente, cujo sabor — marcado pelo toque Equipe
ácido da crueldade crítica — é difícil recusar. De minha parte, reconheço a nela um grande buraco, não maior Márcia Brito; Marcelo Tapajós;
impossibilidade de inventar um texto com as vantagens do útil e do fútil. que a parede, pois precisamos vê-la, Rebecca Liechocki; Camila Justino;
Pois o texto, oferecido como plástico bolha, é o que encadeia as palavras de Marcela Rosa; Esthér Oliver; Henrique
modo a protegê-las dos choques da incompreensão e, ao mesmo tempo, Meirelles; Andrew McAlister
revela o gosto disfarçado dessas palavras, obrigando seu receptor a agarrá-las nem menor que seus braços – as janelas
num ímpeto, com todo o gosto e nenhuma cerimônia. sobre as quais não se pode debruçar Colaboradores
Bruno Giorgi; Felipe Gomes; LuizaVilela;
(Encantada com o convite e a oportunidade de também soprar não são janelas, são buracos. Pronto. Raquel Pereira; Luane Pontes; Esther Ruth;
algumas frases compondo minha pequena bolha, nesse conjunto plástico Isabel Diegues; Gregório Duvivier; Julia
que explode a qualquer toque – mesmo apressado e leve —, quero entrar no Barbosa; Luiz Coelho; Marilena Moraes;
ritmo dos ruídos alegres, mostrando, no final das contas, que aprendi a lição Ou quase: agora basta construir Glaucia Sposito; Léa Diva Vilela
dos meus alunos.) um mundo do outro lado da parede,
Envie seus textos para:
Marília Rothier para que possas vê-lo, emoldurado. jornalplasticobolha@gmail.com
Professora de Literatura Brasileira
3
Instantâneo Ensaio Alluana Ribeiro O que eu trago
O circo acende sob a tenda CORRUPIO
Um breve ensaio sobre a peça de Eu costuro uma colcha de retalhos, multicolorida, divertida como riso
As crianças crescem nas arquibancadas teatro Frederico García Lorca: fácil de criança, que enche os olhos e o coração como roda gigante, com
Os leões bailam sobre o picadeiro pequeno poema infinito pedacinhos disformes, cortados minuciosamente, outros rasgados com desleixo
proposital, confirmado e reafirmado, com forro da cor da lua, que aquece no
Quando el rio es lento y se cuenta com
verão e esfria no inverno. Se alguém a puxa pra cima, ela descobre os pés, e se
uma buena bicicleta o caballo si es posible
As bocas abertas bañarse dos (y hasta três, de acuerdo pra baixo vai, a cabeça fica ao vento. Nem nisso ela tem audácia, não almeja
com las necesidade higiénicas de cada comprimento, ser pequena é só vantagem, portátil é tremenda qualidade, vai a
das crianças quien) veces en el mísmo rio. toda parte e comigo está em lugares diversos, eu a estendo e a amasso nas
dos leões Augusto Monterroso
oscilações do meu temperamento-maré.
do pipoqueiro De uma das 50 nascentes de Eu tenho um calabouço mágico, que se refestelou em pó de pirlimpimpim,
Granada brota a primeira lágrima. Com o e de relance se mostra paraíso, oásis utópico, céu dos deuses, e quando lá
vento, desliza pelo rosto, pelas encostas, adentra enfeitiçado, a névoa se desfaz cruelmente. É lugar com cheiro e presença
(que passou a noite em claro ganha força e vira rio de três margens. Ao infecta de mofo, úmido, molhado, gélido com direito a vento ártico, chão
escorregadio e paredes sem cor, lisas, sem forma, sem prumo, sem graça. O pé-
com o tiroteio no morro) acariciar cada uma delas a água faz um
direito adjetiva-se humilhante de tão baixo, que triste ambiente com direito à vista
som diferente - ritmo forte de correnteza.
E nós estamos naqueles espaços do rio, apenas pro rodapé de gelo. Não há como descansar, pernas esticadas e joelhos
em casa não tem palhaço de meio a meio, sempre dentro da canoa, sem flexão, tocar o chão é desaconselhável e insano, talvez os sensores dele
para dela não saltar, nunca mais. possam ser disparados e então se iniciará um processo vagaroso de aproximação
não tem pipoca de paredes. Não há intuito de reduzir a pó, mas tão-somente garantir a inércia e
É novembro, mas nesta Granada
nem bailarina venta nas quatro estações. A brisa refresca
a desesperadora impossibilidade de fuga.
Eu apresento orgulhosamente minha caixa madrepérola, sem fundo,
só malabaristas quando o menino e a menina loira catam
com abertura fácil, mas delicada e frágil, muito frágil. Invólucro de surpresas,
pedrinhas brancas, mas causa frio quando
guarda perdidos e achados raros, e não há só uma chave; esperançosas cópias
Isabel Diegues ela precisa ficar nua para lavar sua única
já foram lançadas por aí. O que a abre não é tão-somente a combinação segredo-
roupa. Frio no corpo da menina, no
fechadura, o ABRE-TE SÉSAMO encerra o mistério. Vislumbrar seu conteúdo
coração do menino, frio no teatro. Todos
requer espetáculo mínimo, de palavras certinhas, gestos exatos, intenções que
Salgada Rosa Mattos
vestem seus casacos mas a menina não
tem o que vestir. Venta; e tudo que não é
mais necessário se desfaz. Resta apenas a
agradem à proprietária e brilho no olhar ininterrupto. Tudo que lá dentro está é
interessante e ao mesmo tempo, trivial, é diferente e é comum, simples e complexo.
Atraente caixa de Pandora cospe labaredas, asperge cristais de neve, ela chove
Dissimuladamente, poesia e o respeito ao que as coisas sobriedade e pontua desejo escandaloso, ela dissemina esdrúxulas moribundas
Sal, comunicam sem o auxílio das palavras. dúvidas, mas murmureja exuberantes certezas pulsantes.
Ah menina, você vai ser como sua mãe e Eu convido com sorriso, e mais à frente cobro lágrimas, quero e preciso
Te permito penetrar seus filhos vão ser como você...
Meus poros do suor, do arder e do choro, eu construo uma base de diamantes, e depois tiro
Resta um respeito de criança, de um o chão, dou o céu, mas puxo o tapete, de uma vez só, de uma severa vez só.
E assim pobre garoto apaixonado e silencioso que, (Des)Complico-me pela negação: eu não sou de vidro mas um peteleco por
Se alojar quase como o maravilhoso Verlaine, tem vezes é nocaute, eu não sou brisa e não sou Babilônia, não sou João Bobo e
Em mim. dentro uma açucena impossível de regar. nem consigo manter olhos estatelados o tempo todo, não sou coisa única e
O rio por aí se estendendo grande, fundo, definida, não sou fechada porém tenho fronteiras, não sou chegada à oratória e
E me enobreço
calado que sempre. Ele não pode dar não só cerro os lábios, não sou atípica e nem vulgar, não sou perfume importado
Desse cheiro palavras nem água para sua flor. Mas e nunca serei nariz empinado.
Que adquiro quando o ancinho penetrou o solo seco, Eu trajo uma alma aflita, cujo passatempo lúdico é o mexer e remexer
E saboreio abriu caminhos para o ar entrar. E a terra nas questões cruciais da minha existência Fênix. Transporto um tempero ácido
O prazer inenarrável se tornou rarefeita, leve, cheia de poesia. com gosto residual doce, exótico e inesquecível. Ser mulher é desafio meu
De teu estar; Ali Lorca encontrou a arte. rotineiro, cansativo e horripilante, e por causa disso e apesar disso, faço e
Façam completo silêncio, paralisem desfaço rimas, eu vendo versos, negocio vocábulos, troco letras e coloco linhas
Embora já saiba os negócios, garanto que uma flor nasceu. em escambo.
Que apesar Sua cor não se percebe. Suas pétalas não Prazer, sou indigna do rótulo de escritora, eu troco em miúdos escritos
De tua satisfação-instinto se abrem. Seu nome não está nos livros. esses ventos que correm, formam e dilaceram meu labirinto.
Em minha pele fazer ninho, Ela nasceu do que é suficiente. Garanto Eu escrevo porque não basta dizer a mim e não conheço paz.
O mar te chama. que uma flor nasceu: a açucena de Lorca Eu escrevo porque já não cabe aqui, e não sei o que é silêncio.
apareceu quando Zé abriu as janelas e Eu escrevo, escrevo e escrevo porque nunca coube em mim.
Ao grito de tua mãe
ventou no teatro.
Tu não podes negar, Milene Portela
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
E assim me arrastas
Ao seio materno, Duplo Particípio
Sedento de tua nobreza identidade
De tua natureza, santidade, Há conjugação mais triste
Anjos Urbanos
Do que a do verbo morrer? uma comédia veneno
E assim: mergulhada te deixo É semelhante a perder
Para que mergulhada No particípio do ter. de Rosane Svartman
Ainda mais te tenha, direção Isabel Diegues
Eu, aderida ao eterno ciclo de tua estadia Há conjugação mais triste
Do que a do verbo morrer? com Anna Markun e Juliana Martins
Em meu corpo:
É semelhante a romper de 4 de maio à 24 de junho
Teu-meu retorno
No particípio do ser. sex. e sab. 21h e dom. 20h
À causa
Mar. Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea)
Paulo Gravina
4
Sumiregusa (Violeta Selvagem) Henrique Meirelles
Condição Para além dos confins de meus jardins externos, se encontra a flor que
sobreviveu ao dilúvio dos tempos antigos. Suas pétalas únicas são luas
O nome era Rodolfo: silenciosas que cobrem céus sem estrelas. Seu odor, perfume lúdico, viaja por
mares profundos, terras distantes e topos malditos. Sua luz guia tolos por entre
chegou numa caixa, as árvores gigantes e imponentes. Seu caule de seda, letal, nasceu dos fios de
pequenos furos, laçarote azul. cabelo das mais belas fadas e seu pólen, etéreo, é o manjar dos Deuses
decadentes. Eis meu maior tesouro. Eis meu maior tormento. Eis aqui minha
Rotina de sol, pernas, alguma blasfêmia. Eis meu desejo crescente.
caça. Tudo era chato e fácil, quase Para além dos confins de meus jardins externos, existe, em silêncio, a Violeta
óbvio: se espreguiçar de manhã Selvagem. Dama lírica das noites quentes, rainha impura entre as sílfides
cintilantes e transparentes. Sua aura emana luz de eclipse, com gosto das frutas
sob o sol amarelo, fixar o olhar sagradas e, ao pé do verão, constelações de pecados surgem ao seu redor,
num ponto ao pé da escada, dormir incandescentes. Sua voz é orvalho em teia de aranha furta-cor e seus desejos,
em lua crescente, se tornam raivosas tormentas de amor.
quatorze horas por dia. Para além dos confins de meus jardins externos, reside aquela de quem
O difícil mesmo sou aprendiz. Seu doce veneno corre em veias estranhas, de demônios, de padres
era se acostumar e em labirintos sutis. Sua beleza já espalhou o caos. Sua tristeza já plantou a dor.
Suas raízes sustentam palácios, mas só lhe falta a posse do amor. Lá, bem para
com a condição de além de meus jardins, se encontra aquela que conquistei inutilmente por eras.
gato. Aquela que, ao vestir seu manto, não quis ouvir a música das esferas. Lá, bem
para além de meus jardins externos, governa aquela que possui meus dias e
minhas noites como bobagens. Aquela que possui minh’alma presa em suas
Constanza de Córdova
pétalas roxas de violeta... Violeta Selvagem...

Posto que está frente a frente


m u l h e r epors - d a m a s Mi’a seo’ra, dona cousa
Seo’ra dona do mundo
Si non me calo, mi’a seo’ra
Ana Chiara Mi’a dor me cala mais fundo.

Mi’a seo’ra, Dona Fea


Amor cortês Seo’ra de D. Manoel
Perdoa-me causar-te mágoa Si non me calo, mi’a seo’ra
Desta humana, amarga, demora! Mi’a dor me cala no céu.
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa Mi’a seo’ra renascentista
Cecília Meireles No seu palácio de ouro me enterro
Seo’ra de toda ametista
Sou tua vassala, querida, Si non me calo, mi’a nobre tão quista
Estendo um tapete, fico de quatro Mi’a dor me cala no inferno.
Mordo fronha Lázaro Cassar
Por tuas cantigas, teus romanceiros,
Tuas mãos deixando escorrer teus sonhos
Banca da PUC
Tão tristinha... Tel.: 2512-7109
Teus olhos de cristal, pastora de nuvens,
Tua vaga música.
Todo este instrumental da sublimação dos nossos corpos
Sofrendo a beleza de espumas, nuvens, poeira
Mas agora, chega, donzela,
Vem cá e faz!
5

INVASORES DE CORPOS: MANIFESTO SAMPLER Puzzles Helena Martins

É PRECISO NASCER devotado apenas ao que o inédito umbigo circunscreve,


o corte do cordão umbilical te lança à perda da pureza,
Mais que um. É preciso ser sempre mais que um estás liberto da origem, estás liberto do mito. Invadir o
para falar, é preciso que haja várias vozes. corpo do mundo, e ser invadido por ele é o que você faz
Que importa quem fala? agora (e para sempre).
A verdadeira atividade literária não pode ter a Que importa quem fala? A escrita sampler acumula
pretensão de desenrolar-se dentro de molduras. A atuação por afeto, pelo que a afeta, tudo aquilo que vê, ouve e
literária significativa só pode instituir-se em rigorosa experimenta à sua soma.
alternância de agir e escrever. Quem trabalha com a escrita sampler não é aquele
A crítica tem que falar na língua dos artistas. Pois que não tem o que dizer, é aquele que tem coisas demais a
os conceitos do cenáculo são senhas. E somente nas senhas dizer, tem vozes demais falando dentro de si, e as expressa
soa o grito de batalha. musicalmente, como um fluxo, como um processador de
O escritor não diz mais do que pensa (e pensa mais linguagens e sensações. Ué, vocês não sabiam não?
do que diz). Apropriar para produzir, e não para reproduzir. A Eles estudaram na mesma escola e
O crítico não é o intérprete de épocas artísticas escrita sampler como uma forma de “dobrar” a matéria, a nasceram no mesmo ano, parece que com alguns
passadas. O crítico é um estrategista na batalha da literatura. referência, o sujeito que existe criar uma nova/outra/ dias de diferença. Mas não foram colegas,
O leitor-ouvinte está entregue aos seus próprios diferente subjetivação do texto/música/matéria. porque, ao entrarem nessa escola, o Hitler tinha
recursos. Uma escrita não começa nem conclui, ela se repetido um ano, ao passo que o Wittgenstein tinha
encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, saltado um. Há especulações sobre um certo
FOTOGRAMA I: intermezzo. Tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ Há recalque especial do Hitler com relação ao
CORTAR O CORDÃO UMBILICAL nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar brilhantismo do Wittgenstein, a quem ele teria
o verbo ser. Viajar e se mover a partir do meio, pelo meio, chamado de “judeu porco” em uma ocasião. Tem
Escrever não se aloja em si mesmo. entrar e sair, não começar nem terminar. Instaurar uma lógica também a história das pretensões artísticas do
Não ponho aspas. As palavras são minhas. Não do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular Hitler, frustrada quando ele teve sua candidatura
importa quem fala. Sou quem pode dizer o que disse. Fui eu fim e começo. Uma escrita pragmática. É que o meio não é
rejeitada em uma escola de arte, numa época em
quem escreveu. Agora abro as comportas e deixo que elas, uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem
que o pai do Wittgenstein era um conhecido
as palavras, as vozes, se espichem, se multipliquem, se velocidade. Entre as coisas designa um movimento
mecenas; financiava muitos artistas e
fortaleçam. Aglutinação pela dispersão. Ele(s) redige(m), mas transversal que carrega uma escrita e outra. Um “e” que
compositores judeus e não judeus (sob
sou quem escreve. Um corpo em disponibilidade para si e vem em qualquer lugar: antes, no meio, depois, e cria um
espaço para si, para fora ou para dentro do corpo invadido.
encomenda dele, o G. Klimt pintou um retrato da
para o outro. Todo es de todos, a palavra é coletiva e é
Um estímulo ao que não necessariamente precisa ser irmã do Wittgenstein, etc.) Um pesquisador
anônima.
estimulado, a não ser aos olhos de quem está ali invadindo, australiano polêmico, chamado Kimberly Cornish,
Nosso prazer não tem sido mais do que o ossário
natal do tempo morto. Pensar e escrever novamente como e sendo invadido. Não mais imitação, mas captura de chega a especular que “aquele menino judeu dos
uma violência e um prazer. Ser feliz significa poder tomar código, mais-valia de código, aumento de valência. tempos de escola”, que Hitler cita com desprezo
consciência de si mesmo sem susto. Produzir na abertura de um espaço onde o sujeito em Mein Kampf, como parte de seu “despertar”
A ESTÉTICA SAMPLER nasce da física. Somos que escreve não pára de desaparecer. A busca do anti-semita, teria sido ninguém menos do que o
movidos por impulsos elétricos espúrios provenientes de esvaziamento do eu. O eu não torna-se mais referência nosso W. Mas parece que isso é meio viagem. O
atividade elétrica na atmosfera terrestre. absoluta pois a escrita sampler opera com diversos eus. A que não é viagem é que W. e sua família foram
A escrita sampler é uma OPERAÇÃO. Não é um escrita torna-se o exercício do eu + 1, do eu somado a vítimas da perseguição nazista, tendo sido
projeto, mas a realização constante dessa operação. outros “eus” que falam – refalando – em seus textos. A espoliados em grande parte dos seus bens durante
O que “é incorporado” vira ruína junto com “o que já escrita sampler esvazia a figura do autor-ego, e seu papel o domínio fascista na Áustria. Para quem quiser
existe”. Só sobra o abismo do desgarrado. O novo solto sem em relação ao discurso, criando um novo jogo de forças e conhecer de forma mais confiável e menos vaga
referências. Esse é o bom sample: sem pai nem mãe. A escrita oposições possíveis. este e outros aspectos até bem mais intrigantes
como regime errante da letra órfã. O escritor não é mais A linguagem não pode mais se deixar prender à da biografia do Wittgenstein, eu recomendo
soberano, é também presa dessa letra órfã que circula. Só teatralidade filosófica do seu objeto. Deve se tornar, Wittgenstein: o dever do gênio, obra biográfica
uma letra órfã pode pedir uma escrita viva. Pelas mudanças também ela, um atentado por fascinação. escrita por Ray Monk e traduzida pela Cia. das
a que se expõe, a escrita sampler adquire uma espécie de Não significa que, daqui para a frente, não haverá Letras em 1995. Outra coisa boa é ver o filme
desarraigamento crônico: nunca mais se sentirá em casa, em forma na arte. Significa apenas que haverá uma nova forma, Wittgenstein, do Derek Jarman (disponível, acho
lugar nenhum, permanecerá psicologicamente mutilada. É e que essa forma será de um tipo que admitirá o caos, sem eu, na locadora do Estação Botafogo).
preciso nascer, sair do plasma que cobre os corpos invadidos, tentar dizer que o caos é na verdade outra coisa. Encontrar
romper o cordão umbilical. Você abre os olhos: sua mãe está uma forma que acomode a desordem: eis a tarefa do artista Helena Martins, em e-mail enviado recentemente
ali, deitada sobre a cama. Seu pai segura o cordão umbilical. hoje. As possibilidades analíticas precisam convergir, e a alguns alunos que se intrigaram com a presença
Você está no mundo. Bem-vindo! Mas você não está não se digladiar. “improvável” das duas crianças na mesma foto.

CLIQUE AQUI
www.estantevirtual.com.br
MASSAS - MOLHOS - PÃES - DOCES O site reúne os acervos de 465 sebos e livreiros, de 118 cidades, e ainda
Entregas em Domicílio coloca à disposição dos leitores cadastrados a própria estante virtual, para vender
livros do seu acervo através do site. Um jeito novo de comprar e vender livros
Leblon: 2259-1498
Barra: 2431-9192 usados, reunindo o acervo de centenas de sebos ao mesmo tempo!
Laranjeiras: 2285-8377
vale o clique!
www.massascantinella.com.br
6
Gênesis: Tudo do Nada De Yuri Amorim Cantiga das meninas das calçadas
No começo era o nada. O mais absoluto nada. Não havia luz, ar, água. Também não As meninas deslizam
havia contas pra pagar. Tudo era vácuo. Vago. Vão. Tudo era nada. Então, do nada, o nada se fez sinuosas, soturnas,
tudo. E se fez tudo por causa de nada: umas poucas palavras danadas. seus corpos franzinos
O universo - ao inverso do que o homem em conversa com si mesmo desconversa - teve na navalha do destino,
seu berço em versos. Versos proferidos do nada, muito provavelmente pelo Nada, que, ao contrário o meio-fio do colar
do que se espera, é muito mais do que se pensa. Sempre foi difícil aos olhos humanos notar que da princesinha do mar.
na escuridão devastadora, no frio mortal, no mais profundo abissal, também pode haver vida. E
vida inteligente! Pois o nosso Nada, sem muito que fazer naquele imenso nada, resolveu fazer Entre mesas apinhadas
tudo. E fez em versos. E, pra facilitar a vida do relator, versos em português. Facilitando ainda tulipas alouradas
mais, versos livres, sem formas nem estruturas pré-determinadas - afinal de contas não havia limões açucarados
nada em que pudesse se basear. flanam as meninas
Começou achando que todo aquele nada não ia levar a lugar nenhum. Além do mais olhos gulosos, arregalados,
achou tudo muito escuro por ali. Pôs-se a compor: nos petiscos variados.
“Sob o manto tenebroso de nada deitem-se infinitas janelas luminosas!”. E assim, de uma
só vez, milhares e milhares de estrelas brotaram no que veio depois a se chamar espaço. Apesar
Tão nuas e famintas,
do susto que tomou, o Nada viu que era bom. Então deixou. Logo percebeu que tinha em mãos
gafanhotos perdidos
um momento histórico então resolveu inventar alguém para registrar aquilo tudo. Dos versos
desvalidas na vida,
seguintes pendeu no espaço sideral alguém a quem resolveu chamar de Paulo Coelho. Mas não
gostou não. Então jogou fora. Na seqüência, corrigindo nos versos as imperfeições que geraram o imaginário inibido,
a aberração, acabou chegando a uma fórmula um tanto mais acertada e o resultado foi o meu choram por comida,
nascimento. Dessa forma eu fui a única criatura viva, além do Nada e do Paulo Coelho, que não sonham com vestidos.
testemunhou a criação do universo (ou parte dela).
Com o tempo o poeta Nada foi pegando o jeito da coisa. Em seus versos surgiram os Empurradas esfaimadas,
planetas, a roda, as galáxias, os elefantes, as pizzas e, por fim, a Internet. Depois de uns 5 dias pra fora da calçada
(ele também já tinha inventado os dias, os minutos e os anos), pensou: lá está a vilania, não a pé,
“Sacanagem! Ainda não parei de trabalhar por nem um minuto!”. negocia, disfarçada,
Nisso ele inventou o fim de semana. Não foram os melhores versos que o universo já a troca de ingênuos aromas
ouviu, mas vá lá, foi uma puta invenção! por sanduíche e picolé.
Depois que o Nada, antes de partir pro fim de semana, inventou os nomes dos dias da
semana, nunca mais fez nada! Sabe como é, né? Domingão... nada pro Nada fazer! Ficou No caminho aprendido,
acomodado. serpentes de pobre luxúria
Desde então tem sido isso tudo que a gente conhece: alimentar os peixes, fritar omeletes, anjos ou demônios anêmicos
falar besteiras, assistir à televisão, falar besteiras ainda piores e, de vez em quando, pensar no embalsamados de cola, não choram
sentido da vida, na origem do universo e outras coisas mais (“Quem veio primeiro? O ovo ou a levantam cotos de saias,
galinha?”). trejeitam, deitam e rolam.
Diz-se que um dia do nada, o Nada, cansado de tudo, vai dar fim a essa baderna. É o que
muitos preferem chamar de Apocalipse, acreditando naquele papo de que o céu vai se abrir e
Vão perpassando pela infância
anjos com trombeta vão vir separar o joio do trigo. Isso no máximo pode dar em um cereal novo.
pobres de serem crianças,
Se der tempo.
mosquinhas drosófilas fatigadas,
Nota do autor: Ao abandonar pelo espaço aquilo que chamou de Paulo Coelho, o Nada só não em bananas estragadas.
sabia que estava inventando mais uma coisa tremenda: a literatura esotérica de auto-ajuda. É que o tal Cecília choraria copiosas gotas,
sujeito, depois de vagar pelo universo por milênios infindos, se radicou num planeta chamado Terra e,
por incrível que pareça, se tornou Best-Seller. Alguém definitivamente achou bom. Sueli Rios

Transferências e Portadores de Diplomas: 24/4 a 31/5.

PÃES ANTIPASTOS MASSAS MOLHOS


PIZZAS SALGADOS DOCES TORTAS
Entregas na Gávea e Leblon
sábados, domingos e feriados
www.ettore.com.br
Av. Armando Lombardi, 800 - lojas C/D. Condado de Cascais, Barra da Tijuca - RJ
Tel.: 2493-5611 / 2493-8939
7
Entrevista por Marilena Moraes

M. Brito
Traduzindo para a televisão
SABRINA MARTINEZ é sócia-fundadora da Gemini Vídeo, empresa responsável pela tradu-
ção de grande parte das séries e programas a que assistimos na tv a cabo. Professora de Tradução
para Legendagem na PUC-Rio, achou um tempo no atarefado período que antecede a defesa de sua
dissertação de mestrado para conversar com o plástico bolha
Qual a sua formação? Você faz outro tipo de tradução, em Letras ou áreas afins e que conheça intimamente o
além da legendagem para televisão? Qual? português e seus diferentes registros, assim como, é claro,
a língua da qual traduzirá. É vital que ele tenha um ótimo
Eu me formei em Comunicação Social (Jornalismo) pela PUC ouvido, poder de síntese e que seja ágil, pois os prazos do
em 1992. Depois, fiz o curso de Formação de Tradutores mercado de tradução para TV são em geral muito curtos.
pela CCE (2 anos). Em 2002, fiz a Especialização em Tradução
na PUC e agora estou finalizando o Mestrado em Tradução, O profissional tem de ser eclético e aceitar trabalhos sobre
também na PUC. Eu me apaixonei pela tradução ainda na assuntos diversos?
faculdade de Jornalismo, depois de cursar o quinto período
na Universidade de Missouri através de um intercâmbio Se ele for, melhor para ele. Nos últimos anos, a TV por
promovido pela PUC. No sétimo período, quando eu era assinatura foi inundada de programas sobre culinária, por
estagiária do Jornal da PUC, fui cobrir uma palestra com a exemplo. Na minha empresa, temos muita dificuldade de
Monika Pecegueiro do Amaral. Ela falava sobre a tradução encontrar tradutores versados em culinária que aceitem
para legendas com tanto entusiasmo que me contagiou. traduzir uma série dessas. O mercado precisa de tradutores
Naquele momento eu percebi que também queria trabalhar de culinária! E também de tradutores com familiaridade com
com legendas e, assim que me formei, me inscrevi no curso games, por exemplo. Esse é outro assunto do qual todo
Para canções e poesias, por exemplo, a maioria dos
de Formação de Tradutores. Meu primeiro emprego em tradutor foge. Hoje em dia, um legendador que entenda de
clientes pede que o tradutor priorize o conteúdo, e não
tradução já foi com legendagem. Assim que terminei a games e de cozinha é disputadíssimo pelo mercado.
a forma. Ou seja, o importante não é quebrar a cabeça
formação, passei no teste da Globosat. Portanto, sempre
buscando uma rima ou tentando manter a métrica do
trabalhei com legendagem para a TV. Sendo o Brasil um grande consumidor de programas
estrangeiros, que requerem legenda, o mercado só tende original, mas tentar passar o conteúdo da mensagem
a crescer? Quais os principais softwares utilizados? presente no original. Se essa mesma pergunta fosse
Quais as principais diferenças entre a tradução de cinema
dirigida a um tradutor para dublagem, a resposta seria
e a de televisão?
Sim, a tendência do mercado é crescer, principalmente com completamente diferente.
As principais diferenças são técnicas. Por exemplo, a popularização do DVD, que comporta versões legendadas
Quais as principais dificuldades do profissional de
enquanto na tradução para a televisão a unidade de em até 32 línguas de um mesmo filme. Ou seja, até 32
legendagem no Brasil?
referência básica é o segundo, no cinema, a unidade básica tradutores podem participar da legendagem de um mesmo
é o pé de película. Um segundo de um programa de TV filme! No Brasil, os softwares mais usados hoje são o Horse
Não existem cursos de formação de legendadores, o que,
gravado no formato NTSC possui cerca de 30 frames (ou e o Subtitle Workshop, que pode ser baixado gratuitamente
a meu ver, é um problema. O mercado ainda é bastante
quadros), enquanto um pé de película contém 16 quadros. pela internet.
amador. Existem cursos e oficinas de treinamento, mas
Os legendadores precisam saber essas coisas para fazer o eles costumam ser rápidos, de poucas horas de duração,
cálculo de caracteres por segundo (ou pés de película), o A quem o profissional recorre se tem de legendar um filme
sobre um grupo específico, com um dialeto próprio? Ele e a legendagem é um tipo de tradução tão peculiar, tão
que tanto no cinema quanto na TV fica por volta de 15 específico e que exige o desenvolvimento de tantas
caracteres por segundo. Essa é a velocidade média na qual deve formar glossários? Quais as melhores fontes?
habilidades, que, na minha opinião, apenas um curso
uma pessoa adulta consegue ler uma legenda. Há algumas extenso de formação seria capaz de realmente suprir o
outras diferenças técnicas e de padrões em função das Os glossários sempre auxiliam o tradutor, assim como os
consultores para assuntos específicos. Mas a internet é mercado de profissionais bem-preparados. No Brasil,
dimensões das telas, mas, no geral, o trabalho é o mesmo. uma das poucas universidades que oferecem uma
Há um fator complicador na tradução para cinema. Muitas sem dúvida a melhor fonte de pesquisa e auxílio ao tradutor.
Sabendo como e onde pesquisar, encontra-se praticamente disciplina de Tradução para Legendagem na graduação
vezes, o tradutor recebe apenas o script original para traduzir. é a PUC. Acho que é assim que a formação do legendador
Ele não tem o auxílio das imagens para a tradução, o que de tudo na internet, inclusive dicionários de gírias e dialetos
muito bons. deve começar, na universidade.
dificulta imensamente o seu trabalho. Ou seja, enquanto o
original nesse caso é o script impresso, no caso da Qual o seu conselho para quem está interessado em
legendagem para TV, o original é sempre o arquivo de Há legendas feitas em português no exterior para consumo
no Brasil. São sempre ruins, feitas por amadores? traduzir legendas?
imagens.
Alguns canais de TV por assinatura legendam seus Observar as legendas da TV e do cinema, tendo sempre
Quais as principais qualidades do bom tradutor de em mente que as coerções de espaço e tempo exigem
legendas? Que formação precisa ter, além de conhecer os programas no exterior, sim, mas recentemente, devido
principalmente às reclamações constantes na imprensa, que o legendador sintetize em pelo menos 30% o
programas de computação utilizados? Um bom tradutor
temos notado um esforço por parte desses canais de original. Sabendo isso, fica mais fácil entender por que
de textos pode ser, automaticamente, um bom tradutor de
concentrar a legendagem de seus programas para consumo muitas vezes os tradutores usam o recurso da paráfrase
legendas?
no Brasil aqui mesmo. Essa é uma providência recente. ou deixam tantas informações de fora das legendas.
Vamos ver se vai dar resultado. Quem tem interesse em traduzir para legendas deve
Vou começar pela última pergunta. Não. Um bom tradutor
procurar desenvolver as habilidades que já mencionei,
de textos não necessariamente se adapta automaticamente
O tradutor tem de ser humilde e não meter a colher no como agilidade com o computador, poder de síntese,
à legendagem. Isso acontece principalmente por causa do
original? Como ele faz no caso de canções e poesias? redação, ouvido, etc., além das competências exigidas
nível extremo de resumo exigido pela tradução para
de todo tradutor, é claro.
legendas. Enquanto que na tradução de textos pode-se
recorrer a notas do tradutor e a traduções explicativas, na Esse é um assunto polêmico e que depende muito do tipo
legendagem as coerções espaço-temporais impedem isso, de tradução, do público-alvo e das exigências do cliente. Fundada em 2000, a Gemini Vídeo oferece curso de treinamento
o que faz com que muitos tradutores de textos não se Generalizações são sempre perigosas. No caso da de 40h para novos profissionais, através de seu centro de
acostumem à tradução para legendas. Quanto às qualidades legendagem, é praticamente impossível não meter a colher, formação em legendagem. Os interessados podem fazer contato
de um bom legendador, é importante que ele tenha formação devido ao nível de resumo exigido nesse tipo de tradução. pelo e-mail gemini@geminivideo.com.br
8
Contos de Mary Blaigdfield – A mulher que não queria falar sobre o Kentucky
De Lucas Viriato

O Café estava mais cheio naquela manhã,


disso ela tinha certeza. E o clima do lugar estava
Yuri Guriskch no saguão de um hotel em
Moscou.
Notas Cáusticas
diferente também. Uma atmosfera estranha no - Como você teve acesso a esse
Mosquito por Rodrigo N. C.
ar, pessoas que nunca havia visto ali, garçonetes material?
novas. Tudo muito estranho, como um sinal de - Eu sou muito próxima de várias Certas pessoas são tão relevantes quanto um
que algo de ruim estava prestes a acontecer. pessoas lá dentro. Tenho influências no projeto. mosquito. Mas nem todas são assim tão relevantes; há as
Ela caminhou por entre as mesas até - Isso não explica o fato de você ter que são menos — e é preciso que se lhes diga isso na
chegar no seu cantinho preferido, sua mesa de tido acesso a esse tipo de material. cara, do contrário, andam por aí diminuindo os mosquitos,
sempre, e se deparar com uns estrangeiros ali - O que você queria que eu fizesse?
que já são pequenos.
sentados. Maldita imigração, maldita globalização Recusasse? Dissesse que não estava interessada
– pensou, nervosa. Caminhou até o outro canto
(Eis por que teve início a rixa entre essas duas
neste tipo de informação? – Fala nervosa em
do Café e sentou-se em uma mesa qualquer. um tom de voz mais elevado, beirando o choro. espécies, muito antes do nascimento do próprio Creso.
Por que o clima havia de estar diferente - Se acalme, alguém pode prestar Foram os homens os primeiros a ofender a outra parte,
logo hoje? Justamente hoje, quando ela havia atenção em nós. uma vez que, em sua arrogância, diminuíram-na; e a outra
marcado um encontro tão importante naquele - Desculpe... parte, que era a dos mosquitos, que considerava a
local, sempre tão pacato. - Algo me diz que não foram apenas as diminuição um ataque ao seu direito de existir, declarou
Sentou no banco de couro vermelho e fotos que a levaram a marcar esse encontro. Tem guerra aos homens. E então, as picadas, o inseticida, o
chegou bem perto do vidro da janela. Sempre algo mais a dizer? mata-mosquito, a dengue, o jornal dobrado, a leishmaniose
gostou desse cantinho, desde pequena. Até hoje - Não... ...Quer dizer... ...Tenho sim... e... O resto está nas crônicas antigas, quem quiser que as
se lembra das brigas com o irmão quando os - Então diga logo, cada segundo que vá ler.).
pais os levavam à lanchonete. Uma eterna luta passa é um segundo a menos.
Pois bem, foi levando em conta esses fatos
pelo cantinho sem saídas e sem entradas, onde - É sobre algo que uma fonte do projeto
ela estaria segura e isolada. Vivendo no seu
históricos que, certa vez, não faz muito tempo, eu não
me informou. E diz respeito a você.
próprio mundo. - Como assim? – pergunta espantada. disse nada a um passante que passeava bem na minha
Pediu um café bem forte para a - É algo pessoal, mas, como sou sua frente, que nem um mosquito, mas pior do que um
garçonete e começou a se distrair olhando os amiga, me senti na obrigação de... mosquito pelas razões que eu já referi. Não lhe disse nada,
carros passarem na rua. Carros de todas as cores, São interrompidas pela garçonete porque não o diria sequer a uma mosca, quanto mais a
todos os tipos. Tantos carros, e ela não sabia deixando o capuccino na mesa. A garçonete se uma pessoa. O passante, notando isso, me perguntou:
nada sobre carros. Mas nem por isso deixava afasta e a conversa continua: — Por que é que você tá me tratando que nem
de se distrair vendo os carros passarem. - Andrezza Pascuoletto, ou a senhora mosquito?
- Mary Blaigdfield! vai direto ao ponto ou eu sou capaz de perder E, novamente, não lhe disse nada; porque ele não
Mary é sugada de volta ao mundo real a cabeça! era mosquito, era gente; porque, ainda que ele fosse uma
assim que se deu conta de que alguém gritará - Mary, eu vim aqui para conversar, para
porcaria de um mosquito, eu não ia responder, porque
seu nome. Era quem ela estava esperando. saber se você esta precisando conversar...
- Andrezza Pascuoletto!
mosquitos não falam, nem entendem; e porque os
- Sobre o quê!?!?
- Quanto tempo! - Sobre... sobre.... mosquitos merecem mais respeito do que ele, ainda que
- É, faz muito tempo realmente. - Sobre????? não falem, nem entendam. E porque... Ah!
- O seu cabelo está diferente. - Sobre o que ocorreu no Kentucky... — Te peguei, bandido! — foi o que eu disse, e
- É, eu cortei. Mas sinta-se à vontade, eu não quero forçar na.... dei com o jornal bem no meio do nariz dele.
- Ficou ótimo. – é interrompida pelo olhar de Mary Blaigdfield
- Obrigada. Sente-se. piscando incessantemente. Nos últimos
Andrezza Pascuoletto senta-se no banco momentos em que ainda pôde, ela balbuciou:
em frente ao dela e também se arrasta até o - Eu... não quero... falar... sobre o Khrónos
cantinho, deixando a bolsa e a pasta do seu lado. Kentucky.
- Este lugar é sempre assim? É, naquele dia o café estava bem Sim, ela quis acreditar
- Não, hoje está diferente, mais cheio. – diferente mesmo, mas na verdade ninguém mais
respondeu Mary olhando ao redor – Mas, parou para prestar atenção nisso depois do Que o tempo podia parar
Andrezza, nós não combinamos de nos show de horrores de Mary Blaigdfield. Enquanto o marido pagar
encontrar aqui para analisar o movimento da Convulsões, gritos de dor, histeria, tremedeiras,
casa. O que você tem para me mostrar? soluços. Dessa vez ela chegou a urinar nas calças
Seu rosto não vai enrugar
Andrezza tira a pasta do banco e a em meio à tremedeira. Andrezza, assustada, se
coloca no colo. Começa a procurar algo. É aproximou para ajudar.
interrompida pela garçonete trazendo o café de Brewewreerr.
A toda hora um repuxar
Mary. Pede um capuccino, e continua a procurar O grupo de turistas ficou horrorizado Sem medo de a cara entortar
até tirar de dentro da pasta um envelope pardo, quando Andrezza Pascuoletto passou toda De tanta injeção de botox
que coloca na mesa. engosmentada de preto ao lado deles. Realmente
- O que é isso? – pergunta Mary, o fedor era horrível. Não passa de mero xerox
enquanto adoça o seu café.
- Fotos. Fotos mostrando o momento Ela é Mary Blaigdfield Marilena Moraes
em que Larie Boferman aceita dez milhões de e ela não quer falar sobre o Kentucky.

Você também pode gostar